o ensino de história da áfrica e cultura afro brasileira um estudo de caso

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O ENSINO DE HISTORIA DA ÁFRICA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA: UM ESTUDO DE CASO 1 VERA LÚCIA RIBEIRO DE SOUZA 2 Resumo O presente artigo tem como objetivo analisar a prática do ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira na Escola Estadual Almir Passos, localizada no Município de Conceição do Coité - BA. Através das entrevistas realizadas com as/os professoras/es de História foi possível perceber que elas/eles reconhecem a importância de trabalhar a temática em sala de aula, mas as suas práticas ainda estão vinculadas ao modelo de ensino da história afro-brasileira de forma estereotipada. O artigo está estruturado da seguinte forma: depois de feita uma reflexão sobre o ensino de História no Brasil, discutiu-se a história de lutas do Movimento Negro e a promulgação da Lei 10.639/03 3 e foram analisadas as entrevistas, contando com a contribuição de autores como Tomaz Tadeu da Silva, Otto Figueiredo e Wilson Roberto de Mattos. Palavras-chave: Currículo. Ensino de História. Práticas pedagógicas. Relações étnico- raciais. Abstract This article analyzes the practice of teaching History of Africa and Afro-Brazilian Culture in the Escola Estadual Almir Passos, located in the city of Conceição do Coité - BA. Through interviews with the History teachers could see that they recognize the importance of working the issue in the classroom, but their practices are still linked to the model of history teaching african-Brazilian stereotypical. The paper is structured as follows: after a reflection about the teaching of History in Brazil, discussed the history of struggle of the Movimento Negro and the enactment of Law 10.639/03 and the interviews were analyzed, with the contribution of authors like Tomaz Tadeu da Silva, Otto Figueiredo and Wilson Roberto de Mattos. Keywords: Curriculum. History teaching. Teaching practices. Ethnic-racial relations. O presente artigo tem como objetivo analisar a prática do ensino da História da África e Cultura Afro-Brasileira dos professores de História na Escola Estadual Almir Passos. Durante o Estágio Supervisionado III do curso de Licenciatura em História da UNEB, realizado no ano de 2010, pudemos perceber o silêncio em torno do tema naquele espaço escolar. Como o Estágio foi realizado durante o 4º bimestre escolar, pensou-se que o silêncio em torno da temática poderia ser justificado pela preocupação das/os educadores com as 1 Trabalho de conclusão de curso do curso de Licenciatura em História da Universidade do Estado da Bahia, Campus XIV, realizado sob a orientação do professor Augusto César de Araújo. 2 Estudante do curso de Licenciatura em História da UNEB-CAMPUS XIV- E-mail: [email protected] 3 Alterada pela Lei 11.645/08, porém será mantida porque o foco da pesquisa é o ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira. 1

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Page 1: O ensino de história da áfrica e cultura afro brasileira um estudo de caso

O ENSINO DE HISTORIA DA ÁFRICA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA: UM

ESTUDO DE CASO1

VERA LÚCIA RIBEIRO DE SOUZA2

Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar a prática do ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira na Escola Estadual Almir Passos, localizada no Município de Conceição do Coité - BA. Através das entrevistas realizadas com as/os professoras/es de História foi possível perceber que elas/eles reconhecem a importância de trabalhar a temática em sala de aula, mas as suas práticas ainda estão vinculadas ao modelo de ensino da história afro-brasileira de forma estereotipada. O artigo está estruturado da seguinte forma: depois de feita uma reflexão sobre o ensino de História no Brasil, discutiu-se a história de lutas do Movimento Negro e a promulgação da Lei 10.639/033 e foram analisadas as entrevistas, contando com a contribuição de autores como Tomaz Tadeu da Silva, Otto Figueiredo e Wilson Roberto de Mattos.

Palavras-chave: Currículo. Ensino de História. Práticas pedagógicas. Relações étnico-

raciais.

Abstract

This article analyzes the practice of teaching History of Africa and Afro-Brazilian Culture in the Escola Estadual Almir Passos, located in the city of Conceição do Coité - BA. Through interviews with the History teachers could see that they recognize the importance of working the issue in the classroom, but their practices are still linked to the model of history teaching african-Brazilian stereotypical. The paper is structured as follows: after a reflection about the teaching of History in Brazil, discussed the history of struggle of the Movimento Negro and the enactment of Law 10.639/03 and the interviews were analyzed, with the contribution of authors like Tomaz Tadeu da Silva, Otto Figueiredo and Wilson Roberto de Mattos.

Keywords: Curriculum. History teaching. Teaching practices. Ethnic-racial relations.

O presente artigo tem como objetivo analisar a prática do ensino da História da

África e Cultura Afro-Brasileira dos professores de História na Escola Estadual Almir Passos.

Durante o Estágio Supervisionado III do curso de Licenciatura em História da UNEB,

realizado no ano de 2010, pudemos perceber o silêncio em torno do tema naquele espaço

escolar. Como o Estágio foi realizado durante o 4º bimestre escolar, pensou-se que o silêncio

em torno da temática poderia ser justificado pela preocupação das/os educadores com as

1 Trabalho de conclusão de curso do curso de Licenciatura em História da Universidade do Estado da Bahia, Campus XIV, realizado sob a orientação do professor Augusto César de Araújo.2 Estudante do curso de Licenciatura em História da UNEB-CAMPUS XIV- E-mail: [email protected] Alterada pela Lei 11.645/08, porém será mantida porque o foco da pesquisa é o ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira.

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atividades de final de ano. Neste sentido surgiu o interesse em pesquisar: afinal como se tem

desenvolvido o ensino da História da África e Cultura Afro-Brasileira na Escola Estadual

Almir Passos?

Para tanto, foi realizado um estudo de caso que se ateve à realidade do espaço da

pesquisa, tomando como referência as práticas das/dos professoras/es de História para com o

ensino da História da África e Cultura Afro-Brasileira. Sobre esta metodologia Ludke e André

(1986) afirmam que “o caso pode ser similar a outros, mas cada caso é ao mesmo tempo

distinto, pois possui um interesse próprio, singular” (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p.17). Citando

Goode e Hatt (1968), as autoras colocam que “o caso se destaca por se constituir numa

unidade dentro de um sistema mais amplo. O interesse, portanto, incide naquilo que ele tem

de único, de particular” (GOOD e HATT, 1968, apud LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 17).

A Escola Estadual Almir Passos está localizada na Vila Toyde, área urbana da cidade

de Conceição do Coité - Bahia. Suas instalações funcionam em um espaço não muito amplo,

no que se refere às áreas interna e externa. Apesar do pouco espaço, a escola possui

biblioteca, sala de informática e uma quadra de esportes. Somam-se ainda oito salas de aula, a

sala da diretoria (onde funciona também a secretaria) e uma sala para os professores. A escola

possui dois banheiros, um feminino e um masculino, e uma cozinha para preparação da

merenda escolar. Equipada por computadores, impressoras, ventiladores, TV pen drive, entre

outros, a instituição oferece o Ensino Fundamental (do 6º ao 9º ano) nos turnos matutino,

vespertino e noturno.

