o embate entre kelsen e schmitt - sobre quem deve ser o guardião da constituição

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  • 7/23/2019 O Embate Entre Kelsen e Schmitt - sobre quem deve ser o Guardio da Constituio

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    Braslia a. 41 n . 164 out ./dez. 2004 87

    Alexand re Gustavo Melo Franco Bahia

    1. IntroduoEste ensaio buscar cuidar do embate

    entre d ois dos mais notveis juristas do s-culo XX, Hans Kelsen e Car l Schmitt, acercada questo sobre quem deveria ser o Guar-dio da Constituio. Pretendemos mos-trar mais de cerca os fun damentos d o siste-ma d e controle concentrado, tal como forampensados no Estado Social (para depoisrev-los desde o atual parad igma do Estado

    Democrtico d e Direito). Ademais, a d iscus-so mostra r, de forma geral, os princpiosdo prp rio controle judicial de constitucio-nalidade. Isso porque com Kelsen que ocontrole de constitucionalidade passa a sertido como um captulo do Direito. O que ha-via antes, principalmente nos EUA, eram pr-ticas jurisprudenciais que, como bem diziaLcio Bittencourt, declaravam o p rincpio danu lidad e absoluta d e um a lei declarada in-

    constitucional sem mostrar-lhes os fun da -mentos (BITTENCOURT, 1997, p. 140-141).

    Kelsen leva a srio o tema d o controle deconstitucionalidade, buscando d ar-lhe con-

    Controle concentrado de constitucionalidad e

    O Guard io da Constitu io no embate entre Hans

    Kelsen e Carl Schmitt

    Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia Advogado, Mestre e Doutorando em DireitoConstitucional pela UFMG.

    Sumrio1. Introduo. 2. Estado, Constituio e nor-

    mas constitu cionais. 2.1. A Grundnorm de Kel-sen. 2.2. Constitu io e leis constitu ciona is emSchm itt. 3. Justia constitucional. 3.1. O contro-le de constitucionalidad e e o Tribunal Consti-tucional Kelseniano. 3.2. A crtica de Schmittao Tribunal Constitucional. 4. Quem deve sero guard io da Constituio?

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    tornos cientficos; no s do controle con-centrado que ele cria, mas tambm do con-trole americano, que ele busca estudar, atmesm o para ao final tecer-lhe crticas. O con-

    fronto entre Kelsen e Schmitt representa alm de u ma belssima d emonstrao de tc-nica e retrica a afirmao d a teoria kelse-niana sobre o controle jud icial de constitu-cionalidade.

    O resultado d essa oposio um a teoriamais depu rada por p arte de Kelsen, ofere-cendo a todos um trabalho final mu ito me-lhor. Para ns, o trabalho de Kelsen umreferencial no s pela grandeza de suas

    teses, mas tambm porqu e foi justamente eleo criador do controle concentrado que vie-mos a copiarem m eados do sculo passadoe que hoje tem enorme importncia no quese refere jurisdio constitucional noBrasil. No possvel estudar os efeitos dadeclarao d e inconstitucionalidad e (ou deconstitucionalidade) nas vrias aes hojeexistentes em nosso intricado sistema d e con-trole concentrado de constitucionalidade sem

    estudar os fundamentos dados pelo juristaviens; importante, outrossim, para vermoso quanto seus ensinamentos pod em ser ade-quad os nossa realidade constitucional.

    Para tan to, seguirem os as d iscusses tra-vad as entre os d ois jur istas acerca de qu emdeveria ser o Guard io da Constituio ecomo essa discusso contribuiu par a a Teo-ria d a Jurisdio Constitucional (OLIVEIRA,2000, p. 119 et seq.).

    Os textos que u tilizaremos para expor otema sero basicamente, de Car l Schmitt,DerHter der Verfassung(A defesa da constituio),pu blicado n o p rincpio d e 1931, e a respos-ta d e Kelsen, Were soll der Hterder V erfas-sung sein? Quem deve ser o Guardio da Cons-tituio?, pu blicado pou co dep ois.

    Mesmo antes d a p ublicao de Schm itt,Kelsen j sofria ferrenha op osio d e algunsjur istas, qu e acu savam su a teor ia de extre-

    madamente formalista, una lgica vacia,incapaz d e dar cuenta d e los fenmenos re-ales, de la vida d el derecho, una teora sinsustancia (HERRERA, 1994, p . 198).

    Quanto a Schmitt1, seu antagonismo aKelsen j pode ser visto desde a primeiradcad a do sculo, mas, a par tir da pu blica-o deA defesa da Constitu io, tornou-se uma

    confrontao d ireta.Vale a pena lembrar que a p oca em qu eos dois juristas pu blicaram os textos acimafoi marcada pela instabilidad e. Em 1929, agrand e crise econmica mu nd ial afetou sen-sivelmente a Repblica de Weimar. Haviatambm internam ente uma crise de susten-tao poltica do govern o. A partir do finalde 1930, o chanceler Br ning comea a go-vernar p or regulamentos (editados pelo pre-

    siden te), que se apoiavam na segund a partedofamoso artigo 48 da Con stituio de Wei-mar:

    Art. 48. (...) No caso d e a ord em ea segurana pblica d o Reich seremperturbadas ou ameaadas, o Presi-dente do Reich pode tomar as medi-das necessrias pa ra seu r estabeleci-men to, se for necessrio, com o au x-lio d as foras arm ada s.

    O p rp rio Schm itt (1983, p . 25), a desp ei-to de apoiar p ublicamente a deciso de Br-ning, reconhece a crise vivida pela Alema-nha, chegan do a escrever no p refcio de seulivro que a anlise acerca do guardio daConstitu io era um traba lho difcil e peri-goso; na ustria, a situao no era muitodiferente, conforme veremos infra.

    Alm disso, ambas teorias se deparamcom o p roblema da un idade do Estado, ame-

    aada p ela emergncia p oltica d o p roleta-riado, principalmente ap s a 1 a Guerra. Pro-curam elas, de alguma forma, mostrar comoseria possvel a integrao dessas massasem um Estado cujas lutas prefaciavam aaniquilao e/ ou a ameaa bolchevique.

    A prop osta da Constituio de Weimarapontava n a d ireo d e um a d emocraciaorgnica em um Estado Social e inclusivo,inaugurando um a nova fase dentro do cons-

    titucionalismo; mas, como d issemos, justa-mente essa ordem estava a ruir. O EstadoPlural vai ser grand emente combatido p orSchmitt, que v na hom ogeneidad e o princ-

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    pio d a d emocracia. Kelsen, ao revs, apia oaum ento de agentes na p oltica e ataca, di-zendo que, na verd ade, as elites estavam atemer uma emergncia do proletariado.

    esse o pano d e fun do qu e dar a tnica dasdiscusses que se seguem.Apenas p ara pod ermos situar a concep-

    o de cada um sobre a defesa da Constitui-o, vamos, ainda que sucintamente, exporalgumas de suas idias centrais sobre um aconcepo de Estado, de democracia e deConstituio.

    Antes, porm, queremos d eixar aqui umaobservao a respeito d os textos de Kelsen

    que pesquisamos no sentido de concordarcom H errera (1994, p. 215), quand o afirmaque ocasies como essa servem para des-mistificar o autor de Teoria pura do direitocomo um terico despreocupado dos pro-blemas concretos; mu ito ao contrrio, comose ver, o que p ercebemos foi um pu blicistaferrenhamente d efensor da dem ocracia e d aformao plural e d emocrtica d as leis noParlamento.

    2. Estado, Constituio e normas

    inconstitucionais

    2.1. A Grundnorm de Kelsen

    Kelsen acredita no Parlam ento como ins-tituio nu clear da d emocracia representa-tiva. Como bem analisou Fioravanti (1999,p. 156), na p erspectiva d e Kelsen, a Consti-

    tuio democrtica no possui d onos, no filha de um sujeito ou de um pod er, mas deun proceso que prod uce constitucin en lamed ida en que es capaz d e mediar, de com-poner, de rep resentar en su interior la plu-ralidad de las fuerzas y de los concretos in-tereses existentes. Os grup os rep resenta-dos no Parlamento, em suas d iscusses, pro-curariam no verdad es absolutas (como acu-sav a Schmitt, infracitado), mas verdades re-

    lativas, que gerariam compromisso, essnciada democracia e que consiste em posponerlo que separa a los associados en favor de loqu e los une (KELSEN, 1992, p. 453)2.

