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esde Elvis Presley, o ro c k sofreu constantes mutações, passando do alternativo ao pop, mas sem perder o foco, um caráter ideológi- co. Porém foi nos anos 1970 que a cara do rock começou a mudar. Uma das bandas que revolucionou o cenário musical foi Black Sabbath, conhecida por sua influência sombria. Seus integrantes foram os primeiros a apresentar ao público imagens de morte, demônios e ocultismo nas canções, além de lançar vocalistas impor- tantes, como Ozzy Osbourne, que em seus shows mutilava animais e derramava sangue no palco supostamente em homenagem ao diabo. Fãs, que até então decoravam as letras pas- saram a prestar atenção em suas mensagens. Depois de Black Sabbath, o rock nunca mais foi o mesmo. Can- tando músicas com o refrão “leve seu corpo a um cadáver”, o ex- vocalista da banda, Ozzy Os- bourne, que se intitula “o rei da morte”, fez fortu- na, mostrando que a morbidez tem espaço no mer- cado fonográfico. Outra questão é saber por que e até que ponto essas composições influenciam a juventude que se espelha em seus ídolos. Não faltam exemplos de jovens que cometeram atos ilícitos influenciados por esse tipo de música. Há cerca de sete anos, corpos enterrados no jardim e mutilados na geladeira foram descobertos na casa de um serial killer na Inglaterra, fã declarado da banda brasileira Sepultura. A família de uma das vítimas quis processar os músicos. Até quem nunca teve a pretensão de falar sobre a morte como algo maléfico teve que pagar o preço por conta das bandas satânicas. É o caso dos góticos que têm uma filosofia própria. Eles cultuam a morte como forma de aliviar o peso da vida. Alguns dizem que escolhem a escuridão da morte porque, uma vez fora do útero, é o único lugar que estarão seguros e em paz de novo. Segundo o gótico R.S., que prefe- re não se identificar, preocupado com o preconceito, a sociedade brasileira ainda é muito tradicional e vê os góticos como drogados, marginais, loucos e vagabundos, entre outras coisas: – São pessoas desiludidas com a hipocrisia da sociedade decadente e que buscam uma saída através da expressão de seus sentimentos mais ínti- mos, seja na música, literatura, arte plástica, ou somente na atitude de ver o que está errado e rea- gir – define, acrescentando, em seguida, que eles Julho/Dezembro 2004 6 BRUNA AXT , BRUNA NEVES, LAURA RODRIGUES E NAILA BORGES O estilo que c a n t a a m o rt e A relação entre as letras mórbidas do rock e os fãs O músico se dizia um soldado de satã e participava de sacrifícios com animais Black Sabbath: os primeiros a falar sobre a morte nas músicas Rock’n’roll é tão fabuloso, as pessoas deviam começar a morrer por ele. As pessoas simplesmente devem morrer pela música. Lou Reed

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Page 1: O estilo que c a n t a am o rt e - Portal PUC-Rio Digitalpuc-riodigital.com.puc-rio.br/media/2 - o estilo que canta a morte.pdf · público imagens de morte, demônios e ocultismo

esde Elvis Presley, o ro c k sofreuconstantes mutações, passandodo alternativo ao pop, mas semperder o foco, um caráter ideológi-

co. Porém foi nos anos 1970 que acara do rock começou a mudar. Uma das bandasque revolucionou o cenário musical foi BlackSabbath, conhecida por sua influência sombria.Seus integrantes foram os primeiros a apresentar aopúblico imagens de morte, demônios e ocultismonas canções, além de lançar vocalistas impor-tantes, como Ozzy Osbourne, que em seus showsmutilava animais e derr a m a v asangue no palco supostamente emhomenagem ao diabo. Fãs, que atéentão decoravam as letras pas-saram a prestar atenção em suasmensagens.

Depois de Black Sabbath, o rocknunca mais foi o mesmo. Can-tando músicas com o refrão “leveseu corpo a um cadáver”, o ex-vocalista da banda, Ozzy Os-bourne, que se intitula “o rei da morte”, fez fortu-na, mostrando que a morbidez tem espaço no mer-cado fonográfico. Outra questão é saber por que eaté que ponto essas composições influenciam ajuventude que se espelha em seus ídolos.

