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Natália Balbi Amatto
O Estranho e o Estrangeiro
Monografia submetida ao Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas da Universidade Federal de Juiz de Fora, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de bacharel em Letras: ênfase em Tradução - Inglês, elaborada sob a orientação da Prof. Dra. Maria Clara Castellões de Oliveira.
Juiz de Fora
Faculdade de Letras
Universidade Federal de Juiz de Fora
Abril 2007
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AGRADECIMENTOS A Maria Clara:
Por não me deixar desistir. Pelo impenho, paciência, esíimulo e por tudo o que me ensinou, para a traducão e para a vida,
A meus pais, Carmelia e Antonio Carlos:
Por acreditarem em mim e me apoiarem em todas as minhas escolhas,
Faculdade de Letras Juiz de Fora
Abril de 2007
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SUMÁRIO
Introdução..............................................................................................4 Capítulo 1 Leituras em torno de Venuti..................................................................13 1.1. As leituras de Frota e Gentzler....................................................14
1.2. As propostas de Venuti diante do contexto latino-americano.....18
Capítulo 2 Testando Hipóteses……………………………………………………..23 Conclusão.................................................................................................34 Referências Bibliográficas........................................................................37
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Introdução
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Friedrich Schleiermacher, no ensaio "Sobre diferentes métodos de tradução"
(1813), detectou a existência de dois métodos básicos de tradução que, mais tarde,
Lawrence Venuti nomeou domesticação e estrangeirização em seu livro The
translator's invisibility (1995). Esses métodos se constituiriam a partir de motivações
a princípio excludentes, quais sejam, a de levar o texto até o leitor ou a de conduzir o
leitor até o texto. A esse respeito, Venuti fez o seguinte comentário:
Admitindo que a tradução nunca se adequará completamente ao texto estrangeiro, Schleiermacher permitiu que o tradutor escolhesse entre um método domesticante - uma redução etnocêntrica do texto estrangeiro aos valores culturais da língua de tradução, trazendo o autor de volta pra casa -, e um método estrangeirizante, - uma pressão para o afastamento desses valores, visando registrar as diferenças língüísticas e culturais to texto estrangeiro, enviando o leitor para o exterior (VENUTI,1995, p. 20, minha tradução).
Uma tradução estrangeirizante registraria diferenças lingüísticas ao ser mais
literal, ou seja, privilegiando a estrutura lingüística do original, enquanto uma
tradução domesticante seria aquela livre para transformar a estrutura do texto original,
adaptando-a às características lingüísticas da língua meta - priorizando o sentido e não
a forma.
Se relacionadas aos procedimentos técnicos da tradução propostos por Jean Paul
Vinay e Jean Darbelnet, abordados por Heloísa Barbosa em procedimentos técnicos
da tradução: uma nova proposta (1997, p 46-55) e a seus dois eixos - tradução direta
e tradução oblíqua - a tradução domesticante estaria relacionada à tradução oblíqua,
que produziria "um texto idêntico ao que sairia espontaneamente de um cérebro
monolíngüe" (BARBOSA, 1997, p. 47). Já a tradução estrangeirizante "implicaria em
uma tradução apenas literal – que nem sempre teria como resultado a forma mais
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natural" (BARBOSA, 1997, p. 48), ou seja, a forma como um falante da língua de
chegada escreveria aquele mesmo trecho.
Durante o curso de Bacharelado em Letras: Ênfase em Tradução - Inglês da
Universidade Federal de Juiz de Fora, porém, me deparei com traduções em que não
houve por parte dos tradutores a escolha pela adoção de um dos dois métodos com
exclusividade. Essa inconstância no uso dos dois métodos de tradução fora tema de
Milene Borges para a monografia de conclusão do mesmo curso (2002). Nela, Borges
constatou a existência de uma tendência de os tradutores de textos ficcionais se
valerem de ambos os métodos durante a realização da tradução de um mesmo texto,
tendência essa por ela denominada “instabilidade do tradutor”.
Diante de tal instabilidade, avaliada criticamente durante o curso, a primeira
impressão era a de que o tradutor não tomara o cuidado necessário para homogeneizar
seu texto, deixando-o anacrônico e não obtendo qualquer um dos efeitos propostos
pelos dois métodos. Assim, consideramos que nem a leitura se dava de maneira
fluente - como se fosse um texto escrito na própria língua de tradução -, nem ficava
marcada a cultura da língua original da maneira como esperávamos - levando em
conta nossos conhecimentos dessa língua e da cultura do original e da própria língua
de partida, além de nossos preconceitos sobre o assunto.
A proposta deste trabalho, a princípio, era a de avaliar como essa instabilidade,
nos níveis lingüístico e cultural, interferiria na compreensão dos leitores de um
determinado texto traduzido. Percebi, porém, que deveria levar em consideração que a
maneira crítica como conduzi a leitura dos textos em que considerei haver essa
instabilidade não era a maneira como um leitor não-profissional a faria e sim como
faria um tradutor ou estudante de tradução (enfim, um leitor especializado), como era
meu caso.
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Assim, a avaliação do impacto da instabilidade passou a ser apenas uma das
etapas para a validação de uma questão levantada durante as primeiras pesquisas a
respeito da dicotomia estrangeirização/domesticação: a de que essas noções deveriam
ser definidas a partir da recepção do texto traduzido por um determinado público-
leitor, ao invés de em função dos procedimentos tradutórios adotados.
Schleiermacher aborda a escolha e o impacto do uso de um dos dois métodos
levando em consideração a bagagem cultural do autor e do tradutor no
desenvolvimento de uma tradução, quais dessas bagagens o tradutor optaria por usar e
quais deixaria de lado, visando determinado efeito na recepção. Ele aborda o tradutor
enquanto leitor da obra original e a influência de sua bagagem sobre suas impressões
e interpretações da mesma, porém não enquadra o leitor do texto traduzido da mesma
maneira e sim como um ponto previsível envolvido no projeto de tradução.
Deve-se questionar, porém, a possibilidade de se definir o caráter
estrangeirizante ou domesticante de uma tradução tendo o autor, o tradutor e o leitor
uma relação distinta com a língua de chegada. Segundo Venuti, "uma tradução
domesticante inscreve nos textos estrangeiros valores lingüísticos e culturais
inteligíveis para comunidades domésticas específicas" (1995, p.20). Tomando como
base conceitos pós-estruturalistas, em que uma palavra pode dizer coisas diferentes
para pessoas diferentes em comunidades e em períodos históricos diferentes, somente
sendo possível construir ou desconstruir significados baseados nessas diferenças,
deve-se questionar a possibilidade de definir o que é inteligível ou não, uma vez que
cada leitor é um indivíduo dotado de uma formação lingüística e cultural bastante
específica e pessoal.
