o escâdalo da princesa

156
7/31/2019 O Escâdalo da Princesa http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 1/156 O Escâdalo da O Escâdalo da Princesa Princesa Suzanne Enoch Suzanne Enoch 4º livro da série Família Griffin Pecados de um duque... Sebastian Griffin, o duque de Melbourne, criou os irmãos mais novos, educou-os muito bem e cuidou para que os três fizessem um bom casamento. Considerado o homem mais poderoso da Inglaterra, Sebastian tem uma reputação impecável, de homem íntegro, que nunca se envolveu em escândalos. Até agora.  Josefina Katarina Embry é uma  jovem belíssima, que afirma ser a  princesa de um país longínquo. Enquanto ela deslumbra a alta sociedade com sua graça e encantos, Sebastian desconfia de que ela está tramando alguma coisa e decide desmascará-la... sem imaginar que iria se sentir irresistivelmente atraído pela sensualidade de Josefina e por seus beijos apaixonados. Ele sabe que um caso amoroso entre ambos provocará um escândalo, mas o homem mais poderoso da Inglaterra arriscará sua reputação por uma suposta princesa, ou permitirá que o mais  pecaminoso desejo governe seu coração?

Upload: luana-celante

Post on 05-Apr-2018

239 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 1/156

O Escâdalo daO Escâdalo da 

PrincesaPrincesaSuzanne EnochSuzanne Enoch

4º livro da série

Família Griffin

Pecados de um duque...

Sebastian Griffin, o duque deMelbourne, criou os irmãos mais novos,educou-os muito bem e cuidou para queos três fizessem um bom casamento.Considerado o homem mais poderoso da

Inglaterra, Sebastian tem uma reputaçãoimpecável, de homem íntegro, que nuncase envolveu em escândalos. Até agora.

 Josefina Katarina Embry é uma jovem belíssima, que afirma ser a princesa de um país longínquo. Enquantoela deslumbra a alta sociedade com suagraça e encantos, Sebastian desconfia deque ela está tramando alguma coisa e

decide desmascará-la... sem imaginar que iria se sentir irresistivelmente atraído pela sensualidade de Josefina e por seus beijos apaixonados. Ele sabe que um caso amorosoentre ambos provocará um escândalo, mas o homemmais poderoso da Inglaterra arriscará sua reputação por uma suposta princesa, ou permitirá que o mais pecaminoso desejo governe seu coração?

Page 2: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 2/156

T Título Original : S: Sins of a

Duke

Disponibilização: / Digitalização: Marina

Revisão: Meg / Formatação: Edina

 Junho de 1813

 A julgar pelo semblante dos soldados da Guarda Montada, alguém planejava algum banho de sangue. Após praguejar baixinho, SebastianGriffin, duque de Melbourne, incitou o cavalo e, deixando o pelotão paratrás, foi chegar a seu destino meio quilômetro à frente dos militares. Otempo urgia, e tempo era algo que ele não tinha para desperdiçar.

 Alheio aos irmãos e ao cunhado que vinham no seu encalço,Sebastian saltou para o chão assim que o cavalo estacou para ir bradar diante da alvoroçada multidão.

 — Quem está no comando aqui? — Eu. — O sujeito atarracado em vestes surradas, como a maioria

dos lavradores e demais trabalhadores reunidos ali, abriu espaço por 

entre os companheiros para puxar Sebastian de lado. — O que deseja,rapaz?

Rapaz. Ninguém falava assim com ele havia dezessete anos,ocasião em que herdara o ducado.

 — Quero saber por que acham que pôr abaixo os portões deCarlton House irá trazer comida ou simpatia à causa de vocês. — Sebastian virou-se para seu secretário. — Compre tudo o que houver dealimentos no mercado da Piccadilly e mande entregar na Abadia deWestminster.

 — Pois não, Vossa Graça. — Com isso, Rivers fez o cavalo dar meia-volta.

 — Vá com ele, Jennings. Também quero cobertores e roupas paraquem estiver precisando.

 — Sim, Vossa Graça. — Então acha que bastam um pedaço de pão e uma camisa para

nos mandar embora daqui? — o líder da revolta interpelou Sebastian. — Ora, isso não...

 — Vocês são em quantos, uns trezentos? — Sem esperar pela

resposta, passou os olhos pelos rostos sujos

Page 3: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 3/156

e famintos da aglomeração às costas do grandalhão. — Vá paraWestminster; vou encontrá-lo lá, e então discutiremos formas demanter sua gente em condições decentes até o replantio das lavouras ea melhora do sistema de irrigação.

 — Mas nós... — Insistir na ameaça à residência do príncipe regente só irá fazer 

com que ele se veja obrigado a chamar soldados para defendê-lo. Demais a mais, há crianças por aqui; não é justo colocá-las em perigo.

 Ainda não sei qual é o seu nome, sr... Vossa Graça. Nem se devoconfiar num aristocrata.

 — Sou o duque de Melbourne; se ja ouviu falar de mim, você sabeque não volto atrás no que digo.

O camarada se adiantou um passo no momento em queCharlemagne e Zachary se acercavam, porém Sebastian conteve os

irmãos com um movimento do braço. Aquelas pessoas estavamdesesperadas, era natural que buscassem alguém em quemdescarregar suas decepções.

 — Sou Nathan Brown, Vossa Graça. — O lavrador estendeu a mão,que ele se apressou a apertar. — E já ouvi falar do senhor, sim.

 — Ótimo. Vá me procurar na abadia dentro de duas horas, sr.Brown.

 — Estarei lá. — Sem mais, o parrudo homem foi passar novasinstruções aos companheiros.

 Assim que os agricultores começaram a se afastar dos portões daCarlton House, vários deles de braços dados, Sebastian deixou escapar  profundo suspiro.

 — Muito bem, Seb — comentou o irmão caçula dele, Zachary Griffin. — Ainda mais se levarmos em conta que tenho uma só pistolacomigo.

 — Hã-hã. Shay, vá dizer ao prior da St. Margaret que a Abadia teráhóspedes por um dia ou dois. — Enquanto o irmão partia rumo à igreja,ele saltou à garupa de Merlin. — Até mais. Tenho um compromisso

daqui a duas horas. — O que faz pelas manhãs quando não está acudindo a monarquiaou alimentando os desvalidos? — gracejou o cunhado dele, ValentineCorbett, lorde Deverill.

 — Por que não vão retomar o que estavam fazendo? Green, vocêvem comigo. — O cavalariço anuiu, o grupo se dispersou, e Sebastianacenou para o apavorado secretário do príncipe, que surgia no outrolado do portão, seguido de perto por meia dúzia de guardas tãonervosos quanto ele. Em seu modo de ver, não fazia nem mais nem

menos do que suas obrigações para com a Coroa ou para com o povo

Page 4: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 4/156

da Inglaterra. Era assim que passava as manhãs. E as tardes. E asnoites.

 Assim que deixou Carlton House, passando pela Guarda Montada amenos de uma quadra de distância da residência do príncipe regente,imprimiu ao trotar do cavalo uma marcha mais condizente com as ruasde Mayfair. Três quarteirões adiante, ele e Green entraram na PraçaGrosvenor, de onde tomaram o passeio de pedriscos logo atrás dos portões que guardavam a Mansão Griffin. Escorregando da sela,Sebastian lançou as rédeas a Green e galgou os degraus da fachada daimponente residência, enquanto o cavalariço levava Merlin à estrebarianos fundos do casarão.

 A porta se abriu antes que ele a alcançasse. — Espero que tenha sido bem-sucedido, Vossa Graça. — O

mordomo deu um passo para o lado para que Sebastian pudesse

 passar. — Felizmente, Stanton. Minha filha já acordou? — Presumo que sim, Vossa Graça. Devo mandar chamá-la? — Sim; quero vê-la antes de ir para o Parlamento. — Entregou-lhe

o chapéu, as luvas e o sobretudo. — Quando Rivers chegar, diga a eleque teremos de adiar o almoço de amanhã, sim? Vou ter de passar boa parte do dia na Abadia de Westminster. — Seguiu então para a sala dodesjejum, onde, sobre o aparador, generosas porções de pão, frutas ecarne fatiada aguardavam por ele e, devidamente alisado, o exemplar 

do dia do Londun Times já se achava à cabeceira da mesa.Depois de se servir, largou-se sobre sua cadeira para ler a matéria

acerca do último acordo tarifário entre a Grã-Bretanha e os EstadosUnidos, que visava evitar qualquer recrudescimento das hostilidadesentre os dois países. Segundo os jornalistas, tudo fazia crer que SuaGraça, o duque de Melbourne, havia pressionado o governo até forçá-loa recuperar o bom senso.

 — Por enquanto — murmurou para si, estendendo a mão para obule de café; de pronto, um dos dois criados de libre correu a servir a

aromática bebida na xícara dele. — Eu já estava acordada, papai — anunciou uma voz fininha àentrada da sala, e foi para lá que ele olhou, sorrindo.

 — Bom dia, Peep. Você está muito bonita hoje.Com quase oito anos de idade, Penelope Griffin já começara a

despertar para os modismos e, naquela manhã, usava um alegrevestido de musselina amarelo com diminutas flores brancas, quecombinava com um chapéu amarelo enfeitados de margaridas tambémbrancas.

Page 5: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 5/156

 — Estou encantadora, não? — Após se curvar numa mesura, foioferecer o rosto ao pai para um beijo e, tão logo o recebeu, tratou deajeitar o chapéu.

 — Estou vendo que você e a sra. Beacham vão à festa deaniversário de Mary Haley.

 — Sim; vou dar um chapéu branco com flores amarelas de presente para Mary. — Penelope foi pegar um pêssego e duas torradasdas bandejas sobre o aparador antes de se acomodar à mesa. — Possoconvidá-la para vir tomar chá comigo amanhã?

 — Pensei que você fosse almoçar com suas tias. — Oh, é verdade. Como fui esquecer? Deve ser porque tenho

andado muito ocupada com meus compromissos nesses últimos dias.Fitando a graciosa menina de cabelos castanhos e olhos

acinzentados, Sebastian sentiu uma pontada no peito ao imaginar que

dali a dez anos os tais "compromissos" incluiriam passeios com os pretendentes e noites em saraus, onde ela se veria cercada de jovenzinhos afoitos.

 — Um grupo de acrobatas vai se apresentar em Vauxhall amanhã;você não quer convidar Mary e também lorde e lady Bernard para iremconosco?

 — Acrobatas? — Penelope se alvoroçou toda. — Ilusionistastambém?

 — E bem provável.

 — Sim, sim! — Após uma mordida no pêssego, olhou de soslaio para o pai. — Mas a tia de Mary, que veio visitá-los, vai querer ir conosco e depois vai querer casar com você.

 — Ah. Bem, nesse caso poderíamos... A porta da sala seescancarou.

 — Bom dia a todos — saudou Zachary, antes de partir numa linhareta rumo ao aparador. — Caroline vai começar o retrato do duque deYork esta manhã e disse que, se me visse por lá, ele iria se lembrar devocê e, consequentemente, de que não é benquisto na Câmara dos

Lordes. — É porque ele obteve favores daquela moça, que depois oobrigou a promover todos aqueles soldados?

 — Onde você ouviu isso, Peep? — quis saber Sebastian, olhandofeio para Zachary quando ele se sentou ao lado da garotinha.

 — Tio Shay disse que, se o duque de York aprendesse a manter ascalças abotoadas, não deveria nada a mulher nenhuma. A moça cerziuas calças dele?

 — Isso mesmo — afirmou Zachary, rindo. — Seja como for, o

importante é que vim à Mansão Griffin para fazer o desjejum nacompanhia da minha sobrinha predileta.

Page 6: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 6/156

 — Você não devia dizer uma coisa dessas, tio Zach. E se tia Nell etio Valentine ouvissem? Iriam pensar que você não gosta de Rose comogosta de mim.

 — Ora, é claro que adoro Rose. Mas ela só tem cinco meses, ebebês dessa idade não costumam ter uma conversa muito animada,não é mesmo?

 — Vai ver é porque ela ainda não tem dentes. — Penelope pousoudelicamente a mão sobre o braço do tio. — Não se preocupe; não voucontar a tio Valentine sobre nosso assunto. Não quero que ele dê um piparote na sua cabeça.

 — Nem eu. Grato pela sua discrição.Os dois continuaram a tagarelar por mais alguns instantes, até que

Sebastian se erguesse e afastasse a cadeira da mesa. — Tem um minuto, Zach?

 — Claro. — Zachary também se levantou. — Peep, vou lhe dar um xelim se você espalhar geleia de laranja nessa fatia de pão para mim.

 — Dois xelins — retrucou ela, já estendendo a mão para o potecom o doce.

 — Combinado.No corredor, Sebastian esperou o irmão deixar a sala do café da

manhã e encostou a porta. — Peep quer levar Mary Haley a Vauxhall amanhã à noite, e a tia

da menina, Margaret Trent, provavelmente irá conosco.

 — Pensei que fosse me pedir para ajudá-lo com o sr. Brown. —  Zachary trocou o falso ar de indignação por um sorriso. — E claro queCarol e eu iremos com vocês a Vauxhall.

Suspirando de alívio, Sebastian bateu de leve no ombro dele. — O sr. Brown é um problema simples de resolver. Agora, de

Margaret eu quero distância. — Até parece que algum de nós iria querer aquela entojada na

família. — Zachary fechou a porta por completo. — Você está bem,Seb? Digo, agora que estão só você e Peep nesta casa, talvez...

 — Não vou discutir esse assunto. E, como o combinado, passarei para apanhar você e Carol para o sarau dos Elkins esta noite. As oito. —  Zachary fez menção de falar, porém ele se antecipou: — Estou bem,sim. Habituando-me a uma família menor. De novo.

 — Olhe, não pense que Nell ou Shay ou eu o abandonamos só porque nos mudamos daqui, afinal... Ainda me lembro perfeitamentebem de como você ficou, quatro anos atrás, quando Charlotte morreu.O fato de...

 — Por Deus, Zachary, não sou nenhum inválido. Pelo contrário,

tenho sido o cabeça desta família pelos últimos dezessete anos e creio poder dizer, sem nenhuma vaidade, que sempre me desincumbi

Page 7: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 7/156

bastante bem das minhas responsabilidades. Por isso, não vejo por quevocê ou qualquer outra pessoa teria de se preocupar comigo. Agora, seme der licença, tenho de ir ao Parlamento antes de almoçar com trêscentenas de lavradores irados e suas famílias. — Tratando de colocar um sorriso no rosto, retornou à sala de desjejum para ir se colocar decócoras diante da filha. — Peep, querida, prometa que irá me contar dafesta quando eu voltar.

 — Prometo. — Penelope se levantou, envolvendo-o num abraço. — Você vai àquele baile esta noite?

 — Tenho de ir, querida. Não posso voltar atrás depois de assumir um compromisso, não é mesmo?

 — É, sim — concordou ela com um suspiro. — Amo você, papai. — Eu também te amo, minha pequena. Comporte-se. — Vou tentar.

Maldito unha de fome sem visão de... — Melbourne!Cuidando de refrear o arroubo colérico, Sebastian diminuiu o passo

acelerado com que havia cruzado o saguão à entrada da Câmara dosLordes. Em todos os seus vários anos de sessões parlamentares, podiacontar nos dedos as vezes em que conseguira deixar o edifício sem queum ou outro vigarista viesse no seu encalço. Mas, depois do almoçoque tivera, estava até ansioso por aquele tête-à-tête.

-- Você me chamou, Kesling?

Com uma corridinha, o visconde foi parar bem diante delerecendendo a uma colônia francesa que mal disfarçava o cheiro de suor que o envolvia.

 — Melbourne, pensei que suas idéias fossem mais progressistas.Vive dizendo que se preocupa com o bem-estar do povaréu, massempre que o príncipe solicita recursos para alguma dasextravagâncias que inventa, você vota a favor dele.

Outra vez aquela conversa. — Não quer aproveitar para me explicar, Kesling, por que é que,

todas as vezes em que se propõe um imposto sobre a propriedade, cujaarrecadação será utilizada em prol do povo, você vota contra? Isso semfalar da insensibilidade com que trata as pessoas que vivem nas suasterras.

 — Por que esses fardos têm de ser colocados sobre nossosombros? Só porque temos berço? Não me parece que...

 — Ah, então é esse o problema. Pois bem, vou lhe explicar meu ponto de vista... de uma vez por todas. Para que o Reino Unidocontinue a ser uma potência num mundo em desenvolvimento

 precisamos estar aptos a progredir. Para isso, precisamos de cidadãosbem instruídos e satisfeitos; e para que o restante do mundo nos veja

Page 8: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 8/156

como uma potência, nosso sistema político tem de se mostrar sólido ebenevolente, portanto este governo deve estar do lado do seu monarcae do seu povo.

E assim será, pelo menos enquanto houver um Griffin na Câmarados Lordes. — Girou sobre os calcanhares. — Tenha um bom dia,Kesling.

 A porta da frente da Mansão Griffin se abriu assim que acarruagem deteve-se no passeio de pedriscos.

 — Lady Peep já voltou, Stanton? — quis saber Sebastian. — Ainda não, Vossa Graça. Mas chegou mensagem de Carlton

House. A entrada da residência, ele apanhou a mensagem da salva de

 prata que o mordomo lhe estendia para passar os olhos pelocomunicado.

 — Faz tempo que isto chegou? — Cerca de vinte minutos, Vossa Graça. — Vamos sair novamente, Tollins. — Guardou o bilhete no bolso

 para ajeitar o chapéu e as luvas. — Diga à minha filha aonde fui etambém que voltarei assim que possível, Stanton.

 — Certamente, Vossa Graça.De volta às ruas de Mayfair, Sebastian suspirou, contrariado. Não

era difícil deduzir o que o príncipe queria; apesar dos transtornosocorridos naquela manhã e do fato de ter os cofres yazios, o regente

continuava obcecado com a idéia de concluir seu pavilhão em Brighton.Por Deus. Em algum instante da vida, havia deixado de ser um leal

 partidário da monarquia para se tornar confidente e conselheiro do príncipe George, também conhecido por Prinny. O que lhe conferia um poder suplementar sobre os rumos do país, além de tê-lo introduzido noque parecia ser uma espécie de segredo: quem fizesse vista grossa aosesporádicos acessos de ira e freqüentes assomos teatrais do regenteiria descobrir que Prinny era um sujeito muito sagaz e de apurado bomgosto.

 Assim que chegou a Carlton House e um dos criados o conduziuaté o solene salão branco, pôs-se de sobreaviso; aquele aposento sedestinava a convidados e havia muito tais formalismos não seaplicavam mais a ele. Ainda assim, agradeceu ao rapaz e, em silêncio,foi se colocar junto à janela com vista para o jardim.

Cinco minutos depois, a porta tornou a se abrir. — Melbourne! — Soou a conhecida voz de Prinny. — Eu não sabia

que iria encontrá-lo por aqui. Pelo visto, há questões urgentes que vocêgostaria de tratar comigo.

 Ao se virar para o regente e ver que ele vinha acompanhado por uma dúzia de pessoas, Sebastian tratou de dissimular a surpresa com

Page 9: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 9/156

um sorriso. Acaso tinha se tornado um adorno a ser oferecido aturistas?

 — De fato, Vossa Alteza — aquiesceu, curvando-se de leve antesde se acercar dos recém-chegados.

 — Já, já cuidaremos disso. Antes, quero lhe apresentar SuaMajestade Stephen Embry, rey de Costa Habichuela, e a esposa dele, arainha Maria. Vossas Majestades, Sua Graça, o duque de Melbourne, umdos meus mais íntimos conselheiros.

 Adiantando-se, o homem à frente da comitiva estendeu a mão. — E um prazer, Vossa Graça — declarou, num sotaque típico da

região da Cornualha.Hum. Até onde ele sabia, a Cornualha não havia se separado da

Inglaterra. Tampouco mudara de nome. — Vossa Majestade. — Sebastian apertou a mão do desconhecido.

 Afora o sotaque, o rey, apesar do título hispânico, era loiro eespigado, com um bem modelado bigode dourado e feiçõesnitidamente inglesas. Seu vistoso uniforme negro, de corteassemelhado a um traje militar, era o mesmo dos quatro outroshomens que rodeavam o grupo, dos quais se diferenciava por umaestreita faixa branca apoiada sobre o ombro esquerdo que se cruzavanuma borla sobre o quadril direito.

 A faixa continha várias condecorações, evidentemente militares,dentre as quais sobressaía uma singela cruz verde no meio do peito. Ao

contrário do rey, a dama com a mão no braço dele tinha traçosinegavelmente espanhóis: cabelos negros, pele trigueira e olhoscastanhos.

 — Posso indagar onde se situa Costa Habichuela? — Sebastiantornara a fixar o olhar no rey.

 — Ah, alegra-me que tenha perguntado — observou Embry comum sorriso. — Estamos na costa leste da América Central. Um lugar magnífico. Não tenho como expressar a satisfação que senti quando orei Qentaí o outorgou a mim e meus herdeiros.

Nesse caso, aquele era o terceiro país a se formar nas Américas doSul ou Central nos últimos dezoito meses. — Então sua nação fica na Costa de Mosquitos. — Muito bem, Vossa Graça. Vejo que conhece bastante sobre

Geografia. — O que é bem menos sabido — assinalou uma voz suave à

esquerda do rey — é que aquela região recebeu esse nome devido aum grupo de ilhotas conhecidas como Mosquitos, e não por causa doinseto.

 Ao virar o rosto, Sebastian viu-se fitando um lindo par de olhos deum castanho luminoso e denso como o solo recém-arado na primavera,

Page 10: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 10/156

 plantados num rosto, cuja tez clara e viçosa, fazia lembrar cremefresco. Longos, espessos e soltos, os cabelos dela eram negros eluzidios tais quais as asas de um corvo.

 — Vossa Graça — interpôs o rey —, minha filha, a princesa JosefinaKatarina Embry.

Com a sensação de que estivera muito longe dali, Sebastian pestanejou antes de se curvar.

 — Vossa Alteza. — Vossa Graça. — Ela devolveu o cumprimento com uma mesura,

os olhos reluzentes como pedras preciosas. — O rey e família estão aqui para levantar alguns empréstimos. — 

Prinny uniu as palmas das mãos rechonchudas. — Parece-me que você,Melbourne, seria o contato perfeito nessa transação, portanto vounomeá-lo intermediador britânico para os assuntos de Costa

Habichuela, O que me diz?E o que poderia dizer? — E uma honra, Vossa Alteza. Não sei se sou a pessoa mais

indicada para isso, mas de qualquer modo, terei muita satisfação emrecomendá-los.

 — Esplêndido. Você vai ao sarau dos Elkins esta noite, não? — Pretendia ir. — Então irá acompanhar nossos amigos até lá. Infelizmente, tenho

um compromisso agendado previamente, caso contrário eu mesmo iria.

Sebastian quase chegou a se indagar se o príncipe não estariaexagerando ao conceder legitimidade ao novo país, encarregando umassistente como o duque de Melbourne de apresentar o rey à altasociedade londrina, mas então se deu conta de que o regente estavaera interessado em usar da ocasião para impressionar um punhado deestrangeiros com o poder de sua generosidade e de sua influência.

 — E uma pena que a rainha Maria e eu também já tenhamos outrocompromisso — declarou o rey com ar de quem se desculpava.

Graças a Deus.

 — Mas a princesa Josefina certamente irá representar CostaHabichuela perfeitamente bem no nosso lugar.Ignorando o arrepio que sentira ao longo da espinha, Sebastian

afirmou: — Então me diga onde estão hospedados, e eu estarei lá às oito

horas. — Cuide disso, sim, Josefina? — Sem mais, o rey se virou para

Prinny a fim de inquiri-lo sobre uma das várias estátuas de mármoreque adornavam o salão.

Page 11: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 11/156

 — Vamos nos hospedar na residência do coronel Winston Branbury até encontrarmos um local onde instalar o consulado. — Sem mais, a princesa pousou a mão no braço dele.

 — Sei onde fica. — Que bom. Como não conheço Londres — prosseguiu ela com um

sorriso —, não saberia lhe explicar como chegar lá. — Não se preocupe com isso. — Obrigou-se a tirar os olhos

daquela boca carnuda que parecia a ponto de fazer biquinho. — Minhacarruagem estará na residência dos Branbury às oito em ponto.

 — Gosto muito de cavalheiros solícitos. — O sorriso insinuante sealargou. — Dizem que perpetrou atos de heroísmo esta manhã, VossaGraça.

 — Fiz minha obrigação, nada mais. — Elegante e modesto.

 — Minha elegância ainda tem de ser posta à prova. — Ah, aqueles olhos... Com muito jeito, recolheu o braço em que a

 princesa se apoiava e se voltou para a porta. — Até a noite.Tão logo chegou ao corredor, Sebastian, com a impressão de que

acabara de correr a maratona, encostou-se à parede a fim de recuperar o fôlego. Que diabo estava se passando com ele? Primeiro: não haviadesculpa para não recusar aquela dor de cabeça que Prinny lhearranjara. Segundo: não era mais nenhum moleque. Por Deus, tinha

trinta e quatro anos! De mais a mais, já havia pousado os olhos eminúmeras jovens lindas. Aliás, fora casado com uma delas. E, desdeentão, nunca mais se sentira tão... sem chão.

Meneando a cabeça, endireitou-se e rumou para a entrada principal da Carlton House. Apesar de o príncipe tê-lo colocado numasituação que ele preferiria evitar a qualquer custo, iria lidar com essecontratempo do mesmo modo como lidava com tudo o mais na vida:com presteza e eficiência.

Quanto à princesa... Bem, colocar Josefina Katarina Embry de lado

não seria nenhum problema. Ou melhor, não iria se permitir que fossede outra maneira.Sebastian se acomodou no coxim diante do irmão e da cunhada. — Vamos? Zachary deu duas pancadinhas no teto da carruagem e, nem bem

o veículo se pôs em movimento, foi logo indagando: — Por que estamos usando meu coche esta noite? Peep não fugiu

no seu, não é? — Mandei-o ir buscar uma pessoa a quem devo servir de cicerone

no sarau. — Quem?

Page 12: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 12/156

 — Estou fazendo um favor a Prinny. Ele me pediu queacompanhasse uma alta figura estrangeira ao sarau.

 — Nesse caso, o que está fazendo na minha carruagem? — Não seria de bom-tom eu estar na minha. — Ah, a figura e uma dama. Essa moça não tem uma aia ou coisa

que o valha? Assim não seria tão... — Preferi vir com vocês. Embora esteja começando a pensar que

tanto eu quanto sua esposa poderíamos passar muito bem sem a suacompanhia.

 — Só perguntei por perguntar, oras. — Não, você estava metendo seu nariz em assuntos que não lhe

dizem respeito — observou Caroline, batendo de leve no joelho dele. — Como não me dizem respeito, se envolvem minha família? — 

 Ajeitou-se melhor no assento de couro. — Essa moça deve ser feia de

matar. — Zachary! — E isso, não é? — insistiu ele. — Uma autoridade estrangeira

mais feia do que um saco de batatas estragadas que Prinny empurrou para cima de você. Não vai ter de dançar com ela, vai? Será que ainfeliz sofre de gota? E provável. O...

 — Como está o retrato que está fazendo do duque de York,Caroline? — Sebastian fixou os olhos na cunhada.

 — Está quase pronto, obrigada por perguntar.

 — Não sei por que evitar o assunto, Seb, já que vamos vê-la nafesta — teimou Zachary. — E eu não sairei dos seus calcanhares atévocê apresentá-la a mim.

 — Faça como quiser, mas saiba que Willits e Fennerton tambémestarão atrás de mim, o que significa que você terá de aturá-lostambém.

 — Fennerton? — Zachary torceu o nariz. — O próprio. Assim que desceram da carruagem, Sebastian tratou de tirar a

imagem da princesa de olhos castanhos dos pensamentos. Esperavaque servir como intermediário do chefe de governo de CostaHabichuela não fosse muito além de apresentar o rey a sir Henry Sparks, do Banco da Inglaterra. Quanto àquela noite, por uma questãode boas maneiras, iria providenciar um meio de transporte e um braçocomo apoio. Nada mais. E a desconhecida sensação que lhe esfriava asentranhas decerto se devia ao fricandó de vitela que a cozinheira tinhaservido no jantar.

 — Shay e Sarala já chegaram — avisou Zachary, indicando o irmão

do meio e a esposa dele, que se aproximavam.

Page 13: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 13/156

 — Vocês "estão sabendo — indagou Charlemagne sem preâmbulos — que Prinny foi designado Cavaleiro Honorário da Cruz Verde? Pareceque ele está felicíssimo por causa de uma família real de um novo paísda América do Sul... Costa qualquer coisa. Tanto que até indicou umdos subordinados para atuar como intérprete ou uma tolice que o valha para os visitantes.

Maldição! — Intermediário — corrigiu Sebastian por entre os dentes. — Para

os assuntos de Costa Habichuela. — Você? — Zachary quase se engasgou. — Sim, eu. Um pedido do príncipe, que por certo não acarretará

grandes responsabilidades. — Indicar o duque de Melbourne para contato de um país do qual

ninguém ouviu falar? — Charlemagne baixou a voz para indagar: — 

Prinny se zangou com você por conta do incidente desta manhã?Normalmente Sebastian jamais permitiria especulações sobre suas

atribuições, no entanto era provável que seu irmão estivesse ecoando oque seus pares andavam ou iriam dizer quando se inteirassem danovidade.

 — Não, Prinny não está bravo comigo — retrucou calmamente. — Um governo ao que tudo indica estável nas Américas ao sul do Equador é uma raridade, ainda mais se pró-britânico. Embora não esteja a par de certos detalhes a respeito desse novo país, o que sei com certeza é

que, se a Inglaterra não lhes der o que eles vieram buscar, osrepresentantes de Costa Habichuela podem ir procurá-lo noutro lugar qualquer... A França, por exemplo. Além do quê, há chances potenciaisde lucro comercial caso o rey consiga por aqui os empréstimos em queestá interessado.

 — Lucro? — repetiu Charlemagne, perplexo. Ao lado dele, Saralacorrigiu com um sorriso:

 — Chances potenciais de lucro. O que, suponho, significa esperar  para ver, não é mesmo, Sebastian?

 — Exatamente. Fico contente com que vocês dois tenham secasado com mulheres inteligentes, já que nem um nem outro têmmuito siso. — Com a atenção atraída para a movimentação junto às portas do salão de baile, Sebastian viu de relance uma luzidia cabeleiranegra. — Com licença.

Na companhia de uma aia e de um daqueles guardas de uniformetodo preto, Josefina Embry o encarou

ao perceber que ele se aproximava. Deus, aquela mulher eramesmo um espetáculo. Naquela noite ela usava um vistoso traje

amarelo, cujo decote evidenciava a curva de seios alvos que pareciam palpitar ao ritmo da respiração caden...

Page 14: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 14/156

 A princesa lhe deu um sonoro tabefe.Cerrando os punhos à reação instintiva de devolver o tapa,

Sebastian pestanejou um par de vezes. O ardor da bofetada não eranada se comparado às risadas e aos cochichos que se espalhavam pelosalão dos Elkins.

 — Jamais volte a fazer isso — advertiu-a em voz baixa, antes decurvar os lábios num arremedo de sorriso.

 — Meu pai e o príncipe regente lhe pediram um favor dos maistriviais — redarguiu Josefina, a voz e a expressão destituídas dequaisquer resquícios da amabilidade daquela tarde. — Se você não écapaz de se desincumbir de uma tarefa tão banal, providenciarei paraque seja afastado imediatamente dos seus compromissos para comCosta Habichuela, antes que possa nos prejudicar com a suaincompetência.

Sebastian precisou juntar todas as forças para manter o controle e permanecer ali, imóvel. Ninguém, ninguém, jamais se atrevera a falar com ele daquela maneira. E quanto à bofetada... Cerrou os dentes.

 — Se fizer o favor de me acompanhar até o espaço reservado àdança, tentarei esclarecer seu equívoco.

 — Meu equívoco? Eu sou uma princesa; você é só um duque. Oh,estou profundamente descontente!

O círculo de curiosos que se formara à volta deles só fazia crescer. — Venha comigo, sim? Assim solucionaremos este impasse de um

modo civilizado. — Antes de qualquer coisa, peça desculpas. Sebastian respirou

fundo. Tudo o que precisava fazer era virar-se e ir embora dali; as pessoas iriam comentar, os

mexericos se espalhariam como folhas ao vento, mas no final dascontas sua reputação e seu poder venceriam o confronto a seu favor.

No entanto, queria vencê-la naquele instante, ali mesmo. Queriaque ela se desculpasse, que ela se rendesse. Queria a boca, o corpodaquela mulher.

 — Desculpe-me pelo transtorno, Vossa Alteza. Por favor, venhacomigo até a biblioteca para que possamos conversar. — Tentousegurar no pulso dela.

 A princesa se esquivou. — Não lhe dei permissão para tocar em mim. — Então estamos num impasse — replicou Sebastian, a voz ainda

baixa e contida —, porque não vou dar prosseguimento a esta conversaà entrada de um salão de baile.

 Josefina fitou-o nos olhos, e ele sentiu um estremecimento. Eram

 poucas as pessoas que o enfrentavam com tanta altivez. — Acho que prefiro dançar em vez de conversar.

Page 15: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 15/156

Dançar. Ele queria estrangulá-la, e a atrevida queria dançar. Bem,era melhor do que ficarem parados ali, chamando a atenção de todos... Ao virar o rosto e deparar com lorde Elkins, Sebastian não perdeutempo:

 — Poderia providenciar uma valsa, Thomas? A princesa Josefinagostaria de dançar.

 — Claro, Vossa Graça. — O visconde acenou para os membros daorquestra, que haviam se debruçado sobre o balaústre do balcão paramelhor apreciar a cena lá embaixo. — Toquem uma valsa!

Tropeçando uns nos outros, os músicos retomaram seus assentose, depois de uma escorregadela nos acordes iniciais, a valsadeslanchou. Ao menos a música alta daria fim ao falatório.

 — Permite-me? — Sebastian estendeu a mão. Após um instante de deliberada hesitação, Josefina colocou os

dedos protegidos pela luva obre os dele. Contendo o ímpeto de mostrar a ela quem estava no comando, Sebastian enlaçou-a pela cintura e,depois de lançar rápido olhar na direção de Charlemagne, conduziu-aao espaço destinado à dança.

Tão logo seus passos se harmonizaram, a princesa indagou: — Não vai me explicar por que mandou uma carruagem ir me

buscar em vez de fazê-lo pessoalmente? — Seu inglês é bastante bom para uma estrangeira. Mas, como

natural deste país, permita-me avisá-la de que, independentemente de

quem você é em outro lugar qualquer — intensificou a força com que asegurava ao senti-la tentar se afastar —, aqui na Inglaterra não seestapeia um nobre em público.

 — Para sua informação — retrucou ela no mesmo tom —, meuinglês é perfeito porque, até dois anos atrás, eu era inglesa, criada amaior parte do tempo na Jamaica. E vou esbofetear quem quer que meofenda.

 — Você é maluca. Só isso explica o fato de falar comigo dessamaneira.

Ela ergueu elegantemente uma sobrancelha. — O fato de eu ser a única pessoa que o confronta com a verdadenão faz de mim uma maluca, e sim covardes de todos os que orodeiam.

 — Eu deveria... — Deveria o quê, Melbourne? — Baixou os olhos aos lábios dele. — 

Discutir comigo excita você, não é? E você não consegue evitar isso,não é mesmo? — Voltando a fitá-lo nos olhos, largou-se com certasensualidade entre os braços que a sustentavam.

Sebastian cerrou os dentes com tanta força que chegava a doer. A princesa sentia a atração que havia entre ambos tão intensamente

Page 16: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 16/156

quanto ele... Tal constatação talvez devesse tornar aquela valsa,aquela conversa, o simples fato de olharem-se nos olhos mais fácil, noentanto não era isso o que acontecia. Ao rodopiar com ela pelo salão, percebeu que só conseguia imaginar Josefina nua, largada sob seucorpo, implorando por ele, rogando por piedade, suplicando alívio parao desejo que os consumia.

E, naquele instante, teve certeza de que jamais havia chegado tão perto dos limites do seu notório autocontrole.

 — E então, duque, não tem nada a dizer? — Prefiro atitudes a palavras. — E mesmo? Que espécie de atitude? — Josefina quase chegou a

umedecer os lábios com a ponta da língua, porém a suspeita de queMelbourne estava a ponto de se lançar sobre ela ali mesmo, no meio dosalão, impediu-a de fazê-lo. O corpete de seu vestido parecia tão

apertado que mal conseguia respirar. Esperara a tarde inteira por... ele.Pelo calor da mão que a alçaria ao coche dele, pelas observaçõesespirituosas que iriam trocar a caminho do baile. E então a carruagemchegara... sem ele dentro.

 — Não quero ofender ainda mais Vossa Alteza com a descrição dotipo de atitude que tenho nos pensamentos — respondeu Sebastiannum murmúrio carregado de volúpia.

 Josefina se sentiu estremecer. Acaso aquele homem fazia idéia doquanto a simples presença dele mexia com uma mulher? Os cabelos

castanho-escuros que ondulavam de encontro ao colarinho, o físico altoe esguio, as maçãs do rosto de aristocrata romano, o nariz e o maxilar cinzelados e, sobretudo, aqueles reluzentes olhos cinzentos como umatormenta... Como era possível que ele não soubesse?

 — Você já me ofendeu — afirmou, tentando manter a voz firme. — Responder à pergunta que lhe fiz não irá piorar ainda mais a situação.

Sebastian aproximou o rosto de modo a deixar os lábios a poucoscentímetros dos dela, então indagou num sussurro:

 — Está louca por me ouvir dizer, não está, princesa? A música foi

se avivando num crescendo e, de súbito,chegou ao fim. Os convidados se puseram a aplaudir. — Pois vai ter de imaginar. — Depois de roçar os lábios na orelha

dela enquanto falava, mostrou com umgesto o canto do salão onde Conchita e o tenente May a

aguardavam.Que mil raios o partissem, o miserável. — Você é meu acompanhante esta noite, Melbourne — Josefina apressou-se em dizer antes que ele sumisse dali. — 

Faça o favor de não se esquecer disso.

Page 17: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 17/156

Com uma mesura protocolar, que deixava bem claro que ele nãofazia nem mais nem menos do que era de se esperar, Sebastianafirmou:

 — Evidentemente. — Acenou com a cabeça para alguém às costasdela. — Permita-me apresentá-la aos nossos anfitriões, lorde e lady Elkins. Thomas, Mary, esta é a princesa Josefina de Costa Habichuela.

 — Sua presença muito nos honra, Vossa Alteza — declarouefusivamente a viscondessa antes de se curvar numa mesurareverente.

 — É um prazer — afirmou Josefina, colocando na voz toda a doçuraque havia negado ao seu acompanhante.

 — Oh, preciso apresentá-la ao restante dos convidados. — Assim que a segurou pelo braço, lady Elkins emendou: — Se quiser me dar essa satisfação, Vossa Alteza.

 — Sim, é claro. — Josefina se virou para Sebastian. — Não vá muito longe, duque. — Eu nem sonharia com isso, princesa — retrucou ele com um

sorriso gélido.Ótimo. Mais tarde ela cuidaria de mostrar ao duque de Melbourne

quem iria pedir permissão para tocar em quem.Enquanto Jady Elkins guiava a princesa Josefina ao encontro da

deslumbrada multidão, Sebastian partiu em direção à porta-balcãomais próxima que se abria para os jardins e, uma vez no terraço, foi

agarrar o balaústre de pedra com ambas as mãos. Trêmulo de raiva,nem se deu conta de que tinha os nós dos dedos descorados de tantaforça que fazia.

 — Seb? — Deixe-me sozinho. — Fechando os olhos por um instante,

inspirou profundamente na tentativa de acalmar as batidas do coração.Mas o ruído das botas sobre o piso de pedras indicava que

Charlemagne, em vez de ir embora, tinha se aproximado. — Os comentários ainda não cessaram, e eu não consigo pensar 

numa boa explicação quanto ao motivo que a princesa teria paraesbofetear você. Alguma sugestão? — Deixe estar. — Tem certeza? Do modo como a olhava enquanto vocês dança...Virando-se de supetão, Sebastian encarou o irmão. — Que modo? — Ah, Melbourne. Esqueça o que eu disse. — De que modo, Shay? — Com volúpia. Você a fitava como se quisesse deitá-la no chão

e... Sei que isso não é do seu feitio, mas meia centena de pessoas poderia pensar que...

Page 18: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 18/156

 — Volúpia — cismou Sebastian em voz alta. Fazia sentido. Suacarne parecia arder em brasas. — As pessoas que pensem e digam oque bem entenderem.

 — Você é humano, Seb. Sei que às vezes gostaria queesquecêssemos isso, mas a verdade é que você é humano como todosnós.

 — Bem, seja lá o que isso significa, não quero pautar minhasatitudes pelo que as pessoas estejam comentando. Por isso, volte parao salão comigo... rindo.

 — Rindo? — Sim; as excentricidades da princesa Josefina nos deixaram às

gargalhadas. — Voltando a se dar o ar sereno que todos conheciam,colocou um braço ao redor dos ombros de Charlemagne e o empurrouem direção ao salão de baile. — Ria, diabos. — Fosse qual fosse o

demônio que Josefina quisesse instigar por meio de agressões ou provocações, iria mostrar àquela sirigaita que ela havia comprado brigacom um mestre.

Se tivesse um pingo de juízo, a temperamental princesinha serenderia sem demora.

Contudo, por mais forte que fosse a determinação de Sebastianem se manter indiferente ao contratempo à entrada do salão, orestante do clã Griffin não lhe daria trégua tão facilmente. Tanto que,assim que ele convenceu Charlemagne a deixá-lo sozinho, Zachary e

Caròline não perderam tempo a se acercarem. — Está quente como o inferno aqui — comentou Zachary, tentando

afrouxar a elegante gravata branca no estilo plastrão. — Está, sim — concordou Sebastian, com o cuidado de se manter 

de costas para o espaço destinado à dança e a quem porventuraestivesse bailando com a princesa. — Lady Elkins tem horror acorrentes de ar, por isso não contem com portas ou janelasescancaradas.

 — Ao menos você podia nos fazer a gentileza de suar, Seb.

 — Sou um duque; não suo. — Na verdade, era o calor que vinha doâmago do seu corpo o que realmente o incomodava. — Por que não vaidançar com sua esposa?

 — Estou lhe fazendo companhia. Antes que Sebastian pudesse reclamar, uma voz suave e melíflua

arruinou às costas dele: — Vossa Graça, decerto irá se apiedar de uma pobre moça sem

 par para a quadrilha. — Lady Frederica. — Ele se virou com um de seus sorrisos próprios

 para ocasiões como aquela. — Está encantadora esta noite.

Page 19: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 19/156

Com um traje todo bordo e os cabelos loiros repletos de cachinhos,a jovem dama fez uma mesura antes de bater as longuíssimas pestanas.

 — Obrigada, Vossa Graça. É muito gentil de sua parte. — Terei muito prazer em acompanhá-la até a mesa de petiscos,

minha dama, porém não me sinto disposto a voltar a dançar esta noite. — Como conhecesse as regras, e soubesse como usá-las a seu

favor, tinha certeza de que, ao recusar aquele convite, estaria deixandobem claro que queria que o deixassem em paz. Não que não soubesse por que moças como Frederica viviam a persegui-lo, mas, pelo amor deDeus, após quatro anos já era hora de perceberem que ele não tinhaintenções de voltar a se casar. A única forma de tornar sua decisãoainda mais explícita seria pendurar uma tabuleta no pescoço, só queisso iria estragar sua gravata.

 — Certamente, Vossa Graça — aquiesceu Frederica, todaenrubescida. — Sua companhia já é mais do que bem-vinda.

Muito bem, agora só precisaria trocar umas palavrinhas com maisum punhado das insistentes mocinhas casadoiras que perambulavam pelo salão naquela noite. O que era bem melhor do que ter de dançar com elas.

 Ao erguer o rosto, deparou com Josefina a observá-lo. Seus olharesse cruzaram, mas então ela se virou noutra direção. Ótimo. Sesoubesse o que era bom para ela, a princesa não iria reclamar quando

a mandasse de volta para casa sozinha. Pois se por fora parecia acalma em pessoa, por dentro se sentia um animal predador.

 — Como foi sua noite, filha?Depois de entregar o manto para Conchita, sua aia, Josefina entrou

na sala que o pai havia transformado num gabinete para uso dele. — Terrível. — Foi se largar na poltrona diante da escrivaninha. — 

Não sei de onde tirou a idéia de que o duque de Melbourne poderiaajudá-lo com o progresso de Costa Habichuela. Aquele homem éarredio, grosseiro e arrogante.

 — O auxílio dele pode vir a ser a diferença entre êxito e fracasso — retrucou o rey. — Além disso, duvido de que iríamos encontrar ummarido mais apropriado para você em qualquer outro lugar daInglaterra.

 — Talvez não devêssemos contar com isso. Ele me deixa... pouco àvontade.

 — E bom, assim você se mantém alerta. — Erguendo os olhos domapa que cobria a escrivaninha, sorriu para a filha. — Tenha em menteque, ainda que nossa ascensão à realeza seja recente, temos

 prerrogativas reais. E por mais arrogante que o duque seja ou do

Page 20: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 20/156

quanto você se sinta incomodada, seu sangue é mais azul do que odele.

 — Acho que Melbourne deve ter gelo nas veias, não sangue... Mas,sim, vou me lembrar disso.

 — É só o que lhe peço. Agora vá se deitar; amanhã teremos um diacheio.

Erguendo-se, Josefina deu a volta à mesa para ir beijar o rosto do pai. Após três semanas num navio vindo da Jamaica, dois dias numcoche que chacoalhara de Brighton a Londres e um dia interminável nacapital, bem que merecia longas e reparadoras horas de sono. Talvez os planos de seu pai para o dia seguinte incluíssem Melbourne...Podiam não simpatizar um com o outro, mas nem por isso lhe passava pela cabeça dar a ele o gostinho de vê-la admitir-se derrotada.

 — Não, não vou pagar um pêni além dos quatro xelins por saca. — 

Sebastian apanhou o documento que deixara ao alcance da mão. — Estão dizendo que a safra é de primeiríssima qualidade. — 

Charlemagne fez uma anotação no livro contábil. — Pagamos três ponto oito xelins no ano passado.

 — São grãos de café, Shay, não ouro em pó. Quatro xelins. Quer apostar como eles não vão conseguir preço melhor?

 — Bem, é só o que temos por ora. — Charlemagne fechou o livro-caixa. — E então, vamos ou não vamos falar do que houve ontem?

Sebastian limpou a garganta.

 — Não, não vamos. Vi-me forçado, em virtude de minhasatribuições, a dançar com uma lunática, e foi isso o que aconteceu.Ponto final.

 — Mas você se sentiu terrivelmente atraído por ela. Era evidente. — Ela é bonita. — Levantando-se, contornou a escrivaninha para

 praticamente empurrar Charlemagne para fora da poltrona e, emseguida, rumo ao corredor. — E maluca. De relance, achei a misturaintrigante; olhando de perto, achei um horror.