Não faltam exemplos de jovens que cometeramatos ilícitos influenciados por esse tipo de música.Há cerca de sete anos, corpos enterrados no jardime mutilados na geladeira foram descobertos na casade um serial killer na Inglaterra, fã declarado da

banda brasileira Sepultura. A família de uma dasvítimas quis processar os músicos.

Até quem nunca teve a pretensão de falar sobre amorte como algo maléfico teve que pagar o preço

por conta das bandas satânicas. Éo caso dos góticos que têm umafilosofia própria. Eles cultuam amorte como forma de aliviar opeso da vida. Alguns dizem queescolhem a escuridão da mort eporque, uma vez fora do útero, é oúnico lugar que estarão seguros eem paz de novo.

Segundo o gótico R.S., que prefe-re não se identificar, preocupado

com o preconceito, a sociedade brasileira ainda émuito tradicional e vê os góticos como drogados,m a rginais, loucos e vagabundos, entre outrascoisas:

– São pessoas desiludidas com a hipocrisia dasociedade decadente e que buscam uma saídaatravés da expressão de seus sentimentos mais ínti-mos, seja na música, literatura, arte plástica, ousomente na atitude de ver o que está errado e rea-gir – define, acrescentando, em seguida, que eles

Julho/Dezembro 20046

BRUNA AXT, BRUNA NEVES, LAURA RODRIGUES E NAILA BORGES

O estilo que c a n t a a m o rt eA relação entre as letras mórbidas do rock e os fãs

O músico se dizia um soldado de satã

e participava de sacrifícios com animais

Black Sabbath: os primeiros a falar sobre a morte nasmúsicas

Rock’n’roll é tão fabuloso, as pessoas deviam começar a morrer por ele. As pessoas

simplesmente devem morrer pela música.Lou Reed

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gostam de cemitérios por ser o local onde maisencontram paz.

Para a psicóloga Madalena Sapucaia, o rock, vistocomo um produto vendido pela mídia, é resultadode uma demanda comercial e não aexpressão real dos valores do artista.Cada álbum é lançado com umesquema de divulgação e de pro-dução da gravadora muito fort e ,mas isso nem sempre é percebidopelos fãs.

Na contramão do glamour damorte, surgem grupos de rock queexpõem em suas composições a va-lorização da vida. É o caso da bandaevangélica americana Creed e dabrasileira Detonautas. O último clipedos músicos brasileiros aborda oscuidados que os jovens devem ter notrânsito para evitar o elevado nú-mero de mortes em acidentes.

O vocalista Tico recebeu muitos elogios pela ini-ciativa, mas também foi criticado por alguns quenão gostaram da idéia e questionaram sua influên-

cia na vida dos fãs. A idéia surgiu porque, segundoTico, assim como Marcelo D2 fala sobre drogas e ORappa sobre temáticas sociais, a violência no trân-sito é o que está mais perto do seu dia-a-dia.

– Recebi muitos e-mails para-benizando a idéia, mas tevegente que disse: “Você é muitoburro de achar que alguém mor-re de acidente porque quer e quesua música vai mudar isso”. Aessas pessoas eu nem respondo,porque isso é ignorância – disse.

Assim como Madalena Sapu-caia, o cantor acredita que figu-ras como Ozzy e Marylin Man-son – outro roqueiro que prega aglamourização da morte – sãomarketing. Apesar disso, vê umlado positivo nessas canções.

– Acho isso necessário, pois ge-ra polêmica. Manson, por exem-

plo, brinca com a mania dos americanos de acharque existe uma verdade absoluta. Ele satiriza eironiza uma sociedade hipócrita – explica Tico.

A indesejada das gentes 7

Quem está passandopor um momento

difícil pode ser influenciada pelaletra, o que estásendo dito podemexer com os sentimentos de

quem ouve

Creed: os bons moços do rock Detonautas: banda carioca quer conscientizar os jovens

Marques Alves