Em relação ao corpo discente a escola totalizava quinhentos e quarenta e três alunos

matriculados no ano de 2011, em sua maioria, residentes na sede de Conceição do Coité e na

área rural do município. Diante disso observa-se que a escola vivencia no seu cotidiano a

diversidade e a diferença. Quanto à equipe que integra o corpo funcional, é composta por uma

diretora, dois vice-diretores, e vinte e dois professores que, em sua maioria, já possuem

graduação (aqueles que ainda não a possuem se encontram em fase de conclusão), apesar

disso nem todos atuam em sua área de formação. Conta-se ainda com uma secretária, um

funcionário para a biblioteca, quatro zeladoras, duas merendeiras e três porteiros que

trabalham em turnos alternados.

Quanto às/aos quatro educadoras/es entrevistadas/os, possuem idade entre 23 e 50

anos, com experiência em sala de aula variando de 04 a 27 anos de docência. Porém o tempo

de experiência em sala de aula não equivale ao tempo de experiência com a disciplina

História, que varia entre 10 meses e 27 anos. É preciso lembrar ainda que nem sempre suas

atividades de docência foram exercidas na mesma instituição. Quanto à formação profissional

das/os professoras/es de História entrevistadas/os, em um total de quatro, três possuem

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graduação em Letras Vernáculas com habilitação em Português e Literatura e uma/um

professora/or está em processo de formação no mesmo curso com habilitação em Inglês.

Duas/ois das/os professoras/es com graduação também já possuem cursos de especialização e

dessas/es uma/um está cursando o Mestrado.

Para alcançar o objetivo da pesquisa foram realizadas, em 2011, entrevistas com os

quatro professores de História da Escola Estadual Almir Passos. Para tanto, foi necessário o

levantamento de algumas questões acerca da prática do ensino da História da África e Cultura

Afro-Brasileira com base na Lei 10.639/03 publicada em 09 de janeiro de 2003, e nas

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, publicada em

10 de março de 2004, constante do Parecer CNE/CP 03/2004. Estes documentos surgem

como instrumentos legais a fim de regulamentar e nortear as instituições de ensino no sentido

de viabilizarem e assegurarem o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania,

assim como garantir “igual direito às histórias e culturas que compõem a nação brasileira,

além do direito de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos os brasileiros”

(Diretrizes, 2005, p. 9)

A escolha de trabalhar na pesquisa com as professoras e professores de História se

deu devido às transformações pelas quais tem passado o ensino de História e a importância do

docente no processo de implantação de novas propostas curriculares. A análise sobre a prática

pedagógica referente ao ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira e Africana se

deu a partir das seguintes questões realizadas com os sujeitos da pesquisa: Para você o que é

ensinar História?; Porque é importante discutir a História da África e Cultura Afro-

Brasileira?; O que você considera ser um ensino significativo de História da África e Cultura

Afro-Brasileira?; Caso você já tenha desenvolvido alguma experiência com o ensino de

História da África e Cultura Afro-Brasileira, relate.; Houve alguma dificuldade para

desenvolver esse trabalho? Se sim, quais?; Em qual período do ano letivo foi realizada esta

experiência? Por quê?; O ensino da História da África e Cultura Afro-Brasileira estão

contemplados no Projeto Político Pedagógico da escola? De que forma?; Você conhece ou já

ouviu falar da Lei 10.639/03? Sabe do que ela trata?; E sobre as Diretrizes Curriculares

Nacionais para o ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira? Sabe o que elas

trazem como proposta?

O artigo está estruturado da seguinte forma: no primeiro momento foi feita uma

reflexão sobre o ensino de História no Brasil. No segundo momento discutiu-se a história de

luta do Movimento Negro e a promulgação da Lei 10.639/03, como resultado das

reivindicações deste Movimento. A seguir as entrevistas foram analisadas, onde autores como

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Tomaz Tadeu da Silva (1995), (2007); Otto Vinicius Agra Figueiredo (2008); Wilson Roberto

de Mattos (2003) deram contribuições significativas.

O ensino de História no Brasil: uma trajetória de exclusão e inclusão

No processo educacional brasileiro não foram apenas os negros que estiveram fora

da escola, também a sua história esteve à margem do currículo escolar, sendo desconsideradas

as contribuições dos povos africanos na formação da história e da cultura brasileira. Quanto à

disciplina História, inspirada no modelo francês, em sua trajetória no currículo escolar, passou

por várias transformações no decorrer do tempo. Foi em 1837 que se deu a implantação da

História como disciplina escolar obrigatória no Brasil, coincidindo com a fundação do

Colégio Pedro II e com o nascimento do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB),

órgão responsável por construir a genealogia nacional, criando uma identidade para a nação

recém formada. Era nesta instituição que se produzia a história que seria difundida nas escolas

secundárias.

O modelo historiográfico implementado no IHGB apresentava um duplo objetivo: identificar as origens do Brasil, de modo a contribuir para a delimitação de uma identidade nacional homogênea; e inserir o país numa perspectiva de uma tradição de progresso (MAGALHÃES, 2003, p. 169, grifo do autor).

A nacionalidade era a grande questão imposta à sociedade naquele momento e o

direito de escolha do passado da nação pertencia à elite, que o tinha como um caminho

percorrido pela humanidade rumo ao progresso, em uma concepção baseada nos pressupostos

iluministas4. Surge daí um modelo de história nacional hierarquizada, contada a partir de

1500, com a chegada dos europeus. A História linear, cronológica e eurocêntrica passou a ser

ensinada nas escolas secundárias como um conhecimento pronto e acabado. No governo de

Getúlio Vargas o poder central do Estado e o controle sobre o ensino foram acentuados em

1930, devido à criação do Ministério da Educação e à reforma promovida pelo então ministro

Francisco Campos, que constituiu um modelo único para o ensino de História em todo o país,

privilegiando a memória histórica nacional e o culto aos heróis da pátria. Nas séries iniciais

do ensino fundamental discutia-se a implantação dos chamados Estudos Sociais no currículo

escolar em substituição às disciplinas História e Geografia.

4Os ideais iluministas partiam da crença do progresso da humanidade.

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No campo acadêmico, houve a criação por volta de 1929 da Revista Annales, que

conforme Selva Fonseca (2003), transformou a forma de pesquisar e estudar a história e a

nova história que passou a ocupar-se “de tudo aquilo que homens e mulheres fizeram no

passado e também fazem no tempo presente” (FONSECA, 2003 p.42), a visão histórica

“tradicional” passa a ser questionada, passando assim a privilegiar novas abordagens e

temáticas de estudos, valorizando a história social, cultural e também o cotidiano. Assim a

história, além da elaboração dos conhecimentos históricos, tende a questionar a realidade,

tomando como premissas novos problemas. Estas discussões iriam influenciar no futuro as

recentes transformações ocorridas no ensino de História.

