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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING RELATÓRIO FINAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA LUCAS BONINI O ESTEREÓTIPO NA RETÓRICA DA PUBLICIDADE DE AUTOMÓVEL NO BRASIL NAS DÉCADAS DE 1960 E 2000. São Paulo 2008

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Page 1: O estereótipo na retórica da publicidade de automóvel no Brasil nas décadas de 1960 e 2000_Lucas Bonini

ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING

RELATÓRIO FINAL DE

INICIAÇÃO CIENTÍFICA

LUCAS BONINI

O ESTEREÓTIPO NA RETÓRICA DA PUBLICIDADE DE

AUTOMÓVEL NO BRASIL NAS DÉCADAS DE 1960 E

2000.

São Paulo

2008

Page 2: O estereótipo na retórica da publicidade de automóvel no Brasil nas décadas de 1960 e 2000_Lucas Bonini

LUCAS BONINI

O ESTEREÓTIPO NA RETÓRICA DA PUBLICIDADE DE

AUTOMÓVEL NO BRASIL NAS DÉCADAS DE 1960 E

2000.

Relatório Final de Pesquisa do

Programa de Iniciação Científica da

Escola Superior de Propaganda e

Marketing – ESPM.

Orientador: Prof. Draª. Tânia Márcia Cezar Hoff

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Ficha Catalográfica – SBE – Biblioteca Central – SP Campus I “Francisco Gracioso”

Bonini, Lucas. O estereótipo na retórica da publicidade de automóvel no Brasil nas décadas de 1960 e 2000 / Lucas Bonini, - São Paulo: ESPM, 2008.

80 p. : il., color.

Orientador: Profa. Dra. Tânia Hoff Projeto de Iniciação Científica - Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo, SP., 2008. 1. Publicidade. 2. Estereótipo. 3. Retórica. 4. Mídia Impressa. 5. Anúncio de automóvel. I. Título. II. Bonini, Lucas. III. Hoff, Tânia. IV. Escola Superior de Propaganda e Marketing.

Page 4: O estereótipo na retórica da publicidade de automóvel no Brasil nas décadas de 1960 e 2000_Lucas Bonini

 

À Prof. Dra. Tânia Hoff, orientadora, pelo exemplo, apoio, incentivo e respeito que me fez tanto crescer e à minha mãe, que sempre me proporcionou o melhor.

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AGRADECIMENTOS

À Prof. Dra. Tânia Hoff, orientadora, pelo exemplo, apoio, incentivo e respeito que

sempre me fizeram crescer.

À Prof. Dra. Manolita Corrêa Lima, coordenadora do Núcleo de pesquisas e publicações

da ESPM, por ter me aceitado como aluno bolsista do Programa de iniciação Científica.

À ESPM, nas pessoas do diretor acadêmico Prof. Alexandre Gracioso e do diretor

nacional do curso de graduação - comunicação social, Prof. Luiz Fernando Garcia pelo

apoio, acompanhamento e dedicação que recebo ao realizar meus estudos na ESPM.

Ao Instituto Cultural ESPM, que possibilitou acesso ao seu acervo e que foi muito importante para minha pesquisa.

Ao Prof. Livre Docente Clóvis de Barros Filho, pela admiração.

À Tânia Sandrone, professora e colaboradora, pela leitura cuidadosa.

A todos os professores da ESPM que me ajudaram, apoiaram e incentivaram nesta

pesquisa.

Aos colegas e amigos da ESPM, pela ajuda, compreensão e apoio durante esta longa

jornada.

Aos amigos Giuliano Odone, Vinícius Aranha, Pedro Spadone e Douglas Perone,

parceiros de grandes vitórias.

À Carlos Oyakawa Mitsunaga, amigo e parceiro de grandes empreitadas.

À Lígia, minha mãe, pelo exemplo, incentivo, colaboração, respeito, amor e carinho que

sempre me impulsionaram.

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RESUMO

Este estudo reflete sobre o funcionamento dos estereótipos inseridos na retórica

da publicidade de automóvel no Brasil, em duas décadas comparativas, 1960 e 2000

respectivamente.

Para que se pudesse cumprir o objetivo da pesquisa, a análise e discussão

apresentadas fundamentam-se nos dispositivos teóricos da retórica, dos estereótipos, do

consumo e da publicidade.

O corpus desta pesquisa foi composto a partir do levantamento e classificação

dos principais estereótipos em peças publicitárias de automóvel e posteriormente dentre

os mais relevantes observados realizamos a análise das peças. Adentramos na riqueza da

análise dos estereótipos do casal, do homem e da mulher, das décadas de 1960 e 2000,

de modo que assim pudemos comparar ambos períodos históricos e suas transformações

na retórica da publicidade de automóvel no Brasil nas décadas de 1960 e 2000. Para a

formação do corpus, selecionamos todo o material que continha a técnica de persuasão

do “uso de estereótipos”.

Os resultados apontam que investigar a formação dos estereótipos, no campo da

publicidade de automóveis no Brasil nas décadas de 1960 e 2000, revela um importante

percurso para que se possa compreender como se organiza a própria diversividade da

sociedade brasileira, deste encontro entre diversos tipos de figuras sociais num leque

vasto de estereótipos que nada mais são do que as “fotografias” de nossa realidade

social.

Palavras-chave: Publicidade; estereótipo; retórica; mídia impressa; anúncio de

automóvel.

  

 

 

 

 

 

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Arquivo pessoal................................................................................. 24

FIGURA 2 – Scénic SportWay, Arquivo da Propaganda...................................... 25

FIGURA 3 – Gol Power, Arquivo da Propaganda................................................ 39

FIGURA 4 – Automóveis Renoault, Arquivo da Propaganda.............................. 39

FIGURA 5 – Aero Willis 2600, 1963, Coleção Reader’s Diggest....................... 48

FIGURA 6 – Toyota Corolla 2006, Arquivo da Propaganda................................ 49

FIGURA 7 – Brad Pitt e Angelina Jolie, Foxnews.com....................................... 50

FIGURA 8 – Aero Willis 66, 1966, Coleção Reader’s Diggest........................... 52

FIGURA 9 – Honda Fit, Arquivo da Propaganda................................................. 53

FIGURA 10 – Pirâmide de Maslow, Borralha.com.............................................. 54

FIGURA 11 – Gordini III, 1967, Coleção Reader’s Diggest............................ 57

FIGURA 12 – Gordini III, 1967, Coleção Reader’s Diggest............................... 57

FIGURA 13 - Honda Fit, Arquivo da Propaganda............................................... 59

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Indústria automobilística brasileira: Produção e vendas domésticas de

passageiros – 1960/94................................................................................................ 37

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 1

1. A RETÓRICA NA TÉCNICA DOS ESTEREÓTIPOS: UM DIÁLOGO ENTRE

PUBLICIDADE E CONSUMO........................................................................... 8

1.1. FRAGMENTANDO CONCEITOS: AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO

DISCURSO DOS ESTEREÓTIPOS NA RETÓRICA DA PUBLICIDADE DE

AUTOMÓVEL........................................................................................................ 17

1.1.1. A RETÓRICA................................................................................................ 17

1.1.2. O CONSUMO................................................................................................ 20

1.1.3. O ESTEREÓTIPO.......................................................................................... 22

1.1.4. A PUBLICIDADE.......................................................................................... 24

2. 1960 E 2000: AS TRANSFORMAÇÕES DAS PRÁTICAS DE CONSUMO E

PUBLICIDADE....................................................................................................... 27

2.1. A DÉCADA DE 60: UM TEMPO DE MUITAS EUFORIAS.......................... 27

2.1.1. A POLÍTICA: O BRASIL DAS METAS DE JK À VASSOURA DE JÂNIO

QUADROS................................................................................................................ 28

2.1.2. O REGIME TOTALITÁRIO DE 64 E O “MILAGRE” DE 68...................... 28

2.2. A DÉCADA DE 2000: CAPITALISMO TARDIO, TECNOLOGIA E MULHER.

UM PERÍODO DE TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS.............................................. 31

2.2.1. A MULHER, O CAPITALISMO, E SUA ASCENÇÃO NO SÉCULO

XXI............................................................................................................................. 33

2.2.2. A MÁQUINA CHAMADA “AUTOMÓVEL”................................................ 35

3. A BUSCA PELA UNIDADE ORDENADORA: A METODOLOGIA QUE

ANALISA, ORGANIZA E CLASSIFICA O CORPUS........................................ 40

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3.1. OS ESTEREÓTIPOS NA PUBLICIDADE DE AUTOMÓVEL....................... 43

3.2. COMPARANDO OS ESTEREÓTIPOS............................................................. 48

3.2.1. O CASAL......................................................................................................... 48

3.2.2. O HOMEM....................................................................................................... 52

3.2.3 A MULHER....................................................................................................... 56

CONCLUSÃO............................................................................................................ 62

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 65

APÊNDICE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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1  

INTRODUÇÃO

Há cerca de um século, a publicidade limitava-se a dizer que “na rua tal, número

tal, vende-se tal cosia” (LANGNEU apud CARVALHO, 1974:131), mas logo se

afastou desse modelo, passando a adotar uma lógica e uma linguagem próprias, nas

quais a sedução e a persuasão substituem a objetividade informativa.

Ao longo do tempo as propagandas deixaram de ser pragmáticas e começaram a

fazer uso de uma ferramenta, à qual damos o nome de retórica.

Cabe a retórica mostrar o modo de constituir palavras visando convencer o receptor acerca de dada verdade

(CARVALHO, 2000: 13)

Segundo Carvalho (2000:13), toda a estrutura publicitária sustenta uma

argumentação ícono-lingüística que leva o consumidor ao convencimento. Tem a forma

de diálogo, mas produz uma relação assimétrica, na qual o emissor, embora use o

imperativo, transmite uma expressão alheia a si própria. O verdadeiro emissor

permanece ausente do circuito da fala; o receptor, contudo, é atingido pela atenção

desse emissor em relação ao objeto.

Em um livro clássico, Técnicas de Persuasão, J. A . C. Brown (1971) insiste em

que a propaganda, ou a publicidade, utiliza-se de uma proposta a fim de obter a resposta

dos receptores. Tomamos como base para a escolha um dos critérios que se acredita que

seja o mais comum nas campanhas publicitárias, o uso de estereótipos. De forma bem

resumida, podemos dizer que a utilização de estereótipos é o “convencimento pela

aparência”, além de que a utilização deste esquema impede qualquer tipo de

questionamento acerca do que está sendo anunciado, tornando-se uma “verdade

consagrada”. Em outras palavras, podemos dizer que “estereótipos são as fórmulas já

consagradas, tanto dos códigos visuais, quanto lingüísticos. Como ‘verdade’ já aceita

pelo público, o estereótipo impede o questionamento a respeito do que está sendo

comunicado” (Carrascoza, 2002: 49).

Brown (1971) afirma que “é uma tendência natural “classificar” as pessoas em

tipos, e com o tempo essa classificação pode tornar-se uma impressão fixa, quase

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impermeável à experiência real. “Daí os estereótipos do negro, do judeu, do capitalista,

do líder sindical ou do comunista, e as reações dos membros desses grupos passam a

ser explicadas não em função deles como indivíduos originais, mas em função do

estereótipo.” (Brown, 1971: 54)

A “verdade consagrada” a qual nos referíamos anteriormente, não é nada mais

do que um processo de “naturalização” do estereótipo (vide referência acima de

Brown). Este processo resulta de uma tensão entre grupos sociais, ou seja, é produzida

pelos conflitos das relações sociais, como a relação de poder por exemplo. A escolha da

publicidade se dá pelo fato de como ela reflete o dinamismo das mudanças de hábitos e

de costumes da sociedade.

O diálogo com os acontecimentos do presente e a sintonia com as tendências de comportamento dos diferentes públicos a que se destina atribuem à mensagem publicitária um valor de crônica social, isto é, de registro das relações cotidianas e das concepções de mundo. Acredito que a publicidade é a manifestação midiática mais adequada para se estudar a utilização de estereótipos, pois é através dela que se materializa todo esse universo sedutor, persuasivo onde se busca assemelhar uma idealização a um devido produto.

(HOFF, 2006: 38-42)

Nesta pesquisa, temos como objetivo fazer uma comparação / traçar paralelos

entre dois momentos históricos da publicidade no Brasil. Iniciamos nossa pesquisa por

meados da década de 1960 quando a propaganda nacional já possui um cunho retórico;

além de que é um momento em que as agências publicitárias já fazem parte do

“território brasileiro” quando a publicidade começa a ser produzida numa perspectiva

mercadológica, denunciando transformações no fazer publicitário e a presença mais

forte do módulo norte americano. Vale ressaltar que a década de 60 foi marcada por um

impulso econômico no Brasil, desde a construção de Brasília, até as questões político –

sociais como a Ditadura Militar.

Sobre a década de 1960, podemos relacionar a publicidade às mudanças nos

preceitos do marketing, pois é nesse período que se inicia o “descobrimento” da

segmentação de mercado, os nichos, os mercados potenciais. O marketing começa a

utilizar-se das ferramentas da publicidade para que possa entender cada vez melhor seu

consumidor. Ou seja, começa-se a entender a real importância do consumidor, em que

cada produto é como se fosse feito especialmente para ele, é como se cada peça

Page 13: O estereótipo na retórica da publicidade de automóvel no Brasil nas décadas de 1960 e 2000_Lucas Bonini

3  

publicitária não estivesse sendo direcionada para um conjunto, mas sim em unidade, de

forma individual.

No início da década de 1960, a publicidade assemelhava-se a da década de 1920 no que se refere às técnicas de elaboração: há um predomínio do desenho. Um leitor atento perceberá o aumento da oferta de produtos e de peças publicitárias; percebe também que, aos poucos, o desenho desaparece e a fotografia ganha espaço. No final dessa década, a estética da criação publicitária terá se transformado significativamente e as representações de corpo também, embora ainda não tenha os olhos para o corpo da cultura brasileira.

(HOFF, 2006: 38-42)

Conforme Hoff, a década de 1960 foi particularmente fértil no que se refere,

[...] à percepção de uma identidade brasileira pelos movimentos sociais e culturais. O tropicalismo é um exemplo. Entretanto, a publicidade não dialoga com as causas e as identidades nacionais.