Ao usar a idéia de "inscrição", Venuti trata o caráter domesticante ou
estrangeirizante de um texto de forma prescritiva, algo sobre o qual o tradutor tem
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absoluto controle e escolherá as formas de fazê-lo. Acredito, porém, que a visão geral
do tradutor sobre determinado assunto ou mesmo sobre uma determinada língua
estrangeira pode diferir por completo da visão dos envolvidos no processo de leitura.
Assim, para dizer que o tradutor leva o autor até o leitor, o que representaria uma
tradução estrangeirizante, dever-se-ia, antes de tudo, considerar qual a bagagem
cultural, história e lingüística desse leitor e a influência das mesmas na recepção.
É preciso considerar que atualmente ocorre uma crescente diluição entre as
fronteiras do que seria considerado domesticante e do que seria considerado
estrangeirizante por parte do leitor de uma tradução, em especial quando uma das
línguas envolvidas nesse processo é a língua inglesa. Essa diluição pode ser atribuída
à aquisição do status de língua franca pelo inglês, uma vez que é ela que vem
dominando o mundo da Internet, do entretenimento (cinema, TV, música) e dos
negócios, por exemplo.
Assim, a reflexão de Schleiermacher sobre qual seria a função do tradutor ao
optar por um dos dois métodos, pensada no início do século XIX, não poderia ser
sustentada nos dias de hoje, pois pressupõe que o tradutor seja capaz de definir qual a
posição dos leitores em relação à língua original de um texto:
A diferença entre ambos os métodos e o fato de que esta sua relação seja contraditória ficam necessariamente evidentes. No primeiro caso, a saber, o tradutor está empenhado em substituir, através de seu trabalho, a compreensão da língua de origem, que falta ao leitor. Ele tenta transmitir ao leitor a mesma imagem, a mesma impressão que ele próprio teve através do conhecimento da língua de origem da obra, de como ela é, e tenta, pois, levá-los à posição dela, na verdade estranha para ele (SCHLEIERMACHER, 2001, p. 43)
Como dito, as redes de comunicação desenvolvidas nas últimas décadas, como as
comunicações por satélite, as telecomunicações móveis e, sobretudo, a Internet,
permitem uma fluidez da informação que Schleiermacher não poderia conceber. Com
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essas transformações, o perfil do tradutor em muito se transformou, não havendo, nos
dias de hoje, limites à quantidade e à variedade de informações às quais esse
profissional tem acesso. O mesmo se pode dizer dos leitores.
A globalização da informação, da comunicação e os movimentos migratórios
caracterizam, hoje, as sociedades atuais, transformando-as. Contudo, esse processo
não é democrático. É impossível supor a quantidade de informação que um
determinado leitor possui em relação a determinada língua, a determinado assunto, a
determinada cultura. Assim, é também impossível determinar se existe ou não - e em
que medida - essa falta de compreensão do original e se uma tradução dita
estrangeirizante causaria ou não estranheza a seus leitores.
O leitor precisa ser considerado enquanto um indivíduo inserido – e também
participante – nesse processo de globalização da informação. Com o aumento da
facilidade (real ou virtual) de deslocamento de um país para outro, as fronteiras do
conhecimento não são mais ditadas ou limitadas pelo país de origem ou pela língua
materna de um indivíduo. E tampouco podem ser supostas, uma vez que a
proximidade imposta pela globalização configura os tempos em que vivemos e gera
mudanças culturais a ritmos muito acelerados. Além disso, o desenvolvimento
científico e tecnológico, verificados no campo da informação, colocaram novas
necessidades de comunicação aos povos do mundo, valorizando-as, o que tem
repercutido, também, num expressivo estímulo à aprendizagem de línguas,
divulgando-as significativamente.
Assim, outro argumento de Schleiermacher que atualmente não procede é o de
que "assim como um país, a pessoa tem de se decidir a pertencer a uma ou outra
língua; ou oscila sem segurança em infeliz equidistância" (2001, p. 71). Esse
argumento de Schleiermacher pressupõe que cada língua seja simplesmente exterior à
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outra, existindo assim dois pólos opostos - a língua materna e a língua estrangeira -,
sendo possível optar por um deles exclusivamente. Essa concepção se encaixa no que
Jacques Derrida chamou de lógica do complemento, que segundo Silviano Santiago
em Glossário de Derrida (1976, p. 14): "está ligada ao pensamento da metafísica
ocidental, à lógica da identidade e da presença. Supõe, portanto, a presença das
dicotomias clássicas, como dentro/fora, bem/mal, etc".
Somente seria possível, no entanto, dizer que um termo é oposto ao outro se
cada um deles possuisse um significado transcendental isolado, alheio ao significado
de outros termos - da mesma língua ou não. Para Derrida, em Torres de Babel (2002,
p 44), "a existência de um nome absoluto em um idioma absoluto na sua pureza é
impossível [...] esta marca só pode ser o que ela é numa relação de diferenciação e,
portanto, de contaminação". Assim, estando as línguas "contaminadas" umas pelas
outras, a língua materna não seria oposta à língua estrangeira, e os métodos
estrangeirizante e domesticante não seriam opostos um ao outro, sendo a relação entre
esses métodos melhor definida pela lógica do suplemento: "o suplemento é uma
adição, um significante disponível que se acrescenta para substituir e suprir uma falta
do lado do significado e fornecer o excesso de que é preciso" (SANTIAGO, 1976, p.
88).
Ao invés de discutir o impacto da escolha de determinado método de tradução
no desenvolvimento de uma cultura - que aspectos da cultura estrangeira ou nacional
essa escolha valorizaria, sob quais interesses, etc - é preciso considerar como uma
cultura, desenvolvida de uma determinada forma, sob determinados interesses,
influenciará a maneira como uma tradução é feita e, principalmente, recebida. O
caminho a ser aqui percorrido tem o leitor como foco. O que determina a naturalidade
do uso de um determinado termo ou conceito é o que o leitor conhece ou o que
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reconhece neste termo ou conceito. O leitor atual lerá um texto traduzido de forma
atual, com uma multiplicidade de interpretações determinada por diferentes
influências.
Desta forma, só na fase de leitura do texto traduzido se poderia avaliar a
relevância ou não da bagagem cultural e lingüística de um dado leitor, que levaria ou
não à existência do estranhamento atribuído ao método estrangeirizante. O método
contrário, o domesticante, poderia incluir o uso de elementos do original se
considerarmos fazer juz à língua de tradução incluir elementos estrangeiros que a ela
já são naturais, especialmente em se tratando de países como o Brasil, que
tradicionalmente procuram dar conta das tradições estrangeiras que atuam sobre seu
contexto de forma crítica, contrastando-as com as tradições nativas.
Assim sendo, essa monografia passa a se construir como uma crítica à tipologia
tradutória sugerida por Schleiermacher e utilizada por Venuti, pois ao se definir o que
seria uma tradução "estrangeirizante" e o que seria uma tradução "domesticante" a
repercussão desses procedimentos para uma comunidade leitora - que possui
peculiaridades econômicas, políticas e sociais - não é considerada.
