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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA MARCELA ANDRESA SEMEGHINI PEREIRA O DIREITO AO LAZER: CONSTRUÇÃO CRÍTICA DO TRABALHO HUMANO VALORADO SEGUNDO A (DES) ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL MARÍLIA 2015

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

MARCELA ANDRESA SEMEGHINI PEREIRA

O DIREITO AO LAZER: CONSTRUÇÃO CRÍTICA DO TRABALHO HUMANO

VALORADO SEGUNDO A (DES) ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL

MARÍLIA

2015

1

MARCELA ANDRESA SEMEGHINI PEREIRA

O DIREITO AO LAZER: CONSTRUÇÃO CRÍTICA DO TRABALHO HUMANO

VALORADO SEGUNDO A (DES) ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em

Direito da Universidade de Marília como requisito para a

obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação

do Prof. Dr. Lourival José de Oliveira.

MARÍLIA

2015

2

Pereira, Marcela Andresa Semeghini

Direito ao lazer: construção crítica do trabalho humano valorado segundo a (Des) Ordem Econômica Constitucional / Marcela Andresa Semeghini Pereira. – Marília: UNIMAR, 2015.

152f.

Dissertação (Mestrado em Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social) – Faculdade de Direito da Universidade de Marília, Marília, 2015.

1. Direito ao Lazer 2. Trabalho Digno 3. Valoração do Trabalho Humano I. Pereira, Marcela Andresa Semeghini

CDD -- 341.6

3

MARCELA ANDRESA SEMEGHINI PEREIRA

O DIREITO AO LAZER: CONSTRUÇÃO CRÍTICA DO TRABALHO HUMANO

VALORADO SEGUNDO A (DES) ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília

como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr.

Lourival José de Oliveira.

Aprovado em: __/__/____

_______________________________________________ Coordenação do Programa de Mestrado em Direito

Considerações___________________________________

______________________________________________

______________________________________________

______________________________________________

4

Dedico este trabalho aos meus filhos João Pedro e

Luiz Fernando, pelo tempo em que foram privados

da minha presença e pelo amor incondicional.

Dedico este trabalho, em geral, a todos

trabalhadores do mundo que, com o suor de seus

corpos, com a força de suas mãos, e com a exaustão

de seus nervos, produzem e reproduzem as

condições materiais e sociais de nossa existência.

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu companheiro Danilo, pelo incentivo, parceria, amizade,

compreensão, afeto e contenção, em todos os sentidos, ao longo de todos os

momentos que envolveram o desenvolvimento das pesquisas e a elaboração

desta dissertação. Aos meus filhos João Pedro e Luiz Fernando, pelo incentivo,

compreensão, alegria, suporte às minhas “ausências” e pela inspiração em minha

vida, inclusive pelo auxílio acadêmico, quando apresentaram um seminário na

disciplina Teoria da Empresa.

Aos meus pais, Antonio Francisco Pereira e Maria Martha, e minha irmã

mais nova Laira, pela compreensão e apoio inconteste de sempre e pelo suporte

afetivo, familiar e humano dado ao longo de toda a trajetória que permeou

minha vida e este mestrado, em especial.

Ao professor Doutor Lourival José de Oliveira, o qual foi um privilégio e

grande honra tê-lo como orientador, pela paciência, apoio constante e

demonstração do caminho a ser percorrido nesta Dissertação.

Ao professor Doutor Jonathan Barros Vita pelos ensinamentos e auxílio

na escrita de dois artigos que serviram de base e aprendizado para todo o Curso

de Mestrado.

A querida amiga Luciana Teixeira, pelo companheirismo, força e

motivação prestados desde a graduação e antes, durante e depois do Mestrado.

As companheiras de curso Luitt, Catia, Isabel, pelos momentos de

descontração e alegria que tivemos e todos aqueles que tornaram esta jornada

leve e prazerosa.

Enfim, a todos os professores do Curso de Mestrado da Unimar, aos

colegas de turma e ao secretário José Augusto Marchesin, sempre prestativo,

gentil e bem humorado.

6

É preciso admitir que o sábio uso do ócio é um

produto da civilização e da educação. Um homem

que trabalhou muitas horas por dia, durante a sua

vida, se entendia imprevistamente, não tem mais

nada para fazer. Mas, se este mesmo homem não

dispõe de uma certa quantidade de tempo livre, vê-se

privado das melhores coisas. Não existem mais as

razões pelas quais a grande massa da população

deva continuar a sofrer esta privação. Somente um

ascetismo para nos induzir a trabalhar muito, quando

não existe a necessidade disto.

(Bertrand Russell – Elogio ao Ócio)

(Etienne de la Boétie)

Todos os homens, de todos os tempos, e ainda os de

hoje, dividem-se entre escravos e livres, porque

quem não dispõe de dois terços do próprio dia é um

escravo, não importa o que seja de resto: homem de

Estado, comerciante, funcionário público ou

estudioso.

(Friedrich Nietzsche)

Deus pede estrita conta do meu tempo,

É forçoso do tempo já dar conta,

Mas como dar em tempo tanta conta,

Eu, que gastei sem conta tanto tempo?

Para ter minha conta feita a tempo

Dado me foi bom tempo e não fiz conta;

Não quis, sobrando tempo, fazer conta,

Quero hoje fazer conta e falta tempo.

Oh! Vós, que tendes tempo sem ter conta,

Não gasteis vosso tempo em passa tempo.

Cuidai, enquanto é tempo, em fazer conta.

Mas oh! Se os que contam com seu tempo

Fizessem desse tempo alguma conta

Não choravam sem conta o não ter tempo.

(Laurindo Rabello da Silva, O tempo)

O Caminho da Vida

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da be-

leza, porém nos extraviamos.

A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou

no mundo as muralhas do ódios... e tem-nos feito

marchar a passo de ganso para a miséria e morticí-

nios.

7

Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos

enclausurados dentro dela. A máquina, que produz

abundância, tem-nos deixado em penúria.

Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa

inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em

demasia e sentimos bem pouco.

Mais do que de máquinas, precisamos de humanida-

de. Mais do que de inteligência, precisamos de afei-

ção e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de vio-

lência e tudo será perdido.

(Charles Chaplin, O Último discurso, do filme O

Grande Ditador)

8

O DIREITO AO LAZER: CONSTRUÇÃO CRÍTICA DO TRABALHO HUMANO

VALORADO SEGUNDO A (DES) ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL

RESUMO: O presente trabalho abordou o tema Direito ao Lazer, considerando-o como

Direito Fundamental, necessário para o desenvolvimento econômico e social, destacando-o

sobre o prisma da centralidade do trabalho humano. O Direito ao Lazer, ou tempo livre, está

relacionado ao divertimento e ao descanso, sendo conceituado de forma ampla, como por

exemplo, momento de reflexão, criatividade, crítica, ousadia. Enfim, é um momento no qual o

indivíduo tem ampla liberdade e autonomia, considerando-se a necessidade do tempo livre

como um dos requisitos para que o trabalho humano seja de fato valorizado. A utilização do

direito ao lazer de forma prazerosa deve ser aplicado tanto àqueles praticantes do trabalho

material quanto do trabalho imaterial. Um bom aproveitamento do tempo livre gera o

crescimento da subjetividade, da afetividade, da qualidade de trabalho e da vida, condições

essenciais para a efetivação do trabalho humano e digno. Enquanto resultados da presente

pesquisa obteve-se: que o Direito ao Lazer ou tempo livre é uma das condições necessárias à

obtenção da dignidade no trabalho e valoriza sua humanidade; que o tempo livre garante a

expressão da subjetividade humana, contribuindo para a construção de um ambiente de

trabalho criativo; que está contido na expressão “desenvolvimento social”, a existência do

tempo livre, em cumprimento ao mandamento constitucional consubstanciado no artigo 170

da Constituição Federal de 1988; que contribui para a emancipação individual e social; e o

tempo livre é necessário para o livre desenvolvimento integral da personalidade e

desenvolvimento das potencialidades do trabalhador. Utilizou-se, na presente pesquisa, a

técnica de orçamento de tempo. Muitos elementos da vida social estão associados à

distribuição temporal das atividades humanas e às reincidências, duração, frequência e

sequência de ordem. Apropriou-se do método de pesquisa materialista histórico, com a

perspectiva teórica e dialética, com pesquisas bibliográficas, adentrando em áreas afins, como

por exemplo, a Ciência Política, a História, a Sociologia e a Economia principalmente.

Palavras Chave: Direito ao Lazer. Trabalho Digno. Valoração do Trabalho Humano.

9

LEISURE TO RIGHT: CONSTRUCTION WORK CRITICAL HUMAN VALUED BY

ECONOMIC (DIS) ORDER CONSTITUTIONAL

ABSTRACT: This study addressed the topic Right to Leisure, considering it as a Fundamental

Right, necessary for economic and social development by highlighting it on the prism of the

centrality of human labor. The Right to Leisure, or free time, is related to fun and relaxation,

being conceptualized broadly, such as moment of reflection, creativity, critical, daring.

Anyway, it's a moment in which the individual has complete freedom and autonomy,

considering the need of free time as a requirement for human labor is valued of fact. The use

of the right to a pleasurable way leisure should be applied both to those practitioners of the

material work as immaterial labor. A good use of free time generates growth of subjectivity,

affectivity, quality of work and life, essential conditions for the realization of human and

decent work. While results of this study were obtained: that the Right to Leisure or free time

is one of the conditions required to obtain the dignity at work and value your humanity; that

free time guarantees the expression of human subjectivity, contributing to the construction of

a creative work environment; that is contained in the term "social development", the existence

of free time, in compliance with the constitutional law embodied in Article 170 of the 1988

Constitution; contributing to social peace; and the free time is needed for the free

development of personality and full development of worker potentials. Was used in this study,

the time budget technique. Many elements of social life are associated with the temporal

distribution of human activities and of recidivism, duration, frequency and sequence order.

Appropriated the historical materialist research method, with the theoretical and dialectical

perspective, with literature searches, entering in related fields, such as Political Science,

History, Sociology and Economics mainly.

Keywords: Right to Leisure. Decent Work. Valuation of Human Labor.

10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12

1 DO DIREITO AO LAZER ......................................................................................... 16

1.1 O CONCEITO (S) DE LAZER ..................................................................................... 16

1.2 HISTÓRICO DO DIREITO DO TRABALHO E DO DIREITO AO LAZER ............. 23

1.2.1 História do Direito do Trabalho no Brasil ................................................................... 310

1.3 FINALIDADES DO LAZER NA SOCIEDADE APÓS A REVOLUÇÃO

INDUSTRIAL ........................................................................................................................ 343

1.3.1 Lazer como elemento cultural de uma sociedade de massa ......................................... 40

1.3.2 O Lazer como momento de questionamento do Fetichismo da mercadoria e da

Reificação do trabalhador ....................................................................................................... 422

1.4 A PRÁTICA DO DIREITO AO LAZER E SUA INFLUÊNCIA NO PROCESSO DE

PROLETARIZAÇÃO...............................................................................................................46

2 O DIREITO AO LAZER ENQUANTO DIREITO SOCIAL ................................. 53

2.1 DIREITO AO LAZER: UM DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL .......................... 54

2.1.1 Garantias de práticas do Direito ao Lazer na Constituição Federal de 1988 ................ 57

2.2 A JORNADA DE TRABALHO ENQUANTO CONDIÇÃO DO DIREITO AO

LAZER ..................................................................................................................................... 59

2.2.1 Jornada diária de trabalho ............................................................................................. 61

2.2.2 Conceitos de jornada diária de trabalho ....................................................................... 62

2.2.3 Garantias ao Lazer ........................................................................................................ 65

2.2.3.1 Repouso Semanal ......................................................................................................... 66

2.2.3.2 Férias ............................................................................................................................ 67

2.3 CRÍTICA À FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA E A

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ......................... 68

2.3.1 Métodos de flexibilização da jornada de trabalho ........................................................ 76

2.3.2 A flexibilização da jornada de trabalho e as horas extras: prática atual ....................... 77

2.3.3 Trabalho aos domingos e feriados: disposições normativas ......................................... 84

2.3.4 Crítica à 10ª Ementa da Confederação Nacional da Indústria para modernização

trabalhista ................................................................................................................................. 86

3 O LAZER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O CUMPRIMENTO DA

ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL .................................................................................... 90

3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O TRABALHO HUMANO: PRINCÍPIOS

FUNDAMENTAIS DA ORDEM ECONÔMICA .................................................................... 91

3.2 A NOVA MORFOLOGIA DO TRABALHO E A PRÁTICA DO LAZER ................ 94

3.2.1 O trabalho imaterial e suas implicações no Lazer ...................................................... 98

3.2.2 O Trabalho Decente ............................................................................................... 10505

3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER NO BRASIL ............................................ 10707

3.3.1 Propostas de Políticas Públicas para práticas de Lazer ......................................... 10908

3.4 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E AS PRÁTICAS DE LAZER ................. 11111

3.4.1 A função social da empresa em convergência com o tripé de sustentabilidade ..... 11818

3.5 INSTRUMENTOS JURÍDICOS DO DIREITO AO LAZER ................................ 12323

3.5.1 A aplicabilidade dos Direitos Fundamentais .......................................................... 12323

3.5.2 Inconstitucionalidade por omissão ......................................................................... 12525

3.5.3 Instrumentos Constitucionais para garantia do Direito ao Lazer ........................... 12727

3.5.4 Mandado de Injunção ............................................................................................. 12929

11

3.5.5 A Ação Civil Pública .............................................................................................. 13131

3.6 CONCRETITUDE DO DIREITO AO LAZER ..................................................... 13535

CONCLUSÕES ................................................................................................................. 14343

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 14646

12

INTRODUÇÃO

O despertar para o interesse e estudo do tema Direito ao Lazer ocorreu no

desenvolvimento do Programa de Mestrado, considerando as necessidades de sua crítica,

multidisciplinar, por conta da forma que o tema era tratado por constitucionalistas.

Posteriormente o estudo do ambiente de trabalho, a falta de tempo livre para o trabalhador

apresentou-se de forma gritante e junto com o excesso de trabalho vieram às consequências

danosas à incolumidade física e psíquica do trabalhador, como por exemplo, o estranhamento,

alienação, acriticidade e submissão. Daí surgiu o estudo do Direito ao Lazer adotando-se

inicialmente o método dedutivo, com a sua conceituação e delimitação do objeto desaguando

em proposições que visem a garantí-lo em sua condição de Direito Fundamental.

O objetivo jurídico do trabalho é verificar até que ponto o Direito, a legislação

brasileira, garante a prática/fruição do Direito ao Lazer. Entendendo e refletindo o lazer não

apenas como tempo de não trabalho em que o homem descansa e se dedica a compromissos

familiares, religiosos e políticos; mas que possibilite ao homem desenvolver-se integralmente,

através da reflexão e prática de atividades prazerosas e educativas.

O presente trabalho é dividido em três capítulos e na tentativa de torná-lo mais

completo foram apresentadas as contribuições sociológicas, econômicas, políticas e a

evolução histórica referente ao tema considerando-se o meio ambiente do trabalho como fator

de centralidade na construção da sociedade enquanto produzindo efeitos diversos na condução

das relações sociais.

O primeiro capítulo consiste em uma abordagem histórica do Direito do Trabalho e do

lazer, sua importância, seu desenvolvimento e a influência da igreja e do Estado neste

processo. Foram apresentadas as principais contribuições dos filósofos frankfurtianos com

várias possibilidades de se usar o tempo livre. Também neste capítulo passou a tratar do lazer,

ou melhor, do conceito de Direito ao Lazer, considerando-se que não é possível atribuir a ele

um conceito único.

Abordou-se as principais contribuições marxistas e marxianas (trata-se de

interpretações de textos do próprio Karl Marx, dadas por outros autores) a respeito do lazer e

do trabalho. Marx, no primeiro capítulo do Capital, disserta sobre a inversão de valores entre

trabalhador e mercadoria. Apanhando esta postura conceitual e metodológica como matriz

para o desenvolvimento do presente estudo.

Após a análise da expressão lazer, no capítulo seguinte, volta-se ao estudo do Direito

ao Lazer, consubstanciando a análise técnica e jurídica. Este direito encontra-se fundamentado

13

na Constituição Federal de 1988, apresentando-se como um dos Direitos Sociais que deve ser

amparado pelo Estado de forma direta e indireta, considerando-o como integrante da

composição que forma os Direitos Fundamentais.

A importância do Direito ao Lazer para o desenvolvimento psicológico, físico e social

foi realçado, tratando-o como sendo da responsabilidade do Estado, da família e dos demais

agentes sociais, muito embora a empresa seja apresentada como a principal responsável por

considerá-la como a beneficiária direta do trabalho prestado.

Abordou-se também o conceito de proletário e o processo de proletarização,

considerando que este vende seu trabalho e sua mente ao mundo capitalista, perdendo sua

subjetividade e personalidade e, consequentemente, seu Direito ao Lazer. Um dos fatores

responsáveis pela proletarização do trabalhador é a falta de tempo livre e a não prática do

Direito ao Lazer.

Falou-se sobre as transformações ocorridas no mundo do trabalho, a reestruturação

industrial, o surgimento de um regime de acumulação globalizado e a ênfase ao trabalho

imaterial, subjetivo e criativo é algo que desperta a necessidade da construção crítica sobre

aquilo que está sendo colocado enquanto trabalho humano.

A flexibilização das leis trabalhistas remete a importância da verificação do princípio

da dignidade da pessoa humana, fazendo com que parte das realizações de flexibilizações

praticadas atualmente ferissem estes princípios constitucionais.

As relações sociais capitalistas de produção tende a transformar o tempo de vida da

massa trabalhadora em tempo de trabalho e, por outro lado, cria ao mesmo tempo, as

condições objetivas imprescindíveis para reduzir este último e ampliar o tempo livre.

O intelecto e a criatividade passam a serem as condições essenciais e determinantes

neste novo mundo do trabalho, e neste contexto fica difícil distinguir o tempo de trabalho do

tempo livre, podendo gerar a compreensão ideológica no sentido de desconstruir a

necessidade de garantia de um tempo livre.

A máxima “nem só de pão vive o homem”, significa que a humanidade é muito mais

do que sua atividade laboral; é a junção de suas formas de manifestação de vida, as quais não

se reduzem somento no trabalho, sendo a universalidade de sua práxis.