(HOFF,2006: 38-42)

Aludindo Ricardo Ramos (1987:82) sobre a história da propaganda no Brasil,

em “Criação, criatividade. A tônica dos anos 60”, podemos entender que a década de

1960 foi um período de grandes transformações na publicidade. Podemos citar algumas

características: a ênfase na criatividade, a integração de setores criativos nas agências, a

dissolução de fronteiras entre redação e arte; os avanços no aparelhamento dos

anunciantes, em geral quanto à área de marketing; mudança radical na forma e no

conteúdo dos anúncios, com uma total libertação de cerimônias em sua linguagem e um

afastamento paulatino da sistemática argumentação racional (reason why); maior apelo

às emoções, ou seja, uma grande evolução criativa que elevou o nível técnico da

publicidade.

Também não podemos nos esquecer da importância que as agências

brasileiras passaram a ter. Um detalhe importante, no qual contextualizamos a ESPM,

foi que nessa década oficializou-se o ensino de comunicações no qual se inclui o de

propaganda. A profissão ganha a universidade, tem o seu reconhecimento em nível

superior, uma certa sofisticação. Baseando-se nos conceitos citados anteriormente

pensamos em um produto que vigora com a mesma precedência e força nas décadas de

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1960 e 2000. Após um breve estudo, constatamos que um produto que sempre teve

relevância e que despertou nossa curiosidade para o estudo foi o automóvel, o símbolo

máximo de status e da liberdade na sociedade de consumo; por isso acreditamos ser

importante estudar os estereótipos presentes nas campanhas e peças publicitárias desta

categoria de produto. O automóvel foi escolhido pelo fato de ser um objeto anunciado

com freqüência pela publicidade nos dois momentos

históricos, posicionando-se no topo da cadeia dos objetos desejados na sociedade de

consumo. Como Mara Roberto (2004) afirma, podemos comparar os valores agregados

ao carro como o poder, a liberdade, a independência e o status a valores associados ao

cavalo.

Pode-se dizer, por exemplo, a respeito do automóvel: meus freios, meus pára-lamas, meu volante. Diz-se: eu freio, eu dirijo, eu dou partida. Todos os órgãos, todas as funções podem se achar isoladamente relacionadas à pessoa de modo possessivo. [...] No caso do cavalo, ainda que fosse um extraordinário instrumento de poder e de transcendência para o homem, a mesma confusão não seria possível. É que, sobretudo o cavalo não é feito de peças: é sexuado. [...] Face a um ser vivo pode-se dizer meu, mas não se pode dizer eu, como se faz ao se apropriar simbolicamente das funções e dos órgãos do veículo [...] ao ser fabricado em linha de montagem, o carro transformou-se num signo viável de consumo, carregando consigo o status quo adquirido anteriormente e criando outros valores decorrentes da obtenção ou não desse status.”

(BAUDRILLARD apud ROBERTO, 2004: 19)

Mara Roberto, no referido texto, conclui que o automóvel alia a beleza,

velocidade, independência e a virilidade do cavalo agregada com a nova tecnologia dos

automóveis, propiciando assim a sensação de poder em relação ao mundo. Se o homem

antigo precisava unir-se ao cavalo para obter maior poder, força e velocidade de

deslocamento, o homem moderno une-se ao automóvel para obtenção das mesmas

coisas e outras tantas agregadas pela sociedade de consumo. Muito se pode questionar

sobre a escolha do automóvel como objeto de estudo, pois este pode criar ao leitor a

dúvida de por que não outro objeto para ser analisado. Como citado anteriormente, o

automóvel desde sua criação vem sendo um dos produtos que mais aguça o desejo das

pessoas/consumidores. Por muitas vezes ouvimos aquelas histórias em que um

indivíduo não tem dinheiro para pagar a gasolina, mas compra o carro da moda, nem

que seja para deixar guardado na garagem. O que podemos observar é a importância que

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damos a um produto, teoricamente simples em seus fundamentos (é apenas um meio de

locomoção), mas que acaba sendo objeto de desejo, de consumo. O que faz com que o

carro, em épocas de crise ou de fartura, em países de alta ou baixa renda per capita, em

famílias de alta ou baixa renda familiar e em economias tão diferenciadas como as de

São Paulo e Manaus continue sendo o bem durável que mais atração exerce sobre as

pessoas? Certamente esta é a grande pergunta que difere o automóvel de uma geladeira,

por exemplo; e é a partir deste questionamento fundamental que tomamos base para

nosso projeto de pesquisa. Se fizermos uma análise de estereótipos nas propagandas de

eletrodomésticos certamente os encontraremos, não há dúvida disso, mas tendemos a

encontrar apenas estereótipos do padrão “Dona de casa americana”; isto tendo como

base a década de 1960. Por sua vez, se olharmos para o presente (década de 2000),

também encontramos um estereótipo de dona de casa; embora seja uma “dona de casa”

que não mais fica em casa (é irônico pensar que donas de casa só poderiam ficar

“enjauladas” dentro de suas casas), mas a verdade é que nos referimos a mulher

contemporânea, independente.

Em 1973, Gerald Atkin (apud JORNAL MEMORIAL DA PROPAGANDA,

1998: 4) já dizia que, “o problema de status no Brasil é tão sério que é comum ver

pessoas que, pela classe a que pertencem deveriam ter um Sedan Volkswagen... e tem

um Passat ou um Chevette GP”. Será que isto mudou de 1960 para 2000? Certamente o

automóvel, antagonicamente a aparelhos eletrodomésticos, possui extrema riqueza em

sua análise de estereótipos, pois a publicidade nas décadas de 1960 apresenta

estereótipos do homem e da família, tudo isso se baseando em uma relação de sociedade

patriarcal. Hoje as coisas são diferentes, as marcas através do marketing de valor,

buscam entender e suprimir as necessidades e desejos do consumidor.

Neste cenário atual, a mulher passa a ser entendida como mercado potencial e

hoje não é errado se dissermos que ela já é figura decisiva na escolha de compra de um

automóvel.

Desta forma, além de encontramos modelos de carros para homens também

encontramos para mulheres; e a partir deste contexto desmistificamos esta abrangência

em modelos para a família, para jovens, para diversos tipos de faixas etárias

especificadamente. O automóvel de fato é um objeto muito “rico” para análise dos

estereótipos; por isso sua escolha.

Como citado, nossa pesquisa se divide em duas décadas, 1960 e 2000. Em cada

uma observamos diferentes características sócio-políticas; por exemplo, a década de

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1960 é um período de grande importância para a “criação” publicitária brasileira. Como

já sabemos, é um período de novas ideologias, como o entendimento sobre a dupla de

criação, fato que mudou completamente a concepção da propaganda. No Brasil esta

década foi muito importante, pois foi um período de crescimento econômico; o Brasil

cresce, começa a produção do Fusca, e a partir deste momento a idéia de que o

automóvel não é um produto somente para um grupo de pessoas, mas sim, um produto

para todos. Acrescentemos a esses fatores, a construção de grandes rodovias ligando

estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília até Salvador. “A verdadeira

implantação da indústria automobilística brasileira aconteceu durante o governo

democrático do presidente Juscelino Kubitschek (1955 – 1960) quando a Volkswagen

iniciou a produção do primeiro Fusca em São Paulo” (Jornal Memorial da

Propaganda, 1998: 4).

Outro fator importante é a ampliação do mercado automobilístico no Brasil.

Antigamente poucos eram aqueles que tinham carro, ainda mais sendo importados; com

a produção nacional, este número aumenta, sendo um sucesso para as montadoras. Hoje

em dia, podemos dizer que o carro através de questões culturais adquiridas através do

tempo, e por motivos “capitalistas”, quase que se torna um bem não durável, como se

tivesse um ciclo, um período de vida, ou seja, por questões de status, necessita-se que

modifiquemos de modelos de automóvel, desta forma estaríamos compatibilizados com

nosso devido tempo / espaço em que vivemos. Ainda mais, podemos ressaltar que o

automóvel ganha identidade, uma simbologia que é transmitida na publicidade como

um conceito de vida a ser adotado. Quanto mais questionamos, mais observamos a

riqueza simbólica deste produto.

Entendendo o automóvel e suas modificações, avaliaremos nosso problema de

pesquisa, que se referem à análise das formas de utilização da técnica persuasiva nos

referidos períodos. Objetivos secundários referem-se à contextualização do momento

histórico na criação publicitária de automóvel nos dois períodos, e à identificação da

técnica de estereótipos empregada nas referidas décadas.

Considerando nossos objetivos, podemos apresentar nossas hipóteses: os fatores

políticos, sociais, econômicos, culturais e tecnológicos interferiram nas mudanças

agregadas à impregnação de estereótipos. Assim como os valores agregados à marca ao

longo do tempo. É muito claro que ao longo destas décadas marcas tornaram conceitos,

ou seja, passaram por um processo de valor, como isso pode afetar uma nova vertente

dos estereótipos?

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7  

No capítulo 1, “A retórica na técnica dos estereótipos: um diálogo entre publicidade e

consumo”, abordamos como se dá o surgimento da persuasão como ferramenta da

retórica na publicidade de automóveis no Brasil. Evidenciamos nesse capítulo como a

publicidade e o consumo dialogam e se complementam – a publicidade dá sentido ao

consumo que possibilita à publicidade persuadir através de narrativas sociais o

consumidor, especificadamente o consumidor de automóveis.

No capítulo 2, “De 1960 a 2000: as transformações nas práticas de consumo e de

publicidade” abordamos as transformações sociais referentes aos hábitos de costume de

uma sociedade patriarcal da década de 1960; um período de grande crescimento

econômico e riqueza cultural até chegarmos na sociedade democrática de década de

2000, onde observamos as transformações sócias referentes aos papéis do homem e da

mulher. Neste capítulo, evidenciamos a construção e transformação dos estereótipos na

publicidade de automóvel ao longo de referidas décadas.

No capítulo 3, “A busca por uma unidade ordenadora: a metodologia que analisa,

organiza e classifica o corpus”, abordamos nossa metodologia: como foi coletada e

organizada. Observamos o levantamento e classificação dos principais estereótipos em

peças publicitárias de automóvel e posteriormente dentre os mais relevantes observados

realizamos a análise das peças. Neste capítulo adentramos na riqueza da análise dos

estereótipos do casal, do homem e da mulher, das décadas de 1960 e 2000, de modo que

assim poderemos comparar ambos períodos históricos e suas transformações na retórica

da publicidade de automóvel no Brasil nas décadas de 1960 e 2000.

Page 18: O estereótipo na retórica da publicidade de automóvel no Brasil nas décadas de 1960 e 2000_Lucas Bonini

8  

1. A RETÓRICA NA TÉCNICA DOS ESTEREÓTIPOS: UM DIÁLOGO ENTRE

PUBLICIDADE E CONSUMO.

Tendo como base a leitura do livro Técnicas de persuasão, da publicidade à

lavagem cerebral, de J.A. C Brown (1971), observamos os primeiros passos para a

discussão sobre questões relacionadas a estereótipos que iremos abordar em nossa

pesquisa. No entanto, é válido ressaltar que este livro é o precursor de uma série de

obras contemporâneas que buscam analisar e contextualizar a Retórica e a persuasão no

âmbito da Publicidade e Propaganda. O livro é de grande importância para os estudos

precursores da persuasão na propaganda no final da década de 50 e início da década de

60. Ou seja, algumas definições como propagandista, não condizem totalmente ao “pé

da letra”, pois, neste caso em específico, lembremo-nos de que Brown vem de um

contexto de pós-guerra e “fazer propaganda” nesse período era fazer propaganda de

guerra, propaganda política, aqueles que transmitiam ou propagavam uma devida

ideologia eram considerados “propagandistas”.

Hoje, entretanto, esta mesma palavra implica um profissional de propaganda, um

“marqueteiro”; um publicitário; um criador; conceitos que ainda são prematuros na

ideologia de Brown. Poderíamos comparar um orador a um propagandista. Goebbells,

por exemplo, era um bom propagandista no contexto de Brown; logo, um propagandista

de hoje, sobre nossa análise, é um bom vendedor, alguém que vende algo para alguém.

Observamos semelhanças; ambos necessitam de um bom discurso retórico para

conseguir que alguém acredite ou compre algo.

Esta prévia observação nos revela que a obra de Brown é datada e que

precisamos estar alertas para as possíveis transformações conceituais de alguns termos

utilizados por ele. Entretanto, podemos manter os mesmos preceitos debatidos no livro

sob uma contextualização, visto que o núcleo central de discussão nesse livro pode ser

trazido para os dias de hoje, pois a ideologia da publicidade é a mesma, mas alertamos

para a necessidade de algumas atualizações.

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9  

Comecemos pela propaganda, aquela que possibilita a construção de nosso

campo de discussão. Brown em seu livro demonstra uma certa dificuldade em defini-la,

talvez devido às suas nuanças de significado. No entanto, ele declara que propaganda:

É muitas vezes empregada em um sentido depreciativo, e a despeito de parte do significado original ser indubitavelmente a implicação dela consistir num apelo coletivo a grupos maiores ou menores de pessoas feito por um indivíduo ou outro grupo, é hoje freqüentemente usada tão indiscriminadamente como a mais recente ‘lavagem cerebral’ com referencia as atividades de qualquer indivíduo infeliz ou inaceitável a outrem

(BROWN, 1971: 14)

Brown vai mais adiante e afirma que:

Com o surgimento do “dom da palavra”, surge o poder de manipular e persuadir as pessoas sem o recurso obrigatório à força física, e é improvável que antes de falar os homens tivessem quaisquer opiniões para serem modificadas. A violência direta ou ameaça dela pode produzir submissão à vontade de outro indivíduo ou grupo, porém pensamentos são criados e modificados, sobretudo pela palavra falada ou escrita

(BROWN, 1971: 11)

Se não explicássemos que Brown situa-se em um contexto histórico de pós-

segunda Guerra-Mundial, não entenderíamos o porquê de praticamente comparar

propaganda a uma simbologia bélica. Todavia, ela foi de fato uma arma de

comunicação, uma das mais eficientes e utilizadas por ingleses, franceses, russos e

principalmente pelos nazistas do Terceiro Reich, de Adolf Hitler. Seu poder era tão

grande que fez com que um país como a Alemanha, totalmente desestruturado ao

término da primeira guerra mundial e sufocado pelo Tratado de Versalhes fosse capaz

de se reerguer economicamente de forma tão expansionista. Esta referência ao Terceiro

Reich demonstra como o poder da propaganda pode manipular indivíduos por meio de

uma crença, tornando-os céticos à uma referente ideologia em questão ( no

desenvolvimento deste relatório veremos que as crenças de um grupo fazem parte da

formação dos estereótipos). O autor cita, ainda, outros exemplos do poder da

propaganda tais como a religiosa do Papa Urbano VIII e sua “Congregação da

Propaganda” que tinha como objetivo, por meio do exemplo e da pregação, converter

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pagãos em católicos romanos. Observamos que com o passar do tempo o ideal de

propaganda é o mesmo; no entanto, “a escola propagandista” se transforma conforme as

mudanças da sociedade. O ideal sempre é “vender” um produto. A partir deste critério

podemos inserir a Publicidade na discussão.