O processo de industrialização e urbanização do país trouxe novas questões para o

debate acadêmico. Neste contexto e de acordo com José Gledison Rocha Pinheiro e Stella

Rodrigues dos Santos (2006), a formação de um sujeito crítico implica adaptação às

condições de uma economia industrial que, por sua vez, exige a formação de indivíduos

capazes de operar com essa lógica. E se alguns historiadores procuravam identificar as causas

do atraso econômico, outros apontavam para a necessidade de se conhecer a identidade

nacional, integrando as três raças formadoras do país. A história ensinada incorporou estas

discussões através dos programas, currículos e manuais didáticos. Difundia-se nas salas de

aula a tese da democracia racial, entendida como ausência de preconceitos raciais e étnicos. A

história não era o espaço para discussões dos problemas brasileiros. O negro continua

invisível historicamente.

Pinheiro e Santos (2006), colocam que o ensino de história enfrenta a

descaracterização, pois em 1971 foi convertida em Estudos Sociais, junto com a disciplina

Geografia. Em São Paulo o Guia Curricular para o ensino de primeiro grau em 1975 seguiu a

Lei de Diretrizes e Bases de 1971 que, entre outras providências, fundia as disciplinas de

História e Geografia em uma única disciplina assumindo a denominação de Estudos Sociais.

Dá-se então a perda da identidade da disciplina História que pode ser entendida como parte de

um projeto político de controle em prol da divulgação de valores morais e cívicos impostos

pelo regime militar implantado no país a partir de 1964, a fim de atender aos ideais do Estado.

Pesquisando o ensino de História, Marcelo de Souza Magalhães (2003) destaca que

durante a década de 60 houve uma preocupação em se ensinar a história ensinando-se também

o seu método, ocorrendo assim um processo de alargamento que, contudo, “foi interrompido

pela ditadura militar, que fez a história desaparecer como disciplina autônoma do currículo do

ensino fundamental” (MAGALHÃES, 2003 p. 170), surgindo em seu lugar a disciplina

Estudos Sociais, com o objetivo de exercer um rígido controle sobre o ensino por parte do

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Estado, sendo a história utilizada como instrumento de formação de um espírito cívico. Tal

quadro começa a mudar com o fim da ditadura militar, momento em que emergem novas

propostas curriculares em todo o país.

Assiste-se ainda à divulgação da história de reis, heróis e batalhas. Da escravidão

lembra-se apenas da Lei Áurea, ou seja, a efetiva participação do negro e sua trajetória

histórica continuam silenciadas; o desaparecimento da população indígena fica sem

explicação, mas comemora-se o dia do índio. A história ainda está comprometida com a

ideologia do branco europeu, que não se preocupa em buscar na história as diversas vertentes

explicativas, nada se discute do presente e do vivido. Este modo de ver a história predominou

nos currículos escolares até bem pouco tempo. Em meados dos anos 80, com o processo de

democratização do país, é que se verificam algumas mudanças em relação à disciplina

História.

Dentro do processo de democratização, os conhecimentos escolares foram duramente

questionados e redefinidos por reformas curriculares que se tornaram urgentes num contexto

marcado por novas discussões sobre o retorno da História e Geografia como disciplinas

autônomas. Passou-se a questionar a história “tradicional”, dos grandes fatos, dos heróis.

Também a visão da história como um processo linear, evolutivo, em direção ao progresso, foi

apontada como possível redutora da capacidade do aluno de se sentir parte integrante e agente

de uma história que desconsidera sua vivência. Sobre o processo de reformulação curricular

iniciado nos anos 80 que fazia oposição à linha de base conteudista própria do ensino elitista e

defendia um ensino que se baseasse em “conteúdos significativos” (grifo da autora), Circe

Maria Fernandes Bittencourt diz que

Estes incorporam parte do conteúdo tradicional, mas enfatizam temas capazes de proporcionar uma leitura do mundo social, econômico e cultural das camadas populares, para que os conteúdos possam se transformar em instrumentos de ações políticas no processo de democratização do País (BITTENCOURT, 2004, p. 105).

Neste contexto abre-se espaço no âmbito das ciências pedagógicas para as discussões

sobre a relação de ensino e aprendizagem, na qual os alunos passam a ser considerados

sujeitos do processo de construção do conhecimento. Desse modo, no que diz respeito à

disciplina História, tal entendimento concebe o indivíduo como construtor de sua história.

Assim, nos anos 90, as propostas curriculares preocupam-se tanto em formar cidadãos críticos

quanto com a construção da identidade, para além da questão nacional. Nesse sentido,

Magalhães (2003), analisando as propostas curriculares na década de 1990, conclui que a

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maioria delas já traz, no ensino fundamental de História, uma preocupação com a formação

do cidadão.

Na década de 1990, vive-se um tempo de mudanças e incertezas que, sob o olhar de

Selva Fonseca (2003), é reflexo de um novo mapa cultural e político que se situa no

“território da chamada crise da educação, de valores, vivenciada de forma aguda e complexa

pela sociedade brasileira contemporânea” (FONSECA, 2003, p. 29). Neste contexto, continua

o debate e indagações sobre o que da cultura, da memória, da experiência humana deve ser

ensinado e transmitido nas aulas de História. E é no texto da nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação - LDB 9394, publicada em 1996, que Selva Fonseca diz encontrar uma resposta

que, entre outras proposições, em seu Parágrafo 4º determina: “O ensino de História do Brasil

levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo

brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africana e européia” (FONSECA, 2003, p.

32).

Desse modo a LDB 9394/96 já prevê em História do Brasil a inclusão do ensino

sobre as culturas indígenas e africanas. Em 1998, foram publicados pelo governo federal os

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de várias disciplinas, inclusive

História. Este texto ressalta o que da cultura e da memória deverá ser discutido nas escolas,

considerando as diferentes realidades socioculturais do Brasil. Para Selva Fonseca (2003) esta

diretriz “reforça a preocupação com a inclusão da diversidade cultural no currículo de

história” (FONSECA, 2003, p. 32), estabelecendo em alguns dos seus objetivos gerais que os

alunos deverão constituir conhecimento que os possibilitem

Conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos sociais, em diversos tempos e espaços, em suas manifestações culturais, econômicas e políticas reconhecendo diferenças e semelhanças entre eles; Reconhecer mudanças e permanências nas vivências humanas presentes em sua realidade e em outras comunidades, próximas ou distantes no tempo e no espaço; Valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a diversidade, reconhecendo-a como um direito dos povos e indivíduos e como elemento de fortalecimento da democracia. (FONSECA, 2003, p. 32 e 33).

Por muito tempo no currículo da disciplina História houve um silêncio diante da

história e das contribuições de grupos que participaram ativamente na construção do processo

histórico para formação da sociedade brasileira. Mônica Lima, em seu artigo Como os tantãs

na floresta (2006), considera que

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A negação dessa História esteve sempre associada nitidamente a formas de controle social e dominação ideológica, além do interesse na construção de uma identidade brasileira despida de seu conteúdo racial, dentro do chamado “desejo de branqueamento” de nossa sociedade (LIMA, 2006, p. 41).