 — Mesmo assim, Seb, é uma...

 — Não continue. Eu amava Charlotte. Ainda amo. — Fez uma pausa. — Com você, Zachary e Eleanor casados e com filhos, e comPeep prestes a fazer oito anos, a linhagem dos Griffin está assegurada.Preservá-la seria o único motivo que me levaria a pensar num segundocasamento, no entanto vocês três me pouparam dessa dor de cabeça.

 — Ainda que não pense em se casar novamente, você não podenegar que sexo é muito bom. — Charlemagne repuxou um canto daboca. — Não com uma lunática, logicamente, mas há inúmeras...

 — Alguma vez na vida dei a impressão de que apreciaria seus

conselhos no que diz respeito às mulheres? — Por Deus, bastara umtapa daquela... doidivanas para todos deduzirem que ele havia perdido

Page 21: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 21/156

a capacidade de raciocinar. E se era assim com sua própria família, oque seus pares não estariam pensando?

 — Claro que não. Mas o fato é que você não tem demonstrado omenor interesse no assunto desde a morte de Charlotte.

 — Ao que me consta, isso é problema meu. Agora, não possodeixar de admitir que a princesa Josefina tenha me surpreendidoontem. De agora em diante, vou tratar de me colocar fora do alcancedas bofetadas dela.

 — Obrigou-se a sorrir. —É bom saber. — Charlemagne se encaminhou para o hall. — Seja

como for, você não pode nos culpar por querermos a sua felicidade. — Estou bem. — Sebastian seguia ao lado do irmão em direção à

 porta. — E levar uma mulher insana para a cama decerto não iriacontribuir para a minha paz de espírito.

 — Bem, vou enviar nossa oferta a Prask por escrito. E bem provável que ele aceite, caso você tiver razão quanto ao preço.

 — Eu sempre tenho razão. Ao sair para a varandinha diante da residência com o irmão do

meio, Sebastian teve a sensação de ser acompanhado pelo relativovazio da Mansão Griffin. Apesar da presença de Peep e do batalhão decriados, aquele casarão era grande como o diabo só para ele e suafilha.

 — Melbourne?

 — Sim?... Perdão, Shay; o que você ia dizendo? — Perguntei se ainda tenciona ir ao Almack's esta noite. — Vou, sim; Prinny me mandou um bilhete, pedindo que eu

levasse os visitantes de Costa Habichuela lá, por isso precisei cancelar o passeio a Vauxhall com Peep. Lorde e lady Bernard irão levá-la.

 — Aposto que a escolha não foi nada fácil: Margaret Trent ou a princesa Josefina. — Charlemagne deu uma risadinha. — Talvez fossemelhor você usar a armadura do bisavô Harold esta noite.

 — Não é má idéia.

 Ainda sorrindo, Charlemagne deu um tapinha no ombro dele antesde descer os degraus e saltar à garupa do seu cavalo. Sebastianesperou até vê-lo tomar a rua transversal e, ao retornar ao interior damansão, indagou ao mordomo junto à porta:

 — Correspondência, Stanton? — Sim, Vossa Graça. — Após fechar a porta, o criado foi tomar na

mão a salva que estava sobre a mesinha do vestíbulo.Sebastian recolheu da bandeja de prata a pilha de cartas

entregues em mãos, convites e cartões de visita. Como Rivers, seu

secretário, já havia se encarregado das missivas comerciais, todaaquela correspondência só podia ser de cunho social.

Page 22: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 22/156

 — Obrigado, Stanton. — Não há de quê. Oh, sim... Lady Penelope pediu-me que não me

esquecesse de lhe dizer que fosse ao encontro dela assim que possível. — E onde ela está? — Na sala de música com a sra. Beacham... e uma amiga, cujo

nome não posso declinar. — Não pode? — A pedido de lady Penelope, Vossa Graça.Depois de deixar a correspondência em seu gabinete, Sebastian

subiu a escadaria a caminho da sala de música, que ficava na ala dosfundos da mansão, onde alguém executava inspirada melodia ao piano.Ou Peep havia melhorado consideravelmente seus dotes musicaisdesde o dia anterior ou a tal amiga sem nome tocavaexcepcionalmente bem.

 — Por Deus, que não seja Margaret Trent — murmurou antes deabrir a porta. — Você queria falar comigo, Pe... — E mais não pôdedizer, pois a voz lhe morreu na garganta.

Toda risonha, sua filha saltitava pela sala como se dançando umaalegre jiga, porém não era isso o que o deixava de queixo caído, e simo fato de que ao piano, com um sorriso faceiro e os dedos a deslizar  pelo teclado, estava ela. A doidivanas. Pior ainda: só de vê-la, já sentiaum ardor na virilha.

 — Olhe, papai! — Penelope fez um gesto largo para indicar o

 piano. — Ela é princesa! — Sim, eu sei. Já nos conhecemos. — Recompondo-se do susto,

esboçou uma mesura. — Vossa Alteza. — Melbourne. — Sem deixar de tocar, ela inclinou a cabeça. — Se me permite a curiosidade — Sebastian enviou breve e

contrariado olhar à sra. Beacham —, o que faz na minha sala demúsica?

 — Na verdade, vim conversar com você. — Eu estava lá fora quando ela chegou, papai, então expliquei que

você havia se trancado no gabinete com tio Shay para tratar denegócios. Aí ela falou que era a princesa Josefina, e eu a convidei paraouvir enquanto eu fazia minha aula de piano. Ela cresceu na Jamaica esabe música de pirata.

 — Isso não é música de pirata, é uma melodia popular que osmarinheiros gostam de entoar. — Sebastian pousou o olhar em Josefina. — Aliás, posso perguntar onde uma princesa aprendeu a tocar jiga?

 — Nem sempre fui princesa. — Deu fim à melodia com exageradofloreio. — Meu pai recebeu Costa Habichuela e foi proclamado rey há

dois anos.

Page 23: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 23/156

Ele se aproximou ao vê-la pôr-se em pé. Josefina Embry trajava umgracioso vestido de musselina branca ornada com multicoloridasflorzinhas primaveris e uma cruz verde bordada na manga esquerda.

 — E o que costumava ser antes de se tornar princesa? — Filha de um muito benquisto e condecorado coronel do Exército

e neta de um vice-rei venezuelano. — Empinou o queixo. — E você, oque costumava ser antes de tornar-se duque?

 — Filho de um duque. — E marquês de Halpern, porém isso nãovinha ao caso no momento, afinal já tinha retrucado à altura o que elaquisera implicar.

 — Hum. Então meu pai conquistou a realeza por aclamação, evocê herdou seu título.

 — E você, diga-me o que fez para se tornar membro da realeza,Vossa Alteza? Josefina se fez de ofendida.

 — E pensar que vim aqui com a idéia de pedir que haja paz entrenós... Mas você continua a me insultar.

 — Você a insultou, papai? — Penelope assistia à discussão ao ladoda sra. Beacham, as duas de olhos arregalados.

 — Não antes de ela ter me estapeado. — Você bateu no meu pai? — Os olhos acinzentados da menina se

estreitaram. — Ele é o duque de Melbourne, o homem mais poderosoda Inglaterra!

 — A Inglaterra é um país muito pequeno, querida — retrucou

 Josefina sem deixar de encará-lo. — Sra. Beacham, leve Penelope para dar uma volta, por favor. — Pois não, Vossa Graça. — Após uma mesura feita às pressas, a

governanta correu a deixar a sala, levando a garotinha. Enquanto a porta se fechava, Sebastian ouviu-a indagar: — Não falei que não sedeve trazer estranhos para dentro de casa, mocinha?

 — Mas ela disse que era prince... — A porta cerrou-se de vez comum estalo.

Ele respirou fundo.

 — Permita-me acompanhá-la até a rua, Vossa Alteza. Vou pedir aomeu cocheiro que a leve até sua casa, depois mandarei um bilhete aPrinny, explicando que, por motivos pessoais, devo declinar do cargo deassessor do governo do seu país.

Tendo em vista que o cabeça da família Griffin provavelmente poderia comprar e vender seu diminuto país, era evidente que o duqueesperava por um pedido de desculpas e uma apressada batida emretirada. Ah, mas ele estava redondamente enganado.

 — Ótimo! — Mãos nos quadris, ela caminhou até ele. — Estou

certa de que seu príncipe regente irá encontrar alguém mais

Page 24: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 24/156

qualificado do que você para o cargo no bordel mais próximo daresidencial real.

 — Basta! — Sebastian agarrou-a pelos ombros, deu-lhe um belo deum chacoalhão... e, trazendo-a para junto do peito, beijou-aardorosamente.

 Após dissimular um arquejo, Josefina hesitou um instante antes deenlaçá-lo pelo pescoço e mergulhar as mãos por entre os onduladoscabelos castanhos dele. Por pouco Sebastian não suspirou ante aabrasadora onda de excitação que se espiralava por sua espinha e a perturbadora constatação de que, tenros e cálidos, os lábios dela pareciam feitos para os seus. Estreitando-a entre os braços, instigou airresistível boca da doidivanas com a língua e, ao senti-la entreabrir-se,invadiu-a sem mais rodeios a fim de degustar o sabor e os mistérios aliencerrados.

Com outro arquejo, que fez o membro viril dele saltar à vida, a princesa Josefina deu fim ao beijo e o empurrou para longe. Com tantaforça que Sebastian chegou a se desequilibrar.

 — Maldito seja! — Apesar da explosão, ela não conseguia tirar osolhos da boca que a beijara tão sofregamente. — Que diabos pensaestar fazendo?

Santo Deus. o que dera nele? — Pareceu... Pareceu-me que seria a única maneira de fazer você

se calar.

 — Seu... Em consideração a meu pai, não contarei a ele o quehouve nesta sala. — Alisando a parte dianteira do vestido, ela seafastou mais um passo. — Mas você me deve uma reparação!

 — Como assim? — Você me atacou! — Não, eu não... — Ora! — Josefina ajeitou os cabelos. — Meu pai vai se reunir com

sir Henry Sparks hoje e me pediu que fosse ao encontro deles no Bancoda Inglaterra às três horas. Não quero ter de contar ao rey por que você

resolveu renunciar ao posto de intermediário para os assuntos de CostaHabichuela, por isso espero que esteja lá nesse horário. — Foi apanhar a carteira que havia deixado sobre a banqueta do

 piano. — Fui clara, duque?Sebastian fazia das tripas coração para calar o atordoante desejo

que ameaçava cegá-lo. Se a tomasse nos braços de novo, não iria secontentar com um mero beijo.

 — Perfeitamente clara. Só espero que, quando eu chegar lá, vocêesteja em algum outro lugar qualquer.

Ela estacou a meio caminho da porta.

Page 25: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 25/156

 — Vou aonde bem entender. E nenhum duque ou beijo...amadorístico irá me convencer do contrário.

 — Amadorístico? — Sebastian aproximou-se. — Você sabia queisso acabaria acontecendo, tanto que veio pessoalmente à minha casa,em vez de enviar um recado. Afinal, está tentando me seduzir desde oinstante em que nos conhecemos.

 — Mentiroso! — Josefina olhou para a porta que ele acabava deabrir. — Mentiroso!

 — Você queria que eu a beijasse — sussurrou no ouvido dela antesde bloquear o vão da porta com o corpo. — E quer que eu a beije denovo.

 — Não posso ser responsabilizada pelos seus arroubos deimaginação, Melbourne. Agora me deixe passar, sim?

Sebastian deu um passo para o lado e, olhos fixos no meneio que

ela fazia com os quadris ao descer a escada, instruiu o mordomo láembaixo:

 — Stanton, providencie um coche de aluguel para Sua Alteza. —  Ao que tudo indicava, Josefina pretendia usar o intempestivo beijocomo forma de pressioná-lo, portanto era preciso minimizar asconseqüências do seu gesto impensado.

 — Agora mesmo, Vossa Graça.No pé da escada, a princesa se virou para fitá-lo por um momento,

então deixou a mansão pisando duro no rastro do mordomo.

Baixando a lente de aumento, Josefina olhou para o pai. — Tem certeza de que o sr. Halloway não passou a vida toda

fazendo isso? — Então sorriu para o funcionário. — Meu pai sempredisse que o senhor era um excelente oficial da burocracia do Exército,mas me parece que o seu forte são os documentos jurídicos.

 — Obrigado, Vossa Alteza — agradeceu o escriturário, corando. — Há tempos venho estudando o direito de propriedade inglês.

 — Está se vendo. — Vamos ter quase uma centena de títulos para a reunião desta

tarde — observou o rey.O oficial fez um cálculo rápido num pedaço de papel. — Cento e trinta e sete, Vossa Majestade. — Ótimo. Josefina enlaçou o braço ao do pai, e os dois deixaram a ala dos

fundos da mansão do coronel Branbury. — Quem diria que criar um país iria demandar tanta tinta? — Eu certamente não — Stephen Embry riu-se —, caso não tivesse

assistido a tantos outros movimentos se erguerem e fracassarem. Não

custa nada declarar a independência da Espanha e constituir umgoverno fundamentado em princípios sólidos, consistentes; só que a

Page 26: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 26/156

Espanha também tem princípios e, o que é mais importante, umexército constituído.

 — Um exército que o senhor combateu várias vezes. — Sob Ri vera e Simón Bolívar... que malograram com nada além

de princípios e convicções a respaldá-los. Agora este grande projeto émeu. E no momento tenho apenas uma guarda pessoal e um punhadode voluntários mal armados, portanto é lógico que tentemos levantar recursos.

Mas não se aflija; estou confiante de que o Banco da Inglaterra váse encarregar disso. Tão logo sir Henry Sparks aceite nossa proposta, o pessoal dele irá se incumbir da impressão dos títulos, assim o nosso pessoal poderá se ocupar de despertar o interesse pela compra dos papéis.

 — E se a Espanha intervier antes que o senhor consiga o capital?

Ou se a Inglaterra se recusar a investir no negócio? — Você se preocupa demais, menina. O rei Qental me outorgou as

terras, a Espanha no momento está muito mais incomodada comBonaparte do que com Costa Habichuela. e eu fiz uma boa pesquisaantes de solicitar que fôssemos apresentados ao duque de Melbourne;ele sabe perfeitamente bem que, se não formos bem-sucedidos por aqui, iremos recorrer à Prússia ou à França. A Inglaterra não quer sómais outra base na América Central, quer também que a França nãotenha um posto avançado por lá. Somos um projeto de baixíssimo risco,

 Josefina, com grande chance de lucro e compensações. — O senhor é brilhante, papai. — De fato, seu pai era arguto

estrategista e, mesmo que ele não contasse com a sagacidade e oencanto que possuía, sir Henry, o Banco da Inglaterra, Melbourne equalquer pessoa com umas boas libras para investir não seriam tolosde deixar passar uma oportunidade como aquela.

 — Obrigado, querida. Mas é claro que muito serviria à causa deCosta Habichuela se a filha do rey estivesse para se casar com o chefede urna das mais antigas, mais respeitadas e mais abastadas famílias

da Inglaterra.E esse mesmo homem a tinha beijado fazia pouco mais de umahora... Josefina sentiu o pulso disparar ante a lembrança. Céus,Melbourne beijava como o diabo: tomado de paixão e sem um pingo declemência. Ele praticamente a devorara.

 — Perfeito para os nossos projetos ou não, Melbourne não énenhum tolo, papai.

Uma hora ele irá perceber que o romance entre nós dois tinha sido planejado. Se é que já não percebeu.

 — E que mal há nisso? Ele é duque, você é princesa.

Page 27: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 27/156

 — Eu não era princesa até dois anos atrás. E um Griffin é duque praticamente desde os tempos de César.

 — Ainda assim ele é homem e você, minha querida, é uma linda eatraente donzela de vinte e dois anos de idade.

 — Vinte e cinco. — Pelo bem de Costa Habichuela, você pode perder três. Segundo

minhas pesquisas, duques preferem noivas jovens e inocentes. — Stephen sorriu para a filha. — Mesmo quando fui o capitão Embry doexército de George III, ou o coronel Embry sob o comando do generalBolívar, você já era uma princesa. Ou acha que sua mãe e eu, ondequer que estivéssemos, providenciávamos os melhores preceptores para educá-la a fim de casá-la com um lavrador ou um comerciante?Sempre que digo que tudo na vida acontece...

 — Por alguma razão — completou Josefina, devolvendo o sorriso

que ele lhe enviara. — O senhor estava fadado a ser o rey de CostaHabichuela.

 — Foi a melhor coisa que me aconteceu depois de você. — Beijoua testa dela. — E você está fadada a se casar com um homem tãoimportante que eu, quando jovem, jamais me atreveria a encarar olhosnos olhos.

 Josefina sentiu um calafrio, no entanto não sabia dizer se seria deexpectativa ou temor. Caso Melbourne se percebesse guiado para umcaminho que não desejava trilhar, as conseqüências seriam

imprevisíveis. — A esposa dele teve uma filha antes de falecer. — Eu sei. E você irá lhe dar um filho. Além de um país para

governar. — Stephen tirou o relógio do bolso ao ver o capitão Miltonapontar junto ao pé da escada. — Ah, está na hora. Vamos à reuniãocom o banqueiro.

 A impressão que iriam causar a sir Henry Sparks naquela tardeseria um dos momentos mais importantes da viagem à Inglaterra.Ciente de que o pai tinha ensaiado semanas a fio os argumentos que

iria apresentar, Josefina tratara de assumir sua pose mais regia econfiante. Assim que a carruagem deteve-se aos pés dos amplos degraus que

levavam ao edifício do Banco da Inglaterra, ela se debruçou sobre o sr.Orrin, conselheiro comercial de seu pai, para espiar pela janela doveículo. Ao lado do rotundo senhor se elevava a figura esguia e altivado duque de Melbourne.

 — No horário combinado. — Após saltar para o chão, o rei Stephenofereceu a mão à filha. — Isso é bom sinal.

Rezando para que o pai estivesse certo, Josefina teve a impressãode sentir na pele o olhar que Melbourne deitava sobre ela, como se

Page 28: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 28/156

aqueles ardentes olhos acinzentados pudessem penetrar o elegantevestido cor de esmeralda que usava. De súbito, percebeu que, numgesto reflexo, havia reprimido o impulso de levar a mão à tiara de prata presa aos seus cabelos, um enfeite que usara uma única vez anteriormente e talvez um tanto exagerado para a ocasião. Mas, comoseu pai havia dito, aquela reunião iria ditar o rumo do futuro deles.

 —Vossa Majestade, Vossa Alteza. — O duque inclinou a cabeça. — Permitam-me apresentar-lhes sir Henry Sparks, diretor do Banco daInglaterra. Sir Henry, este é Stephen, rey de Costa Habichuela, e a filhadele, princesa Josefina.

O diretor da instituição bancária fez reverente mesura, bem maisrespeitosa do que o aceno com que Melbourne os saudara.

 — É um prazer conhecê-los, Vossa Majestade, Vossa Alteza. SuaGraça me disse que vocês gostariam de tratar de negócios conosco.

 — É verdade — confirmou Stephen com um sorriso afável. — Então vamos ao meu gabinete.Enquanto acompanhavam Henry pelas dependências do edifício,

empregados e clientes detinham-se para olhar para eles. Decerto porque reconhecessem Melbourne, mas seguramente ela, seu pai, oconselheiro do rey e os dois guarda-costas não deviam estar fazendofeio.

Sentaram-se diante de uma grande escrivaninha de mognodisposta no centro de uma sala de dimensões modesta, porém

organizada. Henry ofereceu a poltrona atrás da mesa a Melbourne, maso duque recusou, preferindo apoiar-se à beirada de um aparador. Orrin permaneceu em pé, atrás do pai dela.

 — Bem, Vossa Majestade — começou o banqueiro —, em que eu...e o Banco da Inglaterra podemos ajudá-los?

 — Antes de responder à sua pergunta — retrucou Stephen —,gostaria de fornecer algumas informações acerca de mim e de CostaHabichuela.

 — Certamente.

 — Nasci na Cornualha e, graças ao prestígio da minha família,adquiri uma patente de tenente no Exército quando fiz dezessete anos. Após dez anos de trabalho, quando já era capitão, percebi quecomeçava a me impacientar com meu ofício, por isso vendi a patente eresolvi viajar pelo mundo.

 — Admirável — comentou Henry. — Obrigado. No entanto, foi quando cheguei à costa nordeste da

 América do Sul que minha aventura de fato começou. — Sorriu, o quelhe curvou o cerrado bigode loiro. — Não fazia muito que eu estava por 

lá quando comecei a ouvir protestos a respeito do opressivo governoespanhol e comentários sobre um crescente movimento com vistas a

Page 29: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 29/156

fazer com que a Espanha renunciasse a seus territórios americanos.Nessa mesma época, vim a conhecer o general Simón Bolívar, notóriodefensor do povo natural

da região. Aparentemente o general ficou tão bem impressionadocomigo como eu fiquei com ele, visto ter me oferecido um posto demajor sob seu comando.

Henry fez um aceno assertivo com a cabeça. — Combatemos juntos por anos, expulsando a Espanha de cidade

após cidade, vale após vale. Foi quando, além de ser promovido acoronel, conheci e desposei minha hoje rainha, Maria Costanza-y-Veneza, qvie me deu nossa filha, Josefina.

 — E uma história deveras fascinante, Vossa Majestade, mas... — Permita-me concluir, por favor. Garanto que tudo o que estou

lhe contando é relevante, sir Henry.

 — Prossiga — Melbourne o incentivou. Aos olhos de Josefina, parecia que o duque avaliava as palavras do

rey bem mais atentamente do que o banqueiro. O que não era deestranhar, afinal em parte dependia dele a aprovação para que ainstituição financeira emitisse os títulos que teriam por fim incrementar o progresso de Costa Habichuela. Até mesmo na Jamaica se falava dafamília Griffin, da reputação impecável que possuíam, do poder e dainfluência de que dispunham. Sim, o investimento era de baixíssimorisco, porém era preciso convencer Melbourne, tanto quando sir Henry,

disso. — Eu e meus homens estávamos de passagem pela costa leste da

 América Central, a caminho do sul, para nos reunirmos ao corpo principal do Exército — Stephen ia dizendo. — Então nos deparamoscom um grupo de soldados espanhóis atacando uma pequena eaprazível cidade situada entre uma cordilheira de montanhas de pequena altitude e uma baía meio oculta, protegida pelo relevo.Expulsamos os espanhóis de lá, e a população local nos agradeceu comfestejos que duraram quase três dias. Finda a celebração, quando nos

 preparávamos para partir ao encontro das nossas forças, Qental, o reida Costa dos Mosquitos, chegou ao vilarejo. Ao ver que eu era inglês,ele me disse que, sem ajuda externa, até mesmo as regiões isoladascorno aquela da Costa dos Mosquitos cairiam em mãos dos espanhóis.E, com isso, entregou-a para mim.

Embora já tivesse ouvido aquela história uma centena de vezes, Josefina ainda se encantava com o desembaraço do pai. Atenta ànarrativa, resvalou o olhar sobre Melbourne... e viu que o duque olhavadescaradamente para ela.

 — Naquela mesma noite, a população de São Saturus... é esse onome da cidade que libertamos, declarou-me seu governante, seu rey,

Page 30: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 30/156

como eles dizem. E o bem-estar e a segurança dessas pessoastornaram-se a mais importante das minhas preocupações. — EnfimStephen Embry fazia uma pausa para respirar. — Costa Habichuelaguarda um imenso potencial de expansão e desenvolvimento, e é parafazei desse potencial uma realidade que preciso do auxílio de vocês.

 — Uma base segura, além de Belize, nas Américas Central e do Sulme parece boa idéia — afirmou Henry, quase para si. — Os cidadãos deCosta Habichuela são espanhóis? Quando a fase de gratidão por teremsido salvos dos saqueadores passar, é possível que eles queiramretornar ao controle da Espanha.

 — Essa é a beleza de Costa Habichuela. — O rey levou o corpo àbeirada da poltrona. — Seus cidadãos nunca foram espanhóis; a população, constituída predominantemente por nativos, uniu-se por intermédio de casamentos aos ingleses e escoceses que emigraram

 para lá a partir de outros territórios dominados pela Espanha e estámuito contente em ver-se cada vez mais distante do controle ibérico. E, para ser bem sincero, com as montanhas à nossa retaguarda e umabaía de fácil defesa à nossa frente, desfrutamos de uma localizaçãoideal para instituir um regime estável e duradouro.

 — Que extensão de terras o rei Mosquito lhe concedeu? — indagouHenry, a ponto de esfregar as mãos.

 — Cerca de quatro mil quilômetros quadrados. Eu trouxe ummapa. — Stephen se virou para o conselheiro.

 — Orrin? Ao ver o outrora sargento tirar da pasta um grande mapa que

mostrava a localização de Costa Habichuela na costa nordeste da América Central, Sebastian endireitou-se e se aproximou daescrivaninha enquanto indagava:

 — Você disse que seguia com seus homens ao encontro do corpo principal do exército rebelde; o que houve com eles?

 — Coloquei-os sob o comando do oficial de patente imediatamenteinferior à minha, em seguida assinei meu desligamento... No que fui

seguido pela maior parte dos homens leais a mim, que haviam servidocomigo por anos a fio, como Orrin aqui. Muitos deles agora são parte daminha guarda pessoal ou ocupam cargos no gabinete dos ministros.

 — Então você dispõe de um governo sólido, de uma população fiele de uma cidade pujante que serve de capital a um país que dispõe deuma localização privilegiada

 — comentou Sebastian, examinando o mapa que o conselheiroestendera sobre a escrivaninha.

 — Exatamente.

 — Nesse caso, para que precisa de um empréstimo? No entanto,foi Josefina quem respondeu:

Page 31: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 31/156

 — Nem mesmo o Éden poderia se manter sem progresso e perspectiva de futuro. Costa Habichuela precisa se desenvolver.Necessitamos de meios para governar com eficiência e para a nossadefesa. Se a Inglaterra não tem condições de nos ajudar, procuraremosquem possa fazê-lo. Não nos resta outra opção.

 — Que quantia vocês têm em mente? — perguntou Henry. — Umempréstimo a um país que acaba de ser constituído é um projetoarriscado, na melhor das hipóteses.

 — Na verdade, o investimento não apresenta risco algum, tantoque eu gostaria de aproveitar a oportunidade para selar uma amizadeduradoura entre nossos países

 — retrucou o rey. — Tomei a liberdade de providenciar aconfecção de títulos, de modo que qualquer empréstimo feito ao meugoverno venha a se tornar uma oportunidade de investimento para

todos os ingleses de mente progressista. — Hum... — Henry pinçou o queixo com o polegar e o indicador. — 

Devo dizer que, dada a natureza exuberante de Costa Habichuela,comprar títulos de você... ou de mim, melhor dizendo, certamente soamais promissor do que qualquer outro investimento na Europa nomomento.

 — Olhou para o duque. — Qual é a sua opinião, Vossa Graça? Ao ver Sebastian tornar a esquadrinhar o mapa sobre a mesa,

 Josefina prendeu a respiração.

 — Costa Habichuela pode, sim, vir a ser um investimento maisseguro do que qualquer outra aplicação de recursos em negóciosestrangeiros que me vêm à mente neste instante, porém não se deveesquecer de que se trata de um país recém-fundado e muito distante — declarou ele. — Acho que, se pretendem suscitar interesses que re-sultem num empréstimo de vulto, vocês terão de oferecer algumaespécie de incentivo.

 — Um desconto no valor dos títulos da dívida, talvez  — sugeriu Henry. — Isso funcionou muito bem para estimular o

auxílio monetário ao Chile alguns anos atrás.Cofiando o bigode, o rey voltou a apoiar as costas no espaldar da poltrona.

 — Essa idéia me parece bastante boa, cavalheiros. A venda detítulos de cem libras por noventa, suponhamos, seria uma espécie degarantia da nossa confiança no futuro e uma forma de afiançar umarazoável cota de lucro aos investidores.

 — Com títulos de cem libras vendidos por noventa, a taxa de jurosnão pode ser maior do que três por cento num prazo de... vamos dizer,

dez anos.

Page 32: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 32/156

 — Parece-me justo. — Stephen deu um sorriso pesaroso. — Bem,ainda resta uma questão a ser discutida.

 — O valor do empréstimo — concluiu Sebastian. — Presumo que tenha uma cifra em mente, Vossa Majestade. — Com efeito. Para promover importações e exportações, e

também a imigração, vou ter de alugar navios, adquirir mercadorias e,naturalmente, constituir um consulado permanente aqui em Londres.Creio que cem mil libras cobririam essas despesas.

Por pouco Henry não se engasgou. — Cem... cem mil libras? Céus, pensei que fosse pedir cerca de

vinte mil... ou menos. — Vinte mil mal dariam para que conversássemos com futuros

 parceiros em pé de igualdade — replicou o rey com inabaláveltranqüilidade. — Como Sua Graça observou, somos um país muito

 jovem; precisamos demonstrar nossa força ou então jamaisocuparemos um lugar de destaque no mundo. — Pestanejou, como seacabasse de se lembrar de alguma coisa. — Que descuidado... Orrin, olivreto, por favor.

Sebastian ergueu uma sobrancelha. — Vocês têm material de divulgação? — Pedi a um pesquisador que produzisse uma brochura no ano

 passado enquanto preparávamos a viagem para cá. — Tomando o encorpado manuscrito que o assistente lhe estendia,

colocou-o sobre a escrivaninha. — Está tudo em detalhes: agricultura,clima, relevo, rotas de transporte de mercadorias, dados relativos à população e ao crescimento... E com ilustrações. — Com isso, abriu acapa de couro para revelar o croqui de um navio com três mastrosnuma enseada sombreada pelas montanhas ao longe e uma pitorescamistura de casas, cabanas e ruas pavimentadas nos arredores de um pequenino cais que se erguia entre águas mansas e platinadas.

 — São Saturus, suponho — comentou Sebastian. — Sim — confirmou Stephen. — E a imagem é bastante fiel, se me

 permite observar. — Muito bonito — afirmou o banqueiro, trazendo o livreto para si afim de folheá-lo. — Regime das chuvas, épocas de plantio... Até mesmodados dos cortes de madeira.

 — Como eu disse, sir Henry, estamos no firme propósito de colocar Costa Habichuela definitivamente no mapa. E eu gostaria de vê-lafigurando entre os aliados da Inglaterra.

Pondo-se em pé, Henry Sparks estendeu a mão. — Cem mil libras.

O rey se ergueu e apertou a mão dele. — Meus mais humildes e sinceros agradecimentos, senhor.

Page 33: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 33/156

CAPÍTULO II

Por que é mesmo que está me arrastando para o Almack's? — resmungou Valentine Corbett, enquanto tentava equilibrar meio cálicede uísque em meio aos sacolejos da carruagem.

 — Porque você se casou com a minha irmã e agora faz parte dafamília. — Arrancando o cálice da mão dele, Sebastian sorveu um goleda bebida. — E porque é um cínico incurável.

 — Um traço da minha personalidade do qual sempre me orgulhei. — Ao tomar o uísque de volta, por pouco Valentine não o derrubou;irritado, abriu a porta do coche e atirou o restante da bebida na rua.

Na calçada, alguém praguejou em voz alta. — Não esqueça de que é o meu brasão que está na porta deste

coche, Valentine.

 — Este paletó é novo; eu não queria vê-lo todo manchado. — Tornou a se ajeitar, largando o cálice vazio sobre o coxim. — Bem, devolta ao nosso assunto: o que vou fazer no Almack's?

 — Quero sua opinião. — Muito bem. E com relação a quê? — Não estou bem certo. Apenas mantenha os olhos e os ouvidos

atentos. — Esta conversa tem a ver com seus novos amigos da realeza, não

tem? — E como seu interlocutor não

respondesse, Valentine aquiesceu: — Pois não.Sebastian exalou longo suspiro. Tudo seria bem mais fácil se

soubesse o que estava a incomodá-lo... Para um ex-soldado, StephenEmbry entendia um bocado de finanças; se bem que, com um períodode tempo de dois anos para elaborar um projeto de país, era de seesperar que qualquer pessoa entendesse do assunto.

 — O que sabe a respeito da política nas Américas Central e do Sul,Valentine?

 — Apenas o básico. A Espanha governa a maior parte da região,

mas o movimento pela independência parece estar se espraiando dasColônias para o sul. Há resultados aqui e ali, e a Espanha não está nemum pouco contente com isso, Só que, com Bonaparte no território nataldeles, os espanhóis não têm como manter o foco em nações poucodesenvolvidas do outro lado do oceano.

 — As vezes esqueço que você é um homem atento ao que vai âsua volta. — Sebastian deu um sorriso fugaz.

 — Hoje em dia sou marido e pai; descobri que isso tanto estreitaquanto alarga as perspectivas de uma pessoa. — Bateu com o bico do

sapato na perna do cunhado. — Se quer mesmo que eu fique de olhoem alguém para você, preciso de detalhes. O que está se passando?

Page 34: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 34/156

 — Presumo que tenha ouvido falar do que houve ontem à noite. — Que uma sirigaita lhe deu um tabefe na cara e depois você

dançou com ela? Não, não ouvi nenhum comentário a esse respeito. — Que bom. — Shay é muito mais hábil do que eu. Por que ele não veio no meu

lugar? — Quero um ponto de vista, não diplomacia. — Você está sendo obtuso, e eu acho que é de propósito. Mas já

que vai me arrastar até lá, darei o melhor de mim para me desincumbir da missão, seja lá o que essa missão for.

 — É tudo o que lhe peço.Dez minutos depois o mordomo do coronel Branbury abria a porta

da mansão para eles. — Vossa Graça. Sua Majestade o aguarda na sala de estar. Por 

aqui, por favor. — Obrigado.Com Valentine em seus calcanhares, Sebastian seguiu o mordomo

 por um lance de escada. A residência era bem cuidada, apesar de pequena para os seus padrões, e ele se indagou se Branbury teria sidocompanheiro de Embry no período em que o rey servira o exércitobritânico.

 — Seria indelicadeza perguntar onde o coronel se encontra? — Foi chamado de volta à Península, mas acomodou a delegação

de Costa Habichuela antes de seguir para lá. Ele espera retornar antesdo fim da Temporada. — Detendo-se diante de um par de portasduplas, o mordomo bateu de leve antes de abrir uma delas. — O duquede Melbourne, e um acompanhante, Vossa Majestade.

 Ao vislumbrar a princesa Josefina sentada numa das poltronas junto à lareira, Sebastian tentou dar-se ares de desinteresse, porém oesforço foi tolhido pelo cutucão que Valentine lhe deu nas costas antesde sussurrar:

 — Acompanhante? Desde quando passei a ser um simples

acompanhante?Ignorando o comentário, o duque fez comedida mesura e tratou demanter o olhar fixo no rey, sentado ao lado da filha.

 — Vossa Majestade, Vossa Alteza, permitam-me apresentar meucunhado, o marquês de Deverill. Valentine, estes são Stephen Embry,rey de Costa Habichuela, e a filha dele, princesa Josefina.

 Ambos permaneceram sentados. Recém-coroados ou não, nem omonarca nem a princesa pareciam necessitar de lições de hierarquiaaristocrática.

 — É uma satisfação conhecê-lo, lorde Deverill.

Page 35: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 35/156

 — Digo o mesmo, Vossa Majestade — respondeu Valentine comum sorriso cortês.

Impaciente, Sebastian perguntou do conhaque. — Um instante, por favor. — O rey afinal se levantou, em seguida

acenou para o criado de libre perfilado ao lado da cristaleira. —Trêsconhaques e uma taça de vinho tinto, por favor.

Enquanto Valentine ia buscar seu cálice, Sebastian enfim voltou oolhar a princesa. Naquela noite o traje dela era violeta, salpicado de prata para aludir ao brilho das estrelas.

 — Sente-se, Melbourne. — Josefina indicou a poltrona que o paiacabara de desocupar.

 — Obrigado. — Ao se acomodar na cadeira, sentiu-se envolvido por um perfume de lilases. E receou que aquela fragrãncia lhe produzisse o mesmo efeito mortal da beladona.

 — Diga-me, Vossa Graça — prosseguiu a princesa num tom maisbaixo, enquanto Valentine e o rey falavam sobre botas —, finalmentese decidiu por acatar as boas maneiras?

 — Na verdade estou buscando uma forma amável de lhe dar umconselho. — Quase sem querer, voltou o olhar às esmeraldas pendentes das orelhas dela, que reluziam à sombra do negrume doscabelos suavemente ondulados.

 — Como não espero amabilidades de você, diga o que tem a dizer.Decidido a não deixar que ela desse início a mais um bate-boca,

Sebastian anunciou: — Eu só queria avisá-la de que aqui as jovens que vão pela

 primeira vez ao Almack's têm por costume usar branco para aapresentação às patronesses.

 — Você não gosta do meu vestido? — E muito bonito. — Engoliu em seco ao sentir o membro viril em

comichões. — Mas a questão não é essa. — O que essas patronesses iriam dizer a uma jovem dama que não

se curva ao que elas prescrevem?

Ele escolheu ser sincero: — Já as vi pedirem a moças que fossem embora. Sei que éabsurdo, mas não sou eu quem fez tais regras.

 — Elas não se atreveriam a expulsar uma princesa. — Sinceramente, Josefina, acho que você deveria usar branco. Seu

 pai está tentando encontrar investidores, e alguns deles estarão no Almack's esta noite.

Ela se pôs em pé, e a fragrância de lilases ficou mais forte. — Há algo mais que preciso saber a respeito dessa droga de

clube?

Page 36: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 36/156

 — Se quiser dançar uma valsa, terá de ser apresentada às patronesses e obter a permissão delas.

 — Muito bem. Usarei branco, e você irá me apresentar àsmegeras. — Com isso, partiu em direção à porta, pisando duro.

 — Você tem de ser apresentada por uma dama — avisouSebastian antes que ela deixasse a sala.

Um cálice de conhaque surgiu logo acima do ombro dele. — Por todos os santos que perambulam pelo céu... — murmurou

Valentine. — Essa moça não é nada delicada. — Ela é maluca. E enervante. — Sebastian ergueu o olhar ao rey,

que se aproximava. — Lembrou-se de separar uma cópia daquelabrochura para mim?

 — Lembrei, sim. — Apanhando o livreto que estava sobre amesinha de canto, Embry passou-o às mãos do duque. — E deixe-me

dizer novamente o quanto respeito seu tino para negócios e quão gratoestou pelo príncipe tê-lo indicado para nos ajudar.

Sebastian agradeceu com um meneio de cabeça, então perguntou: — A rainha Maria nos fará companhia esta noite? — Oh, sim. A única verdade absoluta sobre as mulheres é que elas

demoram uma eternidade para se vestir... Ah, aí está ela. Maria, você jáconhece Melbourne; este é o cunhado dele, o marquês de Deverill.

Uma versão mais madura da filha, a rainha Maria deteve-seadiante da soleira da porta para fazer uma mesura. Enquanto o marido

exalava simpatia, a bonita morena se encaixava num tipo maistradicional de realeza: além de discreta e elegante, parecia um tantoarredia.

 — Boa noite, cavalheiros. — Acercou-se. — E obrigada, VossaGraça, por avisar Josefina do costume que impera no clube. Nãoestávamos a par dessa regra.

Mais uma vez, ele deu um aceno afirmativo.Conversaram sobre o tempo e outras amenidades por cerca de dez 

minutos, quando Sebastian ouviu-a entrar novamente na sala enquanto

os demais continuavam a prosear. Então respirou fundo antes deencará-la. Ela não estava de branco: usava um vestido marfim dedecote pronunciado, solto, as camadas de tecido sobrepostas comouma cascata de águas cintilantes; com aquela pele alva, os cabelosnegros e seus grandes olhos castanhos, parecia uma boneca de porcelana. Uma boneca de porcelana extremamente sensual, que lheindagava com um sorriso:

 — Melhor assim? — Bem mais apropriado — ele conseguiu responder, a garganta

arranhando de tão seca.

Page 37: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 37/156

 — Ah, eis você, querida... Vamos, Vossa Graça? Grato pelaintervenção, Sebastian virou-se de costas

 para ela. — Como quiser, Vossa Majestade. — Pelo canto do olho, viu

Valentine oferecer o braço à princesa. Agora até Deverill era maisdelicado do que ele... Paciência. Pois a verdade era que, se encostasseem Josefina antes que pudesse conter a confusão em que ela odeixava, iria beijá-la de novo. Ou coisa pior.

 — Fale-me a respeito de Costa Habichuela — sugeriu Deverillenquanto a assistia a subis na carruagem.

 — Infelizmente, não conheço Costa Habichuela muito bem — respondeu Josefina com um sorriso.

Não? — Bem, minha mãe e eu passamos dois dias com meu pai em São

Saturus. — Suspirou ao perceber que, do outro lado, Melbourne pareciafeito de granito. — Quando nosso navio ancorou no porto para apanhar o rey antes de seguirmos para a Inglaterra

 — Onde vocês moravam, então? — Mais recentemente em Morant Bay, na Jamaica. Como lutava

contra a Espanha nas Américas, meu pai queria que minha mãe e euvivêssemos num lugar mais calmo, a salvo dos confrontos. E quandorecebeu o governo de Costa Habichuela ficou tão atarefado com aelaboração de um sistema de administração que preferiu que

continuássemos na Jamaica, de onde o ajudávamos como podíamos. — Contar com Josefina foi uma bênção — interpôs o pai dela. —A

 princesa é afiada como a ponta de uma adaga. — Papai! — Mas é verdade. E Maria também tem sido uma companheira

formidável — prosseguiu o monarca. — Ela é filha de um vice-rei.sabiam?

Sebastian afina! se manifestou: — Sua Alteza havia mencionado. — Então se dirigiu à rainha- — 

Quando se casou com um inglês apátrida, Vossa Majestade, imaginavaque tudo isso estaria por acontecer? — Em se tratando de Stephen, nada me surpreende. — Maria

endereçou um olhar extiemoso ao marido.No intuito de dar tempo aos pais para se preparem para a maior 

aparição pública que já haviam feito como governantes de um país, Josefina indagou:

 — Quantas valsas haverá esta noite, Melbourne? — Provavelmente duas: uma no início do evento, outra no fim.

Decerto vamos perder a primeira, mas você poderá dançar todas asdemais músicas. E só a valsa que requer a permissão das patronesses.

Page 38: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 38/156

 — Que bobagem... Quem são essas mulheres? — Desocupadas de meia-idade, em sua maioria. — Deverill fez um

muxoxo. — Esquisitas e mal-humoradas. O passatempo delas é olhar as pessoas de cima, e a única maneira que encontraram para fazer isso foise arranjarem como anfitriãs de um dos mais enfadonhos saraus deLondres.

Chegaram ao clube e, mais uma vez, foi Deverill quem ofereceu amão para ajudá-la a descer do coche. Cansada de ser tratada comtanta indiferença, Josefina agradeceu a gentileza e, soltando a mão dadele, dirigiu-se ao ponto da calçada onde Sebastian trocava algumas palavras com seu pai.

 — Permite-me? — E colocou a mão sobre o braço dele. — Claro. — E bom, caso contrário vou pensar que você está me

desprezando. E isso seria uma afronta indesculpável. — Afronta ou não, saiba que, se me esbofetear esta noite, vai levar 

o troco. — Se quer me intimidar, por que não ameaça me beijar 

novamente? — Porque você quer que eu a beije outra vez. — Não quero — redarguiu ela. — Então pare de contestar tudo que eu digo. — Não contesto tudo o que você diz. — Ao vê-lo sorrir com ironia,

emendou: — Acha que sabe como sou, é? Pois você nem imagina. — Por que não aclara minhas idéias, princesa? — Depois que você me apresentar àquelas senhoras ranzinzas. — Diga isso um tom mais alto e será convidada a se retirar antes

mesmo que cheguemos ao salão. — Muito bem — murmurou ela. — Vamos logo com isso, então. — Como quiser, só que não sou eu quem irá apresentá-la. — A

entrada do salão, Sebastian acenou para alguém do outro lado dorecinto. — Por dois motivos: primeiro, porque não quero contrariar as

regras do jogo; segundo, porque se eu apresentá-la, choverão boatosinsinuando que estou lhe fazendo a corte e, portanto, querendo forçar aalta sociedade a aceitá-la. E nem você nem eu queremos isso.

 — Bem, faz sentido. — Princesa Josefina, esta é minha tia, lady Gladys Tremaine. Titia,

 permita-me lhe apresentar a princesa Josefina Embry.Ela virou-se para a roliça senhora que portava um matronal vestido

de seda azul e um sorriso natural, contagiante. — Boa noite, Vossa Alteza. — Após se curvar numa mesura, a

simpática senhora segurou no braço livre do sobrinho a fim de seaprumar novamente.

Page 39: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 39/156

 — Lady Gladys. — Josefina inclinou a cabeça para ela. — Então é você a mocinha de quem meia Londres está falando — 

comentou a idosa dama. — De fato — afirmou Sebastian, soltando-se das duas. — Com

licença. Ao vê-lo se misturar à multidão que não parava de crescer,

 Josefina não se conteve: — Que homem exasperante. — Ah, ele é, mesmo — concordou Gladys. — Venha; acho que boa

 parte das pessoas que estão apinhando este lugar veio para ver você eseus pais.

 Josefina deu uma olhadinha pelo salão. O recinto parecia tomadoaté as vigas do teto, e a parte da aglomeração que não circundava seus pais começava a se juntar à sua volta.

 — Quando for a sua vez — Gladys ia dizendo em voz baixa —, vãolhe fazer umas perguntinhas tolas, depois todas lhe darão as boas-vindas ao clube. Como foi o duque quem a trouxe, ninguém irá cismar de implicar com você. E se por acaso alguém lhe perguntar se vocêvalsou no sarau dos Elkins, querida, diga que não se recorda.

 — Então não posso valsar com ninguém sem a permissão delas? — E de praxe. Creia-me, se alguém as tirasse para dançar uma

valsa, nenhuma delas iria se importar com o que as mocinhas andamfazendo.

 Josefina suspirou. Era um costume estranho, sem dúvida, noentanto o que contava era que estivesse apta para valsar comMelbourne.

 A multidão se apartou e Gladys, de súbito muito mais empertigadado que estava um segundo antes, dirigiu-se às patronesses:

 — Damas, eu gostaria de lhes apresentar a princesa Josefina deCosta Habichuela. Os pais dela, como já devem saber, são o rei e arainha daquele país.

 Josefina apenas inclinou a cabeça para o grupo de damas que

ocupava uma posição inferior à dela na hierarquia aristocrática. — Que idade tem, Vossa Alteza? — uma das senhoras indagounum tom entre frio e condescendente.

 — Vinte e dois — Josefina afirmou, lembrando-se do conselho do pai.

 — E quanto tempo pretende ficar em Londres? — Isso depende do meu pai, o rey.Uma delas olhou rapidamente por cima do ombro de Josefina,

então deu um sorriso teso.

