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26 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM DOCÊNCIA COMO ELEMENTO FUNDANTE PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO Noeli Prestes Padilha Rivas Resumo A docência universitária enfrenta desafios no contexto contemporâneo e, nas últimas décadas, se depara com situações que colocam em crise a identidade profissional dos professores. Ocupar a função de docente, por vezes, se torna de importância secundária, bastando o conhecimento específico e o “dom” em lecionar para ser considerado um professor universitário. Os conhecimentos pedagógicos, constituintes da docência, tardiamente estão alcançando certa legitimação científica, como é o caso dos programas de formação pedagógica nos cursos de pós-graduação (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005; TARDIF; LESSARD, 2008; LUCARELLI, 2009; CUNHA, 2010; ALMEIDA; PIMENTA, 2011;). O presente texto apresenta recorte da pesquisa, de cunho qualitativo, em uma universidade pública de São Paulo, desenvolvida no período de 2009 a 2011, que tem por objetivo investigar como a Etapa de Estágio Supervisionado do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino PAE tem se constituído em espaço formativo para a docência no ensino superior, buscando ressignificar o conceito de docência superior por meio do diálogo com a legislação, referencial teórico e com os protagonistas do Programa. A questão problematizadora se expressa da seguinte forma: “O Estágio Supervisionado em Docência se constitui em um eixo fundante na profissionalidade do professor universitário”? Utilizam-se várias técnicas de pesquisa para coleta e análise de dados (análise documental, entrevistas e análise de conteúdo). Os dados revelam que os alunos atribuem à docência universitária elementos importantes e inovadores às práticas pedagógicas, tais como: a valorização dos aspectos afetivos e emocionais sobre os profissionais, questões relacionadas aos saberes pedagógicos, e apontam a necessidade de ampliar os conteúdos formativos da disciplina em questão. Palavras-chave: Professor Universitário; Estágio Supervisionado; Saberes Pedagógicos; Programa de Aperfeiçoamento do Ensino. Introdução No contexto universitário se entrecruzam múltiplas dimensões (política, social, econômica e cultural), bem como influências internas e externas, revelando um cenário complexo e multidimensional. Políticas de educação superior, o mundo do trabalho, os avanços da ciência, da cultura, da pesquisa, o coletivo de docentes, de estudantes, o currículo, enfim, incidem no espaço universitário. Investigar a docência universitária pressupõe estudá-la neste quadro de referência. Zabalza (2009, p.14) assinala que a docência universitária se encontra no centro de quatro fontes de influência, ou seja: “o contexto institucional, o mundo do trabalho com a dimensão das carreiras profissionais, os docentes e os estudantes”. A formação dos professores universitários é um dos fatores básicos para a qualidade da universidade e requer um conjunto de saberes que XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.002078

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O ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM DOCÊNCIA COMO ELEMENTO

FUNDANTE PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

Noeli Prestes Padilha RivasResumo

A docência universitária enfrenta desafios no contexto contemporâneo e, nas últimas décadas, se depara com situações que colocam em crise a identidade profissional dos professores. Ocupar a função de docente, por vezes, se torna de importância secundária, bastando o conhecimento específico e o “dom” em lecionar para ser considerado um

professor universitário. Os conhecimentos pedagógicos, constituintes da docência, tardiamente estão alcançando certa legitimação científica, como é o caso dos programas de formação pedagógica nos cursos de pós-graduação (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005; TARDIF; LESSARD, 2008; LUCARELLI, 2009; CUNHA, 2010; ALMEIDA; PIMENTA, 2011;). O presente texto apresenta recorte da pesquisa, de cunho qualitativo, em uma universidade pública de São Paulo, desenvolvida no período de 2009 a 2011, que tem por objetivo investigar como a Etapa de Estágio Supervisionado do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino – PAE tem se constituído em espaço formativo para a docência no ensino superior, buscando ressignificar o conceito de docência superior por meio do diálogo com a legislação, referencial teórico e com os protagonistas do Programa. A questão problematizadora se expressa da seguinte forma: “O Estágio Supervisionado em Docência se constitui em um eixo fundante na

profissionalidade do professor universitário”? Utilizam-se várias técnicas de pesquisa para coleta e análise de dados (análise documental, entrevistas e análise de conteúdo). Os dados revelam que os alunos atribuem à docência universitária elementos importantes e inovadores às práticas pedagógicas, tais como: a valorização dos aspectos afetivos e emocionais sobre os profissionais, questões relacionadas aos saberes pedagógicos, e apontam a necessidade de ampliar os conteúdos formativos da disciplina em questão.