Schleiermacher, e posteriormente Venuti, não somente posicionou os métodos
estrangeirizante e domesticante como opostos, como também privilegiou o último -
sem considerar o sujeito leitor. Tais conceitos deveriam deixar de ser socialmente
construídos para constituir-se em função de comunidades de leitores bem menores do
que aquelas pretendidas por Schleiermacher e até mesmo por Venuti.
Este trabalho partirá de uma análise de como teóricos da tradução, ao realizarem
suas leituras e críticas sobre os principais pontos das teorias de Venuti que serviram
de base para sua definição de "dometicante" e "estrangeirizante", se aproximam do
que desejo demonstrar, sem, no entanto, incluir o leitor final da tradução em suas
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análises. Procurarei demonstrar a importância da inclusão desses leitores nessas
análises através de um levantamento que tem como principal objetivo mostrar a
impossibilidade de generalização, a necessidade de se considerar a singularidade -
cultural, social, lingüística - de cada um desses sujeitos-leitores, o que impossibilitaria
a definição de um texto como em si "domesticante" ou "estrangeirizante" durante a
realização de uma tradução.
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1. Leituras em Torno de Venuti
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No primeiro momento deste capítulo, procurarei mostrar em que aspectos as
leituras de Lawrence Venuti feitas por Maria Paula Frota e Edwin Gentzler se
aproximam do que busco questionar com este trabalho: a possibilidade de se aplicar
no contexto atual da tradução (século XXI, mundo globalizado) os conceitos de
estrangeirização e domesticação de Venuti.
Em seguida, analisarei os papéis do tradutor e leitor latino-americano em seu
contexto, em contraste com os papéis do leitor e tradutor tal como elaborados por
Venuti ao elaborar esses mesmos conceitos, valendo-me, para tanto, de pensamentos
de Ivone Benedetti e Silviano Santiago.
1.1. As Leituras de Frota e Gentzler
A análise da teoria da invisibilidade do tradutor de Lawrence Venuti realizada
por Maria Paula Frota, no livro A Singularidade da Escrita Tradutória (2000),
focaliza não só as críticas que Venuti tece às posturas teóricas tradicionais (como o
modo etnocêntrico de traduzir e a dicotomia liberdade/fidelidade), como também
algumas propostas que o teórico apresenta. Frota aborda a teoria da invisibilidade
proposta pelo autor e tematiza questões como a diferença e a subjetividade na
linguagem.
Segundo Frota, Venuti chama a atenção para a forma como as traduções são
escritas e lidas (p. 74). Porém, percebo que essa leitura se refere muito mais à leitura
do original por tradutores, críticos e estudiosos da tradução do que à leitura do texto
traduzido por leitores “comuns”. Assim, quando a autora analisa a relação sujeito-
linguagem, ela toma a noção de “sujeito” como sendo algo limitado e específico. Essa
noção fica clara quando a autora descreve o objetivo de sua análise: “mostrar como
uma abordagem da linguagem que prioriza sua dimensão histórico-ideológica acaba
por restringir o alcance da intervenção do tradutor e até mesmo concebê-la como uma
manifestação consciente que separa sujeito e linguagem” (p. 71).
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A autora trabalha sobre tudo aquilo que lhe "parece ser dito explicitamente ou
sugerido acerca do tradutor, da linguagem e das diferentes formas de pensar a relação
entre os dois” (p. 72). Como base de sua análise crítica, Frota propõe que se leve em
conta a subjetividade de cada sujeito-tradutor, sua relação singular com a linguagem,
buscando, assim, desvendar como se dão as inscrições do tradutor na tradução.
Segundo a autora, a singularidade seria “como uma diferença que, vinculada a
histórias próprias do sujeito que (se) escreve, extrapola diferenças vinculadas a
sistemas lingüísticos e a formações discursivas” (p. 19), marcando assim a
subjetividade inconsciente do “sujeito” nos desvios, na instabilidade que influencia a
leitura e, conseqüentemente, nesse caso, a produção.
Minha intenção vai além da de Frota, pois pretende considerar também um
"sujeito-leitor" que possui uma relação tão complexa e singular com o tradutor e com
o texto traduzido quanto este possui com o autor e o texto original. Noções de
domesticação e estrangeirização, da forma como são definidas por Venuti, não levam
em consideração esse sujeito-leitor.
O trecho abaixo, retirado do ensaio Sobre Diferentes Métodos de Tradução, uma
das principais bases para a teorização de Venuti sobre estrangeirização e
domesticação, parece-me contraditório nos termos atuais:
Cada pessoa é dominada pela língua que fala, ela e seu pensamento são um produto dela. Uma pessoa não poderia pensar com total certeza fora dos limites dessa língua; a configuração de seus conceitos, a forma e os limites de sua combinabilidade lhe são apresentados através da língua na qual nasceu e foi educada, inteligência e fantasia são delimitadas através dela. Mas, por outro lado, toda pessoa que pensa de uma maneira livre e intelectualmente independente também forma a língua a sua maneira (SCHLEIERMACHER, 2001, p.37).
O domínio sobre um indivíduo atribuído à língua materna é atestado como se esta
fosse algo isolado, fechado, ou como o próprio autor escreve, limitado. Isso vai
contra a última frase do trecho, que atribui a cada pessoa a liberdade de formar a
língua à sua maneira. Ao fazê-lo num mundo em que hoje vivemos, informado pela
Internet, por mensagens em tempo real, entre outras tecnologias, um indivíduo não
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seria o produto de sua língua materna, e sim de tudo a que fora exposto. É preciso
considerar que um mesmo conceito pode ser exposto de diferentes formas a
pessoas que possuem a mesma língua materna, não sendo possível definir como
cada um desses indivíduos assimilaria tal conceito e o usaria na formação de "sua
língua".
Muitas texturas, crenças, materiais e linguagens específicos nos são
apresentados desde sempre em uma língua estrangeira, contribuindo para a formação,
à nossa maneira, de nossa língua. Essa "mistura" faz com que, hoje em dia, não se
possa falar em delimitação de conceitos por uma única língua. Quanto mais exposto a
uma determinada língua estrangeira durante sua formação, mais um indivíduo
encarará com naturalidade sua possível influência na língua materna. Assim aponta a
citação abaixo, de Edwin Gentzler, retirada do livro Translation and Power (2002):
“A tradução se dá de um ambiente multilingual e multicultural A para um ambiente B
- que com frequência é igualmente multicultural e multilingual [...], envolvendo
encontros complexos com novas situações; e tradutores contemporâneos são
extremamente abertos à mistura de texturas, crenças, materiais e linguagens” (p. 217,
minha tradução ).
