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Instituto de Educação Continuada - PUC Minas Curso de Pós-graduação em Produção em Mídias Digitais Disciplina: Análise Crítica em Mídias Digitais – Professor Richardson Pontone Aluna: Janaina Rochido– Data: 03/11/2009 Tema escolhido: movimentos sociais – a comunicação dentro do movimento zapatista O Exército Zapatista de Libertação Nacional e seu uso da Comunicação digital: um caso de resistência e sucesso RESUMO: Após um breve histórico do Exército Zapatista de Libertação Nacional – EZLN –, fazer uma análise de como ele se utiliza das mídias digitais (sítios, blog, etc.) para levar sua mensagem ao mundo e como esta é disseminada por ONGs e outros movimentos simpatizantes. Além destes aspectos, discutir as formas e ferramentas que Exército Zapatista utiliza para que os visitantes interajam com o movimento por meio de seus sítios na internet. PALAVRAS-CHAVE: Comunicação digital; minorias; guerrilha; EZLN; redes; internet. INTRODUÇÃO O primeiro dia do ano novo de 1994 trouxe para os mexicanos, ao invés dos tradicionais fogos de artifício, um movimento social que se tornou uma das referências em resistência no mundo. Tratava-se da primeira aparição pública do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), movimento de guerrilha formado majoritariamente por indígenas maias e inspirado na luta de Emiliano Zapata Salazar, um dos líderes da Revolução Mexicana de 1910. Estabelecidos nas montanhas dos Chiapas, no México, e utilizando a Selva Lacandona como proteção natural a suas operações, o movimento defende uma gestão democrática do território, a participação direta da população no governo, a partilha da terra e da colheita. Sempre com capuzes pretos escondendo os rostos, os zapatistas têm como figura central seu porta-voz, o Subcomandante Insurgente Marcos.

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Artigo apresentado à disciplina Roteiro para Hipermídias, do curso de Pós-graduação em produção em Mídias Digitais do IEC PUC Minas. O objetivo do trabalho foi analisar alguns aspectos da comunicação dentro do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN).

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Page 1: O Exército Zapatista de Libertação Nacional e seu uso da Comunicação digital: um caso de resistência e sucesso

Instituto de Educação Continuada - PUC Minas

Curso de Pós-graduação em Produção em Mídias Digitais

Disciplina: Análise Crítica em Mídias Digitais – Professor Richardson Pontone

Aluna: Janaina Rochido– Data: 03/11/2009

Tema escolhido: movimentos sociais – a comunicação dentro do movimento zapatista

O Exército Zapatista de Libertação Nacional e seu uso da Comunicação digital: um caso

de resistência e sucesso

RESUMO:

Após um breve histórico do Exército Zapatista de Libertação Nacional – EZLN –, fazer uma

análise de como ele se utiliza das mídias digitais (sítios, blog, etc.) para levar sua mensagem

ao mundo e como esta é disseminada por ONGs e outros movimentos simpatizantes. Além

destes aspectos, discutir as formas e ferramentas que Exército Zapatista utiliza para que os

visitantes interajam com o movimento por meio de seus sítios na internet.

PALAVRAS-CHAVE:

Comunicação digital; minorias; guerrilha; EZLN; redes; internet.

INTRODUÇÃO

O primeiro dia do ano novo de 1994 trouxe para os mexicanos, ao invés dos tradicionais

fogos de artifício, um movimento social que se tornou uma das referências em resistência no

mundo. Tratava-se da primeira aparição pública do Exército Zapatista de Libertação Nacional

(EZLN), movimento de guerrilha formado majoritariamente por indígenas maias e inspirado

na luta de Emiliano Zapata Salazar, um dos líderes da Revolução Mexicana de 1910.

Estabelecidos nas montanhas dos Chiapas, no México, e utilizando a Selva Lacandona como

proteção natural a suas operações, o movimento defende uma gestão democrática do

território, a participação direta da população no governo, a partilha da terra e da colheita.

Sempre com capuzes pretos escondendo os rostos, os zapatistas têm como figura central seu

porta-voz, o Subcomandante Insurgente Marcos.