Palavras-chave: Professor Universitário; Estágio Supervisionado; Saberes Pedagógicos; Programa de Aperfeiçoamento do Ensino.

Introdução

No contexto universitário se entrecruzam múltiplas dimensões (política, social,

econômica e cultural), bem como influências internas e externas, revelando um cenário

complexo e multidimensional. Políticas de educação superior, o mundo do trabalho, os

avanços da ciência, da cultura, da pesquisa, o coletivo de docentes, de estudantes, o

currículo, enfim, incidem no espaço universitário. Investigar a docência universitária

pressupõe estudá-la neste quadro de referência. Zabalza (2009, p.14) assinala que a

docência universitária se encontra no centro de quatro fontes de influência, ou seja: “o

contexto institucional, o mundo do trabalho com a dimensão das carreiras profissionais,

os docentes e os estudantes”. A formação dos professores universitários é um dos

fatores básicos para a qualidade da universidade e requer um conjunto de saberes que

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vão desde o conhecimento acerca do processo de mundialização da economia, onde o

campo da educação superior é uma parte significativa do sistema de ensino que sofre

intensamente o processo de subordinação ao sistema econômico e aos interesses

políticos expressos por meio de programas, projetos e ações governamentais

(SGUISSARDI, 2009; OLIVEIRA; CATANI, 2011), bem como uma preparação sólida

nos conteúdos científicos e educacionais de cada área científica, e aspectos relacionados

à prática docente. Quando os docentes começam a ensinar na universidade trazem

consigo concepções sobre o que é ser um professor, muitas vezes baseadas nos modelos

de professores que tiveram durante o seu processo de formação inicial.

Nesse aspecto, a docência universitária enfrenta desafios no contexto

contemporâneo e, nas últimas décadas, se depara com situações que colocam em crise a

identidade profissional dos professores. Ocupar a função de docente, por vezes, se torna

de importância secundária, bastando o conhecimento específico e o “dom” em lecionar

para ser considerado um professor universitário. A legislação brasileira (LDB 9394/96,

art. 52) exige a formação no nível de pós-graduação stricto sensu para exercer a

docência na Educação Superior, o que representa preparação e não formação. A

consequência desta normativa contribui por proporcionar uma fragilidade

epistemológica e cultural no campo da pedagogia universitária, implicando no não

reconhecimento da sua importância para o exercício da docência na educação superior.

Assim, os conhecimentos pedagógicos se constituíram distantes do espaço universitário

e só tardiamente alcançaram certa legitimação científica.

O presente texto apresenta recorte da pesquisa desenvolvida em uma universidade

pública de São Paulo desenvolvida no período de 2009 a 2011, que tem por objetivo

investigar como a Etapa de Estágio Docente do Programa de Aperfeiçoamento de

Ensino – PAE tem se constituído em espaço formativo para a docência no ensino

superior, buscando ressignificar o conceito de docência superior por meio do diálogo

com a legislação, referencial teórico e com os protagonistas do Programa, que

participaram da etapa “Estágio em Docência”. A questão problematizadora se expressa

da seguinte forma: “O Estágio Supervisionado em Docência se constitui em um eixo

fundante na profissionalidade do professor universitário”? O percurso metodológico da

pesquisa se pautou na técnica de análise documental e análise do conteúdo,

constituindo-se como corpus os documentos relacionados ao Programa PAE, disciplinas

curriculares do Programa PAE, Etapa de Preparação Pedagógica, ofertados pelos cursos

de Pós-Graduação (stricto sensu) das áreas exatas, humanas e biológicas, e entrevistas

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com coordenadores e estudantes pós-graduandos. Entre os autores que investigam a

formação de professores e currículo, destacam-se: Gimeno Sacristán (2002), Pimenta e

Anastasiou (2005), Tardif e Lessard (2008), Cunha (2009, 2010); Lucarelli (2009);

Nóvoa (2009); Zabalza (2009); Almeida e Pimenta (2011).