Desta forma, é preciso questionar o argumento de Venuti, firmado a partir de
Schleiermacher (1972, p.41), de que uma tradução domesticante proveria uma leitura
fluente, trazendo para o leitor a impressão de que a tradução não seria de fato uma
tradução, mas sim o original; e de que uma tradução estrangeirizante causaria uma
experiência de estranhamento ao leitor, que apontaria para a presença do tradutor
(VENUTI, 1995, p.5)
É preciso considerar que alguns aspectos de uma determinada língua estrangeira
não são reconhecidos - ou simplesmente não se destacam - como estrangeiros por
fazerem parte da formação de um indivíduo de maneira predominante ou até mesmo
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exclusiva (sem concorrer com a língua materna). Um exemplo disso seriam os termos
em inglês usados no contexto da informática. Eles não causam estranhamento porque
nos foram apresentados em uma língua estrangeira, de forma que se tornaram
naturais. Uma tradução desses termos é que causaria estranhamento, quando não uma
falta de compreensão. Nomes estrangeiros, por exemplo, não causariam
estranhamento a um adolescente que quando criança leu diversas histórias ou assistiu
a desenhos em que tais nomes eram comuns, ou a alguém que está acostumado a
encontrar tais nomes em filmes hollywoodianos. Ao tentar tirar de uma pessoa o que
ela cresceu ouvindo ou simplesmente se acostumou a encontrar - consciente de seu
contato e interação com uma cultura estrangeira - substituindo-o por um equivalente
na língua materna, um tradutor poderia parecer "forçado", causando, nesse caso,
estranhamento.
Muito foi dito a respeito da necessidade de se considerar as peculiaridades e
singularidades dos tradutores enquanto leitores, sua relação com a linguagem e com
os autores das obras originais, e como isso influenciaria sua interpretação e
conseqüente produção. Acredito, porém, que o mesmo crédito deveria ser dado aos
leitores finais da tradução. Assim, se dermos a esses leitores o mesmo status de
"singulares", não se poderia definir durante a realização de uma tradução o que seria
natural ou estranho para um determinado público leitor tomando como base somente
sua língua materna. Busco demonstrar, assim, que o mesmo pode ser dito com relação
aos conceitos de domesticação e estrangeirização e sua aplicação a certos tipos de
tradução.
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1.2. As Propostas de Venuti diante do contexto latino-americano
Ao defender a visibilidade do tradutor através do que ele denominou “tradução
estrangeirizante”, Lawrence Venuti (1995) busca ir contra a tendência de
“domesticação” predominante no contexto inglês e norte-americano. Porém, é preciso
levar em conta que os leitores latino-americanos, por exemplo, não foram "criados"
sob essa tendência à qual Venuti tanto resiste. Ivone Benedetti questiona, no posfácio
do livro Conversas com Tradutores (2003), organizado por ela e Adail Sobral, um dos
fatores determinantes do pensamento de Venuti, que é o posicionamento do autor em
um contexto cultural específico, contexto esse que não poderia ser tomado como regra
geral:
É preciso enxergar, por trás de teorias como as da ética da tradução (Berman) e da defesa da visibilidade do tradutor (Venuti), nos termos em que é exposta [sic] por tais autores ou divulgadores, fatores sociais políticos e ideológicos de grande importância e alcance. Seus defensores fazem parte de um grupo de teóricos extremamente lúcidos que se insurgem (na esteira dos teóricos alemães do século XIX) contra a manipulação cultural dos textos traduzidos por uma sociedade hegemônica que sempre foi capaz de aceitar o Outro (para usar terminologia corrente na área). Ora, a importação acrítica de uma teoria como essa certamente não veste como luva a nossa realidade. Nunca fomos cultura hegemônica no mundo, e, se no passado houve motivos políticos, religiosos, moralistas etc para a manipulação cultural de textos, hoje esses motivos não preponderam (BENEDETTI, 2003, p. 28).
Ao defender a visibilidade do tradutor, ou seja, que os tradutores mantenham
elementos culturais e lingüísticos do original (tradução estrangeirizante), produzindo
traduções "estranhas" ou que causem estranhamento, Venuti toma como base o
contexto anglo-americano. Porém, Benedetti aponta que, ao contrário do que acontece
na Inglaterra e nos Estados Unidos:
Vivemos em uma sociedade importadora de tecnologia e cultura, sociedade que sofre o afluxo constante de terminologia e idéias estrangeiras, que produz muito menos do que traduz tanto na área literária quanto na área técnica ou
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de ciências humanas; numa sociedade em que é preciso promulgar leis para impedir que seus próprios órgãos oficiais usem termos estrangeiros absolutamente dispensáveis (BENEDETTI, 2003, p. 29).
É preciso questionar a aplicação dos mesmos conceitos do que seria
estrangeirizante e do que seria domesticante em sociedades tão diferentes. Em uma
sociedade criada em meio a termos estrangeiros, uma tradução "estrangeirizante" não
apontaria para a presença de um tradutor, pois já espera-se dela algo de estrangeiro - o
que, para nós, não quer necessariamente dizer estranho. Uma tradução domesticante,
ao contrário, poderia surpreender por conter um excesso de termos nacionais, às vezes
específicos de apenas um segmento de nossa cultura, ou relativo a um dado momento
dessa cultura. Afinal, podemos perceber, na maior parte das vezes, pelo próprio nome
do autor se trata-se ou não de um falante de outra língua, de um habitante de outro
país, de alguém dotado de outra cultura. Encontrar esses termos ou construções
poderia chamar a atenção do leitor para o tradutor, uma vez que esse leitor
questionaria a possibilidade de o autor estrangeiro ser capaz de utilizar em sua obra
original tal termo, construção ou referência.
Embora a América Latina tenha se desenvolvido sob a influência de valores
culturais e sociais impostos pelos colonizadores - para os quais evitar o bilingüismo
significava evitar o pluralismo religioso e também impor seu poder colonialista -,
esses valores não foram renegados e tampouco adotados com exclusividade pelos
colonizados e sim assimilados e conciliados ao que era considerado sua própria
tradição.
O trecho abaixo, retirado do artigo "O Entre-Lugar do Discurso Latino
Americano" (1978), de Silviano Santiago, ilustra como se deu ao longo da história
essa relação entre a América Latina e seus colonizadores:
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A América Latina instituiu seu lugar no mapa da civilização ocidental graças ao movimento de desvio da norma, ativo e destruidor, que transfigura os elementos feitos e imutáveis que os europeus exportavam para o Novo Mundo [...] A maior contribuição da América Latina para a cultura ocidental vem da destruição sistemática dos conceitos de unidade e pureza: estes dois conceitos perdem o contorno exato de seu significado, perdem seu peso esmagador, seu sinal de superioridade cultural, à medida que o trabalho de contaminação dos latino-americanos se afirma, se mostra mais e mais eficaz (SANTIAGO, 1978, p. 18).
