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1 Museu Victor Meireles Rua Victor Meireles, 59, Centro 88010-440 Florianópolis SC (48) 3222-0692 [email protected] Patricia Franca-Huchet O Espectador Fotógrafo: Zénon Piéters

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Museu Victor Meireles

Rua Victor Meireles, 59, Centro 88010-440 Florianópolis SC

(48) [email protected]

Patricia Franca-Huchet

O Espectador Fotógrafo: Zénon Piéters

29 de junho a 11 de agosto

Exposição

Patricia Franca-Huchet

O Espectador Fotógrafo: Zénon Piéters

Museu Victor Meireles

Rua Victor Meireles, 59, Centro 88010-440 Florianópolis SC

(48) [email protected]

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Comecei a compreender as fotografias de Patricia Franca-Huchet quando ela me apresentou Zénon Piéters, conduzindo-me aos vestí-gios de uma vida feita de imagens literárias, fotográficas, pictóricas e filosóficas. Trata-se de um fotógrafo nascido em 1965 na Bélgica, cujo nome foi escolhido pela mãe a partir do livro de Marguerite Yourcenar, A obra em negro. Constituindo-se através das imagens, esta história teria lhe dado um nome, uma direção e foi até mesmo uma forma de iniciação. Estudou ciências biológicas e começou a fotografar para revistas de ciência e arte, pouco a pouco se emancipando até trabalhar com a fotografia autônoma, mas sem o interesse em participar efetivamente do mercado. Expõe esporadicamente, mas seu interesse é publicar suas imagens em pequenos livros que vende em muitas livrarias1.

Enquanto esta aproximação ia acontecendo, entendi que Patricia Franca-Huchet afirmava sua poética como a própria imagem multipli-cada num espelho, construída por meio de um jogo de refrações e situada numa espécie de profusão labiríntica, onde uma coisa é reba-timento de outra: a artista e o fotógrafo, o fotógrafo e as leituras, as fotografias e as lembranças, o acontecido e o inventado, o vivido e o sonhado, a imagem e a forma, a presença e a ausência, a proximidade e a distância. Permitindo-me adentrar em seu trabalho menos como um mero saber ou produto, mas como um modo sensível de ser, cujo pensamento busca tornar-se estranho a si mesmo, acabei tangenciando o gesto que recusa a lógica da hiper-exposição que tudo dá a ver e conhecer, potencializando aquilo que se aproxima do enigma e do inalcançável.

Desse modo, ela nada afirma, confessa ou milita, apenas guarda-se, enquanto permite a Zénon Piéters pensar plasticamente e depois refletir sobre isto pela via de um encontro tão noturno como um sonho. Fazendo as promessas de verdade e revelação se retirarem, coloca em seu lugar o artifício do familiar, através do qual a imagem se torna resíduo e indício de algo que sempre escapa. Com tama-nho variável entre 60x40 e 85x60 cm, suas fotografias tratam de quadros, dos quais se deslindam apenas fragmentos salientados por diferentes tipos de molduras. Se por vezes as legendas não estão presentes nem são legíveis, noutras se reconhece o nome de artistas como Cranach, Rembrandt, Poussin, Durer, Gericault, Goya, Courbet, Corot, Nicolas de Maes. Situados sobre um resto de parede que nada localiza, aqueles detalhes, vindos de um tempo distante, parecem estar ali apenas para destacar o fundo silencioso e fugidio no qual se assentam. Reproduzidos e ampliados, testemunham menos sobre as imagens que constituem os quadros e mais sobre a estranha potência que lhes confere uma espécie de sobrevivência póstuma, acabando por interrogar no que constitui o visível, do que é feita uma imagem e de onde provém seu poder de configurar.

1 Todo o conteúdo apresentado em itálico foi extraído dos registros de Patricia Franca-Huchet ao conceber a presente exposição.

REFRAÇÕES DO SENSÍVEL

Conforme declara em seus registros, foi durante um curso de História da Arte ministrado por Didi-Huberman na École des Hautes Études en Sciences Sociales em 2009 que a autora e o fotógrafo teriam conversado num Café próximo dali, onde ele lhe falou sobre a imagem, a citação, a arte, a prática artística, além de autores como Hannah Arendt e Walter Benjamin. Foi Zénon quem me falou de Winfried Georg Sebald e seu universo melancólico e autobiográfico(...).Seus textos são como uma pesquisa através da história; entre livros, sua prosa e ficção se desenrolam sempre a partir do que já foi vivido, da experiência. O que Patricia registra é parte desta interlocução, quando continuava a fabricar questões que pudessem suscitar e aguçar a poética de Zénon. Mentalmente eu ocupava o lugar de meu amigo ausente, imaginando quais seriam as suas respostas. Assim, encena o que seriam as percepções e sensibilidades do interlocutor, algumas detalhadas e outras apenas esboçadas, pontuadas pelas lembranças e sensações da infância, do fluxo contingente da memória, balizado pela evocação do olfato e do paladar, através do qual o fotógrafo apresenta suas ponderações:

Existe uma primeira lembrança, de pontos luminosos na água de algum lugar — lago ou mar — estou vendo tudo do alto, uma extrema lu-minosidade, fecho os olhos, as pálpebras abaixadas deixam passar apenas uma única luz — toda rosa — a das paredes interiores dos meus olhos. Depois, lembro-me de estar no colo do meu pai, olhando letreiros luminosos através da janela. As cores piscavam intermitentemente (...) Tenho a sensação, nessa lembrança que me vem, do seu colo largo, da sua altura, do espaço da praça na frente, tendendo ao infinito. Essa lembrança não é luminosa, é sombria, pois já é noite ou quase, parece ser o inverno ou o outono, o céu está chumbado. Existe uma espécie de clareza e obscuridade nessa lembrança, mas sua voz se faz, estranhamente corpo (...). Neste mesmo parque, me lembro de um dia feliz, onde as sensações são fortes, como as das árvores brilhantes e enormes, que na minha memória, parecem estar vivas e mexendo de um lado para o outro. Outras crianças estão por ali, existe luminosidade e sol.

Considerando a plasticidade do tempo psíquico, Zénon Piéters prossegue com as lembranças da casa, do quarto, das sensações de medo e afeto, de solidão e perda, sendo que somos também compostos de inscrições, de traços, que fazem a nossa história, que são de-terminantes e que quase sempre podem nos transtornar. Deste assunto, desdobra um entendimento sobre o sonho como exemplo da noção benjaminiana de imagem caleidoscópica, constituída por composição e montagem que não pode ser transmitida e que confere um rosto ao sonhador, diferindo de qualquer outro. Algo assim também aconteceria com a pintura de um quadro que, semelhante ao enquadramento de um sonho, permite materializar as sedimentações do tempo, interrogando a própria vida psíquica, pois o inconsciente permite ao sonho ser criador (...). Que seja pela literatura ou pela pintura, é a matéria do tempo e das imagens do tempo que tomam forma e é isso que eu procuro.

Refletindo sobre a força poética das imagens, para o fotógrafo: A memória joga dinamicamente sobre nossos “quadros” materiais e psí-quicos, algo sempre sobrevive dessa estranha massa de lembranças. (...). Compreendo a imagem como uma espécie de céu, onde combi-nações temporais desencadeiam formas e situações inusitadas, como temporais absurdos, nuvens com as formas as mais extraordinárias, a formação da neve e da chuva. Quero poder pensar a imagem à minha maneira, como produtor que sou. Assinalando que Walter Benja-min se interessava pela história como uma criança a brincar com os trapos do tempo, Zénon reivindica uma arte cuja potência provém do trabalho autobiográfico do artista, porque não me sinto à vontade com uma arte que esteja desprendida de quem a faz, falo aqui da arte que busca uma forma ou sentido interno. Ao considerar as primeiras lembranças, retoma a metáfora que Hannah Arendt atribuiu ao pensador alemão como sendo um pescador de pérolas, pois não se trata de buscar as formas tal como um dia foram, mas alcançá-las naquilo que as tornou configurações cristalizadas, ou seja, formas que, tendo sofrido os efeitos do tempo, alteram-se em outras formas cintilantes e preciosas. Neste sentido, as imagens que advém da força pretérita, são como pequenos pontos cintilantes, pequenas lan-ternas. Mas nos enganamos completamente quando pensamos que olhar é tomar para si, apreender, pois olhar é ver a qual ponto as coisa nos escapam (...) Atualmente algo da imagem é extremamente cegante. Muita exposição, algo puramente luminoso, que nos impede de discernir os contornos justos, as sombras.