Além de tratar da função social da empresa, apresentou-se a relevância do tripé de

sustentabilidade (Triple Bottom Line) que prega a união dos aspectos econômicos, sociais e

ambientais.

Há instrumentos jurídicos que podem garantir e proteger o Direito ao Lazer como, por

exemplo, a Ação Civil Pública, o Mandado de Injunção e Ação de Inconstitucionalidade por

14

Omissão, assuntos abordados no último capítulo.

O tempo livre aparece como um tempo de liberdade e de vida, externo às coações

naturais e sociais, enquanto que o tempo de trabalho, mesmo humanizado, aparece no reino da

necessidade, pois o trabalho corresponde a uma imposição inerente a condição humana que é

a manutenção da vida. O tempo livre é o tempo no qual os indivíduos realizam, ativa e

voluntariamente, aquilo que desejam, sob seu controle consciente, e no qual procuram

satisfação e desenvolvimento.

Esta breve apresentação possibilitou que a conscientização da importância, não apenas

do estudo, mas da prática do Direito ao Lazer, da utilização do tempo livre de forma prazerosa

e agradável se constitua em Direito Fundamental a ser dotado de efetividade plena e imediata.

Há antinomia entre o tempo dedicado ao trabalho e o tempo externo a este, tempo no

qual se evidencia o imenso alívio de se ver livre do trabalho, enfim, e em uma única expressão,

o tempo livre. Um dos problemas atuais em termos de relações de trabalho é como preservar a

liberdade humana no trabalho. De que maneira é possível associar ao trabalho a arte, a música,

a família, tornando o trabalho algo possível de ser prazeroso? São indagações que precisam

ser aprofundadas e se constituem em pontos importantes deste estudo e ao mesmo tempo

servem para delimitar o objeto em análise.

Utilizou-se, na presente pesquisa, a técnica de orçamento de tempo, sendo esta uma

forma de analisar o tempo, quantificando-o e qualificando-o. Muitos elementos da vida social

estão associados à distribuição temporal das atividades humanas e às reincidências, duração,

frequência e sequência de ordem. A técnica de pesquisa sobre orçamento de tempo se baseia

em observação direta, entrevista e empregos de materiais documentais que permitem

estabelecer relatos especificados e medidos de modo como às pessoas dispõem de seu tempo,

nas limitações de um dia de trabalho, de um fim de semana, de uma semana completa ou

outro período qualquer. 1

São muitas as variáveis medidas ao longo do eixo de tempo da vida individual e social,

como, a hora do dia em que se dão as atividades, a frequência de sua ocorrência, sua posição

sequencial em relação a outras atividades. Também, considera-se o aspecto locacional das

operações diárias, variáveis socioeconômicas de atividades observadas; por exemplo, em que

ambiente social, em ação recíproca com quem, em benefício de quem, e a que custos por

unidade de tempo elas se realizam.

1 SZALAI, A. Tendências da pesquisa contemporânea sobre o orçamento de tempo. In: BAUMAN,

Zygmunt; EISENSTADT, S. N.; GALTUNG, Johan; et al. Sociologia. Série Ciências Sociais. Rio de

Janeiro: FGV, 1976, p. 125.

15

O acesso desta técnica foi elaborado nos levantamentos sociais referentes a condições

de vida da classe trabalhadora. As longas horas de trabalho características do desenvolvimento

industrial e a luta travada desde o início pelo operariado organizado a favor da redução da

jornada torna compreensível que as proporções de trabalho e tempo disponível na vida

cotidiana dos trabalhadores tenham se tornado objeto de preocupação nos países em que a

industrialização avançava. 2

Observa-se que o tempo de vida, ou a ausência deste, têm sido o tema central de

levantamentos do orçamento de tempo realizados em praticamente todos os países onde o

estudo social alcançou certo estágio de desenvolvimento. Considera-se, dentro desta técnica

metodológica, que o tempo de vida somente pode ser interpretado de forma significativa

dentro do contexto global das atividades humanas.

A metodologia de pesquisa utilizada foi embasada pelo materialismo histórico, em

face da necessidade de confronto da realidade com a perspectiva teórica e dialética, pois o

exercício crítico permite compreender que o homem enquanto ser histórico na produção de

uma vida material estabelece relações de negação com o mundo e com ele próprio, criando

contradições e gerando conflitos nas relações que se tornam a base da organização de sua vida

social. Foram levantados dados a partir de pesquisas documentais (leis, decretos, resoluções e

tratados), e em pesquisas bibliográficas através de consulta em livros, artigos, dissertações,

teses e periódicos.

2 SZALAI, A. Tendências da pesquisa contemporânea sobre o orçamento de tempo. In: BAUMAN,

Zygmunt; EISENSTADT, S. N.; GALTUNG, Johan; et al. Sociologia. Série Ciências Sociais. Rio de

Janeiro: FGV, 1976, p. 128-129.

16

1 DO DIREITO AO LAZER

Neste capítulo será abordado o Direito ao Lazer, seu processo histórico, evolução e seus

conceitos, considerando o mesmo como o tempo de não trabalho, compromissos sociais e

políticos, um momento de liberdade do indivíduo que trabalha e do indivíduo que não

trabalha e o tempo de desenvolvimento integral de sua subjetividade.

No entanto, não há um consenso no conceito de lazer. Principalmente estudiosos da

área de sociologia, educação física e da área médica efetuaram estudos e pesquisas sobre o

lazer, apresentando vários entendimentos e múltiplas formas de práticas de lazer.

Para que haja melhor compreensão de todo o trabalho é essencial iniciar os estudos

abordando os principais tópicos apresentados sobre o tema lazer, demonstrando sua

importância e primordialidade para que a finalidade maior buscada pela Constituição Federal,

que é a dignidade da pessoa humana, seja de fato alcançada.

1.1 O CONCEITO (S) DE LAZER

Hannah Arendt3, com a expressão vita activa, pretende designar três atividades

humanas fundamentais que são o labor, trabalho e ação. Tratam-se de atividades fundamentais,

pois cada uma delas corresponde a uma das condições básicas, mediante as quais a vida foi

dada ao homem na terra (o homem sociológico).

O labor é a atividade correspondente ao processo biológico do corpo humano, cujo

crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com as necessidades

vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. A condição humana do labor é

a própria vida, a vida natural, biológica.

O trabalho é a atividade instrumental, e é desta maneira obrigada a procurar na ação (e

na linguagem) a relação com o outro que permite fundar a política. O trabalho é uma atividade

em que o homem não é presente no mundo, nem com outras pessoas, mas é somente com o

próprio corpo, ocupado para fazer frente à sua necessidade de permanecer em vida.

O trabalho produz um mundo artificial de coisas, nitidamente diferente de qualquer

ambiente natural, e dentro de suas fronteiras habita cada vida individual, embora esse mundo

se destine à sobrevivência e a transcender todas as vidas individuais. Assim, conclui-se que a

condição humana do trabalho é a mundanidade.

3 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 15-

16.

17

A ação, atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das

coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens

(e não o Homem) vivem na Terra e habitam o mundo. A pluralidade é a condição essencial da

ação humana pelo fato de que todos são humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a

qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir.

As três atividades e suas condições têm íntima relação com as condições mais gerais

da existência humana: o nascimento e a morte, a natalidade e a mortalidade. O labor assegura

a sobrevivência e a vida da espécie. O trabalho é seu produto, o artefato humano, emprestam

certa permanência e durabilidade à futilidade da vida mortal e ao caráter efêmero do tempo

humano. A ação, quando se dedica a preservar corpos políticos, empresta condição para a

lembrança e para a história.

A condição humana é algo mais do que as condições nas quais a vida foi dada ao

homem, pois estes são seres condicionados, ela é tudo aquilo com o qual eles entram em

contato, tornando-se uma condição de sua existência.

Classifica-se o lazer como uma espécie de ação, uma vez que através da ação e do

discurso, os homens podem distinguir-se em vez de permanecerem apenas diferentes; a ação e

o discurso são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns em relação aos

outros, não como objetos materiais, mas enquanto seres humanos. Conforme Dante:

Pois em toda ação a intenção principal do agente, quer que ele aja por

necessidade natural ou vontade própria, é revelar sua própria imagem. Assim

é que todo agente, na medida em que age, sente prazer em agir; como tudo o

que existe seja sua própria existência, e como, na ação, a existência do

agente é, de certo modo, intensificada, resulta necessariamente o prazer. [...]

Assim, ninguém age sem que (agindo) manifeste o seu eu latente4.

No momento de ação o homem manifesta a sua personalidade e sua individualidade.

No entanto, este momento não deve ser condicionado, e sim há de ser um momento de

liberdade e de desenvolvimento de suas potencialidades. Verifica-se que o lazer é uma ação ou

uma omissão em que o homem utiliza o seu tempo livre manifestando o seu eu.

De acordo com Dumazedier5, nas sociedades do período arcaico, o trabalho e o jogo

estão integrados às festas em que o homem participa do mundo dos ancestrais. Estas

atividades possuem significações de mesma natureza na vida essencial da comunidade. A festa

abrange o trabalho e o jogo. Estas duas atividades apresentam-se de forma mesclada. Neste

4 Apud, ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000,

p. 188. 5 DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia Empírica do Lazer. São Paulo: Perspectiva. 2ª ed., 2001, p. 26.

18

período, o lazer é um conceito inadaptado e confuso.

O lazer não existia nas sociedades pré-industriais. O trabalho inscreve-se nos ciclos

naturais das estações e dos dias, sendo intenso quando o clima é favorável e esmorece com o

clima desfavorável, o homem trabalha a para subsistência e não para acumulação e o tempo e

espaço de trabalho não eram inflexíveis. Por isso, nesta fase o tempo de trabalho e de não

trabalho não é delimitado.

Nas sociedades pré-industriais o domingo é guardado ao culto e as festas são ocasiões

de grande dispêndio de alimentos e de energia; constituem o inverso ou a negação da vida

cotidiana. Os festejos são indissociáveis das cerimônias, dependem geralmente do culto e não

do lazer. Para Dumazedier6, duas condições prévias na vida social tiveram de realizar-se a fim

de que o lazer se tornasse possível para a maioria dos trabalhadores, que são o trabalho

profissional e o limite arbitrário do tempo.

As atividades da sociedade não mais são regradas em sua totalidade por obrigações

rituais impostas pela comunidade. Pelo menos uma parte destas atividades escapa aos ritos

coletivos, especialmente o trabalho e o lazer. Este último depende da livre escolha dos

indivíduos, ainda que os determinismos sociais se exerçam sobre a livre escolha.

O trabalho profissional destacou-se das outras atividades. Possui um limite arbitrário,

não regulado pela natureza, sua organização é específica, de modo que o tempo livre é

nitidamente separado dele.

É na sociedade industrial que o relógio se torna instrumento indispensável de

mensuração do tempo e controle da vida. Nesta fase, o tempo liberado ao trabalho aparece de

forma delimitada.

O trabalho industrial apresenta-se fragmentado e dinâmico, juntamente com a divisão

social do trabalho, acarretando em maior fadiga e tensão física e emocional, impondo com

maior força a necessidade de repouso e evasão.

Também, com o maquinismo, há o aumento do número de automóveis, a multiplicação

das técnicas de comunicação de massa, o desenvolvimento das associações e grupos que

procuram satisfazer mais as individualidades de cada um, ampliando as opções de práticas de

lazer e procurando adequá-las às necessidades individuais e, principalmente, às necessidades

6 DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia Empírica do Lazer. São Paulo: Perspectiva. 2ª ed., 2001.

19

do trabalho.

Nas sociedades industriais produzem-se mutações sociais e culturais que alteram

profundamente, não só o conteúdo das relações sociais, mais ainda a relação entre as

obrigações e as escolhas, os deveres sociais e os direitos individuais, os sistemas de valores

coletivos. Estas mutações introduzem as alternâncias mais importantes nas significações do

lazer e em suas relações com as obrigações básicas da cidade7.

A sociedade industrial, apesar do aumento de possibilidade de tempo livre, não será

para todos uma sociedade marcada pela valoração do lazer. Uma parte dos trabalhadores, seja

porque o trabalho é para eles fonte de criação cultural ou de responsabilidade social, seja

porque as necessidades de consumo são as mais fortes, seja por desinteresse para com as

atividades de tempo livre, assumirão jornadas, semanas, longos anos de trabalho como na

sociedade anterior. O conceito da palavra lazer, no entanto, ganhou destaque neste período e

vários estudiosos apresentaram conceitos e significados para delimitá-lo.

O significado da palavra lazer não é fácil de ser conceituado, visto que é um instituto

em que houve a preocupação em sua pesquisa recentemente. Existem algumas dificuldades

para apresentar seu significado, pois além de existirem vários conceitos apontadas ao lazer o

mesmo é apresentado como um fenômeno essencialmente problemático e ambíguo. De acordo

com Marcellino:

[...] a incorporação do termo ‘lazer’ ao vocabulário comum é relativamente

recente e marcada por diferenças acentuadas quanto ao seu significado. O

que se verifica, com maior frequência, é a simples associação com

experiências individuais vivenciadas que, muitas vezes, implica na redução

do conceito a visões parciais, restritas aos conteúdos de determinadas

atividades. Esta tendência restritiva, que pode ser constatada na linguagem

popular pela simples observação assistemática, é alimentada pelos meios de

comunicação de massa, na veiculação de programação de atividades, que se

dá separadamente, sob verbetes de setores culturais consagrados, via de

regra ligados ao esporte e à arte, e só mais recentemente distinguindo o lazer,

quase sempre associado a manifestações de massa, ao ar livre de conteúdo

recreativo8.

No Brasil, há certa escassez de estudos sobre o lazer, diferentemente do que ocorre nos

Estados Unidos, na União Soviética e em muitos países da Europa Ocidental. Com o grande

volume e a qualidade dos estudos feitos já foi reivindicado o surgimento de uma Sociologia

do Lazer.

7 DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia Empírica do Lazer. São Paulo: Perspectiva. 2ª ed., 2001, p. 32. 8 MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1995, p. 188.

20

A palavra lazer advêem do termo latim licere, este significa ser lícito, ser permitido,

ter valor, é também sinônimo de folga e passatempo. O Dicionário Houaiss conceitua o lazer

como:

Acepções – Substantivo masculino – 1 tempo que sobra do horário de

trabalho e/ou do cumprimento de obrigações, aproveitável para o exercício

de atividades prazerosas; 2 – Derivação: por metonímia – atividade que se

pratica nesse tempo; 3 – Derivação: por extensão de sentido – cessação de

uma atividade; descanso, repouso.

Etimologia – tem sido ligado ao lat. licére ‘ser lícito, ser permitido, ter valor’,

através do arc. lezer ‘ócio, passatempo’; ver lic-; f. hist. sXIII lezer, 1619

lazer – Sinônimos – ver sinonímia de folga e passatempo9.

A concepção de lazer, em seu uso popular, se refere à prática de esportes, ao exercício

de atividades que trazem realização pessoal e ao nada fazer, a inação. O lazer é uma libertação

periódica do trabalho no fim do dia, da semana, do ano ou da vida de trabalho.

Para Renato Requixa10

lazer é uma ocupação livre e seus valores devem propiciar

condições de recuperação psicossomática e desenvolvimento pessoal/social. É um momento

de ociosidade e contemplação.

Ethel Medeiros considera o lazer como:

[...] espaço de tempo não comprometido do qual podemos dispor livremente,

porque já cumprimos nossas obrigações de trabalho e de vida, destacando

como funções do lazer para o homem contemporâneo, o repouso, a diversão

e o desenvolvimento pessoal11

.

Para esta autora, lazer está relacionado ao tempo de não trabalho e desobrigação

familiar, política e social, ou seja, no momento de lazer o indivíduo pode ser ele mesmo,

fazendo ou não fazendo algo.

Dentre as várias definições de lazer, a mais adotada pelos estudiosos é a dada pelo

sociólogo francês Joffre Dumazedier:

O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de

livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se

ou, ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua

participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se

ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais12

.

O autor relaciona o lazer com a satisfação de algumas necessidades humanas como o

repouso, a diversão, a recreação, a distração e o desenvolvimento intelectual. Para

9

LAZER. In Dicionário Houaiss. Internet http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=lazer

&arypw=k. Acesso em 11 ago. 2013. 10

REQUIXA, Renato. Sugestões de diretrizes para uma política nacional de lazer. São Paulo: SESC,

1980, p. 35. 11

MEDEIROS, Ethel Bauzer. O lazer no planejamento urbano. Rio de Janeiro: FGV, 1971, p. 30-31. 12

DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e Cultura Popular. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 34.

21

Dumazedier13

o lazer é uma atividade ou inatividade voluntária, onde o homem se sente

liberto de qualquer grilhão.

No descanso o homem libera-se da fadiga e se recompõe das deteriorações físicas e

mentais provocadas pelas preocupações das obrigações diárias, especialmente o trabalho. A

recreação é um fator de equilíbrio, é uma fuga para um mundo diferente. O desenvolvimento

permite uma participação social maior e mais livre, pode-se praticar a cultura desinteressada

do corpo, da sensibilidade e da razão; há possibilidade de integração voluntária à vida em

grupo; possibilita o desenvolvimento livre de atitudes adquiridas. No desenvolvimento pode

surgir condutas inovadoras e criadoras, ou não.

O que se verifica com frequência é a simples associação do lazer com experiências

individuais vivenciadas, o que reduz o lazer a definições de visões parciais, restritas aos

conteúdos de determinadas atividades. O lazer, comumente, é relacionado ao divertimento e

ao descanso.

Lazer não é sinônimo de não fazer visto que isto seria limitá-lo ao direito de opção a

não fazer algo. Este inclui esforços físicos capazes de satisfazer as pessoas. Pode-se citar as

práticas esportivas, sair para dançar, namorar, escrever um livro e até mesmo o trabalho

voluntário, dentre outras atividades. Para Dumazedier:

Podemos afirmar que o lazer representa um conjunto de aspirações do

homem à procura de uma nova felicidade, relacionada com um novo dever,

uma nova moral, uma nova política, uma nova cultura14

.

O lazer é um desejo, uma vontade do homem, no entanto este está em fase de

adaptação e entendimento de seu conceito e de sua prática.