A docência universitária tem compromissos que vão muito além da mecânica

transmissão de conteúdos disciplinares. Suas dimensões “científica, técnica, estética,

ética e política se inserem em um campo social cuja formação tem relação radical com a

vida pública e com o melhoramento do modelo da sociedade nacional e da sociedade

universal” (DIAS SOBRINHO, 2009, p. 25). Portanto, ser professor ultrapassa o

domínio de conteúdo, incorporando características que só podem ser alcançadas

mediante uma reflexão e atuação intencional da atividade pedagógica. O desafio

encontrado atualmente e explicitado em Cunha (2009) pressupõe a superação do

pensamento de que o conhecimento válido é apenas o que passou pelo crivo do método

científico, supervalorizado pela modernidade, no qual a teoria se estabeleceu como

referente da prática.

Dilemas de Atuação: Docente e/ou Pesquisador

A universidade é um espaço em que se articulam – ou deveriam se articular – o

ensino, a pesquisa e a extensão, com a finalidade de “formar profissionais críticos e

criativos, capazes de construir, com seu trabalho, uma sociedade democrática e

solidária” (RIOS, 2009, p. 119). Se partirmos do pressuposto de que a legitimação

acadêmica é atributo da universidade, não há, portanto, como imaginar que se questione

sua condição de espaço de formação de seus docentes. As experiências que dão à

universidade a condição de lugar de formação reconhecem nela a condição de lócus

cultural que traz intermediações de significados com os sujeitos em formação. Nessa

perspectiva constrói-se uma teia de relações que torna possível a produção de sentidos,

perpassadas pelas relações de poder que se estabelecem na relação espaço-lugar da

formação (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005; CUNHA, 2009).

No modelo que permeia a universidade brasileira, a formação de professores

ocupa um lugar secundário. Nele, as prioridades são concentradas nas funções de

pesquisa e elaboração do conhecimento científico, em geral considerado com

exclusividade nos programas de pós-graduação. Tudo o que não se enquadra dentro

dessas atividades passa, em geral, para um quadro inferior, como são as atividades de

ensino e de formação de professores (LÜDKE, 2009).

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Pesquisar e produzir conhecimentos são objetivos da pós-graduação. “Os

docentes, quando participam dos programas de pós-graduação, sistematizam e

desenvolvem habilidades próprias ao método de pesquisar” (PIMENTA, 2009b, p. 37).

Diferentemente dos outros níveis de ensino, ser professor se constituiu, historicamente,

tendo como base a profissão paralela que exerce ou exercia no mundo do trabalho. De

acordo com Cunha (2009, p.121), “os conhecimentos que fazem parte de sua estrutura

são pouco valorizados, em decorrência da condição histórica da docência, baseada em

saberes do senso comum”, pois os institutos/departamentos/cursos, via de regra,

desenvolvem os conteúdos específicos das áreas, ignorando a docência como atividade

profissional, bem como a importância dos conhecimentos pedagógicos/educacionais

necessários à mediação profissional dos especialistas em atividades de ensinar. Lucarelli

(2009, p.67) argumenta que “poder e prestígio não provêm da docência universitária

como saber pedagógico, mas do domínio de um campo científico, tecnológico ou

humanístico determinado”. Evidencia-se, portanto, extraordinário desafio nessa área no

sentido de transpor as posições que oscilam entre dois polos: um que concebe a

profissão acadêmica como um espaço construído para além das disciplinas de origem, e

outro que considera os conhecimentos específicos como o fator determinante da

identificação ocupacional.