Não é necessário ir longe na história para exemplificar de forma concreta essa
assimilação. O Movimento Antropofágico, manifestação artística brasileira da década
de 1920, tinha por objetivo a deglutição (daí o caráter metafórico da palavra
"antropofágico") da cultura do outro externo - como a norte-americana e européia - e
do outro interno, a cultura dos ameríndios, dos afro-descendentes, dos euro-
descendentes, dos descendentes de orientais. O fato é que, depois de deglutido, a
origem de cada parte desse “bolo alimentar” não é relevante, e não cabe a um
indivíduo ou sociedade reconhecer uma ou outra parte desse todo como sendo “sua”,
pois essa idéia de posse, de separação, se perde.
Desta forma, a afirmação de Venuti de que "a tradução estrangeirizante é uma
prática cultural dissidente, que reafirma a recusa ao que é dominante através do
desenvolvimento de afiliações com valores lingüísticos e literários marginais no
contexto doméstico" (1995, p. 20, minha tradução), não pode ser aplicada ao nosso
contexto. Um tradutor brasileiro, por exemplo, não precisa lutar pela heterogeneidade,
não precisa afirmar que a literatura, por exemplo, vai muito além de nossa língua, de
nosso vocabulário, de nossas construções sintáticas. O uso de valores lingüísticos e
literários marginais ao nosso contexto não seria, portanto, uma prática dissidente.
Exemplo disso é a rejeição, ou até mesmo ridicularização, do projeto de lei
proposto na Câmara de Deputados, em 2001, no Brasil, pelo então deputado de São
21
Paulo Aldo Rebelo, que, ao contrário de Venuti, considerava esses valores lingüísticos
e literários marginais no contexto doméstico como um aspecto negativo, defendendo
uma homogeinização da língua portuguesa.
O Projeto de Lei definiu como prática abusiva os casos em que a palavra ou
expressão em língua estrangeira utilizada tivesse equivalente em língua portuguesa.
Além disso, o projeto definiu como prática enganosa se a palavra ou expressão em
língua estrangeira pudesse induzir qualquer pessoa a erro ou ilusão de qualquer
espécie; e prática danosa ao patrimônio cultural se a palavra ou expressão em língua
estrangeira pudesse descaracterizar qualquer elemento da cultura brasileira.
Se uma tradução fosse realizada sob os preceitos dessa lei, o resultado seria uma
tradução que Venuti denominaria domesticante. Porém, não é necessária uma
tradução estrangeirizante para que uma pessoa seja induzida a erro ou ilusão de
qualquer espécie. O grande problema de se levantar uma questão desse tipo em torno
da língua é o mesmo encontrado em qualquer problema relacionado ao ser humano:
haverá sempre um lado que discordará ou que tentará se beneficiar daquilo. No caso
do projeto do deputado Aldo Rebelo, temos uma questão lingüística versus uma
questão política, que acabam se tornando questões sociais. Lingüísticamente, no
entanto, o posicionamento é óbvio: uma língua jamais se congela no tempo, pois está
sempre em perpétua mudança, assim como o próprio ser humano. Dessa forma, não
haveria propósito em tentar manter uma "pureza" que na verdade nossa língua nunca
teve, uma vez que se originou de outra língua.
Um dos pontos polêmicos do projeto é o uso constante de termos estrangeiros na
literatura científica e técnica. Segundo Aldo Rebelo, deputado de São Paulo na
época, estes neologismos da nomenclatura técnica e científica deveriam “ser
aportuguesados para adquirir a feição e a sonoridade de um verso de Camões”
22
(Projeto de Lei n° 1676-D, 1999 ). Porém, não creio que as obras de Camões,
apesar de escritas em língua portuguesa, sejam alheias a erros de interpretação e
muito menos caracterizem a cultura brasileira. Um dentista brasileiro, por exemplo,
provavelmente lerá um texto de sua área repleto de palavras e expressões em
língua estrangeira, aos quais ele se acostumou durante sua formação, muito mais
fluentemente que um texto de Camões. E esse texto caracterizará muito melhor a
“sua cultura brasileira” do que os heróis e musas do escritor português.
Obviamente que todos esses problemas tem reflexo sobre a maneira como o
brasileiro encara sua língua: para este, habituado de tal forma a ser dependente de
outras nações (muitas vezes sem se dar conta dessa dependência), o empréstimo de
palavras estrangeiras de outras línguas, muito especialmente o inglês (atualmente),
é algo que se torna não só comum como até necessário em alguns contextos.
O que Venuti defende ser a "função" de um tradutor anglo-americano do século
XX não pode ser tomado como a função de um tradutor brasileiro do século XXI,
pois não há por que combater aqui um etnocentrismo cuja presença é criticamente
aceita. Como um tradutor é antes de tudo um leitor, tanto as relações do tradutor
com o texto original quanto as relações dos leitores de uma maneira geral com o
texto traduzido partirão de perspectivas muito distintas daquelas criticadas por
Venuti. E, uma vez que os conceitos de domesticação e estrangeirização foram
definidos nesse mesmo contexto, é preciso questionar o seu uso em caráter
prescritivo em outros diferentes contextos.
23
2. Testando Hipóteses
24
A fim de verificar o vínculo que Lawrence Venuti acredita existir entre os conceitos
que apresenta de traduções estrangeirizantes e traduções domesticantes e, respectivamente,
o efeito de estranhamento durante o processo de leitura da tradução e a prática de uma
leitura fluente da tradução, realizei um levantamento com alunos de uma escola de Juiz de
Fora em torno da tradução do livro Harry Potter e a Pedra Filosofal (2000), de J.K
Rowling, traduzido por Lia Wyler.
O levantamento foi conduzido na Escola Estadual Hermenegildo Vilaça, em uma
turma de 6ª série considerada pela professora, de uma maneira geral, interessada nas aulas
de língua inglesa.
Antes de tudo, solicitei à turma que preenchesse o seguinte formulário com algumas
informações pessoais:
Nome: _______________________________________________ Idade: _____ Série: ______ Sexo: ���� feminino ���� masculino Escola: _______________________________________________ Profissão do pai:_________________________ Profissão da mãe:_________________________ Quantos livros você lê por ano? ______ Qual o livro você mais gostou de ler? ____________________ Qual seu autor preferido? _____________________________
Qual personagem de que você mais gosta? _______________
Através dele, constatei que dos 35 alunos presentes, a maioria tinha idade de 12 e 13
anos (idade padrão para a série), e alguns (9 alunos) 14, 15 e 16 anos; e que 24 eram do
sexo feminino e 11 do sexo masculino. Dos 35 questionários, 2 foram anulados: um devido
a respostas propositalmente sem sentido e outro devido ao claro conhecimento prévio da
história em detalhes. Quanto à profissão dos pais, 26 apontaram a profissão da mãe e 23 a
do pai. Através das respostas, foi possível constatar um baixo nível sócio-econômico, uma
vez que a maioria das atividades exercidas pelos pais não exige formação superior e muitas
delas são informais. Entre as mães, 9 são 'do lar' e 17 trabalham fora, em atividades como
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empregada, faxineira, vendedora, acompanhante, telefonista, manicure, cozinheira,
operadora de caixa e técnica em enfermagem (a mais especializada). Entre os pais, um é
aposentado e 22 trabalham fora, como motorista, cozinheiro, carpinteiro, pedreiro, copeiro,
agricultor, tatuador, policial militar, mecânico e engenheiro (o mais especializado).