Problematizando o que vem a ser uma imagem justa em tempos de hiper-exposição imagética, Zénon Piéters afirma buscar uma ima-gem simples, embora quando pense que a encontrou sempre perceba sua condição escorregadia e conflituosa. Lembrando o cineasta Eric Rohmer, declara que a imagem apresenta para mim uma grande parcela de invisibilidade (...). e isso não tem nada a ver com o trans-cendente. É simplesmente uma parte da experiência que podemos ter no mundo. Pensando o ponto de inflexão da imagem não como aquilo que configura sua ausência, mas como sua própria manifestação, recorre à tenuidade da luz da lanterna, pois para o fotógrafo existe uma resistência nessa maneira de produzir sentido sem ser espetacular, sem estar sob as luzes que cegam. Esta linha de resistência nos ajuda a abrir os olhos. Remetendo a Duchamp, associa a idéia da lanterna com um modo de procurar outra maneira de respirar (...) Não se trata de escolher o “menos” por renúncia, mas para obter um ganho fenomenológico. É a arte do desprendimento, algo muito pontiagudo, denso e muito essencial que não podemos ver. E depois ainda de lembrar Benjamin, para quem o momento de legibilidade acontece num instante de cintilação, Zénon reconhece aí o que corresponde ao próprio conceito de imagem dialética, salientando afinal o que lhe move: ter o próprio olhar sobre ela, a própria linguagem, reinventar minha posição frente à ela, graças à experiência.

Pertencendo a um tempo que promete tudo mostrar, enquanto as coisas são dadas a ver no exato instante em que acontecem, incomo-dado com a crença de que nada mais precisa nem pode ficar ab-cena, pois tudo e todos se tornam sujeitos da exposição, Zénon Piéters toma a direção contrária ao bombardeio expositivo avassalador e inescapável. Indo na contra-mão do reality show e da notícia em tempo real, em que o mais íntimo e secreto pode ser exposto através das telas e manchetes e os anseios e inquietações mais profundas podem enfim ser desvendados, recusa-se a reduzir o mundo ao que se vê e o que se vê ao que pode ser perscrutado pelo écran. Ao explicar o que entende como real, reflete que tenho dúvida sobre a idéia de rizoma deslocada para a arte, pois hoje em dia existem coisas que não estão ligadas à nada, são proposições solitárias (...) Para ele, além das lembranças que carregamos dentro de nós, misturadas ao desejo do que foi e do que poderá ser, seria preciso ainda encarar as lembranças enfiadas nos buracos do consciente. Ao reconhecer em suas fotografias um modo singular de ver o mundo, observa que:

Fotografar a pintura não é um ato simples e inocente, mesmo quando se trata de um convite para uma exposição, um cartaz ou livro. O mundo é muito heterogêneo e complexo, inventar uma nova dramaturgia para poder dar formas ao que sentimos e experimentamos, pode ser um passo para toda essa complexidade que se oferece (...) não podemos ser o tempo todo transparentes, precisamos nos proteger de muitas coisas, dos outros e de nós mesmos também. Por um lado uma imediatez do mundo sobre nós, e do outro a fabricação, a manei-ra de imaginar nossa vida no mundo, de fabricar quem somos, o que queremos, nossas ficções. As fotografias da arte tem a ver com esse lugar (...). Na fotografia olhamos a imagem de alguém que viveu uma experiência, que esteve olhando para o mundo, por isso a fotografia é uma dupla experiência. Não olho nada sem saber que estou olhando com o meu corpo, com minha história, com a minha cultura, com meu sentimento com minha vida. Tenho a sensação que os quadros me dizem: você viu? mas ainda não viu nada… e como fotografo quero saber mais. Me interesso pela reconstrução crítica da tradição pictural.

Refutando tanto a idéia de arte estreita e cheia de certezas, como universalizante e se-parada da vida, Zénon Piéters escolhe um saber mais modesto e sutil, experimentado com o corpo, pois é nesse lugar que gosto de buscar minhas imagens, onde algo muito forte já existe e alguém deseja ali penetrar, provocar um desvio, uma mudança de escala, uma re-situação. Ao explicar uma certa literalidade na imagem sobre a imagem acrescenta o que pretende ao refazer o quadro pela fotografia: a contemplação de imagens que não são do nosso tempo é um dos meus motivos. A antiga força simbólica das imagens parece esgo-tada e a morte se tornou tão abstrata… a perda de sentido que despenca sobre as imagens atualmente me preocupa mais do que a questão de sua invenção, de onde surgem.

A partir de uma conversa que entabula com Zenon Piéters onde o que emerge é uma refração transfigurada e sensível de si, Patricia Franca-Huchet traz à tona um fotógrafo que nada deseja dar a ver, afirmando-se através de uma obliteração do olho e situando a imagem numa instância que não pertence à esfera do meramente visual, mas instala uma inquietação sobre a natureza do visível. Suspeitando que há no olho algo de ocelo, tal como se encontra na asa da borboleta, na pena no pavão ou no olho de Hórus, permi-te considerar a distância entre a forma das coisas e do mundo e as imagens que através dela é possível alcançar. Dizendo de outro modo, é o segredo cintilante e perturbador desta distância que interpela e demanda: como produzir sentidos por meio daqueles ân-gulos e figuras que persistem apenas através de um pedaço de quadro? Se a totalidade de cada foto não se parece com a de um oceano, mas com a água do copo que o contém, o que afinal se aninha naqueles fragmentos de molduras e qual refração pode ainda ser obtida por meio daqueles retalhos na parede?