Nesta ótica, Nóvoa (2009) traz contribuições na medida em que aponta cinco

disposições que são essenciais para a definição da profissionalidade docente: “(...) o

conhecimento, a cultura profissional, o tacto pedagógico, o trabalho em equipa e o

compromisso social” (p.30-31). Na perspectiva de Tardif e Lessard (2008), os saberes

que servem de base para o ensino, tais como são vistos pelos professores, não se

limitam a conteúdos bem circunscritos que dependeriam de um conhecimento

especializado. Eles abrangem uma diversidade de objetos, de questões, de problemas

que estão relacionados com seu trabalho. Neste sentido, os saberes profissionais seguem

uma definição epistemológica (temporais, plurais, heterogêneos, cognitivos), refletem

cultura, pensamentos e carregam as marcas do contexto nos quais se inserem. Bédard

(2009) aponta três tendências pedagógicas que alicerçam atualmente o ensino

universitário e que de alguma forma repercute no contexto formativo destes

profissionais. O autor salienta que há estudos para avaliar os impactos destas tendências

no ensino e na pesquisa, tendo em vista a situação atual do ensino superior e a tradição

do corpo docente, que possui ao longo do tempo sua liberdade acadêmica.

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Tendo em vista o exposto, a profissão docente se reveste de complexidade que

deve perpassar os cursos de formação stricto sensu no sentido de compreender a

interrelação entre o ensino e a pesquisa, implicados no exercício da docência

universitária.

O Estágio Docente: a relação teoria e prática

A educação é uma prática social, mas exige uma relação teórica com ela. A

Pedagogia, enquanto ciência (teoria), ao investigar a educação enquanto prática social

coloca os “ingredientes teóricos” necessários ao conhecimento e intervenção na

educação (prática social) (PIMENTA, 2009a, p. 93-94). É decorrente deste sentido a

importância da formação pedagógica para o docente que atua em sala de aula com

estudantes e conhecimento. Vásquez (1968) explicita que toda práxis é atividade, mas

nem toda atividade é práxis. “Não há práxis como atividade puramente material, isto é,

sem a produção de finalidades e conhecimentos que caracteriza a atividade teórica”

(VÁSQUEZ, 1968, p.89 apud Pimenta, 2009a, p.9). O autor, ainda argumenta que toda

práxis, seja produtiva ou criadora, é práxis social, na medida em que pode ser

concretizada pelo homem num contexto complexo de determinadas relações sociais, as

quais influenciam o processo de socialização do próprio homem. O desafio que se coloca

para os cursos de pós-graduação é como formar um docente na perspectiva de superar a

concepção de que ninguém se tornará profissional apenas porque “conhece sobre” os

problemas da profissão, por ter estudado algumas teorias a respeito da docência, mas na

perspectiva que este profissional se torne um construtor de uma práxis que o forma, que

o identifica.

Experiência como o “Estágio em Docência” se constitui em arcabouço para a

profissão de professor universitário. Lima e Pimenta (2004, p.29) argumentam que o

“estágio pode ser considerado como campo de conhecimento” e, nesse sentido, “significa

atribuir-lhe um estatuto epistemológico que supere sua tradicional redução à atividade

prática instrumental”, ou como imitação de modelos. Vislumbra-se, nessa perspectiva, a

compreensão que o estágio é uma atividade teórica instrumentalizadora da práxis do

docente, que envolve conhecimento, fundamentação e diálogo. A intervenção no

contexto da sala de aula, da instituição escolar, do sistema de ensino e da sociedade se

constitui no objeto da práxis.

A Universidade Pública, objeto de nossa investigação, institui, em 1991, o

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Programa de Aperfeiçoamento do Ensino (PAE), com o objetivo de aprimorar a

formação dos alunos de pós-graduação nas atividades de docência universitária. Este

Programa consta de duas etapas: a preliminar, denominada Preparação Pedagógica, e

uma posterior de Estágio Docente em Disciplinas de Graduação (seis horas semanais);

ambas com duração de um semestre letivo cada. Posteriormente, esse modelo de estágio

em docência foi considerado como obrigatório pela CAPES (Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pelo meio da Circular nº 028/1999 que

apresenta diretrizes para sua implementação. A Portaria nº 129, de 13 de dezembro de

2006, assinala em seu artigo 19, que o “estágio de docência é parte integrante da

formação do pós-graduando, objetivando a preparação para a docência, a qualificação do

ensino de graduação e será obrigatório para todos os bolsistas do PROUSP”.