Page 2: O Exército Zapatista de Libertação Nacional e seu uso da Comunicação digital: um caso de resistência e sucesso

É interessante citar que o objetivo do EZLN não é tomar o poder, mas sim reivindicar o

respeito aos direitos negados aos povos indígenas mexicanos. A data para sua aparição oficial

foi escolhida por ser a mesma da assinatura do NAFTA (acordo de livre comércio entre

Estados Unidos, México e Canadá – criado também em 1º de janeiro de 94), ao qual também

se opõem.

A fundação do EZLN, no entanto, é anterior ao ano de 1994 – mais precisamente, logo após a

Revolução Mexicana de 1910, quando a ditadura de Porfírio Diaz foi derrubada e o Partido

Revolucionário Institucional (PRI) tomou o poder, lugar que ocupou até a eleição de Vicente

Fox (Partido da Ação Nacional), em 2000. Nestes mais de 70 anos, os movimentos populares

que discordavam da administração do PRI foram dura e constantemente reprimidos, com

perseguições, prisões, tortura e desaparecimento de centenas de pessoas em todo o território

do México. Isso levou à formação dos movimentos armados clandestinos para melhorar as

condições de vida da população pobre.

O EZLN nasceu como o braço em Chiapas das Forças de Libertação Nacional (FLN),

movimento armado que pretendeu organizar milícias em todo o país e preparar-se para o

momento em que houvessem condições maduras para a revolução – isso no final dos anos 60

do Século XX. O único órgão das FLN que prosperou, no entanto, foi o EZLN1. Atualmente,

o EZLN se tornou uma entidade independente, ainda sediada nas montanhas dos Chiapas e

fazendo oposição ao governo de Vicente Fox, com quem se reuniram em 2001, após a Marcha

dos Zapatistas, que passou por 13 estados mexicanos percorrendo 6.000 quilômetros em 37

dias.

O Movimento Zapatista em muito se assemelha ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra (MST) brasileiros em certos aspectos. Além de se organizarem em oposição ao governo,

também possuem, em seus interiores, estruturas para eventos2 voltados aos interesses do

EZLN e das comunidades que os rodeiam e apóiam, escolas, comércio, saúde de seus

integrantes, comissões organizadas para assuntos diversos, movimento de mulheres e

crianças, além de recursos para Comunicação – inclusive se utilizando das novas tecnologias

1 FIGUEIREDO, Guilherme Gitahy. Terra, Violência e Outra Democracia: O Caso do EZLN. In: Com Ciência – Reforma Agrária, 2003. 2 Por exemplo, o Primer Festival Mundial de la Digna Rabia - festival convocado pelo EZLN que aconteceu de 26 de dezembro de 2008 a 5 de janeiro de 2009, no Distrito Federal, em Oventic (Chiapas) e em San Cristóbal de Las Casas (Chiapas).

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e mídias digitais, tema que pretendemos abordar neste texto.

A SUA VERDADE, CLARA E TRANSPARENTE

Uma vez que, assim como o MST no Brasil, o Exército Zapatista sofre oposição por parte da

grande imprensa mexicana, tornou-se necessário ter uma estratégia em Comunicação, de

maneira que sua voz pudesse ser ouvida mundo afora sem as distorções proporcionadas por

interesses particulares de empresários, autoridades militares e governo. O EZLN transformou

a Comunicação em um de seus eixos de ação, juntamente à Democracia. A respeito, escreveu

Guilherme Gitahy de Figueiredo:

“a ameaça de extermínio foi e é um estímulo importante para o zapatismo se tornar um exemplo ainda inigualável de estratégia de participação e comunicação por parte de um grande movimento social. São milhares de pessoas observando, registrando, organizando, interpretando, traduzindo e disponibilizando informações sobre Chiapas pelos mais diversos meios, interpondo um eficiente obstáculo à repressão.” (FIGUEIREDO, 2003)

Diferentemente do MST, no entanto, o EZLN conseguiu penetrar na grande mídia e até obter

uma reputação positiva junto a algumas empresas de comunicação, em troca de exclusividade

no fornecimento de informações sobre as ações do movimento. Uma das primeiras medidas

do grupo, quando de seu surgimento, foi a tomada de uma rádio na cidade de San Cristobal de

las Casas, por meio da qual transmitiram a 1ª Declaração da Selva Lacandona3.