    Contribuiriam para esse mecanismo asoscilaes de maiorias, o que p ossibilitariasempre a reviso dos comp romissos de acor-do com a rep resentao mais atual. Apesar

    da possibilidade de se constiturem n ovoscompromissos, isso no pod eria significarmu danas to drsticas justam ente porqu e,ao final, o Parlamento teria de ser fiel Consti-tuio, j que lhe tributrio quanto sua ori-

    gem e atribuies3. Por essa razo, p ara Kelsen(1998, p. 129), no faz sentido opor a JustiaConstitucional frente a uma pretensa so-berania d o Parlamento (que, alis, no exis-te para ele). que

    no se pu ede d ejar d e reconocer qu ela Constitucin regula, en definitiva,el procedimiento legislativo d e la mis-ma forma que las leyes regulan el pro-cedimiento d e los tribun ales y d e lasautoridades administrativas, que lalegis lacin est subordinada a laConstitucin exactamente igual qu e lajust icia y la administracin lo estn ala legislacin.

    Assim, a grande importncia d ada porele ao Parlamento no configura u ma so-berania do Parlamento e nem qualquerdefesa de u ma d itadu ra da m aioria, an-tes pelo contrrio, apesar d o ap oio s deci-ses colegiadas no Parlamento, Kelsen co-loca as leis da d ecorrentes dentro d e um a(rgida) estrutura escalonada, em que estasesto abaixo e, logo, sob a depen dncia da Constituio4, e, como veremosinfra, uma

    das funes da Justia Constitucional jus-tamen te a defesa das m inorias.A Constituio da u stria a ser aqu i con-

    siderada a ap rovad a em 1920 at as refor-ma s d e 1930. As emend as ap s 1930 nosero por ele consideradas p ara tratar d otema da jur isd io constitucional, porque,nas p alavras d o p rprio Kelsen ([19--?], p.81), tais emendas fueron decretadas bajoun rgimen semifacista y tenan la tenden-

    cia d e restringir el contro l democrtico de laconstitucionalidad de las leys. sobre aquele perodo anterior que

    Kelsen traa uma p roposta de p roteo de

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    tipo jud icial e concentrad a Constituio,o que representou no s uma novidade, masum a revoluo conceptu al, que v iria a p ro-pagar-se pelas mais diversas regies do glo-

    bo, conforme vimos na p rimeira parte destetrabalho. Nesse status constituciona l, foramdad as garantias Constituio contra leis eregulamentos. Sobre os regu lamentos, valea pena esclarecer que estes no so apenasaqueles editados pelo governo para d aremeficcia s leis (os nosso conhecidos d ecre-tos), mas aos dout ro tipo, isto , aos regu la-mentos editados diretamente debaixo daConstituio.

    Kelsen ([19--?], p. 82) tem uma especialpreocupao com essa espcie normativa preocup ao essa que no se mostraria in-fundada dados os acontecimentos futuros.Segundo o mestre viens, o controle sobreos regulamentos era at mais importante d oque o sobre as leis, j qu e el peligro de quelos rganos ad ministrativos excedam los l-mites de su poder d e crear normas jurd icasgenerales es mu cho mayor qu e el peligro de

    un a ley inconstitucional. A observao,inclusive, particularmente interessante evale para nosso atual mom ento institucio-nal; referimo-nos s med idas provisrias quetm se proliferado e que certamente amea-am a ordem constitucional tanto ou maisqu e as leis.

    Conclui Kelsen ([19--?], p. 84),la utilizacin abusiva d el artculo 48de la Constitucin de Weimar, que

    autorizaba al Gobierno a promulgar re-glamentos, fue el camino a travs del cual

    el caracter democratico de la Republica fue

    destrudo en A lemania, y prepar el as-

    censo del nacional-socialismo al poder[grifos nossos] (Cf. KELSEN, 1998, p.133-134).

    Mais frente, mostraremos o qu anto ele es-tava preocupado com os regulamentos notocante ind ependncia do Tribunal Cons-

    titucional em relao Administrao e forma d e escolha d os juzes.Qu al a concepo d e Kelsen sobre a

    Constitu io? A Grundnorm a Norma

    Fundamental. Trata-se de uma norma quese constitui no fund amento d o Estado (quena verd ade com ele se confunde) e que regu-la a produo de todas as outras normas,

    por isso, deve ser rgida e assegurada a mai-or estabilidad e possvel. A unidad e do or-denamento jurd ico d -se enquanto as leisordinrias so prod uzidas em conexo dedepend ncia em relao Constituio.

    Fala-se ento de Constituio em senti-do material normas que regulam a p rodu-o das d emais normas e Constituio emsentidoformal um documento que contmnorm as referentes a assuntos p oliticamente

    relevantes. Sinteticamente, pod e-se entend erConstitu io comoun principio en el que se expresa ju-rdicamente el equilibrio de las fuer-zas polticas en el momento que setoma en consideracin (...) [ tambm,como norma su perior,] la norm a queregula la elaboracin de las leys, delas normas generales en ejecucin delas cuales se ejerce la actividad de los

    rgan os estatales, de los tribun ales yde las autoridad es adm inistrativas(KELSEN, 1998, p. 115; Cf. FIORA-VAN TI, 1999, p. 155).

    A nova fase do constitucionalismo, o Soci-al, inaugu rado formalmente com a Consti-tuio de Weimar, no passa desap ercebi-da por Kelsen. Observa ele que, nas Cons-tituies mod ernas, ampliado o conte-do de n ormas naquele segund o sentido, pois

    contm u m catlogo de d ireitos fun dam en-tais dos indivduos ou liberdades indivi-duais.

    A conseqncia que agora um a lei podeser inconstitucional por contrariar o p roce-d imento d e sua elaborao (inconstitucio-nalidade formal) ou p or seu conted o con-trariar os princpios da m esma (inconstitu-cionalidad e material). Com a ajud a d a pir-mide hierrquica do ordenamento, Kelsen

    (1998, p. 110) mostra que, no transcurso d es-de a Constituio at a sentena (e regula-men tos), el Derecho regula su p ropria cre-acin y el Estado se crea y se recrea sin tre-

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    gua con el Derecho 5 (Cf. KELSEN, 1998, p.111-112).

    A regularidadeda lei e norm as inferiores(ou, o que d no mesmo, a garantia da Cons-

    tituio) se afere pela relao d e correspon-dncia de um grau inferior com u m superi-or. Dessa forma, no s as normas indivi-du ais (sentena e atos adm inistrativos) po-dem ser conferidas com relao lei, mastambm esta pode ser avaliada frente Constituio. Essa regu laridad e ap enaspod e ser aferida por u m Tribunal Constitu-cional, conforme falaremos mais ad iante.

    2.2. Constituio e leis

    constitucionais em Schmitt

    A respeito do Parlamento e da Democra-cia, era op inio d e Schmitt (1983) qu e a cren-a de qu e a d emocracia exercida no Parla-mento por meio do livre jogo de opiniesno era m ais do qu e um a m etafsica libe-ral. Democracia para Schm itt vista comohomogeneidad e e, por isso, no estaria ame-aada pelo fascismo ou pelo comunismo,

    mas p ela d emocracia de m assas.Schmitt d iferencia Constituio (um todoun itrio ou deciso p oltica sobre a existn-cia d e um Estado) e leis constituciona is (re-alizao norm ativa). Constituio a deci-so conjun ta de u m p ovo sobre sua existn-cia poltica (SCHMITT, 1983, p. 130). A Cons-tituio seria democrtica qu and o

    ha sido querida por el pu eblo sobe-rano, que en ella aparece como uni-

    dad poltica capaz de decidir sobre supropr io futu ro, [logo, o grand e inimi-go da Constituio se mostra] en elgran proceso histrico, evidente a lolargo d el siglo XX, de a rticulacin d ela socieadad civil y poltica en senti-do p luralista, que en esta lnea se vecomo algo que continuamente corroe ypone en d iscusin la un idad d el pu e-blo soberano rep resentada en la cons-

    titucin (FIORAVANTI, 1999, p. 159).Para o au tor alemo, a Constituio deWeimar era liberal, portanto desconfor-me realidade (devedora de uma tradio

    j su perada), mas essa no uma crt ica qu eapenas ope o emprico e o ideal; trata-se decondenar todo o modelo e sua base legiti-man te. O p roblema qu e a Constituio de

    Weimar surgira na poca em que o Reichestava limitado pelo Tratado d e Versalhes.Desde a reconstru o histrica feita por

    ele, a Constituio de Weimar era, quan to sua ideologia, um a Constituio pstuma,porque buscaria realizar as j fracassadasidias liberais-burguesas do sculo XIX, man-tendo suas instituies e regulamentos.