Vale acrescentar que este desejo persiste ainda hoje em determinados setores da

sociedade. A luta por mudanças no campo do ensino de História promoveu embates ao longo

do século XX e foi a partir destes embates que, da década de 80 para cá, o ensino de História

vem se transformando, se ampliando, possibilitando a inclusão do estudo de grupos que

tiveram a sua história silenciada. Nos anos 90 com a LDB 9394/96 e os PCNs Parâmetros

Curriculares Nacionais, esses sinais se tornam mais evidentes. Segundo Otto Figueiredo

(2008) um significativo avanço se deu na década de 90 com a “publicação dos Parâmetros

Curriculares Nacionais – PCNs – e, em particular, o volume Pluralidade Cultural, tema

transversal a ser trabalhado nas diferentes áreas do conhecimento” (FIGUEIREDO, 2008, p.

68) No último, reconhece-se a “existência do racismo e da discriminação racial no Brasil,

além da diversidade cultural ser considerada algo positivo e que precisa ser trabalhada na

escola” (FIGUEIREDO, 2008, p. 68). Entretanto, é apenas em 09 de janeiro de 2003 que se

dá a sanção da Lei 10.639/03, para atender a uma histórica reivindicação do Movimento

Negro: a inclusão do ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira nas escolas.

O Movimento Negro e a Lei 10.639/03: uma história de lutas

A promulgação da Lei 10.639/03 faz parte de uma série de reivindicações históricas

constituídas pelo Movimento Negro que teve sempre em sua agenda de lutas a inclusão do

povo negro e sua história no sistema educacional brasileiro. Sendo assim, a valorização da

educação das relações étnico-raciais, da história e cultura afro-brasileira e africana no espaço

escolar se apresenta como resultado da luta e resistência do povo negro. Na visão de Sales

Augusto dos Santos,

ao perceberem a inferiorização dos negros, ou melhor, a produção e a reprodução da discriminação racial contra os negros e seus descendentes no sistema brasileiro de ensino, os movimentos sociais negros (bem como os intelectuais negros militantes) passaram a incluir em suas agendas de reivindicações junto ao Estado Brasileiro, no que tange à educação, o estudo da história do continente africano e dos africanos (BRASIL, 2005, p. 23).

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O Movimento Negro no Brasil é um movimento social organizado que vem ao longo

dos tempos lutando pelo reconhecimento da contribuição do povo negro para a formação da

sociedade brasileira. Otto Vinicius Agra Figueiredo (2008) relata que as demandas por

educação dos afro-brasileiros reivindicadas por suas “organizações e representações políticas,

intelectuais e culturais” (FIGUEIREDO, 2008, p. 21) foram intensificadas durante o século

XX. Uma organização que pode ser considerada como um dos mais importantes destes

movimentos sociais é a Frente Negra Brasileira - FNB, movimento esse, fundado em 1931 em

São Paulo, que surge como “a mais importante entidade negra da época pela duração, ações

concretas realizadas e sua presença em diferentes estados brasileiros” (FIGUEIREDO, 2008,

p. 21). Esta organização preocupava-se não apenas com a escolarização, mas também com a

formação de uma consciência política através da educação do negro.

Conforme Figueiredo (2008) o protesto negro permaneceu atuante, mesmo depois da

desintegração da Frente Negra Brasileira em 1937 pela ditadura Vargas. Dissidências

surgiram e deram origem a outras entidades e organizações, como a exemplo do TEN –

Teatro Experimental Negro, fundado por Abdias Nascimento, intelectual negro em outubro

de1944. Esta entidade baseava-se em uma perspectiva de luta contra a discriminação, que

buscava articular o cultural ao político, empreendendo esforços também no campo da

educação. Além destes objetivos, segundo Abdias Nascimento e Elisa Nascimento (2000),

citados por Figueiredo,

o TEN reivindicava o reconhecimento do valor civilizatório da herança africana e da personalidade afro-brasileira. Além do mais procurava assumir e trabalhar a sua identidade específica; exigia também que a diferença deixasse de ser transformada em desigualdade (NASCIMENTO e NASCIMENTO, 2000, p.207, apud FIGUEIREDO, 2008, p. 26).

Em seu histórico de lutas o TEN empreendeu diversas ações visando a inserção do

povo negro na sociedade brasileira, podendo ser citadas a convenção Nacional do Negro no

ano de 1945 em São Paulo e no Rio de Janeiro em 1946, onde foram discutidas a situação

social e econômica do afro-brasileiro, o resgate da história e memória do povo negro para a

afirmação de sua identidade. Em maio de 1949 o TEN organizou no Rio de Janeiro a

Conferência Nacional do Negro cuja finalidade era “despertar a consciência para o caráter

racista das concepções sobre o negro no Brasil promovidas pelas teorizações sociológicas e

antropológicas disseminadas nos Congressos Afro-Brasileiros de 1934 em Recife e 1937 em

Salvador” (FIGUEIREDO, 2008, p. 29), além de servir como uma convocação para o I

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Congresso do Negro Brasileiro ocorrido no Rio de Janeiro de 26 de agosto a 04 de setembro,

em 1950. Conforme Figueiredo (2008), este último evento pretendia dar maior ênfase aos

problemas práticos enfrentados pela população negra no Brasil e serviu também “como uma

resposta dos militantes aos acadêmicos que até então pesquisavam o negro como objeto de

curiosidade, enfocando a necessidade de se buscar saídas para as necessidades concretas dos

afro-brasileiros” (FIGUEIREDO, 2008, p.29). Entende-se assim que a atuação do TEN se

constituiu como um marco da luta anti-racista no Brasil por ter proporcionado novos rumos

para o Movimento Social Negro.

De acordo com Ana Rita Santiago da Silva e Rosangela Souza da Silva (2005) “as

décadas de 1960, 1970 e 1980 foram marcadas pelo surgimento de diversos grupos e

associações do movimento negro” (SILVA e SILVA, 2005, p. 200), principalmente nas

décadas de 70 e 80. Em suas agendas, diversas ações políticas no âmbito da educação foram

desenvolvidas. Houve um contínuo combate às “práticas racistas e discriminatórias operadas

nos espaços escolares” (SILVA e SILVA, 2005, p. 200) e também uma ampliação de

atividades empreendidas pelos militantes do Movimento Negro como seminários, debates,

cursos, conferências, etc. Foram produzidos diversos materiais “como jornais, cartilhas,

cartazes, manifestos, livros paradidáticos e intervieram junto ao poder público no sentido de

aprovação e implementação de componentes curriculares sobre estudos africanos.” (SILVA e

SILVA, 2005, p. 200).