Logo, logo, as facilidades de comunicação e a dificuldade de censura encontradas na internet

foram percebidas pelo EZLN (assim como outros grupos alternativos e grupos de resistência

política em todo o mundo) e estes rapidamente aprenderam a se comunicar e difundir suas

idéias fazendo uso das novas tecnologias, proporcionando, por várias vezes, uma versão dos

fatos diferente da difundida pelos meios de comunicação “oficiais”:

“Atualmente, é a popularização da internet que ocupa o tempo dos ideólogos do poder. Segundo Joseph Nye Jr, ‘a revolução da informação está alterando radicalmente o universo da política externa norte-americana e dificultando seu controle pelos diplomatas’. Esta dificuldade estaria ligada à descentralização e democratização no uso da rede como meio de transmissão de informação e propaganda política, não sendo mais necessário um grande

3 Neste documento, os Zapatistas apresentaram as onze reivindicações iniciais do movimento: “trabajo, tierra, techo,

educación, alimentación, salud, independencia, liberdad, democracia, justicia y paz”.

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aparato tecnológico para que as informações sejam colocadas na rede e enviadas para todo o globo. Utilizando-se de um computador com modem, pode-se comunicar com todo mundo. Esta facilidade faz com que o tráfego na internet dobre a cada cem dias, e seu controle se torne a cada dia mais dificil.” (BISCO Jr. e LINO, 2006)

Mesmo em épocas de calmaria (existe calmaria para as guerrilhas e seus participantes, uma

vez que as condições contra as quais eles lutam ainda são as mesmas?), a comunicação dos

Zapatistas com o resto do mundo desempenha papel central em suas ações. O EZLN possui

um sítio oficial na internet que redireciona o visitante a outros dois. No principal (endereço

oficial do movimento na rede), o E – Z – L - N (http://www.ezln.org.mx/index.html), o

visitante já é recebido com uma mensagem informando o propósito de sua existência:

¡ADVERTENCIA!

Este sitio web publica contenido relacionado con la

Sexta Declaración de la Selva Lacandona del Ejército Zapatista de Liberación Nacional.

A partir daqui, o visitante pode escolher entre os dois sítios oficiais do movimento, o Enlace

Zapatista (http://enlacezapatista.ezln.org.mx/) e a ZeztaInternazional

(http://zeztainternazional.ezln.org.mx/ – veja printscreen de ambos ao final deste texto). O

primeiro é uma bitácora (blog) da Comisión VI do EZLN que traz notícias, denúncias e

informes dos Caracoles, centros políticos e culturais do EZLN e das Juntas de Buen

Gobierno, sistema de governo autônomo implementado no território Zapatista4. O segundo,

cujo nome remete à Sexta Declaração da Selva Lacandona, é mais institucional (se é que é

possível utilizar este termo em relação a um movimento popular contrário às instituições, em

seu sentido tradicional), trazendo notícias sobre o movimento em geral, suas diversas

comissões e frentes de atuação (saúde, comércio, crianças, mulheres, etc.) e galerias de fotos

de várias atividades e eventos.

ESTRUTURA DOS SÍTIOS E FERRAMENTAS

Aqui, torna-se necessário e interessante apontar a importância dada pelos Zapatistas à sua

comunicação em meio digital, refletida no cuidado com ambos os sítios. Houve uma

preocupação com a apresentação das informações, com a navegabilidade e com a interação

4 ORTIZ, Pedro. Das montanhas ao ciberespaço. In: Revista Fórum (meio digital), 2008.

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com o público, haja vista os espaços para comentários dos textos e nas áreas de downloads. O

visitante também tem à sua disposição a possibilidade de ouvir as falas dos participantes do

EZLN nos diversos eventos e reuniões que organizam. Características que promovem uma

ligação entre movimento e público, reforçando o caráter democrático do Exército Zapatista.

