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O EDIFÍCIO ESTÁ MUDO: espacialidade e materialidade da ETE Carlos de Campos, primeira Escola Profissional Feminina de São
Paulo
RUSSO DE CARVALHO, GABRIELA. (1); CARMONA RIBEIRO, ANA CAROLINA. (2)
1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – Campus São Paulo, Curso de Arquitetura e Urbanismo
Rua Pedro Vicente, 625, Canindé, São Paulo [email protected]
2. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – Campus São Paulo. Curso de Arquitetura e
Urbanismo Rua Pedro Vicente, 625, Canindé, São Paulo
RESUMO
O edifício da atual Escola Técnica Carlos de Campos, no bairro do Brás, em São Paulo, foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) em 2010, na categoria de bem cultural, juntamente com outras 125 escolas construídas no período da Primeira República, entre 1890 e 1930. A escola surge no início do século XIX como Escola Profissional Feminina, atendendo filhas de imigrantes que buscavam estabelecer-se no Brasil e que residiam na região. No início, é instalada em um palacete já existente e oferece cursos como Rendas e Bordados, Flores e Chapéus e Confecção; oferece também, a partir da década de 1920, atendimento à comunidade local, com um dispensário de Puericultura. Em 1925, o arquiteto Cesar Marchísio desenvolve o projeto de um novo edifício, que procurava dar expressão arquitetônica ao progressismo dos industriais paulistas e às ideologias republicanas de instrução pública e educação da classe trabalhadora. O projeto, em estilo eclético, destacava-se na paisagem do bairro e dialogava com outras construções escolares paulistas do mesmo período; os ornamentos da fachada simbolizavam os ofícios ensinados ali. Parcialmente executado, o edifício é entregue em 1930. Entre as décadas de 1960 e 1970, como reflexo das alterações do ensino profissional, são criados na Carlos de Campos novos cursos que, com ligeiras modificações, são mantidos até hoje; cursos ligados ao desenho-design, hoje intitulados Comunicação Visual, Design de Interiores, Edificações e Modelagem do Vestuário, e à área da saúde, hoje, Nutrição, Cozinha e Enfermagem; a procura pelo ensino profissional aumenta e a escola sofre grandes reformas, incluindo a demolição do primeiro palacete e a construção de uma nova ala. Em 1994, a escola é incorporada ao Centro Paula Souza e passa por reformas para manutenção do edifício e adaptações de acessibilidade. É importante notar que o tombamento da escola é justificado por seu significado cultural, histórico e arquitetônico, mas, no entanto, constata-se que o edifício foi na realidade muito pouco estudado em sua materialidade e espacialidade, considerando os seus mais de 100 anos de existência e o seu potencial enquanto
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expressão das transformações ocorridas no ensino profissional paulista. Verifica-se também que documentos como desenhos, fotos, textos e matérias de jornal estão dispersos, apesar do esforço por parte de alguns professores para criação de um Centro de Memória. Mesmo quando acessível, essa documentação não foi objeto de reflexões mais aprofundadas: contrariando o esforço dos historiadores modernos (como diz Jacques Le Goff, em “Documento/monumento”), o edifício está mudo. Quais as modificações ocorridas no espaço da escola, ao longo do tempo, e quais as suas motivações? Quais as relações entre essas modificações, as políticas públicas educacionais e as transformações curriculares? Como se deu a relação entre novo e antigo no espaço da escola? O estudo do espaço escolar – em suas múltiplas dimensões, que vão do projeto arquitetônico à técnica construtiva, passando pelas modificações ocorridas ao longo do tempo e pelas intervenções dos próprios usuários – pode esclarecer, mesmo que ainda de forma inicial, algumas dessas questões; é esta a proposta do presente estudo.
Palavras-Chave: Patrimônio escolar paulista; Arquitetura escolar; ETE Carlos de Campos.
O presente artigo analisa brevemente as alterações mais significativas ocorridas no
edifício da Escola Técnica Estadual Carlos de Campos (ETE), primeira Escola Profissional
Feminina do estado de São Paulo, das instalações originais aos espaços atuais,
relacionando o desenvolvimento do ensino profissional à análise arquitetônica-espacial
referenciada nos parâmetros propostos por Bruno Zevi em Saber Ver a Arquitetura1. Além
desses parâmetros, toma-se como referência a análise do programa de necessidades, que
trata da relação entre usos e atividades escolares e as configurações espaciais ao decorrer
dos anos; e a análise da estrutura e materiais construtivos, que reflete a tecnologia de cada
época.