Na década de 90 o contexto não foi diferente. Segundo Ana Rita Silva e Rosangela

Silva (2005), as iniciativas a favor da escolarização do povo negro foram fortalecidas pelas

organizações. Além disso, houve um empenho maior no sentido de traçar políticas públicas e

ações governamentais que assegurassem a permanência do povo negro na escola e a

“divulgação de valores culturais das culturas negras através de práticas pedagógicas e de

recursos didáticos” (SILVA e SILVA, 2005, p. 200). Com a chegada do novo milênio as

lutas e reivindicações tornam-se mais acirradas e nas agendas dos movimentos estabelecem-se

mais uma pauta de ações e políticas públicas visando o acesso do povo negro ao nível

superior, alargando para as “instâncias profissionais que exigem esse nível de escolaridade”

(SILVA e SILVA, 2005, p. 200). Assim um efetivo debate é travado juntamente com outros

segmentos da sociedade brasileira, sobretudo com o governo, afim de que fossem traçadas

ações e leis para favorecer e facilitar tanto o ingresso assim como a permanência do povo

negro ao nível superior.

Antes e após a abolição foram travadas lutas na tentativa de minorar a situação do

negro no Brasil. Algumas ações foram tomadas, mas sem nenhuma garantia e eficácia de

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mudança no sentido de proporcionar a liberdade e incluir a população negra como cidadã,

com igualdade de condições sociais, em especial no que se refere à educação. Desse modo a

luta contra o preconceito de cor transformou-se nos dias atuais em luta por ações afirmativas5.

Na busca de caminhos apropriados para combater os diversos preconceitos e comportamentos

discriminatórios que prejudicam a construção de uma sociedade plural e democrática,

algumas ações através de leis já vinham ocorrendo em resposta a uma série de reivindicações

apresentadas por entidades do Movimento Negro Brasileiro como, por exemplo,

o reconhecimento da Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (1958);do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1996); do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1968); a promulgação da CF de 1988, considerando a prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível, e as manifestações culturais como um bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; e a publicação da Lei nº 7.716/89, a Lei Cão, que define os crimes resultantes de discriminação por raça ou cor (BRASIL, 2006, p. 16).

Na visão de Eliane Cavaleiro (2006), diante destas ações o Estado brasileiro sinaliza

a intenção de colaborar para acabar com o racismo e a discriminação racial. Esta intenção é

reforçada com a realização em Durban, África do Sul, no período de 31 de agosto a 7 de

setembro de 2001, da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a

Xenofobia e as Formas Correlatas de Intolerância.

As fortes campanhas empreendidas pelo Movimento Negro têm possibilitado ao

Estado brasileiro formular projetos no sentido de promover políticas e programas para a

população afro-brasileira e valorizar a história e a cultura do povo negro. Neste sentido, Sales

Augusto dos Santos (2005) relata que atendendo aos anseios da população negra refletida

através das ações do Movimento Negro o Presidente da República sanciona em 09 de janeiro

de 2003 a Lei 10.639/03, que implica na alteração da Lei maior da Educação LDB 9.394/96, a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e resolve tornar obrigatório em toda rede de

ensino do país o ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira e Africana na

Educação Básica.

Sancionada a Lei 10.639/03 a Lei 9.394/96 se modifica e passa a vigorar acrescida

dos seguintes artigos:

5São políticas implementadas em diferentes áreas sociais de caráter equânime, a curto, médio e longo prazo, para num momento futuro se alcançar um estado de menor desigualdade ou de fato de igualdade entre os diferentes grupos raciais (FIGUEIREDO, 2008, p. 40).

11

Page 12: O ensino de história da áfrica e cultura afro brasileira um estudo de caso

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e

particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1º - O Conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo

da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e

o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas

áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2º - Os Conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados

no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de

Literatura e História Brasileira.

Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como "Dia Nacional

da Consciência Negra” (BRASIL, 2005, p. 32-33).

A Lei 10.639/03 de algum modo indica certa sensibilidade às reivindicações e

pressões históricas dos movimentos negros e anti-racista brasileiros, contudo é preciso a

promoção de ações norteadoras para o ambiente escolar. Desse modo é que, resultantes da

parceria entre o Ministério da Educação e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da

Igualdade Racial, são criadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana,

pelo Parecer CNE/CP 03/2004, aprovado em 10 de março de 2004 (Diretrizes, 2005, p. 6 e 9).

Este Parecer é um documento legal criado com o intuito de regulamentar e definir as ações de

cada setor educacional no sentido de nortear as ações para a efetiva aplicabilidade da Lei

10.639/03 nas escolas. O Parecer CNE/CP 03/2004, no item educação, procura promover e

atender

a demanda da população afro-descendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura e identidade... Nesta perspectiva propõe a divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial, descendentes de africanos, povos indígenas, europeus e asiáticos, para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos igualmente tenham seus direitos garantidos e sua identidade reconhecida e valorizada (Diretrizes, 2005, P. 10).

Entretanto o próprio Parecer CNE/CP 03/2004 reconhece que o sucesso das políticas

públicas de Estado, institucionais e pedagógicas, depende de um trabalho conjunto, de

articulação entre processos educativos escolares, políticas públicas e movimentos sociais.

Para Figueiredo (2008) tais documentos

12

Page 13: O ensino de história da áfrica e cultura afro brasileira um estudo de caso

precisam ser conhecidos, discutidos e divulgados entre os sujeitos responsáveis pela elaboração e gestão das políticas educacionais, bem como aqueles responsáveis diretos pelos processos educativos como gestores/as, coordenadores/as, professores/as, alunos/as, pais e ainda a comunidade na qual a escola e demais instituições de ensino estão inseridas. (FIGUEIREDO, 2008, p. 91).

Considerando os processos educativos escolares, esta pesquisa resolveu analisar as

práticas dos professores de História da Escola Estadual Almir Passos em Conceição do Coité,

no que diz respeito ao ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira, depois de

decorridos mais de oito anos após a publicação da Lei 10.639/03.

O ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira: o caso da Escola Estadual

Almir Passos

O ensino de História no Brasil se constituiu a partir de um currículo

caracteristicamente hierárquico e excludente. O currículo é o resultado de um processo

histórico, tal como o Estado, a Nação, a religião, o futebol, entre outros. Nessa perspectiva, o

currículo é um elemento que representa relação de poder. Para Tomaz Tadeu da Silva (1995)

“o currículo é um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber e poder, representação e

domínio, discurso e regulação" (SILVA, 1995, p. 200). O currículo é ainda lugar onde se

condensam relações de poder que são decisivas “para o processo de formação de

subjetividades sociais, ou seja, currículo, poder e identidades sociais estão mutuamente

implicados” ( SILVA, 1995, p. 201), de modo que as relações sociais se corporificam também

através dele. Pode-se refletir que através do texto curricular,

dos conteúdos escolares, datas comemorativas, livros didáticos, formação inicial e continuada de professores - dentre outros elementos que o compõe no contexto escolar - ações, comportamentos e relações sociais são estabelecidas entre os sujeitos sociais através das representações sociais. Sendo assim, a partir dessa premissa, a representação de algo ou alguém imbuída de estereótipos negativos como recalque e inferiorização em relação a determinado grupo social pode colaborar para a construção de identidades subalternizadas nos sujeitos desse grupo. Com isso é importante afirmar também que as representações sociais tomam forma de diferentes maneiras no currículo (FIGUEIREDO, 2008, p. 74).

