o essencial celso furtado - capÃtulo a comissão econômica para a américa latina

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A Comissão Econômica para a América Latina UMA CONQUISTA LATINO-AMERICANA O debate no Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, em 1946, visando à aplicação do art. 68 da Carta — o qual atribuía a esse órgão a faculdade de estabelecer comissões regionais — causou sério descontentamento entre os delegados latino-americanos. O Conselho limitara sua consideração ao problema da “reconstrução econômica das regiões devastadas” e recomendara a criação de uma comissão econômica para a Europa e outra para a Ásia e Extremo-Oriente, as quais começaram a funcionar em março de 1947. Os latino-americanos, que então constituíam um bloco de vinte, entre os 51 membros das Nações Unidas, empenharam-se em ampliar o conceito de “reconstrução”, fazendo ver que sua região fora profundamente afetada pela Segunda Guerra Mundial. Com efeito, os preços dos produtos básicos que exportava haviam sido congelados aos baixos níveis em que se encontravam em consequência da depressão mundial dos anos 1930, e as reservas que havia acumulado com seus saldos de exportação dos anos da guerra acabavam de ser depreciadas pelo congelamento, pela desvalorização da libra esterlina e pela brusca elevação de preços que se seguira à liberação destes nos Estados Unidos. Em consequência, os investimentos na América Latina haviam se defasado consideravelmente. Ademais, era de esperar uma forte elevação dos preços internacionais dos equipamentos, em razão do esforço de reconstrução na Europa, o que não deixaria de dificultar a recuperação latino-americana. Visando ganhar tempo, o Conselho Econômico e Social constituiu um comitê ad hoc para aprofundar o estudo do caso latino- americano. O relatório desse comitê reconhecia, o que não podia deixar de fazer por ser evidente, que a região sofrera, ainda que indiretamente, grandes perdas por causa da guerra, e que agora enfrentava consideráveis dificuldades em razão das consequências da guerra na economia mundial. A oposição à criação da nova comissão era de dois tipos. Os países da Commonwealth e da Europa temiam pelo desvio das atenções do problema de solução urgente da “reconstrução”. Esse temor tinha fundamento, pois logo se comprovaria que os instrumentos criados pelo sistema das Nações Unidas (Fundo Monetário Internacional e Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento) eram amplamente insuficientes para enfrentar esse problema, o qual exigiu a audácia de um Plano Marshall para ser adequadamente abordado. O segundo tipo de oposição vinha dos Estados Unidos, que se esforçavam por preservar a América Latina como área de

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Artigo desenvolvimentista de economista brasileiro

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A Comisso Econmica para a Amrica LatinaUMA CONQUISTA LATINO-AMERICANA O debate no Conselho Econmico e Social das Naes Unidas, em 1946, visando aplicao do art. 68 da Carta o qual atribua a esse rgo a faculdade de estabelecer comisses regionais causou srio descontentamento entre os delegados latino-americanos. O Conselho limitara sua considerao ao problema da reconstruo econmica das regies devastadas e recomendara a criao de uma comisso econmica para a Europa e outra para a sia e Extremo-Oriente, as quais comearam a funcionar em maro de 1947. Os latino-americanos, que ento constituam um bloco de vinte, entre os 51 membros das Naes Unidas, empenharam-se em ampliar o conceito de reconstruo, fazendo ver que sua regio fora profundamente afetada pela Segunda Guerra Mundial. Com efeito, os preos dos produtos bsicos que exportava haviam sido congelados aos baixos nveis em que se encontravam em consequncia da depresso mundial dos anos 1930, e as reservas que havia acumulado com seus saldos de exportao dos anos da guerra acabavam de ser depreciadas pelo congelamento, pela desvalorizao da libra esterlina e pela brusca elevao de preos que se seguira liberao destes nos Estados Unidos. Em consequncia, os investimentos na Amrica Latina haviam se defasado consideravelmente. Ademais, era de esperar uma forte elevao dos preos internacionais dos equipamentos, em razo do esforo de reconstruo na Europa, o que no deixaria de dificultar a recuperao latino-americana. Visando ganhar tempo, o Conselho Econmico e Social constituiu um comit ad hoc para aprofundar o estudo do caso latino-americano. O relatrio desse comit reconhecia, o que no podia deixar de fazer por ser evidente, que a regio sofrera, ainda que indiretamente, grandes perdas por causa da guerra, e que agora enfrentava considerveis dificuldades em razo das consequncias da guerra na economia mundial. A oposio criao da nova comisso era de dois tipos. Os pases da Commonwealth e da Europa temiam pelo desvio das atenes do problema de soluo urgente da reconstruo. Esse temor tinha fundamento, pois logo se comprovaria que os instrumentos criados pelo sistema das Naes Unidas (Fundo Monetrio Internacional e Banco Internacional de Reconstruo e Desenvolvimento) eram