A ETE Carlos de Campos foi fundada em 1911, e nas primeiras décadas do século
XX foi instalada em um antigo palacete; só em 1930 passou a funcionar em um edifício
projetado especificamente para ela, onde se mantém até hoje. Desde 1930 a escola sofreu
diversas reformas, sendo a mais importante em 1976, quando a área construída
praticamente dobrou (CARVALHO, 2012). O projeto do edifício de 1930 dialoga com outras
escolas da República Velha em sua tipologia, materiais e elementos expressivos. O mesmo
acontece com a construção de 1976, que dialoga com as construções escolares de sua
época.
1 Dentre os parâmetros propostos pelo autor, destacam-se a análise urbanística, que identifica “a história dos
espaços exteriores em que surge o monumento e que ele contribui para criar”, associada à paisagem – que
considera a escala do edifício em relação as edificações vizinhas - , e à implantação; a análise volumétrica, que
trata do “invólucro mural do edifício”, e arquitetônica, que estuda “a história da concepção espacial, como os
espaços criados são sentidos e vividos”; a análise dos elementos decorativos, que busca explicar as propostas
das esculturas e pinturas aplicadas à arquitetura (ZEVI, 1949, p. 54-55).
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Apesar de ser uma escola centenária e protegida pelos órgãos de patrimônio
histórico, os seus aspectos espaciais, arquitetônicos e construtivos foram pouco abordados
em estudos acadêmicos; dificilmente se encontram informações mais completas sobre o
edifício e suas transformações ao longo do tempo. Nesse sentido, o levantamento e a
análise de documentos “esquecidos” são essenciais para uma compreensão mais ampla da
trajetória do ensino profissional em São Paulo.
A partir de pesquisas em arquivos – como o Arquivo Histórico de São Paulo, o
Arquivo da Companhia Pública de Obras e Serviços (CPOS), do Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) e do Centro de
Memória da própria escola (mantido pelo Centro Paula Souza) – foi possível reunir plantas
antigas, fotos e textos (recortes de jornais, declarações de antigos usuários e documentos
relativos ao tombamento) que serviram de base para reconstituição de parte da história do
edifício. Como coloca Le Goff,
A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas
pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o
que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das
flores habituais (...) Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do
homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os
gostos e as maneiras de ser do homem. (LE GOFF, 2003, p. 530)
A busca de materiais como desenhos, fotografias e depoimentos – e o posterior
redesenho e análise desses documentos, pensando-os em relação com as mudanças no
ensino profissionalizante ao longo desses mais de cem anos – fazem parte do esforço de
“fazer falar o edifício”, ou seja, de ler a espacialidade e a materialidade da escola como
meios de se entender mais sobre os homens e a sociedade que o produziram, de acordo
com Fevcre:
“Toda uma parte, e sem dúvida a mais apaixonante do nosso trabalho de historiadores,
não consistirá num esforço constante para fazer falar as coisas mudas, para fazê-las
dizer o que elas si próprias não dizem sobre os homens, sobre as sociedades que elas
produziram, e para constituir, finalmente, entre elas, aquela vasta rede de solidariedade
e de entreajuda que a supre a ausência do documento escrito?” (apud LE GOFF, 2003,
p.530)
O projeto original (1925)
A primeira Escola Profissional Feminina de São Paulo é criada em 1911, durante a
República Velha (1889-1930), em um cenário de desenvolvimento comercial, urbano e
industrial da cidade. O ensino profissional, de forma geral, ganha investimentos do Estado
nesta época por conta das ideias progressistas dos industriais paulistas, que neste período
estavam em busca de mão de obra especializada (MORAES, 2002, p.22).
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A escola surge para atender meninas, em geral filhas de imigrantes, maiores de doze
anos, às quais eram ensinados ofícios que, muitas vezes, se confundiam com prendas
domésticas – Confecção; Rendas e Bordados; Flores e Chapéus. As alunas também
assistiam a aulas convencionais, como as de Português, Aritmética, Geografia e Desenho
Geométrico (NOVELLI, 2007, p.7). A localização, nas esquinas da Rua Monsenhor Andrade
e da Rua Oriente, no bairro fabril do Brás, era estratégica para que filhas de trabalhadores
pudessem frequentar as aulas.