Baseando-se na reflexão de Figueiredo, faz-se oportuno expor a visão de Tomaz

Tadeu da Silva (2007) que, ao tratar as teorias críticas do currículo, coloca que “são teorias de

13

Page 14: O ensino de história da áfrica e cultura afro brasileira um estudo de caso

desconfiança, questionamentos e transformação radical. Para as teorias críticas o importante

não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos

permitam compreender o que o currículo faz” (SILVA, 2007, p. 30).

Corroborando com a reflexão feita por Romilson da Silva Souza (2011) ao tratar

sobre o papel da produção e reprodução das representações para a reeducação das relações

étnico-raciais, pode-se afirmar que, desde o período da expansão e colonização européia,

foram desenvolvidos discursos e representações sobre os não-europeus; falas essas que eram

construídas e constantemente atualizadas por aqueles cujo intuito era o de dominar e subjugar

outros povos. Tais discursos, que utilizavam – e ainda utilizam – as diferenças étnicas como

instrumento de inferiorização, acabaram por fincar as bases para o racismo até hoje incrustado

nas relações sociais. Romilson Souza (2011), afirma que “a eficácia desses discursos e das

representações reside no fato de que, pela repetição e incontestabilidade, eles acabam por

serem introjetados por todos” (SOUZA, 2011, p. 261). Em relação aos conhecimentos

organizados nos currículos das instituições escolares, tradicionalmente foram priorizados

aqueles conhecimentos referentes à cultura dominante, o que contribuiu para reforçar “a

construção de identidades sociais hegemônicas. Elementos culturais e formas de

conhecimentos dos grupos sociais historicamente discriminados não se faziam presentes nos

currículos escolares” (FIGUEIREDO, 2008, p. 74).

Para Romilson da Silva Souza (2011) a historiografia, através da história oficial,

conduziu discursos e pensamentos e colocou em cena atores eleitos, para que, de maneira

intencional, ocorressem hierarquias e subalternizações dentro do processo civilizatório. Por

conta disso, a figura da/do negra/o, sua cultura, suas contribuições sócio-econômicas e seus

descendentes, ao longo do processo educacional brasileiro, foram representados através de

conotações e estereótipos, sem que tenha sido trabalhada e analisada sua efetiva importância

na construção histórica do país. Sendo assim se faz necessário

construir e divulgar concepções e pressupostos capazes de reorientar a nossa compreensão do nosso próprio passado – e, se preciso, mudá-lo na forma como ele se nos mostra -, à luz consciente de um projeto político e civilizacional contemporâneo, ao mesmo tempo emancipador e anti-racista (MATTOS, 2003, p. 231).

Com o objetivo de analisar a prática do ensino da História da África e Cultura Afro-

Brasileira na Escola Estadual Almir Passos em Conceição do Coité, em 2011 foram realizadas

entrevistas com as/os professoras/es que lecionam a disciplina História .

14

Page 15: O ensino de história da áfrica e cultura afro brasileira um estudo de caso

As/os docentes entrevistadas/os afirmaram ter conhecimento da existência da Lei

10.639/03, entretanto afirmaram desconhecer o conteúdo das Diretrizes Curriculares

constantes do Parecer CNE/CP 03/2004. Analisando o conteúdo da fala das/os professoras/es

pudemos perceber que elas/es reconhecem a necessidade e a importância do ensino da

História da África e Cultura Afro-Brasileira em sala de aula, ou seja, são conscientes de que a

história do povo africano e sua cultura precisa ser revista e recontada, a fim de dar vez e voz

àqueles que foram colocados à margem da história do Brasil. Conforme suas falas:

Eu acho que deve discutir a História da África e Cultura Afro-Brasileira para que os alunos e a gente também possam identificar as nossas origens... e conhecer sobre a cultura que temos hoje no Brasil que é descendente de africanos... (professor A).

... retomar a História da África... para que essa questão (escravidão) não mais aconteça ... a questão de um, ser superior ao outro tem que acabar, não pode haver essa discriminação social. Tem que retomar para a gente mostrar que isso não é verdade, foi colocado em nossa cabeça, mas isso tem que terminar, as concepções tem que mudar... (professor B).

Acho importante discutir principalmente porque até bem pouco tempo atrás a gente era fruto de uma História oficial. Se a gente for pegar somente as três etnias que geraram os brasileiros, duas etnias ficaram fora do processo de formação, acho que trabalhar a idéia da África, trabalhar a idéia das comunidades indígenas e do processo de mistura que teve isso aí é importante porque vai resgatar dois laços que se perderam no processo histórico oficial... (professor C).

... hoje nas escolas públicas no ensino de disciplinas voltadas para a questão afro-brasileira é importante porque tem muitas injustiças que foram cometidas que tem que ser revistas.. é interessante porque pode tornar visível o que antes era escondido pela visão do dominador (professor D).

Reconhecendo a necessidade de se lançar um novo olhar para a história do povo

africano no Brasil essas/es professoras/es de História chamam para si a responsabilidade para

uma prática em sala de aula, visando reescrever, recontar, desconstruir, o discurso

preconceituoso e discriminatório instituído no decorrer do processo histórico por um currículo

que sempre privilegiou a história do branco europeu em detrimento da história de um povo

que quando aparece nos materiais didáticos em geral é para ilustrar o período escravista do

Brasil Colônia, para ilustrar situações de subserviência ou de desprestigio social. Wilson

Roberto de Mattos (2003) coloca que para recontar a História do povo africano se faz

recorrente

a construção e a reconstrução de valores que contribuam para o aperfeiçoamento da civilização, não só através dos processos de elaboração de políticas educacionais e currículos escolares, mas, sobretudo, através de uma nova cultura política que interiorize nossa memória própria e a nossa história afro-descendente como instituidoras de novas formas de se organizar as relações humano-sociais, nas diferenças e semelhanças (MATTOS, 2003, p. 233).

15

Page 16: O ensino de história da áfrica e cultura afro brasileira um estudo de caso

Parte dessas/es professoras/es acredita que as suas práticas em sala de aula

colaboram para um ensino significativo da História da África e Cultura Afro-Brasileira.

Entretanto pudemos perceber a partir das suas falas que as suas práticas, caminham em outro

sentido. Ao relatarem as suas experiências relacionadas ao tema fazem referências a

momentos pontuais como a época do folclore, semana da cultura, como pode ser notada em

suas falas:

Assim tem o projeto como eu falei o folclore, o projeto junino, o projeto Eu Sou Um Talento da Escola Almir Passos, então a todo momento tem um projeto na escola relacionado a isso aí (a história do povo africano) (professor A).