 — E com grande satisfação que lhe damos as boas-vindas ao Almack's, Vossa Alteza.

Page 40: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 40/156

Esperamos que se divirta no nosso clube esta noite. — Balance a cabeça e agradeça, assim nos vamos daqui — soprou

Gladys. Josefina fez o que a simpática senhora dissera e, na companhia

dela, tornou a se misturar à multidão. Pronto. Livrara-se daqueleaborrecimento.

 — Muito bem, princesa Josefina — observou uma voz grave.Ela se virou. — Obrigada, Melbourne. Há algum lugar por aqui onde eu possa

tomar um pouco de ar fresco? — Certamente. — Sebastian ofereceu-lhe o braço. — Não me diga

que se deixou impressionar por aquilo. — Não estou impressionada. — Pousando a mão sobre o braço

dele, permitiu que ele a conduzisse em direção a uma porta. — Estou

sufocando neste ar abafadiço. — Está abafado aqui dentro, sim.Um homenzarrão se colocou diante deles. — Melbourne, o... — Logo mais irei falar com você, Shipley. — Com isso, Sebastian

desviou do camarada. — Negócios? — indagou Josefina, deixando que a curiosidade

falasse mais alto do que a antipatia que tinha por ele. — Sempre negócios. Espero que seu pai saiba no que está se

metendo.Passaram pelo vão da porta, onde várias pessoas se aglomeravam,

 percorreram um pequeno corredor e, após dobrar à direita, seguiram por mais um par de metros antes de cruzarem uma passagem emforma de arco que levava à área externa do edifício. Ali fora, num localque fazia lembrar uma entrada de serviço, havia apenas um murocaiado que delimitava uma espécie de viela e a estreita nesga de umcéu sombrio com um punhado de estrelas meio apagadas.

-- Não se pode dizer que a vista é encantadora — observou

 Josefina com ironia. — Não. mas ar fresco é o que não falta. — Ao menos é silencioso. E isolado da confusão. — Fitou os olhos

cinzentos que, à penumbra, pareciam negros. — Não entendo você.Primeiro me dá conselhos, em seguida praticamente me larga por aí,depois faz com que me aceitem no Almack's, e então procura um lugar sossegado para eu respirar um pouco de ar puro...

 — Ao contrário de você que está sempre me atacando. Um golpeaqui, um sorriso mordaz ali, uma punhalada no meu amor-próprio, um

dardo na minha sensibilidade... — O que tudo isso quer dizer?

Page 41: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 41/156

 — Que você me irrita. — Ora, não é bom saber que...Erguendo o rosto dela com a ponta dos dedos, Sebastian a beijou.De imediato, Josefina teve a impressão de ser tragada por uma

esfera de fogo. O duque beijava com uma intensidade de roubar ofôlego, um ardor quase desesperado, uma paixão que ela jamais haviaencontrado em alguém. Austero e reservado no falar, ele tinha ummodo de abraçar que transbordava descomedimento, emoção e... Aosentir o baque seco de suas costas contra a parede e os pensamentosemaranhados darem lugar às sensações mais primitivas, agarrou aslapelas do fraque de Melbourne para trazê-lo para junto do seu corpo.No entanto, o desejo que transpirava daquele beijo despertou umareação desconhecida em sua pele, em seus nervos e em seusmusculos, uma urgência tão enérgica quanto repentina, uma volúpia

 para a qual não estava preparada... e isso a deixou morta de medo. — Pare — murmurou de encontro aos lábios dele.Sem pressa, Sebastian afastou o rosto e ergueu a cabeça,

desvelando um semblante que era uma combinação de lascívia,carência e excitação. Essa mistura incendiou as entranhas de Josefina, porém a instigante expressão se foi num piscar de olhos, prontamentesubstituída pela máscara de sereno autodomínio de que ele tantogostava.

 — Perdão — murmurou ele. E, girando sobre os calcanhares, partiu

a largas passadas pelo corredor banhado em trevas.Ela sentiu-se desolada. Injuriada. — Você me deve uma valsa — cobrou, apesar de não conseguir 

enxergá-lo. — Você a terá — retrucou a voz dele sem nenhuma inflexão.Envolta pelos ruídos da noite de Londres, Josefina permaneceu ali

 por mais alguns instantes antes de retornar sozinha ao salão de baile. — Como assim, esquisito? — Protegendo os olhos com uma das

mãos para olhar para o marido, Eleanor, lady Deverill, espantava com a

mão a borboleta que a filhinha de cinco meses, Rose, ameaçavaengolir. — Não sei ao certo — admitiu Valentine, que caminhava de lá para

cá junto ao canteiro de narcisos. — Ele me pareceu... confuso. — Sente-se aqui antes que esse sol acabe me cegando. — Eleanor 

bateu de leve na manta estendida sobre a relva, onde Rose seesparramava. — E me diga por que acha que meu irmão pareciaconfuso ontem à noite no Almack's.

Tão logo se largou sobre o cobertor, Valentine colocou Rose no

colo e pôs-se a brincar com os dedos diante do rostinho dela.

Page 42: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 42/156

 — Como já contei, ele me pediu que o acompanhasse a fim de"observar" não sei muito bem o quê. Mas o pessoal de CostaHabichuela foi amável, sobretudo o rey, ávido por causar uma boaimpressão como qualquer outra pessoa que viesse a Londres em buscade recursos e apoio. Agora, aquela abusada...

 — A princesa Josefina? A tal que esbofeteou meu irmão em público, não é?

 — Guarde seus punhais, querida. Melbourne não tira os olhos da princesa quando ela não está vendo; já cara a cara, ou discute com amoça ou a trata com tanta formalidade que chega a ser rude.

 — Seb gosta dela. — Eleanor suspirou. — Meu Deus. — Foi o que pensei, ainda mais depois que seu irmão me disse que

ela mexe com os nervos dele. — Ergueu a filhinha a fim de fitá-la nosolhos. — Fique longe dos homens, meu torrão de açúcar, esses seres

maliciosos e sorrateiros. Sei disso porque sou um deles.Rose riu enquanto tentava agarrar o nariz do pai. — Ah, agora você acha graça, mas quero ver quando crescer. — Valentine, você está mudando de assunto. Pondo-se em pé, ele

ajeitou a pequenina num dos braços e esticou o outro para ajudar aesposa a se levantar.

 — Acho que você deveria conversar com Melbourne, Nell. Irmãossão irmãos; é natural que ele se abra com você e lhe conte coisas que prefere não revelar a mim.

 — Veja só você: preocupado com as outras pessoas. — Apoiando-se nele, beijou-o no rosto. — E com um bebê nos braços.

 — Sim, estou perdido. — Sorriu para ela. — Vá. Rose e eu vamosdiscutir os méritos do celibato.

 Após endereçar um olhar de puro carinho ao marido e à filha,Eleanor entrou na Mansão Corbett a fim de trocar de roupa e chamar uma carruagem. Era pouco provável que seu irmão mais velho fosse lheconfiar algum segredo; mas se o comportamento de Sebastian preocu- pava um descrente das convenções sociais como Valentine, então era

 preciso ao menos tentar descobrir o que estava se passando. — Aceita mais um biscoitinho, Vossa Graça? Erguendo o olhar dolivreto sobre Costa Habichuela,

Sebastian descruzou e tornou a cruzar os tornozelos no intuito dealiviar a dor nas pernas. Sentar numa das cadeirinhas da sala derecreação de Peep devia ser muito gostoso para uma garotinha de seteanos; já ele tinha um metro e oitenta e cinco de altura.

 — Com satisfação, lady Penelope.-- Sabe?, acho que vou ser acrobata. — Colocou o petisco no prato

de porcelana do pai. — Ou ilusionista. — Ilusionismo combinaria com seu ofício de pirata.

Page 43: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 43/156

--- Foi o que pensei. — Serviu-se de outra xícara de limonada dobule sobre a mesinha. — Eu queria muito ter conversado um poucomais com aquela princesa.

Sebastian sentiu um calafrio. — Você gostou dela? — Josefina toca piano muito bem e contou uma história engraçada

sobre fazer compras na Jamaica, mas também ofendeu você. Se eusoubesse que você não gostava dela, não teria sido tão gentil.

 — Ah, não é que eu não goste dela... — Diabos, por que se punhaa defendê-la? — E que... Não se deve convidar alguém que nãoconhecemos a entrar em nossa casa.

 — Eu sei. Mas você vê o príncipe regente e outros membros darealeza o tempo todo e eu, não.

 — Queira me desculpar. Eu não...

 A porta da sala de brinquedos se abriu de chofre. — Boa tarde. — Zachary reforçou o cumprimento curvando-se

exageradamente. — Ouvi dizer que lady Penelope está oferecendo umchá íntimo. Será que posso participar?

 — Evidentemente, lorde Zachary. — Erguendo-se, Peep fez umareverência tão exuberante quanto a do tio. — Por gentileza, sente-se.

 Ao ver o irmão se dirigir a uma das poltronas junto à janela,Sebastian afirmou antes de virar a página da brochura:

 — A mesa.

 — Eu ia só tirar meu paletó. — Depois de despir o casaco cinza,largá-lo sobre uma poltrona e ajeitar o colete negro, Zachary retornouao centro da sala para ir se equilibrar numa das quatro cadeiras infantisao redor da mesinha.

 — Você faz qualquer coisa por um biscoito, não? — observouSebastian.

Enquanto Penelope servia mais limonada e petiscos, ele seencarregou de fazer um breve apanhado do que havia lido na brochura. A riqueza de detalhes, entre os quais meticulosos dados das oscilações

na temperatura em função da vegetação e da altitude, deixara-obastante impressionado. Zachary, que mal atentava às observações, interrompeu o irmão

 para comentar: — Eu soube que você foi ao Almack's ontem. Tirando os olhos do

livreto, Sebastian tomou um golede limonada. — Prinny apareceu por lá? — emendou Zachary. — Ficou uns vinte minutos. Por que pergunta?

 — Estou só puxando assunto. — Enfiou um biscoito na boca. — Você escoltou o pessoal de Costa Habiba de novo, não?

Page 44: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 44/156

 — Costa Habichuela — corrigiu Penelope. — Fica na AméricaCentral.

 — Sim, fui com eles — confirmou Sebastian. — Está fazendo umasindicância na minha vida?

 — Não. — Zachary riu. — Claro que não. — Pena que você não trouxe Harold hoje — interpôs Penelope com

um suspiro. — Ele adora biscoito. Sebastian pôs a brochura de lado. —  Aquele cão não é bem-vindo nesta casa.

 — Só porque dei a ele o nome do nosso bisavô? Ora, isso é... — Você deu a ele o meu nome, Zach. Ou por acaso não me chamo

Sebastian Harold Griffin? — Mas Harold é um amor de cãozinho — tentou argumentar a

menina. — Não seria diferente se o nome dele fosse Manchinha ou Polenta

ou coisa que o valha. — Você realmente se irrita com que eu tenha dado seu nome a

ele, não é? — Dessa vez, o sorriso de Zachary era natural. — Que bom.Era isso mesmo o que eu queria.

 — Por favor, cavalheiros — Peep levou as mãos aos ombros dosdois —, sejamos civilizados.

 Zachary ia perguntar onde ela aprendia aquelas coisas quando a porta tornou a se abrir.

 — Com relação a que não estamos sendo civilizados?

 — indagou Shay enquanto caminhava até a mesinha. — Lorde Charlemagne, que satisfação! — Penelope voltou a se

levantar. — Por que não faz um lanchinho conosco?Não sem antes lançar um olhar cobiçoso para as poltronas junto à

 janela, Charlemagne se ajeitou como pôde numa das cadeirinhasinfantis.

 — Não me lembro de as cadeiras serem tão pequenas quandofazíamos isto com Nell.

 — Isso foi há mais de quinze anos, Shay — lembrou Zachary. — 

Nós éramos pequenos. — O que o traz aqui? — Sebastian perguntou a Charlemagne, oirmão mais parecido com ele em termos de temperamento.

 — Só uma visitinha. Eu não sabia que iria ter chá— tomou um goleda pequenina xícara que a sobrinha havia lhe entregado e fez umacareta —, digo. limonada e biscoitos.

 — Vai conosco ao recital na casa dos Beardsley esta noite, Shay? — Não; os pais de Sarala nos convidaram para jantar. Acho que

eles estão à espera de ouvir... — limpou a garganta — novidades.

Page 45: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 45/156

 — Tia Sarala vai ter um bebê? — Fazendo-se de contrariada,Penelope cruzou os braços. — Você pode falar dessas coisas na minhafrente, viu? Não tenho mais seis anos.

Ruborizado, Charlemagne segurou na mãozinna dela. — Ainda é cedo para afirmar, mas assim que tivermos certeza,

dentro de uns dez dias, você será a primeira a saber.Sebastian baixou os olhos à xícara de limonada. Tinha tomado

todas as providências para que Penelope tivesse tudo o que quisesseou de que necessitasse pelo resto da vida; quanto ao seu título denobreza, porém, não havia o que fazer. Sem um filho varão a quemlegá-lo, a nobilitação iria para seu parente mais próximo: Shay. SeSarala estivesse mesmo grávida, e se o bebê fosse um menino, o nomeGriffin continuaria com o título Melbourne por pelo menos mais umageração. Graças a Deus.

 — Seb?Voltando à realidade, ele ergueu o olhar. — Como foi no Almack's ontem? — Ao receber um chute de

 Zachary por sob a mesinha. Charlemagne tentou encolher as pernas. Omóvel em miniatura sacudiu-se todo. — Muito sutil, seu pateta.

 — O que vocês dois andaram ouvindo? — quis saber Sebastian. — Nada — Shay correu a responder. — Mas como foi a primeira

grande aparição pública do rey e comitiva, eu queria saber se tudocorreu bem.

 — Correu, sim. Um evento absolutamente rotinei... A porta voltou a se abrir, dessa vez para que Eleanor entrasse no

aposento. — Olá a todos — cumprimentou-os com um sorriso que traía certa

irritação. — Por acaso perdi algum convite para uma reunião defamília?

 — Não, é um chá — corrigiu Penelope. — Você vai ter outro bebêtambém?

 — Outro? — Branca como cera, Eleanor olhou para o irmão. — 

Sebastian, a princesa Josefina está gravi... — Como? — Ele se ergueu de um pulo, e a cadeirinha em queestava sentado tombou para trás.

 Zachary e Charlemagne levantaram-se com o mesmo ímpeto. — Está dizendo que Melbourne e a princesa andam... — Não! — exclamou Sebastian antes que Zach pudesse terminar.

 — Então é esse o motivo desta invasão? Por Deus, se esse é o tipo deboato que está correndo por aí, como que é ninguém ainda teve o bomsenso de me avisar de uma...

 — Não, não é nada disso. — Eleanor apressou-se a ir colocar a mãosobre o braço dele. — De modo algum. Mas quando Peep perguntou...

Page 46: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 46/156

 — Ela estava se referindo a Sarala. — Oh... Oh! — Virando-se, Eleanor abraçou Charlemagne. — 

Parabéns, Shay. — Ainda não temos certeza. Mas por que você acha que Melbourne

e a... — Chega! — trovejou Sebastian. — Vocês dois, sentem-se e

tomem chá com sua sobrinha. E você, Nell, faça o favor de vir comigo. — Com isso, agarrou-a pelo braço.

 — Posso dar uma olhadinha na brochura? — indagou Charlemagne,ao vê-los partirem em direção à porta.

 — Fique à vontade. Mas não saia daí.Ignorando o falatório dos irmãos, Sebastian praticamente arrastou

Eleanor para fora da sala de recreação e, a seguir, escadaria abaixo. No piso inferior, puxou-a pela mão até seu gabinete e, tão logo entraram,

tratou de fechar a porta. — Se acha que vai me dar algum sermão por fazer mexericos ou

qualquer coisa do tipo, saiba que está redondamente enganado. — Dando a volta à escrivaninha, Eleanor foi se sentar na poltrona

dele. — Além de casada, sou mãe. Há muito deixei de ser criança, evocê não tem mais o direito de...

 — Por que chegou à conclusão de que tenho, ou tinha, um casocom a princesa Josefina, uma pessoa que conheço há quatro dias?

 — Você há de convir comigo que ouvir Peep me perguntar se eu

também iria ter outro bebê foi um susto e tanto. — Muito bem, vou tomar isso como verdadeiro. — Caminhou

lentamente até a janela. — Zach e Shay queriam saber como foi ontemno Almack's. Por quê?

 — Por que não pergunta a eles?Cada vez mais impaciente, Sebastian foi se sentar numa das duas

 poltronas diante da escrivaninha, de frente para a irmã. — O que Valentine lhe contou para que você também viesse aqui

hoje? E não me mande ir perguntar a ele.

 — Pois bem, meu marido achou você um tanto estranho ontem ànoite. E que talvez isso se devesse ao fato de estar interessado na princesa Josefina.

 — Aquele traidor... Pedi a ele que ficasse de olho neles, não emmim.

 — Então é verdade? Apesar do desassossego que o assunto lhe provocava, ele

confessou: — Francamente, não sei. Faz quatro anos que estou sozinho e,

sim,'acho Josefina uma mulher interessante. Agora, se é por ela própriaou por conta dos quatro anos de solidão, não sei dizer.

Page 47: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 47/156

 — Mas foi ela quem despertou esse entusiasmo, não outra mulher qualquer. Sendo assim, você deveria tratar de conhecê-la melhor.

Sebastian ergueu uma sobrancelha. — Obrigado. Nada como receber conselhos de uma desmiolada

doze anos mais nova do que eu. — Ah, agora você está falando como Melbourne de novo. — Essa é a questão, Nell: eu sou Melbourne. Não posso sair por aí 

correndo atrás da filha de um rei de uma nação exótica. Se aquele país perdurar no tempo, um dia Josefina irá se tornar rainha e, no caso de otítulo se estender ao cônjuge dela, isso fará de mim o rei de CostaHabichuela. — Obrigou-se a sorrir. — Prefiro continuar inglês. E jamaisabriria mão do meu título por algum outro.

 — Mas se você gosta dela, então... — Então o quê? Primeiro: eu disse que a achava interessante;

ainda não me decidi se gosto dela ou se quero torcer o pescoçodaquela atrevida. Segundo: até quatro dias atrás, eu nem sabia que Josefina Embry existia. Terceiro: não quero ter um caso. Não sou o tipoconquistador, e menos ainda quando se trata de um romance semfuturo.

Eleanor se levantou. — Já que você analisou o assunto por todos os ângulos, ponderou

todos os aspectos envolvidos e concluiu que não valia a pena, creio quenão há mais nada a dizer.

 — Concordo. — Sebastian também se pôs em pé para ir abrir a porta para ela. — Diga àqueles mentecaptos, por gentileza, que paremde me importunar. Mas faça isso longe dos ouvidos de Peep, sim? Elanão precisa saber de nada disso.

 — Como quiser. — E, em meio a um ciciar de musselina, Eleanor deixou o aposento.

Sebastian esperou vê-la subindo a escadaria, então fechou a portae foi se sentar na poltrona atrás da escrivaninha. Se tivesse sorte,aquela tolice ficaria entre os membros da sua família. Mas, para que

isso acontecesse, precisava evitar a princesa Josefina a qualquer cus-to... por mais que ansiasse por discutir com ela, e beijá-la, novamente.Suspirando, abriu a gaveta e apanhou uma folha de papel a fim de

escrever um bilhete para Prinny. — Preparada? — indagou o tenente May ao colocar a cabeça para

dentro da carruagem de novo. — Céus... — Josefina tornou a espiar pela fresta que abrira na

cortina da janela. — Nunca pensei que a iniciativa fosse fazer tantosucesso.

 — Está pronta, Vossa Alteza? — Conchita afofou a manga dovestido dela.

Page 48: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 48/156

 — Mesmo que não estivesse, já que mamãe e papai foram para aEscócia a fim de conversar com o ministro das finanças de lá, acho quenão tenho escapatória.

 — Respirou fundo. — Sim, estou pronta.Saltando para o chão, o tenente May baixou os degraus à porta da

carruagem, em seguida ajudou-a a descer do veículo. Assim que pôs os pés na calçada, Josefina levou um susto com as reais dimensões damultidão: mais de duzentas pessoas se alinhavam diante do Banco daInglaterra, cujas portas ainda nem tinham sido abertas. Não fazia nemvinte e quatro horas que o anúncio da venda das apólices fora publicado no jornal, no entanto a fila de endinheirados dava volta aoedifício antes de se embrenhar numa ruela.

 Assim que eles se aproximaram, Henry Sparks se destacou dogrupo de funcionários à entrada do prédio.

 — Bom dia, Vossa Alteza — cumprimentou-a, radiante. — Belo compàrecimento, não? — Surpreendente. Acha que eles iriam se importar se eu dissesse

umas palavrinhas? — Pelo contrário; iriam adorar.O tenente May virou um caixote de lado e ajudou-a a subir no

improvisado palanque. — Bom dia. — Após o breve cumprimento, ela viu o ruído à sua

volta esvaecer. — Sou a princesa Josefina e quero ser a primeira a dar 

as boas-vindas na parceria que vocês estão prestes a fazer com CostaHabichuela. A multidão explodiu em saudações. Ao sinal de Henry, os

funcionários bancários abriram as portas do edifício e entraram,levando a fila de investidores nos calcanhares deles. Costa Habichueladescerrava-se oficialmente aos negócios.

Descendo do engradado, Josefina se juntou às pessoas que tinhamido rodeá-la, e, por mais de uma hora, sorriu sem parar, apertou umsem-número de mãos e respondeu às perguntas que lhe faziam. O

combinado era que Melbourne estivesse ali com ela, no entanto só oque seu pai dissera naquela manhã era que tinha havido um rearranjonos planos. De certo modo, a mudança não viera para mal: o objetivonaquele dia era vender títulos... e não ficar pensando em beijar Melbourne.

Quando sentiu as pernas doloridas, Josefina agradeceu a Henry uma vez mais antes de fazer um aceno com a cabeça para May. Sem perda de tempo, o tenente pôs-se a abrir caminho por entre a multidão para lhe dar passagem. E os aplausos a acompanharam até que ela ir 

se acomodar no interior da carruagem.

Page 49: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 49/156

 Ao chegarem à residência emprestada pelo coronel, encontraramum cabriolé à entrada da mansão.

 — Imagino que sua manhã tenha sido muito proveitosa, Vossa Alteza — entoou Grimm, o mordomo, ao abrir a porta.

 — Foi, sim. Quem veio nos visitar? — Charles Stenway, duque de Harek, Vossa Alteza. Ele a aguarda

na sala de visitas. — Harek? Nunca ouvi falar dele. — Com um suspiro, tirou as luvas.

 — Conchita? As duas se dirigiram à sala, onde depararam com um cavalheiro

loiro de compleição robusta e altura mediana junto à lareira. Ao vê-la,ele se curvou numa mesura reverente, cumprimentando em voz baixa:

 — Vossa Alteza. — Vossa Graça. — Josefina inclinou a cabeça. — E um prazer 

conhecê-lo, porém devo confessar minha surpresa com a sua presença.Está ciente de que meu pai encontra-se a caminho da Escócia?

 — Sim, o mordomo me disse. Posso me sentar? — Ele indicou osofá.

 — Certamente. — Foi se acomodar numa das poltronas queladeavam a lareira, e Conchita se colocou atrás dela. — Em que possolhe ser útil?

 — O príncipe regente solicitou-me que atuasse como contatobritânico para Costa Habichuela e, muito honrado, aceitei a

incumbência. Assim, vim pessoalmente para... — O que houve com Melbourne? — Sua Alteza disse que os negócios exigiram a atenção dele em

outro lugar. — Moveu os dedos num gesto de desdém. — A bem daverdade, Melbourne está sempre metido num ou noutroempreendimento. Ele daria um excelente negociante.

 Josefina reavaliou o juízo que tinha feito de Harek. Ele pareciaambicioso e ávido por ser agradável e, ao que tudo indicava, ou eramuito conservador ou tinha muita inveja de Melbourne.

 — Acha que um nobre não devia se envolver em assuntosempresariais e financeiros? — Não é conveniente. E para isso que existem procuradores,

advogados, contadores e banqueiros. — Ele sorriu. — Mas não vamosfalar desse tipo de coisa. Imagino que tenciona ir ao baile de Allendaleesta noite, não? Seria um prazer acompanhá-la.

 Josefina também sorriu. — Se me permite indagar, você é casado, Vossa Graça? — Sou infelizmente solteiro. Passei os últimos anos no Canadá e só

recentemente retomei à Inglaterra.

Page 50: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 50/156

 — Posso perguntar o que fazia no Canadá, uma vez que não seenvolve pessoalmente com negócios?

 — Caçava. Um lugar extraordinário, o Canadá. Há uma variedaderiquíssima de animais selvagens.

 — E todos tão solícitos a ponto de se reunirem num único lugar só para você se divertir com eles. — Ao vê-lo dar uma risadinha, Josefinaacrescentou: — E agora você está de volta à sua terra natal.

 — De fato. — Os olhos verdes de Harek cintilavam ao fitar os dela. — Um fato que, espero, venha a ser muito auspicioso para nós dois.

Bem, ele colocara todas as cartas na mesa. — Veremos. — Com um aceno para Conchita, pôs-se em pé. — Se

me der licença, preciso cuidar da correspondência. Posso esperá-lo àsoito horas?

Ele também se levantou.

 — Estarei aqui. E se necessitar de algo até lá, mande me avisar, por favor. Já dei meu endereço ao seu mordomo e estou à suadisposição.

 — Obrigada, Vossa Graça. Até a noite. — Já não tivemos esta conversa, Wilits? — indagou Sebastian em

meio à algazarra no salão de baile de Allendale. — Ainda não estou convencido de que reduzir a força de trabalho é

bom para a economia — retrucou o visconde. — Então vote contra a medida. De minha parte, acredito que

estimular as famílias a mandarem seus filhos para a escola em vez deforçá-los a fazer tijolos trará grandes benefícios à Inglaterra no futuro.Uma população de ignorantes necessita de maior auxílio financeiro dogoverno, não o contrário.

 — Mas... — Esse é meu ponto de vista, quer você concorde, quer não. Não

vou prosseguir com esta discussão. Boa noite. — Inclinando a cabeça,afastou-se.

 — Você foi um tanto rude — observou Zachary, que se

aproximava, trazendo a esposa apoiada em seu braço. — Descobri que há certo tipo de idiotia que não consigo tolerar — afirmou o duque, tentando se acalmar.

 — Então se anime, pois tenho novidades que farão você sorrir...Conte você, Carol. Não quero ser responsabilizado pela notícia.

Caroline limpou a garganta com delicadeza antes de anunciar: — Minha mãe escreveu, dizendo que ela e meu pai virão a

Londres. Não sei ao certo quem mais virá com eles. — Que bom — afirmou Sebastian em voz alta. — Sei que você

sente muita saudade deles.

Page 51: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 51/156

 — Em vez de sorrir, acho que ele está com vontade de chorar — observou Zachary, rindo.

 — Não acha cruel, meu irmão, ostentar a família da sua esposacomo instrumento de tortura?

 — Não foi isso o que eu quis dizer. Você sabe que gosto deles. —  Zachary virou-se para a esposa. — Vou pegar um drinque — dito isso,ele se afastou.

 — Ah, eu o amo. Demais. — Caroline suspirou. — Ele nunca tomaalguém pelas aparências; sempre procura ver o que as pessoasrealmente são.

 — É por isso que tanta gente gosta dele. — Sebastian beijou acunhada no rosto.

O sorriso dela se alargou. — Dança comigo?

 — Com prazer. — Ele estendeu a mão, que Caroline tomou na dela. — Oh, eu devia saber — resmungou Zachary, com três taças nas

mãos, ao vê-los se perfilarem junto aos casais que se preparavam paraa dança campestre.

 A música principiou, e as duas fileiras de bailarinos curvaram-seuma para a outra. Sebastian girou ao redor de Caroline, depois à voltada moça à direita dela, deu um passo para o lado e bateu de leve asmãos nas mãos da jovem seguinte. Foi como se uma descarga elétricao atravessasse das pontas dos dedos às unhas dos pés. Santo Cristo!

 — Boa noite, Melbourne — cumprimentou Josefina, antes deretomar seu lugar na fileira das damas.

Sebastian precisou de todo o controle para não esfregar os dedos,que pareciam chamuscados. Que diabo ela fazia ali? A comitiva deCosta Habichuela tinha ido para a Escócia em busca de novosempréstimos... Ou pelo menos era isso o que haviam lhe dito. Ao sevirar, lançou um olhar pela fileira. Josefina se adiantara para dar a voltaao cavalheiro diante dela e agora voltava ao seu lugar. O duque deHarek.

Pelos dez minutos seguintes, Sebastian tratou de manter osemblante sereno. Por dentro, porém, sentia-se um vulcão prestes aentrar em erupção. Uma coisa era encontrar com ela quando nãoesperava, quando imaginava que teria alguns dias para resolver a...confusão que tanto o incomodava antes de vê-la novamente; outra,bem diferente, era topar com a atrevida na companhia de outrohomem.

Trocaram de lugar, então tornaram a rodear um ao outro. — Pensei que estivesse ocupado demais para ir a uma festa.

 — Eram os deveres de acompanhante que me mantinhamocupado. Não os saraus.

Page 52: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 52/156

 — Ah! Cheguei a imaginar que estivesse com medo de mim. Antes que ele pudesse responder, os passos da dança obrigaram-

na a se afastar de novo. Maldição! Como era possível que a mera presença dela ali fizesse seu mundo desandar? A música chegou ao fime, trazendo-se de volta à realidade, ele se uniu aos demais nosaplausos antes de ir levar Caroline até Zachary.

 — Seb? — Zach entregou-lhe um cálice de vinho do Porto. — Estou bem — resmungou ele, sorvendo um gole da bebida. — Não, eu queria lhe dizer que ela vem vin... — Será que pode me dar alguns dos seus preciosos minutos? — 

Soou a voz melíflua às costas dele.Empertigando-se, Sebastian se virou. — Evidentemente, Vossa Alteza — afirmou num tom ácido. — 

Harek.

 — Melbourne — devolveu Charles Stenway. — Fiz questão de vir lhe agradecer. Quando você se demitiu, Prinny me indicou para o cargode intermediário para os assuntos de Costa Habichuela e, desde então,nunca senti tanta satisfação em servir ao meu país. — Sorriu para Josefina.

Ela tomou a palavra: — Sua Graça é um cavalheiro adorável. Amanhã à noite ele irá me

levar ao teatro; eu sempre quis assistir a um espetáculo em Londres. — Quem sabe não conseguimos convencer os atores a se

apresentarem em Costa Habichuela? — sugeriu Harek. — "Conseguimos"? — Sebastian o interpelou. — Está pensando em

emigrar, Harek? — Nunca se sabe — respondeu o duque com um sorriso.Sebastian teve ganas de estapeá-lo até arrancar aquele sorrisinho

idiota do rosto dele, mas de súbito Zachary se colocou entre os dois para dizer:

 — Posso trocar uma palavrinha com você, Seb? — Indicou o vão da porta, em seguida olhou de relance para Harek e a princesa. — Deem-

nos licença por um instante, sim? E assunto de família. — Claro — respondeu Josefina sem tirar os olhos do irmão maisvelho.

 Ao sentir o caçula cutucar seu ombro, Sebastian pôs-se a caminhar e só foi parar quando chegou à

biblioteca de Allendale. Nos calcanhares dele, Zachary esperouque Caroline entrasse no aposento para então fechar a porta.

 — Perdão, mas eu queria evitar uma cena. Aquele símio. Como seHarek estivesse à altura de substituir você... Vamos embora? Vou pedir 

que tragam a carruagem.

Page 53: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 53/156

 — De modo algum. Não vou abandonar um sarau por causa de um paspalho e de uma desaforada.

 — Pensei que estivesse tentando se manter longe dela. Foi por issoque se demitiu do cargo para o qual Prinny havia lhe indicado, não foi?

 — Não preciso da sua proteção, Zachary. Tenho plena consciênciade quem sou e do que está em jogo todas as vezes em que abro minhaboca ou levo a pena ao papel. Essa responsabilidade é minha, não sua.

 — Ótimo. A culpa é minha, evidentemente, por imaginar que esseseu coração de pedra tivesse se abrandado. Boa noite, Melbourne. — Com isso, deixou o aposento.

Um pouco mais solidária, Caroline lançou um terno olhar aocunhado antes de ir atrás do marido.

 Após exalar longo suspiro, Sebastian foi até a parede dos fundosda sala, onde Allendale mantinha os livros que certamente nem havia

folheado. Alguns instantes depois, um dos volumes na estante atraiusua atenção e ele, de pronto, empurrou o banquinho para junto domóvel a fim de apanhar o tomo na penúltima prateleira. História das Américas ao Sul. Ainda que a edição já tivesse mais de seis anos, nãocustava nada dar uma olhadinha.

Sentando-se diante da lareira, constatou que o capítulo dedicado àCosta dos Mosquitos era relativamente pequeno. Embora tivessemconquistado a maior parte da América Central e do Sul, apoderando-sede todas as riquezas que encontravam pela frente, os espanhóis

haviam ostensivamente evitado a Costa dos Mosquitos. O motivo de talcuidado, segundo o autor, um tal John Rice-Able, era o fato de a região já ter sido avaliada como uma área sem nenhum valor ou serventia,uma fedentina de aluviões pantanosos tomados pela malária e selvasimpenetráveis, isso sem contar o calor e a umidade insuportáveis emtodas as estações do ano.

O contraste com as descrições contidas no livreto de Embry não poderia ser mais gritante. No trabalho de Rice-Able não havia menção arefrescantes brisas vindas do mar, terras praticamente prontas para a

lavoura ou uma cidade próspera repleta de promessas. Bem, era preciso admitir que se tratava de duas páginas de generalizaçõescontra as quatrocentas e vinte de explanações detalhadas dabrochura... O que, por outro lado, não deixava de suscitar uma série deinterrogações.

Com efeito, havia algo sobre Costa Habichuela e sua realeza que parecia bom demais para ser verdade. Fosse como fosse, só havia ummeio de obter maiores informações: procurar o sr. John Rice-Able, que,com um pouco de sorte, haveria de morar em algum lugar naquele

continente.

Page 54: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 54/156

Sebastian devolveu o livro ao lugar de onde o tirara e, nem bemhavia descido do banquinho, a porta da biblioteca, antes entreaberta,escancarou-se.

 — Logo imaginei que iria encontrá-lo enfurnado aqui. Ele se virou para encarar Josefina.

 — Cansou do novo contato para o seu país? Decerto Stenway ainda não teve tempo para lhe contar todas as histórias das caçadasdele. Ou será que o nosso adorável duque fugiu de medo de você?

 — Ora, o duque de Harek é um homem sensato, cordato,amabilíssimo. E é provável que eu me case com ele.

Sebastian teve de fazer das tripas coração para não avançar sobreela e agarrá-la.

 — Eu não havia percebido quão pobres são seus critérios, Vossa Alteza. Seja como for, Harek deve compartilhar da sua queda por 

asneiras. Josefina se adiantou, o vestido cor de mostarda ciciando a cada

 passo que ela dava. — Posso saber de que raios está falando, Melbourne? — Desse ridículo ar de superioridade que você se dá, pelo fato de

não fazer a menor idéia de como a realeza se comporta. — Eu devia mandar enforcá-lo por isso. — Por que não tenta?Para surpresa de Sebastian, ela tirou os sapatos com os próprios

 pés. — Antes de me tornar princesa, eu era filha de um soldado. — 

 Aproximando-se da lareira, apanhou um dos dois sabres no estojo sobrea moldura da fornalha. — Defenda-se.

 — Você realmente é maluca. — E você vai parar de me ofender de uma vez por todas.Ele ficou a observá-la. Insana ou não, Josefina Embry era

impressionantemente bela. — Talvez tenha esquecido sua posição social, Vossa Alteza, mas eu

não esqueci a minha. Não tenho a menor intenção de ser pegoduelando na biblioteca de um amigo. Ainda mais com uma jovenzinhaatrevida doze anos mais nova do que eu.

O sabre foi ao chão, e Josefina se largou sobre a poltrona em queele havia se sentado.

 — Eu me rendo. — Como? — Seria ele o maluco e ainda não se dera conta de que

estava em algum manicômio, falando sozinho?Ela voltou o olhar às chamas que crepitavam na lareira.

 — Pensei que brigar com você fosse a única maneira de arrancá-lodessa sua altivez arrogante. Mas nada, nem mesmo ameaçá-lo com um

Page 55: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 55/156

sabre, é capaz de lhe provocar algo mais do que um instante deirritação. Assim sendo, eu me rendo.

 — Está tentando me dizer que isso... que tudo isso era parte dealguma estratégia de sedução?

 — Meu pai leu tudo o que pôde a respeito de você e da sua família.Ele o admira muito, tanto que, sonhando com a nossa união, pediu-meque fingisse ser três anos mais nova, já que se comenta por aí que oscavalheiros que se casam pela segunda vez preferem mulheres mais jovens. Mas desde que me beijou pela segunda vez, você só tem feitome evitar.

Pasmo, Sebastian pestanejou enquanto tentava assimilar o queacabara de ouvir.

 — Então você tem vinte e cinco anos? — Nas circunstâncias, fazer cálculos parecia o mais fácil dos seus problemas.

 — Sim; vinte e cinco. Desculpe-me por ter mentido para você. — Com um suspiro, Josefina levantou-se e colocou o sabre de volta aoestojo antes de ir calçar os sapatos. — É melhor eu ir; Harek deve estar à minha procura.

 — Seu pai agora quer que você se case com ele? — Sebastian seaproximou dela.

 — Evidentemente. Papai quer me ver casada e, como princesa...ainda que não consiga ter em mente minha posição social, não possome unir a alguém com um título inferior ao de duque.

Ele não conseguiu se conter: — Você gosta de Harek?Levando a mão à maçaneta da porta, Josefina olhou-o por cima do

ombro. — Eu gosto de você. Boa noite, Vossa Graça. Com todos os

demônios. — Por que você e Harek não vão ao meu camarote no teatro

amanhã à noite? — convidou.Ela se virou.

 — Por quê?Porque gosto de você também. — Porque uma manifestação de cooperação entre o antigo e o

atual intermediário para os assuntos de Costa Habichuela seria mais producente do que uma demonstração de hostilidade.

 — Está bem — concordou Josefina. — Vou dizer isso a Harek. Ao vê-la deixar o recinto, Sebastian ficou com a estranha sensação

de que ao beijá-la, ao discutir com ela, não se sentia, pela primeira vez em quatro anos... sozinho.

 — Papai, eu queria ir ao teatro.

Page 56: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 56/156

Sebastian deu a volta à mesa de bilhar para fazer uma tacada propositadamente ruim.

 — Sei disso, mas a peça desta noite é Hamlet, e eu acho que vocênão iria gostar nem um pouco do final.

 — É uma tragédia? — E, sim. Uma grande tragédia. — Ele afastou-se para que ela

 pudesse jogar, e a tacada não foi das piores. Mais uns dois ou trêsanos, Peep estaria em condições de enfrentar de igual para igual oscálculos precisos de Shay. — Vamos fazer uma troca? A próxima peça aestrear no Drury Lane será Sonho de uma Noite de Verão; se você abrir mão de Hamlet, vou levá-la para assistir ao novo espetáculo. O que mediz?

 — Só você e eu? — Só nós dois.

 — Então eu aceito a troca. — O sorriso de Penelope pareciaresplandecer mais do que o sol. — Você tem andado ocupado, eu tenhotido vários compromissos, por isso será muito bom passarmos umtempinho na companhia um do outro.

 — Perdoe-me se não tenho lhe dado a devida atenção, Peep. — Uma grande festa de aniversário com acrobatas iria compensar 

o seu deslize. — Vou me lembrar disso. — Fazendo força para não rir, Sebastian

foi para junto da filha e se agachou diante dela para lhe dar um beijo.

 — O que acha de fazermos uma pausa para o almoço?Penelope beijou-o na testa. — Você é um pai muito bom. sabia? — Eu tento. De coração.Erguendo-se, Sebastian esperou que ela deixasse o taco sobre a

mesa e os dois então desceram para a sala de refeições. Peep precisava de uma mãe. O que era natural; decerto tinha agora umavaga lembrança de Charlotte e, apesar de ambos falarem dela comcerta freqüência, era evidente que aquelas conversas ultimamente

soavam quase como contos de fadas.Mas e ele, queria se casar novamente? Um ano atrás, iria rejeitar aidéia de plano. Agora, porém, não sabia o que pensar.

Ou melhor, sabia, sim, que Margaret Trent seria uma companheiramais adequada do que Josefina Embry. Primeiro, porque Margaret nãoera herdeira de uma monarquia centro-americana; segundo, ela nãovirava seu mundo de ponta-cabeça, como Josefina parecia ter o dom defazer. Não queria seu mundo de pernas para o ar. Ah, malditasirigaita... Sem notar, bufou ruidosamente.

 — Algum problema, papai?

Page 57: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 57/156

 — Não foi nada, querida. Vá tomar seu lugar à mesa, sim? Precisofazer uma anotação antes que me esqueça.

Penelope seguiu sozinha para a sala, enquanto ele subia osdegraus que acabara de descer.

No alto da escada, Sebastian rumou para a biblioteca, onde, acimada lareira, ficava o retraio da tão querida Charlotte. Mesmo nasuperfície plana da tela, os olhos azuis de sua finada esposa davam aimpressão de cintilar, e os sedosos cabelos ruivos, presos no alto dacabeça com algumas mechas soltas sobre os ombros, pareciam tocados pela aragem enquanto ela, no jardim, detinha-se para lhe endereçar umsorriso.

 Ainda se lembrava perfeitamente bem da voz, do riso, doscarinhos de Charlotte... Assim como também se recordava dos últimosdias dela, da pele esmaecida e ressequida, dos olhos sem vida, do

sorriso que era apenas uma máscara com o propósito de alentá-lo. Oque não conseguia trazer à memória era a última vez em que Charlotteestivera em seus sonhos. Por meses a fio, sonhara com ela noite apósnoite e. se não fosse por Peep ou pelos irmãos, teria preferido nuncamais despertar. Depois ela começara a visitá-lo com menosregularidade, porém ainda amiúde. E então... Quando fora que ossonhos haviam se interrompido? E por que, nas últimas cinco noites,sonhara com outra pessoa?

Recompondo-se, foi para seu gabinete e ali escreveu uma breve

mensagem a lorde Beltram, um dos secretários para os arquivos públicos. Se havia alguém capaz de descobrir o atual paradeiro de JohnRice-Able, esse alguém era Beltram. Antes que permitisse ao seucoração se enredar nos meandros da paixão, precisava entender por que o que era um paraíso para uma pessoa não passava de um charcoinfestado de insetos para outra.

 — Não estou entendendo. — Conchita travou o fecho do colar de pérolas ao redor do pescoço de Josefina. — Então agora há dois duquesa cortejá-la?

 — Não. —Após uma última olhadela no espelho, ela se levantou. — Oficialmente, ninguém está me cortejando. — E não oficialmente? — Extra-oficialmente, acho que um deles quer se casar comigo e o

outro quer me levar para a cama. — Ao ver a criada fazer um ar horrorizado, indagou: — Você é ou não é minha confidente?

Conchita se curvou numa mesura antes de afirmar: — Claro que sou. — Então, conto tudo isso para que você saiba o que está

acontecendo. E também porque tenho certeza de que não irá dizer nada disso a ninguém.

Page 58: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 58/156

 — Eu jamais faria isso, Vossa Alteza.

 Após acenar com a cabeça num gesto aquiescente, Josefinadesceu para o hall de entrada do casarão, onde o duque de Harek esperava por ela.

 — Você está mais linda do que qualquer outra criatura existentena face da Terra. — Dito isso, Harek curvou reverentemente.

 — Obrigada, Vossa Graça. Vamos indo? Não vejo a hora deconhecer o teatro.

Harek ajudou-a a entrar na carruagem, em seguida fez o mesmocom Conchita e, por fim, acomodou-se no veículo ao lado delas. Ocoche partiu tão logo a porta se fechou.

 — Você costumava ir ao teatro na Jamaica? — Sempre que possível — respondeu Josefina. — Se bem que, nos

dois últimos anos, estivemos todos muito atarefados. — Eu também tenho andado sedento por cultura. — Nesse caso, imagino que nós dois iremos nos divertir muito. — Diga-me: quando seu pai volta da Escócia, Vossa Alteza?

Confesso que estou ansioso por conhecer o rey e dar início aos meustrabalhos como intercessor para os assuntos de Costa Habichuela.

 — Você já está trabalhando a nosso favor só em fazer com que euseja vista. Quanto ao rey, deve estar de volta a Londres no final dasemana que vem. Temos de providenciar a compra de provisões para a

viagem de regresso à América Central. — Espero que haja espaço no navio para passageiros extras — 

afirmou Harek com um sorriso. — Tenho certeza de que vários bretõesestão interessados em começar vida nova do outro lado do oceano, nacompanhia de... bem, da pessoa adequada.

 — Isso é meu pai quem irá resolver. — Josefina tornou a suspirar.Se ele quisesse deixar suas intenções ainda mais claras, iria ter de tirar um padre do bolso do paletó.

 — Certamente. — E, mudando de assunto, ele pôs-se a falar da

caça à raposa na Inglaterra.Enfim a carruagem parou, e Harek foi o primeiro a saltar para ochão.

Uma infinidade de veículos tomava a rua no quarteirão em queficava o teatro. Assim que entraram, havia tantas pessoas no saguão egalgando a escadaria central, que parecia impossível encontrar umlugar onde pôr os pés. Princesa, duques, cavaleiros, comerciantesabastados, ninguém ali parecia ter espaço nem para respirar normalmente. Porém de súbito se abriu um caminho diante dela.

 — Por aqui, Vossa Alteza — anunciou o duque de Melbourne,oferecendo-lhe o braço.

Page 59: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 59/156

 Ao aceitá-lo, Josefina percebeu de rabo de olho que o irmão doduque, Charlemagne, se achava junto dele. Naquela noite Sebastianestava todo de preto, a não ser pela gravata em estilo plastrãoimaculadamente branca, e o resultado era... hipnótico. Que odissessem as damas que pareciam devorá-lo com os olhos.

 — E sempre assim tão cheio, Melbourne? — Enquanto subia osdegraus ao lado dele, Josefina reparou que multidão se afastava paralhes dar passagem e, pela primeira vez desde que aquilo tudocomeçara, sentiu-se uma princesa de verdade.

 — Você é o assunto do momento na alta sociedade. Todos queremconhecer os Embry que estão trazendo tanta prosperidade a Londres. E pode me chamar de Sebastian, se preferir.

 — Vamos ver — retrucou, toda arrepiada.Lá em cima a aglomeração não era tão compacta, tanto que dava

até para reconhecer pessoas que ela já conhecia de outros eventos.Enquanto avançavam por um corredor bem menos apinhado de gente, Josefina deu uma espiadela por cima do ombro e constatou que Harek eCharlemagne vinham logo atrás, com Conchita a poucos metros de dis-tância dos dois.