Inicialmente, a escola é instalada em um palacete já existente, adaptado para o
ensino profissional feminino. Parte das salas ganhou um novo fechamento para que o
número de salas de aula fosse ampliado, outras duas pequenas salas também foram
adaptadas no corpo principal do palacete, uma para direção e outra para os professores. Ao
fundo do terreno, deslocados da estrutura principal do edifício, onde estavam localizadas as
salas, são remodelados sanitários e uma cozinha.
Figura 1 – Primeiro palacete onde a escola ficou instalada. Fonte: CPOS, 2002
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Figura 2 – Plantas do pavimento térreo e do primeiro pavimento do palacete adaptados para receber
a Escola Profissional Feminina. Fonte: Centro de Memória Carlos de Campos
Em 1925 o arquiteto Cesar Marchísio, através do Departamento de Obras Públicas
(DOP), realiza o projeto de um novo edifício para a escola, a ser implantado no mesmo
terreno do antigo palacete, que deveria ser demolido (CPOS, 2002). O projeto consistia em
um edifício de simetria longitudinal com três pavimentos que se dispunham ao redor de um
pátio. No térreo, quatro alas delimitavam um pátio central, criando um edifício de planta
retangular. No primeiro pavimento, apenas três das alas do pavimento térreo se repetiam, a
frontal e as laterais, a ala posterior do pavimento térreo transformava-se aqui em um terraço
com acesso pelo final das alas laterais. No segundo pavimento a ala posterior se dissolvia
por completo e deixava de existir, sendo repetidas as três alas do primeiro pavimento, o que
fazia com que a planta se assemelhasse ao formato de um “U”. No edifício de Marchísio é
possível notar duas tipologias comuns das construções escolares do período, a primeira
delas é a que dispõe as alas do edifício entorno de um pátio, que geralmente era um jardim;
a segunda é a apresentada nos dois pavimentos superiores, em formato de “U”.
Por conta dos pés-direitos altos e uma construção elevada do nível da rua, o edifício
ganharia destaque no entorno imediato – que era composto majoritariamente por casas e
sobrados baixos – por sua altura e volumetria. As fachadas projetadas para este edifício
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evidenciavam a ideia de monumentalidade desejada pelos industriais paulistas. Na fachada
principal externa, muitos ornamentos enriqueciam o edifício e buscavam mostrar a qualidade
das escolas. Duas grandes alegorias ao topo do edifício apresentavam rocas de fiar em
relevo, como representação dos ofícios ensinados ali. Ao centro da fachada, nos primeiros
pavimentos, colunas em estilo coríntio formavam colunatas que delineavam varandas
curvilíneas – numa sequência continuada por falsas colunas intercaladas por grandes
janelas que formavam algo semelhante a um único pano de vidro. No último pavimento,
havia uma sequência uniforme de janelas separadas por falsas colunas (WOLFF, 2010,
p.300). As fachadas voltadas para o pátio interno, vistas apenas pelos usuários do edifício,
eram mais simples, compostas apenas de janelas de caixilhos delgados que permitiam a
comunicação visual entre as alas e o pátio.
Figura 3 - Fachada principal da ETE Carlos de Campos. Fonte: CPOS, 2002
No que diz respeito ao programa de necessidades da escola, o ensino de ofícios e
aulas comuns, antes adaptadas ao palacete, não exigia soluções técnicas diferentes das
encontradas em outras escolas do período, salas amplas iluminadas através de grandes
janelas (WOLFF, 2010, p.300). Sendo assim, quase todo edifício era composto por salas de
aula com janelas grandes voltadas para o centro do edifício. O pátio central, possivelmente
um jardim, também cumpria com a função de aumentar a insolação e aeração dos
pavimentos, seguindo também preceitos higienistas disseminados através do Código de
Posturas do Município desde o final do século XIX.