É neste campo que observamos os reflexos do

[...] dinamismo das mudanças de hábitos e de costumes da sociedade [...] o diálogo com os acontecimentos do presente e a sintonia com as tendências de comportamento dos diferentes públicos a que se destina atribuem à mensagem publicitária um valor de crônica social, de registro das relações cotidianas e das concepções de mundo.

(HOFF, 2005, 1)

Desta forma, tendo como base a obra Técnicas de Persuasão (1971), de Brown,

podemos dizer que por muito tempo publicidade estava ligada a uma ação psicológica

com finalidade comercial. Sobre isto, citamos Rocha, que afirma:

A publicidade é um discurso que tanto pode remeter aos conteúdos da cultura brasileira retirados do acervo das experiências globais contemporâneas quanto aos conteúdos pertencentes a um plano local que revela o que nos é marcadamente singular. A publicidade, em certo sentido, é um código cultural capaz de expressar uma complexa pluralidade de mensagens

(ROCHA, 2006,13)

Os caminhos da persuasão seguem de certa maneira as possibilidades da

linguagem manipulatória. A partir desta análise introduzimos em nossa discussão a

persuasão no campo da publicidade.

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Citelli (2002), professor que desenvolve estudos a respeito da Linguagem e

Persuasão, em suas obras, busca esclarecer o que é linguagem persuasiva, sua forma de

articulação e procedimentos persuasivos, buscando assim propor uma nova linha de

reflexão sobre esta exposição teórica. É muito difícil rastrearmos organizações

discursivas que escapem à persuasão; talvez a arte, algumas manifestações literárias,

jogos verbais, um ou outro texto marcado pelo elemento lúdico.

Através de uma linguagem manipulatória observamos uma narrativa

preconcebida por aspectos de tentação, intimidação, sedução e provocação (FIORIN,

1997:22-23).

Também João Carrascoza (2002), a respeito do texto publicitário e da associação

de palavras como elemento de sedução na publicidade, afirma que em uma única

mensagem podem coexistir todas as funções. Na comunicação cotidiana, elas são

interligadas ou encavaladas, embora haja o predomínio de uma. Sendo o texto

publicitário deliberativo, é natural que prevaleça a função conativa, centrada no

interlocutor, alvo do aconselhamento. Carrascoza ainda comenta que a função conativa

é fundamental para o texto publicitário auratizar na comunicação a mercadoria que

também é produzida em série. Sobre a função poética na mensagem verbal de uma peça

publicitária de mídia impressa, vale ressaltar que ela é explorada, primordialmente e

exaustivamente, na construção do slogan”.

Em nosso quadro teórico, nos basearemos nos conceitos abordados em Tratado

da argumentação (2000), de Perelman. A partir de uma releitura de Hoff (1999) sobre

as idéias perelminianas, entendemos que, seguindo as concepções filosóficas da Escola

de Bruxelas, os estudos de Perelman referem-se prioritariamente ao problema da

racionalidade:

Como compreender a atividade racional e os domínios da razão. As limitações impostas à idéia de razão e racionalismo clássico resultaram numa relação restrita, confinada à dimensão da lógica formal e alheia à dimensão pragmática de que se revestem os raciocínios.

(HOFF, 1999:25)

Perelman busca na Retórica Aristotélica concepções a respeito da argumentação.

Ao retomar as idéias do filósofo grego, considera as verdades prováveis e desenvolve

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uma teoria que se volta para os argumentos da “razão pratica” considerando-os

essenciais para “promover a adesão, o que justifica o estudo dos raciocínios dialéticos”

(HOFF, 1999:25).

A teoria perelminiana concebe a argumentação como a forma de expressão de

uma realidade que se transforma conforme as emoções e as crenças dos auditórios.

Entendemos melhor este conceito por meio de seu próprio pensamento em o Império

Retórico:

[...]esta leitura da racionalidade a partir das exigências da ação no pensamento e do caráter inevitavelmente situado do saber implica uma concepção essencialmente relacional e retórica da atividade racional e faz com que a razão seja perspectivada, não do ponto de vista da contemplação da verdade, mas da justificação das nossas convicções e das nossas opiniões. Dir-se-á, pois, que uma secreta racionalidade se oculta para além de barreiras impostas pelo dogmatismo : a razão não abriga à unidade e ao consenso, nem a falta de acordo é sinônimo de irracionalidade (1993, 22).

Observamos na teoria de Perelman que a argumentação é complementar a

demonstração, pois, ao lado da formalização do raciocínio em um sistema bem definido

que permite chegar à verdade ou, pelo menos, a sua probabilidade calculável, existe

uma forma de raciocinar, que não pressupõe uma estrutura pré-estabelecida e que se

constroem na interação dos elementos uns com os outros porque visa à adesão do

auditório – não a uma conclusão verdadeira.

Ao analisarmos a Retórica, podemos assim começar a discutir persuasão.

Para tanto recapitulemos Brown (1979, 27) que afirma que algumas das técnicas mais

comumente empregadas em propaganda seguem canais bastante comuns na mentalidade

do homem médio. Sobre as técnicas persuasivas, segundo o referido autor, temos,

• O emprego de estereótipos

• A substituição de nomes

• Seleção

• Repetição

• Afirmação

• Apontar o inimigo

• Apelo à autoridade

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Sobre as técnicas persuasivas citadas acima, nos concentraremos no “emprego de

estereótipos”. Segundo Brown é,

Uma tendência natural ‘classificar’ as pessoas em tipos e com o tempo essa classificação pode tornar-se uma impressão fixa, quase impermeável à experiência real. Daí os estereótipos do negro, do judeu, do capitalista, do líder sindical ou do comunista, e as reações dos membros desses grupos passam a ser explicadas em função deles mesmos como indivíduos originais, mas em função do estereótipo (1979, 27).

Para classificação dos estereótipos utilizamos os estudos dos sociólogos Walter

Lippman (1996) e Agner Heller (1970). Sobre o ponto de vista de Lippman, podemos

dizer que estamos cada vez mais “naturalizados” aos aspectos que formam os

estereótipos. É como se atualmente fossemos seduzidos por características pré-

concebidas pela sociedade.

Na maior parte das vezes, não vemos primeiro para depois definir, mas primeiro definimos e depois vemos. Na grande confusão florida e zunzunante do mundo exterior colhemos o que nossa cultura já definiu para nós, e tendemos a perceber o que colhemos na forma estereotipada, para nós, pela nossa cultura (1966:151).

Ao lermos o texto de Lippman (1996), observamos seu entendimento de que a

formação dos estereótipos ocorre a partir do ponto em que, numa tomada de decisão,

faltasse repertório e sustentássemos nossas decisões em crenças. Tendo em vista a teoria

de Lippman (apud PEREIRA, 2002:33) em sua obra Psicologia Social dos estereótipos,

sintetiza que,

[...] os seres humanos, regidos por uma espécie de economia de esforço, já ostentariam uma opinião sobre as coisas ante mesmo de observá-las, ordenando o mundo de acordo com os códigos que acultura oferece para descrevê-lo e interpretá-lo, tais códigos, transmitidos de gerações em geração, seriam invasivos o suficiente para favorecer a expressão dos estereótipos, que teriam a função de defender as tradições culturais e as posições sociais.

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Lippman (1996) considera os estereótipos como uma base construtiva desses

códigos e o critério para determinar como os fatos deveriam ser interpretados dentro de

uma opinião pública. A este conceito correlacionamos à espiral do silêncio na qual se:

Alguém se insurgir ou apresentar uma interpretação divergente dessa visão estereotipada do mundo, tal pessoa tenderá a ser considerada perigosa e perversa, podendo-se pensar, conseqüentemente, que a tolerância em relação aos outros dependerá basicamente, de conceber os próprios códigos como constituídos por estereótipos que devem ser evitados

(PEREIRA, 2002:34).

Ainda no livro Psicologia Social dos Estereótipos de Pereira encontramos a seguinte

definição de estereótipos,

Crenças sobre atributos típicos de um grupo, que contêm informações não apenas sobre estes atributos, como também sobre o grau com que tais atributos são compartilhados (2002:35).

Lippman (apud PEREIRA, 2002: 44) define de forma mais esclarecedora os

estereótipos,

São considerados como fotografias que as pessoas carregam dentro de

sua cabeça. Ora, se a percepção que as pessoas possuem dos outros

grupos é construída através da articulação entre impressões sensoriais

imediatas objetivas e o resto que foi acumulado ‘na cabeça’ durante

anos, nada mais natural do que conceber os estereótipos como os

próprios elementos preexistentes ou acumulados.

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Agnes Heller (1970:43) apresenta-nos uma análise de que os estereótipos são

preconceitos em relação a comportamentos cotidianos, “o caráter momentâneo dos

efeitos, a natureza efêmera das motivações, a fixação repetitiva do ritmo, a rigidez do

modo de vida”.

A autora indica essas características como provenientes de uma ultra-

generalização característica de nosso pensamento e de nosso comportamento. A

sociologia expõe que a tradição não é a fonte da ultra-generalização, que pode se basear

também na experiência pessoal; e a atitude que se contrapõe ao sistema estereotipado

tradicional pode conter ultra-generalizações análogas à do próprio sistema ao qual se

opõe.

Entendemos assim que toda ultra-generalização é uma regra provisória; ou seja,

a ultra-generalização é inevitável na vida cotidiana. Para a sociologia estes fatos citados

referem-se à raiz do conformismo de um indivíduo. A conformidade torna-se

conformismo quando o indivíduo:

Não aproveita as possibilidades individuais de movimento, objetivamente presentes na vida cotidiana de sua sociedade, caso em que as motivações de atividade, sobretudo nas decisões morais e políticas, fazendo com que essas percam o seu Carter de decisões individuais.

(HELLER, 1970: 46)

Por meio de uma fábula de conhecimento público atribuída a Esopo, podemos

considerar o que de fato significa a ação dos estereótipos,

Naqueles tempos, um caçador encontrou na floresta uma raposa morta e bem junto do corpo da raposa estava um filhote do animal. O caçador pegou o filhote e o levou para a sua casa. Logo foi advertido pelos vizinhos e amigos: “este animal é bravo, uma fera. Quando crescer poderá machucar e até matar um filho seu, principalmente o seu recém nascido” . O caçador desprezou os avisos e continuou a criar a raposa dentro de casa. Logo o animal cresceu, ficou adulto e forte, mostrando, entretanto certa docilidade. Mas os vizinhos e amigos não se iludiam com a aparente docilidade do animal e deixavam o caçador de antena ligada. “Você pode não entender, mas este animal é uma fera e ainda vai lhe causar dissabores”; repetiam todos.

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Um dia, bem ao alvorecer, o caçador chega em casa e encontra na porta da sua residência o animal que criara com tanto carinho. E nota que a boca da raposa estava cheia de sangue. Pensa nos amigos e nas constantes advertências que os mesmos lhe fizeram. E pensa no filhinho, que deveria estar no berço, ensangüentado, morto. De imediato, tira o machado de caça das costas e mata a raposa, entrando correndo em casa. E logo nota o que aconteceu: no berço, dormindo, tranquilamente, estava o seu rosado filinho; e no chão do aposento, bem nas proximidades do leito, jazia o enorme corpo de uma cobra.

O caçador pegou o corpo da raposa e o enterrou, juntamente com o machado que a matara, num gesto de arrependimento e remorso.

Entendemos assim o que Heller (1970) entende por “pré-conceitos” e, desta

forma, entendemos como ocorre a implicação dos estereótipos reforçados por crenças.

Antes mesmo de tomarmos conhecimento de uma pessoa, distinguimos alguma

característica, muitas vezes pejorativa. Por exemplo, comparamos acima a raposa

“animal bravo” ao famoso pré-conceito de “loira-burra”.

Esta fábula nos lembra muito as atitudes de pessoas que ouvem um relato de um

acontecimento e logo tomam uma decisão ou formam uma opinião, sem procurar

levantar o que de fato aconteceu entre as partes envolvidas. Muitas vezes, em tal

circunstância, é bem provável que se tome uma decisão errada e alguém seja condenado

sem culpa.

Aproximando o tema do consumo à nossa reflexão sobre os estereótipos na

publicidade, reportamo-nos às idéias de Rocha (2006) que afirma que o consumo

perpassa a vida social do nosso tempo com uma força que poucos fenômenos possuem,

e é por meio do sistema publicitário que ele adquire sentido social, pois as marcas, os

bens, os produtos e serviços ganham suas identidades nesse discurso, e, com elas, uma

existência concreta em nossas vidas.

Acreditamos que os conceitos citados há pouco sobre a ideologia de Heller

(1970) podem ser dimensionados no campo do consumo. As ultra-generalizações

cotidianas podem ser paralelamente relacionadas ao que Rocha define como “dois

planos da publicidade”. De um lado, temos o sistema de significação, “permitindo

descortinar um panorama do estilo de vida da sociedade contemporânea. Por outro,

como conjunto de valores que perpassa realidades locais, definindo práticas e fazendo

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com que indivíduos e grupos convivam com experiências diferenciadas de consumo

(2006, 13)”.