amplamente insuficientes para enfrentar esse problema, o qual exigiu a audcia de um Plano Marshall para ser adequadamente abordado. O segundo tipo de oposio vinha dos Estados Unidos, que se esforavam por preservar a Amrica Latina como rea de influncia prpria no quadro da Organizao dos Estados Americanos (OEA). A criao de uma comisso das Naes Unidas, dedicada exclusivamente ao estudo dos problemas da regio, duplicaria o Conselho Econmico e Social da OEA, afirmavam, sendo na melhor das hipteses um desperdcio de recursos escassos. A oposio aberta do governo dos Estados Unidos contribuiu para unir as fileiras dos latino-americanos, que viam na nova comisso a possibilidade de ganhar espao de manobra em uma ordem internacional que se reestruturava.A posio norte-americana era difcil de ser sustentada numa instncia decisria voltada para o multilateralismo e onde eram abertamente combatidas as formas tradicionais de dominao internacional. Ainda assim, a sada encontrada comportou mais um compromisso: a Comisso Econmica para a Amrica Latina (Cepal) era criada por um perodo de prova de trs anos. A sede do secretariado foi fixada em Santiago do Chile, o que lhe imprimiu, desde o primeiro momento, um carter latino-americano, em contraste com a OEA, sediada em Washington. A VULNERABILIDADE EXTERNA As economias latino-americanas haviam crescido, na fase final do sculo XIX e nos trs primeiros decnios do sculo XX, apoiando-se na exportao de produtos primrios, cuja demanda refletia o dinamismo econmico dos pases que, nessa poca, se industrializavam. Como a demanda dos produtos primrios no mercado internacional era extremamente sensvel ao ciclo dos negcios nos pases que a geravam, as economias latino-americanas se caracterizavam por grande instabilidade: nas fases de baixa do valor das exportaes (provocada pela reduo da demanda externa e pela degradao dos termos do intercmbio), as reservas de cmbio se esgotavam com rapidez, as moedas se depreciavam, as receitas fiscais declinavam, contraindo-se a demanda agregada mais fortemente do que as prprias exportaes. Mas em fases de expanso cclica, as tendncias se invertiam, o que conduzia a presses inflacionrias, com repercusso na balana de pagamentos. Essa vulnerabilidade externa assumiu dimenses catastrficas depois do crash de 1929 e a profunda depresso que o seguiu. Quase todos os governos foram forados a suspender o servio da dvida externa, e muitos introduziram mecanismos de controle de cmbio, passando a racionar as importaes com vistas a defender o nvel de emprego e a assegurar o mnimo de gastos pblicos e de investimentos. Nessa poca, amadureceu a conscincia de que para reduzir a instabilidade, criada pela vulnerabilidade externa, era indispensvel promover a diversificao das estruturas produtivas, vale dizer, buscar o caminho da industrializao. A ativao dos investimentos na indstria se iniciou espontaneamente, pois havia uma demanda contida pelo colapso das importaes, e a desvalorizao da moeda operava como barreira protecionista. Mas tambm foi o fruto de ao deliberada do Estado. Assim, o governo do Chile criou a Corporacin de Fomento de la Produccin, e o do Mxico, a Nacional Financiera, bancos especializados em preparar e em implementar, em cooperao com grupos privados, projetos industriais. No Brasil, o Estado promoveu a instalao de um moderno complexo siderrgico, e na Argentina foi seguida uma poltica de estrito controle de cmbio que conduziu transferncia de recursos do setor agrcola para o industrial. Esse processo de industrializao ganhou profundidade no perodo da guerra, quando se fez ainda mais necessrio substituir importaes. Mas em razo das dificuldades para importar equipamento, havia conscincia de que as novas indstrias poderiam desaparecer uma vez normalizadas as correntes do comrcio internacional. O grupo de tcnicos que veio a constituir o secretariado da Cepal, cujos trabalhos tiveram incio nos primeiros dias de 1949, teve que se definir em face da realidade ento prevalecente: defender uma industrializao surgida em condies anormais, por muitos considerada artificial, de altos custos, ou preconizar a volta metdica ao quadro das vantagens comparativas em que se havia fundado o desenvolvimento antes do crash de 1929. A ningum escapava que a industrializao era uma via de acesso ao desenvolvimento que exigia maior esforo de capitalizao do que as formas tradicionais do crescimento, baseadas na insero nosmercados internacionais mediante a utilizao de recursos subutilizados do setor primrio. E o maior problema com que se defrontavam os pases latino-americanos era a escassez de capitais. Mas fora a industrializao naquela conjuntura histrica uma simples opo ou um imperativo? Se os altos custos e a no competitividade da indstria latino-americana decorriam das circunstncias em que se deu sua implantao, o problema estaria em modernizar essa indstria, e no em abandon-la. Os crticos da industrializao latino-americana eram, em boa parte, pessoas preocupadas com a perda de mercado para os exportadores tradicionais que desta resultaria. O primeiro Estudo Econmico da Amrica Latina, referente ao estado da