    No sculo XIX, imperava o dualismoEstado (burocrtico, monrquico, que sus-

    cita desconfiana) vs. Sociedade (represen-tada no Parlamento), e a Constituio eraum contrato entre esses. Apenas em tal qua-dro, em que a Constituio vista como u mcontrato entre Monarca e Povo (representa-do no Parlamento), em qu e o segundo pre-cisava a tod o mom ento opor a Constituiofrente insubordinao do primeiro, que oParlamento pod e ser visto como o p rotetor daConstituio, de forma similar a uma parte

    contratante quando vela pelo pactuad o6

    .Com o tempo, porm, o Parlamento co-mea a se sobrepor e passa a ser o centrodas atividad es estatais; o Estado Legislati-vo vai se ap erfeioand o e d esaparece aque-la dualidade, pois o Estado passa a ser aauto-organizao d a sociedad e, interven-cionista, assistencialista. Aqu eles que semostravam d escontentes com as mud anastrataram logo d e atacar esse Estado Total,

    principalmente seu rgo mais saliente, oParlamento: logo surgem reclamaes degaran tias contra o legislador aqu i estariao germe d as aspiraes a um controle dasleis7. Vale a pen a ressaltar que Schmitt noestava solitrio nessas observaes, comoap onta Fioravant i (1999, p. 151), as discus-ses em torno d e um pretenso absolutismoparlamentar estiveram presentes desde oincio da Rep blica de Weimar.

    Vol tando questo d a Const i tuiocomo contrato entre Governo e Parlamento,tendo como substrato u ma sociedad e du a-lista ou at p luralista, se antes d e 1919 po-

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    dia-se falar nessa id ia contratu alista, apsa Constituio introduz-se a idea demo-crtica de la un idad hom ognea e ind ivisi-ble de todo el pueblo alemn, que se deu

    uma Constituio, por um ato unilateral.Logo, a Constituio j no mais pode servista como um contrato, seno no que tangeao compromisso federativo.

    Ao lado de e competindo com esseelemento unilateral, haveria outro, o dosgrupospluralistas (SCH MITT, 1983, p . 114),que formariam, sobre todo o terri trionaciona l, constelaes sociais e comp le-xos de poder. Apesar de no negar sua exis-

    tncia e sua fora pelo contr rio, Schmittmostra o quanto tm eles influenciado apoltica do Reich , ele acaba por relegar-lhes o pap el de amostras da fragmentao plu-ralista do Estado, que no vista com bonsolhos por ele, conforme dissemos acima,dentro de sua viso de democracia comounidad e do povo.

    Dessa forma, a atuao desses gruposde pod er faria a Constituio transformar-

    se mais uma vez em u m compromisso, ape-nas no mais entre Rei e Parlamento, masentre os prprios grupos sociais. Tal con-cepo, ultrapassada, de Constituio no podeser aceita na nova ord em, send o de todo in-compatvel com aquele ato unilateral.

    Mesmo qu e houvesse coalizes entre es-ses grupos formand o comp romissos, elasseriam variveis e instveis, o que gerariadesagregao. A Constituio, assim, uma

    obra atomizada d os grup os sociais (Consti-tuio como convnio), pod eria pois ser re-clamada pelos mesmos, frente ao Estado.Schmitt (1983, p. 116) cita casos do Tribu-nal de Justia Constitucional, em qu e se per-cebe que as p artes aparentes na verdad erepresentavam estrutu ras sociais ou coali-zes de partidos em d ispu ta, o que incom-patvel com sua teoria democrtica8.

    Alm de pr em perigo a formao da

    un idad e nacional, o plu ralismo d o conceitode legalidade destru iria o resp eito Consti-tuio e transformaria sua rea de atuaoem um a zona cinzenta.

    Ainda que no concordemos com suaopinio sobre a influncia danosa dos gru -pos p luralistas, h u m ponto qu e deve ser le-vado em considerao pela sua atualidade:

    Los grupos (...) que en cada momen-to dominan, consideran sinceramen-te como legalidade la uti l izacinexhaustiva de todas las posibilidad eslegales y el aseguramiento de sus p o-siciones, el ejercicio d e tod as las atri-buciones p olticas y constitu ciona lesen materia de legislacin, adm inistra-cin, poltica personal, (...) de onderesulta natu ralmente que toda severa

    crtica e incluso cualqu ier amenaza asu situacin aparece para esos gru-pos como ilegalidad, como acto sub-versivo o como un atentado contra elespritu d e la Constitucin (SCHMITT,1983, p. 153)9.

    Um ou tro aspecto na doutrina de Schmitt(1983) a teoria d a exceo. Em sua Teo-logia poltica (1922), ele define o soberanocomo aqu ele que d ecide sobre o Estado e a

    exceo. O ord enamento jurdico est assen-tado sobre umadeciso10 e no sobre uma nor-ma. Contrap e-se a Kelsen, que identifica Es-tado e Ordenamento Jur dico, alm de priori-zar a formao democrtica das leis a partirdas discusses parlamentares.

    Schmitt critica aind a Kelsen d izendo quesua teoria de Estado constitui um a metafsi-ca monista que exclui o arbitrrio e a exce-o. Segun do ele, a exceo faz parte d o d i-

    reito, pois na situao de exceo que a su b-sistncia do Estado m ostra sua sup eriorida-de sobre a validade da norma jurdica, pois a que a deciso fica livre d e toda obrigaonormativa e a norma se redu z a nada (SCH-MITT, 1983, p. 132; HERRERA, 1994, p. 199).

    3. Justia constitucional

    3.1. O cont role de const itucionalidade e o

    Tribunal Constitucional Kelseniano

    Em primeiro lugar, vale apontar que ajust ia constitucional, para Kelsen (1998, p .

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    109), un elemento del sistema de medi-das tcnicas que tienen como fin assegurarel ejercicio regu lar d e las funciones estata-les11. A imp ortncia que j poca d e Kel-

    sen se dava jur isdio constitucional d eve-se, segun do o m esmo, a razes tericas ejur dicas s primeiras, pois somente h pou-co tempo teria surgido a doutrina d o escalo-namento das normas, que para ele o que d sup orte ao controle de constitucionalidad e.

    Quanto s razes polticas, como bemmostra Kelsen, as doutrinas que at entose debruavam sobre a realidade das mo-narquias constitucionais, pa rad oxalmen te,

    no va lorizavam o controle de constitucio-nalidad e das leis j qu e aqui que su rgea doutrina da Constituio como limite. Essasdou trinas, ao contrrio, apresentavam omon arca como o artfice n ico ou autn -tico da legislao, e a funo d o Parlamentoseria a de ap enas aderir, de maneira mais omen os necessria, s suas ord enaes.

    Hodiernamen te, por tanto, a justia cons-titucional dep arava-se com u m problema

    terico-constitutivo bsico: como tratar daregularidade da legislao, ou criao doDireito, usand o p adres estabelecidos p eloprp rio Direito, objeto do controle?12 Essepr oblema fica ainda maior d iz Kelsen(1998, p . 110) qu ando se confun dem legis-lao e criao do Direito, e, conseq ente-men te, Direito e lei. A iden tificao entre le-gislao e criao do Direito no pode seraceita por Kelsen, pois, segund o sua dou tri-

    na, o aplicador d a norma (juiz/ adm inistra-dor) tambm cria Direito.Hav eria, enfim, duas formas d e garantia

    da regularidad e das normas. As cham adasgarantias preventivas e as repressivas. Ocontrole preventivo refere-se s formas p ol-ticas d e respon sabilizao p essoal do rgoque promulgou a lei e o outro, repressivo,jurd ico, consis te em n ada menos que a noap licao d a lei.

    As garan tias repressivas referem-se te-oria d as nu lidad es: nu lo (a priori) o atoquando qualquer pessoa pode lhe exami-nar a regularidad e; anulvel quand o neces-

    sita de ou tro ato jur dico que lhe retire suaqu alidad e ju rdica. Essa d istino torna-se muito importante quando combinada distino entre inconstitucionalidade for-

    mal e material (supracitado - 2.1.); no pri-meiro caso, temos um ato n ulo (trata-se deum a pseudolei) e, no segun do, o ato anu-lvel (aqui, sim, a lei inconstitucional).