Rocha (2006) afirma que o consumo de anúncios é diferente do consumo de

produtos e que “em cada anúncio vendem-se, significamente, mais estilos de vida,

visões de mundo, sensações, emoções, relações humanas, sistemas de classificação do

que os bens de consumo efetivamente anunciado. Produtos e serviços são vendidos

indistintamente”.

Desta forma, podemos entender que em nossa pesquisa, consumo e publicidade,

caminham paralelamente enfatizando um único objetivo: a determinação de estereótipos

nas peças publicitárias de automóvel. Este raciocínio fica claro quando aludimos Rocha

(2006:12) que relata que a “publicidade é a narrativa que dá sentido ao consumo,

sendo esta narrativa a razão produtora de sistemas simbólicos presentes em nosso

tempo”. Estas narrativas, nada mais são do que nossas “histórias” do cotidiano, são

histórias que falam o que somos e o que gostaríamos de ser; por isso estudar os

estereótipos como ferramenta de persuasão e sedução na publicidade.

 

1.1 FRAGMENTANDO CONCEITOS: AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO

DISCURSO DOS ESTEREÓTIPOS NA RETÓRICA DA PUBLICIDADE DE

AUTOMÓVEL

1.1.1. A RETÓRICA

A retórica é a arte de falar do que levanta problemas nos assuntos civis, de forma a persuadir [...] É a arte de falar bem, de demonstrar eloqüência diante de um público para o conquistar para a nossa causa

(MEYER, 1994: 31)

A retórica é o meio pelo qual se constrói na mensagem uma negociação da

distância entre os sujeitos. Esta negociação tem lugar através da linguagem racional ou

emotiva. A racionalidade comporta a linguagem argumentativa como ferramenta social

que, segundo Meyer (1994), seria um aspecto da atividade retórica do homem. A partir

de tais idéias, podemos segmentar a linguagem argumentativa em duas ramificações,

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uma voltada para o Pathos e uma outra voltada para o Logos; estamos falando,

respectivamente, do emocional e do racional.

Entendemos Pathos (HOFF, 1999:23) por ser: “conjunto de emoções, paixões e

sentimentos que o orador deve suscitar no auditório/público”.

Já o Logos, define-se como,

correspondente à argumentação propriamente dita, ou seja, à forma como se constrói o percurso argumentativo do discurso e pode ser entendido como o aspecto dialético da retórica. (HOFF,1999: 23)

Em Meyer (2004: 33), retomamos Aristóteles quando entendemos que,

Claramente, a retórica é aqui reduzida à argumentação, a um raciocínio cuja finalidade é persuadir. A referência à arte oratória, à eloqüência pública, parece ausente, e com ela a idéia de estilo e de ornamento literário. A retórica anuncia-se como ‘racional’ por assim dizer. Contudo, o conceito de persuasão remete para a adesão, e de uma forma geral para a resposta do auditório. Esta pode nascer dos efeitos de estilo, que tanto produzem sentimentos de prazer como de adesão. Pode dizer-se que foi ‘um belo discurso’ ou achar simplesmente que deu prazer e é agradável de ouvir, o que tem mais a ver com as emoções que suscita ou com as quais joga do que com a Razão enquanto tal. Parece forçoso assim que a subjetividade, após ter sido brevemente negada, reapareça. E com ela, desembocamos necessariamente na manipulação, na ideologia, na propaganda e na publicidade.

Em nossa pesquisa focamos a retórica nos estudos desenvolvidos por Perelman,

que se baseia prioritariamente na problemática da racionalidade, e como conseqüência

como compreender a atividade racional. Segundo análise de Hoff (1999:25), “as

limitações impostas à idéia de razão pelo racionalismo clássico resultou numa razão

restrita, confinada à dimensão da lógica formal e alheia à dimensão pragmática de que

se revestem os raciocínios”.

Perelman, desta forma, advoga a favor de uma “razão prática”, considerando

assim a “lógica do provável”, ou “lógica do razoável” em seus estudos referentes à

argumentação.

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Por meio da análise de Hoff (1999:25) sobre os estudos de Perelman,

entendemos “lógica do provável” como sendo, “inadmissível reduzir o lógico à lógica

formal, uma vez que existe uma racionalidade argumentativa, distinta da lógica

demonstrativa, mas inserida e constituída nos domínios da atividade racional”.

Da mesma forma “razão prática” para Perelman seriam as “verdades prováveis”,

essenciais para promover a adesão. Entendemos assim, que estes aspectos para o

filósofo de Bruxelas, são segundo Hoff (1993:27).

A questão que repetidamente se colocará é a da razão prática. Entenda-se: de uma racionalidade que responda ao homem – postos de lado os sempre tentadores desvios para o sonho e para a utopia (conseqüência do fascínio pelo absoluto) – por aquilo que ele realmente é: um ser situado, histórico, contextualizado, enraizado (1993:21).

Analisando a teoria de Perelman (2000) a respeito da retórica, podemos entender que o

autor estuda a linguagem argumentativa. Em nossa pesquisa aproximamos a teoria da

argumentação de Perelman com as idéias de J.A.C Bronw (1971), que trata da

persuasão na publicidade.

Desta forma, fica muito claro quando entendemos que a linguagem argumentativa serve

como base construtiva de hábitos e costumes de nossa sociedade que são evidentes na

publicidade como ferramenta retórica e que a utilização de estereótipos tem uma função

persuasiva na mensagem publicitária.

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1.1.2. O CONSUMO

A felicidade, o bem-estar, o conforto e o sucesso couberam dentro de objetos e projetos de consumo [...] seguindo a lógica da teoria consumista, a felicidade de um indivíduo está em encontrar sua maneira de ser e em buscar ser quem ele realmente é, por meio da auto-expressão em mercadorias e bens de consumo.

(Volpi, 2007: 91)

Hoje em dia o estilo de vida é determinado por uma simbologia implícita no bem

de consumo. Segundo Volpi (2007:92), “o padrão consumista das sociedades

contemporâneas tende a reduzir o sentido da vida à aquisição de bens e serviços”.

Acreditamos que nossa vida estabelece-se por meio do consumo desordenado e

acumulativo; esta ideologia está explícita em qualquer meio midiático: na novela das

oito, no filme do cinema, na publicidade etc.

A partir de Rocha (2006), entendemos o consumo como uma prática que

constrói a experiência da vida cotidiana. Ou seja, “Produtos e serviços são vendidos

para quem pode comprar; anúncios, entretanto, são vendidos indistintamente”

(ROCHA 2006:50). Podemos, assim, entender a sociedade de consumo. A partir dessa

citação, fica claro que comparativamente é como se anúncios de automóvel, por

exemplo, vendessem de uma forma persuasiva, por meio da argumentação emocional,

um determinado conceito ou status, isto é, uma identidade de vida que transfigura-se na

idéia daquilo que uma pessoa quer ser, mas que não é. Entendemos assim que nossa

sociedade sofre um contraste não muito lógico se analisado do ponto mercadológico de

consumo.

Rocha (2006:13) já diz que mercados de massa são fielmente antagônicos aos

ideais de consumo na publicidade, como estamos analisando em nossa pesquisa.

Conjunto de valores que perpassa realidades locais, definindo práticas e fazendo com que indivíduos e grupos convivam com experiências diferenciadas de consumo [...] a predominância do carro de 1000 cc nas vendas de automóveis sinaliza a importância dos mercados populares para o desenvolvimento econômico e inclusão social. Entretanto, inovar visando esses mercados não vem comovendo as filiais de multinacionais e, tampouco, as empresas

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brasileiras. O processo de substituição de importações trouxe para o Brasil produtos concebidos para os mercados afluentes dos países desenvolvidos. Mas é enorme a distância social que separa tais mercados do mercado brasileiro de massas. Algumas empresas, ao descobrirem este mercado de massa, partiram para desenvolver e aperfeiçoar estratégias específicas para atender esta enorme demanda.

Ainda referindo-nos a Rocha (2006:38) sobre a contextualização do consumo em

nossa sociedade,

O significado do domínio da produção e do domínio do consumo permite que

se identifique uma nova dimensão para o papel da publicidade. A publicidade

é um operador totêmico contemporâneo [...] através de suas mensagens ,

introduzir diferenças na produção articuladas às diferenças no consumo.

Sempre que pensar na passagem do não humano ao humano, do produto à

marca, do seriado ao distintivo, da impessoalidade às relações sociais na

cultura contemporânea, pode-se pensar na operação classificatória da

publicidade e na importância do estudo sistemático desse fenômeno com

parte do esforço de compreender como somos.

Evidenciamos desta maneira como consumo e publicidade se interligam. O

consumo necessita da publicidade como meio pelo qual sua expressão será captada.

O repertório social, que não deixa de ser um certo tipo de inconsciente coletivo1, ou

seja, nossas crenças, valores e idéias, determina a publicidade como sendo uma crônica

social. Retomando Rocha (2006) entendemos que publicidade é a narrativa que dá

sentido ao consumo e, desta maneira, são os anúncios publicitários as narrativas de

nossas vidas.

                                                            1 Em Os Arquétipos e o inconsciente coletivo (2002), observamos uma das teorias mais conhecidas de C.G.Jung é a idéia dos arquétipos e de seu correlato, o conceito de inconsciente coletivo. Para Jung, o inconsciente coletivo é um segundo sistema psíquico da pessoa. Diferentemente da natureza pessoal de nossa consciência, ele tem um caráter coletivo e não pessoal. Jung o chama também de 'substrato psíquico comum de natureza supra-pessoal', que não é adquirido, mas herdado. Consiste de forma pré-existentes, arquétipos, que só se tornam conscientes secundariamente.

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22  

1.1.3. O ESTEREÓTIPO

Termo integrado ao vocabulário das Ciências Sociais em meados da década de

20, graças aos estudos de Walter Lippman, em seu livro Public Opnion.

Carrey (1989:75) considera que esse livro é o fundador dos estudos midiáticos

americanos. Observamos duas linhas de pensamento a respeito do assunto. A primeira

fundamenta uma base psicológica, que entende estereótipo como sendo,

Um modo necessário de processamento de informação, sobretudo em sociedades altamente diferenciadas; como uma forma inescapável de criar uma sensação de ordem, em meio ao frenesi da vida social e das cidades modernas. Esta definição equipara o estereótipo a outros padrões mais amplos de tipificação e representações, indispensáveis ao processo cognitivo mediante o qual estruturamos e interpretam experiências, eventos e objetos complexos e diversificados. (CARREY, 1989: 77)

A segunda, de índole política, determina os estereótipos como sendo construções

simbólicas,

Enviesadas, infesas à ponderação racional e resistente à mudança social. A disseminação, pelos meios de comunicação de massa, de representações inadequadas de estrangeiros, classes sociais e outras comunidades é destacada como um sensível problema para o processo democrático, cujo desenvolvimento demanda a opinião esclarecida de cada cidadão a respeito de questões capitais da vida política e social. (FREIRE, 2004:5)

Assim, entendemos estereótipos como construções simbólicas, que não se

limitam a identificar características gerais de pessoas, mas sim uma análise em que

citem questões de julgamento: “expressão tensões e conflitos sociais subjacentes, como

o ‘português-boçal’; o irlandês rude; o ‘oriental dissimulado’; o roqueiro drogado’; o

rebelde sem causa’; o “índio preguiçoso’ (BROWN, 1971: 25).

Barthes (apud FREIRE at AL. 2004: 3) define estereótipo com sendo “o vírus da

essência”, do qual “reduz toda a essência e variedade de características de um povo,

uma raça, um gênero, uma classe social a alguns poucos atributos essenciais

supostamente fixados pela natureza”.

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Gramsci (apud FREIRE at AL. 2004: 5) nos indica estereótipos como sendo “a

luta pela hegemonia”, na qual a “classe dominante constantemente tenta modelar toda a

sociedade de acordo com sua visão de mundo, seu sistema de valores e sensibilidade,

de modo que sua ascendência comande, arregimente um consentimento amplo e pareça

natural, inevitável e desejável para todos.”

Podemos dizer que os estereótipos são uma base construtiva de códigos e critérios

que determinam como os fatos devem ser interpretados. Códigos e critérios permeiam

uma construção simbólica que não se limita a identificar características gerais de

pessoas.

Assim, retomando Lippman (1996: 54): a formação da opinião vem depois do

conhecimento da razão, ou seja, desconhecemos o que definimos. A natureza social

define para nós aquilo que ela julga que devemos entender.

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uma grande similaridade nos segmentos de carros; todos são muito parecidos no que diz

respeito a seus atributos. Na teoria, é muito tênue a diferença entre um Reno Sandero,

um Peogeout 2007, um Volkswagem Gol, um Ford Fiesta e um Fiat Punto.

No entanto, é através do estereótipo como ferramenta persuasiva, que podemos observar

o que acima evidenciamos como “novas alternativas de informação” (PEREZ,

2004:107). Ou seja, o estereótipo transmite ao receptor uma sensação do que seria ter

um certo automóvel, pois se sobressairá aquele automóvel que ficar no inconsciente do

receptor; ou seja, isso é o que Perez afirma como experiências sensoriais. A publicidade

faz o receptor sentir uma experiência, um estilo de vida.

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27  

2. DE 1960 A 2000: AS TRANSFORMAÇÕES DAS PRÁTICAS DE CONSUMO

E DE PUBLICIDADE.

2.1. A DÉCADA DE 60: UM TEMPO DE MUITA EUFORIA

Ao abordarmos a década de 60, lembramos de um “tempo

de muitas euforias” (NOVAIS, 1998: 567).

Lembramo-nos de Juca Chaves cantando ironicamente façanhas de JK, “o

presidente bossa-nova”, “simpático, risonho, original”, que prometia realizar “50 anos

em 5”. As discussões em torno dos destinos do país, abrangendo a cada dia mais setores

sociais. O Cinema Novo dando os seus primeiros passos. A bossa ganhando os palcos

internacionais. Ainda no cenário internacional, o país orgulhando-se das vitórias da

tenista Maria Esther Bueno, do boxeador Eder Jofre, sem falar dos gols de Garrincha e

de Pelé e dos títulos mundiais de futebol. A década de 60 foi um tempo de

“prosperidade do subdesenvolvimento” com características diferentes daquelas do

Primeiro mundo, mas igualmente vinculadas à expansão das multinacionais, à

valorização dos procedimentos técnicos como planejamento econômico e mergulhada

no clima bipolarizado da guerra fria e nas utopias terceiro-mundistas. Todavia, no limiar

dos anos 60, a prosperidade que alimentava a euforia do governo de JK estava

seriamente ameaçada e as alterações por que passara o país havia comprometido a

continuidade da chamada democracia populista.