Rosângela Miranda Cherem

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Trecho da entrevista do Livro de Zénon Piéters

[...] Patricia Franca-Huchet: Como surgiu o desejo da fotografia para você?

Zénon Piéters: Observando a imagem. Ela surgiu pelo desejo, com velhos aparelhos na infância e depois com a descoberta da téc-nica aliada às possibilidades. Sempre penso no “quarto cinema” que fazíamos meus irmãos e eu na casa de uma tia, que morava em uma fazenda onde as portas e janelas eram muito fortes e grandes. No quarto que dormíamos havia uma fresta na borda da bandeira da janela e por ela podíamos ver a imagem do que se passava lá fora projetada no teto do quarto. Esse tipo de imagem sempre me fascinou, e sempre foi pela imagem que algo em mim suscitou pensar o fenônemo e consequentemente desejá-la. Todo o tipo de re-lação com as imagens dessa ordem, como a imagem na colher invertida, as sombras quando andamos na rua à noite (suas projeções em extensão), foi aquilo que fez apelo para o meu trabalho com a imagem. Imagine a história das imagens, suas simples projeções! Em um estranho filme de François Truffaut, O quarto verde, o personagem principal, encarnado por ele mesmo, mostra imagens para um menino com problemas de linguagem. Ele apresenta em um antigo projetor de slides imagens de insetos, mas logo desistiu, sabendo o que realmente vai interessar ao menino: as imagens da Primeira Grande Guerra, imagens que você pode muito bem imaginar. É uma cena muito potente sobre o poder luminoso da imagem. O menino fica completamente absorto e entregue ao que vê, e o espectador também. Comparo esse gênero de imagens com uma lanterna, pois é capaz de brilhar no escuro. Muitas imagens são como pequenas lanternas e são capazes de resgatar e salvar a cegueira. Enganamos-nos completamente quando pensamos que olhar é tomar para si, apreender, pois olhar é ver a qual ponto as coisas nos escapam. Rembrandt sabia bem disso, pois escreveu que a “luz brilha melhor no meio da noite”, e suas imagens pertencem a esta linhagem de produtores que trabalham com conceitos internos à questão da imagem, que são adaptados a uma grande exigência frente ao que a imagem pode nos oferecer e como pode nos afetar. A imagem da lanterna brilhando em um caminho, ao encontro de outras lanternas, é uma imagem de resistência. Uma pergunta paira sobre a minha cabeça: onde devemos ir para encontrarmos as lanternas luminosas? O trabalho com a imagem e nosso comércio com elas é extremamente pessoal, mas contém muitas variações. Ela pode ser uma experiência única e preciosa, pode ser da ordem do fenômeno, mas é apreen-dida também de forma comunitária. Algumas imagens sobrevivem e outras desaparecem.

Vou partir de algo mais universal, para depois olhar para algo mais local. No texto “A obre de arte na era de sua reprodutibilidade téc-nica” Walter Benjamin aponta o valor da exposição da política. Para ele, através do valor de exposição que a fotografia possui, somente a vedete (a estrela) o campeão esportivo e o político (ditador) podem ser os vencedores. Podemos afirmar que nossos tempos não são diferentes. Atualmente algo da imagem é extremamente cegante. Muita exposição, algo puramente luminoso, que nos impede de dis-cernir os contornos justos, as sombras. O poder de delinear a imagem justa. A questão do valor de exposição, somando-se aos modos de aparição possíveis. E então, voltando à imagem da lanterna, que é um trabalho de muita exigência: ser você mesmo uma lanterna e formar com outros uma comunidade luminosa; assim é a imagem que me interessa — a acústica dessa imagem —, que necessita e deve se adaptar a um certo nível de exigência. Mas, no universo pessoal e restrito, com nossas histórias, nossas fábulas, nossa poesia, nossa mitologia, nossa melancolia — porque somos um grão de história —, tento buscar uma imagem que seja simples, mas à medida que tento alcançar essa imagem, vou recolhendo experiência que se resulta de uma realidade conflituosa.