    Dessa forma, dentro de uma teoria dasgarantias, como observa o Professor Jos Al-fredo de Oliveira Baracho (1999, p. 100),Kelsen percebeu muito bem que a anula-o do ato inconstitucional representa apr incipal garan tia e o meio mais eficaz d e

    preservao da Con stituio.A d espeito da teoria das nu lidad es, Kel-sen (1998, p. 124) d iz qu e no sistem a d e d i-reito positivo no possvel conceber-seum a norma qu e possa ser tida como nu la,pois apenas h n ulidad e aps o reconheci-mento por u ma au toridad e p blica, e nun -ca a priori13. Por isso, apenas se pod e falarem nulidade como anulao com efeito re-troativo. Leis criadas em desconformidade

    com o procedimento legislativo (ou qu e nocontenham o contedo por ele determina-do) so vlidas no sentido de existentes a despeito de revogveis por u m p rocessoespecial.

    A questo sobre quand o um ato nu lo/anu lvel deve ser decidida por um a esferap blica. O particular no p ode ter a p rerro-gativa de atribuir nulidade a uma norma,pois faria com qu e a m esma tivesse cessada

    sua fora coativa. Se o indivduo a inda as-sim o faz, por sua conta e risco, pois pod e vira sofrer conseqncias caso a norma sejaposteriormente tida como constitucional.

    Assim, apenas os tribunais poderiamverificar a constitucionalidad e das leis. Mastodo e qualquer tribunal? No, segundo aconcepo kelseniana. Se qualquer tribun alpu desse verificar a regularidad e de norm asgerais em u m caso concreto, isso resolveria

    o p roblema p ara aqu ele caso, mas sua atu a-o apenas pontual no conferiria uni-dade ao sistema, podendo causar insegu-rana jurdica; esta foi a maior crtica de

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    Kelsen ([19--?], p . 83) ao sistem a d ifuso ame-ricano, in verbis, la au sencia d e un a d ecisi-n u niforme en torno de la qu estin sobrecundo una ley es inconstitucional (...) es

    un gran peligro para la autoridad de laConstitucin.Se o controle difuso no a melhor op-

    o, prope ento o m estre de Viena um con-trole concentrad o. Mas, para isso, era ne-cessria uma redefinio da organizaojud iciria, j que a cpula do Jud icirio au s-traco (como de resto em tod a Europa Conti-nental) no possua fora suficiente parapossibilitar o r espeito s sentenas. De fato,

    a Obster Gerichttshofno p ossua autorida-de p ara qu e suas decises sobre a constitu-cionalidad e das leis se imp usessem aos d e-mais tribunais ordinrios (e administrati-vos) inferiores, nem mesmo aquela CorteSup rema estaria obrigada a d ecidir da mes-ma forma em caso anlogo posterior.

    A criao d e u m Tribun al Constitucio-nal era, pois, de suma importncia paraKelsen, principalmente no que d iz respeito

    Constituio Austraca (cujo projeto lhepertencia). Seno vejamos. A Constituiode 1920 prev iu, nos ar tigos 137 a 148, a cri-ao do primeiro Tribunal Constitucional,o Verfassungsgerichtshof, a quem foi dad a acomp etncia primord ial de an ular leis queconsiderasse inconstitucionais.

    As decises desse Tribunal anulavam alei inconstitucional, valendo (em p rincpio)para o futu ro. Caso o Verfassungsgerichtshof

    considerasse que a lei inconstitucional, adeciso valeria contra todos, e a lei seriaanu lada, cassada (aufhebt), ou seja, perde-ria a eficcia a partir da deciso. Isso querdizer que, at a sentena comear a ter efic-cia, a lei seria vlida e os atos celebradoscom base nela perman eceriam inalterad os;em contrapartida, a d eciso, quand o come-asse a produzir efeitos, atingiria a todos osrgos do Estado e aos cidados em geral.

    Essa peculiaridade torna-se muito im-portante no Brasil a partir do mom ento emqu e as Leis 9.868/ 99 e 9.882/ 99 qu e regu la-mentaram as aes referentes ao controle

    concentrado de n ormas contm d ispositivosemelhan te, possibilitand o ao Supremo Tri-bun al Federal,

    tendo em vista razes de segurana

    jurd ica ou de excep cional in teressesocial, (...) por m aioria d e dois terosde seus membros, (...) decidir que ela[a deciso] s tenha eficcia a partirde seu trnsito em julgado ou de ou -tro momento que venh a a ser fixado(art. 27 da lei 9.868/ 99).

    Voltando ao Tribunal ConstitucionalAustraco, Kelsen d efend ia que ele deveriaser independente do Governo e do Parla-

    men to; seus mem bros eram escolhidos peloParlamento entre juristas renomados (Kel-sen mesmo p residiu o Tribun al por largotemp o). A razo d e assim ser est relaciona-da diretamente com a posio do TribunalConstitucional como legislador negativo.Como a Constituio lhe confere uma fun-o tipicamente legislativa (derrogar leis),segue-se natural p ara Kelsen a escolha d eseus membros p elo rgo legislativo, o que

    de pronto diferenciava os juzes daquelaCorte dos demais, escolhidos pela Adminis-trao. Tal a imp ortn cia d isso que o juris-ta viens, ao se referir reforma de 1929,destaca, como um dos ind cios da ascensodo n azismo n a ustria, a mu dan a na for-ma d e escolha dos mem bros da Corte Cons-titucional, pois, com a citada reforma, osantigos juzes do Tribunal Constitucionalforam afastados e os novos ju zes passaram

    a ser escolhidos pela Ad ministrao. curioso observar que o jurista viensno faz referncia s outras mu danas quea reforma d e 29 provocou no Verfassungsge-richtshof, ao alargar a legitimidade ativa daao de inconstitucionalidade. A poss-vel razo d essa omisso, como j referido, que essas reformas j apontavam para aqueda do Estado austraco e, com ele, daConstituio to cara a Kelsen.

    Sob o asp ecto poltico, o Tribunal Cons-titucional possu a du as funes: garan tir aidoneidade da democracia, oferecendo sminorias um instrumento para se defende-

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    rem d as decises da m aioria, e ser tambmum a garantia para o Parlamento, na medi-da em que controlava tambm os regulamen-tos do Governo. Importante salientar que

    essas eram as razes de existir um rgo decontrole de constitucionalidade, na persp ec-tiva de Kelsen. Quanto p roteo d as mi-nor ias, d iz ele:

    Si se considera que la esencia d ela dem ocracia se halla, no en la omn i-potencia d e la mayor a, sino en el com-prom iso constante entre los grup osrepresentados en el Parlamento p or lamayora y p or la minora y, como con-

    secuencia de ello, en la p az social, lajust icia con st itucional ap arece com oum medio p art icularmente idneopara hacer efectiva esta idea (KEL-SEN, 1998, p. 152).

    Dessa forma, o Tribunal Constitucionalpodia ento garantir a paz poltica dentrodo Estado. Dizia Kelsen (apu d H ERRERA,1994, p. 204), em seu ensaio Essncia da de-mocracia, que u ma dem ocracia sem contro-

    le no pode d urar.3.2. A crtica de Schmitt ao

    Tribunal Constitucional

    Preliminarmente, comea Schmitt (1983,p. 27), la demanda de u n p rotector, de undefensor d e la Constitucin es, en la mayo-ria de los casos, ind icio de situ aciones crti-cas para la Constitucin. Assim teria sido,segund o seu p arecer, na Inglaterra aps

    Cromw ell e na Frana, na Constituio d e1799, qu e, aps gran d e agitao p oltica,coloca o Senad o como conservateurda Cons-titu io. Se no scu lo XIX, na Alemanha , osproblemas constitucionais pu deram ser ti-dos apenas como polticos e os mecanismosde d efesa da Constituio, deixados de lado,admite o jur ista alemo que, desde a Consti-tuio de Weimar, voltam a interessar asgaran tias especiais da Constituio e se de-

    manda que algum a p roteja, pelas razesque abaixo relacionamos.A princpio, pensa-se em um controle

    jud icia l, mas essa apen as uma so lu o in-

    tuitiva, pois ignora a sup erioridade do Par-lamento sobre o Judicirio, na medida emqu e as decises deste baseiam-se em leis di-tadas por aqu ele. Os ensaios sobre um con-

    trole de tipo jud icial prod uzid os at entoforam como que atos reflexos s ambiesintervencionistas do Estado, capitanead as,segun do Schm itt, pelo Parlamento.