...na realidade a gente fez alguns trabalhos relacionados às culturas brasileiras, mas envolvendo as várias culturas não só a afro, foram as várias culturas que existem no Brasil, teve os projetos na semana da cultura, na semana do folclore aí se apresentou as várias danças relacionadas com a África e de vários outros países também (professor A). No folclore... todas as origens, as várias culturas, trabalha mais no folclore....Levamos os trabalhos que já fizemos na escola e lá numa escola local eles apresentaram os trabalhos deles e aí nós conversamos, o que eles acham será que no passado aqui foi um quilombo, porque é que a comunidade tem uma cor diferenciada das outras e eles não sabem falar. Os alunos apresentaram algumas danças, a capoeira, levou o berimbau, o tambor...(professor B).

Algumas/uns docentes compreendem o ensino de História da África e Cultura Afro-

Brasileira como algo dicotômico, ou seja, entendem o ensino sobre essa temática como um

conteúdo a ser trabalhado separado dos demais conteúdos que compõem o currículo de

História. Estas/es docentes afirmaram deixar de desenvolver em sala de aula alguma

experiência que contemple o tema por ele não se encontrar especificamente entre os

conteúdos programados para o ano letivo e por haver a necessidade de se atender às

exigências do currículo escolar. Uma/um delas/deles afirmou que às vezes o faz

esporadicamente quando o conteúdo programado viabiliza. Essas/es educadoras/es

demonstraram uma preocupação maior com o cumprimento do currículo escolar da disciplina

História, como se a História da África e Cultura Afro-Brasileira não fizesse parte dos

conteúdos obrigatórios. De acordo com elas/eles:

A gente trabalha a depender do assunto... esporadicamente e quando a temática favorece (professor C).

5ª série não tem, só se tivesse um projeto específico, pelo conteúdo não tem como trabalhar não (professor D).

Baseando-se nos relatos das/os professoras/es percebe-se que a idéia de cultura, em

especial a africana, presente em suas práticas, quando trabalhada é ainda a partir de uma visão

cultural pautada na folclorização, ou seja, vista de uma forma espetacular, desprovida de

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Page 17: O ensino de história da áfrica e cultura afro brasileira um estudo de caso

significado e conteúdo. Como relata Marluce de Lima Macedo, “o termo “folclore”, na prática

pedagógica escolar, tomou uma dimensão exótica e festiva”. A prática em sala de aula ainda

não apresenta os hábitos e costumes africanos como pertencentes a um povo com suas

histórias, seus costumes e suas tradições representativas para a formação cultural, social,

política e econômica do país.

A história e as estratégias que representaram e ainda representam para as/os

negras/os no Brasil, elementos de resistência que compõem a cultura africana não foram

destacadas. A história dos quilombos ressignificada, para a mudança do discurso de que os

mesmos representam apenas habitação de negros fugidos, e a criação de um novo conceito

definindo quilombo como um espaço social de organização e resistência também não aparece.

Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes (2006), tratando sobre as estratégias de resistência

do povo negro no Brasil, colocam que os africanos e seus descendentes se utilizaram de

diversos meios para resistir à escravidão, inclusive culturalmente (religião, música, dança,

culinária, escultura, gestos, estilos de vida, etc.) com a finalidade de defender sua identidade,

sua dignidade e liberdade ao ponto de modelar a cultura e a identidade plural brasileira.

É inegável a presença da herança cultural africana como a dança, a música, a

culinária, mas é inegável também a sua contribuição social e econômica para formação da

identidade nacional. De acordo com Otto Figueiredo (2008),

historicamente, as identidades e formas culturais dos grupos subordinados foram representadas de maneira caricata, folclórica e exótica. Uma análise crítica desse texto curricular visa questionar essas construções e perceber como desconstruir essas narrativas raciais estereotipadas (FIGUEIREDO, 2008, p. 75).

As/os professoras/es ao relatarem suas práticas para com a cultura africana

demonstram o quanto ainda estão presas/os a uma prática do ensino da História da África e

Cultura Afro-Brasileira estereotipada, evidenciando a permanência de uma prática de ensino

focada em uma visão eurocêntrica, que ao invés de colaborar para uma educação que valorize

a diversidade cultural, que desconstrói o discurso até então instituído, acaba contribuindo para

reforçar as ideologias negativas de inferiorização da cultura negra. As práticas em sala de aula

não colaboram para um ensino significativo voltado para a reeducação das relações étnico-

raciais que produza um sentido e aproximação com a realidade do aluno dentro e fora da

escola.

Desse modo, foi possível notar que as práticas dessas/es docentes evidenciam a falta

de formação adequada para o desenvolvimento de atividades pedagógicas apropriadas para

17

Page 18: O ensino de história da áfrica e cultura afro brasileira um estudo de caso

promover discussões e reflexões sobre conteúdos relativos à diversidade cultural no Brasil.

Vale lembrar que as/os docentes, sujeitos da pesquisa, não possuem formação em

Licenciatura em História. Desta maneira, pudemos perceber que a falta de formação

profissional adequada ao trabalho com a temática envolvendo o ensino de História da África e

Cultura Afro-Brasileira pode contribuir para reforçar os estereótipos, mitos, e a visão negativa

introjetada no discurso histórico sobre a África e os africanos e sua cultura.

Pode-se afirmar que entre outras exigências a Lei 10.639/03 prevê a revisão dos

currículos a fim de adequá-los à Lei; a qualificação dos professores e o seu constante

aperfeiçoamento pedagógico. De acordo com Sales Augusto dos Santos (2005), ao que tudo

indica, “a lei considerou que era necessário não somente introduzir o ensino sobre História e

Cultura Afro-Brasileira nos ensino fundamental e médio, como também qualificar os

professores para ministrarem esse ensino” (BRASIL, 2005, p. 33). A formação inicial e

continuada dos profissionais da educação são propostas constantes nos documentos legais. O

Parecer CNE/CP 03/2004 prevê

A necessidade de se insistir e investir para que os professores, além da sólida formação na área específica de atuação, recebam formação que os capacite não só a compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnico-raciais, mas a lidar positivamente com elas e, sobretudo criar estratégias pedagógicas que possam auxiliar a reeducá-las (Diretrizes, 2005, p. 17).