Sei que você é uma admiradora de Eric Rohmer. Como viver, como amar são sempre questões as quais os personagens de Rohmer esbarram, e como eles vão resolver seus problemas, é para mim o que faz a imagem de cada filme. Uma imagem humorística declina em suas “comédias e provérbios” — cada personagem possui sua loucura discreta (como todos nós). Já falamos do filme L’amour l’après-midi [Amor à tarde], lembra-se? No início vemos o personagem principal — Frédéric — se deslocar de sua casa para o trabalho em um trem suburbano. No trajeto passa o tempo entre a leitura de seu livro e a observação de mulheres que o atraem. Ele também é a imagem do flanêur que se entrega à cidade, absorvendo as suas imagens como um espectador que se abandona na experiência e se perde no espaço. Falamos muito atualmente de espectador, como se fosse unicamente assistir a um espetáculo. Mas o espectador é uma testemunha, é aquele que assisti e observa algo. O flanêur é um gênero de espectador que muito me interessa. Interesso-me por esse personagem, que tem uma vida interior forte e independente, que se entrega à cidade. Assim é possível descobrir um espaço de imagem para si mesmo, que é o que me interessa quando trabalho sem muita ambição com a fotografia. Ela seria a forma que encon-trei para medir esse espaço. O resultado pode ser contemplativo, mas a démarche é a imagem do mundo em uma certa i-naturalidade, mas contudo aberta. Isso acaba produzindo uma certa relação com o tempo, que me faz refletir, sentir… Bem, não sei se estou me per-dendo… A imagem apresenta para mim uma grande parcela de invisibilidade. Ela tem uma parte material da invisibilidade e isso não tem nada a ver com o transcendente. É simplesmente uma parte da experiência que podemos ter no mundo (Marcel Duchamp dizia que não existe a arte, somente os artistas).

Podemos também falar da ausência de imagens, mas o paradoxo é que essa ausência de imagens por vezes é o momento mesmo de sua manifestação. Meu interesse é conseguir indicar de uma maneira escritural e visual a minha vivência com a imagem (que é diferente da sua). Vamos voltar para as lanternas. Existe uma maneira de resistência nessa maneira de produzir sentido sem ser espetacular, sem estar sob as luzes que cegam. Essa linha de resistência nos ajuda a abrir os olhos. [Zénon — penso — está inspirado com os pirilampos do livro Survivance des lucioles, que George Didi-Huberman está anunciando em seu curso. Percebo que a imagem da lanterna é uma imagem de resistência como são os pirilampos para o autor].

Duchamp — de novo ele — dizia que era um respirador. Ser você mesmo um respirador. Penso que isso está estreitamente ligado com a ideia da lanterna, de resistir; encontrar uma outra maneira de respirar. A tenuidade, a luz da lanterna, não é um sinal de fraqueza, ela pode até ser o sinal de uma grande dificuldade, de uma enorme exigência também. Não se trata de ir para o menos por renúncia, mas para obter um ganho fenomenológico. É a arte do desprendimento, algo muito pontiagudo, denso e muito essencial que não podemos ver.

Vou lembrar novamente Walter Benjamin, que também é um exemplo de resistência que pode nos iluminar com suas inúmeras lan-ternas produzindo muitos momentos luminosos. Olhe como o conceito de legibilidade é importante para ele e sustenta a sua obra: o momento de legibilidade do tempo, o momento de legibilidade da história. Essa legibilidade é a imagem! É a imagem dialética ( justa-mente o outrora e o agora se encontrando em um momento de luz). Podemos ficar devotos da imagem, quando ela se torna um ícone; podemos também fechá-la dentro de um conceito, ou, o melhor: ter o próprio olhar sobre ela, a própria linguagem, reinventar minha posição frente a ela graças à experiência.

P.F-H: O artista deve levar em conta o universo espiritual? Como é isso no seu trabalho?

Z.P: Existe, além do destino material do homem, um destino espiritual que se cumpre de forma igualmente inexorável.1

1 MARAI, Sandor. Confessions d’un bourgeois. p.243

P.F-H: Qual é a substância de seu trabalho com a imagem?

Z.P: A questão do real, me parece fundamental para a arte de hoje, pois nós todos estamos experimentando o real mais do que nunca, com suas diversas possibilidades. O real não fecha a porta para ninguém, está lá sempre aberto. Tenho dúvida sobre a ideia de rizoma deslocada para a arte, pois hoje em dia existem coisas que não estão ligadas a nada, são proposições solitárias — artísticas e solitárias —, como disse Kaprow, “cada um de nós é ao mesmo tempo um animal no centro de uma corja ou um lobo solitário”. Como pensar a época, a moda, a moral e a paixão, retomando as palavras de Baudelaire? Alguns são mais contemporâneos que outros, mas somos todos contempo-râneos. Alguma coisa do passado sempre se impõe a nós, alguma coisa do tempo que parece nos habitar. Nessa confrontação com o presente, podemos buscar algo da his-tória de cada um e mesmo da história. Vejo as imagens tendo nelas partes do passado. Mas paradoxalmente elas criam um futuro. E tem o sintoma. O sintoma é uma questão que podemos sim relacionar ao trabalho da imagem em geral. Ele pede uma resolução, pois incomoda e sensibiliza. Temos urgência em pesquisar a coisa. Mas intuitivamente, posso dizer que ele versa sobre a memória, tornando explícita uma certa concepção da temporalidade. Apreendemos da memória, mas também a representamos, e con-vivemos as coisas que aparecem de improviso. “Coisas”, você sabe, todo o arcabouço imagético que carregamos dentro de nós. Aquilo que foi, misturado ao desejo do que tenha sido e ao que poderá ser. E o sintoma está relacionado às lembranças enfiadas nos buracos do consciente. Falo disso, pois mostra para mim claramente um modelo de temporalidade que se inscreve em:

uma tradição de pensamento que, do “anhistorismo” de Friedrich Nietzsche, a “sobrevivência” em Aby Warburg passando pela “imagem dialética” em Walter Benjamin, encara o tempo fora de suas entranhas, fora do modelo histórico (…) implica o objeto psíquico no campo da história. (…) Trata-se de observar as modalidades da “anacronia” e de seu papel no agir histórico mas também de o integrar ao regime temporal que nos governa.2

2 “Une tradition de pensée qui, de ‘l’anhistorisme’ chez Friedrich Nietzsche à la ‘survivance’ chez Aby Warburg en passant par “l’image dialectique” chez Benjamin, envisage le temps hors de ses gonds, hors du modèle historique (…) implique l’objet psychique dans le champ historique. (…) Il s’agit d’observer les modalités de “l’anachronie” et son rôle dans l’agir historique mais aussi de l’intégrer au régime tem-porel qui nous gouverne.” PIC, Muriel. W.G Sebald — l’image papillon suivi de W.G. Sebald: L’art de voler. Paris: Les Presses du Réel. 2009. p. 54. (tradução nossa)

P.F-H: E a questão da imagem-documento?

Z.P: Algo do documento também se mistura a tudo que faço. Se pensarmos que documentum em latim é o que vem instruir, considero que é então o que vem redimensionar a imagem que busco do quadro. A fotografia contribui para disfarçar as fronteiras entre a ficção e a realidade, por isso, gosto nas minhas imagens de introduzir uma quantia da experiência do real. O documento não vai salvar a arte e nem o mundo, pois a arte é outra coisa, irredutível a um único modo ou estilo. Mas o documento pode ser um componente de certas obras, pode trazer uma energia que vem exatamente do seu laço com o real. Porém todo o cuidado é pouco. Se o documento ultrapassa a arte, ela se asfixia. Se for o caso, é preciso parar de fazer arte e se lançar na ação direta, por outros meios mais eficazes. O que me parece interessante são as relações — que não são novas — entre singularidades e coletividades, realidade e simbólico, o limite e o não limite.

P.F-H: Zénon, fale-me das fotografias de pinturas que estarão no nosso livro.

Z.P: Já faz tempo que a pintura é fotografada, especialmente para ser reproduzida nos livros. Nos livros de escola ou mesmo em li-vros de história e em catálogos. Existe uma espécie de inocência, uma suposta neutralidade e um hábito quase natural de fotografar uma pintura e de reproduzi-la nos livros, de transferi-la para o papel, de reduzir o seu formato, esquecer a sua matéria, seu relevo, sua maneira de aceitar a luz e de impor àquele que a observa uma justa distância e uma justa posição. Em um livro, todas as imagens são olhadas de uma mesma distância. Fotografar a pintura não é um ato simples e inocente, mesmo quando se trata de um convite para uma exposição, um cartaz ou livro. 3

O mundo é muito heterogêneo e complexo, inventar uma nova dramaturgia para poder dar formas ao que sentimos e experimentamos, pode ser um passo para toda essa complexidade que se oferece. Parto da ideia de que existe muita teatralidade entre nossas trocas com o real (não podemos ser o tempo todo transparentes, precisamos nos proteger de muitas coisas, dos outros e de nós mesmos também). Por um lado, uma imediatez do mundo sobre nós, e do outro, a fabricação, a maneira de imaginar nossa vida no mundo, de fabricar quem somos, o que queremos, nossas ficções. As fotografias da arte têm a ver com esse lugar. Pois o real nunca se apresenta como tal, ele aparece como um facho de ficções e possibilidades de ação, percepção e temporalidade. Gosto de dar uma ideia precisa do objeto fotografado, com uma relativa exatidão, é claro que tudo é carregado de nostalgia e de um romantismo da perda e de uma emoção já perceptível, mas que nossa consciência classificatória reprime como sendo objetividade ou conceitual. O que penso mesmo é que a fotografia tem uma grande capacidade de ekphrasis, de descrição. Procuro não confundir objetividade e descrição.