O educador Marcellino define lazer:

[…] como a cultura – compreendida no seu sentido mais amplo – vivenciada

(praticada ou fruída) no ‘tempo disponível’. O importante, como traço

definidor, é o caráter ‘desinteressado’ dessa vivência. Não se busca, pelo

menos fundamentalmente, outra recompensa além da satisfação provocada

pela situação. A ‘disponibilidade de tempo’ significa possibilidade de opção

pela atividade prática ou contemplativa15

.

O autor dá ênfase à voluntariedade da ação ou omissão realizada pelo homem, pois o

lazer deve ter caráter voluntário e livre de obrigações ou coações externas: o que se busca é a

satisfação pessoal.

13

DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e Cultura Popular. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 32. 14 DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia Empírica do Lazer. São Paulo: Perspectiva, 2ª ed., 2001, p. 272. 15 MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1995, p. 31.

22

Conforme dispõe Marcellino16

, há autores como Davi Riesman, dentre outros que

consideram o lazer como uma atitude, um estilo de vida que não depende de tempo

determinado, e há autores que privilegiam o aspecto do tempo como Dumazedier, Fourastié,

sendo o lazer todo tempo livre de qualquer trabalho e obrigação, seja obrigação social,

religiosa, ou política. Aos que consideram o lazer como atitude, destaca-se a satisfação

provocada pela atividade e, assim, até mesmo quando trabalhando pode-se sentir prazer. Os

que restringem o lazer a um tempo estipulado acreditam que, num certo período de tempo,

uma pessoa possa, por exemplo assistir desenho animado enquanto trabalha. Devendo-se

ressaltar que em nenhum momento ele estará livre de coação e de normas de conduta.

Dentre as visões doutrinárias do lazer destacam-se as mais importantes17

:

- A visão funcionalista do lazer se caracteriza por ser reacionária e conservadora, busca a paz

social, a manutenção da ordem, o controle social. Esta se divide em: romântica, utilitarista e

compensatória.

- Para os adeptos da visão romântica (Schmidt), o lazer tem uma conotação extremamente

positiva e feliz. Chegam a fazer poesia com a palavra lazer que é considerada plena de alegria,

beleza e liberdade.

- Para os adeptos da visão compensatória (Requixa), o lazer deve ser usado para restaurar a

dignidade do homem, pois este foi reduzido a subproduto mecanizado que gasta suas energias

em um trabalho inumano. O trabalho torna-se um meio de vida e não mais fonte de auto-

realização ou finalidade de vida, e a função do lazer seria compensar a insatisfação e a

alienação sofrida pelo trabalhador.

- A visão utilitarista reduz a função do lazer à ideia de se recuperar as forças e energias do

trabalhador ou sua utilização como instrumento de desenvolvimento.

Atenta-se que todas estas contribuições doutrinárias do lazer são válidas, no entanto

não são completas, é essencial ampliá-las visto que além de buscar o prazer, a diversão, o

lazer deve possibilitar ao trabalhador que ele pare para pensar, refletir, e isto possibilita que

ele se encontre consigo próprio, com sua realidade social, com os conflitos e crises que o

permeiam, o momento de lazer pode ser o único momento em que o trabalhador se sente apto

a questionar sua realidade social, podendo ter como função principal a autoconscientização do

trabalhador. O tempo de lazer deve ser considerado como um momento privilegiado, que

propicie mudanças sociais, morais e políticas.

16 MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1995. 17 MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1995, p. 50-57.

23

Um exemplo explícito de forma de lazer para manutenção da alienação e controle

social é a política do pão e circo, praticada no Império Romano, sendo o modo com o qual os

líderes romanos lidavam com a população para mantê-la fiel à ordem estabelecida e

conquistar o seu apoio. Nos tempos de crise, as autoridades acalmavam a população

construindo grandes arenas onde eram realizados espetáculos sangrentos envolvendo

gladiadores (normalmente escravos), animais ferozes, corridas de bigas, quadrigas, acrobacias,

corrida de cavalos, apresentação de teatros e palhaços. Também distribuíam, periodicamente,

cereais para o povo.

Pode-se verificar que na sociedade atual o que ocorre é o antilazer, a negação do lazer,

pois o tempo de lazer é utilizado, essencialmente, para alimentar a alienação e manter as

pessoas integradas ao modo de vida capitalista. De acordo com Katia Cavalcante:

[…] o lazer é uma construção ideológica, sob a qual o antilazer se aproveita

para penetrar mais eficazmente no modo de vida das pessoas, com o objetivo

de mantê-las perfeitamente integradas na sociedade industrial e urbana18

.

O lazer deve fazer com que o homem reflita sobre sua realidade social, e não ser

momento apenas de diversão ou possibilidade das pessoas se integrarem perfeitamente na

sociedade industrial e urbana, servindo como instrumento de dominação.

O lazer, assim como o próprio trabalho, se faz presente em toda a história da

humanidade, portanto, é notável a importância e a relevância desse tema. Assim como todos

têm Direito a um trabalho honesto, que os possibilite viver com dignidade, faz-se presente

também o Direito ao Lazer, como reposição de energia, como momento de reflexão,

criatividade e prazer.

Considerando a relevância do tema e para o melhor entendimento deste, no próximo item

será analisado a história do lazer e o contexto em que este se transforma em um Direito.

1.2 HISTÓRICO DO DIREITO DO TRABALHO E DO DIREITO AO LAZER

O trabalho foi considerado na Bíblia como castigo. Adão teve de trabalhar para comer,

visto que desobedeceu a Deus quando comeu a maçã proibida. Na visão bíblica, o trabalho se

18CAVALCANTI, Katia Brandão. Esporte para todos: um discurso ideológico. Boletim de intercâmbio

4 (13): 16. Rio de Janeiro: SESC, p. 12-19.

24

apresenta como um castigo imposto, como uma injunção da precariedade humana e como

meio de purificação.19

Com a intensificação da vida econômica o trabalho passa a ser

valorizado e estimado, adquirindo força e aceitação no consenso social.

A palavra latina que dá origem ao vocábulo trabalho é tripalium, instrumento de tortura

para empalar escravos rebeldes e esta é derivada da palavra latina palus, estaca, poste onde se

empalam os condenados. Labor (em latim) significa esforço penoso, dobrar-se sob o peso de

uma carga, dor, sofrimento, pena e fadiga.

Para Lafargue20

, o trabalho é uma das dimensões da vida humana que revela sua

humanidade. É por ele que se dominam a força da natureza e é por ele que se satisfaz a

capacidade inventiva e criadora – o trabalho exterioriza, numa obra, a interioridade do criador,

especialmente o trabalho artístico e as citações literárias e/ou científicas.

Karl Marx considera o trabalho, no contexto da economia capitalista, exterior ao

trabalhador, sendo que não pertence à sua característica, desta forma o homem não se afirma

no trabalho, ele nega-se a si mesmo, não se sente bem, mas infeliz, não desenvolve livremente

energias físicas e mentais, mas esgota-se fisicamente e arruína o espírito. O trabalho externo,

em que o homem se aliena, é um martírio e um sacrifício21

.

O homem, em relação ao trabalho, passou pelas etapas da escravidão, servidão, trabalho

em corporações, sendo que a Revolução Industrial produziu talvez uma das maiores

transformações na Europa do século XVIII no que diz respeito a mudanças nas estruturas

políticas e na própria formação dos agentes sociais, que antes estava baseada na atividade

agrícola e a partir dessa transformação, passou a ter como centro a atividade industrial.

O escravo nada mais era do que um objeto de uso, não tendo nenhum tipo de direito

trabalhista. Conforme explicita Vianna22

, a escravidão era considerada justa e útil. Mesmo

Aristóteles afirmava que, para o homem adquirir cultura, era preciso ser rico e ocioso e isso

somente seria possível com a utilização dos escravos. O trabalho não tinha o significado de

realização pessoal.

Na figura do servo, embora com alguma proteção oferecida pelo senhor feudal, o

trabalhador não tinham liberdade alguma e trabalhava apenas nas terras de seus senhores. Os

servos tinham alguns direitos como o direito de herança de animais, objetos pessoais e até

mesmo do uso de pastos, mas os herdeiros deveriam pagar impostos de herança tão

exorbitante que se tornava inviável recebe-la.

19 BACAL. Sarah. Lazer e o Universo dos Possíveis. São Paulo: Aleph, 2003. 20

LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2ª ed., São Paulo: Hucitec, 2000. 21

MARX, Karl. Manuscritos Econômicos e Filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2001, p.114. 22

VIANNA, Segadas. Instituições de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: LTR, 1999, p. 30.

25

Com o surgimento das Corporações de Ofício, na Idade Média, o trabalhador adquiriu

certa liberdade. O homem que apenas trabalhava para o outro, passou a trabalhar para si

mesmo, exercendo atividade organizada de forma coletiva. Esta liberdade do trabalhador não

era plena, pois surgiram os mestres que ordenavam e chefiavam os aprendizes (menores que

recebiam dos mestres os ensinamentos de métodos de um ofício) e os trabalhadores. Em troca,

os mestres ofereciam salário, assistência médica e asseguravam o monopólio da profissão. As

corporações nada mais eram do que uma forma camuflada e branda de controle dos homens

para atender apenas aos anseios dos mestres.

A jornada de trabalho chegava até 18 horas no verão; muitas vezes terminava no pôr do

sol, por questão de qualidade de trabalho e não por proteção aos aprendizes e companheiros.

As corporações foram suprimidas com a Revolução Francesa, em 1789, pois foram

consideradas incompatíveis com o ideal de liberdade do homem23

.

Na Revolução Industrial, que se deu no século XVIII na Inglaterra, houve necessidade de

modernização e adequação do Direito do Trabalho e do contrato de trabalho. Pode-se afirmar

que o modo de produção capitalista, que de início produziu um grande desequilíbrio na

condição da humanidade24

.

Os sindicatos surgem no século XVIII, na Inglaterra. Por intermédio dos sindicatos

(associação de assalariados com o fim de manter ou melhorar a condição de vida proletária),

os trabalhadores reivindicavam um direito que os protegessem e desejavam uma legislação

que inibisse os abusos do empregador e preservasse a dignidade humana25

.

Com a invenção da máquina e sua utilização, ocorreram mudanças nos métodos de

trabalho e nas relações entre patrão e empregado. A máquina a vapor, o tear mecânico e a

expansão do comércio e da indústria acarretaram uma drástica redução da mão de obra

utilizada e a consequente substituição do trabalho escravo, servil e corporativo, pelo trabalho

assalariado.

Em 15 de maio de 1891 o Papa Leão XIII divulga a Encíclica Rerum Novarum. Este temia

tanto o conflito de classes quanto as teorias defendidas pelos socialistas e pelos liberais.

Considerava o trabalho, em teoria e em prática, não como uma mercadoria, mas um modo de

expressão direta da pessoa, sendo que para a maioria dos homens o trabalho é a única fonte de

meios de subsistência e de realização onde desenvolvem suas habilidades.

23 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas. 23ª ed., 2006, p. 5. 24

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas. 23ª ed., 2006. 25

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas. 23ª ed., 2006.

26

Consta na encíclica26

que o homem deve aceitar com paciência a sua condição, pois é

impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível e, portanto, as

diversas classes devem entrar num acordo, em nome de um organicismo. Faz, assim, crítica

aos socialistas: “instigam nos pobres o ódio contra os que possuem, e pretendem que toda a

propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens de um indivíduo qualquer

devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para o Estado”.

Também consta na referida encíclica que o homem deve aceitar com paciência sua

condição, pois é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível e,

portanto, as diversas classes devem entrar em um acordo, em nome de um organicismo.

A encíclica ajusta o papel superior da igreja tanto contra os socialistas (propagadores de

ódio entre as classes) como contra os liberais:

Toda a economia das verdades religiosas, de que a igreja é guarda e

intérprete, é de natureza a aproximar e reconciliar os ricos e os pobres,

lembrando às duas classes os seus deveres mútuos e, primeiro que todos os

outros, os que derivam da justiça. O que é vergonhoso e desumano é usar dos

homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na

proporção do vigor dos seus braços27

.

O papa defende o status quo e a resignação à situação social e econômica de todo ser

humano, propondo o cristianismo como o melhor dos meios para garantir a paz social.

Aos olhos da crítica marxista, a Rerum Novarum apresenta um conservadorismo explícito,

a exemplo de que em uma de suas passagens diz que certos tipos de trabalho não podem ser

exercidos por mulheres, pois estas são feitas para o trabalho doméstico. O trabalho doméstico,

somente exercido por mulheres, serviria para proteger a honestidade do sexo fraco e têm

natural correspondência com a educação dos filhos e com o bem-estar do lar.

A igreja compreende que a indústria é sua inimiga porque racionaliza o mundo, substitui a

magia pela ciência e o raciocínio, torna vã a fé na vida depois da morte com a confiança no

progresso. O papa ainda adverte para o perigo de que as classes pobres enriqueçam, pois

quanto menor o número de pobres, menor será o número de fiéis. A igreja e o Estado possuem

o mesmo objetivo que é a manutenção da ordem e o controle da sociedade28

.

26 LEÃO XIII, Papa. Rerum Novarum: Carta encíclica de sua santidade o Papa Leão XVIII. Sobre a

condição dos operários. Roma, 1981. Disponível em:

http://www.montfort.org.br/documentos/rerumnovarum.html. Acesso em: 12 ago. 2013.

27 LEÃO XIII, Papa. Rerum Novarum: Carta encíclica de sua santidade o Papa Leão XVIII. Sobre a

condição dos operários. Roma, 1981. Disponível em:

http://www.montfort.org.br/documentos/rerumnovarum.html. Acesso em: 12 ago. 2013.

28 LEÃO XIII, Papa. Rerum Novarum: Carta encíclica de sua santidade o Papa Leão XVIII. Sobre a

condição dos operários. Roma, 1981. Disponível em:

27

Neste período, começa a haver necessidade de intervenção estatal nas relações de trabalho,

dados os abusos que vinham sendo cometidos aos trabalhadores a ponto de menores e

mulheres trabalharem em jornadas excessivas, de mais de 16 horas por dia ou até o pôr-do-sol,

com salários aquém do mínimo para sobreviver de forma digna29

. Esta exploração se

comprova nos dizeres de Nascimento:

A imposição de condições de trabalho pelo empregador, a exigência de

excessivas jornadas de trabalho, a exploração das mulheres e menores, que

constituíam mão de obra mais barata, os acidentes ocorridos com os

trabalhadores no desempenho das suas atividades, e a insegurança quanto ao

futuro e aos momentos nos quais fisicamente não tivessem condições de

trabalhar, foram as constantes da nova era no meio proletário, às quais

podem-se acrescentar também os baixos salários30

.

Nos Séculos XVII e XVIII, de forma expressiva em países como a Inglaterra e a França, o

pensamento liberal legitimou a ascensão econômica, social e política da burguesia. Esta classe

propagou a ideologia do Estado Liberal ou liberalismo, segundo a qual todos tinham direito a

liberdade individual; escolha de seus representantes; ser proprietário de bens móveis e

imóveis; gerir livremente seus negócios.

Dentre as transformações política, ocorridas no período industrial, o Estado Liberal,

imbuído de plena liberdade contratual e não interferindo nas relações sociais e econômicas,

foi substituído pelo Estado interventor, em que atua na ordem econômica e nas relações

sociais utilizando de práticas proativas.

O Estado Liberal predominou no período entre o final do Século XVIII e o início do

Século XX, e aparecem em textos constitucionais, dentre os quais se destacam os dos Estados

Unidos da América, de 1787, e da França, de 1791.

O que se constatou foi que o funcionamento da Economia com as características do

Liberalismo, não logrou êxito em resolver os conflitos sociais e econômicos existentes à

época de sua hegemonia. Os ideais da propriedade privada e da liberdade econômica se

concretizaram e se sobrepuseram aos da liberdade, igualdade e da fraternidade, que existiram

apenas no papel. Assim, a grande massa de trabalhadores deixou de ser explorada pelos

senhores feudais e passou a ser oprimida pela Burguesia, sem qualquer intervenção do Estado

capitalista liberal.

Dessa forma, o papel intervencionista do Estado decorre de inúmeras inconsistências

apresentadas no modelo liberal, consolidadas, sobretudo, a) na Revolução Industrial, com

http://www.montfort.org.br/documentos/rerumnovarum.html. Acesso em: 12 ago. 2013. 29

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas. 23ª ed., 2006, p. 5. 30

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 10.

28

implicações na proletarização; b) na Primeira Guerra Mundial, que rompe com a tradição do

liberalismo econômico; c) na necessidade de intervenção na economia em decorrência da

crise de 1929, conciliando a iniciativa privada e a ação governamental; d) na Segunda Guerra

Mundial, que impôs a necessidade de um Estado controlador de recursos sociais; e) nas crises

cíclicas da economia; f) na insubsistência do ideal da livre força do mercado; g) na alteração

paradigmática entre da liberdade negativa para a liberdade positiva ou liberdades sociais.31

Este novo modelo de Estado se caracteriza por revalorizar as forças do mercado, na defesa

da desestatização e na busca de um Estado financeiramente mais eficiente, probo e

equilibrado, reduzindo-se os encargos sociais criados no pós-guerra, sem afastar totalmente o

Estado da prestação de serviços essenciais.

Lenio Streck dispõe, como fatores que colaboram para a transição do estado liberal para o

estado social, a) a formação de monopólios, afetando a concepção liberal de organização e

desenvolvimento da economia; b) a desestruturação dos fatores econômicos e a acentuação

das diferenças sociais em decorrência das crises; c) motivos externos à produção, como o

esgotamento de recursos naturais; d) a crescente preocupação com o bem-estar social

assentada em teorias socialistas; e) a alteração da concepção quanto à venda da força de

trabalho; f) a Primeira Guerra Mundial, com a destruição do mercado natural e a necessidade

de organização da economia pelo Estado.32

O Estado intervencionista surge para realizar o bem-estar da sociedade e melhoria das

condições de trabalho. O trabalhador passa a ser protegido jurídica e economicamente. O

Estado estava atuando para a manutenção da ordem pública, não interferindo nas relações

privadas.