De acordo com os padrões das escolas da época, pouco, ou nada, do espaço era
destinado à administração. Como coloca Vilanova Artigas, ao analisar as escolas do
período, “Quanto ao programa, tudo era ensino, nem ao menos um recinto para
administração” (1970, p. 125). Na Escola Profissional Feminina de Cesar Marchísio,
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provavelmente, apenas uma pequena sala na entrada do edifício servia a direção e outra, de
dimensão semelhante, aos professores. Além das salas de aula de medidas padronizadas e
esses outros dois espaços menores, os pavimentos do projeto original apresentavam
sanitários femininos ao final das alas laterais. Não foram projetados sanitários masculinos, o
que exigiu adaptações posteriores no edifício.
Em relação às circulações do edifício, amplos corredores conectam as alas de cada
pavimento, além disso, escadas, localizadas no encontro das alas laterais com as frontais,
permitem a circulação entre os pavimentos. As escadas eram acompanhadas de
elevadores, que eram uma alternativa à circulação vertical. As fachadas com janelas,
voltadas para o pátio interno, são reservadas para as salas de aula, os corredores contam
apenas com a iluminação natural vinda de vidraças situadas nas suas extremidades.
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Figura 4 – Pavimentos do projeto original. Fonte: imagem elaborada a partir de plantas de CPOS,
2002 / WOLFF, 2010, p.306 *Os itens 2 e 3 são suposições baseadas em tipologias da época
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O projeto construído (1929)
O edifício foi executado em 1929 e apenas as partes correspondentes às alas frontal
e lateral esquerda foram construídas. O edifício foi executado com um número menor de
salas do que o projetado, além de apenas um sanitário e uma escada por pavimento, e
apenas um elevador. A execução incompleta impossibilitou a realização o partido simétrico
pretendido projetista, além de prejudicar a unidade volumétrica e o efeito de
monumentalidade. O pátio interno não foi formado e as fachadas internas passaram a ser
expostas para a rua Oriente. E, surpreendentemente – numa solução justificada pela falta de
verbas –, o antigo palacete não foi demolido e continuou a ocupar a área que seria
destinada ao pátio, o que reduziu a aeração e insolação dos primeiros pavimentos, além de
impedir a comunicação visual entre eles.
Observado de frente, o edifício parece simétrico, efeito causado pela fachada
principal ter sido construída por inteiro, porém a falta de continuidade lateral fez com que ela
perdesse a característica de centralidade e parte de sua imponência. Ao se observar o
edifício a partir da Rua Oriente, a fachada construída parece desconectada do restante da
construção. Não foram encontrados os projetos das fachadas laterais e a fachada lateral
direita foi executada como uma empena cega. Percebe-se que, com a falta de verba para a
execução do edifício projetado, priorizou-se a execução da fachada por completo ao invés
da construção de um número maior de salas de aula. Tal atitude enfatiza o significado
político e social que o edifício escolar tinha na época.
Figura 5 - Fachada sem continuidade. Fonte: CPOS, 2002 / Arquivo pessoal Gabriela Russo, 2015
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Figura 6 - Pavimentos executados com palacete. Fonte: imagem elaborada a partir de plantas de:
CONDEPHAAT / Centro de Memória Carlos de Campos
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A reforma da década de 1970
Em 1974, um artigo de jornal alerta a população sobre as más condições do palacete
da Escola Profissional Feminina; segundo a reportagem, o corpo de bombeiros, a Light
(empresa responsável pelo fornecimento de energia) e a prefeitura condenaram o edifício
(NESTE, 1974). Na mesma década o palacete é demolido.
Figura 7 - Palacete em más condições em 1974. Fonte: Centro de Memória ETE Carlos de Campos
No ano de 1976 ocorre uma reforma para a ampliação da escola. Duas novas alas
são construídas na mesma área que deveria ser ocupada pelas alas não construídas do
projeto original. Em 1976, quando a escola comemora seus 65 anos de existência, explicita-
se que os espaços há muito eram insuficientes (CARVALHO, 2012), dado o aumento da
procura pelo ensino profissional.
Nas duas novas alas, são previstas salas de aula comuns e laboratórios (cozinha,
pranchetários, ateliês de costura) para atender às necessidades do ensino
profissionalizante. Cursos antes existentes foram remodelados nessa época, e a Carlos de
Campos passa a oferecer cursos próximos aos que são oferecidos ainda hoje (Nutrição e
Dietética, Enfermagem, Design de Interiores, Edificações, Comunicação Visual e
Modelagem do Vestuário).