    Considerand o a situao constitucionalpoltica em que v ivia, essa no lhe p arecia amelhor resposta questo. O Estado abs-tencionista do sculo XIX desaparecera,dand o lugar cada vez mais a um Estado qu eintervm, e em que todos os problemas se

    tornaram estatais.Seguindo os ap elos dos qu e ped iam umcontrole contra o Par lamento, o Tribunal deJustia Constitucional do Reich chegou a secolocar como protetor da Constituio. Nomesmo sentido, pu lulavam projetos de leique atribuam a um tribunal a misso dedefender a Constituio. Mais uma vez,Schmitt atribui tal posicionamento ideo-logia que concebe que um procedimento ju-

    dicial resolve todos os problemas e desco-nhece a d iferena entre u ma sentena e um aresoluo acerca de um preceito constituci-onal, limitando a p roteo ap enas contra leise regulamentos.

    Schmitt admite que os tribunais faamum controle geral e acessrio das leis, masisso no significaria, pelo menos na Alema-nha, um a defesa da Con stituio. Para isso,ele d iferencia proteo e controle. O que os

    tribunais em geral fazem o controle dasleis (tal atividad e ocasional, incidenter, di-fusa), mas no a p roteo. Dizer o contrrio querer imp ortar o sistema d e controle ame-ricano, que no pod eria ser adaptad o a ne-nhu m Estado d a Europa Continental.

    De outro lado, tambm ru im a alterna-tiva de se confiar tal misso a um Tribun alCon stitu cional; d iz Schm itt (1983, p. 58) ci-tand o Hu go Preuss, pai da Constituio

    de Weimar, que retirar dos juzes comun s afuno do controle difuso e atribu-la a u mTribunal excepcional seria como encomen-dar as ovelhas ao lobo.

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    Apenas poderia haver um controle jud i-cial em um pas onde toda a vida polticaestivesse sob o controle dos tribu nais, comoseria o caso dos EUA (SCHMITT, 1983, p.

    46, 52) (ver infracitado, 3.2), em que o t ribu-nal, com base em pr incpios gera is e critri-os fun damentais, defend esse a ordem sociale econmica existente.

    Afora isso, para que fosse possvel po-der falar-se em contradio de um a lei fren-te Constituio, seria imprescind vel quea norma constitucional se pudesse subsu-mir de forma precisa, concreta, no litgio e,frente a isso, estar em contradio com a

    norma ord inria. O juiz poderia, ento, nes-ta situao de necessidade, deixar de aplicaressa ltima, mas no lhe retirar a validad e.Caso contrrio, qualquer pessoa, fsica oujur d ica, pod eria ar rogar-se em protetor daConstituio. Se no h um caso concreto, en-to a atividade resume-se apenas em comparar

    normas sobre normas, o que desqualifica a ati-

    vidade do juiz como jurisdicional e o transfor-

    ma em legislador.

    Colocada nesses termos a verdadeiraatu-ao difusa d os tribuna is no trato d as leis,Schmitt p rope-se a rebater o naturalcontro-le jud icial da funo d e proteo da Consti-tuio.

    A atribu io de solues jud iciais a pro-blemas polticos, no ideal do Estado d e Di-reito, apenas traz prejuzos para o PoderJud icirio, pois representaria mais um a po-litizao d a justia do que um a jur idici-

    zao da p oltica14

    . A distino entre con-trole judicial e proteo poltica advm deuma distino anterior, feita por Schmitt,entre Constituio e lei constitucional: as leisord inrias pod em ser controladas jud icial-mente frente s leis constitucionais, mas aConstituio, como deciso poltica de umpovo, tem d e ser protegida politicamente.

    Mas no isso o que se tem feito, no assim que a doutrina (e at o Tribunal de

    Justia Constitucional do Reich, como vimossupra) tem trabalhad o. Ao contrr io, tem-sepreferido trabalhar com fices sem con-ted o. Parte-se de que, se no sculo XIX o

    Parlamento era o natura l defensor da Cons-tituio frente ao Govern o (da as teorias emtorno d as monarqu ias constitucionais), ago-ra n o sculo XX, se o Executivo no p ode s-

    lo, e nem o Legislativo, pois, como se d isse,ele assumiu grande importncia na estru-tura do Estado, segue-se intu itivamente quecabe ao Jud icirio ser o gu ard io da CartaPoltica.

    A limitao d e um controle judicial, queno p ode ir alm d o jurd ico, pois do con-trrio iria d esnaturar-se, pod e ser exempli-ficada por dois acontecimentos importan-tes d a h istria constitucional alem: o con-

    flito prussiano de 1862 1866 e a dissolu-o doReichstag em 193015. Casos como es-ses, em qu e a questo ultrapassava o mbi-to jurdico, penetrando no poltico, deixa-ram o Tribunal de Justia Constitucionalsem ao, sem p oder decidir; ora, isso mos-tra o que Schmitt tem sempre afirmado: ojuiz apenas p od e d ar con ta das leis e regu-lamentos, no de questes polticas, fun oessa tpica do Legislativo.

    Assim, a atu al teoria da d efesa da Con s-tituio formu lada, segund o ele, frente svariaes das maiorias parlamentares seriadevedora d o constitucionalismo do sculoXIX, em qu e tal funo cabia ao Par lamento(que representava a sociedad e), em sua lutacontra o soberano, no pod endo, pois, dar -se ao juiz aquela funo que poltica,sem a lterar sua posio constitucional.

    Schmitt insiste nesse ponto: sentena e lei

    so coisas diversas. No se p ode aceitar, porformalismo, que qualquer ato p roferido pelojuiz seja tid o com o jur d ico. Para ser umadeciso jud icial, -lhe fund amen tal d erivarde uma lei (lei essa que deve ser minima-mente especfica a ponto d e obrigar de mod oconcreto o juiz).

    Si las normas de la poltica, enlugar de se r de te rminadas por e lChan ciller d el Reich, lo fueron p or el

    Tribunal Sup remo, bajo la gida d e suindependencia judicial, ello no pro-ducira Justicia (SCH MITT, 1983, p.81).

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    As concluses so inevitveis: nenhumalei pode proteger outra lei; lei fun damento, eno objeto de deciso; subsumir um fato aum a lei no o mesmo que subsum ir uma

    lei simples frente a uma lei constitucional.Quanto ltima, no se olvide qu e s pos-svel, como dissemos, falar-se em empare-lhamento de uma lei a outra caso haja umfato concreto subjacente, e mesmo a, na ver-dad e, a subsuno se d entre cada lei e ofato, para se saber se o legislador, intrpreteautntico, atribuiu correto contedo leiconstitucional.

    Sobre a atu ao de Tribunais com fun-

    o de controle, para o jurista alemo, emquaisquer decises existe um elemento depura deciso, que no d eriva da norma, masque, pelo contrrio, sentido e objeto dessetipo de sentena. Isso estaria presente emTribunais como a Sup rema Corte America-na, em que a existncia de votos vacilantesou divergentes mostraria que o que ela fazno , por meio do livre jogo de argu menta-es, chegar a esclarecer o sentido verd a-

    deiro d a Constituio, em contrap osio auma norma alegada inconstitucional, masto-s, suprimir a dvida de modo autoritrio(mais uma vez, o elemento decisionista eum a supervalorizao da exceo).

    Isso tornar-se-ia ainda m ais evidente emum Tribunal ta l qual o pretendido porKelsen, que apenas cuida de resolver d-vidas e d ivergncias de op inio (pois noh u m caso subjacente) e em qu e ao elemen-

    to d ecisionista somar-se-ia o fato de que d itaCorte, sendo formad a por expertos, tornariaseus informes um a atividad e pericial ti-picamente ad ministrativa e no judicial, masque, ao se tornarem obrigatrios, converter-se-iam em sentenas (SCHMITT, 1983, p.93)16.