O Programa PAE é desenvolvido em todas as Unidades de Ensino e Pesquisa da

Universidade (40), sendo nelas coordenado pelos Programas de Pós-Graduação. A etapa

de Preparação Pedagógica assume diferentes características dependendo da forma que a

Comissão do PAE de cada Unidade a estrutura. A Etapa de Estágio Supervisionado em

Docência, objeto de nossa investigação, caracteriza-se por participação em seminários,

experimentos de laboratório, estudos dirigidos e discussão de tópicos em pequenos

grupos, bem como organização e participação em plantões para elucidar dúvidas e

aplicação de provas e exercícios. O referido programa tem como objetivo preparar o pós-

graduando para a docência no Ensino Superior e, de certa forma, proporcionar melhorias

na qualidade do ensino universitário, criando um espaço de formação pedagógica e

reflexão sobre a prática docente enfatizando e demonstrando a necessária união entre

teoria e prática na profissão docente.

Este trabalho investigativo interpela os sujeitos que se constituem protagonistas

do PAE, permitindo uma aproximação do Programa com estes sujeitos, na tentativa de

refletir acerca da formação do futuro professor universitário. Apesar, de a legislação

específica sugerir articulação permanece o peso da cultura escolar, ou seja, a eterna

desvinculação entre teoria e prática. Os documentos revelam características importantes

sobre o Estágio Supervisionado em Docência, que podem contribuir para que

compreendamos como esta Etapa tem se configurado como espaço formativo para os

estudantes.

Construindo o Percurso Metodológico

Esta pesquisa de cunho qualitativo (BOGDAN; BIKLEN, 1997) abrange três

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fases complementares, nas quais descrevemos brevemente. Concomitantemente às três

fases, foi enviado ao Comitê de Ética o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

para aprovação; elaborou-se instrumentos para coleta de dados (entrevistas),

estabelecidas pelo objetivo do projeto e pela literatura consultada. A primeira fase

contemplou o levantamento bibliográfico, estudo da literatura a respeito da docência

universitária e suas determinações políticas, econômicas, culturais, sociais e

pedagógicas. Na segunda etapa, realizou-se a análise documental do corpus dessa

pesquisa (legislações, regulamentações, Programas de disciplinas) na perspectiva de

Cellard (2008). Explorou-se o material, codificando os dados brutos em núcleos de

compreensão de texto e por grandes áreas (humanas, biológicas e exatas), oriundos dos

documentos analisados e das entrevistas (POUPART et al, 2008) realizadas. A

apreciação crítica dos mesmos foi realizada por meio da Análise de Conteúdo

(BARDIN, 2002; FRANCO, 2005). A terceira fase constituiu-se pela triangulação do

referencial teórico, análise de documentos e análise dos relatórios tendo como eixo

fundante a preparação para a docência universitária.

Os sujeitos de pesquisa foram assim constituídos: três coordenadores e três

professores (áreas: biológica, humanas e exatas), um educador da área biológica e seis

estudantes, também das áreas acima citadas. As categorias emergiram da fala do discurso

do conteúdo, das respostas obtidas, o que implicou nas constantes idas e vindas ao

material de análise a teoria. Ressalta-se que as análises podem contribuir para a

temática investigada, mas não podem ser generalizadas, tendo em vista sua

especificidade e abrangência. Construiu-se uma série de categorias para facilitar as

análises. Neste texto apresentamos duas categorias “Concepção do Programa PAE” e

“Estágio Docente” na perspectiva dos Coordenadores, Docentes formadores e estudantes

pós-graduandos que tinham realizado o estágio docente.