Seguindo propostas da escola moderna, a reforma cria espaços divididos por função.
Além dos ambientes voltados ao ensino, também são construídos espaços para recreação,
como uma quadra esportiva ao centro do terreno, um pátio coberto e uma lanchonete no
térreo da ala direita. Como apoio às atividades de ensino, construiu-se uma biblioteca e um
auditório no último pavimento da ala direita.
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As novas alas não são elevadas em relação à rua, como ocorre com a parte antiga, e
o pé-direito delas é inferior. Isso faz com que a conexão entre os pavimentos da nova
construção e da antiga ocorra através de escadas. A circulação total do edifício passa ser
mais complexa e pouco eficiente. Cada pavimento da nova construção tem uma circulação
específica e se conectam ao antigo edifício de forma descontínua.
Figura 8 - Acessos entre os pavimentos do edifício original e da nova construção. Fonte: Arquivo
pessoal Gabriela Russo, 2015
As diferenças de altura de pé direito e no nível do edifício em relação à rua provocam
uma diferença perceptível nos gabaritos das duas construções. Da quadra esportiva, pode-
se notar a falta de continuidade no perímetro da edificação. Um chanfro criado com a função
de aumentar o espaço interno de circulação pode ser observado na junção da ala frontal e
da ala direita. Entre a ala direita e a posterior uma saliência é construída por conta da
circulação vertical. No espaço vazio no centro do edifício, pequenas construções de apoio –
depósitos de materiais de manutenção – datadas dos anos 1970 e de anos recentes,
contribuem para romper a continuidade visual.
Do pátio interno também é possível notar a diferença entre as janelas das duas
edificações. Enquanto grandes janelas permitem a entrada de luz e ar nas salas de aula na
parte antiga, na parte nova, pequenas janelas basculantes limitam a aeração e iluminação
dos corredores de acesso às salas da nova ala.
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Figura 9 - Falta de continuidade no perímetro do pátio central e janelas destoantes. Fonte: Arquivo
pessoal Gabriela Russo, 2015
Uma nova fachada com um novo acesso, voltado para a Rua Oriente, é criada com a
ampliação da escola. O gabarito menor da nova construção ajuda a ampliar a sensação de
falta de diálogo entre as duas construções. Um muro esconde boa parte das novas alas, o
que se pode ver são algumas janelas bem menores que as originais. Tanto na fachada,
quanto no interior das novas alas, os materiais usados seguem o padrão das escolas
públicas construídas a partir da década de 1960, com estrutura de concreto pré-fabricada e
outros elementos industrializados, como os caixilhos por exemplo.
Situação atual
Figura 10 - Fachadas atuais da ETE Carlos de Campos. Fonte: Arquivo Pessoal Gabriela Russo,
2015
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A situação atual é semelhante àquela da década de 1970. Algumas reformas foram
feitas para manutenção do edifício, principalmente depois de 1994, quando a escola foi
incorporada ao Centro Paula Souza.
Em 2010 o edifício foi tombado na categoria de bem cultural pela Secretaria de
Cultura, junto com outras 125 escolas construídas entre 1890 e 1930. Segundo a resolução
60, de 21 de julho de 2010, publicada no Diário Oficial de 11 de novembro de 2010, são
razões para o tombamento dessas escolas
O significado cultural, histórico e arquitetônico (...); A representatividade deste
conjunto em relação às políticas públicas educacionais (...); A representatividade
deste conjunto em relação às políticas de construção de obras públicas (...); A
qualidade arquitetônica desse conjunto caracterizado pela técnica construtiva
simples, mas adequada; por uma linguagem que simplificou estilisticamente os
atributos clássicos acadêmicos do século XIX e por uma organização espacial
que, concebida primordialmente através de projetos arquitetônicos padronizados,
limitou-se a distribuir salas de aulas ao longo de eixos de circulação em plantas
simétricas que incorporaram os preceitos de higiene, insolação e ventilação
preconizados pela ciência da construção civil daquele momento; E pela relevância
de cada edifício em sua relação com os municípios de diferentes configurações
urbanas em que estão localizados. (BRASIL, 2010)
A reforma mais significativa realizada após o tombamento foi feita em 2012, na parte
nova do edifício, tendo como finalidades manutenção e acessibilidade. Uma nova biblioteca
e um novo auditório foram construídos, no mesmo local onde existiam os antigos, em
padrões semelhantes aos de 1976. A circulação vertical é ampliada pela instalação de um
elevador que conecta as alas posterior e esquerda, além de uma escada nova que liga os
últimos pavimentos das alas frontal e direita. A nova construção, apesar de conectar-se
fisicamente com a antiga, de 1930, não dialoga com esta última. É clara a falta de
preocupação em criar uma relação entre as partes do edifício.