    Um Tribunal Constitucional, ademais,s possvel se a Constitu io vista comoum contrato (um a relao jurdica bilateral

    e no u ma deciso poltica u nitria). O qu eocorre que Kelsen (1998, p. 152) entendedemocracia como compromisso constanteentre os grupos presentes no Parlamento e a

    Constituio como Lei Constitucional, ouseja, como norma, como um sistema de di-reitos, que p odem ser vindicados p elas par-tes (SCH MITT, 1983, p. 102).

    Schmitt (1983), ao contrrio, faz d iferen-a entre litgios constitucionais (polticos) eas dvidas e opinies sobre a interpretao dasleis constitucionais, estas como se disse po-dem ser ocasionalmente resolvidas pelosjuzes sem alterar su a competncia. Mas sefor colocado para os primeiros quaisquerlides que tenham imediata ligao real coma Constituio, isso seria o m esmo qu e darao prprio tribunal a misso de delimitar

    sua competncia.O mximo que pode-se admitir no fede-ralismo d a Constituio de Weimar que oTribunal de Justia Constitucional do Rei-ch resolva questes polticas entre a Unioe os Lnder, entre os Lnd er e at no interiorde u m Lnder (como quand o algum a asso-ciao invoque p ara si a proteo baseadano Livro Segundo, referente aos Direitos eDeveres Fundamentais), mas sempre den-

    tro da teoria contra tua l do federa lismo.J que, para alm dos casos de litgiosfederais, a Jur isdio Con stitucional n o setraduz na melhor forma de constituir umdefensor da Constituio, j qu e a justia incompatvel com a p oltica, e tend o em miratodas as consideraes acima, quem deveser o d efensor d a Constituio?

    4. Quem deve ser o guardio

    da Constituio?

    Concluindo o pensamento de Schmitt(1983), ao contrrio do Poder Judicirio,apenas o Executivo poderia fazer frente grandeza d o Parlamento.

    Isso porqu e, em conformidade com a lei-tur a qu e ele faz do art. 48 da Constituiode Weimar, o nico que ainda manteria acaracterstica de representar plebiscitaria-

    mente o povo em sua unidadeseria o Presiden-te do Reich, porqu e seria o nico a se man teracima de todos os interesses parciais. Se-gundo o mestre alemo, o presidente, nos

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    ltimos anos, j teria at assum ido tal en-cargo, agind o, com freqncia, como defen-sor da Constituio (SCHMITT,p . 30, 222)17.O Reichsprsident constituir-se-ia em uma

    instncia neu tra e superior, capaz d e un ifi-car a vontad e estatal, diante d a impu rezapluralista.

    Alm de suprir a lacuna sobre a prote-o da Constituio, tal teoria d sentido prp ria existncia de um Presidente ou u mRei em u m regime parlamentar, que rgne etne gouverne pas. De fato, o chefe de Estadono uma figura ap enas decorativa, elepossu i imp ortantes funes, entre as qu ais,

    segund o Schm itt (1983, p. 219), estaria a derepresentar la continu idad y p ermanenciade la unidad politica y de su homogneofuncionamiento e por isso deve tener u naespecie de autoridad que es tan consustan-cial a la vida d e cad a Estado como la fuerzay el poder imperativo que diariamente seman ifestan de modo activo.

    De toda sorte, esse pap el no realizadocontinuam ente p elo Presidente; ao contr-

    rio, uma funo fundamentalmente me-diadora, tutelar y reguladora, isto , oca-sional, excepcional, porque no deve com-petir com os demais poderes, atuando ap e-nas em casos de necessidad e. Nesse senti-do ele d como exemplos de atuao dessafuno p residencial o Poder Moderador, pre-visto nas Constituies Brasileira de 1824(art. 98) e Portu gu esa d e 1826 (art. 71).

    Segundo vindica Schmitt, sua d outrina

    fund amenta-se na teoria poltica d opouvoirneutre de Benjamin Constant18, para quemos conflitos polticos pod em ser resolvidos,excepcionalmente, por um rgo judicial,quando se objetive atribuir pena ao quetransgride a Constituio; ou p or u m tercei-ro acima d os litigantes, soberano d o Esta-do.

    Mas pod e ser dada tal competncia a umorganismo no superior, mas um terceiro

    neutro, intermedirio e regulador, que se co-loque no numa relao de superioridade,mas de coordenao. Esse outro poder, dis-tinto d os j existentes, garantiria o funcio-

    nam ento constitucional dos outros pod erese da Constitu io. A concluso de Schmitt au tomtica, o Presidente do Reich era o nicoque p oderia ser o Guard io da Constitui-

    o, pois que no estaria su jeito s paixesdos partidos e logo s ele poderia resolver(de fora) os conflitos d os gru pos plu ralis-tas, que, disputan do em equ ilbrio, ameaa-vam a Constituio, como ordem p oltica daunidad e do povo alemo.

    em resposta teoria de Schmitt queKelsen p ublica o art igo Quem deve ser o de-

    fensor da Constituio?. A crtica de Kelsen desenvolvida principalmente sobre a defe-

    sa do controle judicial da Constituio emface do carter nad a novo e ideolgicoda argu mentao d e Schm itt. Kelsen atacapr imeiramente a falsa d istino feita p orSchmitt entre controle e defesa da Constitui-o, d izendo ser essa uma d istino apenasterminolgica.

    Schmitt (1983) tentara retirar o carterjurisd icional do Tribunal Constitucional, aoargumento d e que, em u m p rocesso comum ,

    decide-se um a causa, enqu anto o Tribun alConstitucional ap enas resolveria acerca ded vidas/ divergncias acerca d e um a lei.

    Ora, rebate Kelsen, na maior parte dasdecises judiciais decidem-se divergnciassobre o conted o de um a lei; se no h d i-vergncias, cessa a jurisdio. Valendo-seda prpria teoria de Schmitt, poder-se-iaconcluir que, em um processo sobre a cons-titucionalidad e, h tanta su bsuno quan -

    to em um processo criminal, por exemplo. Oproblema seria que o jur ista alemo conce-be o controle de constitucionalidad e como oconfronto entre d uas leis, o que no corres-ponde ao pensamento kelseniano, que mais comp lexo: para Kelsen, na verd ade, ocontrole visa averiguar o p rocesso legislati-vo como fattispecie subsu mvel Constitui-o da mesma forma como a doutrina cls-sica (entre eles o prpr io Schmitt) desenvol-

    ve a subsuno tendo ofato como prem issamenor e a norma como premissa maior19.Assim, no que uma lei mais dbil tutela-

    da por outra mais forte, mas sim que deve ser

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    anulada porque a fattispecie que a produziucontrasta com a norma que regula esta fattispe-cie (KELSEN, 1991, p. 248; HABERMAS,1998, p. 315-316).

    Para KELSEN, o principa l argum ento deSchmitt sobre a d anosa influncia da polti-ca em um Tribun al Constitucional um fal-so-problema: se se entende o poltico, no sen-tido dado por Schmitt, como exerccio do po-der, fcil perceber que aquele no se limitaao Parlamento, pois que toda sentena, aoresolver um conflito, tem um elemento deci-srio20.

    Logo, o controle judicial de constitucio-

    nalidad e d as leis no altera a posio cons-titucional da jurisdio. Kelsen no v umadistino qualitativa entre legislao e ju-risdio, mas qu antitativa, porqu anto a le-gislao produz normas gerais e a jurisdi-o, normas ind ividu ais (dito doutra forma,quem interpreta tambm cria). Antes pelocontrrio, chega mesmo a afirmar qu e o Ju-dicirio possui at u m carter mais p olticoque o Legislativo:

    quand o il legislatore autorizza il giu-dice a valutare, entro certi limit, inte-ressi tra loro contrastani e a deciderei l cont ras to in favore de l l uno odellaltro, gli attribuisce un p otere d icreazione del diritto e quindi u n p ote-re che d a lla funzione giu d iziaria lostesso carattere politico che siapu re in misura m aggiore ha la legis-lazion e (KELSEN, 1991, p . 242).

    Schmitt ento que seria d evedor de um adou trina pr pria ao constitucionalismomonrqu ico, que consideraria o Parlamen-to como o n ico rgo poltico e criador doDireito e o juiz como um au tmato jurdi-co, qu e apenas ap lica a lei.