Discutindo alguns achados e perspectivas

1. O Programa PAE, pela visão de seus protagonistas

a) Concepção do Programa PAE

O Programa de Aperfeiçoamento de Ensino ainda é visto pelos professores

envolvidos como insuficiente para atender às necessidades de formação docente. A falta

de formação pedagógica dos próprios professores faz com que eles próprios utilizem

termos que expressam um entendimento do Programa como um “treinamento didático”,

a ser dado e finalizado em determinado momento, quando na realidade, a formação

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docente é contínua e permanente. (...) Não sei precisar a data, todo aluno que tinha bolsa obrigatoriamente tinha que fazer esse treinamento didático. (Sujeito Professor-Áreas Biológicas)

Este fragmento revela que o docente, coordenador PAE, considera um processo

formativo pedagógico como treinamento, sem ponderar as complexidades que envolvem

a formação e atuação docente. Cunha (2010, p.25) chama atenção para esta tarefa

complexa, que é a docência, argumentando que o exercício desta exige múltiplos saberes

que precisam ser apropriados e compreendidos em suas relações e correspondem a uma

matriz, que se relaciona com o campo pedagógico, explicitada a partir dos saberes

próprios da docência, quais sejam: “saberes relacionados com o contexto da prática

pedagógica; saberes referentes à dimensão relacional e coletiva das situações de

trabalho e dos processos de formação; saberes relacionados com a ambiência da

aprendizagem; saberes relacionados com o contexto sócio histórico dos alunos;

saberes relacionados com o planejamento das atividades de ensino; saberes

relacionados com a condução da aula nas suas múltiplas possibilidades; e, saberes

relacionados com a avaliação da aprendizagem”.

Por outro lado, as falas também revelam um descrédito pela formação pedagógica

oferecida pelo Programa PAE, como relatos:

Se ele quiser uma coisa melhor de didática então ele procura outro campo. (Sujeito Professor- Áreas Biológicas) (...) o que cultiva os alunos a quererem o PAE, não tenho certeza disso, é a bolsa de estudos que eles podem ganhar no programa de Aperfeiçoamento”. (Sujeito Professor- Áreas Exatas)

Não há uma clareza por parte dos docentes da importância ou necessidade do

Programa PAE. Alguns demonstram um desapontamento com relação à eficácia do

programa, outros consideram necessários e apostam em “alguns benefícios”. Mesmo

diante do exposto nas falas, não notamos um processo de avaliação e nem mesmo uma

tentativa de aperfeiçoamento por parte dos docentes.

Estágio Docente

Evidencia-se, na fala dos professores formadores, a importância do Estágio

Docente, apesar das críticas formuladas. Acho que uma oportunidade de se estar muito perto do que é a docência, apesar de só estar na sala de aula, mas ela vê, por exemplo, que não é tão simples uma outra atividade que não seja uma aula expositivo-dialogada (...) isso ajuda no dia em que ela precisar

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organizar uma disciplina (Sujeito Professor- Áreas Biológicas)

Os docentes revelam o Estágio como um momento de se aproximar da prática

docente na Universidade, prática esta compreendida não como um “estar na docência”,

mas estar próximo da sala de aula.

Quanto aos estudantes: tendo em vista a diversidade de atividades que podem ser

desenvolvidas nesse estágio, nos deparamos com muitas contradições, que vão desde a

vivência de prática instrumental até atividades que visam à problematização e à

mobilização.

(...) Ali surgiam situações inesperadas, você tinha que saber conduzir os alunos. Era uma coisa muito nova para eles, o campo de estágio, colocando em prática o conhecimento, principalmente lidando com os pacientes, com todas as limitações que eles tinham. (Estudante pós-graduando- Áreas Humanas) Ela (a professora) precisava de alguém que ajudasse na elaboração de listas de exercício, que desse um atendimento fora do horário de aula para os alunos. (Estudante pós-graduando- Áreas Exatas)