O Estado de Bem-estar é uma modalidade do Estado intervencionista, empiricamente

apontado como o modelo adotado na Europa Ocidental. Este trata-se das políticas e

instituições criadas pelo Estado interventor da segunda metade do século XX com a intenção

deliberada e direta de garantir preceitos mínimos de qualidade de vida e dignidade para todos

os cidadãos sob os auspícios daquela sociedade nacional, daquele Estado. Neste sentido,

apenas alguns Estados assumiram grande parte das principais características deste Estado

assistencialista. Mas em todos os Estados intervencionistas, inclusive no Brasil, se

transformaram em Estados desenvolvimentistas, foram adotados ao menos alguns aspectos do

Welfare State.

31

STRECK, Lenio Luiz. BOLZAN DE MORAIS, José Luis. Ciência política e teoria do estado. 7. ed.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 70-71. 32

STRECK, Lenio Luiz. BOLZAN DE MORAIS, José Luis. Ciência política e teoria do estado. 7. ed.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 74.

29

Keynes é um dos teóricos do Estado de Bem-estar, não apenas nos seus pressupostos

econômicos, quanto nas suas preocupações com os efeitos sociais negativos do livre mercado.

Acompanhando Keynes, os Estados passam a interferir na economia para garantir pleno

emprego, via taxa de juros insignificantes que estimulariam empresas privadas a crescer e

aumentar o número de seus empregados, além da criação de estatais e iniciativas de obras

públicas que acolheriam trabalhadores. 33

Preconizava-se o auxílio social aos desempregados. A busca pelo pleno emprego,

justificada por Keynes principalmente em termos macroeconômicos, também teria o seu lado

sócio-político, já que se tratava também de impedir o caos do sistema pelas lutas de classe e

pela revolução.

Neste governo, o objetivo principal era o de organizar toda a economia e a sociedade em

torno do Estado, promovendo o chamado interesse nacional, interferindo e regulando todos os

aspectos das relações entre as pessoas. Nesse modelo, os sindicatos não tinham autonomia,

estando à organização sindical vinculada diretamente ao Estado.

No Brasil, o Estado Democrático, instituído na Constituição de 1988, compõe-se de

elementos característicos do Estado Liberal e do Estado Social. Os elementos próprios do

Estado Liberal, contidos na Constituição, são suficientes para garantir aos particulares, que

desenvolvem atividades mercantis no País, que não sofrerão imposições do Poder Público que

inviabilizem que seus negócios se realizem dentro dos parâmetros do sistema capitalista. Por

outro lado, os preceitos constitucionais provenientes do Estado Social direcionam a atuação

estatal junto à Economia, visando construir uma sociedade onde a pessoa humana viva com

dignidade, e para isso o Direito ao Lazer precisa ser garantido.

As primeiras leis trabalhistas foram ordinárias e posteriormente constitucionais, estas

exerceram influência no Brasil. Uma constituição que dispôs sobre o Direito do Trabalho é a

do México, de 1917, que em seu art. 123 disciplina a jornada diária de 8 (oito) horas. Fixa a

jornada máxima noturna de 7 horas, limita a jornada do menor de 16 anos a 6 (seis) horas, o

descanso semanal, a proteção à maternidade e outros direitos .

No campo das primeiras positivações relativas aos direitos econômicos e sociais, mostra-

se necessário destacar a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, redigida

no âmbito da Revolução russa de 1917 e promulgada no dia 03 de janeiro de 1918. Este

documento introduziu três novidades que, em sua substância, não aderiram tanto ao

33

GROPPO, Luís Antonio. DAS ORIGENS AO COLAPSO DO ESTADO DE BEM-ESTAR: UMA

RECAPITULAÇÃO DESMISTIFICADORA. Revista HISTEDBR On-line: Campinas, n. 20, 12/2005.

Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/20/art07_20.pdf. Acesso em: 19 dez.

2014, p. 68-75.

30

constitucionalismo ocidental de então quanto àquele que se seguiu, marcado pelo que se

convencionou denominar “economia de mercado”: declarou abolida a propriedade privada e a

possibilidade de exploração do trabalho assalariado (Capítulo II), rompendo com as anteriores

constituições e declarações de direitos que garantiam a propriedade privada como elemento

central; estabeleceu um tratamento diferenciado para os titulares de direitos de acordo com a

classe social, promovendo uma restrição às prerrogativas dos integrantes da burguesia;

estabeleceu o trabalho como dever obrigatório para todos. Essas inovações foram confirmadas

pela Constituição soviética de 10 de julho de 1918, que introduziu uma série de direitos

sociais (arts. 14 usque 17).34

Em 1919 foi publicada a Constituição da Alemanha (Weimar) que destacou a participação

dos trabalhadores nas empresas; a liberdade de união e organização dos trabalhadores para a

defesa e melhoria das condições de trabalho; o direito a um sistema de seguros sociais; o

direito de colaboração dos trabalhadores com os empregadores na fixação dos salários e

demais condições de trabalho, bem como a representação dos trabalhadores na empresa.

Também, no ano de 1919, o Tratado de Versalhes, assinado pelas potências mundiais

europeias, previu a criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, com sede em

Genebra e composta pela representação permanente de 10 países, dentre os quais o Brasil. E

em 1946 é consolidada a vinculação da OIT à ONU, como instituição especializada para as

questões referentes à regulamentação internacional do trabalho. Na Conferência Internacional

do Trabalho de 1946 foi aprovado o novo texto constitucional da OIT.

Durante este período destaca-se a edição da Carta Del Lavoro no ano de 1927, na Itália,

criando um sistema corporativista fascista. O corporativismo objetivava organizar a economia

em torno do Estado, promovendo o interesse social, além de impor regras a todas as pessoas.

Este documento serviu de inspiração para outros sistemas políticos, como Portugal, Espanha e

Brasil. 35

As primeiras leis trabalhistas na Europa foram elaboradas para coibir os abusos sofridos

pelo proletariado e a exploração sofrida pelas mulheres e menores de idade. Surgiram leis

limitando a idade para o trabalho na indústria e a duração diária do trabalho.

No ano de 1948 é editada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, legislação

internacional, prevendo diversos direitos trabalhistas, como férias remuneradas, limitações de

34

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006, p. 32-33. 35

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1989.

31

jornada, repouso e lazer, dentre outros, elevando esses direitos trabalhistas ao status de direito

humano.

As conquistas históricas do direito do trabalho também referem a conquistas do direito ao

lazer, visto que a redução das jornadas e a melhoria na qualidade de vida e qualidade de

trabalho estão intrinsecamente atreladas a maior e melhor tempo de utilização do tempo livre.

O Brasil sofreu influência de todas as legislações citadas, resultando na promulgação da

Constituição Federal de 1934 e na Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943, que

representaram expressivos avanços nos direitos sociais dos trabalhadores brasileiros, próximo

tema a ser analisado.

1.2.1 História do Direito do Trabalho no Brasil

No Brasil, aquilo que precariamente pode ser chamado de indústria começa a surgir em

1808, com a chegada da família real. Tem-se que o processo de industrialização no Brasil foi

lento, ganhando algum dinamismo a partir do início do século XX, com o fim do tráfico

negreiro e da escravidão, surgindo às primeiras associações operárias e anticapitalistas, com o

prelúdio de formas de organização dos trabalhadores urbanos, incitando greves e

manifestações dos trabalhadores36

.

O processo civilizatório no Brasil desenvolveu-se de forma tardia se comparado aos países

Europeus, também a nossa industrialização e a instauração das leis trabalhistas, cuja

promulgação ocorreu apenas após a terceira década do século XX.

O Brasil sofreu influências advindas de países Europeus como a Inglaterra, Alemanha e

Itália que exerceram, de certo modo, alguma pressão no sentido de levar o Brasil a elaborar

leis trabalhistas. Também, o compromisso internacional assumido pelo Brasil ao ingressar na

Organização Internacional do Trabalho – OIT, criada pelo Tratado de Versalhes em 1919,

propondo-se a observar normas trabalhistas foi fundamental para a observação de um sistema

próprio que passou a compor a chamada legislação trabalhista.

Ainda que já na década de 1910 já houvesse alguma forma de organizações anarco-

sindicalista e que a fundação do Partido Comunista seja de 1922, considera-se para fins desse

estudo, que os principais diplomas legais específicos de proteção ao trabalho humano

advieram somente após 1932, embora carecessem de uma ordem sistêmica, uma vez que se

36 CUNHA, Maria Inês Moura S. A. da. Direito do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 11.

32

apresentava de forma fragmentada e despossuída da condição de abranger todos os

trabalhadores.

O direito sindical inicia sua fase intervencionista a partir de 1930, prolongando-se por

muitos anos. Dela permanecem ainda traços que não foram afastados da legislação e da

imagem que parte do movimento sindical tem sobre relações coletivas de trabalho. A fase é

intervencionista em decorrência da estrutura legal que, de forma heterônoma, passou a

interferir na organização e na ação dos sindicatos, à luz de princípios políticos autoritários,

bastante difundidos em países europeus, com reflexo no Brasil.

A Constituição de 1934 é a primeira constituição brasileira a tratar especificamente do

Direito do Trabalho. Esta garantia à liberdade sindical, isonomia salarial, salário mínimo,

jornada de oito horas de trabalho, proteção do trabalho das mulheres e menores, repouso

semanal, férias anuais remuneradas e o corporativismo.

No ano de 1943 a Consolidação das Leis do Trabalho foi decretada, e com ela apresentou-

se a junção de várias leis trabalhistas já existentes e a criação de outras que formou a estrutura

primeira do sistema trabalhista normativo nacional. Trata-se da era Vargas, Vargas, com a

formação de um complexo unitário diante do trabalhador urbano, que no Brasil, apresentava-

se como algo novo. Nesta legislação os princípios e garantias constitucionais foram atestados

no Brasil37.

A legislação trabalhista, sindical e salarial adotada pelo Estado brasileiro a partir do Esta-

do Novo (1937-45) de aspecto corporativo e autoritário, seguirá vigente, quase intacta, duran-

te o período democrático de 1945 até 1964, e ainda durante o regime militar que se estende

até 1985. Durante todo esse tempo, coube ao Estado a gestão coercitiva dos salários, exercida

na fase democrática através da definição do valor de referência do "salário mínimo", ou do

estabelecimento dos salários do setor público, e durante a maior parte do regime militar atra-

vés de uma fórmula oficial de cálculo de correção do valor da totalidade dos salários do setor

privado. 38

Neste período, não só se definiu a participação permanente do Estado nas relações traba-

lhistas, constrangendo ou reprimindo a atividade sindical, como se optou por uma industriali-

zação com salários ínfimos, com utilização extensiva e rotativa de uma mão-de-obra cuja qua-

lificação nunca foi assumida como elemento importante no desenvolvimento da competitivi-

37 DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao Estudo do Direito. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 44. 38

FIORI, José Luis. O NÓ CEGO DO DESENVOLVIMENTISMO BRASILEIRO. Revista Novos

Estudos. N. 40. Novembro/1994. Disponível em:

http://novosestudos.org.br/v1/files/uploads/contents/74/20080626_o_no_cego_do_des_brasileiro.pdf.

Acesso em: 19 dez. 2014.

33

dade microeconômica. Uma opção por uma espécie de taylorismo sem fordismo. A defesa

dessa estratégia salarial foi assumida explicitamente pelas associações empresariais brasilei-

ras.39

A Constituição de 1967 manteve os direitos trabalhistas das Constituições anteriores

consolidando estes direitos com as Leis 5.859/1972 que trouxe a regulamentação dos direitos

para as empregadas domésticas; a Lei 5.889/1973 que dispões sobre os trabalhadores rurais e

a Lei 6.019/1974 que regulamenta as atividades do trabalhador temporário. Essa Constituição

incluiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que havia sido criado pela Lei 5.107, de 13

de setembro de 1966. A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, não alterou os

direitos trabalhistas previstos na Constituição de 196740

.

Na Constituição Federal de 1988, foi estabelecido em seu artigo o artigo7º, incisos XXX a

XXXII e XXXIV, o equilíbrio entre trabalho e descanso, nos incisos XII a XV e XVII a XIX,

também foi disposto sobre a duração da jornada de trabalho não superior a oito horas diárias e

quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horário e a redução da jornada,

mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Tratou sobre o repouso semanal

remunerado preferencialmente aos domingos, férias e licenças.

O jurista José Afonso da Silva preleciona:

O artigo 6º define o trabalho como direito social, mas nem ele nem o artigo

7º, trazem norma expressa conferindo o direito ao trabalho. Este, porém,

ressai do conjunto de normas da Constituição sobre o trabalho. Assim, no art.

1º, IV, se declara que a República Federativa do Brasil tem como

fundamento, entre outros, os valores sociais do trabalho; o art. 170 estatui

que a ordem econômica funda-se na valorização do trabalho, e no art. 193

dispõe que a ordem social tem como base o primado do trabalho. Tudo isso

tem o sentido de reconhecer o direito social ao trabalho, como condição da

efetividade da existência digna (fim da ordem econômica) e, pois, da

dignidade da pessoa humana, fundamento, também, da República Federativa

do Brasil (art. 1º, III) [...] As condições dignas de trabalho constituem

objetivos dos direitos dos trabalhadores. Por meio delas é que eles alcançam

a melhoria de sua condição social (art.7, caput), configurando, todo, o

conteúdo das relações de trabalho, que são de dois tipos: individuais ou

coletivas41

.

39

FIORI, José Luis. O NÓ CEGO DO DESENVOLVIMENTISMO BRASILEIRO. Revista Novos

Estudos. N. 40. Novembro/1994. Disponível em:

http://novosestudos.org.br/v1/files/uploads/contents/74/20080626_o_no_cego_do_des_brasileiro.pdf.

Acesso em: 19 dez. 2014. 40

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1989. 41 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros,

1999, p. 292.

34

Portanto, o objetivo maior dos direitos sociais é garantir uma vida digna e humana aos

trabalhadores, sendo que somente poderá ser alcançada com a melhoria das condições de

trabalho e melhoria na qualidade de vida.

A Constituição Federal de 1988 e antes a Consolidação das Leis do Trabalho conferiram

aos trabalhadores segurança jurídica e justiça social, que são características essenciais em um

Estado Democrático de Direito. Nestas condições, a dignidade e a humanidade são

características fundamentais para a realização do contido nestas cartas, que serão produzidas

através da valorização do trabalho humano.

1.3 FINALIDADES DO LAZER NA SOCIEDADE APÓS A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Apesar de existirem formas de lazer em todas as sociedades, para alguns, o lazer

aparece como um fenômeno intrinsecamente ligado à industrialização, pois, nesta fase, o

capitalismo o expande a todos os campos da atividade humana fora da esfera de produção.

O mundo moderno dá ênfase à quantidade, sendo que a qualidade não é o essencial,

sendo-lhe subsidiária. O objetivo dos capitalistas é produzir para consumir, porém, a

distribuição das mercadorias é desigual, o que motiva a que os valores humanitários sejam

trocados pelos valores de mercado (valor-de-troca, valor-de-uso, preço), pois estes dão mais

lucros.

Quando surgem as especializações das qualificações, das funções (esta tendência

aumenta conforme a crescente divisão do trabalho cada vez mais racionalizada)

desaparecendo toda e qualquer imagem da totalidade, passando a existir uma maior autonomia

dos trabalhadores, embora as pessoas, mesmo especialistas, continuem sendo instrumentos do

sistema de produção, por exemplo: o capitalista não permite a seu empregado, engenheiro,

que em seu horário de trabalho vá pescar, caçar, dançar.

O mundo reificado aparece de maneira definitiva como o único mundo possível,

apreensível e compreensível que nos é dado. Mesmo que tal quadro irretratável nos traga o

desespero e faça com que se busquem uma vida mítica e alienada, não há liberdade, pois

concreta e essencialmente nada muda. Ocorre a impossibilidade de fuga, e não se obtêm uma

solução real para o problema.

Mészáros explica em seu livro O Poder da Ideologia, o processo de aceitação da

ideologia dominante:

35

Naturalmente, aqueles que aceitam tacitamente a ideologia dominante como

a estrutura objetiva do discurso ‘racional’ e do ‘erudito’ rejeitam como

ilegítima todas as tentativas de identificar as suposições ocultas e os valores

implícitos com que está comprometida a ordem dominante [...] a ideologia

dominante tem uma capacidade muito maior de estipular aquilo que pode ser

considerado como critério legítimo de avaliação do conflito, na medida em

que controla efetivamente as instituições culturais e políticas da sociedade.42

A ideologia dominante produz uma estrutura categorial que ameniza os conflitos

vigentes e tende a eternizar parâmetros estruturais do mundo social estabelecido. Desta

forma, esta faz com que o tempo livre seja tratado como secundário.

Pode-se afirmar, depois de todas estas explicações e interpretações que, os homens

(em geral) são uma espécie de robô mecânico e irracional manipulado pelo sistema

capitalista. Facilmente nota-se que a inteligência artificial das máquinas está substituindo a

inteligência natural dos homens.

Para Adorno e Horkheimer43

, a indústria é a mistificação das massas e a técnica

representa a perdição do homem, contribuindo para o controle da consciência individual a

racionalidade técnica torna-se a racionalidade da própria dominação. E é nesse contexto

em que espelha o direito positivo, um direito reificado e objetivo. Todos são meros

instrumentos para a produção de bens materiais, não há preocupação com a dignidade e a

personalidade humana, e percebe-se isso com o valor atribuído à mercadoria: ela acaba

sendo mais importante que o próprio ser humano que a produz.

Marx, apud Eagleton sintetiza com clareza o processo da reificação e alienação do

homem pelo sistema capitalista:

O capitalismo, em resumo, é um mundo em que sujeito e objeto estão

invertidos – um domínio em que se é sujeitado e determinado pelas próprias

produções, as quais retornam em forma opaca, imperativa, mantendo o poder

sobre a existência de cada um. O sujeito humano cria um objeto, o qual se

torna um pseudo-sujeito capaz de reduzir seu próprio criador a algo

manipulado. Quando o capital emprega trabalho, em vez de o trabalho

empregar o capital, os mortos assumem um poder vampiresco sobre os vivos,

uma vez que o próprio capital é trabalho ‘morto’ ou armazenado:

Quando menos você come, bebe, compra livros, vai ao teatro, sai para beber,

pensa, ama, teoriza, canta, pinta, luta esgrima etc.; mais você economiza e

maior se tornará o tesouro que nem traças nem larvas podem consumir – seu

capital. Quanto menos você é, quanto menos você expressa sua vida, mais

42 MÉSZÁROS, István. O Poder da Ideologia. São Paulo: Editora Ensaio, 1996, p. 14-15. 43

ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. A Indústria cultural: O esclarecimento como

mistificação das massas. In: ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento.

Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

36

você tem, maior é sua vida alienada e mais você acumula de sua essência

alienada... tudo o que você é incapaz de fazer, seu dinheiro pode fazer por

você [...] 44

.

A modernização das indústrias, a utilização das técnicas, assim como a divisão do

trabalho e a produção em série, são algumas das principais fontes de reificação do

proletariado. Estas se apresentam de forma dialética no processo capitalista: ao mesmo tempo

em que reifica e mistifica as massas.

Segundo Marcuse45

, o princípio do extremo individualismo coloca o homem em

conflito com a sociedade, pois subordina tudo e a todos para atingir um fim próprio que nunca

condiz com o fim esperado pela coletividade.

A indústria cultural é inflexível e impregnou a sociedade. Com a indústria cultural o

homem passou a caracterizar-se como um ser genérico, fungível, e o lazer está impregnado

por este conceito de indústria cultural, fazendo com que seja cada vez mais difícil ser este um

instrumento de libertação. Conforme Arendt:

Se realmente for comprovado esse divórcio definitivo entre o conhecimento

(no sentido moderno de know-how) e o pensamento, então passaremos, sem

dúvida, à condição de escravos indefesos, não tanto de nossas máquinas

quanto de nosso know-how, criaturas desprovidas de raciocínio, à mercê de

qualquer engenhoca tecnicamente possível, por mais mortífera que seja46

.

Recorre-se à analogia de Marx, tendo em vista que todos serão robôs desprovidos de

pensamento crítico, programados para fazer tudo o que nos for ordenado, tudo mecanicamente

calculado e decorado, uma máquina a favor do capitalismo, da alienação e da reificação.

De acordo com Marcuse, os homens aprenderam a se ajustar aos padrões do aparato

que são seguidos rigorosamente, pois todos agem de forma igualmente racional reforçando o

controle social: até mesmo as formas de descanso e de diversão são padronizadas e

controladas. O sucesso organizacional deste sistema torna a racionalidade crítica, uma

penumbra. Quando o indivíduo reivindicou liberdade irrestrita de pensamento ele utilizou

desta liberdade para seus próprios interesses lucrativos e egoístas:

A racionalidade individualista nasceu como uma atitude crítica e de oposição

que derivava a liberdade de ação da liberdade irrestrita de pensamento e

consciência e media todos os padrões e relações sociais pelo interesse

44

Apud. EAGLETON, Terry. Marx. São Paulo: Unesp, 1999, p. 33. 45

MARCUSE, Herbert. Algumas implicações sociais da tecnologia moderna. In: KELLNER, Douglas

(Ed). Tecnologia, guerra e fascismo – coletânea de Herbert Marcuse. São Paulo: Unesp, 1998. 46

ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 11.

37

próprio racional do indivíduo. Ela transformou-se na racionalidade da

competição em que o interesse racional foi substituído pelo interesse do

mercado, e a conquista individual foi absorvida pela eficiência47

.

A reificação e a alienação enfrentadas pelo homem, proporcionadas pela propriedade

privada dos meios de produção, pela divisão do trabalho e pelo fetichismo da mercadoria

precisam ser superadas. O que se deve fazer em um primeiro momento é a conscientização,

não só do trabalhador, mas de todos os homens, de sua própria condição para que com isso

eles possam repensar sua vida e emancipar-se, libertar-se, arrebentando os grilhões dos

princípios capitalistas que exploram e dominam a consciência do indivíduo. Para que isto

possa se concretizar, é necessário que o trabalhador, em seu tempo de lazer, não apenas siga as

normas rígidas da dominação capitalista, mas reflita e questione sua condição, procurando

soluções práticas e precisas. Neste sentido, István Mészáros em sua obra “Para além do

Capital” comenta:

[...] o sistema de produção baseado na relação-capital está cheio de

antagonismos. Os capitalistas particulares e os trabalhadores individuais nele

funcionam apenas como personificações do capital e do trabalho e têm de

sofrer as consequências de dominação e subordinação implícitas na relação

entre as personificações particulares e o que está sendo personificado. A lei

do valor, por exemplo, que regula a produção do valor excedente, ‘parece

infligida pelos capitalistas uns sobre os outros e sobre os trabalhadores – e,

por isso, aparece de fato a penas como uma lei do capital atuando contra o

capital e contra o trabalho’. O trabalho – em suas personificações gerais e

nas particulares – é profundamente afetado pela subordinação estrutural ao

capital em todos os aspectos. (grifo do autor)48

.

Portanto, segundo Mészáros, tanto os empresários quanto os trabalhadores sofrem

influências do capital, desta forma a sua subjetividade e personalidade é afetada, devendo ser

adaptada à subordinação estrutural do capital.

Conforme a teoria da consciência adjudicada, de Lukács, o homem imbuído desta

consciência, tende a voltar-se contra todo este processo alienante e negar sua posição

coisificada frente ao sistema capitalista.

Lukács acreditava que a classe burguesa e a classe operária eram as únicas a terem

uma visão universal da sociedade capitalista. Sendo que a burguesia se mostrava apenas com

intenções econômicas particulares ocultando, conforme seus interesses, para as outras classes

47

MARCUSE, Herbert. Algumas implicações sociais da tecnologia moderna. In: KELLNER, Douglas

(Ed). Tecnologia, guerra e fascismo – coletânea de Herbert Marcuse. São Paulo: Unesp, 1998, p. 96. 48

MÉSZÁROS, István. Para além do Capital. Campinas: Boitempo editorial, 2002, p. 204.

38

(e até para si mesma) a essência concreta da sociedade capitalista. Pois, desvendando o

verdadeiro sistema atual, a burguesia estaria abrindo mão de sua condição de classe

dominante. Portanto, resta apenas a classe proletária que tem como desafio transformar,

conscientemente, a sociedade sendo a única classe capaz de revolucionar e modificar a

realidade.

A consciência de classe adjudicada é a tomada de consciência da situação histórica da

classe, não é uma consciência imediata e imposta ao proletariado: é um produto da luta de

classes.

Levando-se em consideração que a Modernidade enfrenta uma crise de paradigmas,

pode-se ressaltar que é uma tarefa extremamente difícil identificar as classes sociais e seus

adeptos e pertencentes. Quando Lukács elaborou a teoria da consciência adjudicada49

, em

meados do século XX, as classes eram definidas e explicitadas (tinham pernas, braços, tinham

corpo e forma), porém, na sociedade atual estão indefinidas (alguns autores consideram que

não existem mais classes): não se encaixam em nenhuma classe específica e ao mesmo tempo

se encaixam em todas.

Atualmente, portanto, a consciência adjudicada precisa estar arraigada em todos os

homens, principalmente àqueles reprimidos e dominados pelo sistema capitalista. Não é

necessário pertencer a uma classe definida para possuir a consciência adjudicada, mas é

preciso ter consciência de sua condição reificada e ter vontade de transformar sua vida para,

posteriormente, mudar todo sistema atual sócio-cultural, econômico e político.

Os gregos chamavam de ócio o tempo livre, sendo esse mais valoroso que a vida de

trabalho. O ideal de sabedoria que se cultivava tinha no ócio sua condição essencial. A vida

dos gregos se passava, essencialmente, nos ginásios, nas termas, no fórum e em outros lugares

de reunião. O culto aos deuses representava função permanente no tempo por se acreditar que

o meio de atingimento da perfeição e a sabedoria passavam pela contemplação dos deuses.50

Para os gregos, a atividade era um meio, um instrumento, e o ócio era um fim em si

mesmo, algo a ser alcançado para ser desfrutado. A capacidade de desfrutar devidamente o

ócio é o fundamento do homem livre e da felicidade humana.

Em convergência com os gregos, acredita-se que o momento de lazer é aquele em que

o homem possui liberdade de utilização do seu tempo livre, neste momento ele pode

49

LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe. 11ª ed. São Paulo: Publicações Escorpião, 1985. 50

BACAL, Sarah. Lazer e o Universo dos Possíveis. São Paulo: Aleph, 2003.

39

descansar, refletir, desenvolver-se intelectualmente e fisicamente, divertir-se, confraternizar

com a família ou mesmo utilizar este tempo para contemplar a natureza, enfim, é quando o

homem alcança a felicidade humana.

O tema lazer despertou interesse dos estudiosos da medicina que o consideram como

fonte restauradora da higidez (saúde) da pessoa e de suas energias, fatos associados às

mudanças de hábitos ou quebra de rotina existencial; é considerado como modus vivendi,

modo de viver, de aproveitar a vida. Conforme dispõe Wladimir Martinez:

Para o trabalhador, massacrado pela rotina do dia a dia, o descanso e a

alternância de ares, são absolutamente imprescindíveis ao seu

restabelecimento periódico. Às vezes, o simples distanciamento do local de

trabalho, mediante viagens, é suficiente para o reequilibro da força perdida51

.

É essencial a saúde do trabalhador que este possua um tempo livre para descansar e

relaxar, desta forma poderá readquirir o equilíbrio mental e físico, a família também é

instituto fundamental para este equilíbrio.

Finaliza-se o presente tema com um apelo emocionado ao não trabalho, proposto por

Lafargue, uma Ode a preguiça:

Se, extirpando do peito o vício que a domina e que avilta sua natureza, a

classe operária se levantasse em sua força terrível, não para exigir os

Direitos do Homem, que não passam dos direitos da exploração capitalista;

não para reivindicar o Direito ao Trabalho, que não passa do direito à

miséria, mas para forjar uma lei de bronze que proíba o trabalho além de três

horas diárias, a terra, a velha Terra, tremendo de alegria, sentiria brotar

dentro de si um novo universo [...] Mas como exigir de um proletário

corrompido pela moral capitalista uma decisão tão viril? Como Cristo,

dolente personificação da escravidão antiga, os homens, mulheres e crianças

do proletariado sobem penosamente, há um século, o duro calvário da dor;

há um século, o trabalho forçado quebra seus ossos, mata suas carnes,

esmaga seus nervos; há um século, a fome retorce suas entranhas e alucina

suas mentes!... Preguiça, tenha piedade de nossa longa miséria! Preguiça,

mãe das artes e das virtudes nobres, seja o bálsamo das angústias humanas52

!

No item seguinte será tratado sobre a contextualização do lazer na sociedade moderna,

onde os meios de comunicação de massa, como a televisão e o rádio exercem influência

constante nas práticas dos trabalhadores.

51

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Noções de Direito Previdenciário. São Paulo: LTR, 1997, p. 286. 52

LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2ª ed. São Paulo: Hucitec. 2000, p. 112.

40

1.3.1 O Lazer como elemento cultural de uma sociedade de massa

O surgimento dos meios de comunicação de massa, a industrialização e a urbanização

implicará na padronização das condutas sociais do lazer, que se apresentara como elemento

cultural de uma sociedade de massas.

Conforme o sociólogo Domenico de Masi53

, todos os meios de comunicação de massa

são globalizados, assim como a ciência, o dinheiro, a cultura. As informações televisivas

contêm imagens e vozes que são transmitidas em todo o mundo, em tempo real. Também os

mercados monetários são globalizados, enfim, a vida inteira é globalizada.

A prática do lazer tem a intenção de homogeneizar, uma vez que todos compartilham

de um conjunto comum orientado para produção. A atitude do público faz parte do sistema, e

esta prática massificada do lazer é uma das expressões de controle da consciência individual.

Conforme leciona Sarah Bacal54

, há o desvio dos problemas em se converter o lazer

em atividade criadora, incentivando o consumo como objetivo capaz de preencher suas

exigências de gratificação, sua vida. Os publicitários não propõem lazeres que não exijam

poder de compra. De acordo com o sociólogo Giovanni Alves, o consumo fetichizado tomou

conta da sociedade atual, para ele:

Na medida em que sob o capitalismo fordista o consumo fetichizado ocupou

o tempo de vida e lazer, criaram-se as condições sociometabólicas para que o

tempo de vida esvaziado de conteúdo se tornasse tempo de trabalho

estranhado e fetichizado nas condições do capitalismo toyotista. Portanto,

antes de ser reduzida a trabalho abstrato fictício, a vida foi esvaziada de

conteúdo efetivamente humano pelo consumo fetichista.

O capitalismo global, o fetichismo da mercadoria com sua carga

manipulatória penetrou na produção, ampliando os territórios da existência

inautêntica. O toyotismo como ideologia da produção de mercadorias contém

em si uma dimensão fetichista de alta intensidade visando à 'captura' da

subjetividade do trabalho pelo capital. Por isso, o trabalho toyotizado é

trabalho estranhado densamente fetichizado no sentido de ocultar, com

sutileza, a exploração e dominação do capital envolvendo objetivamente com

seus dispositivos linguístico-organizacionais o trabalhador assalariado e o

homem-que-trabalha.

Ao mesmo tempo, a derrocada do compromisso fordista-keynesiano e a crise

da sociedade de consumo (crise da 'classe média'), com a persistência do

consumo densamente fetichizado devido à exacerbação da manipulação com

a crise do capital, ampliaram e intensificaram a carga de estranhamento,

fazendo surgir a 'consciência intranquila' que caracteriza o proletariado pós-

53 MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. Rio de Janeiro: Sextante. 5ª ed., 2000, p. 141. 54 BACAL, Sarah. Lazer e o Universo dos Possíveis. São Paulo: Aleph, 2003, p. 87.

41

moderno. É ela que permite recompor de forma contraditória a classe do

proletariado com demandas radicais55

.

O consumo fetichista, tempo de lazer, colabora com o estranhamento e a alienação do

homem visto que este consome o que está condicionado a consumir, desta forma não se

encontra consigo mesmo e com sua subjetividade. No momento em que o homem é

condicionado em suas ações, mesmo nos momentos de não trabalho, este perde sua

humanidade e sua dignidade, visto que é um estranho para si mesmo.

Neste prisma, para os autores Adorno e Horkheimer, o cinema e o rádio não se

apresentam como arte, pois são propagadores de uma ideologia destinada a legitimar o lixo

cultural produzido. Já a televisão é uma junção do rádio e do cinema.

A televisão visa uma síntese do rádio e do cinema, que é retardada enquanto

os interessados não se põem de acordo, mas cujas possibilidades ilimitadas

prometem aumentar o empobrecimento dos materiais estéticos a tal ponto

que a identidade mal disfarçada dos produtos da indústria cultural pode vir a

triunfar abertamente já amanhã – numa realização escarninha do sonho wagneriano da obra de arte total

56.

De acordo com os autores de Frankfurt, as formas mais expressivas de lazer colaboram

com a alienação e empobrecimento cultural. As canções de sucesso, os astros, as telenovelas

são retransmitidas de forma invariante, estagnadas e com conteúdos que modificam apenas de

forma superficial. Os filmes adestram os telespectadores que já tem interiorizado uma

consciência animal, porque os filmes não permitem mais a fantasia, atrofiando a imaginação e

a espontaneidade do consumidor.

Neste esquema, portanto, as práticas de lazer se destinam a proibir, bloquear a

atividade intelectual. Um resultado prático disso é que o homem se sente realizado quando os

olhos vêem algo ou os ouvidos ouvem algo já previsto. Aqui, não há mais espaço para a

criatividade e a espontaneidade:

Assim a indústria cultural, o mais inflexível de todos os estilos, revela-se

justamente como a meta do liberalismo, ao qual se censura a falta de estilo.

Não somente suas categorias e conteúdos são provenientes da esfera liberal,

tanto do naturalismo domesticado quanto da opereta e da revista: as

modernas companhias culturais são o lugar econômico onde ainda sobrevive,

juntamente com os correspondentes tipos de empresários, uma parte da

esfera de circulação já em processo de desagregação. Aí ainda é possível

55

ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.

Bauru: Canal6, 2013, p. 125. 56

ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. A Indústria cultural: O esclarecimento como

mistificação das massas. In: ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento.

Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 116-117.

42

fazer fortuna desde que não seja demasiado inflexível e se mostre que é uma

pessoa com quem se pode conversar. Quem resiste só pode sobreviver

integrando-se. Uma vez registrado em sua diferença pela indústria cultural

ele passa a pertencer a ela assim como o participante da reforma agrária ao

capitalismo57

.

A humanidade está encurralada, não há como fugir da indústria cultural, e não há

como sobreviver sem entregar-se, há momentos da vida em que o lazer, o riso, a diversão

tornam-se um meio de ludibriar a felicidade. A diversão é uma maneira de fugir do sofrimento,

é uma fuga da própria realidade contemporânea.

A padronização do lazer decorre da padronização do comportamento, da padronização

da cultura, do trabalho, do pensamento. A sociedade é condicionada a adaptar-se a esta

realidade, pois que não existe liberdade de escolha.

Em contraponto a opinião dos autores, acredita-se que a mídia, a televisão, o rádio,

muitas vezes exercem influência positiva na sociedade, conseguindo cumprir a função social

dos meios de comunicação, como por exemplo, quando publicizam a inclusão social. No

entanto são casos raros e pontuais, não é regra.

O processo de transformação do homem em mercadoria e da mercadoria em algo que

tem vida, também é uma característica da sociedade atual responsável pelo estranhamento do

trabalhador, sobre este tema que tratar-se-à em seguida.

1.3.2 O Lazer como momento de questionamento do Fetichismo da mercadoria e da

Reificação do trabalhador

A necessária igualdade dos trabalhos humanos fica escondida sob a forma da

igualdade dos próprios produtos do trabalho, ou seja, o trabalho humano é confundido com a

própria mercadoria, esta que é o produto do trabalho humano possuindo valor secundário

quando é comparado com seu produto. O dispêndio de força de trabalho humano se

transforma em quantidade de valor dos produtos do trabalho, quanto mais tempo é dedicado a

determinada mercadoria, maior é seu valor.

Os trabalhadores assumem o aspecto de relação social entre os produtos do trabalho e

a relação com seu produto é mais intensa que a relação com um colega de trabalho. A

57

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. A Indústria cultural: O esclarecimento como

mistificação das massas. In: ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento.

Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 121.

43

mercadoria se sobrepõe ao seu próprio produtor, é ela quem determina e molda a vida e o

comportamento do indivíduo. Não é mais o trabalhador quem dá vida à mercadoria, e sim é a

mercadoria quem dá vida a seu produtor. A função das mercadorias, que é a de dar satisfação

às necessidades humanas, vai além da física, transcende a um plano superior.