    Dessa forma, se a poltica no se restrin -ge ao Parlamento e se tambm as sentenascontm uma frao de poder, todo conflito

    judicial tambm um conflito de poder, no h

    um a natu reza poltica incompatvel com ajud icial. Alm do que, se todo conflito judi-cial tambm p oltico, confiar o controle deconstitucionalidade a um Tribun al, em qu e

    a ao segue em contraditrio, possu iria avantagem d e dar p ublicidade efetiva situ-ao de interesses ao invs de mascar-lossob o capa de poltica e escond-los de-

    baixo de fices como u nidad e da von tadegeral e Estado Total.O ponto central, portanto, contra a teo-

    ria de Schmitt do Presidente como o Guar-dio d a Constituio , por um lado, o velhoprincpio nessuno pu essere giudice in causa

    propria (KELSEN, 1991, p. 232) [ap enas emitlico no original] e, por outro lado, a ne-cessidade de que o controle seja feito porum Tribun al independente dos poderes Exe-

    cutivo e Parlamentar, para que possa tercond ies de controlar os atos inconstituci-onais porventura praticados p or algum de-les. Como observa o Professor MarceloCattoni de Oliveira (2000, p. 31), o debate d eeuropeus e norte-americanos em torno docontrole d e constitucionalidad e e d e sua le-gitimao conduzido quase sempre emrelao d istribuio de competncias en-tre Legislativo e jurisdio e, como afirma

    Habermas (1998, p . 314 et seq.), nessa me-dida ela sempre u ma d ispu ta pelo princ-pio da d iviso dos pod eres.

    Voltand o ao pu blicista austraco, o quena ve rdad e p r e t ende r i a a dou t r i na deSchmitt seria restaurar a d outrina d o cons-titucionalismo mon rqu ico qu e considera-va o rei como u mpouvoir neut re. Caso um reiou u m Presidente representassem d e fato umpod er neu tro, isso significaria u ma contra-

    dio para algum que diz que as estrutu-ras monrqu icas do sculo XIX teriam sidoaband onad as com a Constituio d e Wei-mar. que Schmitt confia ao Executivo atarefa de Guard io da Constituio porqu eparte d o pressuposto de que, se nas Monar-qu ias Constitucionais era contra aqu ele qu ese deveria ficar atento, hoje o Parlamento que estaria sob susp eita pressup ond o umapretensa prepondern cia deste. A contrad i-

    o esboa-se claram ente: se hoje a situao outra, como aplicar uma teoria antiga?Como querer dar ao Presidente poderes t-p icos do Monarca? E mais, Schmitt faz pres-

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    suposies como se, na Alemanha, o pro-blema da constitucionalidade d a atividad edo governo, (...) desenvolvida com base noart. 48, no fosse (...) um problema vital

    (KELSEN, 1991, p. 233, 238, trad uo livre;1998, p. 114).E continu a Kelsen, a teoria de Constant

    um a fico de extrema au dcia qu e di-vidia o pod er executivo em poder ativo (go-verno/ ad ministrao) e passivo (sano,celebrao de tratados, alto comando dasForas Armad as...); este ltimo representa-va o pod er neutro. Mas o monarca no passivo; de outro lado, o Presidente do Rei-

    ch no est acima das p resses dos p arti-dos, j qu e eleito por eles e com eles man-tm relaes de d epend ncia p oltica.

    Em sntese, Kelsen conclu i que as id iasde Schmitt so produto de uma confusoentre um p roblema d e teoria jur dica (o con-ceito de jurisdio) e outro de poltica doDireito (a melhor organizao de u m con-trole jurisdiciona l). Alm do que, se Schmittcritica a teoria kelseniana a cusand o-a de

    norm ativista e formalista, esquece que taisabstraes no haviam impedido que oTribunal Constitucional Austraco realizas-se uma boa dose de trabalho criativo, oque n o examinado p or Schmitt, l do altode suas prprias abstraes (KELSEN, 1991,p. 252).

    Concluindo, a imensa importncia quea d iscusso en tre Kelsen e Schmitt tem p aratoda a Teoria da Constituio e, mais de cer-

    ca, para a doutrina acerca do controle deconstitucionalidade no nos imp ede d e te-cer algum as crticas aos mesm os. Isso, con-tud o, no invalida a imp ortncia de ambospara ns hoje (at o fato de hoje estarmosrelend o-os e repensando seus postuladosapenas mostra o quanto algumas pessoasconseguem se eternizar p or suas contribui-es Cincia).

    Assim, porque suas teorias tm algo a

    nos d izer em p leno sculo XXI e porqu e, poroutro lado, pior que desconhec-los que-rer aplicar seus postulad os sem um m nimocotejo espao-temporal que p odem os nos

    sentir vontade em tecer-lhes algumas cr-ticas.

    Qu anto a Schm itt, alm d as crticas fei-tas por Kelsen, impor tante ressaltar que,

    [q]uin, como en su tiempo C. Sch-mitt, qu isiera convertir en protectorde la Constitucin al presiden te del

    Reich, es decir, cpu la del ejecutivo,en lugar d e a un tribunal constitucio-nal, estara invirtiendo, por tanto, elsentido qu e la divisin de pod eres tie-ne en el Estado d emocrtico de dere-cho, convirtindola exatamente en locontrario (HABERMAS, 1998, p. 314).

    Gostaramos de ressaltar algumas opi-nies de Kelsen, principalmente por suaimportncia com r elao nossa realidad econstitucional.

    Sobre a extenso das funes da Cortemais alta d o p as, interessante observar principalmente em tempos como os qu e hojevivemos, em que a todo momento se levan-tam vozes a favor da criao de um Tribu-nal Constitucional a afirmao do jur ista

    viens de qu e seria m elhor o Tribunal Cons-titucional no se limitar ao controle de cons-titucionalidade:

    ... pued e ser opor tun o, si se presentael caso, hacer tambin del tribunalconstitucional u n Alto Tribunal d eJusticia, encargado de juzgar a los mi-nistros sometidos a acusacin, un tribu-

    nal de conflictos central o atribuirle otras

    competencias para evitar instituir juris-

    dicciones especiales. Es preferible, enefecto, de un a forma general, reducir loms posible el nmero de autoridades su-

    premas encargadas de aplicar el Derecho(KELSEN, 1998, p. 137) [grifos nossos].

    Sobre a caracterizao da funo d o Tri-bun al Constitucional como send o d e umlegislador n egativo, isso contraria a na -tureza da atividade judicial desenvolvidapor qualquer Tribunal, inclusive uma Corte

    Constitucional; claro est qu e, como disse-mos, no h contradio no p ensamentokelseniano em afirmar qu e o Tribunal Cons-titucional um rgo Judicial e ao mesmo

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    tempo dizer que sua tarefa de derrogarleis semelhana do que o Parlamento tam-bm faz (a d istino seria quan titativa, noqualitativa). Sem embargo, no podemos

    concordar com um tal posicionamento,pois, como bem mostra o Professor MarceloCattoni de Oliveira (2000, p. 122), as ativi-dades Legislativa e Jud icial possuem pers-pectivas lgico-argu men tativas d iversas;enquanto a p rimeira visa ao estabelecimen-to de p rogram as e polticas para a r ealiza-o dos d ireitos constitucionais, a segun-da deve ter em mira a ap licao reconstru-tiva do Direito Constitucional; no pode-

    mos nos esquecer, outrossim, da diferenafeita por K. Gn ther (1993) entre d iscursosde justificao e d e ap licao.