Outra questão do formulário se referia a seus hábitos de leitura. Em relação a quantos
livros em média liam por ano, 10 não responderam, 2 alegaram não gostar de ler e 23
responderam com números que variam entre 1 a 40 livros.
Questionados sobre qual o livro, autor e personagem favoritos, alguns alunos
responderam às três questões e outros apenas responderam a uma ou duas delas. Quanto ao
livro, 18 responderam à questão, sendo que 8 deram nomes de livros nacionais e 10 de
livros traduzidos (sendo um deles a Bíblia). Quanto ao autor, somente 16 apontaram um
nome, e. entre esses, 15 foram nomes de autores nacionais (Monteiro Lobato, Carlos
Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, entre outros) e 1 traduzido (de um dos
"autores" da Bíblia, Moisés). Quanto aos personagens, 9 foram nacionais, enquanto 12
internacionais.
Dessa primeira fase do levantamento, constatei que, embora pertençam a uma classe
sócio-econômica baixa, a maioria dos alunos convive com livros e personagens
estrangeiros, com destaque para o número de personagens e livros favoritos de origem
internacional. Acredito que o número de autores nacionais muito superior ao número de
autores estrangeiros não seja relevante, uma vez que somente os autores nacionais são
estudados na escola e por isso seus nomes têm mais destaque, independentemente de seus
livros.
A segunda etapa do levantamento foi conduzida da seguinte maneira: foram
entregues aos alunos duas folhas, sendo que em uma delas havia três trechos da tradução do
livro Harry Potter and the Sorcere's Stone, e, na outra, questões relativas a cada um dos
26
trechos. Foi explicado que eles deveriam responder a cada questão da maneira que fosse
imediatamente interpretada, o mais objetivamente possível, e que não havia resposta "certa"
ou "errada". Um tempo conveniente (algo em torno de 10 minutos) foi marcado para a
leitura e resposta das questões de cada texto.
A primeira questão colocada no levantamento abordou "nomes", e foi realizada a
partir do seguinte trecho:
O Sr. e a Sra. Dursley, da rua dos Alfeneiros, n° 4, se orgulhavam de dizer que eram perfeitamente normais, muito bem, obrigado. Eram as últimas pessoas no mundo que se esperariam que se metessem em alguma coisa estranha ou misteriosa, porque simplesmente não compactuavam com esse tipo de bobagem.
E Sr. Dursley era diretor de uma firma chamada Grunnings, que fazia perfurações. Era um homem alto e corpulento quase sem pescoço, embora tivesse enormes bigodes. A Sra. Dursley era magra e loura e tinha um pescoço quase duas vezes mais comprido que o normal, o que era muito útil porque ela passava grande parte do tempo espichando-o por cima da cerca do jardim para espiar os vizinhos. Os Dursley tinham um filhinho chamado Dudley, o Duda, e em sua opinião não havia garoto melhor em nenhum lugar do mundo.
Os Dursley tinham tudo que queriam, mas tinham também
um segredo, e seu maior receio era que alguém o descobrisse.
Achavam que não iriam agüentar se alguém descobrisse a
existência dos Potter. A Sra. Potter era irmã da Sra. Dursley, mas
não se viam havia muitos anos; na realidade a Sra. Dursley fingia
que não tinha irmã, porque esta e o marido imprestável eram o
que havia de menos parecido possível com os Dursley. Eles
estremeciam só de pensar no que os vizinhos iriam dizer se os
Potter aparecessem na rua. Os Dursley sabiam que os Potter
tinham um filhinho, também, mas nunca o tinham visto. O garoto
era mais uma razão para manter os Potter a distância; eles não
queriam que Duda si misturasse com uma criança daquelas (p.7).
A pergunta relativa a esse trecho foi a seguinte:
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1. Em que parte do mundo você acha que se passa a história?
Após lerem esse trecho do livro - que vem a ser o primeiro parágrafo deste - em que
aparecem vários nomes em inglês, os alunos deveriam responder onde se passa a história.
Dezessete alunos identificaram o contexto como sendo de um país de língua inglesa (12 nos
Estados Unidos - alguns especificamente em Nova Iorque -, 3 na Inglaterra e 2 em outros
países de língua inglesa). As outras respostas foram abstratas, como "algum lugar muito
longe", ou "em um lugar misterioso", ou muito específicas, como "na rua dos Alfeneiros,
n°4". Contudo, nenhuma apontou um lugar específico no Brasil.
O único aspecto desse trecho que aponta claramente para o fato de se tratar de um
texto estrangeiro é o dos nomes dos personagens, que foram reconhecidos como nomes de
pessoas falantes de língua inglesa por uma quantidade significativa de alunos. Acredito
que, a partir daí, mesmo que inconscientemente, boa parte desses alunos já esperaria
encontrar expressões e palavras referentes a esse contexto estrangeiro. Assim, um nome
traduzido, como o apelido de um dos Dursley, "Duda", se destaca como diferente dos
demais, diferente do esperado, chamando a atenção para a existência de algum falante de
português envolvido no processo de escrita daquele texto. Isso sim pode causar
estranhamento a um leitor mais atento.
A objetivo da segunda questão do levantamento era testar como se dava o
reconhecimento de uma determinada “situação ou momento”:
Harry estava fritando os ovos na altura em que Duda chegou à cozinha com a mãe. Duda se parecia muito com o tio Valter. Tinha um rosto grande e rosado, pescoço curto, olhos azuis pequenos e aguados e cabelos louros muito espessos e assentados na cabeça enorme e densa. Tia Petúnia dizia com freqüência que Duda parecia um anjinho – Harry dizia com freqüência que Duda parecia um porco de peruca.
Harry pôs os pratos de ovos com bacon na mesa, o que foi difícil porque não havia muito espaço. Entrementes, Duda contava os presentes. Ficou desapontado.
28
_ Trinta e seis _ disse, esguendo os olhos para o pai e a mãe. _ Dois a menos do que no ano passado.
_ Querido, você não contou o presente de tia Guida, está aqui debaixo desse grandão do papai e da mamãe, está vendo?
_ Este bem, então são trinta e sete _ respondeu Duda ficando vermelho. Harry, percebendo que Duda estava preparando um enorme acesso de raiva, começou a engolir seu bacon o mais depressa possível, caso o primo virasse a mesa.