Para Karl Marx, o trabalhador desce ao nível de mercadoria, tornando-se um miserável;

e a penúria do trabalhador aumenta com o poder e o volume da sua produção; o resultado

necessário da concorrência é a acumulação do capital em poucas mãos, consequentemente,

um terrível restabelecimento do monopólio e a diferenciação entre capitalista e proprietário

agrário, bem como entre trabalhador rural e trabalhador industrial, deixa de existir, e toda a

sociedade se divide em duas classes: os que possuem propriedade e os trabalhadores

despossuídos de propriedade. Para ele, o trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais

barata, quanto maior número de bens produz e, com a valorização do mundo das coisas, a sua

humanidade é desvalorizada58

.

A mercadoria encobre as características sociais do trabalho dos homens (as próprias

relações sociais, as relações humanas), pois estas características se apresentam como

características materiais (a relação do homem com o seu produto se torna mais importante do

que a relação do homem com ele mesmo ou com o outro) e propriedades sociais

independentes do produto do trabalho. As mercadorias parecem auto constituirem-se, em um

exemplo, Marx apresenta o fetichismo: “[...] os produtos do cérebro humano parecem dotados

de vida própria, figuras autônomas que mantêm relações entre si e com os seres humanos59

”.

É notório o poder que as mercadorias exercem sobre os seres humanos, elas parecem exercer

um controle irreversível sobre a vida das pessoas, que valorizam secundariamente o cérebro

humano criador das mercadorias e os homens que as constroem através do trabalho.

O trabalho é a atividade em que o homem domina as forças naturais, humanizando a

natureza; é onde o homem se cria. A atividade de trabalho deveria ser desta forma, ao

contrário do que ocorre, pois hoje revela-se apenas como o sofrimento do trabalhador ao

exercer uma atividade que é penosa e coercitiva.

Marx faz uma reflexão sobre o trabalho estranhado, verificando o seu lugar na

composição da socialidade humana, e de como tal composição se reequaciona a partir da

transformação do trabalho em elemento subordinado à troca e à propriedade privada. Ele

58

MARX, Karl. Manuscritos Econômicos e Filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 110-111. 59

MARX, Karl. O Capital - O Processo de Produção do Capital. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1980, p. 81.

44

analisa o estranhamento como forma específica de exteriorização humana, especialmente o

domínio do trabalho assalariado sob o capitalismo.

O trabalho estranhado constitui-se quando a relação homem natureza passa a ser

mediada por outros elementos como intercâmbio, propriedade privada e divisão do trabalho,

que passam a ditar o conteúdo e a finalidade da atividade humana.60

O sonho de Marx é que haja uma sociedade em que (homens e mulheres) possam

desenvolver suas habilidades livremente, em que homens e mulheres possam aperfeiçoar-se

não apenas como ferramentas de trabalho para produção de mercadorias, mas também como

pessoas capazes de opinar e de esmerar sua personalidade.

[...] quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem para consumir;

quanto mais valor ele cria, tanto menos valioso se torna; quanto mais

aperfeiçoado o seu produto, tanto mais grosseiro e informe o trabalhador;

quanto mais civilizado o produto, tão mais bárbaro o trabalhador; quanto

mais poderoso o trabalho, tão mais frágil o trabalhador; quanto mais

inteligência revela o trabalho tanto mais o trabalhador decai em inteligência

e se torna um escravo da natureza61

.

Em síntese, quanto mais empenho o trabalhador revela à mercadoria menos empenho

dedica a si mesmo. O trabalho é uma das causas de toda degeneração intelectual, de toda

deformação orgânica, da depreciação da arte, do belo e da supervalorização do vulgar e do

massificado (os gregos dos tempos áureos só sentiam desprezo pelo trabalho, apenas os

escravos trabalhavam e os homens livres faziam exercícios corporais e participavam de jogos

de inteligência).

A redução da pessoa humana à força de trabalho como mercadoria, por meio da

redução do tempo livre e aumento do trabalho estranhado é um dos elementos da sociedade

atual. Verifica-se que a função desta nova reestruturação é fragilizar a capacidade de

resistência à voracidade do capital.

Lafargue apresenta o trabalho estranhado como uma forma de violência tanto do corpo

quanto da alma. Ele considera que o trabalho é a causa principal da miséria do homem:

Trabalhem, trabalhem, proletários, para aumentar a riqueza social e suas

misérias individuais, trabalhem para que, ficando mais pobre, tenham mais

60

MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. In: FROMM, E. Conceito Marxista do homem.

Trad. Octávio A Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. 61

MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. In: FROMM, E. Conceito Marxista do homem.

Trad. Octávio A Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p. 92.

45

razões para trabalhar e tornarem-se miseráveis. Essa é a lei inexorável da

produção capitalista62

.

O homem é um ser ativo dotado de energia e vitalidade, em desenvolvimento de suas

potencialidades e quando transformado em mera ferramenta de trabalho ele se sente limitado e

preso. Dessa forma ele não se aperfeiçoa, ou seja, não vive e não progride. O homem é livre

quando produz, mas sem o sofrimento pungente da necessidade física ou quando é um

estranho a ele mesmo e ao objeto que produz.

O homem só é livre quando se emancipa das coações, externas e internas, físicas e

morais, e quando não é reprimido pela lei nem pela necessidade. Mas tal coação é a realidade.

E sendo assim, pode-se considerar que para se libertar desta condição reificante tem-se de

fugir dessa realidade. Somente quando o homem pode jogar com suas faculdades e

potencialidades livremente é que consegue se emancipar, portanto, o único momento em que

ele tem para se libertar dos grilhões do capitalismo é no seu momento de lazer e por isto, este

momento deve ser utilizado como desalienação, como forma de questionamento e crítica da

realidade.

O processo que separa o trabalhador da totalidade, do produto de seu trabalho, de seu

corpo e da atividade coletiva que o possibilita ser social, é chamado de alienação. É a

alienação que transforma o homem em uma coisa, em objeto; pois o priva de sua própria

essência. Segundo a professora de Sociologia Isabel Faleiros:

O valor da mercadoria força de trabalho é determinado pelo tempo de

trabalho necessário à sua própria manutenção, pois o ato de dispêndio da

energia cria a necessidade de reposição, que, por sua vez, não requer apenas

a alimentação, o abrigo, vestimenta etc. Requer a recomposição também

através do sono, do descanso, da diversão e de outras atividades. A

realização de todos esses aspectos se dá num tempo calculado no valor da

força de trabalho e, portanto, já pago pelo trabalhador no ato de venda da

mesma63

.

O trabalhador não necessita apenas de subsídios para sua sobrevivência (vestimentas,

alimentação, moradia), necessita também de tempo livre para poder utilizá-lo de forma

voluntária, como forma de reposição das energias que perdeu no trabalho. Este tempo livre é

determinante quando realizado o cálculo do valor deste trabalhador. As férias, o tempo diário

62

LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2ª ed. São Paulo: Hucitec. 2000, p. 79. 63

FALEIROS, Maria Isabel L. O lazer em questão: Redefinição no modo de vida de um grupo

operário. 1979, Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - PUC, São Paulo,1979, p. 23.

46

além da jornada de trabalho e o descanso semanal, são mercadorias e sua utilização é

determinada por normas produzidas pelo grupo.

Quanto mais o trabalhador se aliena (dedica-se ao seu trabalho massificado), menos

seu mundo interior lhe pertence; quanto mais o trabalhador se submete ao trabalho mecânico e

racional, mais a atividade do trabalhador perde seu caráter de atividade para adquirir um

caráter passivo.

Esta limitação reifica o trabalhador, ele não pode revelar sua personalidade e tem de

se submeter a um tempo e a um espaço físico delimitado. A mecanização da produção torna os

operários objetos isolados e abstratos, em que não mais realizam seu trabalho de forma

imediata e viva; a ligação entre eles é sempre realizada por meio de leis abstratas da

mecanização.

As relações de exploração e dominação do homem são opostas às de suas realizações,

como: seu bem-estar, prazer, felicidade e satisfações pessoais. Sem liberdade de pensar, as

atitudes do homem tornam-se mecânicas e irracionais, pois ele acaba se acostumando com o

que lhe foi ordenado, não tendo mais ânimo para resistir. Até mesmo no momento de lazer, o

trabalhador não se desprende das relações de produção, pois ele não apenas descansa ou

diverte-se, ele também consome objetos e serviços. Quando consome o resultado da produção

o indivíduo recupera a força que consumiu no trabalho e, dessa forma, produz novas energias,

originando a necessidade de se produzir mais.

Logo, o lazer completa o círculo alienante, coisificado, massificante, originado pelas

relações de trabalho assalariado. E é esse um dos pontos chave do trabalho: demonstrar a

importância do lazer como momento de reflexão, não utilizado como colaborador da

alienação, mas como elemento de crítica à sociedade capitalista.

1.4 A PRÁTICA DO DIREITO AO LAZER E SUA INFLUÊNCIA NO PROCESSO DE

PROLETARIZAÇÃO

Faz-se necessária a análise do conceito de proletário e do processo de proletarização,

tendo em vista que este vende seu trabalho e sua mente, ou seja, o proletário se submete por

completo ao mundo capitalista, perdendo sua subjetividade e personalidade e,

consequentemente, seu Direito ao Lazer. Um dos fatores responsáveis pela proletarização do

trabalhador é a falta de tempo livre e a não prática do Direito ao Lazer.

47

O vocábulo proletário veio do latim proletarius e, designava, entre os romanos, a

classe dos cidadãos que por sua pobreza estavam isentos de qualquer contribuição fiscal,

cabendo-lhes, no entanto, o dever de procriar para que fornecessem os filhos para preencher

os clarões abertos nos exércitos mantidos pelo Estado.

Dizia-se, por isso, proletarii, porque lhes cabia dar cidadãos, proles (filhos), à

República. Proletário na linguagem atual designa o operário ou o trabalhador que aplica suas

atividades no trabalho manual ou mecânico, como empregado.

Segundo De Plácido e Silva64

, proletariado é um vasto grupo social constituído por um

subconjunto de trabalhadores dependentes que se ocupam em diversos ramos de atividade, no

âmbito do processo de produção capitalista, recebendo um salário em troca do trabalho

prestado, justamente daqueles que detém a propriedade dos meios de produção e o controle da

sua prestação de trabalho.

O proletariado é a classe mais baixa da comunidade qualquer que seja o critério

considerado (do econômico à própria qualidade do direito prestado). Indica uma classe

industrial pobre, de trabalhadores manuais que não possuem nenhum capital significativo e

vende o seu trabalho para sobreviver. Silva apresenta algumas características do proletariado:

Normalmente o proletariado tem uma ou mais características: a) ocupação

industrial, b) trabalho manual, c) pobreza e d) ausência da posse de capital. A

proletarização dos trabalhadores não-manuais refere-se à relativa redução de

renda, enquanto a proletarização dos camponeses refere-se à troca da

propriedade comunal pela propriedade privada da terra, possivelmente com

aumento de renda. No uso marxista, o termo abrange os assalariados

industriais e os trabalhadores agrícolas no seu significado mais amplo, inclui

qualquer pessoa que possua um pouco ou nenhum capital e que deve viver

do trabalho65

.

Para De Plácido e Silva, a proletarização consiste no processo pelo qual indivíduos de

camadas superiores (de elite) fazem-se proletários ou adquirem consciência própria do

proletariado. A falta de tempo livre é fundamental neste processo. Porém, não se aceita este

conceito, tendo em vista de que ninguém se faz proletário. A proletarização é uma prática e

um sentimento que é incorporado, sendo resultado de um longo processo histórico-social,

cultural, político e econômico.

64

PROLETARIADO. In: SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense,

1993, p. 415. 65

PROLETARIZAÇÃO. In: BENEDICTO, Silva et al. Dicionário de Ciências Sociais. Rio de

Janeiro: FGV, 1986, p. 997-998.

48

Para Silva, a proletarização é um fenômeno social marcante em determinadas

situações históricas como a perda dos meios de produção sofrida por determinados grupos

sociais. A ocorrência da intensa transferência da propriedade dos meios de produção, realizada

no âmbito da Revolução Industrial, foi causa determinante do fenômeno da proletarização.

Para ele, a proletarização do empregado na atualidade refere-se à sua relativa diminuição de

rendimentos, ao passo que a proletarização do campesinato se relaciona com a mudança da

sua propriedade comunal para propriedade privada da terra.

A classe operária nasce e se delimita paralelamente ao nascimento, desenvolvimento e

consolidação do regime burguês. Os operários manufatureiros são os predecessores do

proletariado contemporâneo, que se molda em consequência da revolução industrial do final

do século XVIII.

Com o desenvolvimento da burguesia desenvolve-se também o proletariado, os

operários modernos, que só vivem se encontram trabalho, e só encontram trabalho se aumenta

o capital. Esses operários vendem-se diariamente como uma mercadoria, segundo Marx:

O crescente emprego de máquina e a divisão do trabalho, despojando o

trabalhado do operário de seu caráter autônomo, tiram-lhe todo atrativo. O

produtor passa a um simples apêndice da máquina e só se requer dele a

operação mais simples, mais monótona, mais fácil de aprender. Desse modo,

o custo do operário se reduz, quase exclusivamente, aos meios de

manutenção que lhe são necessários para viver e perpetuar sua existência.

Ora, o preço do trabalho, como de toda mercadoria, é igual ao custo de sua

produção. Portanto, à medida que aumenta o caráter enfadonho do trabalho,

decrescem os salários. Mais ainda, a quantidade de trabalho cresce com o

desenvolvimento do maquinismo e da divisão do trabalho, quer pelo

prolongamento das horas de labor, quer pelo aumento do trabalho exigido

em um tempo determinado, pela aceleração do movimento das máquinas,

etc66

.

O progresso industrial consiste no período de transição da etapa manufatureira do

capitalismo, com a técnica artesanal e trabalho manual, para a produção capitalista fabril,

agora pautada na mecanização da produção. Este período tem início na década de 60 do

século XVIII, na Inglaterra.

O avanço das máquinas causou mudanças na organização da produção, pois a

Revolução Industrial do século XVIII teve como consequência mudança profunda na estrutura

social. A introdução das máquinas minimiza a necessidade do modo de produção manual. Em

66

MARX, Karl. O Manifesto Comunista. In: FERNANDES, Florestan. Marx e Engels – História. 3ª

ed. São Paulo: Ática, 1989. (Coleção Grandes Cientistas Sociais), p. 371.

49

1850 a classe operária inglesa apresenta cerca de 60% de toda a população ativa no país, e

eleva-se a burguesia industrial que aos poucos vai se tornando a classe dominante.

Lafargue67

diz que os proletários franceses se deixaram degradar pela religião do

trabalho a ponto de aceitar, após 1848, a lei que limitava em doze horas o trabalho nas

fábricas, como se esta conquista fosse algo revolucionário.

O proletariado industrial na Alemanha inicia-se na primeira metade do século XIX

ganhando maior ímpeto na década de 20. Neste país não houve uma revolução democrática

burguesa, o proletariado sofre não só a exploração capitalista, mas também a opressão

feudal68

.

O proletariado surge como resultado do empobrecimento e ruína das largas massas da

população rural e urbana, em especial dos camponeses, operários e artesãos das manufaturas.

De acordo com Amauri Mascaro Nascimento:

O proletário é um trabalhador que presta serviços em jornadas de duração que

vai a 14 e a 16 horas, não tem oportunidades de desenvolvimento intelectual,

habita em condições subumanas, em geral nas adjacências do próprio local da

atividade, tem prole numerosa e ganha salário em troca disso69

.

Para Bugarola70

o proletário se caracteriza pela falta de plenitude psíquica, pois vive

de forma desumana de despersonalizada; sofre a desigualdade e possui necessidade de

libertação, imbuído de sentimento de solidariedade universal e com ânsia de justiça.

A condição de proletariedade é elemento fundante do trabalho estranhado: só há

trabalho estranhado porque há proletários ou homens e mulheres imersas numa condição

histórica e existencial de proletariedade, obrigados, por questão de sobrevivência, a se

submenterem às condições de exploração capitalista. Nesta condição não há desvinculação

de trabalho e vida, trabalho é vida e vida é trabalho. O tempo de lazer ou tempo de existência

não existe para o proletário.

A introdução das máquinas intensifica a desvalorização do trabalho e o desemprego

agrava a situação dos trabalhadores. As empresas industriais construídas não asseguram

trabalho para todos os camponeses e artesãos que se arruínam.

67

LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2ª ed. São Paulo: Hucitec. 2000. 68

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva. 7ª ed., 1989. 69

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva. 7ª ed., 1989,

p. 7. 70

BUGAROLA. Sociologia Y teologia de la técnica. Madrid: BAC, 1957, p. 251.

50

A partir de 1825 começam as crises econômicas, milhares de operários são expulsos

das fábricas, surgindo o exército industrial de reserva (levas de milhares de desempregados

ameaçando os empregados, forçando-os a resignarem-se com as condições da inconsciência),

o que permite ao capitalista intensificar cada vez mais a exploração, mantendo os salários

abaixo do valor de miséria.

Os operários têm condições de vida miseráveis, vivem em casas pequenas, sem

higiene, sem vestimentas, alimentação precária, falta de conforto, e começam a surgir doenças

crônicas e epidêmicas, estes são alguns indicativos da vida do proletário.

Para Marx, os operários das fábricas são como soldados da indústria, sofrendo

pressões e vigilância constantes dos seus oficiais e suboficiais. Estes são escravos da classe

burguesa, do Estado burguês, da máquina e do dono da fábrica.

A classe média inferior, formada por pequenos industriais, pequenos comerciantes e

pessoas que possuem rendas como: os artesãos e os camponeses tornam-se proletários. Em

consequência do desenvolvimento industrial, até mesmo frações inteiras da classe dominante

se tornam proletárias, ou mesmo ameaçadas em suas condições de existência. Marx explica as

razões desse processo de proletarização:

[…] uns porque seus pequenos capitais, não lhes permitindo empregar os

processos da grande indústria, sucumbiram na concorrência com os grandes

capitalistas; outros porque sua habilidade profissional é depreciada pelos

novos métodos de produção. Assim, o proletariado é recrutado em todas as

classes da população71

.