economia regional em 1948, procurou combater essa tese, fundando-se na monografia Industrialization and Foreign Trade, preparada pelo secretariado da antiga Sociedade das Naes, e publicada em 1945. Com base em dados empricos, demonstrava-se nesse trabalho que a industrializao das economias exportadoras de produtos primrios vinha sendo um fator de estmulo das importaes de manufaturas por parte desses pases, sendo notrio o caso do Canad. A razo estava em que a industrializao, ao elevar o poder de compra da populao, faz crescer mais que proporcionalmente a demanda de artigos manufaturados, e, ademais, a diversifica, o que impulsiona as importaes desses produtos. O MANIFESTO DA CEPAL Esse primeiro ensaio de tmida defesa de industrializao latino-americana foi amplamente superado pelas ideias contidas no estudo O desenvolvimento da Amrica Latina e seus principais problemas, preparado por Ral Prebisch, na qualidade de consultor da Cepal, e igualmente apresentado na Conferncia de Havana (segundo perodo de sesses), que ocorreu em maio de 1949.1 Prebisch havia observado, da posio privilegiada que ocupara na direo do Banco Central da Argentina, que o comportamento cclico da economia capitalista era distinto se observado nos pases exportadores de produtos industriais (aos quais ele chamava de cntricos) e nos exportadores de produtos primrios (perifricos). Essa viso de conjunto do sistema capitalista constituiu passo fundamental para os subsequentes avanos na compreenso do fenmeno do subdesenvolvimento, que passou a ser visto como uma conformao estrutural e no como fase ou etapa do desenvolvimento. Os desequilbrios da economia internacional nos anos 1930 e 1940 ( parte os distrbios causados pela guerra) no se explicavam, pensava Prebisch, sem ter em conta a ascenso dos Estados Unidos posio de principal economia cntrica e o seu comportamento depois da crise de 1929, fechando-se ainda mais. Se o coeficiente de importao dos Estados Unidos no houvesse declinado de 5% para 3% do produto nacional desse pas, nesses dois decnios, no estaramos enfrentando uma to aguda escassez de dlares. O texto de Prebisch, que passou a ser conhecido como o Manifesto da Cepal, fora escrito em linguagem incisiva, e mesmo em tom de denncia. Comeava afirmando que a realidade estava destruindo, na Amrica Latina, aquele velho sistema de diviso internacional de trabalho [] que prevalecera doutrinariamente at h bem pouco tempo. Nessa ordem, no cabia a industrializao dos pases novos. E enfatizava: uma das falhas mais srias de que padece a teoria econmica geral, contemplada da periferia, seu falso sentido de universalidade. Esse texto, a rigor, no contemplava uma crtica da teoria clssica (ou neoclssica) do comrcio internacional, sendo em realidade uma denncia do sistema de diviso internacional do trabalho prevalecente, o qual vinha provocando, no longo prazo, concentrao da renda em benefcio doscentros exportadores de produtos manufaturados. A tese da degradao dos termos de intercmbio dos pases exportadores de produtos primrios, adotada por Prebisch, tinha como fundamento o estudo sobre a matria, preparado em 1948 por Hans Singer para o Departamento Econmico e Social das Naes Unidas. Prebisch procurou explicar o comportamento dos termos do intercmbio, comprovado por Singer, situando-o no ciclo da economia capitalista: na fase de expanso, os salrios monetrios sobem, nos pases cntricos, mais do que a produtividade processo no totalmente reversvel na fase de baixa do ciclo, em razo da resistncia que oferecem as organizaes operrias. Inexistindo tal resistncia na periferia, o comportamento cclico engendrava transferncia de renda em seu desfavor. Subsequentemente, Prebisch refinou este ponto de sua anlise, dando nfase s diferenas nas elasticidades-renda das demandas de produtos primrios e manufaturados e ao peso crescente da oferta de substitutivos sintticos s matrias-primas naturais. A DIFUSO DO PROGRESSO TCNICO E A INDUSTRIALIZAO PERIFRICA As ideias inseridas no Manifesto de 1949 foram ampliadas e desenvolvidas em estudos subsequentes, redigidos por Prebisch e pelo grupo de economistas que cedo se constituiu em torno dele. O Estudo Econmico da Amrica Latina, de 1949, apresentado na Conferncia de Montevidu, realizada em maio de 1950, incluiu uma primeira parte, constituda de cinco captulos, sob o ttulo significativo de Desequilbrios e Disparidades: interpretao do processo de desenvolvimento econmico.2 Nesse texto, a economia internacional no vista como sistema que apenas se reproduz, e sim em permanente expanso sob o impulso da propagao do progresso tcnico. A propagao do progresso tcnico dos pases originrios ao resto do mundo, afirma-se a, tem sido relativamente lenta e irregular. O desenvolvimento das economias exportadoras de produtos primrios apoiou-se na absoro de tecnologia importada, ainda que em escala limitada. Nos ltimos dois decnios (anos 1930 e 1940), esse processo de difuso internacional se debilitara, o que suscitara reao nas economias perifricas em busca de outras vias de acesso ao progresso tcnico. A industrializao latino-americana devia ser vista como um aspecto