Entretanto o que se nota é que decorridos mais de oito anos da publicação da Lei

10.639/03, ainda são encontrados profissionais da educação e em particular professoras/es de

História sem a formação adequada para trabalhar as questões relativas ao ensino da História

da África e Cultura Afro-Brasileira. Esta falta de formação docente acaba gerando

posicionamentos que vão de encontro às propostas apresentadas tanto pela Lei quanto pelas

Diretrizes Curriculares voltadas para o tema. Otto Figueiredo (2008), em sua dissertação

tratando sobre a implantação da Lei 10.639/03 na cidade de Salvador, reflete sobre a

importância de se pensar a formação dos profissionais da educação, já que em muitos casos

estas/es profissionais passam por uma formação que acaba favorecendo e reforçando as

diferenças sociais construídas historicamente e também “não consideram a diversidade

cultural como possibilidade de uma outra perspectiva para a construção do

conhecimento”(FIGUEIREDO, 2008, p.154). O autor acrescenta ainda que, no tocante à

formação continuada com foco nos professores, é preciso avançar tanto do ponto de vista

qualitativo quanto do ponto de vista teórico, ou seja, é preciso

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Page 19: O ensino de história da áfrica e cultura afro brasileira um estudo de caso

possibilitar a esses profissionais condições reais favoráveis de refletirem sobre sua própria prática pedagógica. È preciso conceber esse profissional enquanto um pesquisador, investigador e potencializador de mudanças significativas. Acrescenta ainda que a lacuna na formação dos professores demonstra uma falha na formação inicial desses profissionais. A universidade e os cursos de formação de professores não têm dado conta de formar profissionais da educação habilitados a lidar com a diversidade cultural e étnica da sociedade brasileira e com as situações de discriminação racial no ambiente escolar. É urgente que os currículos desses cursos de formação sejam revistos e contemplem essas questões tão caras aos afro-descendentes, tendo como meta a educação das relações raciais e a construção de uma sociedade sem iniqüidades (FIGUEIREDO, 2008, p. 154).

Após as análises das entrevistas realizadas com as/os professoras/es de História da

Escola Estadual Almir Passos, no que se refere às suas práticas para com o ensino da História

da África e Cultura Afro-Brasileira pode-se entender que deve ser repensada a questão da

formação inicial e continuada destas/es professoras/es, com a finalidade de se efetivar ações

pedagógicas que venham ao encontro dos anseios e das lutas travadas pelo Movimento Negro,

reconhecidas pela Lei 10.639/03 e normatizadas pelo Parecer 03/2004.

Considerações finais

O currículo da disciplina História, desde sua obrigatoriedade no Brasil, se constituiu

a partir de um modelo europeu. A história veiculada sempre foi a história branca dominante.

Foi atribuído assim um caráter excludente ao currículo desta disciplina que excluiu a história

e as contribuições de grupos que participaram ativamente da construção do processo histórico

para a formação da sociedade brasileira.

Entretanto este currículo excludente, embora de maneira lenta, passou por

transformações devido às ações de lutas do Movimento Negro, que sempre incluiu em suas

reivindicações a inserção do povo negro e sua história no sistema educacional brasileiro.

Desta forma, foi possível fazer chegar à escola a versão de grupos que ficaram à margem da

história escrita sob a ótica eurocêntrica. Este quadro começou a mudar mais especificamente

com o fim da ditadura militar; momento em que emergem novas propostas curriculares em

todo o país, por volta da década de 80.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais na década de 90 já trazem orientações para a

promoção da igualdade através dos temas transversais de pluralidade cultural. No entanto, um

importante e significativo avanço para a inclusão da História da África e Cultura Afro-

Brasileira entre os conteúdos escolares foi dado através da Lei 10.639/03, publicada em 09 de

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Page 20: O ensino de história da áfrica e cultura afro brasileira um estudo de caso

janeiro de 2003, e o Parecer CNE/CP 03/2004 de 10 de março de 2004, que reconhecem a

existência do afro-brasileiro, dos seus ancestrais africanos e sua trajetória como sujeitos

construtores da história da sociedade brasileira.

Com o objetivo de analisar a prática do ensino de História da África e Cultura Afro-

Brasileira na Escola Estadual Almir Passos em Conceição do Coité, pudemos perceber uma

prática que ainda não atende às determinações legais constantes do Parecer CNE CP 03/2004.

Analisando as entrevistas no que se refere às práticas pedagógicas em sala de aula das/os

professoras/es de História sujeitos da pesquisa foi possível alcançar algumas reflexões. As/os

entrevistadas/os afirmaram ter conhecimento da existência da Lei 10.639/03, entretanto

desconhecem as Diretrizes Curriculares.

Algumas/uns docentes acreditam que atendem às expectativas do que normatiza a

Lei 10.639/03, porém ao narrar suas experiências demonstram o quanto suas práticas ainda

tratam a história da África e dos afro-brasileiros de maneira folclorizada. Outra parte delas/es

reconhecem que sua atuação em sala de aula ainda não atende às expectativas legais, pois

ainda se encontram vinculados a uma programação curricular nos moldes europeus. Para

elas/eles ainda não é possível trabalhar em sala de aula os conteúdos da temática afro-

brasileira de acordo com o que determina a Lei, porque é preciso dar conta do currículo anual

de conteúdos.

As/os professoras/es entrevistadas/os ao se referirem às suas práticas para com a

História da África e Cultura Afro-Brasileira, pontuaram momentos como o folclore, festa

junina, semana da cultura e o 20 de novembro dia da consciência negra. A história dos

quilombos ressignificada e os elementos da cultura africana como estratégias de resistência

não aparece. Em suas práticas a história da África e do povo afro-brasileiro continua invisível

historicamente. Evidenciando assim a necessidade de formação adequada para o

desenvolvimento de uma prática pedagógica voltada à uma educação que contemple a

diversidade cultural e valorize as relações étnico-raciais na escola e fora dela, desvinculada do

discurso oficial.

Percebe-se que não basta apenas o conhecimento da existência da Lei 10.639/03 e

nem o reconhecimento da necessidade do ensino da História da África e Cultura Afro-

Brasileira para que a prática em sala de aula das/os professoras/es de História que contemple a

história do povo africano e sua cultura se torne uma realidade na Escola Estadual Almir

Passos. Os resultados da pesquisa apontam para a necessidade da formação dessas/es docentes

para que as suas práticas pedagógicas atendam ao que determina os documentos legais. Ou

melhor, uma formação que possibilite o exercício de uma prática pedagógica para com o

20

Page 21: O ensino de história da áfrica e cultura afro brasileira um estudo de caso

ensino da História da África e Cultura Afro-Brasileira, permeada pela reflexão, para que o

aluno seja agente transformador do seu meio e saiba posicionar-se criticamente nas diferentes

situações sociais que se apresentam no dia a dia.

Dessa forma o resultado dessa pesquisa pode contribuir para a reflexão das/os

professoras/es de História de que o ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira

ainda não é uma realidade na Escola Estadual Almir Passos em Conceição do Coité.

O espaço escolar é composto por um universo variado de sujeitos, tanto no que se

refere a/o educadora/or, quanto a/ao educanda/o. Porém, este estudo se limitou a analisar as

práticas pedagógicas das/os professoras/es de História da Escola Estadual Almir Passos no

que se refere ao ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira. A partir desse estudo

abre-se a possibilidade de outras pesquisas a fim de ser aprofundada esta reflexão, utilizando

outros instrumentos metodológicos como, por exemplo, uma pesquisa etnográfica.

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