Podemos inferir por meio dos fragmentos dos estudantes, que a segunda fase do

Programa se configura muito distante das necessidades e das vontades dos professores

que recebem o estagiário PAE, nem sempre se constituindo em um espaço de reflexão e

intersecção entre a teoria e a prática. Este pensamento está expresso neste depoimento: Olha o professor... o problema o seguinte: eu acredito que pelo menos na minha área, biologia, a maioria dos professores que estão aqui eles não estão com este... eles não querem ser professores... estão aqui porque é um emprego e eles querem pesquisar. Então assim, como o Brasil tem poucos institutos de pesquisa, sobram as universidades. (Estudante pós-graduando - Áreas Biológicas)

A estrutura da Universidade gira quase sempre em torno do eixo individual

(turma, pesquisa, publicações, formação, etc.), definindo o papel da docência. Portanto, a

iniciativa da Universidade ao propor nos cursos de pós-graduação, disciplinas que tratam

da formação pedagógica ainda são consideradas tímidas tendo em vista a problemática

da construção da identidade do professor universitário no qual a formação em pesquisa é

considerada fundamental para o exercício da docência, mas quase sempre fica

secundarizada diante da priorização da pesquisa. Observa-se, também, nos depoimentos

uma secundarização do oficio de ser “professor”, em que o Estágio em Docência

contribui para esta representação (ZABALZA, 2009).

Considerações finais

O Estágio Supervisionado em Docência representa um espaço onde os estudantes

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pós-graduandos têm a chance de estabelecerem uma relação entre a teoria e a prática,

sendo constante a ressignificação e a reflexão. A questão que nos propusemos a

responder se refere a como esta Etapa II do Programa, a experiência de entrar na sala de

aula se constitui como espaço formativo dos estudantes do Programa de

Aperfeiçoamento do Ensino. Observamos que a grande maioria das Unidades segue as

Diretrizes e Portarias do Programa, garantindo que o estudante não assumirá a sala de

aula sem a presença do professor responsável, mas que acompanhará as atividades de

planejamento, atendimento aos alunos e avaliação. Os depoimentos dos Coordenadores e

Professores evidenciam que o Programa PAE deve passar por reformulações. Apesar da

fragilidade organizacional e epistemológica do Programa, alguns estudantes atribuem à

docência universitária elementos importantes e inovadores para o desenvolvimento de

suas práticas pedagógicas. A concepção de professor, para a maioria dos entrevistados,

está ligada aos aspectos afetivos e emocionais (relacionamento, atenção aos seus alunos),

sobrepondo-se aos aspectos relacionados ao conhecimento.

As características levantadas pelos estudantes como relevantes para sua formação

são exemplos de saberes que contribuem para a construção da identidade docente do pós-

graduando, no qual a pesquisa, a extensão e ensino constituem um tripé de ações

basilares para a docência universitária, perpassado por um intenso e crítico processo de

ressignificação e reflexão sobre a teoria e a prática pedagógica.

Quanto ao Estágio Docente fica evidente nos depoimentos dos estudantes que ele

precisa ser redimensionado, pois, em sua maioria, o estudante pós-graduando se sente um

auxiliar e mais do que um parceiro. É atribuída a eles uma série de tarefas, as quais

secundarizam a docência como profissão e atuação pedagógica. Não estamos aqui

afirmando que o pós-graduando deva substituir o professor nos cursos de graduação, mas

que ele tenha uma participação mais efetiva nesta fase do estágio. Esta participação

passa pela questão do processo de concepção, acompanhamento, decisões curriculares

juntamente com o docente responsável pela disciplina. Evidencia-se nos depoimentos

dos Coordenadores a premência de avaliação do Programa PAE, no que diz respeito às

disciplinas oferecidas, organização das duas Etapas, bem como necessidade de se criar

uma identidade para o Programa superando a cultura institucional que a formação

pedagógica não é necessária. Para tanto, sugerem-se avaliações internas dos Programas,

visibilidade das ações, fóruns de discussão com participação de estudantes bolsistas (pós-

graduandos), orientadores e docentes que oferecem disciplinas e/ou estágios oferecem

disciplinas e/ou estágios.

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