dessa nova fase do processo de propagao universal da tcnica, e mais ainda: a propagao do progresso tcnico provoca modificaes estruturais, com reduo do emprego das atividades primrias. Se a demanda externa de produtos primrios no cresce, ou o faz lentamente, a nica forma de absorver a mo de obra redundante empreg-la nas atividades industriais e correlatas. Caso tais atividades apresentem baixa produtividade pelos padres internacionais, caber proteg-las ou subsidi-las, se o que se tem em vista maximizar emprego e renda no pas. Ao elevar-se no pas a renda primrio-exportadora, diz-se no estudo que estamos citando, diversifica-se a demanda de bens de consumo, crescendo mais que proporcionalmente a procura de bens manufaturados, o que acarreta aumento da propenso a importar. Se o contexto internacional desfavorvel ao aumento das exportaes, ser de esperar que se manifestem presses na balana de pagamentos, conduzindo inflao ou ao endividamento externo. Em sntese: a industrializao latino-americana, longe de ser uma anomalia, era a sada encontrada na prtica para minimizar os efeitos da depresso vinda do exterior e mesmo para lograr absorver o crescimento natural da populao ou a mo de obra liberada pela penetrao da tcnica moderna nas atividades primrias.Nesse segundo Estudo da economia latino-americana, referente ao ano de 1949, foram includas monografias nacionais sobre a Argentina, o Brasil, o Mxico e o Chile, bem como certo nmero de agregados que, pela primeira vez, permitiam que se tivesse uma viso de conjunto da economia regional e de seu comportamento no decorrer do quarto de sculo precedente. Esse Estudo incluiu uma srie de inovaes metodolgicas que permitiram superar as dificuldades criadas pela insuficincia da informao estatstica. Trabalhava-se com o conceito de disponibilidade de bens, dada a impossibilidade de medir a produo de servios e a inexistncia de estimativas do produto global a custo de fatores; por outro lado, calculava-se o valor dos investimentos com base nas importaes de equipamento e na produo local de metais ferrosos e de cimento. Esses e outros indicadores aproximativos permitiram visualizar o comportamento das principais economias nacionais da regio no perodo da depresso dos anos 1930 e puseram em evidncia o impacto negativo da degradao, a longo prazo, dos termos do intercmbio. Fazendo incidir esta ltima varivel sobre o quantum das exportaes, construiu-se o conceito de capacidade para importar, de inegvel valor explicativo do comportamento das economias primrio-exportadoras. As mudanas estruturais que deixavam ver esses indicadores aproximativos confirmavam a tese formulada por Prebisch de que o esforo de industrializao passara a ser o principal fator de dinamizao das economias latino-americanas. EM BUSCA DE UMA POLTICA DE DESENVOLVIMENTO O terceiro trabalho de alcance terico foi apresentado na conferncia que se realizou na Cidade do Mxico em maio de 1951 e recebeu o ttulo significativo de Problemas Tericos e Prticos do Crescimento Econmico.3 Trata-se de um esforo de sntese de ideias que vinham sendo discutidas nos dois anos precedentes, delas derivando-se recomendaes explcitas de poltica econmica. O ponto de partida era o mesmo: vivemos um processo secular de propagao de progresso tcnico de exigncias incontornveis. Em uma primeira fase, esse processo havia se limitado a vincular os segmentos perifricos s economias cntricas, fase que teria de exaurir-se pelo simples fato de que o intercmbio internacional de produtos primrios por manufaturados tem limites ditados pelo prprio avano da tcnica. Por um lado, a quantidade de matrias-primas requeridas para produzir uma unidade de produto final tende a declinar; por outro, a demanda de alimentos (mais ainda a de matrias-primas agrcolas que compem os alimentos) declina em termos relativos medida que se eleva o nvel de vida das populaes. Em sntese: se a elasticidade-renda da procura de produtos primrios baixa, a de produtos manufaturados alta, o que significa que os pases perifricos (importadores de produtos manufaturados) somam as duas desvantagens. A isso o estudo de 1949 chama de disparidade dinmica da demanda entre centro e periferia. A correo do desequilbrio apontado no se daria espontaneamente, a menos que o pas perifrico aceitasse submeter-se a perodos intermitentes de recesso. No se podia escapar evidncia de que a composio das importaes deveria sofrer modificaes adrede programadas, se se pretendia evitar desequilbrios internos e externos. O desenvolvimento, por conseguinte, requeria uma poltica preventiva desses desequilbrios, ou seja, uma poltica que promovesse as modificaes referidas na composio das importaes. Esse era o fundamento da tese da substituio de importaes como base da industrializaoperifrica. A substituio de importaes, em realidade, no foi descoberta nessa poca, pois vinha sendo praticada sob a presso da insuficincia persistente da capacidade para importar. Nova era a explicao de que a substituio espontnea envolvia elevado custo social, pois era fruto de desequilbrios. Cabia, portanto, program-la, ou seja, buscar a linha de um desenvolvimento