 — Sempre tive alguém por companhia — comentou, olhandoSebastian de soslaio. — E por isso que seu irmão está aqui hoje? Para proteger você?

Os lábios dele se curvaram num sorriso de parar o coração.

 — Meu irmão está aqui para manter Harek ocupado caso vocêqueira que eu lhe mostre um espaço reservado.

 — E se eu não quiser? — E você quem sabe. — Você é sempre tão seguro de si, não? — Isso você terá de descobrir. — Aprumou-se. — Chegamos. Você

 primeiro, por favor. — Afastando a majestosa cortina vermelha,esperou que ela entrasse no seu camarote privativo.

 Josefina teve a sensação de penetrar num outro mundo. Aquele

teatro era no mínimo três vezes maior do que o que havia freqüentadoem Morant Bay, e as fileiras que compunham a platéia lá embaixo mais pareciam um reluzente e multicolorido oceano.

 — Vossa Alteza e Harek ficam com as poltronas dianteiras — Sebastian ia dizendo. — Shay e eu nos curvamos à sua popularidade.

Havia três poltronas na parte da frente do camarote voltada para o palco e outras quatro atrás, sendo que Conchita já havia se instaladona que proporcionava a pior visão do palco, num dos cantos da primeira fileira.

Page 60: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 60/156

 — Venha. — Sebastian ajeitou a poltrona para ela, em seguida lhesoprou no ouvido: — Vai ter de me imaginar sentado às suas costas,admirando-a, contemplando o delicado contorno da sua orelha.

 Josefina, que queria sentar-se junto dele, girou o pescoço paraencará-lo.

 — Decerto mal me lembrarei de que você está aqui. — Mentirosa.Ela sentiu os pelos da nuca se eriçarem. Fossem quais fossem as

diferenças que tinha com Melbourne, Harek obviamente estavasatisfeito como um gato com uma bola de lã por ser visto ao lado delana primeira fileira do melhor camarote do teatro. Atrás dos dois,Sebastian e Charlemagne falavam em voz baixa de uma festa deaniversário com acrobatas.

 — Deixe-me avisá-la: além de essa peça ser um inferno de longa, o

intervalo deve ocorrer duas horas após o início da apresentação — sussurrou Harek. — Por isso, pegar no sono não é nenhum pecado...desde que não caia da cadeira.

 — Isso não me preocupa, mas de qualquer modo, obrigada peloaviso.

Enquanto ele se debruçava sobre a mureta do camarote paracumprimentar alguém na platéia, Josefina se inquietou ao ouvir o irmãodo duque de Melbourne resmungar a palavra "palhaço". Não quetambém não achasse Harek um palerma, opinião provavelmente

compartilhada por toda a alta sociedade londrina; só não queria queaquele tipo de comentário chegasse aos ouvidos da sua família.

Em poucos instantes, as cortinas se ergueram, a peça teve início eela se recostou ao espaldar da poltrona.

Vinte minutos depois, ao escutar um ronco, Josefina virou-se paradeparar com Harek afundado na poltrona, os braços cruzados sobre o peito e a cabeça tombada para trás. Bem, agora era rezar para que elenão cometesse o pecado de escorregar para o chão... A ironia, porém,não parecia boa companhia no momento, especialmente quando

Melbourne por certo se achava com todos os sentidos mais do quealertas. Droga, não tinha a menor vontade de ficar sentada ao lado deum palhaço roncador por quatro horas a fio... sobretudo se pudesse passar alguns instantes desse espaço de tempo sendo beijada por umhomem que fazia seu sangue arder de desejo. Levantou-se.

 — Deem-me licença por uns minutinhos, sim? — sussurrou,seguindo para os fundos do camarote enquanto Conchita se punha em pé.

 — Vou lhe mostrar o caminho. — Sebastian também se ergueu. — 

Quer um cálice de vinho do Porto, Shay?

Page 61: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 61/156

 — Sim, obrigado. — Após se erguer à passagem da princesa,Charlemagne tornou a se sentar. — Vou ficar de olho no nossoconvidado, assim se evita que ele venha a perder o equilíbrio e acabeescarrapachado no carpete.

 Josefina pestanejou um par de vezes ao deixar o camarote, pois ocorredor iluminado pela luz de velas parecia muito mais claro emcomparação com a penumbra que imperava no interior da sala deespetáculos.

 — Por aqui. — Sebastian guiou-a até um dos cubículos reservados, porém se deteve diante do cortinado para indagar à criada: — Comovocê se chama?

 — Conchita, Vossa Graça. — Conchita, você vai ficar esperando ali. — Mostrou um ponto

 junto à parede a um metro e meio de distância. — Está bem assim?

Ela olhou para Josefina. — Faça como ele pediu, Conchita.Depois de fazer uma mesura, a moça foi se colocar no lugar 

indicado. Sebastian então deu uma olhadinha pelo corredor, emseguida abriu uma fresta na cortina rubra como sangue.

 — Você primeiro, por favor.Mesmo se quisesse opor-se à vontade dele, Josefina não resistiu

àquele tom de voz. Sem nada dizer, entrou na pequena câmara e, logoem seguida, ouviu o cortinado carmim voltar a se fechar. Ali dentro, a

voz dos atores no palco vinha filtrada pelas paredes e tapeçarias doteatro:

Ultimamente, milorde, ele tem me dado muitas demonstrações deternura.

 — Tenho de dizer — sussurrou Josefina, fitando-o à claridade daúnica vela que iluminava a minúscula alcova— que isto é muitoatrevimento da sua parte.

 Após sustentar por alguns instantes o olhar que o sondava,Sebastian se aproximou um passo, e a desconcertante sensação que

havia se apoderado dela por pouco não se transformou numa vertigem.Por Deus, crescera rodeada de soldados e das estúpidas tentativas queeles faziam para seduzi-la; então por que o modo como o duque deMelbourne a encarava fazia seus joelhos amolecerem?

Poderia dizer a si que era porque precisava contar com acolaboração e a influência dele, só que em nenhuma outra dasaventuras em que se engajara havia se sentido daquela maneira.

 — Você sabe quem é John Rice-Able? — Sebastian a interpelou. — Como? Ora, não estou aqui para ser questionada.

 — Correu um dedo pela lapela do paletó aveludado. — Beije-me...Ou então vá embora, para que eu possa retornar ao camarote.

Page 62: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 62/156

 — Isso é um "'sim"?Ele estava tão perto, que Josefina tinha de levantar o rosto para

 poder olhá-lo nos olhos. As mechas castanhas sobre o colarinho, a bocabenfeita... Se ao menos aqueles olhos tão intensos não...atormentassem seu íntimo do mesmo modo como provocavam seucorpo.

 — Não, não conheço nenhum John Rice-Able. Por quê? Ele faz investimentos?

 — Escreve livros. Pensei que vocês se conhecessem. — Não. — Incapaz de se conter, ela passou os dedos pela manga

do paletó dele. Era tão difícil não tocá-lo... — Está com ciúme desse indivíduo? — Não, já que vocês não se conhecem. — Segurando no queixo

altivo, Sebastian baixou o rosto em direção ao rosto dela e, quando

suas bocas estavam prestes a se tocarem, deteve-se. — Diga o meunome.

 — Melbourne. — Não. O meu nome de batismo. — Sebastian — ela murmurou num sopro de voz.Ele a beijou. Enlaçando-o pelo pescoço, Josefina sentiu-o empurrá-

la de encontro à parede para então agarrá-la pelos quadris e apertá-lacontra o corpo como se disso dependesse para continuar vivo.

 — Quero mais — ela sussurrou, pela primeira vez não se

importando em fingir sinceridade ou premência na voz. — Quero você,Sebastian.

Sem nada dizer, ele levou uma das mãos até o ombro dela para,num movimento ansioso, empurrar a alça do vestido bordo para obraço todo trêmulo. E, ainda em silêncio, refez com os lábios o percursoafogueado que antes executara com a ponta dos dedos.

Baixando a alça do vestido até o cotovelo, ele expôs um seio alvoe roliço e, por alguns instantes, ficou a admirar o colo que palpitava dedesejo. Por fim, comentou com a voz embargada:

 — Faz muito tempo que eu não... — Mas não soube como terminar. A solidão e a urgência contidas naquela confissão calaram fundono coração de Josefina. Era isso o que tanto temia: que o duque fossequerer mais do que ela tinha para dar. No entanto, já havia pulado nofogo, e sua pele estava em brasa.

 — Para mim, faz uma vida inteira — murmurou.Ele tornou a beijá-la, e Josefina suspirou. Aqueles dedos ágeis, que

faziam lembrar o toque de plumas, começaram a desenhar círculoscada vez menores ao redor do seu mamilo, até irem pousar sobre o

bico rijo para afagá-lo em carícias lancinantes. Carícias que pareciam se

Page 63: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 63/156

refletir na região entre suas pernas... Ela estremeceu ante a excitaçãoque a assaltava.

 — Diga-me onde irá morar em São Saturus — ordenou Sebastian,antes de deslizar a boca pelo ombro dela e ir mordiscar o mamilotúmido.

 — Oh... Deus... — Enfiou os dedos por entre os cabelos dele. — Por quê?

 — Porque quero ouvi-la falar disso. — Estive lá só... oh, uma vez. — Suas pernas ameaçavam dobrar-

se enquanto ele, após afastar a alça do seu ombro esquerdo, punha-sea acariciar seu outro seio também.

 — De que cor é a casa? — Branca... Pedras brancas, com janelas... humm, janelas altas

que... que deixam entrar a brisa do mar.

 — Quantos cômodos?Por acaso ele estava pensando em se mudar para lá? Oh, tomara

que sim, especialmente se quisesse afagá-la daquela maneira noiteapós noite.

 — Quantos? Mais de uma centena... Para alojar a guarda real... e ogabinete de ministros.

Sebastian se aprumou e, sem deixar de afagar um seio sequiosode carícias, murmurou de encontro aos lábios que ansiavam por outrobeijo:

 — Quer saber de uma coisa? — Diga — pediu Josefina no mesmo tom, pressionando o colo

contra a mão dele. — Acho que você está mentindo. — E, depois de um beijo quase

bruto, levou as tiras do vestido de volta ao lugar delas antes de seafastar.

Tomada de um misto de surpresa, desejo e frustração, Josefinaindagou:

 — Como? Do que está falando?

 — Ainda não sei muito bem o quê, mas algo de muito estranhoestá acontecendo. — O que está acontecendo, seu canalha — ela ajeitou o vestido —,

é que você acaba de provar que não vale nada. — Passando por ele,estendeu o braço para a cortina.

Dura e pesada como se feita de chumbo, a mão de Sebastiandesabou sobre o ombro dela.

 — Ainda não terminamos. — Obrigou-a a se virar. — Como faz isso?

 — Faço o quê? — Josefina soltou-se com um repelão. — Não sei do que...

Page 64: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 64/156

 — Como faz com que eu... deseje você como louco? E seu perfume? Alguma poção que passa na pele? O que...

 — Então acha que precisa ser dopado para se sentir atraído por mim? Nossa conversa termina por aqui, senhor. — Tornando a se virar,abriu o cortinado com um puxão e saiu para o corredor.

 — Vossa Alteza? — Conchita correu ao encontro dela. — Está... Josefina passou pela criada como um raio. Queria fugir dali, de

Londres, do próprio corpo, ainda sensível e ardente por causa doscarinhos dele. Oh, naquele instante odiava Melbourne com todas asforças... e ainda assim o desejava como nunca. Maldição! Maldição dosinfernos!

Sebastian tornou a fechar a cortina. Em nome da decência, precisava ficar mais alguns minutinhos ali. Deus, ela o deixava

loucamente excitado, e ainda que seu lado lógico e prático estivesse pronto para dar um fim àquele tête-à-tête antes que algum estrago demaiores proporções se consumasse, tudo o que seu corpo queria eralevar aquele contato íntimo às últimas conseqüências.

 A princípio, bem que pretendia seguir adiante, ir até onde fosse preciso para descobrir o que havia na princesa e a respeito de CostaHabichuela que tanto o intrigava. Mas então, antes mesmo do quesupunha, ela fizera uma afirmação que soava absolutamente falsa. Por que São Saturus, uma cidadezinha pitoresca com uma população

basicamente de nativos e apátridas ingleses, segundo observações da própria Josefina e do pai dela, haveria de ostentar um monumental palácio de pedras brancas com mais de uma centena de cômodos? Orei Mosquito não residia lá, caso contrário não teria dado tamanhotesouro de mão beijada. E se tivessem conhecimento de uma proprie-dade de tais dimensões debruçada sobre uma resguardada enseadaoceânica, os espanhóis por certo teriam enviado suas tropas paraconquistá-la.

Ou talvez ela tivesse exagerado só para impressioná-lo.

Possivelmente o suntuoso palácio não passava de uma pequena villacom um décimo dos aposentos que Josefina mencionara.Provavelmente a brisa marinha era aprazível e relaxante como ela e olivreto afirmavam. E decerto ele era um idiota procurando motivos paradesconfiar da mulher por quem sentia profunda atração.

 Após murmurar uma praga, abriu a cortina e, de pronto, um brilhocor de creme no carpete chamou sua atenção: o colar de pérolas que Josefina evidentemente deixara cair. Abaixando-se, enfiou a joia nobolso antes de ir procurar um lacaio e alguns cálices de Porto.

Page 65: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 65/156

Quando ele retornou ao camarote, Josefina tinha se acomodadonovamente ao lado do ainda adormecido Harek. Com um suspiro,entregou um dos cálices ao irmão e se sentou.

 — Por que demorou tanto? — Charlemagne se apressou em perguntar.

 — Pedi que providenciassem uma garrafa de outra safra, pois merecuso a tomar aquela beberagem aguada que é servida aqui. — Antesque o irmão insistisse no assunto, tirou o colar do bolso para examiná-lo por um instante.

 — O que... — Shh. — Inclinando-se, Sebastian roçou os lábios na orelha

esquerda da princesa. — Acho que isto é seu. — Então passou o braço por entre as poltronas para lhe entregar a joia. — Guarde-o na carteira.Não ficaria bem se alguém a visse arrumando-se em público.

 — Obrigada, Vossa Graça. — Mas à firmeza da voz se contrapunhao tremor da mão dela.

 Ao perceber que Charlemagne continuava olhando para ele,Sebastian, recostando-se ao espaldar da poltrona, explicou:

 — Ela o deixou cair. — Sei.Durante o intervalo, Josefina sorriu a torto e a direito e trocou

 palavras com enlevados conhecidos como se o duque de Melbournenão tivesse lhe arrancado gemidos e parte da roupa no decorrer da

 primeira parte da apresentação. E sempre com o cuidado de manter Harek ou Charlemagne, quando não os dois, entre ambos. Estaria maisirritada por não ter sido plenamente seduzida ou por que fora peganuma mentira? Bem, isso era algo que, mais cedo ou mais tarde, eleiria descobrir.

CAPÍTULO III

 Ao tomar seu assento na Câmara dos Lordes na manhã seguinte,Sebastian teve de dissimular um bocejo. E, com as energias minadas pelas quatro horas de tragédia dinamarquesa seguidas por outras seisde insônia, nem esperou o término das discussões acerca da nova ro-dada de gastos do príncipe regente para bater de leve no ombro docavalheiro sentado logo abaixo dele. O nobre se virou.

 — Melbourne. — Lorde Beltram. Por acaso recebeu minha requisição? — Recebi, sim. E já localizei a pessoa que está procurando. — 

Tirou um pedaço de papel dobrado em quatro do bolso interno do paletó. — Aqui está. Ele mora em Eton. Na verdade, leciona lá.

Page 66: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 66/156

 — Muito obrigado. — Tomando o papel, Sebastian o desdobrou para conferir o endereço. — Você me poupou de uma série dediligências.

 — Então talvez não vá se incomodar em me apresentar àquelacomitiva real centro-americana quando eles regressarem a Londres. Anoventa libras por apólice, vou resgatar empréstimos que fiz na Itália para adquirir títulos públicos de Costa Habichuela. Que quantidadevocê já comprou? Meio país, aposto, visto que praticamente tem o rey na palma da mão.

 — Irei apresentá-los a eles, William — respondeu Sebastian comcautela. Se suas suspeitas fossem

infundadas, não podia correr o risco de afugentar os investidoresde que o recém-fundado país tanto necessitava. — Mas você estásabendo que Harek assumiu o posto de intermediário para os assuntos

daquela nação, não? Mal tenho tido tempo para cuidar dos meus pró- prios assuntos.

 — Ah, certamente. — O olhar de Beltram deslocou-se para alguémàs costas dele. — Lorde Deverill.

 — Beltram, Melbourne — cumprimentou o marquês com um tapano ombro do cunhado.

 — Valentine. —Virando-se, Sebastian olhou-o de cima a baixo. — Não é um pouco cedo demais para você?

 — Ah, você nem imagina... — Largou-se sobre sua cadeira. — Os

dentinhos de Rose estão nascendo, e Eleanor cismou que banhos emágua de lavanda irão acalmar a pequenina, o que me levou a decidir que no momento a Mansão Corbett é o lugar mais barulhento de toda aGrã-Bretanha.

Rindo, Sebastian lembrou: — Você foi avisado de que a vida em família tem seus perigos. — Sim, eu sei. E a verdade é que adoro tudo isso na maior parte

do tempo. Mas, por falar em idiotas, parece que Harek vai levar a princesa a Tattersalls hoje.

 — Estávamos falando de idiotas? — No fundo, idiota devo ser eu, que ainda não entendi por que ummonarca à procura de contatos e investidores deixou o intermediário para seus negócios, cuidando da filha dele e foi,para a Escócia.

 — Porque a melhor maneira de legitimar um governo recém-instituído é casá-lo com um fundado há muito tempo, já consagrado emuito respeitado.

 — Você já sabia, não é? Desde o início já tinha percebido quetentavam manobrá-lo em direção ao altar.

 — A estratégia não foi o que se poderia chamar de sutil.

Page 67: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 67/156

 — Mas então por que continua a valsar com a atrevida? Por queteve de levá-la ao teatro?

 — Independentemente de certas reservas, não tenho por quedissuadir investidores dispostos de comprar títulos de CostaHabichuela. Se eu cortar todos os vínculos com a comitiva real, é o quevai acontecer.

 — E bom ouvir isso. Assim que sair daqui, vou enviar meu contador ao banco para comprar cem apólices. Agora que tenho família, queroum investimento seguro, de longo prazo.

Com mil demônios. — Valentine, espere mais um pouco, sim? — Ah! Eu sabia. Que raios está acontecendo? — Talvez nada, mas o fato é que já conduzi negócios o suficiente

 para saber que quase nada no mundo não têm suas desvantagens ou

inconveniências. Ainda estou tentando descobrir quais são os pontosfracos de Costa Habichuela.

Sentada no banco que Harek havia escolhido a vários metros dedistância do cercado onde se realizava o principal leilão de cavalos deraça em Tattersalls, Josefina, que dava atenção a todos os que vinhamcumprimentá-la, obrigou-se a sorrir para o rapaz muito bem-vestidoque só faltava se ajoelhar a seus pés.

 — Comprei duas apólices ontem — dizia ele, completamente alheioao duque em pé junto ao banco e ao tenente May, um ostensivo

guarda-costas todo trajado de preto. — Vocês tencionam vender lotesde terras? Li o livreto e devo confessar que prefiro me arriscar a ser um proprietário rural em Costa Habichuela a contar com a caridade do meu pai e do meu irmão mais velho.

 — Esse é o filho caçula do marquês de Bronshire — cochichouHarek, curvando-se sobre ela. — Tem cinco irmãos mais velhos.

 — O rey não planejou esse tipo de empreendimento para estavisita à Inglaterra — retrucou Josefina, ainda sorrindo —, mas vou dizer a ele que temos um interessado em nossas terras.

 — Fale de mim também, Vossa Alteza! — gritou alguém no meioda aglomeração que a cercava. — E de mim! — Também estou interessado! Um dia destes, ainda troco esse

maldito emprego de ficar limpando sujeira de cavalo por um bom lotede terras e brisas vindas do mar!

Todos caíram na risada. Deus do céu! Como era possível quealguém estivesse disposto, ávido até, a trocar uma vida em família por um cantinho qualquer num lugar indômito e desconhecido? Mas antes

que encontrasse uma boa resposta para suas indagações, Josefina selevantou ao ver o trio de damas que se aproximava.

Page 68: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 68/156

 — Lady Caroline, lady Sarala — cumprimentou-as, inclinando acabeça. — E essa deve ser a cunhada de vocês, lady Deverill.

 A marquesa de cabelos castanhos fez um mesura, um gestodiscreto, porém respeitoso, que de pronto fez Josefina lembrar-se doirmão mais velho dela.

 — Estou muito contente por enfim conhecê-la, Vossa Alteza. Achoque sou a última pessoa em Londres a fazê-lo. — Lady Deverill colocou-se ao lado das cunhadas. — Não gostaria de descansar um pouco ealmoçar conosco?

 — Não é má idéia — respondeu Josefina, tentando não parecer ansiosa por escapar dali. — Vossa Graça, vou deixá-lo à vontade paraexaminar aqueles dois baios que está pensando em adquirir.

Harek fez uma reverência. — Minha caleche está à disposição, damas.

 — Obrigada — agradeceu a marquesa com um sorriso que não seexpressava em seus olhos —, mas temos nosso próprio meio detransporte. Vossa Alteza, por aqui, por favor.

Enquanto abriam caminho por entre a multidão, Conchita e otenente May colocaram-se nos calcanhares delas. A escolta de umacriada e de um guarda-costas no momento parecia excessiva, assim Josefina fez um sinal para que Conchita se aproximasse.

 — Você e o tenente May podem retornar à residência dosBranbury. — Ergueu a voz. — Certamente uma dessas damas tão

amáveis cuidará para que eu chegue bem em casa. — E claro, Vossa Alteza. Ao ver a criada ir ao encontro do tenente May, Josefina voltou a

atenção às jovens damas que agora a acompanhavam. — Melbourne pediu para vocês virem até aqui? — Odiava aquele

homem e odiava ainda mais ter sonhado a noite inteira com as mãos eos lábios dele a acariciarem.

 — Por Deus, não. — A marquesa se deteve junto a uma luxuosacaleche com o brasão amarelo dos Deverill pintado no painel da porta.

 — Caro! e Sarala não paravam de falar de você, e eu queria conhecê-la. Josefina deixou que o cavalariço a ajudasse a subir no veículoenquanto afirmava:

 — Embora meu país se beneficie do alvoroço que minha presença possa causar, preciso admitir que ter tantas pessoas à minha volta àsvezes é... desconcertante.

 —Todos adoram você, não é mesmo? — comentou Sarala com umsorriso.

Detectando um sotaque estrangeiro no falar da dama, ela indagou:

 — Se me permite a curiosidade, você não é daqui, é? Digo, deLondres?

Page 69: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 69/156

 — Cresci na índia e, devo confessar, não enfrentei a alta sociedadede Londres com tanta bravura como você — explicou a esposa deCharlemagne. — Shay me contou que você tinha um mar deadmiradores no teatro ontem.

Um deles com a boca em seus seios... Josefina se obrigou aretornar à realidade.

 Aquelas damas eram Griffin ou de nascença ou por intermédio docasamento, e Melbourne a chamara de mentirosa; seria muitainfantilidade presumir que tivesse sido convidada para almoçar nacompanhia delas por mera questão de delicadeza.

 — Todos têm sido muito gentis comigo — assinalou. — Pretende morar em Costa Habichuela? — quis saber Caroline,

sentando-se ao lado dela enquanto as cunhadas se acomodavam nocoxim voltado para o assento das duas.

 — E meu lar; é natural que eu queira morar lá. A caleche se punhaem movimento.

 — Tenho de lhe contar que Shay ficou fascinado com a brochuraque vocês deram a Melbourne —- comentou Sarala.

 — Fico contente que ele tenha gostado do livreto. CostaHabichuela é um lugar extraordinário.

 — A julgar pelo que ouvi minutos atrás, inúmeros bretões estãomuito interessados em ir para lá. — Lady Deverill a mirava com olhosda mesma cor do que os do irmão, porém muito mais calorosos do que

os dele. — Vocês já pensaram em abrir Costa Habichuela à imigração? — Creio que o rey quer avaliar o impacto de um incremento de

cidadãos e terras cultivadas antes de tomar uma decisão. — Uma abordagem muito sensata — condescendeu Sarala. — 

Economia é um dos meus passatempos.Que maravilha. Só lhe faltava ter de responder a perguntas para

as, quais não se sentia preparada. — Não posso deixar de indagar — interveio a marquesa, como se

só esperando pela oportunidade. — Por que foi que você esbofeteou

meu irmão. Ou muito me engano ou ninguém nunca teve coragem parafazer uma coisa dessas. — Melbourne mandou uma carruagem ir me apanhar quando havia

se comprometido a ir me buscar  pessoalmente, o que poderia denegrir a primeira impressão que as

 pessoas teriam de mim e do meu país. — A verdade não faria mal aninguém. — De mais a mais, acho que qualquer mulher se magoaria aosaber que o belo homem que havia se oferecido para acompanhá-la,simplesmente não se deu ao trabalho de aparecer. E, perdoem-me a

sinceridade, ele continua sendo um tanto arrogante e muito rudecomigo. Não sei por quê, ainda mais tendo em vista que o duque faz 

Page 70: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 70/156

questão de se mostrar extremamente gentil com todas as pessoas quecruzam o caminho dele.

 Já pronta para contar que elas três também já tinham sofrido comas oscilações de humor de Sebastian, Eleanor mudou de idéia eafirmou:

 — Melbourne é tido como um homem inescrutável. — Inescrutável? — A princesa sorriu. — Tendo em vista que ele é

seu irmão, não vou acrescentar outros adjetivos à descrição. — Você é mesmo uma autêntica diplomata — observou Caroline, e

as quatro deram risada.Um veículo emparelhou à caleche e, ao examiná-lo de rabo do

olho, Eleanor reconheceu a imponente carruagem negra com o brasãoescarlate dos Griffin na porta. Era só o que faltava. Erguendo o olhar à janela que tinha o cortinado aberto, deparou com Sebastian a encará-

la, o semblante quase sempre inescrutável com um ar de profundairritação.

 — Oh, céus — murmurou Caroline. — Ele não parece nem um pouco satisfeito.

 Ainda que com a respiração presa, Eleanor tratou de sorrir. — Problema dele. O duque de Melbourne não vai nos enxotar das

ruas. — E acenou para o irmão mais velho. — Nell, não o deixe ainda mais irritado — advertiu Sarala num

sussurro.

 Após seguir alguns metros ao lado delas, Sebastian bateu de leveno teto da carruagem e, de imediato, o

veículo entrou na rua transversal à em que estavam. Eleanor exalou o ar dos pulmões. Graças a Deus.

 — Peço desculpas se minha presença aqui com vocês lhes causoualgum transtorno — afirmou Josefina. — Sei que Melbourne nãosimpatiza comigo.

 — Tolice; ele antipatiza com quase todo mundo. Não leve isso asério.

 — Obrigada, lady Deverill. — A princesa sorriu. — Trate-me por Eleanor, sim?Embora desse a entender que fosse fazer algum outro comentário

sobre o ocorrido, a princesa pôs-se a falar do tempo. Aproveitando para perscrutar a fisionomia dela, Eleanor concluiu que, se Sebastian já eradifícil de decifrar, aquela jovem não parecia muito mais fácil. Mas, amenos que estivesse redondamente enganada, Josefina Embry achavaseu irmão no mínimo atraente.

Desistindo pela quarta vez de tentar terminar de ler aquele

 parágrafo, Sebastian tirou os olhos do jornal para indagar: — O que está fazendo?

Page 71: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 71/156

 — Veja. — Sentada ao lado dele, Penelope tentou lançar um cubode açúcar na xícara de chá usando uma colher como catapulta.

O torrão foi se chocar contra o jornal dele. Diabos. — Não ponha tanta pressão no cabo da colher — sugeriu ele antes

de retomar a leitura.Segundo o London Times, a princesa Josefina Embry de Costa

Habichuela havia agraciado Carlton House com sua presença navéspera, onde almoçara com Prinny e o duque de Harek. Um dia antesela fora a Greenwich para um passeio num dos navios da EsquadraReal. Londrinos de todas as camadas sociais estavam encantados comela; as moças atiravam pétalas de rosas a seus pés, os homens lheentregavam cartas com propostas de casamento.

Todo cidadão com um xelim de reserva parecia ávido por investir no "Condado da Inglaterra", como o povo começara a se referir a Costa

Habichuela. — Quanta besteira. — Como, papai? — Nada, querida. Eu estava lendo uma notícia a respeito da

 princesa Josefina. — As titias a levaram para almoçar há alguns dias. — Outro projétil

atingiu o jornal. — Mas não me convidaram. — Quem sabe suas tias não levam você junto da próxima vez, não

é? — Sebastian baixou o periódico. — Além do quê, a família de sua tia

Caroline chega a Londres amanhã, e você por certo irá querer visitá-los. — Sim, só que eles não são príncipes. — Lamento, Penelope, mas quanto a isso não posso fazer nada. — Mary Haley disse que você pediu a princesa em casamento e

que ela disse "não" porque você é só um duque e que foi por isso quevocê se demitiu do posto de intermediário.

Dobrando o jornal, ele o deixou de lado. — Estou começando a suspeitar de que Mary Haley seja uma

fofoqueira e que você passa tempo demais na companhia de...

 A porta da sala do desjejum se escancarou. — Eu estava rezando para encontrá-lo em casa. — Charlemagneentrou com um punhado de livros nos braços.

Penelope se levantou. — Mary Haley não é fofoqueira; é minha amiga, e é por isso que

me conta tudo o que tenho de saber. Agora, com a sua licença, vou dar de comer aos marrecos do parque. — Sem mais, deixou a salaestalando os sapatinhos no chão.

Ora essa. Não lhe faltava mais nada.

 — Interrompi alguma coisa? — Charlemagne largou os livros sobrea mesa.

Page 72: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 72/156

 — Só uma divergência de opiniões. — Fez sinal para um doscriados ao lado do aparador. — Tom, vá se certificar de que a sra.Beacham irá acompanhar lady Penelope ao parque.

 — Pois não, Vossa Graça. — O moço se foi como se tivesserodinhas nos pés.

 — Muito bem, Shay, o que houve?Sem perguntar se ele já tinha terminado o café da manhã,

Charlemagne empurrou todos os pratos para a outra ponta da mesa efoi se largar na cadeira em frente à que Penelope havia se sentado. Emseguida, puxou cerca de meia dúzia de livros para perto, a fim dedeixá-los ao alcance da mão.

 — Dê uma olhada nisto, Seb. — E o livreto sobre Costa Habichuela. — Sim e não.

 — Como assim? Abrindo um dos tomos, Charlemagne folheou algumas páginas até

encontrar o que queria. — Leia esse trecho da brochura em voz alta, Seb. — Então ajeitou

o outro livro à sua frente. — "Embora se imagine que a proximidade com a linha do Equador 

 possa deixar o clima insuportavelmente quente abafadiço o ano inteiro,Costa Habichuela é abençoada com uma larga extensão de..."

 — "...de terras litorâneas que, tarde após tarde, acolhem a aragem

aprazível e refrescante vinda do Oceano Atlântico. Essa brisa tem oefeito de tanto reanimar como rejuvenescer a população, além de propiciar a entrada e distribuição dos ventos alísios procedentes de praias remotas, um assunto que será tratado em profundidade no finaldeste capítulo." — Charlemagne fechou o livro, empurrando-o para oirmão.

Perplexo, Sebastian ficou olhando para o título impresso nacapa de couro do exemplar por alguns instantes antes de afirmar:

 — Isso... — Limpou a garganta, que sentia subitamente

ressequida. — Isso é um estudo sobre a Jamaica. — Encomendado pelo rei George II, com data de setenta e cincoanos atrás. — Charlemagne tornou a apanhar o livreto sobre CostaHabichuela para folheá-lo com um ar irônico. — Eu tinha certeza de que já havia lido isto em algum outro lugar.

 — Talvez o rey não tenha o dom de colocar idéias no papel. — Sebastian ouviu-se dizer. — Tomar emprestado alguns...

 — São capítulos inteirinhos, Seb. Tudo o que era oeste virou leste,o nome do rio e das cidadezinhas foram trocados, porém o mais é

idêntico. Os alísios até sopram na direção errada só para se adaptaremà localização do país.

Page 73: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 73/156

 — Pegou outro livro. — Quer ler a respeito da população? Está tudoneste aqui, Um Exame Cultural das índias Ocidentais. E o...

 — Já basta, Shay, Entendi o que está querendo me dizer. Não háuma só palavra original na brochura.

 — O que me leva a indagar como Costa Habichuela é na realidade. — Acho que vou ter de perguntar. — Sebastian se pôs em pé. — 

Com licença. — O rey ainda não voltou da Escócia. — Também se levantando,

Charlemagne juntou os livros numa pilha. — Mas a princesa está aqui. — Ao ver que o irmão fazia menção

de acompanhá-lo, Sebastian declarou: — Vou sozinho. — Você vai é perder a sessão no Parlamento se não for para lá

agora mesmo.

 Antes de deixar a sala, Sebastian disparou por sobre o ombro: — Ao diabo com o Parlamento. Josefina fez sinal para o mordomo do coronel Branbury, afirmando

assim que ele se acercou: — Grimm, dispense quem mais chegar, por favor. Diga-lhes que

volte amanhã. — Pois não, Vossa Alteza. Devo pedir à cozinha que providencie

mais chá e bolo? — Sim, obrigada. — Ao menos enquanto comia, a horda de

visitantes não falava, e o ar na sala de visitas talvez se tornasse um pouco mais respirável.

 — Vossa Alteza — lorde Ausbey se curvou com tamanhareverência que o alto de sua cabeça coberta por caracóis loiros quasechegou a tocar o carpete. — Não tenho palavras para lhe expressar minha gratidão por me receber nesta manhã. Sou um dos seus maisardentes admiradores. A bem da verdade, até escrevi um poema paradeclarar a profundidade dos meus sentimentos. — Tirou um pedaço de papel do bolso interno do paletó verde-musgo.

 — Adoraria ouvi-lo, lorde Ausbey. — Josefina correu a colocar amão sobre o braço dele a fim de impedi-lo de desdobrar o papel. — Mastenho de...

 — Por favor, Vossa Alteza, trate-me por Adam. Há muito esperoouvir meu nome em seus lábios.

Com um sorriso chocho, ela soltou o braço do aristocrata. — Assim você me envaidece, lorde Ausbey. Agora peço que me dê

licença, por favor. Preciso dar atenção aos demais. — Serrr mais, deu-lhe as costas para abrir caminho em meio ao mar de admiradores e

desocupados.

Page 74: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 74/156

Interceptando-a, Conchita pôs-se a afofar disfarçadamente asmangas do vestido cor de creme que ela usava enquanto lhecochichava:

 — Seu pai iria adorar ver todo esse interesse. — Bem que eu queria que papai estivesse aqui para lidar com isso.

Recebê-los com amabilidade não é problema, mas como se faz paraeles irem embora?

 — Por que não pergunta ao duque? — Ao ver lady Holliwell seaproximando com uma brochura na mão, Conchita tornou a se misturar à aglomeração de gente espalhada pelo recinto.

 A impressão dos livretos vinha se dando a toque de caixa, o queensejava uma despesa considerável, porém Josefina era da opinião deque gastar um punhado de xelins como forma de incentivar uminvestimento de milhares de libras seria uma troca mais do que justa.

 — Ah, eis Vossa Alteza. — Saltando à frente da condessa deHolliwell, o duque de Harek foi oferecer o braço à anfitriã.

 — Minha cabeça está rodando. — Pousando a mão no braço dele, Josefina obrigou-se a mais um sorriso. — Na verdade, estou mesentindo exausta.

 — Acho que posso cuidar dos nossos convidados caso você queirair se refrescar.

 — Nossos convidados? — Modo de falar — retrucou Harek com um dos seus sorrisos

encantadores. Após dar mais uma olhadela pela sala apinhada de gente, Josefina

aquiesceu: — Nesse caso, faça as vezes de anfitrião. Só vou lá em cima

arrumar o cabelo. — Não se preocupe. — O sorriso dele se alargou. — E de se

esperar que uma princesa queira manter a aparência impecável.O mais rápido que pôde, Josefina seguiu para o corredor, agora

tomado por um sem-número de pessoas, e dali subiu para seus

aposentos no segundo piso da mansão. — Vossa Alteza — bufou Conchita atrás dela —, está tudo bem? — Preciso de alguns minutos para me recuperar dessa balbúrdia.

Fique de olho em Harek, sim? Não quero que ele se declare rey enquanto ajeito meu cabelo.

 A criada deu meia-volta, e Josefina, tão logo entrou em seu quarto,fechou a porta e deitou a testa de encontro ao carvalho fresco. Não lhe passara pela cabeça que ser simpática e acolhedora pudesse ser tãocansativo.

 — Não me diga que seu estoque de lindas histórias se acabou.

Page 75: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 75/156

Grave e penetrante, a voz que conhecia tão bem a fez gelar.Correndo a se virar, deparou com ele apoiado à escrivaninha... e os papéis que ali deixara espalhados por sobre o tampo do móvel.

 — Que diabos está fazendo aqui? — Vim lhe fazer uma pergunta. — Saia já do meu quarto! — Quase sem pensar, aproximou-se da

cama... e da pistola que guardava na mesinha-de-cabeceira. — Se veiome visitar, então vá para junto dos demais lá embaixo.

Sebastian se aprumou, o que deu a Josefina a impressão de queele preenchia todo o aposento.

 — Acha que sou mais um da sua turba de bajuladores? — É o que parece, já que não consegue ficar longe de mim. — Não consigo, não é mesmo? — Caminhando até a porta, ele

trancou a fechadura.

 Ao ouvir o giro da chave no mecanismo, Josefina sentiu um arrepioao longo da espinha. Ainda assim, tentou manter a calma.

 — Que pergunta é essa que veio me fazer? — Quem escreveu o livreto sobre Costa Habichuela? — Então é isso o que queria me perguntar? Pensei que quisesse

seu posto de intercessor de volta. — Quem o escreveu? — Está procurando alguém para ajudá-lo a redigir sua biografia?

Posso sugerir o título: Memórias de um Homem Extremamente

Desagradável ou A História da Vida de Alguém que Você Não Quer Conhecer.

 — Você não tem medo de nada? — Por certo não tenho medo de você, Sebastian... Você me deu

 permissão para tratá-lo por Sebastian, não foi? — Dei, sim. E você me deu a liberdade de arrancar esse vestido e

deixá-la nua. A temperatura da pele dela se elevou. — Não, aquele era um outro vestido. Este fica onde está, pois você

me chamou de mentirosa. — Você é mentirosa! — Aproximou-se dela. — Quem escreveuaquela maldita brochura?

Deus, ele sabia. De algum modo, havia descoberto. — Quero a verdade, Josefina. — A verdade... — Ela respirou fundo. —- Muito bem. Quem

escreveu o livreto fui eu. — Ah. — Os olhos dele faiscaram. — Você tem conhecimentos

 profundos acerca de um lugar em que esteve por dois dias.

 — Elaborei aquele livreto antes de ir até lá. Meu pai me escreviacarta atrás de carta, descrevendo Costa Habichuela, e não havia tempo

Page 76: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 76/156

 para encomendarmos um levantamento completo, feito com todas asformalidades, ainda mais com a Espanha tentando forçar os rebeldes arecuarem. Assim, estudei outras obras a que tive acesso e... adaptei-asde forma a fazer com que se ajustassem às descrições de meu pai.

 — Então os nativos de Costa Habichuela se parecem com os dasíndias Ocidentais?

 — Vejo que andou pesquisando. — Josefina deu de ombros. — Ninguém se importa com a história dos nativos. Eles estão lá, e amaioria fala um pouco de inglês.

 — E São Saturus? — Um pouco menor do que descrita na brochura, mesmo assim é

muito bonita. E realmente se debruça sobre uma baía de fácil defesa. — Você fez os ventos alísios soprarem da direção errada. Josefina sentiu-se corar. Mentir era uma coisa, porém odiava

cometer equívocos tolos. — Só fui me dar conta disso depois que as cópias já estavam

impressas. — O que você fez, além de furtar o produto das pesquisas de outra

 pessoa, foi... — ao perceber que fitava os lábios dela, Sebastian correua olhá-la nos. olhos — de um atrevimento ímpar. Por acaso achou queninguém iria perceber?

 — Que mal há no que fiz? — Ela se aproximou para deslizar osdedos pelo contorno do maxilar dele, suavemente sombreado pela

barba que começava a crescer.Sebastian sentiu-se estremecer. — Provocar-me decerto irá me distrair, Josefina, mas não vai fazer 

com que eu esqueça o que sei.Com efeito, porém lhe daria tempo para avisar a seu pai que

Melbourne sabia sobre a brochura e também para tentar descobrir seele pretendia revelar a verdade a sir Henry Sparks ou qualquer outra pessoa, colocando em perigo o empréstimo que se achava em vias de ir  parar nas contas de Costa Habichuela.

 — Pesando suas opções, princesa?Diabos, ele não podia ler pensamentos. Ninguém era capaz de talfaçanha.

 — Estou me lembrando de quando, algumas noites atrás, vocêcolocou suas mãos em mim e depois me ignorou.

 — E?... — Ele se acercou ainda mais; achavam-se a meio caminho"entre a porta e a cama, a centímetros um do outro.

 — E eu acho que você deveria ir embora daqui. — Josefina seafastou. — Sejam quais forem as ofensas que pretende dirigir a mim,

nada será pior do que você aquela noite no teatro. — Volte aqui.

Page 77: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 77/156

 — Não. — Aproximando-se da mesinha-de-cabeceira, Josefina se virou para levar a mão à superfície encerada do móvel. — Não gosto que me dêem as costas. — Nem eu. — Mas nem bem ela abrira a gaveta do criado-mudo,

as mãos dele já estavam em seus ombros. — Vou calar essa sua boca desaforada. — E, trazendo-a de

encontro ao peito, Sebastian a beijou.Oh, Deus. Josefina sentiu uma intensa onda da mais pura excitação

 percorrê-la de cima a baixo, intensa e nem um pouco sutil. No entanto,assim que abriu a boca para receber a língua que instigava seus lábios,ele se afastou. Com a respiração entrecortada e faíscas nos olhosacinzentados, Sebastian olhou dela para a gaveta um par de vezesantes de tomar o revólver na mão.

 — E isso o que está pretendendo? Você quer me matar, Josefina?

 — Não. — Tirando a arma da frente, segurou-o pelos cabelos paratrazer os lábios que antes ameaçavam devorá-la para junto dos seus; a pistola foi ao chão, o duque gemeu baixinho enquanto a agarrava pelosquadris, e ela pôs-se a brigar com o nó da gravata.

 Após um instante de hesitação, Sebastian a impeliu para a cama ese deitou sobre ela, beijando-a em todos os lugares que ia desnudando.Com a sensação de que descargas elétricas percorriam suas veias, Josefina enfim o livrou da gravata.

 — Quero tocar você — murmurou, passando a desabotoar o colete

de seda dele.Sem nada dizer, Sebastian empurrou para baixo a parte dianteira

do vestido que ela usava para, com o mesmo ímpeto, tomar um mamilona boca e afagá-lo com a ponta da língua. Josefina arquejou de prazer.Era evidente que Melbourne não iria se deter, como fizera das outrasvezes. Oh, que assim fosse... Apesar do tremor nas mãos, fez o paletó eo colete escorregarem para fora dos ombros largos, e ele se encarregoude despi-los sem nem ao menos deixar de beijar seus seios e seu colo.

 Ainda assim, Sebastian teve de interromper as carícias por um

instante para arrancar a camisa de linho branco pela cabeça.Igualmente afoita, Josefina não perdeu tempo a correr os dedos pela pele tépida do torso recém-desnudo, deslizando-os por entre os pelosacastanhados até encontrar o cós das calças que ele vestia. Suave aotato, a pele sob sua mão recobria músculos firmes... Músculos que secontraíam ao seu carinho.

 Após tomar as saias do vestido nas mãos, Sebastian pôs-se de joelhos para alçar as camadas de tecido até ir juntá-las ao redor dacintura dela, e por alguns instantes, respirando com dificuldade, ficou a

contemplá-la em silêncio.

Page 78: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 78/156

 — Sente-se. — Assim que ela o fez, voltou a beijá-la enquantoabria os fechos do traje azul-celeste.

 Josefina sentiu o vestido afrouxar ao redor do seu peito, e então adelicada musselina foi cair mansamente sobre seu colo.

 — Levante os braços. — Pare de me dar ordens. — Apesar do protesto, fez o que ele

determinara. — Não sou criança. — Eu sei. — Despiu-a do traje, passando-o pela cabeça dela. — 

Você é Josefina Embry, princesa de Costa Habichuela, que tanto podeter como não o clima igual ao da Jamaica.

 — Já lhe disse que... — Desabotoe as minhas calças. Ao baixarmos olhos à saliência que inchava a parte dianteira da

indumentária masculina, ela sentiu novo assomo de concupiscente

volúpia tomar seu baixo-ventre e se espalhar por todo o seu corpo. — Você me deseja... — Desejo você desde o instante em que a vi. —Tomando as mãos

dela, levou-as à sua braguilha. — Desabotoe. — Então soltou as mãoshesitantes para afagar os mamilos já prontos para receber suascarícias.

 Após arfar ante as sensações que aquele carinho lhe provocava,ela afirmou:

 — Um dia irei lhe dar uma ordem, e você há de acatá-la. — Mas

sua voz trêmula irresoluta e seus arque-jos de prazer não soavammuito convincentes.

 — Duvido. — Com um gemido, ele curvou-se para trocar os dedos pela boca, sugando e mordiscando os bicos rijos que pareciam seoferecer aos seus carinhos.

Incapaz de resistir aos apelos do sedento querer que crescia emseu ventre, Josefina torceu e retorceu o primeiro botão até conseguir tirá-lo da casa e, quando levou os dedos ao botão seguinte, ouviuSebastian gemer.

 Ah, então o duque gostava de sentir suas mãos ali, não? Comgestos intencionais, e atenta ao fato de que estava completamente nuae ele, não, pôs-se a mover a mão para cima e para baixo ao longo dotecido que recobria a virilidade túrgida de paixão. E agora, quemestava no comando?

Em questão de segundos, porém, uma das mãos dele deslizou por todo o seu abdômen e, após acarinhar o manto encaracolado no alto desuas coxas, foi afagar o ponto mais sensível do seu corpo. Tomada por uma excitação lancinante, Josefina deixou escapar um gemido antes de

agarrá-lo pelos ombros.

Page 79: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 79/156

 — Sei que é uma delícia — murmurou Sebastian, penetrando-acom um dedo enquanto deslizava a língua pelo contorno da orelha dela.

 — Oh, céus... — Na ânsia do que ainda estava por vir, terminou dedesabotoar as calças de casimira e empurrou-as para baixo, suspirandoao deparar com o membro viril pleno de energia e apetite. — MeuDeus...