Os dois sítios também possuem sistema de buscas e links para outros locais relacionados ao

movimento e as causas que apóiam e para outras publicações eletrônicas do movimento5. As

informações sobre as atividades dos Zapatistas foram muito além destes sítios, como já

mencionado. Ganharam reprodução em veículos (impressos ou não) de outros movimentos

sociais e ONGs ao redor do mundo que apoiavam o EZLN, divulgando suas propostas e

problemas, além de se encarregarem de prover a rede com relatórios sobre as baixas nas zonas

de conflito e a situação de violação de direitos humanos pelo governo mexicano:

“Ao mesmo tempo em que a guerra de Chiapas ganhava espaço na mídia, já nos primeiros dias de janeiro de 94, os comunicados zapatistas do Comitê Clandestino Revolucionário Indígena – CCRI, instância máxima do EZLN, ou aqueles firmados pessoalmente pelo subcomandante Marcos, começaram a circular pelo mundo não só através das páginas dos jornais e de revistas de grande circulação, como também em algumas publicações independentes e na internet. Jornais como “La jornada” – o primeiro publicar a “Declaración de la Selva Lacandona” – e simpatizantes mexicanos do movimento zapatista se encarregavam de colocar os textos do EZLN nos endereços eletrônicos que foram surgindo com informações de Chiapas. No México, grupos de discussão e conferências sobre Chiapas surgiram em “Laneta”, a conexão mexicana via internet com a “teia” de redes eletrônicas alternativas onde estão conectados muitos movimentos de direitos humanos, ONGs e ativistas em vários países, a partir de San Francisco, Califórnia (EUA) sede da APC – Association for Progressive Communications (Associação para as Comunicações Progressistas).” (BISCO Jr. e LINO, 2006)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As conquistas do Exército Zapatista de Libertação Nacional via mídias digitais, mesmo

depois de 15 anos de fundação, são impressionantes e prova viva da mobilização possível via

rede. Com a evolução crescente das novas mídias e tecnologias, a tendência é que o EZLN

possa cada vez mais impor sua própria versão da História da guerrilha mexicana a todos.

5 Ver em http://enlacezapatista.ezln.org.mx/, ao final da página.

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As mudanças reivindicadas pelos guerrilheiros ao governo mexicano podem estar longe de

acontecer, já que o mundo parece não pretender mudar sua economia e seus sistemas de

governo, mas suas mensagens vão chegar ao mundo todo sempre, seja pela voz da “cara” do

EZLN, o Subcomandante Insurgente Marcos ou pelas centenas de publicações – impressas e

digitais – no mundo todo que reproduzem seus comunicados e difundem seus eventos e

notícias.

ANEXOS:

Reprodução da página principal do sítio Enlace Zapatista:

Page 7: O Exército Zapatista de Libertação Nacional e seu uso da Comunicação digital: um caso de resistência e sucesso

Reprodução da página principal do sítio ZeztaInternazional:

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

BISCO Jr., José Gaspar e LINO, Sônia Cristina. “Guerrilha Eletrônica: o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e o uso das mídias audiovisuais contemporâneas”. In: Usos do Passado -

XII Encontro Regional de História ANPUH-RIO, 2006, Niterói/RJ. FIGUEIREDO, Guilherme Gitahy. Terra, Violência e Outra Democracia: O Caso do EZLN. In: Com Ciência – Reforma Agrária, 2003. Disponível em http://www.comciencia.br/reportagens/agraria/agr15.shtml. Acessado em 31/10/2009. ORTIZ, Pedro. Das montanhas ao ciberespaço. In: Revista Fórum (meio digital), 2008. Disponível em http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/EdicaoNoticiaIntegra.asp?id_artigo=5268. Acessado em 01/11/2009. Wikipédia. Movimento Zapatista. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_zapatista#Refer.C3.AAncias_bibliogr.C3.A1ficas. Acessado em 31/10/2009.