equilibrado. Tampouco se podia desconhecer que a disponibilidade de fatores nos pases perifricos no correspondia tecnologia disponvel, toda ela oriunda de pases em que a dotao de capital por pessoa empregada era substancialmente mais elevada. O escasso capital disponvel dizia-se deveria ser empregado de forma a conseguir o aumento mximo de produo, economizando-se mo de obra somente medida que o capital disponvel permita absorv-la noutras atividades. Da a necessidade de adaptar a tcnica moderna a esses pases, evitando limitar-se a transferi-la. Emergia, assim, o conceito de produtividade social, o qual apontava na direo de polticas globais, vale dizer, de programas de desenvolvimento. A doutrina que prevalecia na poca, insistentemente defendida pelos delegados do governo dos Estados Unidos nas conferncias da Cepal, estatua que o papel do Estado deveria limitar-se a criar um clima favorvel aos investimentos nacionais e estrangeiros, admitindo implicitamente a espontaneidade do desenvolvimento e negando especificidades s economias perifricas. Na Conferncia de Montevidu, em 1950, tornaram-se explcitas as diferenas de opinio, insistindo os delegados latino-americanos em uma resoluo de dez itens que foi chamada de Declogo do Desenvolvimento econmico, na qual se recomendava aos governos da regio que determinassem as metas especficas do desenvolvimento econmico e estabelecessem uma ordem de prioridade para sua realizao. Essa resoluo foi aprovada graas ao apoio decisivo do chefe da delegao francesa, Pierre Mends-France (nessa poca um ilustre desconhecido), no obstante a forte resistncia da delegao dos Estados Unidos. Esse choque doutrinrio foi se agravando, na medida em que se explicitavam as teses fundamentais elaboradas pelo secretariado da Cepal, o qual, a partir de 1950, estava sob o comando direto de Ral Prebisch. O mandato provisrio da Comisso se esgotava em 1951, e sua renovao dependia de nova resoluo do Conselho Econmico e Social. Em razo disso, as posies assumidas pelos governos na Conferncia do Mxico, em maio de 1951, seriam decisivas. Graas s posies firmes dos governos do Brasil e do Chile prevaleceu a tese de continuidade dos trabalhos da Cepal.4 Essa vitria certamente no teria sido possvel sem a aceitao entusiasta das teses cepalinas em crculos influentes de muitos pases da regio. A delegao norte-americana insistiu mais uma vez na ideia de fuso do secretariado da Cepal com o da OEA, proposta que foi definitivamente rechaada. Consolidada a Comisso, o trabalho de seu secretariado orientou-se, nos anos subsequentes, no sentido de traduzir em instrumentos de poltica o corpo essencial da doutrina elaborada na fase inicial. O trabalho apresentado Conferncia do Mxico inclua recomendaes sobre a necessidade de programas de desenvolvimento que deveriam abarcar todas as inverses pblicas e avaliar as necessidades de inverso da atividade econmica privada. O contedo de um tal programa era vasto, e seus contornos, incertos. Havia que preocupar-se com os obstculos fundamentais em setores bsicos, principalmente energia e transporte, com a insuficincia da capacidade para importar, com a vulnerabilidade s flutuaes e contingncias externas, com os problemas do setor agrcola, com as necessidades insatisfeitas de obras pblicas, de educao, com a localizao da atividade industrial, com a produtividade, com a inflao. Por onde comear, como compatibilizar tanta coisa, como atuar de forma eficaz sobre um sistema to complexo? A literatura disponvel sobre a matria era quase nula. Tratava-se de inventar tcnicas quepermitissem colocar diante da sociedade o horizonte de opes permitido pela estrutura existente e pelo esforo de mudana consentido. Por esse caminho, o sistema de decises adquiriria grande transparncia e permitiria alcanar maior grau de racionalidade e de responsabilidade na poltica. O estudo sobre Tcnica de Programao, apresentado conferncia que teve lugar em Quitandinha (no Brasil), em 1953, admitia como evidente que em pases com grande excedente estrutural de mo de obra no tinha sentido postular como objetivo da poltica econmica o pleno emprego da fora de trabalho. O que importava, acima de tudo, era obter progressivo aumento da produtividade mdia do trabalho. O objetivo central teria de ser otimizar a utilizao do capital, a partir dos constrangimentos criados pelo comrcio exterior, pela taxa de poupana interna, pela entrada lquida de capitais e pelas preferncias da coletividade com respeito composio da oferta de bens de consumo. O estudo sobre tcnicas de programao inseriu-se numa srie de publicaes dedicadas projeo das tendncias ento prevalecentes nas economias latino-americanas, o que permitia mostrar, com dados concretos, o horizonte de possibilidades que se abria a cada uma delas e as dificuldades com que se deveriam confrontar em suas polticas de desenvolvimento. FORMAO DE PESSOAL DE DIREO Concomitantemente com a elaborao dessas projees, foi criado o Programa de Treinamento em Problemas do Desenvolvimento Econmico (1952), sob a direo do economista chileno Jorge Ahumada, com o objetivo de formar especialistas em poltica de desenvolvimento