A imagem é como um grande plano descritivo. A experiência da descrição é próprio da imagem fotográfica. Definir isso seria pensar em uma imagem que vai falar de sua própria realidade, de sua condição de coisa fotografada. Na fotografia olhamos a imagem de alguém que viveu uma experiência, que esteve olhando para o mundo, por isso a fotografia é uma dupla experiência. Não olho nada sem saber que estou olhando com o meu corpo, com a minha história, com a minha cultura, com o meu sentimento e com a minha vida. Tenho a sensação de que os quadros me dizem: você viu? Mas ainda não viu nada… e como fotógrafo, quero saber mais. Interesso-me pela reconstrução crítica da tradição pictural.

O real pode estar na imagem? Atualmente preferimos a imagem à coisa- em-si. Nosso tempo prefere a cópia ao original, a represen-tação à realidade, a aparência ao ser, como diz Marie-Jose Mondzain.

3 FLEISCHER, Alain. Les laboratoires du temps. Paris: Galaade Éditions. 2008, p.255

P.F-H: E a arte? Qual espaço ela ocupa em sua vida?

Z.P: A vida é completamente contaminada pela ideia da arte para alguns, e nesse ponto, a arte parece às vezes nos dizer: vá, pode ir, se emancipe, vá fazer o que quiser, me esqueça! Ir para a cozinha e trabalhar com aquilo tudo; a brancura e a espessura do leite, a manteiga, o sal. Ver a massa de crepe resultando em um disco dourado e crocante, ter uma horta, fazer uma música, arrumar a sua casa, cuidar das plantas, escrever, comprar flores e fazer arranjos, tudo se mistura com arte. Assim, tudo se tornou muito lábil, muito flutuante; como uma configuração da fluidez dos enunciados. O numérico faz o campo explodir e tudo termina em um universo de proliferações, algumas conectadas, outras isolodas: duas imagens podem ser o rizoma ou a monada. Alguém que queira vender uma teoria da arte curta, sintética e universalizada não pode me convencer, pois certamente estará falando de um lugar, de sua esfera, seus pares e daquilo que vê, mas não podemos ver o mundo como um todo, a informação não é o saber. Vemos uma luta pelo poder crítico; a arte de hoje é isso, a arte de hoje é aquilo. Talvez o saber científico devesse se renovar escutando a dimensão da natureza. Isso poderia dar um fim para a pretensão do humano sobre o mundo, como anda regendo seus saberes, conceitos e categorias. Existe uma nova demanda ou forma de o homem atuar no mundo, um modo mais humilde e dinâmico de participar com o seu saber. As certezas desmoronam, a consciência das interações entre o campo científico e cultural, a renovação dos modelos, o desempareda-mento das disciplinas, e por isso, os espaços novos de criação e invenção. Um saber mais modesto se constitui frente às pretensões da ciência clássica, mas ambicioso nas suas formas de acontecimento. A famosa disputa pelo poder dos conceitos, pelos pós-, neo-(s), ou quão ainda virão, fica desqualificada a partir do momento em que lidamos naturalmente com os novos saberes, que consideram o novo e o antigo como equivalentes e igualmente importantes.

P. F-H: O que dizer para terminar?

Z.P: Vou fechar falando das imagens que vão seguir a esta entrevista. É quase uma necessidade fotografar as pinturas, e depois disso feito, tentar separar o que na imagem é pintura e o que é fotografia. As fotografias angulares dos quadros também me lembram a maneira convencional de olhar a imagem, o lugar de onde proveem e sua situação espacial e histórica. Acredito que as imagens histó-ricas penetram em nós e ocupam espaços tão significativos que deixam pouca margem para modificações. É nesse lugar que gosto de buscar minhas imagens, onde algo muito forte já existe e alguém deseja ali penetrar, provocar um desvio, uma mudança de escala, uma re-situação. Isso implica uma sutileza e um modo de atuar sobre a coisa. Por isso uma certa literalidade na imagem sobre a imagem. Ressai a escala, a figura, o ângulo, a perspectiva e a cópia como motivo. É como refazer o quadro pela fotografia; a contemplação de imagens que não são do nosso tempo é um dos meus motivos. A antiga força simbólica das imagens parece esgotada e a morte se tornou tão abstrata… a perda de sentido que despenca sobre as imagens atualmente me preocupa mais do que a questão de sua in-venção, de onde surgem. Acho que por aí podemos pensar na antropologia do visual, que se encarrega da substância das imagens para compreender os atos simbólicos que nós vivenciamos em nosso comércio com ela.