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28  

2.1.1. A POLÍTICA: O BRASIL DAS METAS DE JK À VASSOURA DE

JÂNIO QUADROS:

Seria impossível falar da década de 60 sem começar por ele, Juscelino

Kubitschek, que em seu governo implementou o famoso Plano de Metas, fazendo com

que o País dobrasse sua produção industrial, instalando a indústria automobilística;

além, é claro, construindo nada mais, nada menos, que Brasília. Certamente o Plano de

Metas, favorecia a expansão do capital estrangeiro internacionalizando a economia

brasileira, incentivando uma industrialização destinada a um mercado restrito e de alto

poder aquisitivo.

A década de 60 começa com a posse de Jânio Quadros como presidente e de

João Goulart como vice. Jânio era conhecido pelo símbolo de sua campanha, a

“vassoura” que prometia varrer a corrupção, a inflação e o comunismo. No entanto, a

vassoura moralista de Jânio, após sua renûncia, fez com que a década de 60 “terminasse

com o povo calado, a imprensa e as manifestações culturais censuradas; direitos

políticos cassados, suspensos os direitos de cidadania; tudo varrido por algo mais

poderoso que uma vassoura: o poder simbólico dos atos institucionais, expresso pela

força das metralhadoras” (PAES, 2002:22).

2.1.2. O REGIME TOTALITÁRIO DE 64 E O “MILAGRE” DE 68:

Ter participado da derrubada de Goulart não significaria participar do novo Estado, que, afinal, ficou em mãos dos grandes vitoriosos: a burguesia multinacional, a grande burguesia nacional associada ao capital estrangeiro e os militares. Para esses, o ponto de aglutinação e a fonte inspiradora para as novas diretrizes foi a DSN (Doutrina de Segurança Nacional), a partir da qual se definiram os objetivos nacionais: a defesa do capitalismo com altas taxas de acumulação, a predominância do grande capital e a contestação dos movimentos dos trabalhadores, o que significava disciplinar o trabalho às necessidades do capital. Mais uma vez, na história do País, os militares assumiram os objetivos da burguesia.

(PAES, 2002: 20-33)

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29  

Quatro anos mais tarde, as altas taxas de acumulação e a predominância do

grande capital, possibilitaram que o “milagre brasileiro” tivesse sua aparição em meados

de 1967, consolidando-se no ano seguinte. O chamado “Milagre” consistia em uma

política fiscal de incentivos e isenções, que beneficiava especialmente o grande capital

nacional e multinacional, sendo que a receita fiscal foi centralizada na União, “que

repassava aos estados e municípios federativos e servia como arma política; numa

política cambial que favorecia as exportações; numa política que facilitava a entrada

de capital estrangeiro sob a forma de capital de investimento, mas, sobretudo, de

capital de empréstimo” (PAES, 2002:45).

Este crescimento acelerado no que diz respeito ao processo de industrialização

permitiu a instalação de setores da indústria, dinâmicos para a época, como o

automobilístico, de construção naval, de eletrodomésticos, de materiais elétricos e

expansão de indústrias básicas como as siderúrgicas, petrolíferas entre outras.

Deste modo, aprofundou-se consideravelmente o processo de substituição de importações no Brasil, conduzindo a um ritmo de desenvolvimento mais acelerado neste período do que nos anteriores

(COSTA apud TAVARES, 1972: 72)

Uma das grandes privilegiadas pelo “milagre” foi a classe média urbana, com as

oportunidades de emprego, altos salários e benefícios como o do consórcio, que

viabilizava a compra de produtos de “desejo”, como, por exemplo, adquirir um Opala

ou um Corcel que acabavam de ser lançados. Ou seja, estamos querendo dizer, que todo

o crescimento acelerado proporcionado pelo milagre econômico possibilitou que

determinados setores sociais, mas não toda a sociedade atingisse características da

sociedade de consumo.

É preciso não se esquecer, porém, que esse processo teve lugar com um agravamento considerável das pressões inflacionárias e dos desequilíbrios regionais.

(COSTA apud TAVARES, 1972:72)

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30  

É interessante pensar que o País vivia ao mesmo tempo uma ditadura de direita e

uma hegemonia cultural de esquerda. Foi assim no Brasil de 1964 com o Golpe Militar

até meados de 1968. Sem dúvida a cultura, instrumento de transformação social, andou

junto com a política, não só nesse momento mas durante toda a década.

Na música, alguns compositores vindos de uma vertente da bossa nova, como

Carlos Lyra, Edu Lobo, Geraldo Vandré e Chico Buarque, faziam delirar as platéias,

desse período e algumas de suas canções tornaram-se marcos de resistência: “Arrastão”,

de Edu Lobo, cantada por Elis Regina; “Disparada”, de Vandré; “Roda Viva”, de Chico

Buarque. Aliás, em 1968 Geraldo Vandré com sua canção “Pra não dizer que não falei

de flores”, disseminava um grito de guerra voluntarista contra o regime militar, assim

como “Apesar de você”, de Chico Buarque, que foi concebida como um “hino de

resistência”, e logo foi proibida pela censura.

Em 1965, outro movimento musical surgia lançado ao ar pela TV Record; o

Brasil veio conhecer o programa Jovem Guarda, que contava com Roberto e Erasmo

Carlos na apresentadores. O iê-iê-iê estourava nas paradas de sucesso,

Distante da canção de protesto, da contestação e do debate que envolvia a esquerda cultural, o iê-iê-iê, por um lado, falava do amor, do beijo e do desejo sexual, sem, contudo contestar os valores estabelecidos. Por outro lado, expressava o desejo de ascensão social cujo símbolo era o automóvel (“O Calhambeque”) e o elogio ingênuo da sociedade de consumo [...]

(MEDAGLIA apud PAES, 2002: 78)

Em 1967 também pela TV Record, no III Festival de MPB, surgia o tropicalismo

de Caetano e Gil em “Alegria Alegria” e “Domingo no Parque”. Segundo Celso

Favaretto (apud PAES, 1998:79), o Movimento tropicalista causava estranheza pelo fato

de ser:

Um movimento que realizava a autonomia da canção operando a síntese

da música e da poesia, dentre a melodia. A canção tropicalista integra

também “em sua forma recursos não musicais”: o corpo, a voz, a letra, a

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roupa, a dança e a música, como “linguagens assimiladas”, o que lhe

permitia realçar o humor e os “efeitos cafonas”.

Podemos concluir que, desta maneira, tanto na política, na arte (música), nos meios de

comunicação de massa, existia um “esforço” de transformação do Brasil. Esse esforço

tinha como objetivo um deslocamento de uma sociedade rural não consumista para uma

sociedade urbana capitalista consumista. A vida na cidade proporcionou novos valores

como o consumo de bens industrializados gerando um novo princípio de novos hábitos

de vida.

2.2. A DÉCADA DE 2000: CAPITALISMO TARDIO, TECNOLOGIA E

MULHER. UM PERÍODO DE TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

A década de 2000, mais conhecida como o início do século XXI, caracteriza-se

por inúmeras transformações sócio-políticas e sociais em nosso país. Para falar da

presente década é necessário determinarmos um ponto de partida que vem fundamenta-

lá. Estabelecemos nosso ponto de partida, em meados da década de 90.

Pode-se dizer que do ponto de vista demográfico e estatístico, mudanças e permanências vêm marcando a estrutura familiar brasileira nas últimas décadas. O caráter nuclear da família, isto é, o casal com ou sem filhos, continua predominante, mas o “tamanho” da família diminuiu [...] Entretanto, as maiores transformações vêm ocorrendo no interior do núcleo familiar, assinaladas pela alteração da posição relativa da mulher e pelos novos padrões de relacionamento entre os membros da família. Estaria havendo uma tendência à passagem de uma família hierárquica para uma família mais igualitária tendência inicialmente mais visível nas camadas médias urbanas e, com o tempo, passando a permear também as camadas populares.

(NOVAIS, 1998: 415)

Desta forma, podemos observar que o comportamento matrimonial dos

brasileiros nas últimas décadas manteve-se em alguns aspectos e mudou em outros.

Dentre eles, a alta progressiva nos índices de escolaridade entre as mulheres e seu

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ingresso no mercado de trabalho pode ser evocado como determinante do aumento da

idade ao casar. Outro aspecto que se manteve, foi o fato de homens se casarem com

mulheres mais jovens, uma constante praticamente universal e, segundo parte

significativa das interpretações, deve-se às relações de poder entre os sexos (IBGE

senso de 1940 a 1991).

No Brasil, até 1980 havia mais homens do que mulheres morando sozinhos, situação que se altera a partir de 1991, com um índice de 52% de mulheres nos domicílios unipessoais. O decorrer da maior autonomia pessoal e econômica com que eles sempre contaram. Os processos de mudanças envolvendo as mulheres, principalmente nos grande centros urbanos, que concentram maior contingente de pessoas morando sozinhas, podem responder por esse recente crescimento (81% em 1991, em comparação com 77% da população total).

(IBGE censo de1790 e PNAD de 1995)

Em nosso contexto atual, observamos que a saída de casa está cada vez mais

tardia em relação a tempos passados. Como visto assim nos dados do IBGE (1970) e

PNAD (1995) observamos que em décadas como a de 50, por exemplo, um menino de

18 anos já estava preparado para encarar a vida, sem mais o apoio incondicional da

família. Hoje, ficar em casa até os 40 anos não é ser sinônimo de vagabundagem. Em

nossa era globalizada, o ingresso bem sucedido no mercado de trabalho faz com que

primeiro as pessoas optem por ter uma ascensão e estabilidade econômica do que

primeiramente optar por uma união matrimonial.

É através das transformações da família, e principalmente das transformações da

mulher em sua relação matrimonial, que entendemos as transformações do homem na

sociedade contemporânea. Desta forma, uma das características de nossa década de

2000 é a formação de famílias monopaternais, em que observamos já, em grande

quantidade, mulheres como “chefes de família”. Pode-se concluir, que, na década de 70,

boa parte das mulheres “chefes de família” carregavam tal fardo pelo simples fato de

boa parte serem viúvas; no entanto, hoje em dia, cerca de 49% (dados IBGE, censo de

1970 e PNAD de 1995) das mulheres são separadas ou divorciadas.

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2.2.1. A MULHER, O CAPITALISMO, E SUA ASCENSÃO NO SÉCULO

XXI:

A década de 60 sem dúvidas foi um período de transformações e de grandes

influências. O Jovem Guarde e o iê-iê-iê que o digam. De fato tal estilo musical

contribuiu muito para que adentrasse em nossos hábitos de costume aquilo que

chamamos de american way of life, ou seja, o jeitinho de vida americano, que nada mais

é do que um jeitinho capitalista, um ciclo vicioso de viver para consumir. E é através

deste conceito de cultura yankee que poderemos entender como que a mulher veio a

ganhar espaço na sociedade de consumo, tornando-se o que hoje caracterizamos como

consumidora.

Depois da 2ª Guerra Mundial, a mulher americana viu-se através de um esforço

de guerra na obrigação de entrar para a força de trabalho, no qual vieram a dar os

primeiros passos de sua interação com o domínio público e também desenvolver

qualificações até então desconhecidas.

[...] quando os homens voltam da guerra, as mulheres são não só incentivadas como obrigadas a voltar para a casa a fim de devolver a eles os seus empregos. [...] Durante toda a década de cinqüenta, são bombardeadas com a ideologia baseada em Freud de que a mulher verdadeira é a dona de casa e a boa mãe, isto é, aquela que não compete com o homem, a que não se masculiniza.

(MURARO, 1992: 65)

A grande questão, que até então não se esclarecia e aqui no Brasil também não

se explicava, era o fato de como que a mulher se transforma em consumidora, sendo

uma ferramenta valiosa; como e por que uma empresa venderia um automóvel para

uma mulher em uma sociedade patriarcal, sendo o automóvel um objeto masculino.

O fato é que, por coincidência, a década de 50 vem a ser uma década em que os

Estados Unidos da América, atinge após a 2ª Guerra Mundial, o patamar de primeira

potência mundial; logo, observamos que algumas tendências, como o american way of

life, surgem neste período. Desta forma, para que pudesse atingir o pleno emprego, o

sistema de produtividade americano está em pleno vapor, em sua força máxima, e desta

forma, acabava-se formando uma super produção que não poderia ser escoada, a menos

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que o número de consumidores aumentasse. E é através da publicidade como ferramenta

imprescindível que se começa a bombardear as mulheres, estimulando-as a consumir.

Desta forma inicia-se uma quebra de valores e padrões de austeridade do século XIX, e

a sociedade produtiva passa a se tornar uma sociedade de consumo.

A família passa, então, a não ser apenas o lugar da reprodução da força de trabalho, mas a unidade de consumo. Nesta época, 70% de todo o consumo são feitos pelas mulheres, o que permite ao país continuar tendo um sistema produtivo cada vez mais desenvolvido.

(MURARO, 1992: 173)

Em 1963 nasce o primeiro movimento feminista dos tempos modernos: a

National Organization of Woman (NOW). A partir disto uma exorbitante criação de

estereótipos machistas caracterizando as feministas como machonas, mal-amadas,

lésbicas, foram criados (MURARO, 1992:126).

Com o tempo, a mulher vai se estabilizando no mercado de trabalho e aos

poucos vai ganhando espaço: suas reivindicações passam a ser cada vez maiores.

Quanto às mulheres, uma vez tendo entrado no mercado de trabalho e recebido os primeiros salários, iniciam uma revolta generalizada. Começam a questionar a má qualidade de suas relações com os homens. Não querem mais ser objetos sexuais nem inorgásticas. [...] Ao mesmo tempo lutam contra a discriminação econômica, e principalmente passam a reivindicar postos de decisão na política, nas empresas, nos sindicatos. Todos estes movimentos juntos vem a constituir talvez o maior questionamento feito contra o sistema competitivo e patriarcal nos dez mil anos de sua existência.