para os governos latino-americanos. De incio, tratou-se de um pequeno grupo de altos funcionrios que passavam oito meses em Santiago, estagiando na Cepal e recebendo treinamento especializado na tcnica de projees e na elaborao de planos globais e setoriais. Mas o interesse foi to grande que se fez necessrio organizar cursos similares nos prprios pases de forma intensiva, deslocando-se o corpo de professores por tempo limitado e fazendo-se apelo a especialistas locais. A esses cursos, pelos quais passaram muitas centenas de funcionrios dos governos latino-americanos, deve-se em grande parte a efetiva difuso das ideias e das tcnicas desenvolvidas pela Cepal. Foram numerosos os formuladores de polticas econmicas, na Amrica Latina, inclusive membros de governos que passaram pelos cursos organizados pela Cepal. INTEGRAO REGIONAL No debate sobre industrializao, a ningum escapava o problema colocado pela estreiteza dos mercados nacionais da regio. Superada a fase de instalao de indstrias leves de bens no durveis, com respeito s quais a proximidade do mercado importante, e a questo de economias de escala quase no se coloca, surgia o problema de saber em que pases era ou no possvel conciliar as dimenses prospectivas do mercado com as exigncias da tecnologia moderna. Esse problema foi discutido j em 1951, na conferncia do Mxico, com respeito aos pases do istmo centro-americano (Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicargua e Costa Rica). Teve incio, nesse momento, no mbito da Cepal, o primeiro projeto de integrao econmica regional. Os cinco pases referidos assinaram um acordo expressando o seu interesse em desenvolver a produo agrcola e industrial e os sistemas de transporte de seus respectivos pases, em forma que promova a integraode suas economias e a formao de mercados mais amplos, mediante o intercmbio de seus produtos, a coordenao de seus planos de fomento e a criao de empresas em que todos ou alguns de tais pases tenham interesse.5 Ao projeto de integrao centro-americana, cuja execuo teve incio em 1951, seguiu-se a criao da Associao Latino-Americana de Livre-Comrcio (Alalc), em 1960, constituda pela Argentina, Brasil, Chile, Mxico, Paraguai, Peru e Uruguai, aderindo em seguida Colmbia, Equador, Bolvia e Venezuela. Em 1969, surgiria o Grupo Andino, constitudo por Bolvia, Chile, Colmbia, Equador e Peru, ao qual, em 1973, se adicionou a Venezuela. O movimento integracionista regional, ainda que surgido no mbito da Cepal, transcendeu amplamente essa instituio, dando origem a seus prprios quadros institucionais. UMA ESCOLA DE PENSAMENTO O pensamento da Cepal de tal forma se difundiu e penetrou na Amrica Latina, tanto na academia como nos crculos decisrios, que j no seria possvel, a partir da segunda metade dos anos 1950, estabelecer seus limites. Aqueles que no o seguiam o combatiam e, dessa forma, o dilogo em torno de suas teses fundamentais envolveu todos. Cabe falar de uma escola de pensamento, qui a nica que haja surgido na Amrica Latina, a qual comporta vertentes diversas, nem sempre conciliveis em todos os seus aspectos.6 Casos houve em que um ncleo de ideias se desprendeu do tronco principal, dando lugar a um movimento autnomo, como foi o caso, nos anos 1960, da escola da dependncia, que se irradiou por todo o mundo, envolvendo socilogos e cientistas polticos, alm dos economistas. O mesmo se pode dizer do estruturalismo cepalino, enfoque metodolgico que serviu de embasamento para reformas sociais e polticas econmicas de enorme alcance. Aqueles que buscavam uma viso global do desenvolvimento do capitalismo sistema em expanso em escala planetria encontravam afinidades com o pensamento cepalino; o mesmo ocorrendo com aqueles que davam nfase ao papel das instituies na configurao do processo de desenvolvimento e, sobretudo, com aqueles que viam no enfoque funcionalista do pensamento neoclssico uma mistura de panglossismo e de veneno destinado a imobilizar todo esprito de revolta contra as malformaes das estruturas sociais no mundo subdesenvolvido. No que as polticas econmicas da Amrica Latina hajam seguido ao p da letra os ensinamentos da Cepal, mas no h dvida de que foram influenciadas por eles at quando seguiram orientao distinta. Nem sempre se realizaram reformas estruturais, mas por toda parte o debate poltico gerou em torno desse tema. O mesmo se pode dizer com respeito programao do desenvolvimento, ao processo de integrao regional, e a outras teses avanadas pela Cepal desde o incio dos anos 1950. Seria, portanto, impraticvel estabelecer uma linha demarcatria em torno da influncia do pensamento oriundo da Cepal. Mas possvel distinguir alguns temas que persistiram no debate cepalino, pontos nodais em torno dos quais sempre se encontraram aqueles que bebiam nessa fonte. O primeiro desses pontos refere-se viso do sistema capitalista com uma conformao estrutural que engendra assimetrias nas relaes entre seus componentes, que so as economias nacionais. o sistema centro-periferia, cuja gnese de natureza histrica (a Revoluo Industrial e sua propagao), mas que possui invarincias estruturais perceptveis no sistema