Tia Petúnia obviamente também sentiu o perigo, porque na mesma hora disse:
_ E vamos comprar mais dois presentes pra você quando sairmos hoje. Que tal, fofinho? Mais dois presentes. Está bem assim?
Duda pensou um instante. Pareceu um esforço enorme. Finalmente respondeu hesitante:
_ Então vou ficar com trinta...trinta... (p.23).
A pergunta foi a seguinte:
2. Em que parte do dia acontece a cena da cozinha?
O trecho engloba uma passagem da história que ocorreu na parte da manhã,
enquanto os Dursley tomavam o desjejum. Porém, a referência à parte do dia em que se
desenrolava a ação fora deixada de lado (ela fazia parte do trecho anterior ao trecho em
questão). Tudo o que se sabia da ambientação dessa passagem era que ela acontecia durante
uma refeição em que um dos personagens fritava ovos e depois os servia juntamente com
bacon.
Quando questionados sobre em que parte do dia acreditavam ter acontecido essa
passagem, dos 27 alunos que responderam à questão, 20 apontaram a parte da manhã, 5
apontaram a parte da tarde e 2 disseram se tratar da "hora do almoço". Acredito que isso
seja devido ao fato de que, embora no contexto brasileiro esse tipo de alimentação não seja
comum nessa parte do dia, é usual ver personagens de histórias ou desenhos se alimentarem
dessa forma pela manhã (se a intenção fosse ser fiel ao contexto doméstico, os ovos com
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bacon poderiam ter sido substituídos por algo como 'pão com manteiga'). Assim, para estes
alunos, os ovos com bacon não chamariam a atenção como algo incomum ao longo da
leitura do texto. Dessa forma, a leitura culturalmente estrangeirizante se daria de maneira
fluente, de forma que eles não dariam atenção especial a esse dado.
A questão 3 foi realizada a partir do seguinte trecho:
Harry veio se postar na frente do tanque e estudou a cobra com atenção. Não se
admiraria se a própria cobra morresse de tédio _ não tinha companhia a não ser
aquela gente idiota que batucava no vidro, tentando incomodá-la o dia inteiro. Era
pior do que ter um armário por quarto, onde a única visita era a da tia Petúnia
esmurrando a porta para acordá-lo, mas ao menos ele podia visitar o resto da casa.
A cobra inesperadamente abriu os olhos, que pareciam contas. Devagarinho, muito devagarinho, levantou a cabeça até seus olhos chegarem ao nível dos de Harry.
E piscou. Harry arregalou os olhos. E olhou depressa a toda volta
para ver se havia alguém olhando. Não havia. E retribuiu o olhar
da cobra, piscando também.
A cobra acenou com a cabeça na direção de tio Válter e de Duda, depois levantou os olhos para o teto. Lançou um olhar a Harry que dizia com todas as letras:
_ Isso é o que me acontece o tempo todo. _ Eu sei _ murmurou Harry pelo vidro, embora não
tivesse muita certeza se a cobra poderia ouvi-lo_, deve ser bem chato (p.28).
A pergunta feita foi a seguinte:
3. Onde dorme o personagem?
Nesse caso, a "estrangeirização" da sintaxe (ou seja, uma tradução mais literal, sem
adaptação à sintaxe da língua meta) promoveu um mau-entendimento ou um entendimento
incompleto por parte dos alunos. Somente 3 alunos foram capazes de responder com
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precisão onde o personagem dormia: no armário. A tradução de "having a cupboard as a
bedroom" como "ter um armário por quarto" parece não ter deixado claro o fato de o
personagem não ter um quarto de verdade, e sim dormir no armário (um lugar
improvisado). Contudo, talvez influenciados pela presença da palavra quarto ou pela
resposta mais provável, a maioria dos alunos respondeu "no quarto", o que não indica a
compreensão do fato de que o personagem estava mal instalado na casa daquela família.
Houve também duas questões à parte dos trechos entregues aos alunos. Na primeira
delas, o nome de vários personagens foi apresentado aos alunos de maneira aleatória. Entre
eles, nomes que foram traduzidos (Peter por Pedro, Edward por Eduardo, Alvus por Alvo,
George por Jorge, Vernon por Válter, e o apelido criado para Duddley, 'Duda') e outros que
foram mantidos em sua grafia original (Minerva, Hagrid, McGonagall, Petunia). Os alunos
deveriam separar os nomes como sendo de personagens de duas histórias diferentes,
"adivinhando" quais personagens pertenciam à mesma história, conhecendo apenas seus
nomes:
4. Se você fosse separar os nomes dos personagens abaixo em dois grupos, quais personagens você acharia que pertenceriam à mesma história? 1. Alvo 7. Hagrid 2. Dursley 8. Jorge 3. Pedro 9. McGonagall 4. Hagrid 10. Petúnia 5. Eduardo 11. Duda 6. Minerva 12. Válter História 1 História 2
31
Entre os alunos que responderam à questão (28 alunos), 9 alunos separaram os
personagens de acordo com essa característica (ser um nome traduzido - comum no Brasil -
ou nome estrangeiro) e 19 usaram algum outro tipo de critério. Percebe-se que muitos deles
foram influenciados pelos trechos que haviam lido para responder as questões anteriores,
colocando em uma das histórias os personagens que haviam encontrado nesses trechos e
em outra os personagens "novos". De certa forma, esse alunos reproduziram algo com o
qual tiveram contato (um texto com nomes "comuns" e "incomuns" misturados como algo
possível de se encontrar em uma outra história qualquer). Dessa maneira, essa mistura não
representou algo estranho.
Na última questão, apresentei aos alunos duas versões por mim trabalhadas de um
mesmo trecho do livro em que misturei os dois métodos: uma que, a priori, seria
completamente domesticante, por apresentar nomes traduzidos e construções sintáticas e
colocações mais comuns em português e outra completamente estrangeirizante, em que
mantive nomes, aspectos culturais e sintaxe do original:
5. O mesmo trecho de uma mesma história é contado abaixo de duas maneiras diferentes. Na sua opinião, qual é mais agradável de se ler?
Era por isso que Harry passava tanto tempo quanto possível fora da casa, perambulando e pensando no fim das férias, no qual podia ver um minúsculo raio de esperança. Quando setembro chegasse, ele estaria partindo para a escola secundária e, pela primeira vez na vida dele, não estaria com Dudley. Dudley tinha sido aceito na antiga escola particular do tio Vernon, Smeltings. Piers Polkiss estava indo pra lá também. Harry, por outro lado, estava indo para Stonewall High, a escola pública local. Dudley achou que isso era muito engraçado. Por esta razão Harry passava a maior parte do tempo possível fora de casa, perambulando e pensando no fim das férias, no qual conseguia vislumbrar um raiozinho de esperança. Quando fevereiro chegasse, ele iria para a escola secundária e, pela primeira vez na vida, não estaria em companhia de Duda. Duda tinha uma vaga na antiga escola de tio Válter, Aliança. Pedro ia para lá também. Harry, por outro lado, ia para a escola secundária local. Duda achava muita graça nisso.