A proletarização é um processo dominante que atinge a consciência e a prática de vida,

junto com o desenvolvimento do modo de produção capitalista. A proletarização se torna um

processo avassalador intrínseco a todo ser humano. A questão do tempo livre está

intrinsecamente ligada a este processo, sem o direito ao lazer, ao divertimento e à reflexão, em

que a proletarização se intensifica atingindo todas as camadas sociais. Conforme Lafargue:

E, no entanto, o proletariado, a grande classe que abrange todos os

produtores das nações civilizadas, a classe que, ao se emancipar, emancipará

a humanidade do trabalho servil e fará do animal humano um ser livre – o

proletariado, traindo seus instintos, desconhecendo sua missão histórica,

deixou-se perverter pelo dogma do trabalho. Duro e terrível foi seu castigo.

71

MARX, Karl. O Manifesto Comunista. In: FERNANDES, Florestan. Marx e Engels – História. 3ª

ed. São Paulo: Ática, 1989. (Coleção Grandes Cientistas Sociais), p. 371.

51

Todas as misérias individuais e sociais nasceram de sua paixão pelo

trabalho72

.

Segundo Arendt73

, a era moderna trouxe consigo a glorificação teórica do trabalho, e

resultou na transformação efetiva de toda a sociedade em uma sociedade operária, concluindo,

assim, o processo de proletarização de todas as classes sociais. Esta sociedade que está para

ser libertada dos grilhões do trabalho é uma sociedade de trabalhadores que já não conhece

outras atividades superiores e mais importantes ou em benefício das quais valerá a pena

conquistar essa liberdade. O maior exemplo dessa atividade, a qual se faz referência em todo

o trabalho, é o lazer, como fonte de conhecimento, crítica, o lazer como contraposição ao

trabalho mecânico.

A classe operária não emerge e não luta porque existe. Ao contrário, existe porque luta

e se forma nos concretos acontecimentos, nos quais ela se nega como força de trabalho e

afirma sua autonomia e sua importância no mundo do trabalho. Quando a classe operária se

nega como força de trabalho reivindicando sua autonomia e se recompondo politicamente,

ocorre a metamorfose do operário massa em operário social74

.

A formação da classe operária de hoje se dá com sua recomposição política e com

reivindicação para que seja reconhecido seu valor e sua importância, enquanto negação de sua

composição técnica e destaque de sua influência subjetiva, intelectual. Esta classe se

apresenta de forma criativa, inteligente, portadora de trabalho imaterial.

O exercício do tempo livre é fundamental para que esta classe pratique sua

criatividade, compreenda e desenvolva a sua subjetividade e potencialidades e viva

plenamente, para que desta forma os princípios da dignidade e da humanidade façam sentido.

As opções de lazer da classe proletária são limitadas, visto possuírem baixo poder

aquisitivo, estando limitadas a práticas baratas ou gratuitas como televisão, radio, passeios

rápidos, praças públicas e as famosas “peladas”, por exemplo.

Na grande empresa reestruturada, o trabalho do operário é um trabalho que implica

sempre mais (em diversos níveis) capacidade de escolher entre diversas alternativas, e,

portanto, a responsabilidade de certas decisões. Conforme Antonio Negri: “é a alma do

72

LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 67. 73

ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. 74

NEGRI, Antonio e LAZZARATO, Maurizio. Trabalho Imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p.

17.

52

operário que deve descer na oficina” 75

. É a sua criatividade, a sua subjetividade, que deve

prevalecer. Qualidade e quantidade do trabalho são reorganizadas em torno de sua

imaterialidade. Embora a transformação do trabalho operário em trabalho de controle, de

gestão da informação, de capacidades de decisão que pedem o investimento da subjetividade,

toque os operários de maneira diferente, segundo suas funções na hierarquia da fábrica, ela

apresenta-se atualmente como um processo irreversível.

Destacando a importância do lazer e o Direito como instituição mediadora no próximo

capítulo traz à baila as características jurídicas do lazer, sendo um Direito Social preconizado

pela Constituição Federal de 1988.

75

NEGRI, Antonio e LAZZARATO, Maurizio. Trabalho Imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p.

25.

53

2 O DIREITO AO LAZER ENQUANTO DIREITO SOCIAL

O Direito ao Lazer (ou Direito à Preguiça, como preferia Lafargue) é um cenário da

sociedade burguesa, e teria o objetivo de atingir a consciência do proletariado. É a crítica da

ideologia do trabalho, é a exposição das causas e da forma do trabalho na economia capitalista

ou o trabalho assalariado.

Este direito se encontra dentre um dos principais elementos protecionistas da

dignidade e humanidade no trabalho. Considera-se que a tutela do lazer foi estruturada, tanto

no plano internacional como no âmbito nacional, como direito fundamental, cuja finalidade

era é de estabelecer uma forma legal e segura de certificar a sua proteção.

Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, traz explicitamente

o direito ao lazer como um dos direitos fundamentais para todo o ser humano, este ato deu um

grande passo para a melhoria da qualidade de vida do trabalhador: “Artigo XXIV - Todo ser

humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a

férias remuneradas periódicas.”76

Desta forma, o lazer ingressa na relação dos Direitos Humanos, onde a comunidade

internacional os considera como inerentes a todos os seres humanos e indispensáveis para a

realização dos princípios da dignidade, liberdade e justiça. No Brasil este direito foi incluído

no artigo 6º, da Constituição Federal de 1988, e foi classificado como um direito fundamental

social.

Ao direito ao lazer não lhe é atribuída nenhuma área específica. O estudo de tal tema

tem sido essencialmente voltado à vertente social e psicológica da sua prática. A importância

deste direito se deve a proteção de um bem jurídico que, em geral, só possui tutela indireta.

Conforme dispõe Christian Marcello Mañas:

Hoje, porém, as atividades ligadas ao lazer mostram-se como ações sem

sentido, as quais preenchem espaços vazios. De fato, o lazer institucionaliza-

se sob a característica de evasão. A realidade tem demonstrado que os

períodos de lazer dos empregados restringem-se em descanso físico e mental

para uma nova jornada, além de se materializar na forma de hobbies

alienantes e no consumo de mercadorias, atuando como mero espaço de

compensação do trabalho, havendo uma flagrante limitação quanto à

inserção do sujeito trabalhador na esfera politica e cultural da sociedade,

tornando-se um ser alienado e acrítico frente aos problemas sociais que o

cercam77

.

76

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1989. 77

MAÑAS, Christian Marcello. Tempo e Trabalho – A tutela Jurídica do tempo de trabalho e tempo

54

Portanto considera-se que o principal problema que se verifica no direito ao lazer é o

seu meio de utilização, ou seja, no tempo livre o homem descansa, consome, assiste televisão,

sendo que na maioria das vezes utiliza o tempo com atividades relacionadas à produção de

capital.

Juridicamente, o lazer é uma faculdade natural do ser humano que deve ser

amplamente reconhecida pelo direito positivo (ainda que não o seja no Brasil). Durante a

infância, por inaptidão para o trabalho, o tempo deve naturalmente, ser reservado para

brincadeiras, diversões e educação. Tem a função de restaurar as energias nos períodos de

trabalho e, por fim, àquele que contribuiu para criar riquezas apresenta-se o direito de se

aposentar.

Encontram-se algumas manifestações formais como forma de garantia e legitimidade

do lazer na Magna Carta e na Consolidação das Leis do Trabalho. Estas exposições serão

analisadas detalhadamente neste capítulo.

2.1 DIREITO AO LAZER: UM DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL

Conforme informa Otávio Amaral Calvet78

, a evolução da sociedade chegou ao estágio

em que os direitos de primeira dimensão já não mais garantiam o desenvolvimento dos

cidadãos, pois o exercício da sua liberdade é possível apenas com um mínimo existencial, e

este mínimo não era proporcionado no sistema liberal-burguês onde o despossuído apresenta-

se em condição de hipossuficiente e se encontra desamparado. Neste contexto surgem os

Direitos Sociais.

Desta forma, os Direitos Sociais são denominados de segunda geração, e são

essenciais para realização dos direitos de primeira geração, aquela que se refere às liberdades

públicas, pois em uma escala de necessidade da vida em sociedade. E um primeiro momento a

pessoa deve prover a sua subsistência, pois precisa se alimentar, se vestir, morar, descansar,

trabalhar, enfim, as pessoas precisam viver.

Consta expressamente na Constituição Federal, em seu artigo 6º que:

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a

livre. São Paulo: LTR, 2005, p. 113. 78

CALVET, Otávio Amaral. Direito ao lazer nas relações de trabalho. São Paulo: Ltr, 2006, p. 36.

55

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados, na forma desta constituição.

O lazer apresenta-se como um Direito Social, em que todo ser humano tem não apenas

a possibilidade, mas o direito a ele. A importância do direito ao lazer, que é constantemente

suprimida e desvalorizada, está em pé de igualdade com o direito à segurança, à liberdade e

ao trabalho (que está no ápice de sua discussão) e outros direitos também essenciais ao ser

humano. Deve-se discutir o direito do trabalho sempre levando-se em consideração o direito

ao lazer, visto que este confere garantias primordiais àqueles direitos.

Os Direitos Sociais, junto com os direitos individuais, coletivos, da nacionalidade e

políticos/democráticos ou da cidadania, são Direitos Fundamentais do homem, sendo o lazer

também um Direito Fundamental. Para compreensão dos direitos sociais é necessário que se

apresente os Direitos Fundamentais. Segundo Canotilho estes Direitos cumprem:

[...] a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva:

(1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência

negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as

ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano

jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais

(liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a

evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)79

.

Como liberdade positiva, portanto, é preciso fazer, promover, desenvolver os Direitos

Sociais/Fundamentais e, na segurança da liberdade negativa, é urgente proteger, defender, dar

sustentação – exigindo um não fazer, se é a violação, e, se o fizer, a sua retratação/punição.

No primeiro caso, promoção, já no segundo, a retaliação protetora.

Ainda, conforme Canotilho, os Direitos Fundamentais possuem função de prestação

social que significa direito do particular a obter algo através do Estado, quando não possuir

meios financeiros suficientes. Pode-se considerar que o direito ao lazer é uma função de

prestação social, o que ratifica a importância das Políticas Públicas de lazer no Brasil para a

realização e prática deste direito. De acordo com o jurista português:

Com base na indiscutível dimensão subjectiva dos direitos ‘sociais’ afirma-

se a existência de direitos originários a prestações quando: (1) a partir da

garantia constitucional de certos direitos; (2) se reconhece, simultaneamente

o dever do Estado na criação dos pressupostos materiais, indispensáveis ao

exercício efectivo desses direitos; (3) e a faculdade de o cidadão exigir, de

79

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed.

Coimbra: Livraria Almeida, 2002, p. 407-408.

56

forma imediata, as prestações constitutivas desses direitos. Exs: (i) a partir

do direito ao trabalho pode derivar-se o dever do Estado na criação de postos

de trabalho e a pretensão dos cidadãos a um posto de trabalho [...]80

.

Ratificando, pode-se, incluir como exemplo o dever do Estado em ofertar alternativas

para a prática do direito ao lazer, sendo este um Direito Social de prestação.

Os Direitos Fundamentais primam por garantir uma vida digna, em que os princípios

da igualdade, da liberdade e da fraternidade (tais princípios foram idealizados na Revolução

Francesa de 1789, e passaram a ser constitucionais com a Declaração dos Direitos do Homem

e do Cidadão, de acordo com as Constituições Francesas de 1791 e 1793 e Americana de 1787)

devem ser objetivados e respeitados, sem distinções entre os homens. Constitui garantia

fundamental, pois sem este direito, a pessoa não sobrevive ou não possui vida social, e a todo

homem cabe o reconhecimento e a consolidação destes81

.

Os Direitos Fundamentais são inerentes ao homem, são inalienáveis (intransferíveis,

não se pode desfazer deles), são imprescritíveis (nunca deixam de ser exigíveis) e

irrenunciáveis (não se renuncia – não se abdica).

O Estado social no Brasil teve a função de produzir as condições e os pressupostos

reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos Direitos Fundamentais. Deve-se reconhecer o

estado de dependência do indivíduo em relação às prestações do Estado e fazer com que este

último cumpra a tarefa igualitária e distributivista, sem a qual não haverá democracia nem

liberdade. Conforme Bonavides: “Com o Estado social, o Estado-inimigo cedeu lugar ao

Estado-amigo, o Estado-medo ao Estado-confiança, o Estado-hostilidade ao Estado-

segurança” 82

.

Os direitos sociais, um dos tipos de direito fundamental, são apontados como liberdade

positiva que deve ser vigiada de forma obrigatória em um Estado social de Direito e tem

como finalidade a melhoria das condições de vida dos mais fracos e mais carentes, devendo

ampará-los evitando a distinção social. Tais direitos são essenciais, sendo de obrigação do

Estado a preservação destes, tendo-se como função e objetivo preservar e resgatar a igualdade

social. A Constituição Federal dispõe sobre os direitos sociais em seus artigos 6º ao 11º, de

forma exemplificativa, não os esgotando visto que se encontram espalhados de forma difusa

80

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed.

Coimbra: Livraria Almeida, 2002, p. 475. 81 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20 ed. São Paulo: Malheiros,

2001. 82

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13 ed. Rev. Atual. São Paulo: Malheiros, 2003,

p. 338.

57

por toda a Constituição Federal.

É Direito que exprime com toda a força a tensão entre a norma e a realidade, entre os

elementos estáticos e os elementos dinâmicos da Constituição, entre a economia de mercado e

a economia dirigida, entre a liberdade e a planificação, entre o consenso e o dissenso, entre a

harmonia e o conflito, entre pluralismo e monismo, entre representação e democracia, entre

legalidade e legitimidade e até mesmo entre partidos políticos e associações de classe,

profissões ou interesses, as quais aparecem invariavelmente na crista da revolução

participatória deste tempo.

A Constituição define como princípios fundamentais os Direitos Sociais básicos que

são os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa; estabelece objetivos fundamentais para a

República como o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a

redução das desigualdades sociais e regionais, abrange genericamente a educação, a saúde, o

trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desempregados.

José Afonso da Silva83

conceitua os Direitos Sociais como prestações positivas

oferecidas pelo Estado de forma direta ou indireta, enunciadas em normas constitucionais, que

propiciem melhores condições de vida aos hipossuficientes, tendendo a realizar a igualdade

nas situações desiguais. O Princípio da Isonomia ou igualdade diz que todos os homens são

iguais perante a lei, devendo o aplicador levar em consideração o pensamento de Aristóteles,

de que méritos iguais devem ser tratados igualmente, mas situações desiguais devem ser

tratadas desigualmente.

De acordo com o jurista, os Direitos Sociais se agrupam em cinco classes:

a) direitos sociais relativos ao trabalhador;

b) direitos sociais relativos à seguridade, compreendendo os direitos à saúde, à previdência e à

assistência social;

c) direitos sociais relativos à educação e à cultura;

d) direitos sociais relativos à família, a criança, ao adolescente e ao idoso;

e) direitos sociais relativos ao meio ambiente.

Este também classifica os direitos sociais em a) do homem produtor e b) do homem

consumidor. Os direitos sociais do homem produtor estão citados nos artigos 7 a 11 da Consti-

tuição. São os seguintes: liberdade de organização sindical, o direito de greve, o direito de

83SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros,

2001.

58

celebrar acordos e convenções coletivas de trabalho visando à melhoria da sua condição social,

o direito de participar na gestão da empresa e o direito de obter um emprego.

Os direitos sociais do homem consumidor estão indicados no artigo 6º da Constituição

e desenvolvidos no Título da Ordem Social. São os direitos à saúde, à segurança social, ao

desenvolvimento intelectual, ao igual acesso das crianças e adultos à instrução, à formação

profissional e à cultura e garantia ao desenvolvimento da família.

Conforme Bonavides84

, o problema que envolve a interpretação do princípio da

igualdade está em determinar se este representa ou não uma obrigação para o Estado de criar

na sociedade a igualdade fática. O Estado social é produtor de igualdade fática. Este conceito

deve iluminar sempre toda a hermenêutica constitucional, em se tratando de estabelecer

equivalência de direitos. Obriga o Estado a prestações positivas; a prover meios, se necessário,

para concretizar comandos normativos de isonomia. A isonomia fática é o grau mais alto,

justo e refinado a que pode subir o princípio da igualdade numa estrutura normativa de direito

positivo.

Dessa forma, é eminente que o Estado proporcione ao trabalhador o direito ao lazer,

sendo este um direito fundamental. O direito ao lazer possibilita ao homem fazer uso de sua

liberdade e de sua criatividade. O lazer é o momento de prazer e autonomia do homem e por

isto tem grande importância.

2.1.1 Garantias de práticas do Direito ao Lazer na Constituição Federal de 1988

Todo trabalhador precisa de um ganho mensal mínimo para realização dos seus

direitos sociais, e neste rol encontra-se o lazer. No entanto, este mínimo não é o suficiente

para atender a estes direito, inclusive o lazer, este fica em segundo plano, pois o salário

mínimo mal cobre à custa com alimento, moradia, vestimenta. Desta forma, no tempo livre,

muitas vezes o trabalhador utiliza este momento para fazer horas extras ou “bicos”, de acordo

com Sarah Bacal:

[...] para se usufruiu do lazer, é necessário dispor de tempo, que é subtraído

ao tempo de trabalho, mas, contraditoriamente, o consumo do lazer exige

mais renda, o que implica mais tempo dedicado ao trabalho para obter mais

dinheiro, o que leva à negação do tempo e da liberação derivados daquela

subtração. Em última instância, acaba-se por negar o próprio prazer85

.

Para se exercer o direito ao lazer é necessário trabalhar mais, desta forma deixa-se de

84 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13 ed. Rev. Atual. São Paulo: Malheiros,

2003, p. 342. 85

BACAL. Sarah. Lazer e o Universo dos Possíveis. São Paulo: Aleph, 2003, p. 88.

59

praticar este direito em detrimento do trabalho necessário para sua realização. Ou, ao exercê-

lo o faz atrelado aos modos de produção capitalista auxiliando-o consumindo o que a mídia

considera importante e transmitida através da televisão, folders, o direito ao lazer aparece

como instrumento de manutenção do sistema capitalista.