de diviso internacional do trabalho. O que irradia do centro para a periferia so novos produtos engendrados pela indstria, portanto novos padres de consumo. Configura-se, assim, desde o incio, um quadro de dominao cultural e, com esta, a constituio de elites que assimilam novos sistemas de valores. o efeito dedemonstrao, em escala internacional, que conformar a composio das importaes nos pases perifricos. A penetrao de novas tcnicas nos processos produtivos far-se- mais lentamente. A industrializao tardia assume a forma de reproduo local daquilo que antes se importava, engendrando a dependncia tecnolgica: os equipamentos sero importados ou produzidos com tecnologia importada. Para atender as exigncias da demanda, afeita aos produtos importados, as indstrias locais devero adotar tecnologias sofisticadas que so capital-intensivo, que por seu lado reduz a criao de emprego. Se se opta por uma poltica visando maximizar a produtividade social (portanto, pela criao de emprego), as novas indstrias sero pouco competitivas no plano internacional, permanecendo as exportaes circunscritas aos produtos primrios. A industrializao da periferia coloca, assim, problemas complexos cuja soluo no advir do simples jogo das foras do mercado. O segundo ponto que sempre esteve no centro do pensamento da Cepal o da tendncia estrutural ao desequilbrio externo das economias perifricas. O ponto de partida dessa tese so as assimetrias das elasticidades-renda a que nos referimos, o que inclui a tendncia degradao dos termos de intercmbio das economias primrio-exportadoras. O processo de modernizao dos padres de consumo apoiado na concentrao da renda tende a elevar a propenso a importar. Igual tendncia se manifesta e intensificam-se os investimentos pelo simples fato de que o contedo de importaes destes bem superior mdia dos gastos da coletividade. Por ltimo, cabe ter em conta o custo em divisas dos capitais privados estrangeiros. medida que estes participam da industrializao orientada para o mercado interno, criam presses adicionais sobre a balana de pagamentos. Essa problemtica foi exaustivamente debatida pela Cepal desde o incio de seus trabalhos. Em uma monografia de ampla repercusso, preparada para a reunio de ministros da Fazenda e da Economia da OEA, a qual teve lugar em Quitandinha em novembro de 1954, a Cepal defendeu a tese de que a regio necessitava de substancial contribuio de capital pblico externo para superar os obstculos que se opunham ao seu desenvolvimento. Propunha-se a criao de um Fundo Interamericano de Desenvolvimento, capacitado a transferir para a regio recursos oficiais no montante de 1 bilho de dlares anuais. Os aportes de capitais privados eram insuficientes, dizia-se, e por serem onerosos levariam, a longo prazo, a um catastrfico endividamento externo. Essas ideias foram acerbamente criticadas pela delegao do governo dos Estados Unidos na conferncia de Quitandinha.7 Outro ponto que despertou progressiva ateno da Cepal foi o das estruturas agrrias prevalecentes na regio, vistas como um obstculo ao desenvolvimento.8 O processo de industrializao e a urbanizao em geral requerem crescentes excedentes agrcolas. Ora, o setor rural era aquele em que mais lentamente penetravam as tcnicas modernas. A rigidez da oferta de produtos agrcolas se traduzia em alta dos preos dos alimentos e em presso para import-los. A anlise dessa questo ps em evidncia que se tratava de um problema de inadequao de estruturas, no bastando elevar os preos dos produtos agrcolas para obter uma resposta positiva da oferta dos mesmos. Uma perversa combinao de latifndios, que subutilizam as terras, com minifndios, que subutilizam a mo de obra e degradam o seu preo de oferta, engendra extrema rigidez da oferta agrcola, desestimula os investimentos no setor e impede que a elevao dos preos relativos se traduza por melhora na condio de vida do trabalhador rural. Por outro lado, o estatuto social privilegiado da classe de grandes proprietrios rurais traduz-se, no plano poltico, em um freio a toda iniciativa reformista. Assim, a modernizao da estrutura agrria impe-se como requisito prvio ao xito de toda poltica de desenvolvimento, do ponto de vista econmico e, mais ainda, do social. No se trata simplesmente de dividir terras, e sim de criar uma estrutura produtiva que incentive ao trabalho, estimule os investimentos e a absoro de novas tcnicas, e contribua para reter no campo a mo de obra que noencontraria emprego deslocando-se para as cidades. Havia que evitar reformas agrrias traumticas, que produzem reduo dos excedentes agrcolas. Somente uma programao econmica de conjunto, capaz de assegurar recursos de crdito e de estabilizar os preos agrcolas a nveis remuneradores conduziria a bom termo uma reforma agrria. A natureza estrutural das inflaes latino-americanas outro tema recorrente nos estudos da Cepal.9 A ningum escapa que a rigidez estrutural da oferta de alimentos e a impossibilidade de compens-la com importaes provoca concentrao de renda por via inflacionria. No menos evidente para os observadores mais atentos o fato de que a insuficincia estrutural da capacidade para