(MURARO, 1992: 175, 176)

Graças ao movimento feminista algumas máscaras, ou melhor, tabus, caem na

nossa sociedade contemporânea. As relações de dominação masculina sobre a mulher

começam a ser questionadas; os movimentos feministas começam a criar poderosas

correntes de opinião pública.

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35  

A partir dos anos 80, entretanto, assiste-se ao reverso da medalha: as dúvidas quanto às possibilidades de construir uma sociedade efetivamente moderna tendem a crescer e o pessimismo ganha, pouco a pouco, intensidade.

(NOVAIS, 1998: 560)

Podemos contextualizar nosso país em três períodos até que nos situemos em momento contemporâneo. Entre 1945 e 1964, podemos dizer que nosso país viveu um bom momento no que diz respeito ao processo de industrialização, da implementação da tecnologia avançada; as migrações internas que resultaram na acelerada urbanização de nossas cidades. De 1964 a 1979, como Novais diz (1998:561), “as dimensões mais significativas dessa mudança não eram perceptíveis, deixando a impressão de uma continuidade essencial do progresso, manchada, para muitos, pelo regime autoritário”. Ao chegarmos na década de 80, considerada, como uma “década perdida”, na qual todo aquele otimismo, antes conquistado, torna-se uma grande desilusão, talvez pelo fato de ter sido uma época de estagnação econômica, superinflação, desemprego, violência, uso de drogas, dentre outras questões que podemos citar.

Num período relativamente curto de cinqüenta anos, de 1930 até o início dos anos 80, e, mais aceleradamente, nos trinta anos que vão de 1950 ao final da década de 70, tínhamos sido capazes de construir uma economia moderna, incorporando os padrões de produção e de consumo próprios aos países desenvolvidos.

(NOVAIS, 1998:562)

2.2.2. A MÁQUINA CHAMADA “AUTOMÓVEL”

Sem dúvida, no desenvolvimento das práticas de consumo no Brasil, o

automóvel passa por transformações a partir da mudança de valores, de posicionamento.

Tudo começa em meados da década de 50 quando,

Os investimentos estrangeiros inseriram o Brasil na produção local de bens duráveis de consumo. Como conseqüência, o setor empresarial e o mercado interno floresceram. A classe média ganhou maior poder de consumo e pôde realizar desejos mais ousados, como adquirir automóveis e eletrodomésticos

(VOLPI, 2007: 90)

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36  

Viveu-se, no período que abrange de 1945 a 1964, um momento decisivo do

processo de industrialização, com a instalação de setores tecnologicamente mais

avançados, que exigiam investimentos de grande porte.

[...] essa aceleração do processo de industrialização permitiu um crescimento médio anual do produto interno de 8% entre 1957 e 1961, além da instalação de setores industriais dinâmicos para a época, como o automobilístico, de construção naval, de eletrodomésticos, de materiais elétricos e expansão de indústrias básicas como siderúrgicas, papel e celulose, petrolífera e outras.

(COSTA, 2004: 51)

Mesmo com um cenário tão pessimista, não há como negar que o período que se

estabeleceu entre 1950 e 1970, foi um período expansionista, capaz de construir uma

economia moderna, de “1º Mundo”, um país desenvolvido.

Em outubro de 1953 a Volkswagen apresenta ao presidente Getúlio

Vargas os modelos montados naquele mesmo ano, com componentes

importados, na fábrica instalada em São Paulo: o fusca e a Kombi. A

empresa alemã foi a primeira a aceitar o convite para fabricar seus

veículos no Brasil (Novaes, 1998, 563).

No final da década de 50, estavam implantadas onze montadoras, a Fábrica

Nacional de Motores, a Ford e a General Motors, a Internacional Harvester, a Mercedes-

Benz, a Scaniavabis, a Simca, a Toyota, a Vemag, a Volkswagen, a Willis.

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Hoje em dia, as marcas de uma maneira geral vendem conceitos e estilos de

vida, que através de sua linguagem (verbal e não verbal), transmitem valores, conceitos

e sensações que são agregados à marca e ao produto. O consumidor é constantemente

levado a receber novas sensações, novos desejos. Citando Julio Cézar Tavares Moreira

(2008:122, 123) no que diz respeito ao processo de oferta de valor de um produto a um

cliente,

Uma das grandes preocupações das organizações com seus mercados está centrada na valorização e diferenciação dos serviços ofertados [...] são observados direcionamentos muito claros, em que as organizações criam políticas e implementam ações que visam criar ambientes adequados para que o cliente perceba que esta adquirindo uma gama de serviços que darão vantagens e atenderão com maior precisão às necessidades do perfil de cada um. A customização dos serviços pode fornecer detalhes que identifiquem não somente grupos de clientes com perfis próximos, mas que levem ao entendimento das necessidades específicas e individuais de cada consumidor. Essa visão pontual e milimétrica de conhecer as características do seu mercado permite às organizações oferecerem um serviço que não só atenda o que o cliente deseja, mas que antecipe as suas necessidades. A sinergia desse envolvimento com o cliente é reconhecida por ele e faz com que acabe interiorizando o conceito de que é mais relevante o valor recebido como serviço, colocando assim a relação monetária do preço pago como uma questão secundária.

Observamos, assim, que cada vez mais o mercado automobilístico está

competitivo, de maneira que o consumidor pode ter mais de cinco opções de

automóveis que lhe proporcione intrinsecamente a mesma coisa. Como já citado

anteriormentes a diferença entre um Renault Sandero, um Ford Fiesta, um Fiat Punto,

um Peogeout 2007 e um Volkswagem Gol é muito tênue, deste de seu preço até o que

lhe oferece em seus requisitos. Por isso a riqueza em estudar a publicidade de

automóvel, pois ela caminha muito junto à psicologia do consumidor. O automóvel que

vai vender mais não necessariamente é o melhor do segmento, mas sim aquele que

conseguir se afirmar melhor na cabeça do consumidor como objeto de desejo. Por isso,

hoje em dia, observamos um grande leque de estereótipos espalhados na publicidade

automotiva, pois é desta forma que o consumo poderá ganhar sentido: aproximando-se

cada vez mais das necessidades do consumidor. Abaixo podemos observar esta

aproximação dos estereótipos em relação a publicidade de automóvel:

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39  

FIGURA 3 (ACIMA) E 4 (ABAIXO):  

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40  

3. A BUSCA POR UMA UNIDADE ORDENADORA: A METODOLOGIA QUE

ANALISA, ORGANIZA E CLASSIFICA O CORPUS.

Realizamos a coleta de peças publicitárias de automóveis nas décadas de 1960 e

2000, não fazendo diferenciação de marca de automóvel, modelos, ano, ou até

mesmo da agência de publicidade, tipo de mídia ou veículo. Para a formação do

corpus, selecionamos todo o material que continha a técnica de persuasão do “uso

de estereótipos”. Utilizamos como critérios para a seleção do corpus os seguintes

aspectos: as agências de publicidade, responsáveis pela criação das campanhas

devem ser brasileiras ou ter filiais no Brasil; campanhas de veiculação nacional,

independente do segmento de mercado e de categoria de produto/sérvio, de mídia e

veículos utilizados; campanhas que façam apelo à Retórica e persuasão para

divulgar automóveis, independente de marca, modelo, ano.

Corpus: Tamanho e como foi organizado

Desenvolvemos uma análise qualitativa, de modo que possamos ter várias

possibilidades de estudo dos fenômenos que envolvem os seres humanos e suas

intricadas relações sociais estabelecidas em diversos ambientes. Neste referido caso,

analisamos as peças de automóvel das décadas de 60 e 2000 e observamos os

estereótipos nelas presentes.

Segundo Godoy (1995: 20-29),

Um fenômeno pode ser melhor compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte, devendo ser analisado numa perspectiva integrada. Para tanto o pesquisador vai a campo buscando “captar” o fenômeno em estudo a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos de vista relevantes. Vários tipos de dados são coletados e analisados para que se entenda a dinâmica do fenômeno.

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41  

Uma pesquisa qualitativa de caráter documental pode se revestir de um caráter

inovador, trazendo contribuições importantes no estudo de alguns temas. Denominamos

pesquisa documental toda aquela que constitui o exame de materiais de uma natureza

diversa, que ainda não receberam um tratamento analítico, ou que podem ser

reexaminados, buscando-se novas e/ou interpretações complementares.

A pesquisa documental é também apropriada quando há:

• Necessidade de estudar longos períodos de tempo, buscando identificar

tendências no comportamento de um fenômeno.

• Interesse em estudar o problema a partir da própria expressão e linguagem dos

indivíduos envolvidos, a comunicação escrita ou iconográfica.

Em relação à análise dos estereótipos observados nas peças de automóvel nas

décadas de 60 e 2000, segundo Godoy (1995:20-29),

Qualquer comunicação que veicule um conjunto de significações de um emissor para um receptor pode, em princípio, ser decifrada pelas técnicas de análise de conteúdo [...] Parte do pressuposto de que, por trás do discurso aparente, simbólico e polissêmico, esconde-se um sentido que convém desvendar [...] A necessidade de interpretação dos dados encontrados fez com que a análise qualitativa também tivesse lugar dentro da técnica. Desta forma o pesquisador busca compreender as características, estruturas/ou modelos que estão por traz dos fragmentos de mensagens tomados em consideração, como se fosse receptor normal, e, principalmente, desviar o olhar, buscando outra significação, outra mensagem, passível de enxugar por meio ou lado da primeira.

Já o tratamento dos resultados, apoiando-se em resultados brutos,

O pesquisador procurara torná-los significativos e validos. Condensara tais resultados em busca de padrões, tendências ou relações implícitas. A interpretação envolve uma visão holística dos fenômenos analisados, estruturais e dinâmicos. O enfoque da interpretação varia, podendo ser feito a partir de uma ênfase sociológica, psicológica, política ou, ate mesmo, filosófica (1995: 20-29).

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42  

No que diz respeito à análise dos estereótipos nas peças publicitárias, foi definido

como critério de leitura dos mesmos a análise das linguagens visual e verbal; ou seja,

uma relação do ser humano – homem e mulher – como objeto/produto, que é o

automóvel. Assim, definimos como critérios para análise das peças publicitárias a

linguagem verbal e não verbal.

Na análise da linguagem não verbal foram considerados os seguintes itens:

• Modelos (características físicas)

• Representação de corpo

• Correlação com o produto automóvel

• Identificação dos estereótipos

Na linguagem verbal foram considerados os seguintes aspectos:

• Levantamento dos termos que se refere aos atributos do corpo/modelo em

relação ao produto automóvel

• Levantamento das generalizações no nível verbal para a identificação dos

estereótipos

Quanto à formação do corpus, consideramos dois momentos. No primeiro,

formamos um grande conjunto de 100 peças que podemos chamar de fase de

levantamento e observação geral para reconhecimento e identificação dos estereótipos

mais recorrentes. No segundo momento, selecionamos as peças de cada período, as que

melhor exemplificam os estereótipos que emergem com maior intensidade nas décadas

de 1960 e 2000 e formamos dois conjuntos com cerca de 50 peças de 1960 e 50 peças

da década de 2000. A análise que desenvolvemos nesse capítulo refere-se às peças

selecionadas que formam os dois grupos menores.

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43  

3.1. OS ESTEREÓTIPOS NA PUBLICIDADE DE AUTOMÓVEL:

Criação, criatividade. A tônica dos anos 60.

(RAMOS, 1987:82)

Na década de 60, segundo Ramos (1987), podemos citar algumas características

referentes à publicidade: a ênfase na criatividade, a integração de setores criativos nas

agências, a dissolução de fronteiras entre redação e arte; os avanços no aparelhamento

dos anunciantes, em geral quanto à área de marketing; mudança radical na forma e no

conteúdo dos anúncios, com uma total libertação de cerimônias em sua linguagem e um

afastamento paulatino da sistemática argumentação racional (reason why); maior apelo

às emoções, ou seja, uma grande evolução criativa que elevou o nível técnico da

publicidade. Também não podemos nos esquecer da importância que as agências

brasileiras passaram a ter. Ressaltemos que, nessa década, oficializou-se o ensino de

comunicações no qual se inclui o de propaganda. A profissão ganha a universidade, tem,

no seu reconhecimento em nível superior, uma certa sofisticação.

A sociedade patriarcal começa a sofrer “aberturas” em sua estrutura, de modo que

homens e mulheres começam a ter direito de escolha em relação a seu parceiro.

No casamento, havia declinado a distancia social entre o homem e a mulher, que era uma das características da velha família patriarcal [...] a relação entre marido e mulher tinha deixado de ser regida simplesmente pela hierarquia de superior pela inferior: há dialogo, busca de compreensão mútua de entendimento, sobretudo em relação à educação dos filhos

(NOVAIS, 1998: 545)

A diferenciação entre gêneros existia de modo que ainda nesse período (década

de 1960) o homem mantinha-se como “cabeça do casal”, ou como “chefe de família”.

No entanto, foi a década de 60 contribui de uma forma jamais vista para as

transformações sociais relativas a mulher. A sociedade se transformou e as mulheres

também: almejava-se o trabalho, a independência financeira, havia o inconformismo

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44  

diante do comportamento sexual dos maridos, buscava-se o companheirismo em uma

mudança na relação conjugal.

Dentre os estereótipos utilizados publicidade de automóvel na década de 60,

observamos os seguintes:

• Casal – elegante: a peça publicitária é caracterizada pela presença de corpo de

um homem e uma mulher em destaque, onde é perceptível um ambiente voltado

para o glamour, luxo e alto nível de status.

• Casal – esportivo: este tipo de peça é caracterizado pela presença de corpo de

pelo menos um homem e uma mulher em destaque, onde o ambiente está

voltado para valores do cotidiano.