 — Deus não tem nada a ver com isso, princesa. — Num sómovimento, fez com que ela se deitasse novamente.

 Josefina nem ao menos imaginava do que uma boca era capaz atéele descrever, com lábios afoitos e língua cálida, um percurso sinuosoque, após deixar um rastro de fogo em seu pescoço, desenhouestimulante trilha no vale entre seus seios antes de avançar emtortuosa vereda rumo ao seu púbis.

 Ali, os lábios e a língua excruciantes se detiveram para produzir a

mais aflitiva e mais prazerosa de todas as sensações que eIa já haviaexperimentado na vida.

Com a impressão de que iria explodir, Josefina se contorceu ante aintensidade da tensão sensual que fluía do seu âmago de mulher e lhealcançava a extremidade dos braços e das pernas em contínuas eabrasadas ondas. E quando o sentiu instigá-la ainda mais intimamentecom a língua e o dedo, ouviu-se implorar:

 — Pare... Pare, não agüento mais. Sebastian ergueu a cabeça parafitá-la.

 — Se quiser que eu pare, pararei — murmurou com a voz rouca,inflamada de paixão, depois deu um daqueles seus sorrisos que adeixava meio zonza. — Mas aí irá perder o que vem depois.

 — Oh... — Ela fechou os olhos por um segundo, tentando manter um mínimo de controle sobre as emoções que a assaltavam. — Não...Não pare...

Ele voltou a baixar a cabeça, e pouco depois Josefina sentia umadeliciosa rigidez se formando na base de sua espinha. Quando percebeu, ouviu-se gemer baixinho, gemer e arfar e suspirar, e tudo o

que conseguiu fazer foi enfiar as unhas na coberta da cama. A tensãofoi se avolumando, concentrando-se, inturgescendo. . e de súbito a en-golfou numa sensação avassaladora, um extático arroubo de espasmosefervescentes e esplendorosos que pareciam não ter nem começo nemfim.

 — Deus... Oh, meu bom Deus... Deitando-se, Sebastian afagou-lheo rosto suado.

 — Só Ele sabe por que estou lhe dando esta última chance deescapar de mim, princesa.

Buscando forças nem sabia onde, Josefina o encarou. — Não quero nem vou escapar. Continue.

Page 80: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 80/156

 — Com todo prazer. — Acomodou-se sobre ela e, encaixando osquadris entre as pernas ainda meio bambas, penetrou-a nummovimento firme e incisivo. — Se a dor for muito intensa, diga.

 Josefina aquiesceu com um aceno. Não era dor o que lhe roubava afala, e sim a estonteante e indescritível emoção de sabê-lo dentro dela.

Incentivado pela anuência, Sebastian começou a mover-se calma ecautelosamente; pouco a pouco, porém, os movimentos ganharamnovo ímpeto, adquirindo cadência e vigor. Ao vê-lo fechar os olhos, Josefina conteve os arquejos para sussurrar:

 — Não quero que pense em outra pessoa quanto estiver comigo. — E em você que estou pensando. — E mordiscou a orelha dela

antes de preenchê-la completamente numa só investida. Ahh... A deliciosa rigidez começava a se formar novamente em

suas entranhas.

 — Então diga o meu nome, Sebastian.O ritmo dele se intensificou, os movimentos mais rápidos e mais

 profundos, a ponto de fazerem a cama ranger. — Josefina... Jo-se-fi-na... Abraçando o físico benfeito e todo teso que a preenchia em todos

os sentidos, ela se sentiu estilhaçar novamente em mil pedaços. Uminstante depois, ao estremecer dos pés à cabeça, Sebastian puxou oquadril de lado e, mergulhando o rosto na cascata de cabelos negros,deixou escapar um gemido rouco enquanto atingia o clímax com ela.

Quando enfim se deu conta do que havia acontecido, Josefina percebeuque estava... decepcionada. Sim, ele tomara o cuidado de evitar queficasse grávida; só que, se tivessem um filho, Sebastian teria de secasar com ela. E a verdade era que queria Sebastian Griffin, queria queseu duque só tivesse olhos para ela, que passasse todas as noites etodos os dias a seu lado, cego e indiferente a qualquer outra mulher nomundo.

Por alguns instantes, ele permaneceu com Josefina entre os braçosenquanto tentava recobrar o fôlego e a sanidade. Por Deus, como fora

 perder a cabeça daquela maneira?No momento em que entregaram aquele livreto a Prinny afirmandotratar-se de um autêntico retrato de Costa Habichuela, ela e o paihaviam cometido uma tramóia dolosa contra a Inglaterra. Mesmo quea tal brochura correspondesse ou não à verdade, algo de que agoratinha sérias dúvidas, de sua parte não tinha nada que se envolver,literal o metaforicamente, com essa mulher. Fora loucura.

Que diabos Josefina tinha feito com ele? E por que, mesmo depoisde tê-la levado para a cama e desafogado o desejo insano de sentir-se

dentro dela, já tinha ganas de possuí-la novamente?Trate de pôr a cabeça no lugar; Melbourne.

Page 81: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 81/156

Soltou-a, embora de má vontade, para se sentar. — E melhor você voltar para junto dos seus convidados. — Com

isso, escorregou para fora da cama e começou a se vestir. — E tudo o que tem para me dizer? — Josefina o interpelou

enquanto se punha sentada. — "Volte para junto dos seus convidados"?O que há? Você não gosta de mim, é isso?

 — Gosto muito de você, Josefina. E não sou nenhum bicho, queacasala quando chega a temporada do cio.

 — Então o que foi? Porque eu também gosto muito de você.Decidindo-se pela verdade, pois ela a merecia, Sebastian admitiu: — Não confio em você. — Hum. — Erguendo-se, ela também cuidou de recolocar suas

roupas. — Isso é algo bastante arriscado de se dizer, tendo em vistaque só preciso abrir essa porta e desatar a gritar para que, até

domingo, estejamos casados. E ainda que toda a sua onipotência olivrasse de ver-se obrigado a me desposar, você não teria como sesafar de um belo de um escândalo. — Deu-lhe as costas. — Feche omeu vestido. Não alcanço os colchetes.

 — Vou tomar isso como um indício de que você não pretendedesatar a gritar. — Aproximando-se, fechou as presilhas ao longo da parte posterior do traje azul e, ao terminar, depositou um beijo na nucatão convidativa. Era evidente que fazer amor com Josefina não surtiraefeito; o desejo que tinha por ela estava mais vivo do que nunca em

seu corpo.Ouviu-a suspirar e, de pronto, sentiu sua masculinidade se

contrair. Sem pensar em mais nada, rodeou-a para ir erguer o rostodela e beijá-la. Josefina enroscou os dedos em seus cabelos, pressionando o corpo esguio contra o seu. Fisicamente, apesar do tapae outras bravatas, ela não estava à sua altura; já mental eemocionalmente, a diferença não era tão gritante. A princesa oquestionava e o desafiava como ninguém jamais o fizera.

 — Sem gritos — Josefina murmurou de encontro aos lábios dele — 

se você se juntar ao nosso grupo em Vauxhall depois de amanhã. — Não. — Afastou-a de si. — Eu a desejo, sim. Só que, como jádisse, você não me inspira confiança. Até que se digne a esclarecer todas as dúvidas que tenho sobre Costa Habichuela, não vou endossar seus esforços para arrecadar recursos entre os cidadãos deste país.

 — Você é um cavalheiro muito íntegro, não? Exceto quando setrata de deitar-se com uma mulher só porque sente desejo por ela. Seme permite, acho tudo isso mera hipocrisia, Melbourne. — Virando-se,foi até a penteadeira para se olhar no espelho.

Page 82: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 82/156

Sebastian bufou. Por que raios esperava que a atrevida fosse sederreter, fosse abaixar a crista e se comportar com meiguice e recatosó porque fizera amor com ela?

 — E possível que eu vá a um outro lugar qualquer menosfreqüentado, Josefina. Talvez. Não me rebaixarei a ser seu micoamestrado.

 — Diga o bem entender, Sebastian, pois sempre consigo o quequero.

 — É o que veremos, mas numa outra oportunidade. — Sehouvesse outra oportunidade, já que algo lhe dizia que, quando tivessetodas as respostas que queria e decidisse quais medidas precisavatomar, a princesa Josefina não iria ter nenhum motivo para querer suacompanhia novamente.

 — Imagino que vá sair daqui pela janela, não? — Após se certificar 

de que tinha as roupas e os cabelos em ordem, ela se encaminhou paraa porta. — Cuidado para não cair sobre as rosas. Meu pai não se cansade dizer que o coronel Branbury cuida pessoalmente daquele canteiro.

 — Grato pela consideração. — Mande um bilhete nos convidando para seu camarote em

Vauxhall. Por certo você tem um lugar melhor do que o de Harek. — Não, e não vou tornar a repetir. Josefina mostrou a língua para ele e, sem esperar pela resposta,

deixou o aposento e fechou a porta.

 Ao chegar em casa, Sebastian entregou as rédeas de Merlin paraGreen e subiu os degraus à entrada da mansão. No vestíbulo,respondeu ao cumprimento de Stanton com um grunhido e, apanhandoa correspondência, seguiu pisando duro para seu gabinete. Aquela petulante conseguira dar um nó em sua estratégia com espantosafacilidade. Também, quem lhe mandara perder o controle quandoestava junto dela?

 — Stanton! A porta do gabinete não demorou a se abrir.

 — Sei que já me disse que ficasse calado e o deixasse pensar — observou Charlemagne quando o coche se deteve e ambos saltaram para o chão —, mas é que você parece um tanto... preocupado comtudo isso.

Partindo em direção ao edifício onde fitavam os alojamentos dos professores, Sebastian olhou de relance para o ponto onde, ao sul, oscontornos do Castelo de Windsor assomavam sobre eles.

 — Pois não, Vossa Graça? — Vou fazer uma pequena reunião em Vauxhall depois de amanhã,

à noite — afirmou com azedume. — Providencie os preparativos e tudoo mais, sim?

Page 83: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 83/156

 — Certamente, Vossa Graça. Assim que a porta tornou a se fechar, ele recostou-se ao espaldar 

da poltrona para examinar a pilha de cartas, bilhetes e cartões devisitas. O de sempre, mais o relatório semanal de Whitlock, oencarregado da administração da Estância Melbourne, e notícias deoutras três de suas propriedades... Já prestes a pôr a correspondênciade lado, levou um susto ao pousar os olhos sobre o nome do remetenteda carta que vinha de Eton e, com o coração acelerado, tratou então deromper o lacre de cera da mensagem.

Nem bem terminou de ler a missiva, Sebastian pôs-se em pé deum pulo.

 — Stanton!O mordomo reapareceu no vão da porta. — Sim, Vos...

 — Quando esta carta chegou? — Com o serviço postal, Vossa Graça, há cerca de... quarenta

minutos. Algum problema? — Não. Mande avisar a Charlemagne que ele e eu iremos a Eton

dentro de uma hora. — Até que enfim iria obter algumas respostasesclarecedoras a respeito do reinado de Costa Habichuela.

 — E por que não haveria de estar? — Após conferir o nome doedifício, avançou pelo pátio diante da edificação. — Ou esqueceu queentrou feito um vendaval na minha casa esta manhã com aquela

história de plágio? — Mas não falei que deveríamos deixar Londres às pressas para vir 

atrás de um professor que certamente riria à toa se fosse convidado air visitar você na Mansão Griffin.

 — Não quero que esse mestre seja visto em Londres por ora. — Por que não? — devolveu Charlemagne. — O que acha que esse

Rice-Able pode estar sabendo? Após lançar um olhar de esguelha ao irmão, Sebastian conferiu o

número do apartamento.

 — É o que vamos descobrir. — E bateu de leve à porta de carvalho. — Quem é? — Melbourne. Escrevi-lhe um bilhete, e você... A porta se abriu

com um rangido. — Vossa Graça. — O sujeito bem-apanhado, dois ou três anos mais

 jovem do que ele, mirou-o por cima dos óculos de leitura. — E umahonra. Eu não esperava que...

 — Eu sei. Podemos entrar? — Sim, é claro. — O mestre se afastou e Sebastian, depois de

arquear um pouco o pescoço para passar sob o batente bastante baixo,

Page 84: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 84/156

fez um aceno com a cabeça para dizer a Charlemagne que osacompanhasse.

Minúscula, a habitação se acharia mergulhada na penumbra nãofosse pelo clarão do fogo na pequena lareira e pelo par de velas desebo sobre uma mesa em completa desordem.

Recolhendo os livros empilhados sobre uma cadeira, John Rice- Able foi largá-los sobre a cama estreita.

 — Vocês receberam meu bilhete? — Cuidou de desocupar maisuma cadeira. — Fiquei surpreso ao saber que mais alguém, além dosmeus alunos, tinha lido a minha história.

 — Recebi sua mensagem, sim, professor. Esta tarde. E peçodesculpas por não ter mandado avisar que viríamos para cá. — Ao perceber que Shay continuava junto à porta, Sebastian tratou deapresentá-lo: — Esse é meu irmão, Charlemagne.

 — Charlemagne? — O mestre tirou os óculos. — Como o grande reique...

 — Sim — confirmou ele com um sorriso, habituado aoestranhamento que seu nome provocava. — Mas por que umexplorador veio lecionar em Eton?

 — Os salários no magistério são mais compensadores. Agora mededico às explorações nos intervalos entre os semestres letivos. — Deuum suspiro. — Vossa Graça, meu lorde, sentem-se, por favor. Não faz nem cinco minutos que preparei um bule de chá.

 — Obrigado. Uma xícara de chá não cairia nada mal. — Sebastianse acomodou numa das cadeiras recém-desocupadas. Ciente de que aarte de fazer alianças e seu fraquejo com os assuntos políticos e sociaiso tinham ensinado a avaliar o caráter de uma pessoa num piscar deolhos, concluiu que gostava de John Rice-Able, um homem cujanaturalidade falava por mais de mil palavras.

 — Se me permitem a curiosidade — o professor retirava xícaras e pires do fundo de um armário —, por que a urgência em virem me procurar?

 — Gostaríamos de esclarecer algumas dúvidas geográficas — explicou Sebastian. — Se não estou enganado, você conhece bastantebem a Costa dos Mosquitos, não?

 — Tão bem quanto uma pessoa que não nasceu lá possa conhecer,imagino, porém faz cerca de três anos que não coloco os pés naquelaregião.

Três anos. Antes que o rei Mosquito outorgasse Costa Habichuela aStephen Embry, porém recentemente o bastante para uma opiniãoabalizada acerca da topografia e do clima.

 — Imagino que tenha visitado algumas das cidadezinhas evilarejos ao longo da costa.

Page 85: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 85/156

 — De fato. — Depois de dispor numa bandeja pires e xícaras quenão combinavam, Rice-Able cuidou de servir o chá do bule sobre asbrasas na lareira. — Se me disser exatamente o que gostaria de saber,acho que posso lhe dar informações mais precisas.

Tomando uma das xícaras da bandeja, Sebastian esperou que elese sentasse à mesa para deixar bem claro:

 — O problema é que não quero conduzir suas respostas nem queroque me diga o que supõe que eu gostaria de ouvir.

 — Sei. — O professor tomou um gole da infusão. — Muito bem,faça as suas perguntas; garanto que as minhas respostas serão francase diretas e, no caso de eu vir a fazer uma suposição, vou avisá-lo deque se trata de uma conjectura.

 — Obrigado. Mas antes poderia me dizer se tem o hábito de ler os jornais de Londres?

 — Só quando não há opção e, ainda assim, sob protestos. E já faz algumas semanas que não os leio, se era essa a próxima pergunta que pretendia me fazer.

 — Acho que estamos nos entendendo. — Sebastian sorriu antes delevar a xícara aos lábios. — Há quem exerça algum tipo de governosobre a Costa do Mosquito, no geral?

 — Uns poucos líderes tribais. A Espanha se refere a um sujeitochamado Qental, em particular, mas imagino que seja para simplificar.Trata-se de uma região relativamente grande, aberta, sinuosa. As

fronteiras se modificam a cada nova estação chuvosa, época em que os pântanos transbordam e o curso dos rios sofre alterações.

 — Há muitas áreas habitaveis? — Certamente. Os nativos conseguem levar uma vida sem muitos

 percalços, alimentando-se de frutas, peixes e um ou outro porcoselvagem.

 — Há comércio por lá? — Praticamente nenhum. Além de desconfiarem dos estrangeiros,

os grupos nativos preferem evitar uns aos outros. Se eu não tivesse

conseguido um guia que falava vários dos dialetos locais, duvido deque estivesse vivo a uma hora desta, conversando aqui com vocês. — Algumas dessas... tribos falam espanhol? Ou inglês? — Embora a Espanha não tenha empregado grandes esforços para

controlar a região, algumas têm conhecimento superficial do espanhol. — E inglês? — Belize tem maioria inglesa, mas fica a várias centenas de

quilômetros da região da Costa dos Mosquitos. Não digo que não se possam encontrar uns poucos e minúsculos assentamentos de

caçadores e mineiros, porém tais lugares são tudo menos hospitaleiros.

Page 86: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 86/156

 — Por que diz isso? — Ao se dar conta de que cerrava os punhoscom tanta força que começava a ficar com as mãos adormecidas,Sebastian pôs-se a flexionar os dedos por sob o tampo da mesa.

 — Bem, agora vou expressar uma opinião, não um dado factual. — Rice-Able emborcou quase meia xícara de chá. — Os ingleses sãomestres em fundar lugares a todo custo parecidos com a Inglaterra.Enormes quantidades de água limpa e corrente, áreas descampadas,clima ameno... Enquanto a maioria das pessoas é capaz de se adaptar a quase todas as circunstâncias, parece que boa parte dos inglesesespera que as circunstâncias se adaptem a eles. Recusar-se areconhecer que determinado lugar é úmido e infestado de insetos, nomeu modo de ver, é a maneira mais rápida de adoecer e, no limite, vir a morrer.

 — Você se adaptou — observou Charlemagne.

 — Prefiro continuar vivo para contar minhas histórias a morrer por orgulho. Quando os nativos recomendam cobrir a pele com seiva de plantas de odor fétido para evitar picadas de insetos, eu cubro.

 — Já ouviu falar de uma cidade chamada São Saturus naquelaregião?

 — São Saturus... Não. Na verdade, não me lembro de nenhumvilarejo grande o bastante para ser chamado de cidade. Mas fiz algunsmapas que... — Levantou-se. — Vou pegá-los.

Enquanto o mestre ia remexer numa estante abarrotada de

 papéis, Sebastian tomou outro golinho do chá. No momento, tudo o quequeria era um sinal, um mero indício de que Josefina não haviamentido.

 — Ah, como sou desatento! — exclamou Rice-Able, o olhar  pregado num dos pergaminhos que acabara de desenrolar. — Aquiestá... São Saturus.

Graças a Deus! — Por acaso fica no litoral, entre os rios Wawa e Grande de

Matagalpa?

 — Essa área é muito extensa — o professor retomou seu assento —, mas, sim, fica por ali.Sebastian e Charlemagne afastaram a bagunça para acomodar o

mapa sobre o tampo da mesa, depois usaram xícaras e pires como pesos para mantê-lo aberto. Muito mais rica em detalhes do quequalquer outro documento relativo àquela região que ambos já tinhamvisto, a carta geográfica era excelente, digna de nota.

 — Você devia ser cartografo — comentou Sebastian, correndo osolhos pela linha litorânea à procura dos contornos descritos no livreto

sobre Costa Habichuela.

Page 87: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 87/156

 — Denotar a fauna e a flora de cada área, assim como ásvariações do relevo, foi a melhor parte da expedição. — Rice-Able pousou um dedo sujo de tinta num ponto do mapa. — Aqui está SãoSaturus. Não sei como fui me esquecer de lá, afinal fiqueiimpressionado com aquele lugar.

 — Por quê? — interpelou-o Sebastian, já contando em ouvir elogiosos relatos sobre edifícios de pedras brancas e enseadassecretas.

 — Por causa dos corpos. Três. Jaziam na mata como se vivos;camisas, calças, botas, chapéus, tudo no seu devido lugar e, noentanto, dentro dos trajes não havia nada além de ossos brancos comoneve. Suponho que os três infelizes tenham perdido os sentidos devidoà insolação ou por causa do gás dos pântanos, o que é mais provável,antes de serem devorados pelas formigas. Foi lá que cheguei a ver as

danadinhas reduzirem um javali adulto ao esqueleto em vinte e quatrohoras. E claro que se tratava de uma colônia bastante grande.

 — O que faz pensar que os três homens mortos tinham algumarelação com uma cidade chamada São Saturus?

 — Os corpos se achavam perto de barracas e apetrechos demineração, dentre os quais havia uma tábua com a inscrição "SãoSaturus" gravada a fogo na madeira. Este provavelmente é o únicomapa onde consta essa localidade. — Tomou mais um gole de chá. — Lembro-me de ter pensado na ironia de tal denominação, uma vez que

São Saturus é o santo que deveria nos proteger da pobreza.Com o coração e a cabeça latejando, Sebastian pôs-se em pé. Ela

tinha dito que vira o palácio, que passara dois dias lá. — Há algum outro vilarejo de dimensões medianas naquela

região? — Não ao longo da costa. Aquela parte do território sofre

inundações todos os anos e, como pode ver aqui, São Saturus fica amais ou menos dois quilômetros do litoral.

 — Você tinha razão, Seb — assinalou Charlemagne em voz baixa.

Mas ele não queria que fosse assim. Não agora. Não depoisdaquela manhã, quando tivera Josefina nua em seus braços. — Professor, estaria disposto a ir Londres e narrar tudo o que nos

contou se preciso for? — Sim, é claro. Mas do que exatamente estamos falando? — De uma mentira. Uma grande mentira. Josefina disparou escada abaixo enquanto o par de carruagens

enlameadas se detinha diante da mansão. Seus pais não poderiam ter chegado em melhor hora.

 A mãe dela foi a primeira a entrar em casa e, ao vê-la, abriu umsorriso largo.

Page 88: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 88/156

 — Josefina, mi vida! — E estendeu os braços para a filha. — Seja bem-vinda, mamãe. — Era tão bom sentir-se tomada num

abraço que nada lhe cobrava em troca. Ainda lhe custava crer em tudoo que havia acontecido naqueles últimos dez dias. — Senti muito a suafalta.

 — Também sentimos saudade, Josefina — anunciou Stephen, indoabraçar as duas ao mesmo tempo. — Você nem imagina os progressosque fizemos. Mais cinqüenta mil libras para Costa Habichuela!

 — Que maravilha! Recebeu a minha carta? — indagou Josefinaenquanto a rainha ia conferir as arcas que eram descarregadas dasegunda carruagem. t 

 — Recebi, sim, e a congratulo pelo excelente trabalho. Quandodeixamos Edimburgo, os títulos estavam ainda mais disputados do que por aqui. Os escoceses sabem farejar um bom investimento. — Após

 pedir a uma criada que providenciasse café recém-passado, seguiu para o gabinete.

 Atrás dele, Josefina se odiava por ter de estragar a alegria que eleirradiava. Mas seu pai precisava saber que Melbourne havia descobertoas origens do livreto.

 — Já cuidei para que meia dúzia de navios fique à nossa disposiçãoem Edimburgo — prosseguiu o rey, acomodando-se à escrivaninha. —  As embarcações estarão abastecidas de provisões e prontas para zarpar daqui a um mês.

 — Meia dúzia de navios? Mas para que... — Os colonos vão precisar de mantimentos quando chegarem. — 

Tirando um charuto do bolso do casaco, acendeu-o na chama dalamparina sobre a mesa. — Quero conhecer o duque de Harek. Jámandou chamá-lo?

 — Ele deve chegar dentro de uma hora. — Com uma sensaçãodesagradável, foi se sentar na poltrona em frente à do pai. — Quecolonos?

 — Na sua carta você dizia que as pessoas estavam praticamente

implorando para emigrar para Costa Habichuela, e o mesmo se passana Escócia. Tanto é assim que até já mandei Halloway imprimir algunscontratos de venda de terras. Afinal, com mais de quatro milquilômetros quadrados de solo fértil, por que não darmos aos ingleses aoportunidade de possuírem um bom lote, a um xelim por metroquadrado? Em caráter perpétuo, exatamente como os nobres daqui.

 — Como? Mas... — E como os navios já estão fretados, poderemos oferecer 

 passagens a um preço razoável, com um pequeno adicional por quilo

da bagagem. — Franziu o cenho, pensativo. — Vou mandar Orrin preparar uma lista de despesas individuais para anexar aos contratos

Page 89: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 89/156

de aquisição de terreno. Ah, e estamos vendendo lotes de quatrocentosmetros quadrados, caso alguém perguntar. Agora, se houver muita procura, nosso cartório de registro de imóveis poderá dividir o valor doterreno em dez prestações.

Com a impressão de que estava a ponto de ter uma vertigem, Josefina indagou:

 — Que cartório de registro de imóveis? — Abri um em Edimburgo; o que vai funcionar aqui abrirá amanhã.

Orrin alugou o escritório de um advogado para cuidar disso enquantoestivemos lá no norte. — Enfim encarou a filha. — Por que essaexpressão preocupada?

 — Papai... há assuntos de que não devemos falar, nem mesmo em particular, mas...

 — Então não fale. Também estou elaborando uma lista de

 profissionais de que precisamos urgentemente para tocar o governo eum distrito municipal em rápida expansão: banqueiros, ferreiros,médicos, procuradores, cartógrafos, professores... — Empurrou umafolha de papel para ela. — Você entende disso melhor do que eu. Vejase consegue terminá-la o quanto antes, assim mandaremos publicá-lano London Times e no cartório de registros.

 Josefina olhou do longo rol de ofícios para o pai. — Se isso tudo é uma brincadeira, não estou achando a menor 

graça.

 — E óbvio que não se trata de uma brincadeira. — Após dar umabaforada no charuto, ele inclinou-se sobre a escrivaninha. — Ou achaque seria justo virmos pedir dinheiro e depois nos recusar a permitir que os interessados juntem-se a nós em nosso renovado paraíso?

Ela engoliu em seco antes de lembrá-lo: — Colonos não estavam nos planos. — Agora estão. Vá colocar sua tiara antes que Harek chegue;

somos membros da realeza e temos de nos portar como tais em todasas ocasiões. — Levantando-se, Stephen Embry apoiou as mãos no

tampo da mesa. — Em todas as ocasiões. — Sem dúvida, Vossa Majestade. — Josefina ergueu-se e deixou asala com uma mesura.

O mal-estar se fora, porém havia deixado um nó na garganta. Por que jamais pensara naquela possibilidade? Era evidente que, ao seinteirarem da existência de um lugar paradisíaco, inúmeras pessoasiriam querer conhecê-lo ou mesmo morar lá. Assim como era óbvio queninguém poderia impedi-los de tomar tal atitude.

Em seu quarto, apanhou a tiara do estojo em que Conchita

costumava guardá-la e foi se sentar à penteadeira. Mas nem bem alevou acima da cabeça, a porta do aposento se abriu.

Page 90: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 90/156

 — Deixe-me ajudá-la. — Tornando a fechar a porta, a mãe dela seaproximou para tomar o ornato das mãos de Josefina.

 — Papai lhe contou que abriu um cartório de registro de imóveisna Escócia e que vai abrir outro aqui amanhã?

 — Contou, sim. — Com muito cuidado, Maria Constanza-y-VenezaEmbry ajeitou a tiara sobre os cabelos da filha e, com o pente demarfim, alisou as longas melenas negras.

 — E você não fez nada para demovê-lo dessa insensatez? — E ele me daria ouvidos? Você sabe como seu pai é. — Mas ele quer enviar uma multidão para Costa Habichuela. — Com vários tipos de suprimentos. Mesmo que São Saturus não

seja o que eles imaginavam, esses ingleses terão como transformá-lanuma linda cidade.

 — Dinheiro é uma coisa, mas por que brincar com a sorte? — 

 Josefina, que falava a meia-voz, concluiu num sussurro: — Nuncaestivemos em Costa Habichuela, mamãe.

 — Você e seu pai têm trabalhado sem parar nesse projeto nosúltimos dois anos. Confie nele, assim como ele confia em você. Se seu pai diz que tudo dará certo, é porque dará. — Beijou o rosto da filha. —  Agora me fale do duque de Harek. Ele é bonito como lorde Melbourne?

 — É bastante bem-apanhado.Nenhum outro homem que conhecia era bonito como Melbourne...

Mas no momento o que a preocupava era o fato de ainda não ter 

conseguido dizer a ninguém que Sebastian Griffin estava ciente de queo livreto era uma fraude e suspeitava de que outros engodosestivessem a caminho.

Sentindo-se meio grogue, Sebastian se sentou e, ao mirar o relógiosobre a moldura da lareira em seu

quarto, demorou alguns instantes a assimilar o horário registrado pelo dispositivo. Cinco e vinte e um? Não era possível. Se tinha idodeitar-se depois das três e ainda levara um bom tempinho para pegar no sono... A menos que passasse das cinco da tarde.

 — Bailey! A porta se abriu, e o camareiro entrou aos tropeços no aposento. — Pois não, Vossa Graça. — Por que raios não me acordou? — Empurrando as cobertas para

longe, saltou da cama. — Lorde Charlemagne, disse-me que o deixasse dormir. — Bailey 

correu até o guarda-roupa, de onde retornou com uma camisa e um par de calças.

 — Esta casa é minha, não de Shay. Bateram de leve à porta.

 — Está vestido, papai?

Page 91: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 91/156

Sebastian terminou de abotoar as calças antes de vestir a camisa pela cabeça.

 — Pode entrar, Peep.Num alegre vestido amarelo de seda, a garotinha entrou saltitando

no aposento. — Dormiu bem? — Até demais — respondeu ele antes de tornar a olhar feio para o

camareiro. — E você, o que andou fazendo, meu anjo? — Estudei francês, mas não fiz aula de piano porque você estava

dormindo, e a sra. Beacham me levou até o parque, e Stanton me perguntou se eu sabia o cardápio do jantar já que você estavadormindo, mas eu não sabia, então disse a ele que gostaria de sopa friade ervilha e fricassê de coelho, porque gosto muito desses pratos e tio Zachary também.

 — Tio Zachary gosta até de guisado de pedra — comentouSebastian, deixando que Bailey o ajudasse com o colete e a gravata. — Ele vai jantar conosco?

 — Todo mundo vai. Esqueceu? Você disse que era porque a famíliade tia Caroline está aqui e, se os recebesse para um jantar, talvez eleso deixassem em paz.

 — Não é para você repetir isso diante de ninguém, Peep. — Eu sei. Pode confiar em mim — afirmou Penelope com

convicção. — Vou ver se a cozinheira fez algum doce com chocolate

 para a sobremesa. — Ótima idéia. — Sentou-se ao toucador para fazer a barba. — 

Você me faria o favor de pedir a Stanton que venha até aqui? — Claro.Enquanto Bailey preparava a tigela com a espuma, Sebastian

 pegou-se pensando que dormir demais o tinha privado de uma boaoportunidade para confrontar Josefina e verificar o que ela andavatramando.

 Após bater de leve na porta, Stanton entrou no aposento.

 — Vossa Graça? — Mande selar Merlin. Vou sair assim que tiver feito a barba. — Seus convidados decerto não irão se atrasar. — Não me demorarei.O mordomo fez uma mesura, voltando a fechar a porta ao sair do

quarto.Tão logo terminou de se barbear, Sebastian, ignorando a fome,

desceu para o hall e avisou ao mordomo: — Vou até a casa do coronel Branbury. Peça a Shay para entreter 

os convidados caso eles cheguem antes de mim. — Pois não, Vossa Graça.

Page 92: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 92/156

Vinte minutos depois ele entregava as rédeas de Merlin aocavalariço postado à entrada da mansão do coronel.

 — Deixe-o aqui. Não vou me demorar. Assim que ele terminou de subir os degraus diante do casarão, a

 porta se abriu. — Boa tarde, Vossa Graça — cumprimentou o mordomo. — Eu gostaria de trocar algumas palavras com a princesa Josefina

 — anunciou Sebastian sem mais formalidades enquanto tirava as luvas. — Sua Alteza saiu. Se quiser deixar seu cartão, irei avisá-la da sua

visita quando ela voltar. — O rey e a rainha Maria regressaram da Escócia? — Chegaram esta manhã, Vossa Graça, porém foram todos fazer 

um lanche na companhia de Sua Graça, o duque de Harek. — Onde posso encontrá-los?

 — Não sei informar. — E aonde eles irão após esse lanche? — Não estou autorizado a falar dos compromissos da família real,

Vossa Graça.Sebastian olhou bem para o mordomo. Poderia agarrar aquele

insolente pelo colarinho e conseguir todas as informações que bementendesse num piscar de olhos, no entanto as conseqüências dessearroubo por certo seriam mais danosas do que o bom uso que talvez fosse fazer com as informações.

 — Muito bem — condescendeu —, diga a Sua Alteza que estiveaqui e que conversarei com ela amanhã à noite, em Vauxhall. — Semmais, deu meia-volta e para ir se acomodar à garupa de Merlin, afinal precisava de provas antes de cometer algum gesto extremado.

Provas. Provas de quê? De que um país supostamente rico e fértilnão passava de um charco? De que Costa Habichuela inteirinha provavelmente não valia as cem mil libras do maldito empréstimo?Perto dos delitos que havia pelo mundo, o logro poderia parecer umaousadia até modesta, entretanto era preciso levar em conta o sem-

número de ingleses que compravam títulos dessa dívida pública. Uminvestimento que tinham por seguro, e que ele ajudara a promover,mas que certamente iria fazê-los perderem todo o dinheiro que haviamcolocado no negócio.

Perdido em suas divagações, Sebastian quase levou um susto aochegar em casa e deparar com a claridade que se despejava de todasas janelas, com a profusão de coches e cavalos espalhados pelo acesso para veículos e pelo espaço diante da cocheira, e com o modo comoseus cavalariços gritavam uns com os outros na tentativa de colocar 

um pouco de ordem no caos. Suspirando, desmontou e arremessou as

Page 93: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 93/156

rédeas para Green. E pensar que o que mais queria naquela noite eraum pouco de paz e uma garrafa de conhaque...

 — Vossa Graça — um dos criados abria a porta para ele —, seusconvidados o aguardam na sala de visitas.

 — Obrigado, Tom. Retome o que estava fazendo, sim? Valentinefoi ao encontro dele no hall.

 — Até que enfim você chegou... Diabos. — Que foi? Não está contente por me ver? — Sinceramente, não. Se você está aqui, não tenho como escapulir 

 para ir procurá-lo. Antes que pudesse responder, Sebastian, sentindo uma mão

 pousar em seu ombro, virou-se e encontrou uma sorridente Eleanor. Por todos os santos... Não bastasse sua numerosa família, Caroline tinhaseis irmãs mais novas do que ela; três eram casadas e uma, salvo

engano, estava noiva. O que significava que havia pelo menos uma dú- zia de membros do clã Witfeld na sua sala de visitas. Isso sem contar osfrutos dos mais recentes matrimônios. Mas já que não tinha como evitá-los, iria aproveitar o alvoroço que faziam para se distrair e tentar não pensar onde Josefina teria se metido naquela noite.

 — para almoçar amanhã — Eleanor ia dizendo. — Acho que ela irágostar, já que está sempre falando em tornar-se pirata e viajar pelomundo.

Sua irmã só podia estar falando de Penelope.

 — Claro — concordou ele. — Vou passar boa parte do dia noParlamento.

Eleanor o fitou por um instante antes de afirmar: — Eu sabia que você tinha bom coração.Sim, tinha. E no que dizia respeito à princesa Josefina, precisava

deixar de ter. O mais depressa possível.No alto dos degraus à entrada da Residência Branbury, Josefina

acenou para Harek até a carruagem desaparecer na noite, então exalou profundo suspiro. Por mais agradável que tivesse sido o passeio, não

via a hora de trancar-se em seu quarto para poder refletir com a calmade que necessitava. Ao se virar, viu que seu pai continuava no hall do casarão. — Acho que Melbourne nos fez um favor ao demitir-se do cargo

 para o qual o príncipe regente o indicara — comentou o rey,entregando a Grimm as luvas que acabara de tirar. — Charles é muitoagradável.

 — E, sim. — E quer se casar com você.

Ela estacou a meio caminho da escadaria.

Page 94: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 94/156

 — Ainda não dei uma resposta em definitivo — prosseguiu Stephen —, afinal de contas o conheci esta manhã e preciso escolher omomento oportuno para expressar formalmente o meu consentimento.

 — Pensei que fosse me perguntar se gosto dele. — Eu e sua mãe já tivemos essa conversa, e ela me disse que você

gosta. O mais importante, agora, é que ele compreenda perfeitamentebem nossos objetivos.

 — Acho que você é capaz de convencer qualquer pessoa dequalquer coisa. — Ou melhor, quase qualquer pessoa. — Boa noite, papai; estou muito cansada.

 — Sim, vá se deitar. — O rey sorriu. — Nossos amigos vão querer vê-la radiante amanhã.

Depois que Conchita a ajudou com o traje de dormir e se foi, Josefina permaneceu um longo espaço de tempo sentada na beirada da

cama, até ter certeza de que toda a casa mergulhara no mais absolutosilêncio, então tornou a acender a vela sobre a mesinha-de-cabeceira. Abrochura que havia escrito se achava em cima da escrivaninha; o outrolivro, o que emprestara naquela manhã da biblioteca de lorde Allendale,estava nos fundos do seu guarda-roupa, atrás de uma pilha dechapeleiras.

Entre as poucas pessoas que tinham visto Costa Habichuela, comoseu pai e os militares que o acompanhavam, estava John Rice-Able,autor do livro que ela vira Melbourne folhear na biblioteca do visconde;

 portanto, era bem provável que Rice-Able tivesse respostas para certasdúvidas que só recentemente tinham começado a incomodá-la. Com ocuidado de não fazer nenhum barulho, resgatou a obra do pesquisador do esconderijo e, sentando-se à escrivaninha, abriu-a no capitulodedicado à América Central.

Uma hora depois, da vela restava apenas um toco e ela havia lidoo extenso capítulo duas vezes de cabo a rabo. Cansada, recostou-se aoespaldar da poltrona para esfregar os olhos. Nunca acreditara que seu pai tivesse recebido um verdadeiro paraíso de mão beijada, no entanto

a descrição que Rice-Able fazia de Costa Habichuela era um retrato doinferno na Terra.Murmurando para si que aquela obra talvez fosse uma grande

mentira, devolveu-a ao esconderijo no fundo do armário. O fato denunca ter colocado os pés em Costa Habichuela não significava quetudo o que havia escrito não correspondesse à verdade. As cartas deseu pai enfatizavam o que ele queria que constasse da brochura,logicamente, e fora isso o que bastara para que conseguissem oempréstimo. Por outro lado... Talvez tivesse feito seu trabalho bem

demais, e o resultado era que aquela história toda deixara de ser uma

Page 95: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 95/156

simples tramóia junto a um banco, uma vez que ou seu pai estavavendendo

lotes de terras que poderiam vir a ser muito lucrativos ouludibriava as pessoas sem dó nem piedade, levando-as a comprarem a própria sepultura.

O que deveria fazer? Contar tudo às autoridades? A Sebastian? Atirar-se no Tâmisa? Ou manter a boca fechada e não fazer nada, queera a atitude mais simples e mais segura entre todas as opções? Mas, ese o pior acontecesse? Sua família, ela inclusive, poderia ser presa oumesmo deportada. Poderiam ser todos executados.

Precisava falar com alguém. Precisava contar a seu pai a respeitode Sebastian. Quem sabe ele pudesse lhe garantir que CostaHabichuela era mesmo um paraíso e por isso não tinham o que temer.Ou talvez ele tivesse um plano para poupá-los... Pena era não existir 

nenhum plano capaz de poupar seu coração.

CAPÍTULO IV 

Bom dia. — Forçando-se a sorrir, Josefina foi até o aparador ondeficavam as travessas com o desjejum, embora só de olhar para todosaqueles pratos já sentisse o estômago se retorcer.

Tanto o rey quanto a rainha retribuíram o cumprimento com um

bom humor que a filha estava longe de partilhar. Após esperar que Grimm afastasse a cadeira, ela sentou-se e

agradeceu ao mordomo com um aceno da cabeça antes de pedir: — Por favor, deixe-nos a sós, sim? — Certamente, Vossa Alteza. — Grimm estalou os dedos, esperou

que outros dois criados deixassem a sala e partiu atrás deles, fechandoa porta ao sair.

 — Por que isso? — Embry a interpelou. — Charles estará aquidentro de uma hora; temos um compromisso muito importante esta

manhã. — Eu sei. — Josefina respirou fundo. — Estou incomodada comeste novo passo que estamos dando. Acho que precisamos discuti-lo.

O rey ergueu uma sobrancelha, e ela resolveu ir direto ao ponto: — Para onde irá mandar aqueles colonos? — Está fazendo troça? — De modo algum. Eu gostaria de saber quais são seus planos. — Não permitirei que me interrogue. — Stephen largou os talheres

sobre o prato. — Este projeto tem sido nossa única preocupação nos

últimos dois anos; por que resolveu questioná-lo justamente agora?

Page 96: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 96/156

 — Porque acho que deixou de fora alguns detalhes muitoimportantes. Pensei que seus objetivos fossem levantar um vultosoempréstimo bancário e talvez me casar com um nobre. Se esse era o plano original, por que alterá-lo?

 — Você imaginava que iríamos conseguir cento e cinqüenta millibras uma quinzena após chegar a Londres? E ainda temos a chance deduplicar essa soma. Triplicá-la, talvez. Jamais teremos de nos preocupar com dinheiro novamente. Teremos meios para viver como membros darealeza pelo resto da vida. — Riu. — O que estou dizendo? Somosmembros da realeza.

 — Até agora — retrucou ela —, estamos só lesando bancos, queterão de devolver aqueles recursos dos títulos para os investidoressenão quiserem enfrentar revoltas ou qualquer outro tipo de distúrbios;as pessoas não perderão nada ou, no melhor dos casos, perderão a

ingenuidade. Mas tudo mudará a partir do momento que começarmos avender terras. As pessoas estarão comprando um sonho, umaesperança no futuro. O que elas irão encontrar quando chegarem aCosta Habichuela?

 — Um paraíso. — O que há de verdade nisso? — Sua obrigação não é me interpelar, Josefina. Você vai fazer sua

 parte com um sorriso no rosto porque, se não fizer, nossa sorte podevirar. Compreendeu?

 — Sim. Só me diga se haverá transtornos quando os navios e oscolonos chegarem à Costa Habichuela.

 — Suponho que sim. Mas estaremos muito longe da Inglaterraquando isso acontecer. — Inclinando-se sobre a mesa, segurou na mãodela. — Josefina, esta é a última vez que tocaremos neste assunto. — Ea soltou.

Oh, Deus. Ela estava certa. Melbourne tinha razão e, quando seinteirasse da venda dos terrenos... Era melhor nem pensar.

 — Só mais uma coisa, pai.

 — Seja breve. Não podemos levantar suspeitas entre a criadagem. — Eu sei, mas é que Melbourne tem feito perguntas contundentessobre as condições da natureza em Costa Habichuela. Tenho aimpressão de que ele não acreditou nos dados da brochura. Ou melhor,tenho certeza. Ele descobriu que tiramos aquelas informações deoutros livros.

Stephen Embry se levantou. — Você contou isso a ele? — Não! E claro que não. Mas nem imagino o que Melbourne fará

quando souber que estamos... incentivando as pessoas a se mudarem para lá.

Page 97: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 97/156

 — Maldição. — Mordendo o bigode, o rey pôs a andar de um lado para outro. — Eu nunca devia ter sugerido o nome dele como nossointermediário. Levei em conta as vantagens de ter o nome Griffinvinculado ao nosso, no entanto não me passou pela cabeça que aquelearrogante metido a santo fosse investigar nossos negócios. A culpa foiminha.

 — Talvez fosse melhor cancelarmos o compromisso em Vauxhall. — Provavelmente seria pior — retrucou o pai dela. — Não,

cumpriremos combinado, e eu cuidarei desse assunto. — Como? — Não se preocupe com isso. Apenas trate de evitá-lo até esta

noite. — Vou almoçar com a irmã, as cunhadas e a filha dele. — Melbourne confia nelas?

 — Imagino que sim — Então vá a esse almoço. Encontrarei você e sua mãe no hall

dentro de quarenta minutos. Preciso falar com o capitão Milton; umhomem como Melbourne deve ter inimigos. Inúmeros.

 — Obrigado por me receber, almirante. — Sebastian estendeu amão para o oficial uniformizado que se levantara atrás da amplaescrivaninha de mogno.

 — É um prazer, Vossa Graça. — O almirante Mattingly tinha umaperto de mão forte e seguro, assim como sua reputação. — Em que

 posso ajudá-lo? — Sei que pode soar estranho, mas estou procurando alguém que

 porventura tenha navegado ao longo da costa leste da América Central.Ofereceram-me um carregamento de madeira, e eu gostaria de ouvir uma opinião abalizada antes de fechar negócio.

 — A maior parte da nossa frota está no Mediterrâneo ou no litoralda Espanha no momento, mas... — Mattingly esfregou o queixo, depoistirou um pedaço de papel de uma gaveta e ali rabiscou alguma coisa. — Tenente Calder!

O rapaz que acompanhara Sebastian até o gabinete do almiranteabriu a porta, entrou na sala e bateu os calcanhares na saudaçãomilitar.

 — Pois não, senhor. — Leve isto ao Endeavor e entregue ao capitão Jerrod. — Pois não, senhor. — O tenente apanhou o recado, fez uma

continência e se foi. — E um bom rapaz, muito eficiente, só que não consegue pôr os

 pés num navio sem colocar tudo o que tem no estômago para fora — 

comentou o almirante. — Tome uma xícara de chá, Vossa Graça.Teremos uma resposta dentro de uns vinte minutos.

Page 98: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 98/156

 — Obrigado, almirante. — Jerrod zarpa amanhã; talvez ele não tenha como ajudá-lo, mas

não custa nada arriscar. A Inglaterra precisa de madeira.Sebastian sorriu. Se conseguisse encontrar alguém que conhecia a

região da Costa dos Mosquitos e se essa pessoa corroborasse ou não ashistórias de Rice-Able, o resultado poderia ter impacto por toda anação.

Menos de vinte minutos depois o tenente Calder retornava aogabinete para anunciar:

 — Almirante, o capitão Jerrod manda dizer que infelizmente nãotem como ajudá-lo, mas colocou um dos tenentes dele à suadisposição.

 — Então peça a ele que entre, Calder. — Pois não, senhor. — O rapaz tornou a sair.

Pouco depois surgia no vão da porta um jovem alto, com cabelos pretos e alegres olhos verdes.

 — Tenente Bradshaw Carroway ao seu dispor, almirante. — Comisso, fez uma continência e se aproximou.

 — Carroway, este é Sua Graça, o duque de Melbourne. Ajude-o damelhor maneira que puder.