importar traz no seu bojo uma inflao reprimida que, no sendo tratada com medidas recessivas, teria de manifestar-se em elevao do nvel de preos, a comear pela desvalorizao cambial. Dessa forma, o problema da inflao veio a ser encarado de ngulo bem distinto da posio adotada pelo Fundo Monetrio Internacional, conhecida como monetarismo. Toda inflao tende a manifestar-se em fenmenos monetrios, mas suas causas ltimas podem estar em tenses estruturais difceis de ser identificadas. Mas se no logramos descobri-las e submet-las a tratamento especfico, seremos conduzidos a adotar uma teraputica anti-inflacionria de elevado custo social com efeitos negativos na taxa de crescimento a mdio e longo prazos. A heterogeneidade das estruturas econmicas e sociais da Amrica Latina (latifundismo, imperfeio dos mercados, corporativismo etc.) faz da inflao um ingrediente do prprio processo de crescimento. fcil perceber que, em certa conjuntura, a inflao operou no Brasil como instrumento de defesa dos termos do intercmbio externo do caf, e noutros, como vetor de transferncia de recursos em favor dos investimentos industriais. O direito poltica de desenvolvimento assumiu a forma, na Amrica Latina, de luta contra as doutrinas monetaristas, luta que foi conduzida sob a bandeira da Cepal, que produziu e aperfeioou o enfoque estruturalista da problemtica inflacionria. Tambm merece referncia um tema que, de uma ou outra forma, permeou o discurso cepalino: a tendncia estrutural concentrao da renda; trao comum s economias perifricas. Como tela de fundo, est a estrutura agrria com a polaridade minifndio-latifndio, a que fizemos referncia, mas outros fatores operam igualmente no mesmo sentido de provocar a concentrao, em benefcio de minorias, dos frutos do desenvolvimento. Assim, o efeito de demonstrao no plano internacional faz com que as elites dos pases perifricos exacerbem sua propenso a consumir, reduzindo o potencial de investimento e de criao de emprego. A tecnologia labor saving, que tende a prevalecer na industrializao substitutiva de importaes, opera igualmente no sentido de gerar excedentes de foras de trabalho, os quais do excessiva elasticidade oferta de mo de obra no qualificada em um contexto social caracterizado pela escassez de profissionais de nveis mdio e superior. Em consequncia, a abertura do leque de salrios alcana grandes dimenses, sendo o grau de concentrao da renda, no mundo dos assalariados, to alto como no conjunto dos titulares de pagamentos a fatores. Esse quadro reforado pelas presses inflacionrias porquanto so os agentes de mais baixa remunerao os menos aptos a defender da eroso inflacionria o valor real de seus rendimentos. A concentrao da renda na Amrica Latina tem significado, essencialmente, concentrao da renda disponvel para consumo, em razo da forte propenso a consumir, mdia e marginal, dos grupos de altas rendas. Repetidos estudos demonstraram que o crescimento mais que proporcional da renda dos grupos privilegiados em nada contribuiu para elevar a taxa de poupana privada.10 A melhora da taxa de investimento somente ocorreu quando se intensificou a entrada de recursos externo e/ou quando cresceu a poupana pblica, ainda que financiada com recursos inflacionrios. As tendncias estruturais ao desequilbrio externo, a insuficincia de poupana privada, asirresistveis presses no sentido de concentrar a renda criam um quadro em que o desenvolvimento, concebido como melhora das condies de vida do conjunto da populao, requer uma ao diretora e coordenadora que somente pode ser exercida pelo Estado.11 Ainda que no haja sido objeto de elaborao explcita pela Cepal, este ponto permeou o conjunto da formulao doutrinria que nela se originou. A partir do momento em que se introduziu o conceito de produtividade social, a ser maximizada, com a qual deveriam compatibilizar-se as decises dos agentes microeconmicos, at o momento em que se explicitou o fato de que a forte propenso para consumir dos grupos de altas rendas constrangia a formao de poupana, passando pela identificao das rigidezes estruturais a serem removidas, ficou fora de dvida que o desenvolvimento perifrico seria orientado pelo Estado ou se frustraria. As foras do mercado deixadas a elas mesmas conduziriam a formas vrias de desperdcio de recursos e acumulao de atraso no plano social, ou levariam a um endividamento externo desordenado e comprometedor da autonomia de deciso. Contudo, o problema da base social desse Estado, que deveria assumir funes to complexas e de to grande alcance, no chegou a ser aprofundado nem pela Cepal nem pelos seus seguidores de diferentes orientaes. O desenvolvimento deve ser um projeto da sociedade antes de s-lo do Estado. Se indubitvel que a sociedade ter de dotar-se de um Estado capaz de assumir a difcil tarefa de monitorar o desenvolvimento, no o menos que ela dever guardar para si mesma a funo de definir os fins deste desenvolvimento e de circunscrever a rea em que atua o Estado. A Cepal captou a complexidade desse problema no contexto histrico regional, e as aberturas de horizonte que realizou continuam a inspirar o pensamento latino-americano.