• Mulher: este tipo de peça publicitária é caracterizada pela presença de uma

mulher como foco principal de usuária, e em algumas peças já se observa uma

sugestão de que a mulher possa a ser uma consumidora potencial. Ainda a

mulher não aparece de modo explícito como potencial consumidora, mas a

forma como o produto é apresentado, atributo importante para o público

feminino. Denuncia um caminho, uma preparação para que a mulher assuma um

outro lugar além do de usuária. Observamos que as peças, principalmente ainda

no início da década de 60, pode ser classificada como de dialogassem de homem

para homem. Posteriormente observamos que o caráter comunicativo das peças

vai transfigurando-se até atingir a mulher.

• Homem – trabalhador: estilo de peça publicitária voltada para o homem em um

ambiente rural. Tratando-se do contexto histórico referente à construção de

Brasília, veículos com estas características eram propícios. Ainda mais se deve

relatar que em meados da década de 60 a população rural era muito maior do

que referentemente é hoje.

• Homem de família: este tipo de peça caracteriza-se pela presença de uma família

em destaque; formada por um homem, uma mulher e respectivos filhos. É

necessário que se diga que, na década de 60, a imagem do pai de família era a do

pai provedor, aquele que determinava o sustento da casa e da família; fato este

que em nossa década atual já não necessariamente é cabível, pois como citado

anteriormente, hoje existe uma grande quantidades de famílias das quais as

mulheres são as “chefes de família”, ou melhor, as provedoras.

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• Homem solteiro esportivo: peça publicitária caracterizada por apresentar

unicamente carros feitos para homens. Homem esportivo, viajante etc.

Imaginemos João Paulo Diniz, encostado em um Fiat Punto; pronto, temos a

imagem de um “bom vivant” que ilustra o que seria um homem solteiro

esportivo.

• Jovem/Criança: peças publicitárias com destaque para jovens como

consumidores potenciais ou peças com crianças em seu contexto.

• Homem de idade: peças publicitárias caracterizada com homem de mais de 45

anos em destaque.

• Todas as idades: peças publicitárias voltadas para um leque muito amplo de

públicos, onde foi encontrado mais de um em questão.

Por sua vez, quanto aos estereótipos utilizados nas peças publicitárias da década de

2000, observamos as transformações políticas, econômicas e sociais da sociedade

brasileira. Consideramos este período contemporâneo como sendo um período de

avanços tecnológicos, emancipação e liberdade econômica tanto para homens quanto

para mulheres; devemos levar em consideração o fato de que atualmente, em nossa

sociedade, prioriza-se o sucesso profissional e conseqüentemente uma estabilidade

econômica para que somente assim seja possível constituir a união conjugal e uma

família. Um dos fatores observados é a emancipação tardia que pode ser entendida, a

partir do ponto em que cada vez mais as grandes empresas almejam funcionários mais

qualificados, logo observamos uma “grande barreira de entrada” para emergir no

mercado profissional.

Trazendo um pouco dos estereótipos para nossa análise das peças, observamos uma

característica muito interessante recorrente na mulher; é o fato de seu interesse e auto-

realização no mercado de trabalho. Certamente, as montadoras que englobam o mercado

automotivo brasileiro entendem esta mulher como sendo um público a ser considerado,

até pelo fato de que, mesmo que não em quantidade exorbitante, mas muitas já

competem no mercado de trabalho em igualdade com os homens.

Comecemos em primeiro lugar pelo fato de que as mulheres bem-sucedidas profissionalmente têm de lidar, antes de mais nada, com um elemento complicador: o casamento, para muitas delas, trata-se de precondição indispensável para a maternidade. Somente 60% das mulheres com salário superior a 65 000

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46  

dólares anuais são casadas. Esse percentual cai para 57% entre as profissionais americanas que trabalham em empresas. Já no caso de homens mais velhos, 76% são casados. Entre os profissionais com salário superior a 100 000, o percentual sobe para 83% [...] tomemos o caso de Tamara Adler, de 43 anos, ex- diretora do Deutsche Bank, de Londres. Quando a entrevistei, ela fez algumas observações sobre esses dados perturbadores. Profissional de sucesso e, ao mesmo tempo, a mais antiga empregada do quadro feminino do banco, Tamara não se programou para ter uma família por razões óbvias, como expedientes terrivelmente longos. Contudo, não deixou também de discorrer com muita ênfase sobre as inúmeras discriminações com que a profissional precisa lidar se estiver realmente disposta a ter sucesso no trabalho. "Na atmosfera rarefeita dos altos escalões por onde circulam os profissionais mais graduados, os homens têm muito mais facilidade de encontrar oxigênio", diz Tamara. "Eles o encontram, por exemplo, em mulheres mais jovens e menos determinadas, que lhes massageiam o ego." Ela conclui: "A verdade nua e crua é que a maior parte dos homens que têm sucesso não está interessada em trabalhar ao lado de uma colega igualmente ambiciosa.

(REVISTA EXAME ,27/05/2002)

A partir desta prévia análise podemos subdividir os estereótipos em:

• Homem contemporâneo: inicialmente este tipo de peça caracteriza-se pelo

destaque único e exclusivo do homem como público-alvo. Ainda neste quesito

podemos subdividir em homem contemporâneo esportivo e homem

contemporâneo cotidiano; as variações são respectivamente por questões de

status de marca como o luxo (esportivo: é um carro voltado para classes sociais

de um maior poder aquisitivo, a peça é caracterizada pelo empresário bem

sucedido, por exemplo) e custo-benefício (cotidiano: caracteriza-se pela classe

média, o homem ainda está crescendo na vida, e ainda não pode ter um carro

com mais funcionalidades.

• Apelo à criança: são peças publicitárias em que existe o apelo com crianças que

jamais poderiam ser públicos alvos, mas que podem ser um fator determinante

para um pai de família que busque conforto e segurança em um automóvel.

• Jovens: como citado anteriormente, talvez junto com a mulher contemporânea,

este seja um dos mercados mais abrangentes e que seguem uma vertente

positiva, em que vale muito a pena investimentos das montadoras em

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47  

publicidade. Estas peças caracterizam-se prioritariamente pelo destaque de corpo

de jovens entre 20 a 28 anos que almejam seu primeiro carro.

• Mulher contemporânea: de um “apêndice” nas peças publicitárias na década de

1960, a mulher se torna determinante para compra de um automóvel. Estas peças

destacam-se exclusivamente pela imagem de corpo da mulher, solteira,

trabalhadora, com uma postura estável e consolidada no mercado de trabalho

atual.

• Família: Seguindo os mesmos parâmetros da década de 1960, este tipo de peça

caracteriza-se pela imagem de corpo de um pai de família, sua respectiva esposa

e filhos.

• Casal Contemporâneo: neste tipo de peça pode-se considerar a mescla do

homem contemporâneo com a mulher contemporânea, quando ambos possuem

seu papel determinante na sociedade, dividindo os mesmos ambientes, os

mesmos espaços de trabalho, os mesmos cargos profissionais; desta forma não

existe distinção entre ambos. Homens e mulheres dividem tanto o espaço

público quanto o privado.

A partir desta divisão do corpus, fica evidente as transformações referentes aos

estereótipos na publicidade de automóvel no Brasil nas décadas de 1960 e 2000. Ao

avalizarmos esta divisão podemos observar o surgimento da mulher na publicidade de

automóvel (década de 1960) e sua afirmação (década de 2000), de maneira que a mulher

deixa de ser uma simples influenciadora, conquistando um novo espaço na sociedade.

Observamos também que o homem amplia seu leque de estereótipos, pois o automóvel

continua sendo ainda um objeto que realça valores do universo masculino.

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50  

Tomando como base a linguagem não-verbal das peças, podemos considerar que

ambas transmitem a sensação de experimentação e desejo por uma situação ou por um

momento. Analisando os personagens (modelos) de ambas as peças, poderíamos dizer

que em ambos os casos, mesmo em períodos diferentes, caracterizam pessoas que estão

acostumados a vida noturna da cidade, que de certa forma é um sinônimo de glamour.

São pessoas que estão ligadas à arte e à cultura e que desfrutam de espetáculos, peças ,

eventos e festas. São pessoas de uma classe social elevada e de alto poder aquisitivo e o

automóvel é para eles um sinônimo de bem estar; desta forma, necessitam de um carro

completo, pois dinheiro não é o problema para este público, mas sim a auto-estima

alicerçada às questões de status presentes no automóvel.

Para o homem, o glamour é representado da mesma forma em ambas as peças

publicitárias. Observamos assim que, glamour é estar bem vestido, com um belo terno,

com uma bela acompanhante em uma situação charmosa, de “encanto”, um momento

único. Exemplificando; glamour para um homem seria ir a festa do Oscar acompanhado

por Angelina Jolie por exemplo.

Outro aspecto importante a ser citado, mantido em ambos os casos, é a questão do

luxo. Certamente o ideal do que seria luxo mudou entre as épocas, pois, avanços

tecnológicos possibilitaram um grande salto no que diz respeito a década de 60 e a de

2000; no entanto seu ideal prevalece. O luxo também é resultado da persuasão

publicitária, que o utiliza com a função de influenciar os consumidores, na tentativa de

encaminhá-los ao ato de compra. Neste caso específico, podemos tratar de uma forma

genérica o luxo tanto para homens quanto para mulheres. Na peça do Aero Willis, luxo

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51  

era ter em seu carro um banco de couro muito confortável que aderia a sua forma física,

um painel de controle que transmitia a sensação de controle e sem dúvida seu design.

Estes aspectos são muito similares aos encontrados na peça do Toyota Corolla, no qual

observamos os mesmo aspectos de tecnologia, design e conforto, agora na década de

2000 aparecem aspectos de desempenho. Tanto para homens como para mulheres, o

luxo é análogo para ambos os sexos.

Uma característica que podemos considerar muito interessante são as de atitudes

cavalheirescas que ainda são valorizadas. Mesmo que a mulher, hoje em dia, busque a

independência financeira, quando se trata do relacionamento homem/mulher, a relação

de dependência se mantém, ressaltando os papéis do homem como provedor e da

mulher como submissa. Isso fica claro ao observarmos o homem sempre à frente da

mulher nas ilustrações, sempre como se estivesse a conduzindo.

Concluímos, assim, que o glamour relacionado ao luxo, criam assim um apelo

emocional, que gera um grande grau de sedução em ambas as peças e cria a tentação de

uma sensação que só poderá ser atingira com Aero Willis 63 ou com o Toyota Corolla

2003.

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55  

contemporâneo, utilizado constantemente em boa parte de anúncios publicitários, que é

a utilização do corpo como ferramenta de venda de um produto. No entanto, na década

de 2000, as características eróticas, no que dizem respeito às formas do corpo, são muito

mais evidentes e podem ser observadas na peça referida.

Outro fator importante que se diferencia de peça para peça é o fato de que, no caso

do Aero Willis, observamos um homem que atinge sua auto-realização numa esfera

familiar – podemos observar que é um homem mais velho do que a do Honda Fit; este

homem da década de 60 ainda não parece ter filhos, pelo fato da não presença destes na

peça, no entanto, concluímos que este mesmo homem já formou família, pois é casado.

Já na peça da década de 2000, observamos um homem que atingiu somente a realização

profissional. Segundo esclarecimentos de Blackwell (2005:205), podemos entender os

motivos deste estereótipo de “jovem adulto” presente em questão na peça do Honda Fit,

Durante o final dos anos 90, o número de jovens adultos com idades entre 18 e 24 anos cresceu, enquanto o número de pessoas entre 25 e 34 anos de idade declinou como resultado do desinteresse por bebês [...] O segmento de 25 a 34 anos declinará suavemente durante os primeiros cinco anos da década e depois crescerá aos níveis correntes em 2010. Uma vez que a faixa etária de 25 a 34 anos é aquela na qual se formam as famílias, nascem os bebês e compram-se casas e carros novos, são esperadas vendas estacionadas ou declinantes destes e de outros produtos relacionados. Esta faixa etária esta fazendo as coisas mais tarde que seus pais fizeram. Eles vivem em casa mais tempo e se formam, casam, iniciam famílias mais tarde que seus pais. Quando saem de casa, utilizam seus cartões de crédito para manter seus “hábitos” domésticos de consumo. Apesar de seus números declinantes, essa geração representa um segmento de mercado importante.

Podemos concluir que, em ambas as peças, observam-se valores semelhantes

referentes ao poder, como sendo status social e prestígio, controle ou domínio sobre as

pessoas e recursos; as realizações, como sendo o sucesso pessoal pela demonstração de

competência de acordo com os padrões sociais, observaram-se neste caso características

de um homem bem-sucedido e ambicioso, e ao hedonismo, como sendo o prazer e

gratificação sensual para um indivíduo ou objeto, que em ambos os casos é o

automóvel.

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56  

3.2.3 A MULHER

A família da década de 60 refletia as mudanças decorrentes deste período. A

sociedade patriarcal começa a sofrer “aberturas” em sua estrutura, de modo que homens

e mulheres começam a ter direito de escolha em relação a seu parceiro.

[...] no casamento, havia declinado a distancia social entre o homem e a mulher, que era uma das características da velha família patriarcal [...] a relação entre marido e mulher tinha deixado de ser regida simplesmente pela hierarquia de superior pela inferior: há dialogo, busca de compreensão mútua, de entendimento, sobretudo em relação à educação dos filhos.

(NOVAIS, 1998:612)

A diferenciação existia de modo que ainda nesse período o homem mantinha-se

como “cabeça do casal”, ou como “chefe de família”. No entanto, foi na transformação

dos papéis sociais da mulher que a década de 60 contribui de uma forma jamais vista. A

mentalidade da mulher em relação à sociedade se transformou: almejava-se o trabalho; a

independência financeira; o companheirismo nas relações conjugais. Tal contexto de

transformações pode ser observado nas peças publicitárias que analisaremos a seguir.

No anúncio do Gordini, veiculado na década de 60, observamos uma

argumentação que tem como tema a mulher/motorista, que começa a ganhar espaço na

sociedade. No entanto, como poderemos observar (texto em destaque abaixo), mesmo

que consideremos a mulher como um mercado potencial na década de 60; mesmo que

seja de fato a mulher a consumidora final do produto; ainda assim os argumentos são

extremante “machistas”, de modo que a peça é dirigida ao homem, mais precisamente

ao marido e pai de família.