Hoje, reflexo da falta de preocupação com as diretrizes de tombamento quanto à
regulamentação da área envoltória (que proíbe a colocação de antenas de telefonia,
cartazes, painéis luminosos ou faixas publicitárias em área dos lotes onde localiza a escola;
reprova as instalações de pontos de táxi nas calçadas frontal e laterais do edifício), no muro
que evolve a escola estão fixadas duas enormes placas. Também não foi respeitada a
determinação de que não deveriam haver interferências físicas ou visuais agressivas, como
por exemplo a instalação de pontos de táxi (já que existe um na calçada da Rua Oriente).
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Considerações finais
Com a presente pesquisa, constata-se que o edifício da ETE Carlos de Campos foi
na realidade muito pouco estudado em sua materialidade e espacialidade, considerando os
seus mais de cem anos de existência e o seu potencial enquanto expressão das
transformações ocorridas no ensino profissional paulista.
Em um primeiro momento, o projeto original de Cesar Marchísio, um edifício
monumental e imponente, expressa a importância dada ao ensino técnico como parte da
ideologia progressista dos industriais paulistas: um verdadeiro símbolo da ligação que se
estabelecia entre “instrução pública” e progresso material.
Na passagem do papel à realidade, no entanto, o improviso se impõe: o projeto é
construído pela metade e encontra-se uma solução precária de casamento entre o edifício
projetado e o velho palacete, que já existia no terreno, situação que perdura por décadas.
Haveria uma relação entre esta indefinição espacial e a indefinição do próprio ensino
profissional feminino à época – que oscilava entre as prendas domésticas e o que o
mercado de trabalho de fato exigia da mão-de-obra feminina?
Entre as décadas de 1950 e 1960, quando se estabelecem os cursos de design no
país, acredita-se que para o país superar o “subdesenvolvimento” seria necessário que se
adquirisse tecnologias próprias e uma mão-de-obra mais qualificada tecnicamente. Nesse
novo momento histórico – que irá desembocar na Ditadura Militar e no chamado “milagre
econômico” –, a escola sofre importantes mudanças espaciais, com a demolição do antigo
palacete e a construção das novas alas. É um investimento estatal razoavelmente grande,
que entretanto, parece pouco planejado, ignorando a arquitetura pré-existente e o caráter
histórico do edifício, e promovendo um fechamento espacial bastante agressivo, talvez em
consonância com o caráter autoritário do próprio regime.
Em anos recentes, o tombamento do edifício aparece como um reconhecimento
institucional de seu valor cultural, histórico e arquitetônico; mas tal ato legal não se reflete
em ações concretas de recuperação da memória da escola (veja-se, por exemplo, as
grandes dificuldades enfrentadas pelos professores que tentam estabelecer os Centros de
Memória) e menos ainda na preservação de seu espaço físico e de seu caráter
arquitetônico, dados essenciais dessa memória (o que se confirma nas reformas realizadas
recentemente no edifício e em sua área envoltória, exemplos de descaso e ausência de
projeto).
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Contrariando a contribuição da historiografia e da crítica modernas, que reconhecem
o valor dos testemunhos históricos representados pelos documentos (sob as suas mais
diversas formas, textos e imagens, plantas e tijolos), o edifício da Carlos de Campos segue
sendo encarado como monumento, um pobre monumento, resquício de uma história da qual
as autoridades fazem pouca questão de se lembrar e entender. É um edifício mudo, e, por
isso, as mulheres e os homens cuja história e memória se ligam àqueles espaços estão
também mudos. Esperamos, entretanto, que essa pesquisa possa somar-se a muitas outras
no intuito de recuperar-lhes a voz.
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