Levantando-se, Sebastian perguntou: — Poderíamos dar uma volta?O tenente anuiu com um aceno de cabeça, e os dois deixaram o

aposento e em seguida o edifício, rumando para perto dos canhõesalinhados no porto. Após se desculpar pelo incômodo, Sebastianafirmou:

 — O almirante Mattingly comentou que seu navio zarpa amanhã. — Não foi incômodo algum; eu estava contando sacas de laranja,

Vossa Graça, portanto só tenho a agradecer. — O jovem que pareciarecém-saído da adolescência sorriu. — Mas em que posso ajudá-lo,Vossa Graça? O capitão Jerrod mencionou uma questão atinente à América do Sul.

 — América Central, na verdade. Costa dos Mosquitos. Vocêconhece? — Estive no Triumph no ano passado; perseguimos uma fragata

americana por toda a costa da região durante dois meses antes que aembarcação declarasse o fim das hostilidades.

 Ano passado. Sebastian tentou dissimular a súbita onda de euforia. — Por acaso ouviu falar do rei Qental quando esteve por lá? — Um espertalhão. Ele nos vendeu os serviços de dois guias que

iriam nos orientar ao longo da costa, e os camaradas quase nos fizeram

encalhar num banco de areia três dias depois. — Aquela região é habitável?

Page 99: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 99/156

 — Em determinados lugares. Quanto mais alto o terreno, maior é a probabilidade de que permaneça intacto na próxima estação chuvosa.Só que há pouquíssimas áreas com terrenos elevados ao longo dolitoral.

 — Você conhece um lugar chamado chamado São Saturus? — Não. Há uns poucos acampamentos de garimpeiros e

caçadores; talvez um deles tenha recebido esse nome, mas,sinceramente, não me recordo.

 — O nome Stephen Embry lhe soa familiar? — Embry... Um sujeito alto, com farto bigode loiro? — Isso mesmo. — Deus seja louvado. — Como o conheceu? — Rebocamos um grupo de ingleses de lá para a Jamaica a pedido

do governador de Belize. Soldados a soldo dos rebeldes espanhóis, namaioria; outros estavam desistindo do posto para ir morar na Jamaica.

Lembro-me bem de Embry porque ele se dizia coronel do ExércitoNacional, amigo íntimo de Bolívar; a julgar pelas histórias que contava,estava liderando a rebelião sozinho, e todos que o acompanhavamusavam um uniforme preto de doer na vista com cruzes verdes no peito. Lembro-me de ter pensado que eles deviam ter assado de calor dentro daqueles trajes de lã em plena selva... Se bem que na Costa dosMosquitos quase não houve ação contra os soldados de linhaespanhóis.

 — Tenente, você repetiria tudo isso perante um tribunal de justiça?

 — São apenas pontos de vista, mas repetiria, sim; não vejo quemal há em dizer o que penso. Só que...

 — Sim, você vai zarpar no Endeavor amanhã. Droga. — Posso fazer uma declaração por escrito, se isso ajudar. — Ajudaria muito. Obrigado. — Era exatamente o que ele queria. E

 precisava. Mesmo assim, não pôde deixar de pensar que seria o maisfeliz dos homens se o rapaz tivesse se hospedado em suntuososaposentos no magnífico palácio do rey de Costa Habichuela. — Umaúltima pergunta: você conhece algum país naquela área chamado

Costa Habichuela? — Costa do Feijão? Não. Se tivéssemos ouvido falar desse lugar,aportaríamos por lá para reabastecer nossos estoques de provisões emvez de ter de navegar até Belize.

 — Obrigado pelas informações, tenente Carroway.O mundaréu de gente ao redor do acanhado edifício, denominado

às pressas Cartório de Registro de Terras de Costa Habichuela, ergueu-se em vivas quando Josefina e seus pais desceram da carruagem.

 — Magnífico, não? — comentou o rey, acenando. — Olá, amigos;

sejam bem-vindos!

Page 100: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 100/156

 — Como essas pessoas ficaram sabendo do cartório? — indagou Josefina num sussurro, tocando o braço do pai.

 — Assim que cheguei, pedi aos jornais que publicassem anúncios — respondeu ele enquanto partia atrás do capitão Milton, que abriacaminho rumo às portas ainda fechadas do prédio. — Ah, sr. Halloway,sr. Orrin. Vamos abrir ao público, sim? — Virou-se para a multidão. — Obrigado a todos pelo apoio e entusiasmo. Quero ser o primeiro a lhesdar as boas-vindas como novos cidadãos de Costa Habichuela!

O povaréu aclamou estrepitosamente. Uma quantidade imensa de pessoas, a maioria vinda dos estratos menos favorecidos da sociedade:funcionários públicos e lavradores, adeleiros, criados, varredores derua, mineiros, padeiros; queriam uma nova vida no paraíso e despende-riam cada pêni que haviam poupado para obtê-la. Josefina baixou acabeça. Em um mês, se tanto, todos estariam odiando Costa

Habichuela e qualquer pessoa que tivesse alguma relação com aquelelugar. Iriam odiá-la. E ela bem que mereceria.

O duque de Harek se aproximou. — Vá para junto do rey, Vossa Majestade — sugeriu à rainha Maria

com um sorriso. — Cuidarei para que a nossa princesa não sejacarregada daqui nos ombros agradecidos da multidão.

 Ao ver que sua mãe já ia se afastando, Josefina observou em voz baixa:

 — Para que ser tão melodramático?

 — Ora, eles a adoram. Eu a adoro. — E mesmo? — Encarou-o, desejando que ele fosse Melbourne. — Sim. Tanto que já conversei com Sua Majestade e, apesar de

não haver nada formalizado, quero que saiba que pretendo pedi-la emcasamento. — Os olhos verde-claros avaliaram a expressão dela. — Meu único medo é que você recuse a minha oferta na esperança dereceber uma proposta equivalente do duque de Melbourne.

 — Melbourne? Não suporto aquele homem. — Não precisa fingir, Vossa Alteza. Não há termo de comparação

 para a fortuna e o poder de Sebastian Griffin, porém todos sabemosque ele não se casará se com isso tiver de deixar a Inglaterra... Claro,se porventura Melbourne resolver se casar novamente.

 — Você é perito em assuntos que dizem respeito a ele, não? — De certo modo, sim. — Harek baixara ainda mais o tom de voz.

 — Por exemplo: estou sabendo que vocês dois foram para a cama. — Como? — A cor se foi do rosto dela. — O que... — Não me importo. Sinceramente. Criar uma criança com sangue

Griffin, ainda mais se ela se parecesse bastante com o pai, iria nos

trazer muitas vantagens. Em termos de benefícios financeiros, para ser mais claro. Portanto, não se sinta inibida.

Page 101: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 101/156

Por um instante, Josefina se recusou a acreditar no que acabara deouvir.

 — Eu... Não sei do que está falando. E mesmo que soubesse, não... — Não sou nenhum monstro, Vossa Alteza. Não disse o que disse

no intuito de ofendê-la ou ameaçá-la. Aprecio a sua companhia e achoque faríamos um belo casal. Fazem-se muitos casamentos unicamente por motivos políticos ou financeiros... O que não seria nosso caso, jáque gostamos um do outro. De qualquer modo, enquanto estivermosem Londres, sinta-se à vontade para incentivar Melbourne, por favor.Não vejo no que isso poderia nos prejudicar.

Tentando organizar os pensamentos, Josefina limpou a garganta. — Bem, devo admitir que agora você realmente me surpreendeu. — Você é princesa e eu sou duque. — Inclinou a cabeça. — 

Estamos acima da maioria das bobagens com que as pessoas se

 preocupam. Antes que ela pudesse retrucar, o tenente May foi abordá-los,

curvando-se com a mão sobre o peito: — Vossa Alteza, Sua Majestade pede que vá para junto dele e da

rainha. — Obrigada, tenente.Então era essa a vida que esperava por ela... Com efeito, o conde

de Harek era um par bem mais conveniente do que Melbourne, umavez que não fazia perguntas e parecia disposto a guardar para si o que

sabia. Só que havia um lado seu que era simplesmente Josefina Embry,sem intrigas nem complicações, que não desejava um marido que fosseindiferente ao fato de ela ter casos com outros homens ou porque nãose importava com isso ou porque poderia se beneficiar da situação.

 — Você realmente conhece piratas? — Bem — Josefina sorriu para a filha de Melbourne, que passava

manteiga numa grossa fatia de pão —, havia um sujeito que usavatapa-olho e vivia com um papagaio no ombro. Tenho quase certeza deque se tratava de um pirata.

 — Como ele se chamava? — indagou a garotinha, os olhosarregalados. — Fiz uma lista com o nome de vários piratas famosos. — Ele dizia chamar-se Ned Terrível. — Oh, desse eu nunca ouvi falar... Ele tinha os dois braços e as

duas pernas? — Peep — Eleanor escondia o sorriso atrás do guardanapo —,

deixe a princesa Josefina comer, sim? Ou vai querer que ela morra defome?

 — Deixe-a à vontade, por favor — interveio Josefina. — A bem da

verdade, é muito bom falar de outro assunto que não Costa Habichuela.

Page 102: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 102/156

Penelope se ajeitou melhor na cadeira do restaurante ao ar livreonde elas se achavam, depois se debruçou sobre o braço direito de Josefina, a quem confidenciou antes de dar uma mordida no pão:

 — Que bom que pudemos almoçar juntas hoje. Gosto muito devocê, princesa.

Céus. Um gesto tão singelo, mas que tanto significava: crédito,confiança... Era de enternecer o coração.

 — Eu também gosto muito de você, lady Penelope.E me chame de Josefina, por favor. — Então me trate por Peep. Será que se importaria de descrever 

Ned Terrível em detalhes para que eu possa fazer um desenho dele? — De modo algum, Peep. Farei tudo o que estiver ao meu alcance

 para ajudá-la com a sua pesquisa.Por um instante Josefina permitiu-se pensar que ela e a

encantadora garotinha poderiam ser grandes amigas, mas então selembrou do compromisso em Vauxhall naquela noite. A culpa seria suase algo acontecesse a Sebastian. Peep iria odiá-la... e ela iria odiar a si própria. Cinco horas. Tinha cinco horas para pensar em algo que pudesse proteger o duque de Melbourne, ela e Peep de um mal maior.

 — Onde diabos você se meteu?Tirando o olhar do espelho, Sebastian foi pousá-lo sobre

Charlemagne e Valentine, que entravam como dois furacões nos seusaposentos.

 — Estive cuidando de negócios. — Levantou-se, e o camareiroajudou-o a colocar o colete cinza-chumbo. — Obrigado, Bailey.Terminarei de me vestir sozinho.

 Após fazer uma mesura, o criado deixou o quarto e fechou a porta. — Na verdade, fui até Dover — prosseguiu Sebastian. — Achei

que... — Dover? Sem avisar a ninguém? — Faz tempo que não preciso dos cuidados de uma ama-seca,

Shay. Agora, se me deixar terminar, fui procurar o almirante Mattingly,

 pois achei que ele poderia me indicar alguém que tivesse navegado pela Costa dos Mosquitos. — O que Rice-Able nos contou já não era o bastante? — Eu queria ouvir a opinião de outra pessoa. — E conseguiu encontrar alguém? — indagou Valentine,

que, assim como Eleanor, já havia se inteirado do plágio do livretosobre Costa Habichuela por intermédio de Charlemagne.

 — Sim. — Sebastian foi pegar a declaração de Carroway, que haviadeixado sobre a cômoda e o entregou a Charlemagne. — Ao que tudo

indica, você quebrou sua promessa e contou a Valentine o problema

Page 103: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 103/156

concernente a Costa Habichuela, não? — Ajeitando o relógio no bolso,ele dirigiu-se para a porta. — Alguém mais sabe?

 — A estas horas, toda a família. Exceto Peep e os Witfeld, é claro. — Ao vê-lo levar a mão à maçaneta, Charlemagne pediu: — Espere,Melbourne.

 — Tenho um compromisso. E me devolva essa declaração; é provável que eu vá precisar dela.

 — Se esteve fora o dia todo, então você não está sabendo danovidade.

 Aprumando-se, Sebastian o encarou. — Do que se trata? — Esta manhã, em Piccadilly, os Embry participaram da

inauguração de um cartório de registro de imóveis de CostaHabichuela. Eles estão vendendo lotes dos mais variados tamanhos por 

um xelim o metro quadrado. A fila que se formou diante do prédio davavolta ao quarteirão.

 — Estão à procura de colonos para aquele lugar esquecido por Deus? — A surpresa fez Sebastian perder a firmeza que até então vinhaimprimindo a voz.

 — E, salvo engano, o rey abriu outro cartório desses na Escócia. — Charlemagne pigarreou. — Lamento muito, Seb.

Ele fuzilou o irmão com os olhos. — Que raios você lamenta, Shay? E lógico que prefiro saber o que

está se passando a permanecer na ignorância. — Aonde você vai? — perguntou Valentine. — Vou receber convidados no meu camarote em Vauxhall. O rey e

família. — E antes que os atônitos parentes fizessem algum comentário, ele despediu-se: — Até

amanhã.Na sala de estar do piso térreo da mansão do coronel Branbury,

Sebastian fazia das tripas coração para não se pôr a andar de um lado para outro. Só Deus sabia a vontade que tinha de ir procurar Josefina e

chacoalhá-la até fazê-la confessar toda a verdade. Agora se dava contade que tudo o que acontecera entre ambos era parte de algum tipo de plano, um artifício para mantê-lo calado enquanto ela e o rey surrupiavam recursos da Inglaterra. Era mesmo uma pena que fosse oduque de Melbourne, já que isso o impedia de esmurrar Embry sem jogar seu nome e o de sua família na...

 A porta se abriu. — Vossa Graça. — O rey se acercou para oferecer um aperto de

mãos. — Obrigado pelo convite para esta noite e pelo ininterrupto

apoio.

Page 104: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 104/156

Tratando de colocar um sorriso nos lábios, Sebastian aceitou ocumprimento.

 — Fiquei contente em saber que conseguiu um novo assistente prontamente.

 — Ah, Charles tem sido uma bênção. Ele está para chegar. — Stephen foi até a cristaleira, de onde tirou dois cálices. — Toma umPorto enquanto esperamos?

 — Certamente. — Lembrando a si que a paciência lhe seria maisútil do que a violência, tomou na mão a bebida que Embry lhe estendia.

 — Sabia que resolvemos vender lotes de terra? — Papai, não poderíamos, só por uma noite, não limitar a conversa

a eventos sociais? — Corada e meio ofegante, Josefina entrou na sala. Ao perceber que a encarava, Sebastian, com os pelos do braço

arrepiados, esboçou uma mesura antes de tomar na sua a mão que ela

lhe estendia. — Vossa Alteza. — Beijando os dedos dela, concluiu que, se tivesse

algum instinto de autopreservação, aquela sirigaita deveria mais eraque correr para longe do pai e se atirar nos braços do duque mais próximo, ele, implorando por perdão e proteção. — Você está muitobonita.

Realmente, Josefina estava linda num vestido de seda azul comdecote pronunciado e mangas rendadas, fitas azuis entremeadas noscabelos, a tiara de prata cintilan-do à luz das velas. Se pudesse confiar 

na vigarista, certamente não resistiria ao assomo de desejo que oinstigava a esquecer, só por alguns instantes, o perigo que elarepresentava ao seu equilíbrio, ao seu coração, ao seu...

 — Desculpem-me pela demora. — O duque de Harek se achava novão da porta.

Pestanejando, Sebastian obrigou-se a tirar os olhos de Josefina para encarar o recém-chegado.

 — Boa noite, Harek. — Melbourne. Vossa Majestade, Vossa Alteza. — Charles Stenway 

se curvou. — Tenho uma boa explicação para o meu atraso: acabo deadquirir dois lotes de oitocentos metros quadrados das primorosasterras pastoris de Costa Habichuela.

 — E mesmo? — O rey bateu palmas. — Esplêndido! — Eu queria mostrar que o meu apoio à sua causa não é apenas

da boca para fora. — Enquanto Sebastian se surpreendia com aexpressão contrariada de Josefina, Harek foi até ela para lhe tomar amão estendida. — Você é a flor mais encantadora do seu país, Vossa Alteza.

 — Obrigada, Charles — respondeu ela com um sorriso.

Page 105: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 105/156

Sebastian tentou ocultar o ciúme atrás do cálice de vinho. A flor mais encantadora, essa é boa. O mais provável era que ela fosse aúnica flor de Costa Habichuela.

 — E você, Melbourne. — Harek enfim soltava a mão de Josefina. — Quanto já possui em terras de Habichuela?

 — Nada, ainda. Passei o dia em Dover e só menos uma hora atrásfiquei sabendo que o rey tinha aberto um cartório de registro deimóveis.

 — Dover? — ecoou Josefina. — O que o levou até lá? Antes que elerespondesse, a rainha Maria surgiu à

entrada da sala. — Boa noite, lorde Melbourne, lorde Harek.Sebastian indagou se ela, apesar da distinção que faltava ao

marido e que Josefina herdara, estaria a par do que quer que fosse que

Embry andava tramando. Pelo sim, pelo não, assumiria que todos eramculpados até prova em contrário.

 — Vamos? — perguntou, deixando o cálice de lado. — Minhacarruagem é espaçosa, porém ainda não sei quantos membros da suacomitiva irão nos acompanhar.

 — Só o capitão Milton e o tenente May, que farão nossa escolta enos seguirão a cavalo.

 — Muito bem; vamos andando, então.Quando a carruagem parou nos Jardins Vauxhall, Green pulou do

lugar que ocupava na boleia ao lado de Tollins para ir baixar os degrause abrir a porta. O duque foi o primeiro a saltar e ofereceu a mão à princesa. Apertando os dedos dele com uma força desnecessária, elaindagou enquanto descia do veículo:

 — E verdade que qualquer um entra em Vauxhall, pois não hácobrança de ingressos?

 — Vem daí a profusão de gatunos, meretrizes e delinqüentes quecirculam por aqui.

 — Essa classificação de certo modo não engloba toda e qualquer 

 pessoa em algum momento da vida? — Ela sorriu. — As vezes você falacomo um ingênuo, Melbourne. — Devo ser, afinal ainda desejo você. — Sem mais, virou-se para

assistir Maria Embry a descer do coche e, oferecendo-lhe o braço,seguiu com a rainha à frente dos demais para abrir caminho em meio àaglomeração de gente.

Inconfundíveis em seus uniformes negros, os dois oficiais do rey se posicionaram um de cada lado do pequeno grupo, o que acaboufazendo com que a multidão se apartasse para lhes dar passagem. De

 pronto Sebastian se indagou o que a massa que tanto admirava a

Page 106: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 106/156

família real de Costa Habichuela iria dizer se soubesse que os Embry não passavam de larápios trapaceiros.

 — Olhe, mamãe —- veio a voz de Josefina às costas dele —, aquelehomem está cuspindo fogo!

 — E lá, se não se me engano, está o camarote de Melbourne — assinalou Harek —, de onde teremos uma vista privilegiada caso essesujeito engula as chamas por acidente.

 — Oh, não diga isso — ela o repreendeu. Sebastian a olhou por cima do ombro.

 — Goste-se ou não, quando se embarca numa aventura perigosa é preciso contar com resultados catastróficos. — Com isso, guiou-os até oespaçoso retângulo de madeira erguido a uns três ou quatro palmos dochão, onde um punhado de criados de Vauxhall vigiava travessas dealimentos sobre um aparador, diante do qual uma dúzia de cadeiras

 perfilava-se na parte fronteiriça do tablado. Um número considerável decuriosos já se aglomerava ao redor do camarote.

 — Excelente localização, Melbourne — elogiou o rey enquantoacomodava a esposa numa das cadeiras. — Daqui se avista o pavilhãode Prinny. Acha que ele virá esta noite?

 — Creio que não. — Eu queria dar uma volta pelos jardins — anunciou Josefina. E

ainda que Harek corresse a se acercar, foi para Sebastian que elaindagou: — Não me levaria para um passeio?

 — Certamente, Vossa Alteza. Mas vamos precisar de alguém que aacompanhe.

 — Melbourne tem razão, querida — anuiu Embry. — Tenente,acompanhe a minha filha, por favor.

O rapaz fez uma continência. — Pois não, Vossa Majestade.Sebastian ofereceu o braço a ela, Josefina o aceitou, e os dois

desceram do camarote com May em seus calcanhares. — Gostaria de ver o lago?

 — E uma boa idéia.Passaram por outros dois camarotes antes que os ocupantes doterceiro chamassem a atenção de Sebastian. Empertigando-se, eleestacou para indagar no tom mais moderado de que era capaz:

 — O que estão fazendo aqui? — Você sabe que Eleanor adora acrobacias — respondeu

Valentine, saudando-o com uma taça de vinho.Era bem feito para ele. Quem lhe mandara dizer aonde iria? — Sarala, Nell, Shay — cumprimentou os demais com frieza. — 

Onde estão Zach e Caroline?

Page 107: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 107/156

 — Com os Witfeld; achamos melhor não expor a saúde da sra.Witfeld ao sereno — respondeu Charlemagne, o olhar preso em Josefinae no guarda-costas todo de negro.

 — Boa noite, Vossa Alteza. — Lorde Charlemagne, lorde Deverill. — Ela sorriu com um olhar 

luminoso. — Olá, Eleanor, Sarala, e obrigada mais vez pelo convite parao almoço. Sinto falta de amigas com que conversar.

Sebastian achou melhor intervir antes que a irmã ou a cunhadativessem tempo para retrucar.

 — Com licença, sim? Estamos dando uma volta. — Quer que... — Não, obrigado — ele interrompeu Charlemagne. — Bom jantar.Enquanto se afastavam, Josefina comentou:

 — Sua família parece muito unida. — Somos amigos além de sermos parentes. — E você gosta muito disso. Está nos seus olhos. — É verdade. Embora confie em pouquíssimas pessoas, sei que

 posso contar com eles. Sob quaisquer circunstâncias, mesmo quandonão consigo admitir que preciso de ajuda.

 — Deve ser — Josefina limpou a garganta — reconfortante saber que há sempre alguém a quem você pode recorrer quando precisa deum ombro amigo ou apenas conversar.

Sebastian respirou fundo. Seria algum outro truque? Ou ela sugeriaque tinha algo a lhe dizer?

 — Tenho um par de ouvidos — afirmou. — Prontos para ouvi-la. — Mas não na companhia de outras pessoas. Quando estivermos a

sós, quem sabe... — Se estiver tramando alguma coisa, Josefina, juro que vou torcer 

o seu pescoço. Estou farto de joguinhos. — Eu também — murmurou ela, acenando para alguém. — Preciso

falar com você. Só nós dois.

 — Então temos de fazer com que pareça involuntário... Está vendoaquele arco ali adiante, à sua direita? — Sim. Mas antes posso assinalar que tudo seria muito mais

simples se você não tivesse insistido num acompanhante? — Não, não pode. — Tendo em vista a desconfiança que tinha

dela, Josefina devia era se dar por muito da satisfeita com que eletivesse escolhido um acompanhante no lugar de uma pistola. — Encontre-me do outro lado daquele arco. — Enquanto falava, soltara orelógio da corrente para trocá-lo de bolso. — Ora, seu...! — bradou para

ninguém em especial. — Pare, ladrão!

Page 108: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 108/156

 Ao vê-lo ir ao encontro do tenente May para repreendê-lo peladesatenção, Josefina se misturou à multidão que já começava a seformar, de onde reparou que Sebastian, após mostrar a corrente dorelógio

 para o oficial, mandava-o numa direção para em seguida tomar orumo oposto. Cuidando de demonstrar que também era competente,ela colocou-se entre um bando de turistas antes de partir em direçãoao arco que Sebastian havia apontado, e foi se destacar do grupo tãologo passaram pela pérgula recoberta de roseiras.

 Ali, tratou de se proteger sob os ramos pendentes de uma imensaglicínia, tentando ignorar que o lado mais sensato e egoísta de suamente berrava para que voltasse para o camarote e mantivesse a bocabem fechada. Com só mais uma quinzena para permanecer emLondres, ela e sua família tinham boas chances de escapar ilesos e im-

 punes. Mas não, não podia deixar que...Um homenzarrão em trajes de cavalheiro surgiu à entrada de uma

das veredas atrás do arco, trazendo pela mão uma ruiva esquálida quecorreu a passar os braços e as pernas ao redor dele. Os dois então sebeijaram ruidosamente, e o camarada abaixou o corpete do vestido danamorada até lhe desnudar os seios descarnados.

 — Lorde Castleton e sua mais recente aquisição. — Soprou umavoz no ouvido de Josefina.

 Antes que ela esboçasse uma reação, Sebastian virou-a de

supetão para fazê-la encará-lo. — Então, Sebas...Ele a calou com um beijo ávido, ardente, recendendo a vinho do

Porto. Tomada por uma onda de desejo tão intensa que chegava a lhebambear as pernas, Josefina enlaçou-o pelo pescoço com o cuidado dereprimir o gemido que assomara à sua garganta.

Quando enfim afastou os lábios dos dela, Sebastian a interpelounum sussurro:

 — Você é feiticeira, não é? Isto só pode ser algum encantamento

que se apodera do meu corpo. — Voltou a beijá-la, instigando-a com alíngua até quase perder o fôlego enquanto lhe tomava um dos seios namão.

 — P-pare. — Ela o empurrou, tão de leve que mais parecia umacarícia.

 — Tem razão. Não há tempo a perder. — Após fitá-la por uminstante, indicou com a cabeça um espaço entre a glicínia e umcarvalho. — Venha.

Mal conseguindo enxergar o vulto dele em meio às sombras e a

densa folhagem, Josefina o seguiu até chegarem a uma minúsculaclareira que a lua crescente banhava em tons de prata. Ali, o

Page 109: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 109/156

apaixonado e provocante Sebastian deu lugar ao frio e implacávelduque de Melbourne.

 — Você disse que queria conversar comigo, não? Emboraressentida com a súbita transformação,

 Josefina afirmou: — Há duas coisas que eu quero que você saiba. — Mantinha o

queixo erguido para poder fitá-lo olhos nos olhos. — E ambas são amais pura verdade.

 — Por que não diz o que tem a dizer e deixa que eu decida seacredito ou não?

 — Muito bem. Eu... Eu nem imaginava que meu pai tivesseintenções de vender lotes de terra a alguém.

 — Por que esse tipo de tramóia seria pior do que tomar dinheiro deum banco e promover a venda de títulos para financiar o furto?

Deus, ele estava a par de tudo. — Porque só o banco é prejudicado, uma vez que terá de comprar 

os títulos de volta. Já a venda de terras é outra questão, é mais do queuma... fraude. — Surpreendeu-se ao ver que conseguia pronunciar aquela palavra que seu pai havia proibido. — As pessoas que forem para lá podem vir a morrer, Sebastian. Famílias inteiras que...

 — O que você realmente sabe a respeito de Costa Habichuela? — Eu sabia que não era nenhum paraíso, porém nunca me

interessei em tirar a limpo as informações a respeito do clima ou da

topografia. Mas agora é diferente. — Está dizendo que não tem a menor responsabilidade pelos

 prejuízos causados a tantas pessoas e que só fez o que fez porque foiiludida pelo seu querido paizinho?

O sarcasmo contido na acusação velada doeu mais do que umabofetada.

 — Está claro que você pouco se importa com o que eu saiba ounão, e eu não pretendo usar minhas próprias palavras contra mim.Tudo o que vou lhe dizer é que ninguém pode ir para Costa Habichuela

imaginando que aquilo é um pedaço do Éden.Sebastian perscrutou o semblante dela por alguns instantes antesde indagar:

 — Qual era a segunda verdade que tinha para me dizer, Vossa Alteza?

 — Contei ao meu pai que você havia descoberto que o livreto não passava de ficção, e ele...

 — Ah! E que senso de honradez levou-a a fazer isso? — Fiquei morta de medo! — replicou ela. — Quando começamos

tudo isso, Costa Habichuela não tinha a menor importância, mas com avenda dos terrenos... Peguei emprestado aquele livro que você estava

Page 110: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 110/156

folheando na biblioteca de Allendale, na esperança de que meu pai pudesse ter dito a verdade sobre São Saturus e da Enseada doDiamante Negro.

 — Sei. — Ele balançou a cabeça. — Bem, agora que já me contoutudo e que sua pretensa consciência está limpa, é melhor voltarmos para junto dos demais antes que alguém venha nos procurar.

 Ao pousar a mão no ombro dele para impedi-lo de se afastar, Josefina sentiu um feixe de músculos se enrijecer sob seus dedos. Oque provava que ela ainda mexia com ele. Do mesmo modo como elelhe causava as emoções mais conflituosas que já sentira.

 — Quando falei a meu pai sobre você, ele disse que iria seencarregar de resolver esse problema. E que os Jardins de Vauxhalleram freqüentado por verdadeiras multidões.

 — Muito bem, agora que já me avisou e já ameaçou, sugiro que...

 — Não estou ameaçando você, Sebastian. Estou preocupada. — Então não devia ter se envolvido em toda essa história. — Ele

respirou fundo. — Vou colocar um ponto final em tudo isso, Josefina. As penas serão severas e, se quiser evitar o cadafalso, aconselho-a a mecontar tudo o que sabe e rezar para que eu tenha como protegê-la.

 — E você quem precisa de proteção, seu tolo! O fato de ser duquenão o torna imune a ferimentos. E não estou dizendo isso porqueresolvi trair meu pai, e sim por uma questão de consciência... Ainda quevocê ache que não tenho um pingo de senso de moral.

Ela fez menção de se afastar, porém Sebastian a agarrou pelobraço.

 — Mais cedo ou mais tarde, minha cara, você irá se dar conta deque não tem como se manter neutra. E vai ter de escolher um lado.

 — Não espere que eu vá escolher o seu. — Soltando o braço comum safanão, ela concluiu que Melbourne ou não acreditava que corria perigo ou pensava que ser um Griffin era o bastante para salvaguardá-lo de todo mal. Fosse como fosse, viu-o deixar a clareira e, sem outraopção, partiu atrás dele.

 Assim que se viu sob a arcada da pérgula, Sebastian se deteve. — Você e eu... acabou — afirmou sem se voltar para ela, e Josefinateve a sensação de que um punhal lhe trans-passara o coração. —  Agradeço por ter me dito que reprova as atitudes do seu pai, porémsuas informações nada acrescentaram ao que eu já sabia.

 — Ora, que homem perspicaz. — Não tão perspicaz assim, é evidente. Independentemente disso,

após esta noite não espere voltar a me ver a não ser num tribunal de justiça. Basta dos seus joguinhos, seja lá quem você for. — Fez um

gesto para lhe dizer que seguisse à sua frente.

Page 111: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 111/156

Passando por ele como uma lufada de vento, Josefina correu a ir ase misturar às pessoas que passeavam pelo parque. Oh, era mesmouma estúpida. Sebastian não precisava do seu auxílio, tampouco oqueria. Pelo visto, já tinha conseguido tudo o que queria dela e agoraqueria vê-la na prisão, ou enforcada, porque havia cometido umafalcatrua e seu pai a transformara num delito ainda mais grave. Oh, pelo menos ele iria impedir um êxodo a Costa Habichuela...

 — Vossa Alteza — chamou o tenente May, que vinha ofegante aoencontro dela. — Não consegui encontrar o gatuno. E peço desculpas por tê-la deixado desacompanhada, mas Sua Graça me mandou...

 — Está tudo bem. Meu pai não precisa saber de nada disso e, se oduque tiver sorte e recuperar o relógio, nem mencionaremos oocorrido.

 — Recuperei, sim. — Como se surgido do nada, Sebastian foi se

colocar ao lado dela com o relógio na palma da mão. — O malandrocertamente o jogou num canteiro perto daqui quando percebeu queestávamos no encalço dele.

 — Só espero que esse vagabundo não guarde rancor, Vossa Graça — comentou May com um esboço de sorriso.

 Josefina sentiu um arrepio ao constatar que ele acabava deinventar uma boa justificativa para que alguém apunhalasse Melbourne pelas costas. Soldados experientes que haviam servido junto de seu paiem dezenas de campanhas, May e Milton decerto tinham tirado a vida

de inúmeras pessoas e não hesitariam em matar novamente paracumprir ordens. E mais: a sorte dos dois dependia do êxito do rey.

 Apreensiva como estava, foi só ao chegarem ao camarote que elaergueu a cabeça ao ouvir o pai indagar:

 — Como foi a volta pelo parque, filha? — Com um sorriso plácido,Embry fez sinal para que ela se aproximasse.

 — Muito interessante. — Quando olhou para trás a fim deagradecer a Melbourne pelo passeio, ela viu Milton se acercando comalgo que parecia um objeto metálico na mão. Oh, Senhor.

Sem pensar duas vezes, Josefina se tirou sobre Sebastian e,agarrando-o pelas lapelas do sobretudo, deu meia-volta levando-o comela a fim de colocá-lo de costas para o camarote, antes de lhe dar umarrebatado beijo. E, quando enfim o largou, anunciou a plenos pulmões para que o pai e Milton ouvissem:

 — Melbourne me pediu em casamento, e eu aceitei!Embora meio atordoado com o beijo, Sebastian segurou-a pelos

ombros para afastá-la de si... e foi então que viu, por sobre o ombrodela, um dos guarda-costas de Embry, Milton, esconder um punhal nas

dobras do uniforme antes de se afastar dali a passos rápidos, todoencolhido, buscando se infiltrar por entre a multidão. Naquele instante,

Page 112: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 112/156

seu mundo virou de pernas para o ar: Embry tentara matá-lo, e Josefinaacabava de salvar sua vida... Engolindo em seco, tornou a trazê-la para perto dele.

 — Eu pretendia pedir sua permissão antes de mais nada — afirmouem voz alta —, mas fui vencido pelos meus sentimentos.

 — Seus sentimentos venceram a nós dois — juntou Josefina, a voz trêmula, o rosto sem cor.

Por mais estranho que fosse, ele se acalmou. Precisava assumir ocomando da situação, uma vez que Milton estava por ali com um punhal. Mais tarde cuidaria das conseqüências das afirmações que elee Josefina haviam feito.

 — Espero que perdoe nossa afoiteza e nos dê sua bênção —  prosseguiu, conduzindo-a para o camarote.

Embry, que se pusera em pé de um pulo ante o anúncio da filha,

estava mais pálido do que ela, o que indicava que também fora pegode surpresa.

E, àquela altura dos acontecimentos, todas as pessoas que tinhamido ao parque naquela noite já deviam estar sabendo da novidade: oduque de Melbourne havia anunciado seu casamento com a princesa Josefina de Costa Habichuela.

 — Seja bem-vindo à família, Melbourne! — bradou o rey. — Oumelhor, a partir de agora creio que devo tratá-lo por Sebastian.

 Antes que ele pudesse responder, o duque de Harek empurrou

uma cadeira de lado com tanta força que o balaústre do camaroterangeu.

 — Esperem um momento — rosnou Charles Stenway. — Nós doistemos um acordo, Vossa Majestade. Não vou...

 — Apenas trocamos idéias, Charles; não fizemos acordo algum.Mas depois conversaremos sobre esse assunto, sim?

 — Sem sombra de dúvida. — Com um olhar furioso na direção deSebastian, Harek passou por todos eles e, descendo os três degrausque davam acesso ao tablado, desapareceu em meio aos curiosos.

 — Acho melhor irmos andando também — sugeriu a rainha Maria. — Criamos um tumulto, e com apenas dois guardar para nos... — Como sempre, você tem razão, minha querida. Tenente, leve-

nos de volta à carruagem.Sebastian preferiu não lembrar à rainha que no momento havia um

só guarda a zelar pela segurança deles. Afinal de contas, de que lhevalia...

 — Melbourne!Sobressaltado pelo tom estarrecido da voz de Charlemagne, ele se

virou para o irmão.

Page 113: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 113/156

 — Falaremos sobre isso mais tarde, Shay. Agora precisoacompanhar minha noiva e a família dela até minha carruagem.

 — Como foi que conseguiu, Josefina? Você não disse que eleestava desconfiado de nós? — Levando a mão ao peito, Stephen caiuna risada. — Oh, meu Deus... E por pouco não acabo com ele!

Encolhida num canto da carruagem, Josefina parou de esfregar olocal em seu braço onde os dedos de Sebastian haviam deixado umamarca avermelhada para faltar à verdade com muita naturalidade:

 — Acho que, quando se deu conta de que Harek estava prestes ame propor casamento, Melbourne percebeu que estava deixando passar uma excelente oportunidade.

 — Ótimo, ótimo, ótimo. Sempre digo que a ambição é algo queabsolutamente todos os homens trazem no coração. Aliás, é nesse princípio que se encontra o êxito dos nossos esforços.

 — Está feliz com esse casamento, menina? — quis saber MariaEmbry.

O noivo não estava. Pelo contrário, Sebastian parecia a ponto de... — E claro que ela está, meu amor — intrometeu-se o pai dela. — 

Vencemos. Ainda faltam algumas arestas a aparar, mas com Melbournesob controle, tudo será muito mais simples. Aliás, foi muito bom termosaté amanhã para pensar em tudo isso com calma. Precisamos preparar alguns papéis, algo que nos garanta que ele irá guardar para si o quesabe se não quiser se incriminar. Ah, e eu tenho de homenageá-lo com

um título. — Ele já é duque, papai. — Não pode ser uma distinção tão eminente quanto a que demos

ao príncipe regente — prosseguiu Stephen, como se ela não tivessedito nada. — Deixe-me ver... O que acha de Cavaleiro da Cruz Verde? Enão podemos esquecer que, com o duque de Melbourne na família, va-mos precisar de um nome mais imponente da próxima vez. Costa deiOro, talvez.

É claro que para isso vamos ter de alterar a brochura, os títulos, os

contratos de venda de terras, mas isso não será problema, já queteremos recursos de sobra para as despesas. Josefina fez o que pôde para não se mostrar pasma enquanto seu

 pai, feliz da vida, punha-se a arquitetar a instituição de um novo paísna Costa dos Mosquitos. Ele realmente não se importava com o que pudesse vir a ser dos colonos que, ao desembarcarem dos navios, nãoiriam ver nem sinal de uma cidade resplandecente, nenhum portoefervescente, nada de Costa Habichuela... Deus, quando Sebastiandescobrisse que a filha de um soldado não lhe deixara outra opção a

não ser desposá-la, era bem provável que ela fosse dar graças aos céus por não poder ser enforcada mais do que uma vez.

Page 114: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 114/156

Filha de um soldado... Que o esbofeteara em público. Que dera aele a impressão de não estar à altura de lhe dirigir a palavra. Que olevara para a cama. Não, Sebastian jamais a perdoaria.

 — O senhor voltou cedo, Vossa Graça — comentou Stanton aoabrir a porta. — Espero que...

 — Onde está minha filha? — Sem esperar pela resposta, Sebastian partiu rumo a escadaria sem se dar ao trabalho de tirar as luvas ou osobretudo.

 — Imagino que ela esteja na sala de bilhar com a sra. Beacham,Vossa Graça. Algum problema?

Subindo os degraus de dois em dois, ele avisou por sobre o ombro: — Minha família não deve demorar a chegar; acomode-os na sala

de estar, e peça para a cozinheira preparar sanduíches ou coisa que ovalha para eles.

 — Pois não, Vossa Graça.Na sala de bilhar, Sebastian, com uma calma que estava longe de

sentir, pediu à sra. Beacham que deixassePenelope e ele a sós. Assim que a porta se fechou, Sebastian olhou para a filha que, com

um taco de bilhar grande demais para ela entre as mãozinhas, fitava-ocom curiosidade.

 — Você deu um tiro em alguém? — Imitando o gesto que vira ostios fazerem, Penelope se apoiou no taco.

 — Não. — Por mais esperta que fosse, Peep era ainda uma criança.Sua meninota, que por ora não precisava saber de certas artimanhasque havia no mundo. — Venha cá. — Sentou-se numa das poltronas junto à janela. — Precisamos conversar.

Largando o taco sobre a mesa, ela foi se acomodar no braço da poltrona antes de indagar:

 — Estão todos bem, não estão? — Estão, sim. Estão todos ótimos. Mas acontece que... Bem, esta

noite aconteceu algo totalmente fora do previsto e que ainda não é

nada definitivo... Mesmo assim, eu queria que você soubesse de tudo por mim. — Está bem.Ele limpou a garganta. Por onde começar? — Beijei a princesa Josefina.Olhos arregalados, Penelope quis saber: — Mas você não abusou dela como tio Shay fez com tia Sarala,

abusou? — Como raios você sabe disso?

 — Francamente, papai. Eu sempre sei de tudo o que acontece. — Suspirou. — Você fez mal a ela?

Page 115: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 115/156

 — Não, mas agora ela e eu... — Fechou os olhos por um átimo. — Nós dissemos às pessoas que vamos nos casar.

 — Casar?! — Penelope parecia tão aturdida quanto ele. — E vocêcontou do casamento a outras pessoas antes de contar para mim?

 — Foi sem querer, meu coração. Um imprevisto, digamos assim.Mas, assim que aconteceu, vim correndo para cá para contar tudo avocê.

 — Onde está Josefina? Quero falar com ela. — Foi para casa. Vou vê-la amanhã. — Isso vai me tornar uma princesa? — Infelizmente, não. — Pela primeira vez naquela noite, sentiu o

coração um pouco mais leve. — Mas você sempre foi e sempre será aminha princesa, se isso for um consolo.

 Ajeitando-se sobre o braço do móvel, Penelope o abraçou, colando

o rosto ao dele. — Gosto de Josefina; ela conhece piratas e soldados. Mas você

devia ter me contado que estava se apaixonando por ela. Dei bonsconselhos a tio Shay quando ele namorava tia Sarala.

 Apaixonar. Apaixonado por Josefina? No momento nem ao menossabia se queria beijá-la ou esganá-la. O que sabia com certeza, issosim, era o que gostaria de fazer com o pai dela.

 — Como eu disse, Peep, ainda não está nada decidido emdefinitivo. Tomamos essa decisão por causa de... assuntos de negócios,

e é possível que esse casamento nunca venha a se concretizar.Penelope aprumou-se para fitá-lo com os olhos bastante sérios. — Você é um duque muito rico, papai. Não precisa se casar com

ninguém. — Obrigado por me lembrar disso. — Lá embaixo, uma carruagem

entrou no passeio de pedriscos diante da mansão. — Mas se eu aamasse, você se incomodaria caso eu viesse a me casar com ela?

 — Por causa da mamãe? — Sim. Por causa da mamãe. Pensativa, Penelope franziu os lábios.

 — Você continuaria a amar a mamãe? — Para sempre. — Bem, eu amo Buttercup e amo você, amo tia Nell e tio

Valentine, amo tio Shay e tia Sar... — O que significa que... — Ele enrolou o dedo num dos cachinhos

negros dela.

 — Significa que, se nós dois amamos várias pessoas, não acho quehá mal algum em colocarmos mais alguém nas nossas listas.

 — Você é uma garotinha muito sensata, sabia? — Tomando a mãodela, levantou-se ao ouvir um alvoroço à entrada da mansão.

Page 116: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 116/156

 — Sabia, sim. Quem veio nos ver? Tem certeza de que não é Josefina?

 — Não, são seus tios e suas tias. Mas como é possível que hajasérias discussões a respeito do assunto sobre o qual acabamos deconversar, eu gostaria que você fosse para a cama.

 — Certo. Nossa conversa me deixou bastante cansada, mesmo. — Puxou-o pela manga para lhe dar um beijo no rosto. — Não grite muitocom eles.

 — Vou tentar. — Na verdade, o mais provável era que todosgritassem a plenos pulmões com ele... e com toda a razão.

Embora devorando o terceiro sanduíche de pepino, Zachary arrumou um jeito de indagar:

 — Um punhal? Tem certeza? — Pela terceira vez: sim, tenho certeza. — Sebastian continuava

andando de lá para cá. — Por quê, acha que podia ser uma colher? — Não, só estou tentando entender como... — Ela realmente salvou a sua vida — interrompeu Eleanor. — Eu já

tinha me preparado para odiá-la, mas, Sebastian, se fosse por... — Se não fosse por ela tomar parte nessas trapaças, ninguém teria

tentado matar nosso irmão. — Já fazia quarenta minutos queCharlemagne mantinha os punhos cerrados e o semblante maissombrio que seu irmão mais velho tinha visto desde a última tragédiana família.

 — Não se pode afirmar isso taxativamente — ponderou Valentino,enroscando e desenroscando os dedos nos dedos de Eleanor. — Comou sem Melbourne envolvido nessa história, o rey ainda estaria por aquitramando fraude atrás de fraude.

 — Não foi isso o que eu quis dizer -- contra-atacou Charlemagne. — Seja como for, o fato foi que ela tentou me avisar de que eu

corria perigo. E eu não quis escutar. — Sebastian só se convenceu deacabara de dizer aquilo ao ver todos os demais a encará-lo.

 — Parece-me oportuno lembrar — afirmou Sarala — que, com o

 pouco tempo que resta para que .Sebastian vá se encontrar com osEmbry, talvez fosse melhor examinarmos em que pé as coisas estãoagora, em vez de tentar entender como foi que a situação chegou ao ponto em que se encontra.

 — Concordo. — Sebastian respirou fundo. — Bem, já que Josefinacontou ao pai que eu estava desconfiado, Embry deve estar pensandoque não só conseguiu me calar como também arrumou um aliado. E provavelmente também já está contando com os recursos que poderáconseguir junto a mim.

Page 117: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 117/156

 — Dar dinheiro a ele seria um incentivo — observou Zachary,trazendo para mais perto dele a bandeja de sanduíches de queValentine havia se servido.

 — De que lado a princesa Josefina está? — Aquela era a primeiravez que Caroline se manifestava desde que entrara naquela sala.

 — Do pai, é evidente. — Acho que não, Zach — retrucou Eleanor. — Ela forneceu

informações altamente confidenciais a Sebastian. — Por mais que vocês se regozijem com os erros que cometi, o

que importa no momento não é o que houve entre mim e Josefina, massim o que tenho de fazer para retificar o meu vínculo... o vínculo danossa família com Stephen Embry.

 — Você está sendo injusto — replicou Charlemagne, muito sério. — Independentemente do que possamos ter dito sobre sua interferência

em nossas vidas, ninguém aqui quer vê-lo sofrer. — Muito bem — anuiu Sebastian, reconfortado pelos olhares

solidários que recebia. — A fim de ganharmos um pouco mais detempo, amanhã farei o papel de futuro genro; Embry pode pensar queme incluir nos planos dele o favorece, mas também favorece a mim. Ainda tenho várias perguntas sem resposta.

 — Por que não... — Shay, vá buscar Rice-Able em Eton, depois o esconda em algum

lugar qualquer; quero que ele esteja por perto quando precisarmos de

alguém para refutar o que Embry vem dizendo. Quanto ao resto... Bem,creio que teremos de esperar para ver qual será o próximo passodaquele vigarista. — Pensou por um instante. — Por que vocês não vão para casa descansar? Vamos nos reunir aqui amanhã, para o jantar,está bem?