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[...] a maior parte dos anúncios, colocando em cena homens e mulheres, evoca mais ou menos abertamente a divisão e a hierarquia tradicional entre os sexos. Assim, a mulher aparece freqüentemente em posições subalternas ou de assistentes. Inversamente, o homem em posição mais alta simboliza um estatuto superior sendo representado numa postura protetora que varia segundo o meio social onde se relaciona com outros participantes: família, profissional, amoroso.

(GOFFMAN apud ROCHA, 2006: 53)

Exemplifiquemos: “Na hora da chuva quando sua esposa vai levar as crianças

para escola, você fica preocupado? Se ela estiver de Gordini III, fique tranqüilo”. Essa

frase confirma as palavras de Goffman. Observamos nesta peça o apelo direto a

subjetividade do leitor, mesmo que evidencie traços explícitos de Logos argumentativo.

FIGURA 11GORDINI III 

FIGURA 12GORDINI III 

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Vale destacar que, no início da década de 60, os anúncios possuem uma linha racional

de argumentação, por exemplo, “compre isso, por causa dos freios de qualidade”,

“compre aquilo, por causa do motor”. A predominância do Pathos nas peças

publicitárias será uma questão de tempo, pois as marcas passaram a vender conceitos

nas últimas décadas e esta é uma maneira de aproximar-se cada vez mais do modo de

vida do consumidor, do público alvo. Ou seja, vender conceitos é entender cada vez

mais o consumidor.

O corpo feminino tem lugar de destaque na publicidade brasileira desde as

primeiras décadas do século XX, no entanto, nos anos de 1960, a mulher passa a ocupar

o lugar de garota propaganda, conforme pondera Hoff (2007:37) no artigo

“Representações de corpo na publicidade brasileira”. Os produtos, nessa época, são

apresentados e manuseados por mulheres.

No anúncio do Gordini, ainda que a mulher esteja quase que “escondida” dentro

do carro, pode-se dizer que o corpo feminino vende o produto, embora ela não tenha

um papel determinante de decisão de compra. A mulher se apresenta como dona de

casa, mãe de família, no entanto começa a utilizar o automóvel, mesmo que seja para

tarefas relativas ao universo doméstico como pegar e levar os filhos para a escola.

Como exemplo, seria interessante a comparação deste tipo de peça publicitária com o

filme Sorriso de Monalisa3, em que uma professora de história da arte tenta mostrar

para suas alunas – muito cultas que o excelente diploma de graduação para nada servirá,

pois tornar-se-ão futuras donas de casa – valores que elas poderiam vir a ter na

sociedade.

                                                            3 Columbia Pictures Corporation (EUA, 2003). Katharine Watson (Julia Roberts) é uma recém-graduada professora que consegue emprego no conceituado colégio Wellesley, para lecionar aulas de História da Arte. Incomodada com o conservadorismo da sociedade e do próprio colégio em que trabalha, Katharine decide lutar contra estas normas e acaba inspirando suas alunas a enfrentarem os desafios da vida.

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Em uma breve comparação das peças analisadas em questão, aludindo a Swain (2001:

25), podemos entender que,

É possível que possamos perceber que o papel da mulher durante muito tempo foi voltado apenas ao ambiente privado. Eram mães, esposas, filhas, que tinham sua importância relegada ao último plano. Cria-se, então, a imagem da mulher em dois opostos extremos, ao mesmo tempo em que são submissas, podem ser perigosas, pois qualquer ato mais ousado é a forma de desafiar a ordem estabelecida dentro da sociedade patriarcal [...] atualmente não são mais os homens ou os valores sociais que permeiam às mulheres [...] a opressão se dá de outras formas, como as duplas jornadas de trabalho. Mulheres e homens continuam a assumir os lugares destinados a cada um dos sexos, no qual as mulheres voltam-se para a maternidade e os homens para o público e a vida social [...] a imagem da mulher tem se modificado com o passar do tempo, mas o ideal de domesticidade ainda permanece. Essa mulher tem agora a possibilidade de pedir ajuda ao homem nas tarefas diárias, mas sua responsabilidade só aumentou, pois tem que dar conta de seu papel tradicional e também do novo.

Já no anúncio do Honda Fit, veiculado na década de 2000, observamos uma

transformação do papel da mulher na sociedade. O movimento feminista, que se

afirmou na década de 60, abriu espaço para que a mulher contemporânea afirmasse sua

identidade nos mais diversos setores da sociedade.

FIGURA 13HONDA FIT 

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A história das mulheres mudou. Em seus objetivos, em seus pontos de vista. Partiu de uma história do corpo e dos papéis desempenhados na vida privada para chegar a uma história das mulheres no espaço público da cidade, do trabalho, da política, da guerra, da criação. Partiu de uma história das mulheres vítimas para chegar a uma história das mulheres ativas, nas múltiplas intenções que provocam a mudança.

(PERROT, 2007: 15)

Na sociedade contemporânea, deixamos de priorizar a união matrimonial para

valorizar o sucesso profissional, oriundo de uma conseqüente estabilidade financeira

para, assim, poder viabilizar uma união conjugal.

Desta maneira, a mulher, hoje, torna-se elemento influenciador e decisório na

compra de automóveis. O publicitário contemporâneo dialoga diretamente com as

questões femininas, de maneira que este procura entender ao máximo seu público alvo.

Esta compreensão viabiliza uma aproximação cada vez maior entre publicidade e

público. Ou seja, para vender o conceito de uma marca é necessário que esta produza

sentidos a seu público. A retórica fica explicita a partir do ponto em que o discurso

argumentativo recai sobre nossa subjetividade, pois, conforme mencionado, a

publicidade vende conceito, estilo, maneira de ser. Entendemos, assim, a partir das

reflexões de Rocha, a representação da mulher nas peças publicitárias,

[...] a mulher do anúncio publicitário tem de ser mais do que simplesmente seu corpo. O discurso publicitário vai, então, equilibrar e distribuir de forma diferente os dois termos – corpo e espaço interno – entre os gêneros. O espaço interno e seus atributos vão predominar na identidade masculina, e, inversamente, o corpo e seus atributos, na feminina. O corpo traduz a mulher e o indivíduo, versão feminina, se revela através dele. Mas como vimos a mulher não pode ser só corpo, é necessário agregar outros valores para compatibilizar os dois termos componentes da individualidade como representação cultural abrangente. A mulher vai assumir conteúdos aparentemente mais espirituais para ter a consistência devida, recuperando a coerência entre os termos que formam o indivíduo.

(ROCHA, 2006:59)

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A mulher contemporânea mostra-se assumida com seus papéis sociais,

atualizada com o mundo globalizado, disposta para a vida e para desbravar novos

obstáculos; de maneira que sua conquista por espaço em setores extremamente

patriarcais e machistas é de mérito único e exclusivamente seu, de modo a exercer papel

fundamental nesta sociedade.

[...] a beleza, ideal desejada pelas mulheres em todas as épocas, impõe modelos de perfeição cada vez mais difíceis de serem alcançados. Os meios de comunicação a publicidade são responsáveis por divulgar e impor esses modelos. A beleza não é mais natural, mas sim, algo que pode ser comprado [...] se a mulher tem quer ser bela deve ser principalmente para ter sempre ao seu lado um companheiro. Tradicionalmente, ela apenas tornava-se atraente para ser conquistada. Agora, ela é quem conquista, num jogo de sedução em que é possível ousar, mas nem sempre se convém. A imagem de moça comportada está dando lugar à de mulher liberada. De conquistada a conquistadora.

(GHILARDI, LUCENA apud SWAIN, 2001: 30)

Na década de 2000, a relação da mulher com o mundo é diferente. Decidida, mais firme

em relação à sua liberdade sexual, a publicidade de automóvel relacionada ao

estereótipo da mulher transmite a imagem de uma mulher independente, sem tabus em

relação ao sexo, com boa situação financeira (poder econômico), dona de sua vida e de

suas decisões.

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CONCLUSÃO

O ponto que desencadeou a curiosidade investigativa que norteou esta pesquisa

foi a necessidade de se compreender o funcionamento do discurso retórico no que diz

respeito a sua técnica persuasiva de formação de estereótipos, comparando as décadas

de 1960 e 2000 na publicidade de automóvel no Brasil.

Para que se pudesse cumprir esse objetivo, este estudo concentrou-se em um

primeiro momento em entender os conceitos de retórica, estereótipo, consumo e

publicidade fundamentando-se em autores com os quais dialogamos e com os quais

aprendemos a entender melhor nosso objeto de estudo. Podemos citar Brown (1971),

que nos auxiliou com sua obra Técnicas de persuasão, nos auxiliando a entender a

formação dos estereótipos; Pereira (2002), com sua obra Psicologia Social dos

estereótipos, que nos possibilitou uma visão expansiva dos conceitos da persuasão na

retórica; Perelman (1999), sendo fundamental, com sua obra Império Retórico que nos

possibilitou estudar mecanismos de argumentação; Lippman (1996), que nos

possibilitou refletir sobre a formação dos estereótipos; e, Rocha (2006), que nos ensina

a estabelecer um diálogo entre publicidade e consumo. Estes são alguns dos autores que

fundamentam nossa pesquisa.

Sobre nosso corpus, realizamos a coleta de peças publicitárias de automóveis,

nas décadas de 1960 e 2000, não fazendo diferenciação de marca de automóvel,

modelos, ano, ou ate mesmo da agência de publicidade, tipo de mídia ou veículo.

Utilizamos como critérios para a seleção do corpus os seguintes aspectos: campanhas de

veiculação nacional, independente do segmento de mercado e de categoria de produto,

de mídia e veículos utilizados; campanhas que utilizam apelo à Retórica e uso de

estereótipos para divulgar automóveis.

Acreditamos que este trabalho possa contribuir para entender as transformações

dos estereótipos ao longo das décadas de 1960 e 2000 e que desta forma pudéssemos

compreender como a técnica de formação dos estereótipos era empregada nos dois

contextos históricos da publicidade de automóvel.

Esse percurso permitiu compreender que a mulher teve um papel muito

importante na formação dos estereótipos na sociedade, iniciando-se em 1960 e

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afirmando-se (através de sua conquista de espaço na sociedade; de sua saída do espaço

privado rumo ao espaço público) cada vez mais em nossa sociedade. Sua busca por

espaço social resultou em uma saída de sua vida privada e uma conquista de “fatias” no

espaço público. Comparativamente, o homem sofre o caminho inverso, deslocando-se

do espaço público para o privado de uma maneira natural. Ainda o automóvel é um

objeto que possui um caráter do universo masculino, mas mesmo assim, hoje em dia,

devido à variabilidade e às novas segmentações do mercado automobilístico, o

automóvel cada vez mais priorizando o estilo, o design, o conceito de vida, faz com que

alguns carros possam ser tidos como unissex, pois chegamos a um ponto em que certos

tipos de automóveis, como observamos na campanha do Honda Fit (vide página 64 e

70), servem tanto para homens como para mulheres. Vale ressaltar a ampliação do leque

de estereótipos masculinos, uma vez que, em décadas como em 1960, praticamente

tínhamos apenas um único perfil, de um homem de idade média, casado ou não. Hoje

em dia, presenciamos uma infinidade que vai de encontro as necessidades dos usuários e

das montadoras.

No que diz respeito à publicidade, compreendemos como narrativa que

dá sentido ao consumo e particularmente ao consumo de automóveis. Algumas

mudanças muito fortes podemos observar. Dentre elas, a que mais chama a atenção é

como que o consumo começa a ganhar sentido social, de maneira que as marcas

começam a perceber que é através do apelo emocional que serão lembradas pelo

consumidor. Na publicidade da década de 2000, não mais lembramo-nos apenas de um

carro como um simples produto que oferece algum diferencial de série, mas lembramos

de um automóvel por todo um conceito de vida e por todas as sensações que podem ser

experimentadas pelos consumidores relacionado a esta máquina tão surpreendente.

Conclui-se que, em nossa sociedade contemporânea, deixamos de priorizar a

união matrimonial para valorizar o sucesso profissional; observamos também que a

sociedade machista sofre uma abertura em sua estrutura, homens e mulheres começam a

dialogar quase de maneira semelhante; e, os estereótipos alteram suas representações

sociais, e principalmente atendendo os vários públicos de interesse no discurso

publicitário automotivo.

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Conforme o processo de análise dos estereótipos na retórica da publicidade de

automóvel no Brasil nas décadas de 1960 e 2000 puderam-se observar algumas

transformações e mudanças de estereótipos, tanto para homens quanto para mulheres.

Entendemos que a representação da mulher em inúmeros papéis na sociedade,

sendo ao mesmo tempo uma dona de casa e uma empresária renomada, demonstrou que

em 1960 esta era apenas uma usuária e não uma compradora e influenciadora, pois as

peças dialogavam apenas de homem para homem; no entanto com as transformações

sociais ao longo das décadas, esta mesma mulher tornou-se, na década de 2000, uma

compradora, influenciadora, usuária e principalmente é entendida como consumidora. O

que é evidente na formação dos estereótipos da mulher nos auxilia a entender as

transformações para com o homem, e desta forma, as transformações gerais no vasto

leque de estereótipos alcançados na década de 2000.

Chegamos ao momento do ponto final de nosso trabalho, certos de ter cumprido

o objetivo que norteou todo seu percurso, marcado muitas vezes pelo paradoxo do

deslumbramento da descoberta.

Conclui-se que investigar a formação dos estereótipos, no campo da publicidade

de automóveis no Brasil nas décadas de 1960 e 2000, revela um importante percurso

para que se possa compreender como se organiza a própria diversividade da sociedade

brasileira, deste encontro entre diversos tipos de figuras sociais num leque vasto de

estereótipos que nada mais são do que as “fotografias” de nossa realidade social.

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ANUÁRIOS

PRIMEIRA PÁGINA. Folha de São Paulo. 5ª edição.São Paulo. Publifolha.1999.

COLEÇÕES

Seleções do Readers Digest – década de 60

ACERVOS

Instituto Cultural – ESPM

Biblioteca ECA – USP

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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APÊNDICE

CD que contêm o Projeto de iniciação Científica em formato PDF e as 100 peças estudas ao longo do trabalho, 50 peças referentes a década de 1960 e 50 peças referentes a década de 2000.