    Qu anto d anosa influn cia d a p olti-ca no d ireito, como vimos, Kelsen ad miteque a poltica um dado presente; em vezde tentar extirp-la ou ignor-la, ele tentatrabalhar com ela de forma a man ter o Tri-bunal o mais imp arcial possvel. A polticaentra n o raciocnio kelseniano no m omento

    de escolha dos mem bros da Corte, uma es-colha feita pelo Parlamento entre juristasexpertos (tcnicos), o qu e garantia a neutr a-lidade do Tribunal. Ele acredita que todacontrovrsia jurdica de interesse polticoe todo conflito de interesse poltico pod e serdecid ido na esfera jurdica. Como se disse,a necessidade de u m Tribunal Constitucio-nal reside em ser justam ente a instncia neu-tra e eqidistante do confronto latente entre

    Parlamento e Governo.Dessa p erspectiva, d-se um passo fren-te, ao criar um ou tro rgo e no dar maispoderes a uma das partes, como queriaSchmitt. um avano ou trossim a na turali-dad e com qu e ele lida com a questo da in-terferncia do Jud icirio nas d ecises legis-lativas (aind a que ap enas o Tribun al Cons-titucional possa faz-lo). Dessa forma, um aquesto que sempre colocada frente ao

    controle de constitucionalidade, qual seja,a legitimidade qu e possuiria o Jud icirio d einvalidar atos proceden tes do rgo d e re-presentao popular, parece estar supera-

    da em seu pensamento, aind a que se possavir a critic-lo p or isso (conseq entemente,no faz sentido a d iscusso d a contradioentre Dem ocracia materializada no Parla-

    men to e Constituio como limite qu e-la 21).Contudo, seguindo o raciocnio de Kel-

    sen, pode-se ver que apenas possvel fa-lar-se em efeitosex nunc porque h o p ressu-posto d e que o Tribun al Constitucional on ico, alm do Parlamento, que pode inter-pretar autenticamente a Constituio. As-sim, as leis criadas p elo Parlamen to possu -em presuno de constitucionalidade por-

    que ele est au torizado a interpretar a Cons-tituio; forma-se a a presuno (relativa)de constitucionalidade da lei que apenaspod er ser elidida se o ou tro rgo encarre-gado o Tribunal Constitucional disserqu e a lei inconstitucional.

    Tais colocaes nos obr igam, mais um avez, a empreender crticas ao seu sistema,pois, apesar de defender o elemento p lura-lista como forma de obter compromissos

    qu e so, como j se d isse, a essncia da d e-mocracia , o jur ista viens no p ode admi-tir que ou tras pessoas sejam legitimadas ainterpretar a Constituio, porque, se issoocorresse, todo seu sistema cairia por terra.Contudo, a legitimidad e do ordenamentojur d ico m od erno est d iretam ente ligada aceitao por parte dos cidados das nor-mas que lhes so impostas; j que no sepod e recorrer a um centro que fornea o subs-

    trato dessa legitimidade (Deus ou a razo),o Direito Moderno necessita do cidadopara, paradoxalmente, legitimar uma vio-lncia qu e no sentida como tal ap enas seracional e intersubjetivamente aceita. Naspalavra s de H aberm as (1998, p . 96), as nor -mas apenas p odem cobrar cum primentohaciendo qu e los destinatarios de esas nor-mas jurdicas pu edan a la vez entenderseen su totalidad como autores racionales de

    esas norm as.Limitar a interpretao (autntica) daConstituio a ap enas dois rgos, alm deirreal pois todo aqu ele que vive a Consti-

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    tuio um seu legtimo intrprete 22 , tambm temerria. Considerand o qu e o Tri-bun al Constitucional possui a ltima p ala-vra, pode ele vir a se transformar nu ma ins-

    tncia mxima de definio dos valores deum a sociedad e, um a espcie de alter egodaqu ela comu nidad e, o que no parece ade-quad o desde u ma p erspectiva atual de Es-tado Democrtico d e Direito23.

    Para finalizar, gostaramos de d eixar cla-ra nossa p osio a respeito da q uesto so-bre quem d eve ser o Guardio da Constitui-o e dizer que a mesma n o bem respon-dida (pelo menos desde o atual parad igma

    do constitucionalismo) nem atribuindo talprerrogativa ao Chefe de Estado (SCHMITT,1983) nem a um Tribunal Constitucional(KELSEN), pois [a] cidadania no precisade tutores (OLIVEIRA, 2001, p. 213, 263);dito doutro m odo, somente os cidad os, le-gtimos intrpretes da Constituio, pod emno apenas guard-la, mas tambm desenvol-v-la procedimentalmente em suas relaesdirias.

    Notas

    1 Para um estudo mais completo da obra deSchmitt, ver, Din iz (1998, p . 150-170).

    2 Schmitt (1983, p. 61), ao contrrio, v nessaproteo s m inorias um atentado ao p rincpio de-mocrtico d as m aiorias.

    3 Colocao semelhante na defesa da JudicialReview pod e ser v ista em Freema n (1994, p. 187).

    4 La ley vale ahora [desde a perspectiva de

    Kelsen, no mais em razo de ter sido elaboradapela vontade geral mas] en cuan to, y slo en cu-anto , realice en s el ideal democrtico de la p acficaconvivencia entre la pluralidad de las fuerzas e in-tereses que operan en realidad (FIORAVANTI,1999, p. 158).

    5 Schm itt (1983, p. 83) critica exp ressam ente taltese, no qu e diz respeito hierarquia entre normas,que considera uma antropomorfizacion, insensa-ta e confusa.

    6 Sobre sua classificao dos Estados segundoa funo estatal que neles predomina, ver Schm itt (1983,p. 131-132).

    7 Trataremos m ais pormenorizadam ente dissomais frente, ao tratarmos da opinio de Schm ittsobre o controle judicial e suas ferrenhas crticas aele.

    8 En sum a, desde el pu nto d e vista del juristaalemn se deva evitar que la crisis del conjun to delos partidos y d e la representacin poltica del par -lamento ar rastrase consigo a toda la Constitucin(FIORAVANTI, 1999, p. 153).

    9

    Sobre as crticas de Schm itt ao plu ralismo, veraind a H errera (1994, p. 220) e as crticas d e Kelsen(1991, p. 261 et seq.) a tal conceito.

    10 A deciso o elemento central da ord em jurdi-ca, cria a norma, mantm-na e a aplica, alm deno d erivar de n enhu m ou tro elemento (BATISTA,1999, p. 173 ; DINIZ, 1998, p. 142, 151).

    11 Ver tam bm Diniz (1998, p. 150). As fun esestatais seriam os a tos jurdicos produ zidos peloEstado e se d ividem tradicionalmente em: legisla-o (promovida p elo Poder Legislativo) e execuo(que englobaria os Poderes Executivo e Judicirio).

    12

    No fund o, o que se apresenta aqu i o conhe-cido p arad oxo sobre o Direito, que cria a si mesmoe se auto-regu la. Nesse sentido, Ha berm as (1998),notad amente o Cap tulo 3.

    13 E a ordem jurd ica no p ode fixar as cond i-es sob as quais algo que se apresente com a p re-tenso de ser um a norma jurdica tenha de ser con-siderado a priori como nu lo e no como um a normaque d eve ser anulada atravs de um processo fixa-do pela mesma ordem jurdica (KELSEN, 1987,p . 308).

    14 A resp eito, h a inda as crticas de B. Constant

    (1815, p. 65) e de Guizot (1846, p. 101 apudSCHMITT, 1983, p. 75); segundo este, com a juri-dicizao, la poltica no tiene nad a qu e ganar , y laJusticia pu ede p erdelo todo.

    15 Para os detalhes acerca dos dois episdios,ver Schmitt (1983, p. 66-69).

    16 Ver tambm, na mesma pgina, nota 65, aopinio d e A. Bertram .

    17 Schmitt ter a oportunidad e de defender pu -blicam ente su as posies em 1932 como Conselhei-ro do Reich, quan do red igiu u m memorandum a fa-vor de uma interveno federal na Prssia, com

    base em su a teoria sobre o Presidente d o Reich comoguardio da Constituio (HERRERA, 1994, p.214).

    18 Sobre as fontes de q ue se va leu o jurista ale-mo, ver Schmitt (1983, p. 214, 216), em qu e tam -bm se podero encontrar interessantes pareceresde Hu go Preuss e Neum ann.

    19 Apesar de trabalhar com esses conceitos, importante lembrar que Kelsen no v a atividadejur isd icional com o sim plesmen te ded utiv a; qu al-quer juiz, ao ap licar a lei, no o faz como um aut-mato, mas como criador d e normas ind ividu ais.

    20 Interessante reler o qu e j d izia Ruy Barbosa(1932-1934, p . 41-42), referin d o-se j fun o d econtrole d e constitucionalidad e, no comeo d o s-culo passad o: no h nad a, realmente, mais artifi-cial (...) do q ue a d istino entre questes polticas e

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    jurdicas. A funo d e d eclarar a inconstitucionali-dade u m p oder, at certa altura, politico, exerci-do sob s frmas judid iciaes.

    21 Um bom panorama dessa discusso pode servisto em Fioravanti (1999) e tambm Freeman

    (1994).22 Apresentao feita por Gilmar F. Mendes aolivro d e H ber le (1997, p . 30-31).

    23 No v amos nos alongar m ais nesse aspecto,j qu e no o objeto do presente. Para maioresdeta lhes, ver, Maus (2000).

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