 Assim que seus parentes se foram, Sebastian percebeu que tinha acabeça latejando. Inferno. Que raios iria fazer até a manhã seguinte?Dormir estava fora de cogitação. Como iria pegar no sono se tinha umtorvelinho no peito que mal o deixava respirar?

 — Stanton!O mordomo não demorou mais do que instantes a aparecer no vãoda porta.

 — Sim, Vossa Graça? — Peça a Green que sele Merlin. E vá se deitar depois que eu sair.Rodeada de cartas na espaçosa cama em que dormia na mansão

do coronel Branbury, Josefina meneou a cabeça num gestodesalentado. Agora que tinha relido toda a correspondência que seu pailhe enviara, ficara ainda mais claro que o que havia feito era errado.

Muito errado. Por que se deixara levar tão facilmente peloentusiasmo e pela autoconfiança de seu pai? Sua mãe, que sempre o

Page 118: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 118/156

chamara de sonhador, era quem tinha razão. Enfrentando campanhaapós campanha e uma guerra atrás da outra, Stephen Embry vivia debuscar a fama ou a glória, mal dissimulando a inveja que sentia, primeiro de Wellesley. depois de Bolívar e Rivera. Ou até mesmo do paida esposa, que desfrutara de um alto cargo no governo colonialespanhol.

O que o levava a ser como era? Seria realmente inveja? Ouarrogância? Na verdade, isso pouco importava. O que quisera, ao reler todas aquelas cartas, era encontrar algum indício de consciência, deescrúpulo, de senso de moral, de preocupação e consideração por maisalguém além dele próprio. Mas não o encontrara. E considerando asvárias maquinações que o ajudara a formular por anos a fio, tampoucoela tinha consciência. Ou não tivera, até então.

Porém algo havia mudado. Por dois motivos: porque se antes seu

 pai só visava ao escopo financeiro, ele agora queria colocar a vida deoutras pessoas em perigo; e porque Sebastian Harold Griffin surgira nasua vida.

Devia odiá-lo, pensou. Além de arrogante e seguro de si até amedula, ele dava uma importância absurda às convenções sociais e àforma como seus pares o viam. Mas também era um homem admirávele encantador, que perdia as estribeiras ao se deparar com mentiras.

 Josefina suspirou. Agora se dava conta de que não salvara a vidade Sebastian naquela noite para proteger os planos de seu pai, mas por 

ela mesma. Ainda não entendia muito bem por quê, emborasuspeitasse que...

 A janela meio aberta se escancarou e ela, com um arquejo provocado pelo sobressalto, pulou para o outro lado da cama no afã deapanhar a pistola na gaveta do criado-mudo.

 — Vou lhe dar duas alternativas — a voz grave de Sebastian seespalhou pelo quarto. — Ou você atira em mim ou deixa essa arma nagaveta.

 Atônita, Josefina o viu passar sobre peitoril da janela e saltar para

dentro do dormitório com uma elegância de dar raiva. E só depois delimpar o sobretudo e fechar a vidraça foi que ele a encarou. — Nunca o imaginei como alguém que trepa em treliças. — E a segunda vez... e a última, espero, que faço isso na vida. E

como você se deu ao trabalho de salvar minha vida, conto com que nãová fazer uso disso. — Indicou a arma na gaveta aberta.

 — Depende do motivo que o trouxe aqui. — Vim conversar com você. — Resvalou o olhar pelas cartas

espalhadas sobre a cama, detendo-o por um instante nas pernas e nos

braços dela, que a camisola desnudava. — Preciso esclarecer algumasdúvidas antes do encontro com seu pai amanhã.

Page 119: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 119/156

 — A situação ficou um tanto complicada, não é? — Engolindo emseco, Josefina fechou a gaveta.

 — Ficou, sim. — Inalou uma golfada de ar. — Venha cá. Josefina não respondeu. O olhar fixo de Sebastian fazia um ardor 

 profundo se espalhar por todo o seu corpo, roubando-lhe o fôlego efazendo seu coração bater mais forte. Num breve momento deinsanidade, imaginou como seria ser casada com aquele homem pelorestante da vida, como seria receber todos os dias aquele olhar comque ele a devorava... e estremeceu.

 — Eu gostaria de saber — afirmou enfim Sebastian — de que ladovocê está.

 — Entre você e meu pai? Sinceramente, Melbourne, não sei se hácomo escolher: ou trair a confiança dele ou ser usada e abandonada por você.

 — Tenho como protegê-la, Josefina. — Não, não tem. Quando as pessoas que dançaram comigo ou me

receberam na casa delas souberem o que houve e quem realmentesou, essas pessoas jamais voltarão a me dirigir a palavra ou a olhar naminha cara. Ao seu lado ou do lado do meu pai, estarei em pedaços. Enão, não estou culpando você. Fui eu quem ajudou a criar tudo isso.

 Após dar volta ao leito todo desarrumado, Sebastian foi se deter bem diante dela para lhe erguer o rosto e fazê-la fitá-lo nos olhos.

 — Vai me ajudar a dar um fim a todas essas mentiras?

 — Não irei ajudá-lo mandar meu pai para a forca. — Limpou com amão a lágrima que lhe escapara. — Não posso fazer isso.

Curvando-se, ele a beijou. Dissera a si que iria lá para obter respostas; a verdade era que a desejava ainda mais do que antes. Ela oenfeitiçava, deixava-o zonzo, roubava-lhe todo o senso de...

 — Isto não irá mudar nada — sussurrou Josefina enquantoempurrava o sobretudo para longe dos ombros dele.

 — Já mudou tudo. — Enfiando os dedos sob as tiras da camisola decetim, trouxe-as para os braços que lhe pareciam meio trêmulos. Até

mesmo a pele dela o entorpecia: viçosa, suave, cálida, tão relembradae misteriosa ao mesmo tempo.Voltou a beijá-la, deslizando as mãos pelas costas nuas até os

quadris dela antes de puxá-la para junto de si. Fora só nas últimashoras que tinha se dado conta de que, mesmo sendo uma trapaceira, Josefina tinha consciência, tinha coração, caso contrário não colocariatanta coisa em risco ao lhe revelar o que havia revelado. Não podia perdê-la. Jamais conseguiria manter sua promessa de manter-se longedela.

 — Sebastian... — Com um gemido, ela afastou-o de si suficiente para levar as mãos entre seus corpos e desabotoar o colete cinza-

Page 120: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 120/156

chumbo; a peça não demorou a tombar no chão, seguida de perto pelagravata.

Quando deslizou os dedos pelos seios túmidos de paixão e sentiuos mamilos se eriçarem, Sebastian se curvou para substituir os dedos pela língua; embora ardendo à carícia, Josefina encontrou forças para puxar a camisa de linho branco para fora do cós da calça, e eleinterrompeu os afagos por um momento para tirar a peça de roupa pelacabeça.

 Após aproveitar a breve interrupção para terminar de se despir,Sebastian voltou a abocanhar um mamilo intumescido pelo desejo paramordisca-Jo de leve antes de tornar a afagá-lo com os lábios. Ao ouvi-lagemer baixinho, sentiu um impiedoso assomo de paixão percorrê-lo decima a baixo, no entanto resistiu ao ímpeto de derrubá-la na cama e possuí-la até esquecer quem era. Se tudo o quisesse fosse apenas

sexo, havia uma miríade de mulheres que não hesitariam em se atirar nos seus braços.

 Assim, usou de movimentos lentos e lânguidos para ajudá-la adeitar-se e, com a mesma calma, estirou-se ao lado dela para deslizar a palma da mão pelo ombro bem feito, pelas costas esguias, pela curvada anca firme e ao mesmo tempo tenra, pela perna longa e torneada, pela sola do pé tão mimoso. Fosse o que fosse o que tanto o atraíanela, gostava daquela atração que não tinha forças para rechaçar.Gostava de se sentir um homem como outro qualquer, não um duque

com uma infinidade de deveres e responsabilidades.Enquanto refazia com a boca o trajeto antes percorrido pela sua

mão, ouviu-a suspirar e gemer de mansinho. — Sebastian... Pare... — Não está gostando? — Estou... Muito. — Então por que parar? — Mas eu queria... — Levante os quadris.

 — C-como?Tomando um dos travesseiros dispostos à cabeceira da cama,Sebastian repetiu:

 — Erga os quadris. — Quando Josefina o fez, colocou o travesseiroentre a cama e o corpo que o deixava teso como pedra, depois sedeitou sobre ela, apoiando as mãos no colchão enquanto usava do joelho para lhe afastar as pernas. — Diga que me quer — murmurou.

 — Quero você — afirmou Josefina num arquejo. — Quero vocêdentro de mim. — E pressionou o corpo de encontro ao membro túrgido

que palpitava junto às suas nádegas.

Page 121: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 121/156

Com um gemido rouco e o coração acelerado, Sebastian a penetrou de um só movimento. Ah... Quente, úmida, deliciosa, ela erasó sua. Nenhum outro homem a possuíra nem jamais haveria de possuir.

 — Gosta assim? — Oh, sim... — arfou Josefina enquanto ele começava a mover o

quadril. — Sim, sim...Só então ele pôde se indagar que diabos fazia na casa e na cama

daquela mulher, já que naquele instante isso era a última coisa comque preocupava na vida. No momento, tudo o que importava era oardor dos gemidos ritmados que ela não mal conseguia abafar e aindescritível emoção provocada pela sensação de que seus corposeram um só. Se o restante de suas vidas fora daquele aposento setraduzisse em um milésimo do prazer produzido por essa sensação,

nunca mais iria ao menos pensar em se afastar dela.Enquanto beijava o gracioso e elegante ombro de Josefina, sentiu-a

estremecer, contrair-se e atingir o clímax. Então foi diminuindo oímpeto dos movimentos que fazia e, juntando toda a força de vontadeque tinha, retirou-se das entranhas afogueadas que o agasalhavam.

 — Quer tentar algo diferente? — soprou no ouvido dela. Josefina fez que sim, os dedos ainda enterrados na roupa de cama.Deitando-se de costas, Sebastian puxou-a para cima de seu corpo.

 Após um instante de hesitação, Josefina, entendendo o que ele

 propunha, apoiou-se nos joelhos para se encaixar sobre o membro virilainda umido e latejante... e se largou, arfando de satisfação e desejo aoouvi-lo gemer como se a ponto de perder o controle.

Com as mãos nas ancas dela, Sebastian mostrou-lhe como semover e, instantes depois, ao vê-la repetir com razoável desenvolturaos movimentos de vai-vem que havia sugerido, largou o quadril queagora o seduzia inapelavelmente para afagar os seios que pareciam pedir para serem acarinhados.

 — Quero vê-lo se entregar como eu me entreguei. — Ofegante,

 Josefina o beijou enquanto imprimia mais vigor à sua cavalgada. — Não posso... — gemeu ele. — Isso provavelmente... iria lhecausar... novos transtornos.

 — Sebastian, nem sempre você precisa controlar tudo. Deixeacontecer.

Ele tornou a gemer. Ainda chegou a pensar em perguntar serealmente havia entendido o que ela queria dizer, no entanto não tevetempo: em questão de segundos, sentia-a tomado da cabeça aos pés pelas contrações e pelos espasmos do prazer.

 — Por Deus, Josefina... — murmurou, quando conseguiu recuperar a fala. — Será que não percebe o que pode ter acontecido?

Page 122: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 122/156

Largando-se de vez, Josefina se aninhou sobre o tórax largo, seuscabelos se misturando aos pelos que recobriam o peito dele.

 — Por que ficar grávida de você seria alguma desgraça? Depois,custa-me crer que a minha situação possa

ficar ainda pior do que já está. Sebastian respirou fundo. — Se confiar em mim, prometo que farei todo o possível para que

nada de mal lhe aconteça.Ela ergueu a cabeça para fitá-lo. — Você sequer sabe das coisas eu que fiz. E não só na Inglaterra. — Quando subi pela treliça até a janela deste quarto, eu não

esperava encontrá-la com um halo sobre a cabeça e asinhas de anjonas costas, Josefina. O que eu queria era saber se você estaria dispostaa remediar o que está feito.

 — Não tenho escapatória.

 — Por que não me contou tudo o que sabe?Quando Conchita abriu as cortinas, Josefina afirmou num lamurio: — Feche isso agora mesmo. — E puxou as cobertas até o pescoço. — Sua Majestade mandou dizer que era para você ir lá para baixo.

O duque de Melbourne já chegou.Mas ele acabara de ir embora. — Melbourne está aqui? — Josefina se sentou. — Vai ver, ele está ansioso por se casar com você, Vossa Alteza — 

retrucou a criada com um sorriso.

Deus do céu. Estavam noivos. Nos delírios das vertigens da noiteanterior e daquele amanhecer, havia se esquecido disso.

 — Afinal, que horas são? — Fingindo nem perceber que estavanua, apanhou o vestido azul que Conchita estendia para ela.

 — Dez e meia. Devia estar muito cansada; nunca a vi dormir atétão tarde.

 — Tive um sono agitado. — Terminou de ajeitar o vestido no corpoe foi se sentar à penteadeira.

 — Seu pai também mal deve ter pregado os olhos.

 Já pronta para começar a escovar os cabelos, Josefina descansou aescova sobre o colo. — Por que acha que Sua Majestade também dormiu pouco? — Ele mandou acordar o camareiro antes do amanhecer, depois

ficou quase três horas trancado no gabinete com Halloway e Orrin.Então seu pai havia traçado novos planos e estratégias com os

asseclas enquanto ela dormia. Dadas as circunstâncias, devia dar graças aos céus por ele não ter mandado chamá-la para participar dareunião... Na verdade, não havia contado absolutamente tudo a

Sebastian, mas pelo menos dissera o suficiente para que ele tivessecomo deter seu pai ou trancafiá-los a todos numa prisão.

Page 123: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 123/156

Tão logo terminou de se arrumar, Josefina desceu ao piso térreo docasarão... e estacou à entrada da sala de visitas ao se deparar comSebastian junto à lareira, uma xícara de chá entre as mãos, os olhosfixos no pai dela, sentado sob a janela. Naquela manhã o duque usavamarrom e cinza e, ainda que não o conhecesse, ela não teria dúvida deque aquele cavalheiro alto e esguio, com penetrantes olhosacinzentados e uma boca voluptuosa, era alguém de quem uma mulher  jamais se esqueceria.

Como se pressentindo a presença dela, Sebastian virou-se e aencarou. Josefina sentiu o coração disparar de novo. Ele era magnífico.E o desejo e a possessividade contidos nos olhos cinzentos eram só para ela.

 — Bom dia, Vossa Alteza. — Sebastian deixou a xícara e o pires'sobre a moldura da lareira para fazer uma mesura. — Espero que

tenha dormido bem. — Bom dia, Melbourne. — Estendeu a mão para que ele a beijasse,

rezando para que seu pai não percebesse que tremia. — Dormibastante bem, sim. Obrigada.

 — Agora que os cumprimentos foram feitos — interveio o rey —,vamos falar dos nossos assuntos, sim?

Com a voz um tanto mais fria, Sebastian observou: — Antes de levar a pena a algum documento, há uma série de

questões que eu gostaria de aclarar.

 — Enquanto você não assinar um acordo de casamento com a princesa Josefina, meu rapaz, não me sentirei à vontade para discutir oque quer que seja. — Stephen se levantou. — Uma prerrogativa demonarca e de pai.

 — Não assumirei nenhum compromisso às cegas; é a prerrogativaque me cabe. O benefício que posso conferir à sua... missão são aminha respeitabilidade e a minha posição social. Colocar-me numasituação em que uma coisa ou outra seja comprometida iria anular sejalá o que você espera obter trazendo-me para o seio da sua família.

 — O que espero obter são recursos para assegurar o progresso domeu país e dos colonos que lá pretendem se instalar. Foi assim queviemos para a Inglaterra e é assim que iremos partir. — Stephenestreitou os olhos azuis. — O que porventura contrariar as minhasdeclarações não passa de especulação e boatos invejosos.

 — Se espera fazer de mim um aliado, é melhor fazer bem mais doque meros pronunciamentos.

 — Ou muito me engano, Vossa Graça, ou você está supondo queeu esteja perpetrando alguma espécie de trapaça. — O rey se

empertigou. — Embora reconheça que o nosso livreto tem informações parcialmente... emprestadas de outras fontes, afirmo que isso só foi

Page 124: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 124/156

feito no intuito de poupar um tempo que evidentemente seria maisbem empregado na instituição e organização do governo.

 — Sei — replicou Sebastian com brandura. — Talvez eu tenhatirado conclusões precipitadas, porém isso não impede que você mefale do documento que devo assinar.

 — Tudo o que quero é que declare por escrito que irá se casar coma minha filha, tornando-a sua esposa e duquesa, e que irá contribuir  para o progresso de Costa Habichuela, não só com palavras, mastambém nos concedendo recursos da ordem de, digamos, vinte e cincomil libras por ano.

 — Vinte e cinco mil? — repetiu Josefina, atônita. — Papai, isso éabsurdo! E dinheiro demais!

 — Não vou discutir o quanto sua filha vale, apenas garanto quelançarei mão de quantias tão ou ainda mais altas para assegurar o

bem-estar dela — Sebastian afirmou sem pestanejar. — Cinco milanuais.

 — Vinte. — Dez, ou então acabarei achando que vale mais a pena comprar 

meu próprio país.O maxilar do rey tremelicou. — Muito bem, dez. — E a sua filha não será duquesa. — Sebastian roçou os dedos nos

dela enquanto falava. — Ela possui um título mais elevado, portanto

deve mantê-lo. — O... — Pela primeira vez desde que aquela conversa se iniciara,

Stephen Embry viu-se sem palavras.Era claro que ele iria querer um titulo de nobreza autêntico para

 Josefina em vez de outro mais elevado, porém inventado. Sebastian erabrilhante, no entanto não titubeara a respeito do casamento... Decerto porque sabia que não podia se casar com a filha de um militar que viviade ludibriar as pessoas com vistas a se apoderar do dinheiro delas.

 — Somente eu fui declarado governante. — Estalando os dedos,

algo que sempre fazia quando se dava às suas maquinações, Stephense pôs a caminhar diante da janela. — Os títulos de Maria e Josefina sãohonoríficos. Assim sendo, não há por que minha filha não assumir o tí-tulo de duquesa de Melbourne quando se casar com você.

 — Nesse caso, os filhos de Josefina seriam nobres, e não membrosda realeza.

 — Correto. — E quem iria herdar o seu reino? Ao contrário do que Josefina esperava, o pai dela sorriu.

 — Você, que passará a ser Sebastian Griffin, rey de CostaHabichuela. Além de duque de Melbourne, naturalmente.

Page 125: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 125/156

 — Naturalmente. — Sebastian olhou bem para ele. — Creio que oabismo entre as nossas diferenças está se reduzindo.

 — Ficou feliz em ouvir isso, já que esta é uma situação que podetrazer benefícios a todos, desde que tomemos atitudes sensatas.

 — Sensatez é a minha palavra de ordem, tanto que não me vinculoa empreitadas que não me tragam vantagens financeiras, sobretudo porque me preocupo com o destino dos cidadãos britânicos. Se quiser me contentar, você terá de dar tanto uma declaração por escrito deque serei feito rey após a sua morte como a garantia de que isso serámais lucrativo do que o empréstimo, que irei assumir no seu nome.

 — Não tenho como garantir isso. — Eu tenho, se me permitir cuidar dos seus investimentos. — Por que eu iria lhe conferir a condução dos meus negócios?Sebastian sorriu, ao mesmo tempo frio e encantador.

 — Porque serei um membro da sua família, Vossa Majestade. Oque diz respeito a você diz respeito a mim, e vive-versa.

Stephen o olhou como se só naquele momento entendesse por quemuitas pessoas temiam cruzar o caminho dele.

 — Você é conhecido por ser um honrado homem de princípios,Vossa Graça. — Voltou a se sentar. — Muito bem, aceito. Sem reservas.

Sebastian foi apertar a mão do rey. — Acho que vou tirar um peso dos seus ombros. — O que vai tirar um peso dos meus ombros é vê-lo no altar, ao

lado da minha filha. — Solicito um mês para providenciar os preparativos; um duque e

uma princesa não podem se casar sem uma grande cerimônia. Nãovejo problemas em evitar a leitura dos proclamas, mas vamos ter deoferecer um baile de noivado. E como a celebração se dará na catedralde St. Paul, há um número limitado de datas a escolher.

 — St. Paul? Por que não Westminster? — Porque meu primeiro casamento foi celebrado em Westminster.

 — Aquela era a primeira vez em toda a manhã que Josefina sentia uma

emoção verdadeira na voz dele. — Este será em St. Paul, ou não haveráenlace algum. Esse ponto é inegociável. — St. Paul é um templo magnífico — assinalou ela —, e um mês

entre o noivado e o casamento me parece um tempo adequado. Nãoquero dar a impressão de que estamos correndo contra o relógio.

 — Sim, você tem razão — concordou o rey, meio relutante. — Achoque posso retardar a partida do nosso pessoal por duas ou trêssemanas.

 — Pois bem, temos um acordo. Vou pedir a meus procuradores

que redijam os documentos, assim poderemos assiná-los esta tarde. — Como preferir.

Page 126: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 126/156

 Após fitar Josefina por um instante, Sebastian anunciou queretornaria às quatro horas e, dizendo-se muito atarefado, deixou pai efilha a sós.

 Assim que ouviu a porta da rua se abrir e tornar a se fechar,Stephen resmungou:

 — Um mês é tempo demais para ele. — Diz isso porque acha que ele pode mudar de idéia? — Josefina

tentou não demonstrar que o comentário a deixava apreensiva. — Melbourne jamais descumpriria um contrato assinado.

 — Não é isso o que me preocupa, mas sim a sensação de que eleestá tramando alguma coisa. Mas se

imagina que vou lhe entregar os recursos do empréstimo para queele os administre, Melbourne terá uma grande-surpresa. Daqueledinheiro ele não vai ver um pêni. Oh, santo Deus.

 — Com licença, querida. Tenho que refletir a respeito de algumasquestões. — E deixou a sala cofiando o bigode.

 Josefina se largou sobre uma poltrona. Um desastre. Era tudo umenorme desastre e ela se achava bem no meio dessa catástrofe.Sebastian suspeitava de seu pai, seu pai desconfiava de Sebastian, etanto um quanto o outro presumiam que a tinham do lado dele.

 — Maldição — murmurou para si. Após muito refletir, ergueu-se de um pulo e correu para seus

aposentos, onde se sentou à escrivaninha para separar pena, papel e

tinta. Prezada Caroline, escreveu, murmurando as palavras enquantoas redigia.

Obrigada uma vez mais pelo convite para almoçar. Tendo em vistaa correria desta manhã, uma horinha ou duas de calma e sossego serãorealmente bem-vindas. Só peço que você venha me apanhar ao meio-dia e não à uma hora, já que terei compromissos inadiáveis esta tarde.Não vejo a hora de conversar novamente com você.

Grata pela atenção, Josefina.

Dobrando o papel, colocou-o num envelope e o subscreveu a lady Caroline, em seguida chamou Grimm e lhe pediu que providenciasse para que o recado fosse entregue à esposa do irmão caçula do duquede Melbourne, assinalando:

 — E diga a quem quer que vá levá-lo que espere pela resposta. — Pois não, Vossa Alteza.Tornando a fechar a porta, ela se encostou à sólida barreira de

carvalho. Agora só lhe restava esperar para ver se receberia algumaoutra resposta que não uma recusa ou mais confusão. E rezar para que

não estivesse cometendo o último e maior erro de sua vida ao confiar em Sebastian.

Page 127: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 127/156

CAPÍTULO V Dez mil libras. Vossa Graça? — admirou-se o administrador de

finanças. — E claro que o senhor tem essa quantia ao seu dispor, mas émeu dever lembrá-lo de que é muito perigoso transportar essa somaem dinheiro pelas ruas de Londres.

Sebastian terminou as instruções a Henry Sparks, dobrando eselando o documento antes de entregá-lo ao assistente.

 — Preciso desse dinheiro em mãos, Rivers. Leve Tom e Green comvocê; armados, se preferir.

Pondo-se em pé, Rivers guardou o papel no bolso alto do paletó. — Vou cuidar disso imediatamente, Vossa Graça. — Obrigado.

 Assim que o encarregado de seus assuntos financeiros se foi,Sebastian apanhou outra folha de papel da gaveta da escrivaninha e,ciente de que seus advogados estavam para chegar, pôs-se a redigir oque julgava a parte mais difícil de tudo aquilo: algo que incriminasseEmbry sem deixar transparecer que o fazia, mantivesse Josefina fora dequaisquer complicações legais e permitisse a ele levar seu planoadiante sem se implicar em algum delito.

 Ao escrever o nome dela, deteve-se um instante parasimplesmente admirá-lo. Aquela cabeça-dura de sangue quente, aquela

contadora de lorotas que o deixava tonto de desejo a ponto de nãodistinguir o direito do avesso...

Decerto era por isso que a amava.Prendeu a respiração. Santo Deus. Levantou-se. "Amor" era uma

 palavra que não usava com muita facilidade, mas o fato era que ela eraseu par perfeito. Josefina o enfrentava. Desafiava-o. E mesmo com ocaos que trazia com ela, ou talvez por causa disso, fazia com que ele sesentisse... vivo. Meio demente, mas vivo.

Bateram de leve à porta.

 — Entre.Mas não foi um dos seus procuradores, e sim uma das suascunhadas, Caroline, quem adentrou o gabinete.

 — Preciso falar com você, Sebastian. — E lhe estendeu um pedaçode papel.

 Após passar os olhos pelo bilhete, ele não dissimulou a surpresa: — Você a convidou para o almoço hoje? — Não. Na verdade, eu tinha combinado de fazer compras com

minhas irmãs Anne e Joanna; estávamos de saída quando esse bilhete

chegou, trazido por um criado com instruções de levar uma resposta.

Page 128: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 128/156

 — Sei. — Então Josefina queria se encontrar com um membro dasua família antes da reunião daquela tarde... E, junto de uma damacasada, não iria precisar da companhia da criada. — O que foi que vocêrespondeu?

 — Disse que passaria lá ao meio-dia, junto com as minhas irmãs,como ela pediu.

 — Suas irmãs... — Nós três já estávamos na porta da rua quando o criado chegou,

e eu não quis dar a Joanna um motivo para armar um escarcéu. Minhairmã anda brava comigo porque conheço uma princesa e ainda não aapresentei a ela. — A esposa de Zachary ergueu uma sobrancelha. — Quer que eu a traga aqui?

 — Seria... Não, é melhor levá-la para a sua casa. — Olhou norelógio de bolso. Era quase meio-dia. — Zach está por lá?

 — Sim; ele quer examinar alguns relatórios da criação de gadocom meu pai.

 — Ótimo, assim tenho a desculpa de ter ido procurá-lo. Você podefazer com que eu converse alguns minutinhos a sós com Josefina semque ninguém perceba?

 — Acho que sim. — Caroline se encaminhou para a porta. — Vocêconfia nela, Sebastian?

 — Boa pergunta. — Sorriu. — Obrigado por vir me avisar, Carol.Ela retribuiu o sorriso.

 — Nunca se sabe aonde o coração irá nos guiar, não é? Acercando-se, ele a beijou na testa.

Caroline se foi, e Sebastian, que ainda se indagava o que teriaacontecido para Josefina arquitetar aquele estratagema, não tevetempo para formular uma resposta ao enigma, pois Stanton nãodemorou a ir se colocar à so-leira da porta para anunciar a chegada dossrs. Harkley, Swenk e Challington.

Maldição. — Cavalheiros — disse ele aos advogados —, tenho duas tarefas

 para vocês, e ambas têm de estar prontas antes das quatro horas datarde. A segunda iremos discutir quando eu retornar; até lá, peço queredijam um acordo entre mim e Stephen Embry, rey de CostaHabichuela, no qual me comprometo a fazer pagamentos anuais a eleno valor de dez mil libras.

Harkley, o mais velho dos três, assentiu com a cabeça. — Começaremos agora mesmo, Vossa Graça. Mas posso perguntar 

em troca de que serão feitos tais pagamentos? — Da filha de Embry. Minha futura esposa, Josefina Katarina

Embry.

Page 129: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 129/156

Enquanto os três senhores trocavam olhares atônitos e sorrisosfrouxos, Sebastian foi para o hall, onde tomou seu chapéu e suas luvasde um plácido Stanton. Se seu casamento era um choque para aquelestrês, era bom nem pensar no que estaria se passando pelas cabeçasdos residentes de Mayfair.

Ou no que a alta sociedade iria dizer quando soubessem que o paide Josefina era um larápio e que o duque de Melbourne iria desposar uma mulher que, começava a se convencer, não tinha uma gota desangue nobre nas veias...

 A carruagem chegara à sua porta ao meio-dia em ponto e, maisestranho ainda, Caroline não dera nenhum sinal de que o convite nãotinha partido dela. Mas, após dez minutos na casa da cunhada deSebastian, Josefina começava a se perguntar se realmente teriaescolhido o membro correto da família Griffin a quem pedir ajuda.

 — Vossa Alteza — ia dizendo Joanna, se era esse mesmo o nomedela, uma das cinqüenta ou sessenta irmãs da dona da casa —, você precisa nos contar como Sua Graça a pediu em casamento. Foi muitoromântico?

 — Foi tudo tão depressa... Acho que mais inesperado do queromântico.

 — E qual é o seu segredo? — quis saber Anne. — Sim, porquetodos pensavam que ele jamais fosse se casar de novo após a morte daesposa.

 — Joanna, Anne, já basta! — Caroline ralhou com elas ao retornar à sala. — Vossa Alteza, não gostaria de dar uma olhadinha naqueleslivros de que falamos?

De tão depressa que se levantou, Josefina por pouco não deixoucair limonada no vestido. Depois de endereçar um olhar reprovador àsirmãs, Caroline a guiou ao longo de um corredor até um amploaposento que se abria para o jardim, atulhado de livros e com umamobília que parecia muito confortável.

 — Obrigada por ter ido me buscar na residência dos Branbury,

Caroline — agradeceu Josefina em voz baixa assim que ficaramsozinhas. — Tenho notícias urgentes para dar a Sebastian. Se eu lhedisser do que se trata, você contaria tudo a ele?

 — Creio que não será preciso. — E, depois de levar o olhar a um ponto às costas da sua convidada, deixou a biblioteca e fechou a porta.

Toda arrepiada, Josefina deu meia-volta. — Sebastian? — Caroline foi me contar do seu bilhete — afirmou ele de onde se

apoiava à parede entre duas janelas altas —, pois logo deduziu que

você queria conversar comigo.

Page 130: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 130/156

 — Oh, graças a Deus. — Indo até ele, Josefina enfiou os dedos por entre os cabelos ondulados antes de beijá-lo apaixonadamente.

Com o mesmo arrebatamento, Sebastian enlaçou-a pela cintura,correspondendo ao beijo com um ardor que a fez arfar de desejo.

 — Você está correndo algum perigo? — Não. Meu pai jamais faria algo contra mim. Mas ele está

desconfiado de que você não vai devolver o dinheiro que se ofereceu para administrar, tanto que comentou comigo que não pretendeentregá-lo aos seus cuidados.

 — Diabos... Eu sabia que estava sendo um tanto óbvio, no entantohá pouquíssimas formas de detê-lo sem incriminar você.

 — Eu sei. Por isso, se for preciso me... — Não. — Sebastian, não adianta tentar moldar a realidade de forma a

ajustá-la ao seu modo de pensar. De mais a mais, reli todas as cartasque meu pai me enviou e cheguei à conclusão de que... — Respiroufundo. — Ele sempre quis ser uma pessoa importante. Primeiro comoalgum membro valoroso da assessoria de Wellington e depois, comoisso não desse certo, como um valoroso combatente nas campanhas deBolívar contra os espanhóis. Só que, além de ser um estrangeiro na América do Sul, meu pai nunca foi realmente acolhido por Bolívar e osgenerais dele. As pequenas trapaças que fazíamos o entorpeceram,mas não lhe conferiram poder algum. E então ele apareceu com aquela

história de Costa Habichuela, um lugar onde poderia ser rei... — Entendo o raciocínio dele. E compreendo também por que você

o ajudou nesses delírios, afinal, ele é seu pai. — Não, não entende. Você nasceu para ser o duque de Melbourne;

 jamais teve de se encolher num canto da sala, com inveja do poder edas regalias de alguém. Mesmo quando se despe dos seus sonhos, vocêcontinua a ser Melbourne. Sem os sonhos dele, meu pai é um militar fracassado que não quis servir no exército do país natal porque nãoconseguiu fazer as coisas à sua maneira. E eu sou filha dele. — Pronto.

Colocara da forma mais clara possível: Stephen Embry era plebeu, e elaera plebéia.Sebastian, contudo, não parecia nem um pouco impressionado

com aquilo. — Josefina, sei o que quero, e é isso o que vou fazer. Se for injusto

ou errado, paciência; descobri que não vou morrer se passar por cimada reputação imaculada dos meus antepassados uma vez na vida.

 — Você não pode deixar que meu pai autorize aqueles navios a zarpar!

 — Não era a isso que eu estava me referindo, mas você tem razão. — Então do que você estava falando? Não fique dando voltas se...

Page 131: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 131/156

 — Quero me casar com você.Ela ficou a mirá-lo com olhos pasmos. — Você ouviu o que eu disse, não? — Sebastian quis se certificar. — Ouvi, sim. E que não sei o que dizer. — Ah! — Largando as mãos dela, foi até a janela. Sem pensar duas

vezes, Josefina partiu atrás dele edeu-lhe um belo chute na canela. — Não vim aqui para ser pedida em casamento. — Por que raios ficou brava comigo? — Esfregou a perna. — Ainda

que não goste de mim, a proposta quefiz salvaria a sua vida. — Demorei muito a decidir enfrentar meu pai, é verdade, mas me

recuso a ser recompensada por isso.Recompensada. No lugar dela, talvez fosse pensar o mesmo.

 — Você é realmente uma mulher fora do comum, Josefina, e eudevia ter me limitado ao cerne da questão. Retiro o pedido pela suamão.

Ela fez um aceno aquiescente com a cabeça. — Com efeito, no momento temos de impedir que seu pai autorize

a partida daqueles navios. Mas como dificilmente irei colocar as mãosno dinheiro que ele furtou para fazê-lo mudar de idéia, não será nadafácil persuadi-lo.

 — A menos que você altere o rumo dos ventos para fazer com que

os navios retornem à Inglaterra depois de zarparem, não vejo outrasaída senão nos mandar para a prisão.

 Alterar o rumo dos ventos. Ela fizera isso na brochura. Seria possível que...

 — Preciso retornar à sala — afirmou Josefina. — O que vamosfazer?

 — Esta tarde vou assinar os contratos, e então expressarei profunda decepção quando seu pai se recusar a me entregar osrecursos dos empréstimos.

 — Mas os contratos o obrigam a se casar comigo. E a dar dez millibras a ele por ano. — Sei que você recusou minha proposta, querida, mas... — Não recusei sua proposta; apenas não quero falar disso

enquanto tivermos assuntos mais prementes a resolver. — Vou me lembrar disso. — Ela queria ser sua esposa.

 Aproximando-se, enlaçou-a pela cintura para beijá-la com suavidade,depois a levou até a porta. — Vou pedi-la em casamento de novo, Josefina. E, da próxima vez, é melhor você não me rejeitar.

 — Deixei de fazer promessas. Pelo menos as que não possocumprir.

Page 132: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 132/156

 — Você fez o quê? — Charlemagne o interpelou. — Assinei os contratos. — Terminando de servir-se de mais uma

dose de vinho do Porto, Sebastian foi se sentar novamente junto àlareira da sala de estar da Mansão Griffin. — Se fizer com que eu repitacada palavra que disse, esta noite não terá fim. E o sr. Rice-Able me parece um tanto cansado.

O professor e explorador na verdade parecia mais atordoado doque fatigado.

 — Perdão pela insistência — interpôs Eleanor —, mas pensei que aquestão fosse dissociá-lo dos Embry, não fazer com que você seenredasse ainda mais com eles.

 — Tenho de concordar, Melbourne — observou Valentine,colocando um braço ao redor dos ombros da esposa com receio de queela pudesse saltar sobre o irmão mais velho para lhe torcer o pescoço.

 — Que carta você está guardando na manga, Seb? — quis saber  Zachary.

 — Minha própria trapaça. E agradeceria imensamente se vocês meajudassem. Todos vocês.

 — Conte comigo — afirmou Valentine prontamente. Os demais, porém, não pareciam nem um pouco

receptivos. — Você? — resmungou Charlemagne. — Não pode fazer uma coisa

dessas. Você é Melbourne.

 — Tenho de fazer isso porque sou Melbourne. Por outros motivostambém, que não vêm ao caso no momento. — Limpou a garganta. —  Agora, por favor, eu gostaria de saber se posso ou não contar comvocês.

 — Talvez seja melhor eu aguardar no corredor — murmurou JohnRice-Able, erguendo-se.

 — Não, por favor. — Sebastian fez um gesto para lhe pedir quevoltasse a se sentar, — Já que estou pedindo o seu auxílio também,quero mantê-lo a par de tudo.

 — Por que não nos conta que trapaça é essa?—Valentine serviamais vinho em sua taça e na do professor. — Foi uma idéia que me ocorreu ainda hoje e... Bem, Josefina está

disposta a fazer o que for preciso para impedir que os colonos deixem aInglaterra, mesmo que isso signifique acabar na prisão junto do pai, sóque essa é uma opção que já descartei. Isso posto, o fato é que temosde nos concentrar em três objetivos: suspender a colonização de GostaHabichuela, recuperar os recursos dos investidores, e evitar que Josefina se veja em maus lençóis.

 — Sem recorrer a Prinny ou aos policiais da rua Bow— emendouCharlemagne

Page 133: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 133/156

 — E com uma ajudazinha do nosso prezado John aqui. — Anunciar que Costa Habichuela não existe está fora de

cogitação — lembrou Sarala —, pois isso acarretaria prisões... e umamácula indelével à reputação de Josefina.

 — Você vai inundar Costa Habichuela de soldados espanhóis, éisso? — supôs Valentine. — É um plano bastante ambicioso, mas nadatem de fraudulento.

 — Você chegou bem perto, Deverill. Vou inundar Costa Habichuela,sim, mas não de soldados; com água mesmo. Um desses dilúvios queocorrem de séculos em séculos, que varra São Saturus do mapa e façacom que os sobreviventes fujam para Belize em busca de abrigo. Nãorestará nem um metro quadrado das férteis terras para agricultura ou pastagem; o porto intato e paradisíaco será engolido pelo Oceano Atlântico.

 — Você é realmente brilhante, Melbourne. — Valentine deu umagostosa risada.

 — Mas não há um só palmo de solo fértil naquele lugar— comentou Rice-Able entre goles de clarete.

 — Mesmo acreditando plenamente na sua descrição da Costa dosMosquitos, professor, vou ter de lhe pedir que diga que os pastos e asfuturas lavouras se foram. O que não é de todo mentira, correto? Eimpedirá uma catástrofe.

 — De fato. Para alguém como eu, que esteve na região, é fácil

compreender porque é tão importante obstar a afluência de pessoasque chegariam lá com a esperança de encontrar um paraíso. Deus,seria uma tragédia. Mas inventar uma história que...

 — Se Prinny, digo, o príncipe George souber que Stephen Embry aproveitou-se da amizade dele e fez fazer papel de bobo... Vou ser maisclaro: com a guerra que estamos travando na Península, a Inglaterranão pode correr o risco de que seu soberano seja visto como um tolo. Além do mais, quando estiver na cadeia Embry não terá por que revelar onde escondeu o dinheiro que adquiriu desonestamente.

 — Você estaria nos ajudando a colocar uma série de coisas nosseus devidos lugares — intercedeu Caroline. Após pensar por um momento, Rice-Able argumentou: — Como vão acreditar no que digo, se sou autor de um livro muito

mal recebido e esse Embry se faz passar por soberano de uma nação? — Você irá receber uma carta de um amigo que testemunhou a

calamidade — declarou Sebastian —, um amigo que também escreveráao London Times. Cuidarei para que essa carta seja publicada.

 — Depois de tantas aventuras, não pensei que teria mais uma para

viver em Londres, na companhia da celebrada família Griffin. — O

Page 134: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 134/156

 professor deu uma risadi-nha, mas logo se recompôs. — Sua causa émuito justa, Vossa Graça. Estou ao seu dispor.

 — Excelente. — Visivelmente aliviado, Sebastian uniu as palmasdas mãos. — Shay, Sarala, será que poderia redigir essa carta?

 — Os anjos irão temer pisar o solo de Costa Habichuela quando ativermos terminado — retrucou Charlemagne sem muito entusiasmo,antes de erguer-se e dar a mão para a esposa.

Rice-Able também se levantou. — Acho que posso ajudá-los a escrevê-la. — Shay, venha tomar o desjejum comigo quando estiver mais

animado. — Assim que os três se foram, Sebastian se dirigiu à irmã: — Nell, eu gostaria que você e Carol providenciassem convites para obaile de noivado que darei aqui dentro de três dias.

 — Três dias? Mas isso...

 — Preciso desta casa cheia para quando descobrirmos o que se passou em Costa Habichuela.

Eleanor não respondeu. — Acha que pode impedir de me casar? — insistiu ele. — Não, só quero que o faça pelos motivos justos. Irritado com a

observação, Sebastian mudou deassunto: — Zachary, Carol, será que vocês convenceriam Anne a fingir que

está sendo cortejada por John Rice-Able?

 — Sim — respondeu Caroline sem titubear. — Ótimo; assim ele terá um bom motivo para ir ao sarau dos

Tuffley depois de amanhã. — Virou-se para a irmã. — Assim está bom para você?

 — Então não haverá baile de noivado? — quis saber ela. — Haverá, assim que eu persuadir Josefina a se casar comigo. — Ela disse "não" para você? — admirou-se Zachary. Antes que ele

 pudesse responder, Eleanor comentoucom um ar satisfeito:

 — Gosto muito de Josefina; ela sabe como me deixar feliz. — A mim também — admitiu Sebastian. Eleanor se curvou parabeijá-lo no rosto.

 — Então é melhor fazermos com que a sua trapaça dê certo. — Não sei como detê-lo sem destruí-lo — comentou Maria Embry 

num sussurro, olhando de relance para a porta entreaberta. — Não éque eu não tenha pena desses pobres desgraciados que se deixamenganar; só que tenho mais pena ainda do meu marido.

 — Oh, mamãe... — Josefina pôs o bordado de lado. — Começo a

 pensar que ele de fato acredita em todas essas histórias que inventa. — Seu pai é um nobre aprisionado no corpo de um plebeu.

Page 135: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 135/156

Cada vez mais desalentada com aquela conversa tão deprimente, Josefina desejou boa-noite à mãe e rumou para o seu quarto. Láchegando, tocou a sineta para chamar Conchita e, antes que a criadaaparecesse, foi espiar pela janela. Não queria que Sebastian trepasseem tre-liças para invadir seus aposentos no meio da noite e ir-seembora antes que o dia raiasse; queria que ele fizesse parte da suavida, que estivesse ao seu lado para sempre. Não por quem alegavaser, mas por quem era de fato e porque, junto dele, aprendera a gostar do que realmente era.

Só mais alguns dias... Só mais alguns dias e iria saber sealcançaria a vida a que almejava com Sebastian ou se precisaria fugir na calada da noite. Sozinha.

 — Veja! — Com um sorriso largo, Stephen Embry empurrou o pratocom o desjejum da filha para substituí-lo pelo exemplar do jornal. — 

Página três.Resvalando os olhos pelas matérias que falavam de taxas, do

número de mortos no último confronto na Península, de tumultos por causa de sementes em York, ela chegou à página mencionada pelo pai... e sentiu o coração dar um pulo.

 — Oh!... — "Oh"? Isso é tudo o que tem a dizer? Por favor, leia em voz alta. Josefina limpou a garganta. — "A família Griffin de Devonshire tem o imenso prazer de

anunciar o noivado de seu patriarca, Sebastian, duque de Melbourne,com Josefina Embry, princesa real de Costa Habichuela. A encantadora Josefina é filha única e herdeira de Stephen e Maria Embry, rei e rainhade Costa Habichuela. O baile de noivado do casal será anunciado embreve".

 — Ah, esplêndido! — Tomando o jornal de volta, o rey releu a nota. — Eu teceria alguns comentários acerca de Costa Habichuela, agoraque estamos vendendo lotes de terras, mas não posso negar que estejabom. A moldura e o brasão do Griffin ficaram bonitos. Imponentes, eu

diria. — Não foi você quem mandou publicar esse anúncio? — Deus,estava no jornal. Para todo o mundo ver.

 — Eu o faria, caso não tivesse saído hoje. — Stephen alisou obigode. — Realmente, estou impressionado. Melbourne vai dar um bomaliado. E um ótimo genro.

Sebastian havia encomendado o anúncio. O que podia ser um sinalde que queria que toda a Londres soubesse de que o compromisso nãoera apenas uma aliança baseada em motivos meramente políticos ou

econômicos.Oh, o que estou imaginando?

Page 136: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 136/156

 Após dispensar o mordomo, Embry enfiou uma uva na boca, osolhos ainda fixos no periódico.

 — Pa... papai, eu queria lhe fazer uma pergunta. — A respeito do quê, querida? — Se, como você disse, Melbourne pode ser um bom aliado nosso

 — ela escolhia as palavras com muito cuidado —, por que deixá-lo profundamente irritado enviando para a América Central navioscarregados de pessoas por quem ele se sente responsável? Não precisamos mais desses recursos. Nem de correr riscos desnecessários.

 — Creio caber a mim decidir do que precisamos ou não precisamos.

E aqueles navios carregados de gente já deixaram sessenta millibrinhas no meu bolso até o momento. São seis anos da caridade deMelbourne.

 — Mas ele certamente lhe daria muito mais se confiasse em você. — Passei a vida inteira me matando por isso. — Dobrou o jornal

vagarosamente. — Não atire Melbourne na minha cara como ummodelo de virtudes. Acha que ele, que nasceu riquíssimo e aristocrata,alguma vez na vida teve algum contratempo que o fez perder o sono?Ora, é fácil ter princípios quando nada os põe à prova.

Ela suspirou. Sebastian por certo não teria dormido nada bem apósa morte da esposa. Tampouco devia resso-nar como um anjo sabendoque tantas pessoas dependiam dele, pelos mais diversos motivos.

Como aqueles lavradores, a quem ele dera roupas e alimentos. — Sei o quanto você teve de se esforçar para que eu tivesse uma

criação privilegiada, mas quando penso naquelas pessoas quecompraram terras e passagens para Costa Habichuela... Elas só querema chance de ter uma vida nova... assim como você.