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Solicitei aos alunos que escolhessem qual deles lhes parecia mais natural, mais
agradável de ser ler. Dos 33 alunos, 12 (36,3%) escolheram a versão "estrangeirizante", 20
(60,6%) escolheram a "domesticante" e um não respondeu. Logo, um número significativo
de alunos considerou o primeiro texto, que segundo o conceito de estrangeirização não
deveria ser fluente, como o mais agradável de se ler.
Com esse levantamento, minha proposta era partir do ponto de vista dos leitores,
não considerados no desenvolvimento das definições do que seria um texto domesticante e
do que seria um texto estrangeirizante, para demonstrar a impossibilidade de se corroborar,
na prática e de maneira generalizada, as definições de Friedrich Scheleiermacher e
Lawrence Venuti sobre o assunto.
Se não foi possível definir o que seria mais “fluente” ou mais “natural” a um grupo
tão homogêneo como o que participou do levantamento – crianças de mesma faixa etária e
grupo social -, imagino que seria mais difícil ainda tentar definir algum padrão entre os
mais variados grupos que têm uma mesma língua como língua materna. Se 12 entre 32
alunos consideraram a tradução que, prescritivamente, seria considerada estrangeirizante
como a mais fluente, a mais agradável de se ler, não haveria como definir “fluência” entre
um grupo ainda maior de leitores, um grupo tão heterogêneo que forma uma mesma língua,
uma mesma cultura.
O fato de o número de alunos que apontaram a tradução domesticante como a mais
natural ser maior do que o número de alunos que apontou a tradução estrangeirizante como
tal já era esperado, porém não deveria ser definido previamente à leitura. Um tradutor, que
tem intimidade tanto com a língua de partida quanto com a língua de chegada, não pode
“medir” até onde vai essa intimidade de cada um de seus leitores.
O grupo avaliado pode ser considerado um grupo com um acesso relativamente
pequeno às tecnologias atuais e aos meios de comunicação cada vez mais globalizados. Se
33
o mesmo levantamento tivesse sido realizado em uma escola particular, por exemplo, o
resultado poderia ir ainda mais contra as definições prescritivas de domesticação e
estrangeirzação. Infelizmente, por questões de tempo, esse levantamento não pôde ser feito
para fins da realização da presente monografia. No entanto, não descarto a possibilidade de
fazê-lo posteriormente.
34
Conclusão
35
Conclusão
Com esse trabalho, meu objetivo foi o de acrescentar às críticas feitas às teorias de
Lawrence Venuti, contruídas a partir de raciocínios teóricos de Friedrich Schleiermacher, o
ponto de vista do leitor. Os autores abordados, Maria Paula Frota, Edwin Gentzler e Ivone
Benedetti, perceberam a necessidade de uma releitura à luz do contexto cultural atual, a
necessidade de uma adaptação das teorias de Venuti a nosso contexto histórico e social,
porém, de uma maneira geral, o fizeram utilizando o ponto de vista do tradutor enquanto
leitor, e não do leitor final de um texto traduzido.
Meu principal objetivo foi o de questionar a possibilidade de os conceitos
"estrangeirizante" e "domesticante" serem atríbuídos - pelo seu próprio tradutor e pela
crítica em geral - a um texto que ainda não chegou às mãos de seus leitores. As noções de
"estranhamento", "fluência", "naturalidade", "desconforto", entre outras, segundo as quais
Venuti define esses dois conceitos, dependem da leitura de "alguém", e esse alguém deveria
ser cada leitor em particular, com seus conhecimentos específicos. Dessa forma, um texto
não deveria ser considerado "domesticante" ou "estrangeirizante" sem considerar esse leitor
final, pois, ninguém, além dele mesmo, poderia definir com certeza suas impressões de um
texto e tudo o que está por trás delas.
A partir desse ponto de vista, chego à conclusão da impossibilidade de se definir a
relação de um determinado leitor com um texto partindo da relação de um tradutor com
esse mesmo texto, simplesmente pelo fato de ambos possuírem a mesma língua materna.
Cada tradutor usará de suas singularidades (suas experiências e conhecimentos específicos)
para interpretar o texto original e produzir o texto traduzido. Creio que a mesma
singularidade deve ser atribuída ao leitor do texto pronto, para só então se definir o que o
texto representa para ele: algo “natural” ou não.
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Isso implica na impossibilidade de se definir aprioristicamente as traduções como
sendo estrangeirizantes ou domesticantes. Dessa forma, um texto traduzido que pode ser
considerado “estrangeirizante” por um tradutor, que optou por priorizar a forma ou alguma
peculiaridade cultural do texto original, poderia ser encarado como “domesticante” por um
leitor que, inserido na rede de comunicações mundial cada vez mais interligada, tem acesso
a essas formas e a essas peculiaridades de maneira contínua e natural, sem considerá-las
algo separado de sua própria língua, de sua própria identidade.
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Referências Bibliográficas
38
BARBOSA, Heloísa Gonçalves. Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta. Campinas, SP: Pontes, 1990. BENEDETTI, Ivone C. E SOBRAL, Adail (orgs). Conversa com Tradutores: balanços e perspectivas da tradução. São Paulo: Parabola Editorial, 2003. BORGES, Milene. A instabilidade do tradutor. Trabalho de conclusão de curso de bacharelado em Letras: Ēnfase em Tradução. UFJF, 2002. FROTA, Maria Paula. A singularidade na escrita tradutória: linguagem e subjetividade nos estudos da tradução, na linguística e psicanálise. Campinas, SP: Pontes, 2000. GENTZLER, Edwin. Translation, Post Structuralism and Power. In: TYMOCZKO, Maria, GENTZLER Edwin (org) Translation and Power. University of Massachussets Press, 2002. REBELO, Aldo. Projeto de Lei no 1676-D (1999) ROWLING, J.K. Harry Potter and the sorcere’s stone. New York: Scholastic Press, 1998. ROWLING, J.K. Harry Potter e a pedra filosofal. Trad. Lia Wyler. Rio de Janeiro. Rocco, 2000. SANTIAGO, Silviano. (Org). Glossario de Derrida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1996. SCHLEIERMACHER, Friedrich. Sobre Diferentes Métodos de Tradu ção. Trad. Margarete von Nuhlen Poll. In: HEIDERMAN, Werner (org.). Antologia bilingue: Clássicos da teoria da tradução, Florianopolis: UFSC, Núcleo de tradução, 2001. VENUTI, Lawrence. Invisibility. In: The Translator’s Invisibility: a history of translation. London, New York: Routledge, 1995. p.1-42.