Sobre o livro de Zénon PiétersEste trabalho envolve um canteiro literário, a figura do heterônimo, uma longa pesquisa, apresentações de imagens, a ficção e a inven-ção de si mesmo. Não me sinto a autora, mas a compiladora — ou a sonhadora — de uma obra imaginária que é o relevo de diversos horizontes que afloraram como imagens e textos. O processo foi surgindo pelas fotografias e, entre elas, a montagem abriu uma fenda, possíbilitando uma história; como em um catálogo, que, em razão de sua iconografia, fosse permitido ficcionar. Toda essa invenção foi possível pelo trabalho da edição e montagem — narrativas, textos e imagens —, constituindo os fatos que são tanto históricos quanto autobiográficos; uma implicação de si na imagem de um outro.

Esta pesquisa possibilitou-me uma invenção formal, que vai da frontalidade da pintura à horizontalidade do livro e das imagens recorta-das que nele se encontram. Como na imagem da página 3, encontrei entre esses dois espaços uma realidade estranhamente sem fundo, complexa e lábil como são as pinturas, que expressam constantemente coisas sobre o tempo, sobre a imagem e sobre o lugar em que nos colocamos. A pintura é uma articulação entre algo cerebral e a matéria, e isso é de uma grande sensualidade. Esse tecido entre algo psíquico que atravessa a matéria e que vai surgir na superfície do quadro é um ponto muito avançado, muito sofisticado. Poder-se-ia apontar uma grande força que se encontra no justo desequilíbrio. Zénon parece procurá-lo: o justo desequilíbrio que é a essência de nossa capacidade de ser, ter e estar presente.

Zénon Piéters, fotógrafo melancólico amador e livreiro, possui o olhar do pintor, percebe que a realidade das coisas podem ser inten-samente apreendidas através de uma transposição sensorial e espiritual sobre a frontalidade (o papel da fotografia e a tela da pintura). A mise-en-scène e a teatralidade da imagem fotográfica e pictural é o que lhe interessa em seu modo psíquico e mental de lidar com a imagem. É constante leitor de poesia e literatura; isso lhe ajudou a trabalhar com a realidade. Essa dimensão, nós a encontramos par-ticularmente em sua ambição de prolongar a pintura na imagem fotográfica e lhe dar uma espessura de sentido, até mesmo simbólica — em uma iconografia no presente —, mas não sem constatar o quão impossível é o movimento de doação da pintura à câmara escura. Zénon acredita que fazemos passos falsos quando julgamos poder esquecer a grande tradição da arte. Nada de rupturas para Zénon, que crê no movimento de abertura oferecido pelos limites dela no tempo.

A pintura — e isso parece ser evidente — adorou o que Zénon viu nela, porque, como disse Marcel Duchamp, são aqueles que veem que fazem o quadro e, podemos avançar, pensando na obra de Manet, que o quadro também faz aquele que vê. Fundamentalmente pensa-se uma relação de alteridade face à pintura e ao personagem do quadro (ou sujeito). A superposição da pintura e do espectador — ver a pintura e ser visto por ela — faz com que Zénon se interrogue: Um dia, me perguntei se não era eu a pintura, pois o quadro colocava questões sobre mim mesmo. Assim, esse trabalho de Zénon é o espaço psíquico do olhar e os laços que se criam: um deles, o laço de identificação. Quando fez sua fotografia sobre o quadro Olympia (Victorine Meurent) de Manet, Zénon disse ter visto o enrubescimento — le rougissement — em delicadas quantidades nas bordas da pele, que é a floração do sangue. Isso é como a erupção da presença de alguém diante de nós, diante de nosso pensamento.

Sim, é uma relação, estamos juntos, nesse momento — lá. Vislumbrar esse sentimento em imagem é como estar debaixo de uma sombri-nha que nos protege todo o tempo, e de repente furamos o tecido e vislumbramos o céu; e ele está radiante!, disse Zénon.

Para este trabalho houve a relação paralela com a leitura de Marcel Proust e Sândor Marai (a potência da experiência da rememoração), anotações de aulas variadas de um estágio pos-doutoral no Institut National d’Histoire de l’Art | INHA, em Paris, textos pessoais e as fotografias resultantes das visitas ao Museu do Louvre e ao Museu d’Orsay. Tudo isso foi trabalhado como citações à imagem de Walter Benjamin, quando diz que “o principal é arrancar fragmentos de seus contextos e lhes impor uma nova ordem, de tal forma que eles possam se iluminar mutuamente e justificar, por assim dizer, livremente suas existências”.4

Patricia Franca-Huchet

4 ARENDT, Hannah. Walter Benjamin, vies politiques. Paris: Gallimard, 1974. p. 301. (tradução nossa)

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