 — Como eu, não. Nunca confiei em nada nem ninguém a não ser na minha perspicácia e na ambição das pessoas. Se aqueles palermasescolheram empenhar até o último xelim em algo que parece bomdemais para ser verdade, que paguem pelas conseqüências. Se alguém

tem que se aproveitar disso, melhor que seja eu. — Mas... — Por mais fácil que parecesse argumentar contratamanha desumanidade, era preciso ter cautela. — Mais cedo ou mais,vão chegar notícias de que Costa Habichuela não é nenhum paraíso, oumelhor, que nem sequer é um lugar habitável. E se estivermos naInglaterra quando isso acontecer? Melbourne vive aqui, e eu nãoconsigo imaginá-lo fugindo para um país qualquer das Américas. Ele irános manter em Londres.

 — Não se estiver morto.

 — O quê? — Ela se pôs em pé de um pulo.

Page 137: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 137/156

 — Ora, eu estava brincando com você, querida. E claro queMelbourne irá conosco; quando os Embry e os Griffin se unirem, nossosdestinos estarão entrelaçados ao dele.

 Josefina mal conseguia respirar. Por pouco ele não tirara a vida deSebastian com medo de que o logro viesse à tona... Oh, Santo Deus.

 — Josefina?Ela respirou fundo. — Você não é um assassino. — Se tiver de escolher entre Melbourne e minha família, meu

dever é proteger minha família. — Não. — Ela começou a se afastar da mesa. — Sou muito grata

 por tudo o que fez por mim, mas, assim que eu me casar comSebastian, vamos parar com toda essa loucura. Não quero mais meenvolver em fraude alguma.

Com o semblante carregado e os punhos cerrados, Embry seergueu lentamente.

 — Você é uma Embry, minha cara. Quando as pessoasdescobrirem o que é Costa Habichuela, acha que o fato de ser aduquesa de Melbourne irá protegê-la? Que pode se sentar numa dassuntuosas salas daquela mansão e safar-se do diz-que-diz e dasacusações? Você será parte disto até eu afirmar o contrário. EMelbourne também, pelo tempo que eu quiser. — De súbito, aexpressão dele se suavizou, e o sorriso simpático que o tornava tão

agradável lhe aflorou aos lábios. — Vá vestir algo apropriado a um passeio; vamos dar uma volta pelo Hyde Park na caleche de Branbury.Quero que todos vejam a noiva.

 Josefina correu a deixar a sala e, disparando escada acima, foi setrancar em seu quarto.

 — O que fui fazer? — Desatando a chorar, largou-se sentada nochão.

Se não tivesse se encantado com Sebastian, decerto estaria noivade Charles Stenway, e o duque de Harek com certeza não se oporia aos

 planos de seu pai.Mas não era mais aquela mulher disposta a unir-se a um homemimbecil só por interesse. Na verdade, nunca nutrira grandes simpatias por aquela mulher. Gostava era da pessoa que havia se transformadodesde que beijara Sebastian, desde que conhecera alguém que a valori- zava pelo que era, e não pelas vantagens que porventura pudesse lheconceder.

Oh, Senhor... Abraçando os joelhos, pôs-se a soluçar. Fizesse o quefizesse, iria prejudicar Sebastian, talvez até contribuir para a morte

dele. Se desistisse do casamento iria provocar um escândalo, e seu painão teria mais por que pensar que Sebastian fosse manter silêncio acer-

Page 138: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 138/156

ca de tudo o que sabia. Se casasse com ele, iria obrigá-lo a uma vida deblefes e trapaças, que acabaria por destruí-lo. Isso se seu pai não omatasse porque ele se recusava a cooperar.

Oh, como queria sumir, desaparecer num estalar de dedos, comose nunca... Sumir. Desaparecer. Sim, talvez desse certo. Tinha de dar certo. Iria passear com seu pai, como ele queria, e na manhã seguintesumiria sem deixar rastos. Iria se tornar a mais infeliz das criaturas,sim, porém era isso o que fizera por merecer. E Sebastian iria se ver livre para fazer o que bem entendesse no propósito de dar um fim aodescalabro que seu pai, com sua ajuda, havia engendrado.

O mordomo da Mansão Corbett abriu a porta da rua enquantoValentine, ainda reclamando de ter sido obrigado a pular da cama tãocedo, colocava o sobretudo e as luvas.

 — Acaso você faz idéia de que horas são? — indagou o marquês.

 — Sete. — De braços cruzados, Sebastian tentava dissimular aeuforia que o acometia. Quando fora a última vez em que sentira tantaexpectativa, tanta... esperança?

Não por sua filha ou por sua família, mas por ele próprio?Green esperava por eles no passeio diante da casa, segurando as

rédeas de sua montaria e também as de Merlin e lago. — O dia está propício para um passeio a cavalo, meu lorde — 

comentou o moço com um aceno de cabeça para Valentine. — Miserável — resmungou o marquês. — Ao menos posso saber 

aonde vamos? — Dar uma volta — respondeu Sebastian. — O ar da manhã me

ajuda a clarear as idéias. — E a acabar comigo. — Ainda fazendo cara feia, Valentine saltou

à garupa do seu alazão. — Não temos de ir acudir nenhum lavrador disposto a colocar Carlton House abaixo, temos?

 — Não está na minha agenda, mas não posso prometer nada.Deixando o caminho de pedriscos diante da mansão, rumaram na

direção do Hyde Park. Sebastian encheu os pulmões com uma boa

golfada de ar. Aquela hora da manhã, em que as ruas já começavam aser disputadas por carroças de leite e carrinhos de mão, uma certa jovem provavelmente ainda dormia, os longos cabelos espalhadossobre os travesseiros.

 — O que há com você? —- quis saber Valentine. — Está sorrindocomo um lunático.

 — Já disse, gosto de passear de manhã. — Não, não é isso. — O marquês olhou bem para ele. — Você está

feliz, não está?

 Ao perceber que devia estar sendo óbvio demais, Sebastian tentouconversar:

Page 139: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 139/156

 — Oh, sim. Com um território para inundar, uma falcatrua parasolucionar e um casamento que nunca imaginei fazer, por que eu nãohaveria de estar morrendo de felicidade?

 — Você está nas nuvens, Seb. Depois de ser flechado pelo Cupido,sei reconhecer os sintomas perfeitamente bem. E estou feliz por você.De verdade.

Meio encabulado, ele admitiu: — Eu... Eu não contava com isso. — Eu sei. E acho que temos de louvar a mocinha levada que

despertou o duque de Melbourne para o amor outra vez. — Valentine,que sempre mantinha um olho no gato e outro no peixe, atentou àsredondezas. — Falando nela... E impressão minha ou estamos seguindo para a residência do coronel Branbury?

Com todos os diabos. Por que não convidara Zachary para aquele

 passeio matinal? Bastaria falar de gado ou de biscoitos, e poderiam ir até Brighton sem que Zach se desse conta do que estava se passando.

 — Pensei em dar uma passadinha por lá para ver se está tudo emordem.

 — Ah! Assim que dobraram a esquina, Sebastian, surpreso, deteve Merlin

ao ver a jovem num modesto vestido verde atravessar a rua correndo para entrar num coche de aluguel. E o que o deixou ainda maisaturdido foi a valise aparentemente abarrotada que ela carregava.

 — Aquela não era... — Era — confirmou ele antes de levar o olhar à mansão do

coronel.O único movimento que se via na janela do segundo piso do

casarão era o adejar das cortinas instigadas pela brisa. Josefina haviadeixado a janela aberta... Teria sido na expectativa de que ele subisse pela treliça na noite passada? Ou para ela própria escapulir naquelamanhã? Bem diante dos seus olhos, o coche de aluguel virou à direitana próxima rua... Na direção oposta à Mansão Griffin, o que significava

que ela não pretendia ir vê-lo. — Green — chamou seu cavalariço, virando-se na sela paraencará-lo —, fique aqui e vigie a casa do coronel.

Se vir algo fora do comum, avise a lorde Deverill; ele vai voltar  para a Mansão Corbett.

 — E aonde você vai? — indagou Valentine. — Atrás daquele coche. — Seb, não seria melhor Green fazer isso? — Não. E você, trate de cuidar para que esteja tudo pronto para o

sarau dos Tuffiey esta noite. — Você está armado?

Page 140: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 140/156

 — Sim. Não se preocupe.Com os calcanhares, Sebastian incitou Merlin a disparar rua

abaixo. Talvez não fosse nada; talvez ela tivesse ido comprar alguma peça para o enxoval. Ou talvez não, já vez que Josefina era mestra emfazer o que menos se esperava.

O pior veículo com sistema de molas em que Josefina já viajaradesde que se tornara princesa finalmente parou, e o condutor saltou daboleia para ir abrir a porta.

 — Pronto, senhorita: a estalagem Buli and Mouth, ponto de paradada carruagem dos correios. São três xelins.

Ela apeou arrastando a pesada valise, depois apanhou o dinheirona carteira e o entregou ao rapaz que, sem nem ao menos um acenode agradecimento, tornou a subir no coche. A carruagem do serviço postal já se achava no apinhado pátio diante da Buli and Mouth. Depois

de puxar a aba do chapéu para o rosto, Josefina endireitou os ombros erumou para a porta da estalagem, tentando ignorar os olharescobiçosos que recebia de dois sujeitos mal-ajambrados.

 — Em que posso ajudá-la, senhorita? — indagou a mocinha àentrada do estabelecimento

 — Onde posso comprar um lugar na diligência do correio? — Com aquele homem de lenço vermelho no pescoço ali, junto ao

balcão da taberna. Após respirar fundo, Josefina foi falar com o galalau que usava um

 paletó azul e o tal lenço vermelho que parecia já ter visto melhoresdias. Ele a examinou da cabeça aos pés antes de declarar:

 — Não há mais lugar. — E tornou a olhá-la de cima a baixo antesde retomar o que ia dizendo a outro camarada.

 — Tem certeza? — insistiu Josefina. — Minha tia está muitodoente, e eu tenho de chegar a York o mais depressa possível.

 — Lamento, senhorita, mas o único lugar que restou é nacobertura do veículo, e só homens viajam lá. Você está sem sorte.

 — Vou ficar com esse assento. — Largou a valise no chão para

abrir a carteira. — Quanto devo pagar para ir até York? — Três libras. Mas são dois dias de viagem sem ter como seabrigar.

 — Não faz mal. — Começando a se indagar se não deveria ter  pegado mais dinheiro das reservas do pai, Josefina pagou a passagem.

Depois de fazer uma anotação num livro, o varapau tirou um pedaço de papel do bolso, rabiscou alguma coisa no bilhete e entregou-o a ela.

 — A carruagem vai partir do pátio, dentro de dez minutos.

 — Obrigada.

Page 141: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 141/156

Dez minutos. Parecia tão pouco e, ao mesmo, uma eternidade.Conchita recebera ordens para não acordá-la antes das dez, de modoque ainda teria cerca de duas horas para deixar Londres antes quealguém desse pela sua falta. Quando descobrisse que ela se fora, seu pai inventaria uma desculpa qualquer a fim de evitar um escândaloenquanto punha os homens do capitão Morton no seu encalço. JáSebastian certamente ficaria aliviado, afinal não precisaria mais ter dedesposá-la para...

Pare. Depois você se lamenta o quanto quiser. Tornando a proteger o rosto com a aba do chapéu, reprimiu a vontade de chorar,apanhou a valise do chão e deixou a estalagem.

 — Passagens! — gritava o galerão de lenço vermelho no pescoçoem cima de um caixote de madeira em frente à porta aberta dadiligência postal. — Passagens, por favor!

 Josefina se juntou à fila que se formara diante do veículo. Quandochegou sua vez, o homem a quem ela ouvira alguém chamar por Red Jim disse a um outro sujeito:

 — Ajude-a a subir, Samuel; ela vai na capota. Enquanto um outrocavalariço lhe tomava a valise da

mão para colocá-la junto das demais malas que seriamacomodadas na parte traseira da imensa carruagem, Samuel tomou-a pela cintura a fim de erguê-la até as mãos do cocheiro que, no alto doveículo, agarrou-a pelos braços para então ir acomodá-la num dos dois

coxins duplos de estofamento ralo, voltados um para o outro. Num piscar de olhos, um homem esquelético sem um dos dentes incisivos foise largar ao lado dela.

 — Bom dia, belezinha.Nem bem Josefina se ajeitara sobre o banco, os dois mal-

ajambrados que a tinham encarado à entrada da estalagem foram sesentar no coxim em frente ao dela. Que alegria.

 — Não vamos ter motivos para nos queixar da vista, hein, Johnny? — comentou o mais encorpado.

 — Nem me fale, Tim — retrucou o outro.E a viagem ainda nem começara... Mas, pensando bem, já que iamdividir aquele acanhado espaço por todo o percurso até York, talvez fosse melhor tê-los por aliados. Não lhe custava nada contar algumaslorotas; em troca, era provável que eles lhes fornecessem informaçõesimportantes sobre como levar uma vida sem regalias ou privilégios.

 — Por acaso conhece aquele camarada com jeito de ministro deEstado, srta. Grimm? — perguntou Tim. — Parece que ele está nosseguindo.

 Josefina sentiu-se gelar. Sim, não era nenhum absurdo que tivessesido reconhecida por algum dos ministros de Prinny. Mas como iria

Page 142: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 142/156

explicar a ele o que fazia no topo de uma diligência do correio rumando para o norte? Respirando fundo, olhou de relance por cima do ombro...e por pouco seu coração não parou. O cavalheiro moreno e esguio quevinha a uns cinqüenta metros de distância do pesado veículo queseguia para York nao era um ministro de Estado, mas sim o duque deMelbourne.

 — Oh, meu Deus. — O que fizera de errado? Como fora deixar quedescobrissem seu plano tão depressa?

 — Quando vamos parar? — indagou a seus três "amigos" num fiode voz.

 — Em Biggleswade — respondeu o pastor de ovelhas. — Daqui a uma hora, mais ou menos. — Acha que ele irá nos seguir até lá? — Johnny tornou a olhar para

trás.

Conhecendo Sebastian como conhecia, ela admitiu: — E possível. Ao vê-la tão agoniada, Tim quis saber: — Esse camarada está pensando em prejudicá-la de alguma

maneira, srta. Grimm? — Não, creio que não... Oh, é uma história muito complicada. Ele

diz que quer se casar comigo. — Ele lhe faz mal, é isso? — perguntou Johnny. Josefina hesitou por 

um instante e, antes que pudesse

responder, Tim se levantou para ir cutucar o cocheiro. — Willie, detenha esta diligência. — Não posso ficar parando aqui e ali para você se aliviar. — Não se trata disso; tenho de ter uma conversinha muito séria

com aquele camarada que está vindo atrás de nós. — Ah, bom. Essa eu não quero perder. — Willie riu baixinho, depois

olhou rapidamente para o cavaleiro no rastro da diligência. — Parando,meninos... Parando...

Oh, não.

 — Conheço bem esse tipo de pilantra — afirmou Tim. — Essesalmofadinhas que não conseguem controlar as mãos... Deixe comigo;depois do murro que vou lhe dar, ele vai embora daqui com o raboentre as pernas.

 A diligência estacou, e Sebastian não demorou a se acercar. — Olá — cumprimentou, olhando para Josefina. — Olá coisa nenhuma — retrucou Tim. — Eu e Mabel vamos nos

casar, por isso é melhor você voltar para Londres, velhaco.Cruzando os pulsos sobre a maçaneta da sela, ele afirmou com

muita calma: — Mabel não pode se casar com você porque vai se casar comigo.

Page 143: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 143/156

 — Sebastian, vá — Josefina afinal se manifestou. — Sei o que estoufazendo.

 — Casar com... Qual é o seu nome, meu bom homem? — Tim. Timothy Boots. — Casar com o sr. Boots é a solução que você encontrou para o

nosso problema? — E isso mesmo, seu sacripanta. Eu e Mabel Grimm. E não me faça

descer daqui para lhe dar uma sova. — Bem, sr. Boots, acho que vai ter de descer daí para me dar uma

sova, sim; caso contrário, a srta... Mabel Grimm irá embora comigo. — Sebastian, por favor. Isso é absurdo!Todos os ocupantes da diligência tinham a cabeça para fora das

 janelas. Surpreso, Sebastian percebeu que não se importava nem um pouco com isso.

 — Por que não me explica o que faz sentada na cobertura de umadiligência a caminho de York?

 — Estou me retirando da questão, assim ninguém precisará me proteger de nada.

Enquanto Tim se erguia a fim de saltar para o chão, Sebastianapeou e foi colocar as rédeas de Merlin sobre o raio de uma das rodasda diligência.

 — Eu disse que cuidaria de tudo, não disse? — Tirando o paletó, jogou-o em cima da sela. — Tenho um plano; venha aqui, para que eu

 possa lhe contar do que se trata. — Fique aí, Mabel. Já, já vou dar um jeito nesse dândi. — Será que não entende que assim será melhor para todos? — 

replicou Josefina, dirigindo-se a Sebastian. — Vou procurar um lugar  para mim no mundo, um lugar onde eu possa...

 — Seu lugar é comigo. — Você merece uma mulher que não seja sinônimo de confusão e

infortúnios.Boots avançou para ele, e Sebastian saiu de lado para escapar ao

soco. — Percebi que gosto de confusão. E quanto aos infortúnios, équestão de opinião. — Boots tentou acertá-lo de novo; protegendo-secom o antebraço, ele girou sobre os calcanhares e fez o "rival" seestatelar no chão. — Antes de conhecê-la, eu era sozinho e feliz por ser assim. Você me despertou para a vida, Jos... Mabel. Estou vivo outravez. Mas, sem você, não sei o que fazer dessa nova essência que sintoem mim.

Erguendo-se, Tim se atirou sobre ele, e os dois, cambaleando,

foram se chocar contra a lateral da diligência. Sebastian o empurrou para longe. Seja era difícil expressar seus sentimentos entre quatro

Page 144: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 144/156

 paredes, diante de todos aqueles estranhos era um suplício... Aindamais tendo de evitar que um grandalhão lhe partisse a cabeça ao meio.

 — Por que não consegue entender que amo você?Eu amo você, Mabel. O que há de tão complicado nisso?Um murro acertou-o no queixo, e ele quase chegou a cair antes de,

investindo contra Boots como um touro selvagem, derrubá-lo no chãocom um violento soco no nariz. Ainda meio atordoado, ajustou o foco davisão a tempo de ver Josefina pular da diligência e ir aterrissar sobre aterra batida da estrada com um baque surdo. Então correu a ir segurá-la pelo braço para ajudá-la a se levantar.

 — Você me ama? — Ela o abraçou com força. — Oh, diga que meama.

Sebastian fitou os eloqüentes olhos castanhos por um instante. — Amo você. Nada nem ninguém no mundo iriam me convencer a

fazê-la minha esposa se eu não a amasse. — E a beijouapaixonadamente.

O pessoal na diligência ofegou. O sr. Boots surgiu de trás doveículo, e Sebastian cuidou de se colocar à frente de Josefina. Mas ela oempurrou com delicadeza para o lado.

 — Tim... sr. Boots, agradeço do fundo do coração por ter tomado aminha defesa, mas a verdade é que cometi um erro. Amo este homeme, se ele ainda me quiser, pretendo desposá-lo.

Com um sorriso, Sebastian lhe soprou:

 — Você me ama, e eu sou o homem mais feliz do mundo. — Enlaçando-a pela cintura, trouxe-a para junto dele. Jamais haviaesperado, ou ao menos desejado, voltar a ouvir aquilo de uma mulher. A sensação era simplesmente... sublime.

 —Você deixou que ele arrebentasse o meu nariz — lamuriou-seTim.

 — Deixe-me recompensá-lo. — Sem mais, Sebastian tirou umacédula do bolso. — Vou lhe dar dez libras, e você promete que nuncamais irá tentar tirar Mabel Grimm de mim.

O grandalhão estendeu a mão. — Prometo. — Muito bem. — Sebastian apanhou outra cédula. — E mais cinco

libras pela valise da srta. Grimm.Correndo a embolsar o dinheiro, Tim Boots foi tirar a valise do

bagageiro da diligência em meio aos comentários de aprovação e decensura que vinham do veículo.

 Assim que a carruagem do correio se foi, Josefina, suspirando,indagou a Sebastian:

 — Como descobriu que eu estava naquela diligência?

Page 145: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 145/156

 — Bem, Mabel Grimm, quatro anos atrás eu amaldiçoei Deus e lhe pedi que me deixasse em paz; esta manhã, Ele me deu uma últimachance para mudar de idéia. — Beijou os lábios dela e foi vestir novamente o paletó. — Fui dar uma volta e, ao passar pela residênciados Branbury, vi você entrando naquele coche de aluguel.

 — Você amava muito sua esposa — Josefina comentou,ressabiada.

 — E, de certo modo, ainda amo. — Apanhou as rédeas de Merlin,que Tim largara no chão. — Vamos até aquele riacho? Quero lhe dizer uma coisa.

De mãos dadas, caminharam até um agrupamento de olmos àbeira da estrada, atrás do qual se abria uma campina recoberta deflores silvestres cortada por um córrego. Após deixar o cavalo junto aocurso d'água, o duque voltou a segurar na mão dela.

 — Você me ajudou a descobrir algo sobre mim mesmo, Josefina. Eu pensava que nunca mais fosse querer saber de amor, de casamento...Você sabe o quero dizer. Charlotte me preenchia e, quando ela se foi,meu coração... se enregelou. Tudo em mim se enregelou. Entãoconheci você e me senti enternecer novamente. Foi como se meucoração voltasse a bater, de verdade, cheio de vida. Mas não acho queCharlotte tenha de deixar o lugar que ocupa nele para que você oocupe plenamente. Isso faz sentido para você?

 — Faz, sim. — Beijou-o com imensa ternura. Mal podia acreditar 

que ele viera buscá-la. E que a quisesse. — Sebastian, diga que tudo ficará bem. Não faz mal que seja

mentira. — Jamais mentirei para você. E sim, vai dar tudo certo. — Conchita ficou de me acordar depois das dez; a estas horas,

eles deram pela minha falta. — Você deixou algum bilhete? Uma carta? — Não. — Então vamos ter de inventar uma desculpa para esse seu

sumiço temporário. Pois, lamento informar, vou precisar de que vocêvolte para casa. — Tenho medo de que meu pai mate você depois do casamento,

Sebastian. Ele está disposto a liquidá-lo se você não cooperar com... — Stephen Embry não fará nada contra mim nem contra ninguém.

Tenho uma surpresa para ele esta noite, no sarau dos Tuffley. DeixeiValentine no comando das minhas tropas, e ele está se encarregandode coordenar os trabalhos para a consecução e o êxito do plano que ar-quitetei. Agora, se você não aparecer, duvido que seu pai vá ao sarau.

 Josefina ficou pensativa, então anunciou:

Page 146: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 146/156

 — Vou dizer a ele que fui procurar Harek. Tenho certeza de quemeu pai acredita que eu me sentiria mais à vontade casando comalguém menos... preocupado com a verdade.

 — Não. Não quero Harek em nossas vidas de novo. Já basta o quetive de engolir ao saber que ele a cortejava.

 — Nesse caso, talvez seja melhor não nos afastarmos demais daverdade. — Ao vê-lo fazer que não tinha entendido, ela explicou: — Voudizer a meu pai que tudo o que aconteceu foi demais para mim e que, por conta disso, quase fugi para a Jamaica. E que depois, ao perceber que não teria coragem de desapontá-lo, acabei voltando para casa.

 — Perfeito. — Sebastian a beijou, demorada e ardorosamente. — Vamos andando; no caminho explicarei meu plano para você. Mas me prometa, Josefina... ou Mabel ou seja lá quem cisme de ser, que,aconteça o que acontecer, você nunca mais irá nem ao menos pensar 

em fugir. — Você acredita em mim? — Plenamente. — Então eu prometo. — Talvez fosse melhor ficarmos em casa hoje — Maria Embry 

comentou enquanto ajeitava o laço na manga do vestido da filha. — A não ser a criadagem desta casa, ninguém mais está sabendo

do que houve esta manhã — Josefina a tranqüilizou. — De mais a mais,como iríamos faltar se o meu noivado será oficializado lá?

 — De fato — concordou o pai dela com severidade, endireitando afaixa sobre o ombro esquerdo. — Não sei se sou mais grato por você ter retornado ou por Melbourne não ter se inteirado do que aconteceu. Ora, Josefina, como pôde ser tão egoísta?

 — Não vamos mais falar disso. — Maria fez um gesto para indicar a porta. — Vamos? Você está linda, chica.

 — Gradas, mania. — Realmente, sentia-se bela, mas não por causado magnífico vestido lilás e da tiara de prata que usava, e sim porquesabia que Sebastian a amava.

 — Se Melbourne tivesse vindo nos buscar, vocês dois chegariam juntos ao sarau — observou Embry diante da carruagem que osaguardava.

 — Talvez ele ainda esteja aborrecido porque não recebeu osrecursos dos empréstimos para administrar — sugeriu Josefina.

 — E bom, assim ele aprende que jamais irá me levar na conversa.O coche se deteve, e dois criados uniformizados foram ajudá-los a

descer. Apesar da ansiedade por ver acarruagem de Sebastian, Josefina se conteve; de mais a mais, seria

impossível localizar um veículo com a insígnia Griffin em meio à

Page 147: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 147/156

infinidade de veículos enfileirados defronte à residência e pelas ruasdas cercanias.

 Assim que o mordomo anunciou a comitiva de Costa Habichuela àentrada do salão de baile no segundo andar da mansão, lorde e lady Tuffley os receberam com uma mesura.

 — Boa noite, Vossas Majestades, Vossa Alteza. Somos muito gratos por terem nos honrado com a sua presença.

 — O prazer é nosso — respondeu Stephen, dando a impressão decrescer ante a reverência de pessoas que desfrutavam de uma posiçãosocial superior à sua. — Sua casa é muito bonita, Tuffley.

 — Obrigado, mesmo assim reservarei o elogio à minha esposa. — O visconde se aproximou. — Prinny estará conosco esta noite, sabia?Mais uma grande honra para nós.

 — Com efeito. Faço questão de erguer um brinde a ele. Sem o

generoso auxílio do príncipe regente, meus sonhos para CostaHabichuela jamais se realizariam.

Sem fazer a menor idéia quanto ao sucesso dos planos deSebastian para aquela noite, enquanto a filha da anfitriã seencarregava de levá-los até a mesa com os refrescos, Josefina percebeu que mal conseguia respirar com naturalidade. E, para deixá-laainda mais apreensiva, um murmurinho tomou conta do recinto...

Os Griffin tinham chegado todos juntos, e Sebastian tomava ainiciativa de cumprimentar lorde e lady Tuffley e as demais pessoas ao

redor dos anfitriões. Logo atrás deles vinha a família de Caroline, comboa parte dos Witfeld e agregados fazendo o possível para não semostrarem intimidados pela suntuosidade que pairava pelo recinto.

Naquela noite o duque estava todo de preto novamente, e o corte perfeito das calças e da casaca enfatizava sua compleição perfeita. Noinstante em que o olhar dele e o de Josefina se cruzaram, todos os presentes simplesmente se afastaram. Nem mesmo o sempre tão altivoe seguro de si, Stephen Embry, atreveu-se a se colocar no caminho dosdois.

Tão logo a alcançou, Sebastian tomou as mãos dela para levá-lasaos lábios. — Boa noite, Vossa Alteza. — Vossa Graça. — Reprimindo a vontade de se atirar nos braços

dele e beijá-lo diante de toda aquela multidão, Josefina perguntou numsussurro: — Você sabia que Prinny virá ao sarau?

 — Não, mas imagino que ele vá querer dançar corn você paracelebrar o nosso noivado.

Ela entendeu o recado. Sebastian lhe dizia para continuar com a

farsa junto ao príncipe.

Page 148: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 148/156

 — Desde que Sua Alteza esteja ciente de que a primeira valsa danoite já está prometida.

 — A mim, suponho.Os convidados à volta de ambos sorriram, e os demais Griffin não

demoraram a se acercar, cumprimentando Josefina e os Embry cornelogios e votos de felicidades. Ela se sentiu mais forte e mais corajosa. Aquelas pessoas iriam ser a sua família e faziam questão dedemonstrar que a apoiavam. Por isso e tudo o mais, iria mostrar a elesque era digna da confiança que lhe empenhavam.

Finda a valsa, Sebastian olhou rapidamente no relógio antes de ir levar Josefina para junto dos pais. Com a mão dela em seu braço e osEmbry ao lado de ambos, fez discreto aceno com a cabeça paraCaroline, então viu sua cunhada ir ao encontro da mãe e das duasirmãs solteiras para indagar:

 — Anne, quando é que vai contar à mamãe a respeito de John? — John? — repetiu Joanna, enrubescendo. — Mas quem é esse

 John? — Um professor de Eton. — Anne começou a se abanar. — Eu o

conheci no Museu Britânico. — Mamãe, isso não é justo. — Joanna bateu o pé. — Agora até

 Anne tem um pretendente?Enquanto Sally Witfeld unia as palmas das mãos como a agradecer 

aos céus pela bênção, Anne explicou:

 — John foi explorador antes de aceitar o cargo de professor. Pedi aele que viesse ao sarau, assim a senhora e o papai poderão conhecê-lo.

 — Eu sabia que devia ter ido ao museu... — Joanna resmungou. — Ah, nada como ser jovem — comentou o rey com uma risadinha.Ótimo. Ele prestava atenção à conversa. — Conheço esse moço — comentou Sebastian. — Parece ser boa

 pessoa. Um pouco sério em demasia, mas isso será um bomcontraponto ao temperamento dispersivo de Anne. — O que não eranenhuma mentira.

 — Senhoras e cavalheiros — anunciou o mordomo dos Tuffley —,Sua Alteza, o príncipe regente. A multidão se curvou numa mesura que se estendeu até a entrada

do salão, e o príncipe George adentrou o recinto, felizmente semnenhuma das onipresentes amantes, mas trajado de azul-safira erotundo como sempre, acompanhado por uma dúzia de criados ecamareiros. Embry certamente se roía de inveja.

 — Melbourne — cumprimentou o regente, com um sinal para queele se aproximasse.

Sebastian o fez, levando Josefina junto.

Page 149: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 149/156

 — Vossa Alteza, se pretende chamar minha atenção por não ter ido lhe contar a novidade, faça-o sem delongas, assim poderemostomar uma taça de champanhe em homenagem à minha futura esposa.

 — Que graça haveria em repreender os contritos, meu rapaz? — Prinny deu-lhe um tapinha no ombro.

 — Tuffley, mande servir o champanhe! — Imediatamente, Vossa Alteza.Num curtíssimo espaço de tempo, todos os convidados tinham

uma taça na mão. Assim que recebeu a dele, Prinny a ergueu nadireção de Josefina.

 — Senhoras e cavalheiros, a Josefina, princesa de CostaHabichuela e muito em breve, espero, duquesa de Melbourne!

 — A Josefina!Nem bem ela levara a taça que tremia em sua mão aos lábios,

 John Rice-Able irrompeu no salão de baile, empurrando o mordomo delado a fim de sondar o recinto. E como Anne Witfeld fora se colocar  perto das portas, o professor correu ao encontro dela.

 — Ah, lá está ele — declarou Sebastian, agora novamente próximoaos Embry. — Aquele é o namorado de Anne.

 — Ele parece mesmo um tanto sério — observou o rey, antes desegurar no braço do futuro genro para obrigá-lo a encará-lo. — Queroconversar com você.

 — Não vou renegociar o dinheiro que fiquei de lhe dar, Embry. Dez 

mil libras por ano e mais o meu silêncio são mais do que o suficiente,não?

 — Não se trata disso, e sim do lugar onde acho que você devemorar.

 — O lugar onde devo... — Melbourne — Anne o interrompeu —, John precisa da sua

atenção. Após olhar .feio para Embry, Sebastian virou-se para a irmã de

Caroline.

 — Isso não pode esperar, Anne? John Rice-Able foi se pôr à frentedela. — Perdão pela intromissão, Vossa Graça — afirmou o professor 

num tom premente, que chamou a atenção de todos os que seachavam perto deles —, mas meu amigo Mayhew Crane, imediato noBarnaby, uma fragata que percorre o Atlântico sul...

 — Estou num sarau, John — cortou-o Sebastian. — Sim, eu sei, mas... — John fingiu que só naquele instante se

apercebia da presença de Embry. — Oh, Vossa Majestade, desculpe-

me. Lamento muito ser o portador de notícia tão trágica.

Page 150: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 150/156

 — Do que está falando? — Dissimulando a admiração pelo talentodramático do mestre, Sebastian segurou no braço dele. — E faça ofavor de baixar o tom de voz.

 Assim que ele acabou de falar, os convidados que os rodeavam secalaram, e Embry se aproximou um passo.

 — Estou tentando lhe dizer, Vossa Graça, que Mayhew me mandouuma carta de Belize e... não sobrou nada.

 — Em Belize? Mas o que... — Não! Estou falando de Costa Habichuela. Um verdadeiro dilúvio,

uma inundação devastadora... Costa Habichuela foi varrida do mapa! — Tirou uma carta do bolso, que Sebastian tomou da mão dele antes queEmbry a pegasse.

 — Isso não é nem um pouco engraçado, John. Caso tenhaesquecido, vou me casar com a princesa Josefina de Costa Habichuela.

 — Não, é claro que não esqueci, Vossa Graça. Tanto que estouaqui para lhes informar o que se passou. Quando... quando fiz  pesquisas em Costa Habichuela alguns anos atrás, vi que o solo eramuito produtivo, mas também constatei essa fertilidade se devia aofato de que boa parte do país se assentava numa antiquíssimaembocadura de rio. Uma planície de aluvião. E com as chuvastorrenciais e as tempestades que assolaram a costa, a...

 — Espere um pouco — interpôs Embry. — Que diabos acha queestá...

 — Ouça isto, Vossa Majestade — apartou Sebastian. John, sabendo do seu vínculo com as famílias Witfeld e Griffin, não

 posso deixar de lhe transmitir o escândalo da princesa notícias alentadoras. A caminho do Ocidente, o Barnaby teve de atravessar o mais

terrível temporal de que tenho lembrança. Nosso mastro partiu-se emdois, e por um triz não perdemos tudo, inclusive nossas vidas. Noentanto, saiba que só lhe digo isso como forma de prepará-lo para o pior.

 A música cessou abruptamente, e Prinny, trazendo Josefina com amão em seu braço, acercou-se deles. — O que houve, Melbourne? — Estamos tentando descobrir, Vossa Alteza. — Mostrou a carta.

 — Permite-me? — Sim, por favor. Após um olhar furtivo para Josefina, Sebastian retomou a leitura:Os poucos sobreviventes que encontramos só haviam

 permanecido ali para procurar por parentes e pertences. Nós lhes

demos o pouco de água e comida que tínhamos para dispor, e eles noscontaram os momentos de terror por que toda aquela área havia

Page 151: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 151/156

 passado em decorrência de uma quinzena de tempestades inclementese vendavais devastadores. Uma calamidade, meu amigo. E como seisso fosse pouco, as tormentas deixaram o mar tão encapelado que, por horas a fio, ondas gigantescas açoitaram o desafortunado país, dolitoral até o sopé das montanhas a oeste. Não restou nada; segundo orelato dos sobreviventes, as águas levaram até mesmo a cidade ondeesses pobres coitados viviam.

 — Oh, não! — E, com o grito estrangulado, Josefina cobriu a bocacom a mão.

Construções, vegetação, até mesmo o solo foi varrido para ooceano, deixando em seu lugar 

nada além de um lodaçal sombrio e mal-cheiroso e inúmerosanimais mortos. Dadas as dimensões da catástrofe, não seria demaissupor que aquela área em breve se transforme em foco das mais

variadas enfermidades. — Stephen — disse Prinny com o semblante anuviado pelo pesar 

 —, conte com a mais sincera solidariedade da Inglaterra. — Nem tudo são notícias tristes — Sebastian observou,

examinando o verso da carta. — Parece que Belize abriu os braços paraos sobreviventes.

 — Deus é misericordioso — afirmou Charlemagne num tom solene, juntando-se ao grupo que não parava de crescer.

 — Precisamos fazer alguma coisa. — Sebastian entregou a carta a

Embry. — Temos de aceitar a realidade — retrucou Josefina, a voz 

embargada. — Costa Habichuela se foi.Branco de raiva, o pai dela a encarou. — Como pôde... — Sim, temos de aceitar que nosso lar agora é Belize — interveio a rainha Maria, tomando a mão do marido. — E agradecer a Deus pelas pessoas que compraram terras em

Costa Habichuela e ainda não foram para lá.

 — Sim, as pessoas em primeiro lugar — enfatizou Josefina. — Elas precisam ter seus recursos de volta, já que, sem território, não há ondeinvestir.

 — Podemos reconstruir os... — Sobre o quê, papai? Você ouviu o que o amigo do professor 

escreveu. Não há como erguer coisa alguma num pantanal. John Rice-Able limpou a garganta. — Mayhew comentou que enviou uma cópia da carta a um amigo

que temos em comum, Robert Lumley, redator do London Times, como

forma de garantir que ninguém embarcasse para Costa Habichuela semsaber o que houve por lá.

Page 152: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 152/156

 — Esse moço merece uma medalha — Prinny declarou, umcomentário endossado pelo aceno afirmativo de boa parte dos presentes.

Enquanto anotava mentalmente de tomar as providênciasnecessárias, uma vez que tal "moço" não existia, Sebastian cuidou deconsolar Josefina com um abraço.

 — Lamento muito, querida. — Bem, creio que não há mais nada a fazer por aqui — rosnou

Embry, os músculos ainda rígidos da fúria que o acometia. — Partiremos para Costa Habichuela amanhã mesmo. Venham, Maria, Josefina. Temos de preparar a bagagem.

Por pouco o coração de Sebastian não parou. Recompondo-se, eleafirmou:

 — Sei que é lá que se encontram as suas responsabilidades, VossaMajestade, e entendo a urgência de sua partida, mas também sei ondese encontra meu coração. Se Josefina ficar, não haveria por que postergar o casamento. Como já foi dito, não existe mais um país a ser reerguido; já sua filha tem uma nova vida para começar.

Embry se surpreendeu ao perceber que, embora o plano inicialfosse fisgar o duque num matrimônio que lhes traria inúmerasvantagens, parecia haver sentimentos verdadeiros entre sua filha e onoivo.

 — O que diz, Josefina?Porém ela não se dirigiu ao pai, e sim a Sebastian, para lembrá-lo

num sopro de voz: — Você disse que faria o pedido novamente.Ele não titubeou: apoiando-se num joelho, tomou-lhe a mão. — Josefina, pouco me importa que você seja a princesa de um

 paraíso ou a filha de um soldado, cujo lar foi engolido pelo mar. Alémde me provocar e me surpreender, você me mostrou que umsentimento que eu julgava perdido para sempre estava apenas

adormecido. Você me ajudou a redescobri-lo. — A voz lhe faltou, e elelimpou a garganta. — Amo você, Josefina, com todo o ímpeto dosentimento recém desperto no meu coração. Quer se casar comigo? Apesar das lágrimas, ela sorria.

 — Também amo você, Sebastian. Muito. E quero ser sua esposa.Retirando o anel de sinete com o timbre Melbourne do dedo,

Sebastian o colocou no dedo dela. Ficou grande demais, porém todoscompreenderam o significado do gesto, e o salão irrompeu emaplausos.

 — Então nada mais importa. —Aprumou-se e a tomou nos braços. — Nada mais.

Page 153: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 153/156

Quando chegou à residência dos Branbury na manhã seguinte,Sebastian encontrou os criados zanzando de lá para cá como formigas,carregando obscena quantidade de bagagem para várias carruagens dealuguel. Quanto dos fundos da Inglaterra Embry já não teria gastado?

Guardando o pensamento para si, beijou a mão de Josefina, quevinha recebê-lo.

 — Pensei em tentar persuadi-los a ficar — disse ela —, pelo menosaté o casamento, mas então me dei conta de que seria impossível.Houve uma catástrofe; eles têm de retornar o mais depressa a CostaHabichuela ou enfrentar um questionamento interminável.

 — Sinto muito. — Sebastian cumprimentou com um aceno omordomo que empurrava uma pilha de caixas para que eles pudessementrar. — Se fosse possível, eu gostaria que eles ficassem. Por você.

 — Quanta generosidade.

Sebastian ergueu a cabeça. Embry os olhava do alto da escadaria. — Vossa Majestade. — Contendo o sarcasmo, inclinou a cabeça

 por causa dos criados. — Espero que meus procuradores tenham sido úteis. — Oh, sim. Tudo o que precisei fazer foi entregar o dinheiro e

assinar uns cem documentos. — Afastou-se do balaústre. — Venhamaté meu gabinete.

 Assim que entraram no escritório, Sebastian fechou a porta. EEmbry não perdeu tempo a disparar:

 — Você me deu um belo de um tombo, seu maldito arrogante.Parabéns! No entanto, não foi só a mim que arruinou; duas dezenas de pessoas dependem dos meus recursos para sobreviver. — Encarou afilha. — Por acaso pensou nelas, Josefina?

Mas foi Sebastian quem respondeu: — Com dez mil libras por ano você terá condições não só de viver 

com conforto onde quiser, mas também de garantir o bem-estar detodos os que o auxiliam no dia a dia.

Um músculo tremelicou sob um dos olhos de Embry.

 — Não gostaria de me dar um momento a sós com a minha filha,Vossa Graça? — Não. — Por favor. Eu queria me despedir. — Muito bem, estarei no corredor. Mas depois disso ela irá comigo

 para a casa da minha irmã, onde ficará até o casamento. Ao ouvir a porta se fechar com um suave clique às suas costas,

 Josefina foi logo dizendo: — Não quero brigar, papai; quero o seu bem. — Como passara a

noite e a manhã inteira trancada no quarto, arriscou indagar: — Não vaime contar para onde pretende ir com mamãe?

Page 154: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 154/156

 — Prússia, talvez; decerto eles irão gostar de ter uma colôniaamiga na América Central. — Ao vê-la arregalar os olhos, emendou comum meio sorriso: — Quase deu certo, não foi? Mas, desta vez, vou parar no empréstimo e nos títulos.

 — Você podia ter sido preso, papai. E enforcado. Por que searriscar nessa aventura de novo? Além do mais, Sebastian nãocancelou as dez mil libras anuais que havia lhe prometido; com essedinheiro você poderia comprar terras ou fundar uma empresa decomércio.

 — Não quero ficar sentando numa poltrona contando moedas. Dez mil libras é um bom começo, mas posso fazer melhor do que isso. — Fez um muxoxo. — Já que não vai comigo para me ajudar, venha medar um abraço. Temos de seguir para Brighton antes do anoitecer.

 Josefina foi colocar os braços sobre os ombros dele.

 — Prometa que irá escrever, como fazia quando eu era menina. — Não que fosse acreditar naquelas cartas, mas não queria ficar semnotícias.

 — Escreverei. — Esquivou-se dela. — Agora eu gostaria de ficar sozinho.

Despedir-se de sua mãe foi ainda mais penoso, e não demoroumuito para que as duas estivessem em lágrimas.

 — Acho que seu pai ainda não se deu conta da sorte que tem — comentou Maria ao olhar pela janela e ver Sebastian caminhando pelo

 jardim. — Outra pessoa que não o duque de Melbourne não pensariaduas vezes antes de mandá-lo para a prisão.

 — Já tentei dizer isso a papai de todas as maneiras possíveis, sóque ele nunca me deu ouvidos.

 — Deu, sim; o que ele não consegue é admitir que você está certa. Josefina tornou a abraçá-la. — Escreva para me dizer onde vocês estão, assim terei como

escrever de volta. — Certamente. Também viremos visitá-la sempre que possível.

Quero que meus netos conheçam a abuela. — Eu também. — Endireitando-se, Josefina limpou a garganta. — Jávou indo, assim você termina de fazer as malas.

 — Antes disso, diga a Melbourne que venha falar comigo, sim? Josefina fez que sim.Sebastian ergueu a cabeça ao perceber que ela se aproximava. — Você está bem? — Sim; um pouco triste, mas também esperançosa. — Josefina

meneou a cabeça. — E uma sensação estranha.

 — Que vai passar. — Sebastian tomou a mão dela para beijá-la. — Vamos?

Page 155: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 155/156

 — Minha mãe quer vê-lo. Ela o aguarda na sala de estar.Dissimulando uma contração involuntária dos músculos, ele fez um

aceno afirmativo e foi levá-la até a carruagem antes de tornar a entrar no casarão.

Maria Embry o esperava junto à pequena escrivaninha. — A senhora deseja falar comigo? — Sim. Tenho algo para lhe dar. — E estendeu um papel para ele.Sebastian foi apanhá-lo com o cenho franzido. — Do que se trata? — Leia.Com parte da atenção voltada à mãe de Josefina, ele passou os

olhos pelo documento. Em seguida o leu com calma. Por fim, tornou arelê-lo compenetradamente e, com o coração aos saltos, voltou o olhar a Maria.

 — Isto aqui é válido? — Sim. — Ela sorriu, um sorriso cativante que fazia lembrar sua

filha. — Há somente duas vias desse documento. Uma delas é sua. — Josefina sabe disso? — Sempre soube, porém nunca acreditou. — Maria beijou-o no

rosto. — Não é nenhum segredo, mas ela certamente irá gostar deouvi-lo dos seus lábios.

 — Obrigado. — Sou eu quem agradece, pois você está dando à minha filha a

vida que eu sempre quis que ela tivesse.Meio atordoado, Sebastian despediu-se e voltou para a carruagem. — Vamos para a Mansão Corbett — disse a ToJlins, então fechou a

 porta do veículo e se acomodou sobre o coxim, ignorando Conchita,encolhida num canto, para fitar sua amada. — O que acha de fazermoso baile de noivado daqui a uma quinzena e o casamento uma semanaapós o baile?

 — Não é tão cedo quanto eu gostaria, mas posso esperar até lá. —  Josefina afagou o rosto dele. — Você está bem? Minha não o estapeou,

não é? — Não fisicamente. — Bateu de leve no bolso do peito, ondeguardara o documento que iria para o cofre na primeira oportunidade. — Tudo indica que seu pai realmente conheceu Qental, o rei da Costados Mosquitos, que de fato deu a ele quatro mil quilômetros quadradosde terras naquela região, concedendo-lhe o título de rey da áreaoutorgada.

Ela ficou branca. — Portanto, meu amor, você é princesa. — Segurando o rosto dela,

beijou-a apaixonadamente. Deus, mal podia crer que iria passar o restode seus dias cobrindo-a de beijos.

Page 156: O Escâdalo da Princesa

7/31/2019 O Escâdalo da Princesa

http://slidepdf.com/reader/full/o-escadalo-da-princesa 156/156

 —- O que foi que você disse? — O documento que sua mãe me deu foi conferido e validado pelo

governador de Belize. Conheço o timbre dele, que está impresso naoutorga em meu bolso.

 — Santo Deus... E eu que pensei que fosse ser mera e simplesduquesa. — Foi a vez de Josefina beijá-Jo, acariciando-lhe os cabeloscomo se quisesse se perder dentro dele. — Sua família não precisasaber disso, precisa?

Sebastian riu. — Não. Você será duquesa. A minha duquesa. E quanto ao "mera e

simples"... Não creio que você fosse conseguir. — Então nem vou tentar.

Fim