O direito ao lazer aparece na Magna Carta, sempre atrelado a alguma finalidade como

a tutela de menores (artigo 227), e principalmente relacionado com o desporto (artigo 217,

parágrafo 3º). Acredita-se que o direito ao lazer não é exclusivamente de menores, idosos ou

mesmo não se encerra na prática de esportes:

Artigo 7. São direitos dos trabalhadores [...] – inciso IV – salário mínimo,

fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender suas necessidades

vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,

lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes

periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua

vinculação para qualquer fim. (grifo nosso)

Artigo 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-

formais, como direito de cada um observados:

[...]

Parágrafo 3º – O Poder Público incentivará o lazer, como forma de

promoção social.

Artigo 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança

e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo nosso)

Nota-se, no artigo 217, parágrafo 3º, a importância do Poder Público quanto o

incentivo ao lazer, desta forma verifica-se que as Politicas Públicas são prioritárias e

fundamentais para a realização deste direito, além do incentivo a práticas esportivas, faz-se

necessária o incentivo ao lazer como momento de desenvolvimento mental, através de

práticas culturais e educativas.

Faz-se necessário relembrar o conceito e finalidade do lazer, este não se reduz somente

ao desenvolvimento físico, se estende a momentos de contemplação, divertimento, harmonia

com a família, sendo um tempo livre de obrigações laborais, sociais e políticas, o momento

em que o ser humano desenvolve suas potencialidades e exerce sua subjetividade.

No Título XIII, da Constituição Federal, que trata Da Ordem Social, dispõe sobre

diversas garantias como a saúde, a educação, a cultura, o desporto, a ciência, a comunicação

60

social, o convívio familiar, os direitos das crianças, adolescentes e idosos, o que se conclui é

que todos estes direitos só podem ser exercidos plenamente quando o direito ao lazer se

realiza, ou seja, quando o indivíduo se desvincula da produção capitalista e dedica seu tempo

a ações ou omissões livres. Acredita-se que o direito ao lazer é, portanto, instrumento de

extrema relevância para a efetivação dos direitos fundamentais.

A delimitação da jornada de trabalho e seu aparato jurídico são instrumentos do

Direito que objetivam garantir o lazer, no entanto deve-se expor a aplicabilidade desta

sistematização.

2.2 A JORNADA DE TRABALHO ENQUANTO CONDIÇÃO DO DIREITO AO LAZER

O descanso do trabalhador é uma das possibilidades de lazer, junto com o direito de

férias e do gozo dessas férias na forma que o empregado desejar, como: viajar, estudar, ler,

dormir, passear (são direitos sociais do trabalhador). A Constituição Federal assegura o direito

ao descanso, o direito ao repouso, às férias e ao gozo destas, à aposentadoria no artigo 7º, e

incisos:

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e

quarenta e quatro horas semanais, facultada a compensação de horários e a

redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos

de revezamento, salvo negociação coletiva;

XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em

cinquenta por cento à do normal;

XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais

do que o salário normal;

XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a

duração de cento e vinte dias;

XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei.

Nestes dispositivos, observa-se que o legislador objetivou limitar a jornada de trabalho,

e desta forma proporcionar melhor qualidade de vida do trabalhador evitando fadiga e

proporcionar momento de liberdade para utilizá-lo com a família, amigos. No entanto a tutela

direta do lazer não consta na legislação brasileira. O lazer é apenas um desmembramento do

direito do trabalho.

61

O artigo 7º, inciso XIV, da Constituição Federal, assegura aos trabalhadores urbanos e

rurais o direito à “jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de

revezamento, salvo negociação coletiva”. Não há lugar para compensação, razão pela qual a

hora excedente à sexta deve ser remunerada como adicional de hora extra.

Para que o empregado possa ter direito à jornada diária de seis horas, o artigo 7º, inciso

XIV, da Constituição Federal, impõe três requisitos cumulativos:

trabalho em turno, isto é, o trabalho realizado por turmas de empregados que se suce-

dem na prestação do serviço (exemplo: turno matutino, vespertino e noturno);

sob o sistema de revezamento, ou seja, é preciso que as turmas de empregados se

revezem; e

de forma ininterrupta, atentando-se para o fato de que a atividade empresarial é que

não deve sofrer interrupção, e não a do trabalhador.

O inciso XXIV, do artigo 7º da Constituição Federal, traz o direito à aposentadoria, e

esta é uma das mais importantes conquistas dos trabalhadores. A situação do idoso se

assemelha à da criança, pois desta não pode ser exigido esforço físico, necessitando de tempo

livre para sua formação física e psicológica. O idoso deve desfrutar os últimos anos de vida

sem coação nem obrigação de trabalhar, restando-lhe preencher seu tempo de forma

voluntária: conversar com amigos, viajar, ler.

Considerando que o lazer é um tempo da vida em que não se tem a obrigação de

trabalhar, dispondo de seu tempo com liberdade e espontaneidade de fazer o que for melhor

para si, a aposentadoria é uma modalidade de lazer. O Estado moderno tem como objetivo

fornecer a seus trabalhadores condições decentes de vida, e a aposentadoria é um dos meios

para se alcançar este objetivo. Segundo Martinez:

[...] é preciso compreender a ociosidade do jubilado não só como pagamento

do salário socialmente diferido, mas situação alcançada graças ao trabalho

pretérito, pois o lazer não é gratuito, prêmio, júbilo ou mérito próprio da

idade alcançada86

.

A aposentadoria é algo alcançado através de um pagamento, sendo este é efetuado pelo

próprio tempo trabalhado, portanto, não é uma prerrogativa ou um presente, é um direito. O

sistema previdenciário é um tema que sempre se encontra em discussão, daí a importância de

86 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Noções de Direito Previdenciário. São Paulo: LTR, 1997, p. 284.

62

se ter uma previdência igualitária, necessitando de uma reforma inteligente e justa para todos

os trabalhadores.

2.2.1 Jornada diária de trabalho

A Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, dispõe nos artigos 57 a 75 sobre as

regras gerais da jornada de trabalho, denotando períodos de descanso, trabalho noturno,

quadro de horário e penalidades e há também regras especiais que se encontram espalhadas

por toda a citada legislação.

As primeiras leis trabalhistas, de cunho protecionista, preocupavam-se em limitar a

jornada diária do trabalho, sendo necessário fixar um tempo razoável de trabalho humano

prestado nas empresas da sociedade industrial.

As primeiras leis, a respeito da jornada de trabalho, foram elaboradas na Inglaterra

(1847) e na França (1848) estabelecendo-se a jornada de dez e onze horas, justificando que o

trabalho manual muito prolongado arruinaria a saúde do trabalhador e o impediria de

desenvolver sua inteligência, o que prejudicaria a sua dignidade. Outros países também

adotaram medidas parecidas, dentre esses a Suíça (1877), fixando jornada em onze horas, a

Áustria (1885), em dez horas, os Estados Unidos (1868), em oito horas no serviço federal, a

Rússia (1887) em dez horas.

Acreditando que o trabalho não deve se prolongar por mais tempo do que as forças do

homem permitem, a jornada de oito horas foi se generalizando no início do século XX.

O Tratado de Versalhes foi assinado em julho de 1919, no momento em que a

Alemanha vencida, assina com a Entente e seus aliados a Paz de Versalhes, em Paris. A

Alemanha foi destroçada com o tratado, foi retirada a oitava parte do seu território, sua

população teve uma diminuição arrasadora, suas colônias foram para as mãos da Inglaterra e

da França. O exército Alemão ficou reduzido a 100 mil homens, somente para autodefesa

nacional. O país não poderia ter indústria bélica e nem construir aviões, tanques ou

submarinos. Também não haveria escola de guerra e nem estado maior das forças armadas. O

Tratado de Versalhes fez com que a Alemanha mergulhasse em uma crise econômica violenta.

Diante disto, surgiram as agitações e a propaganda nacionalista, usados mais tarde pelos

nazistas com o Partido Nacional-Socialista.

Foi através do Tratado de Versalhes, que efetivou a jornada diária de oito horas, junto

com a Organização Internacional do Trabalho e a promulgação da Convenção n. 1 pela

Conferência de Washington, também em 1919. Junto com o Tratado de Versalhes surgiu o

63

projeto de organização internacional do trabalho. A Parte XIII desse tratado é considerada a

constituição jurídica da Organização Internacional do Trabalho.

A organização da Conferência de Washington revelou uma nova abordagem da

comunidade internacional em relação à questão do trabalho, influenciada pela pressão das

redes sindicais e pelo impacto da Revolução Russa. Na vida política brasileira, esta nova

realidade se expressava na expansão do movimento operário, na politização do debate sobre

problemas sociais e na fundação do Partido Comunista, em 1922.

As Conferências e Tratados são consequências da necessidade de reduzir a jornada

diária do trabalho, devendo esta ser limitada, tendo em vista aspectos psicofísicos e outros (há

também a necessidade em criar condições mínimas de higiene e conforto no ambiente de

trabalho).

O aumento da produtividade está intrinsecamente relacionado ao empenho satisfatório

no trabalho (melhores condições de trabalho levam o trabalhador a se empenhar muito mais

em sua atividade). O limite da jornada de trabalho acarreta uma redução nos acidentes de

trabalho, pois este está vinculado à atenção na atividade desenvolvida. Cabe ao Estado

propiciar condições de vida e de trabalho decentes ao trabalhador, para que dessa forma

realize a felicidade e o bem comum. O excesso de tempo de trabalho traz também

consequências familiares, pois retira o marido e a mulher do seu lar, distanciando-os da

educação dos filhos.

2.2.2 Conceitos de jornada diária de trabalho

Segundo Nascimento87

, há três conceitos de jornada diária de trabalho: o primeiro diz

respeito à diária de trabalho como tempo efetivamente trabalhado, excluindo as paralisações

da atividade do empregado. Deve-se considerar que existem paralisações remuneradas que

são excluídas da jornada. Trata-se de descanso, que é contado como tempo de serviço efetivo,

razão esta que torna inaceitável este conceito.

O segundo conceito proposta decorre da teoria da jornada diária, como o tempo

disposto ao empregador no centro de trabalho. Centro do trabalho é diferente de local de

trabalho, aquele é o estabelecimento em que o empregado, após o trajeto de sua residência,

apresenta-se e desde este instante passa a correr o tempo de trabalho, já o local de trabalho é o

87

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 27ª ed. São Paulo: LTR, 2001,

p. 261-262.

64

lugar onde o trabalhador inicia e exerce sua atividade. A jornada se inicia assim que o

trabalhador chega ao local onde se apresenta e é exposto à subordinação.

A terceira teoria é a da jornada como sendo o tempo colocado à disposição do

empregador no centro de trabalho ou fora dele, abrangendo o período em que o empregado se

desloca de sua residência para o trabalho e vice-versa, sem desvio de percurso.

No sistema jurídico brasileiro, a posição da lei e da jurisprudência é diferente: na lei

predomina a orientação segundo a qual a jornada de trabalho concorre com o tempo à

disposição do empregador no centro de trabalho. O artigo 4º da Consolidação das Leis

Trabalhistas dispõe que: “Considera-se como de serviço efetivo o período em que o

empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo

disposição especial expressamente consignada.” Esta, portando, é a regra geral apontada pela

lei.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho filiou-se à terceira teoria (pelo

Enunciado n. 90), contando o tempo de serviço como aquele em que o empregado é

transportado em condução do empregador, estabelecido em local sem outro meio de acesso

público, de sua residência para o serviço e vice-versa. Quando houver transporte público

regular, as horas in itinere remuneradas são contadas apenas onde o transporte público não

alcance.

As razões para a limitação da jornada de trabalho são de ordem biológica, social, eco-

nômica, religiosa e familiar.

De acordo com Carlos Henrique Bezerra Leite88

, a duração de trabalho, compreende,

em geral, todo o período correspondente ao contrato, inclusive os períodos relativos a repouso

semanal remunerado e férias anuais remuneradas, sem fazer distinção quanto ao tempo em

que o empregado esteja efetivamente à disposição do empregador. Para este jurista:

[...] a jornada de trabalho abrange o tempo em que o empregado esteja não

só efetivamente trabalhado como também colocando a sua força de trabalho

à disposição do tomador do seu serviço, por período contratual ou legalmen-

te fixado. Concebida, inicialmente, com o sentido de jornada diária, hoje em

dia confere-se à expressão jornada de trabalho amplitude suficiente para al-

cançar, também, as noções de jornada semanal, jornada mensal e jornada a-

88

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Constituição e Direitos Sociais dos Trabalhadores. São Paulo:

LTR, 1997, p. 82.

65

nual. A expressão jornada de trabalho é utilizada, via de regra, para designar

duração do trabalho diário.89

Horário de trabalho é o lapso temporal compreendido entre o início e o termo final de

uma mesma jornada diária. É o período relativo ao início e término da jornada, bem como os

respectivos intervalos.

A lei estabelece o limite máximo da jornada de trabalho: jornada máxima diária é de 8

horas; cinco dias e meio ou 44 horas é a jornada semanal máxima; após doze meses de serviço,

o empregado adquire direito a férias de trinta dias.

Não há proibição para que o empregador estipule jornada diária inferior a 8 horas.

Algumas categorias profissionais já desfrutam de jornadas inferiores como bancários,

telefonistas e outros.

A prestação do serviço após o limite máximo diário (8 horas, é a regra) resulta no

direito do trabalhador perceber adicional de horas extras, na base de 50%, no mínimo, sobre o

valor da hora normal, conforme exposto na Constituição Federal, artigo 7º, inciso XVI.

Em casos excepcionais a lei admite a prorrogação da jornada diária. A jornada

elasticida é nociva ao trabalhador e a toda a sociedade, uma vez que pode redundar fadiga,

tornando-o suscetível a doenças, além de reduzir a oferta de emprego.90

O artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, permite o regime de

compensação de horário, ou seja, ao invés de o empregado trabalhar 8 horas por dia, de

segunda a sexta-feira, mais 4 horas no sábado, poderá laborar, por exemplo, 8,48 horas, de

segunda a sexta, sendo denominada de segunda inglesa totalizando, assim, 44 horas semanais.

Tal compensação, entretanto, somente será válida se precedida de negociação coletiva,

instrumentalizada em convenção ou acordo coletivo.

A jornada de trabalho diária pode ser prorrogada, nos casos:

- em até duas horas suplementares, com acréscimo de 50%, mediante acordo individual entre

empregador e empregado ou norma coletiva através de convenção ou acordo coletivo, como

permite o artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho;

- em até quatro horas suplementares, com acréscimo de 50%, nos casos de serviços inadiáveis

cuja execução acarrete prejuízos ao empregador, conforme disposto na Consolidação das Leis

do Trabalho, artigo 61. Neste caso não é obrigatória a negociação coletiva;

- em até duas horas suplementares, sem acréscimo, desde que para compensar a jornada

89 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Constituição e Direitos Sociais dos Trabalhadores. São Paulo:

LTR, 1997, p. 82-83 90 LEITE, Carlos Henrique Bezerra Constituição e Direitos Sociais dos Trabalhadores. São Paulo:

LTR, 1997, p. 83.

66

semanal de 44 horas, mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho, conforme disposto

na Constituição Federal, artigo 7º, XIII.

A prorrogação da jornada laboral sem acréscimo só é possível na hipótese de

compensação derivante de negociação coletiva.

Assim, com exceção do regime de compensação, todas as horas extraordinárias serão

remuneradas com adicional de, pelo menos, 50% do valor da hora normal.

Em conformidade com o disposto no artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, não

estão sujeitos à jornada diária máxima de oito horas, portanto não fazem jus a horas extras:

- os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de

trabalho, devendo tal condição ser anotada na CTPS e no Livro de Registro de Empregados

(inciso I);

- os gerentes, assim considerados os atuantes de cargos de gestão, aos quais se equiparam os

diretores e chefes de departamento ou filial (inciso II), salvo quando o salário do cargo de

confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do

respectivo salário efetivo acrescido de 40% (parágrafo único, com redação dada pela Lei n.

8.966, de 27.12.94).

2.2.3 Garantias ao Lazer

No Antigo Regime, as leis da Igreja garantiam ao trabalhador noventa dias de

descanso (cinquenta e dois domingos e trinta e oito feriados), durante os quais era proibido

trabalhar. Esta foi à causa principal da arreligiosidade da burguesia industrial e comerciante.

Desde que se viu no poder, ela aboliu os feriados e substituiu a semana de sete dias pela de

dez. libertou os operários do jugo da Igreja para melhor subjugá-lo ao trabalho. A revolta

contra os feriados aparece quando a moderna burguesia industrial comerciante toma corpo,

entre os séculos XV e XVI. Conforme Lafargue:

[...] o protestantismo, que era a religião cristã acomodada às novas

necessidades industriais e comerciais da burguesia, preocupou-se menos com

o repouso do povo: destronou os santos do céu a fim de abolir, na Terra, seus

festejos. A reforma religiosa e o livre-pensamento filosófico não passavam

de pretextos que permitiram à burguesia, jesuíta e voraz, escamotear os

feriados do povo91

.

O direito às férias, o repouso semanal remunerado e as leis que limitam a jornada

diária de trabalho são uma conquista universal do trabalhador. Estes direitos visam garantir e

91

LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 89.

67

defender o lazer, e tais direitos resultam de um processo histórico onde foram necessárias

várias greves, manifestações e transformações para que se consolidassem. Basta recordar o

Dia do Trabalho.

2.2.3.1 Repouso Semanal

O repouso semanal originou-se com os costumes religiosos e se efetivou no século

XVIII, com a Revolução Industrial.

Os princípios do repouso semanal remunerados são:

1. A semanalidade, ou seja, a cada seis dias de trabalho proporciona-se um descanso de

vinte e quatro horas.

2. A dominicalidade, este não é obrigatório. O descanso semanal deve ser, de

preferência aos domingos, em alguns casos não é possível à empresa proporcionar o dia de

domingo como descanso semanal, tendo em vista as necessidades de trabalho aos domingos

de alguns ramos comerciais e industriais.

3. A inconversibilidade, não sendo lícito converter em pagamento o direito ao

descanso semanal, podendo ser feito em feriados civis e religiosos, facultando ao empregador

a substituição por outro dia compensatório ou pagando em dobro.

4. A remunerabilidade igual à dos dias normais de trabalho (dias úteis), inclusive

pagamentos de horas extras.

Para ocorrer à remuneração do repouso semanal deve haver a frequência integral do

empregado durante a semana.

O repouso semanal remunerado tem origem religiosa e seu escopo é propiciar ao

trabalhador o refazimento das energias despendidas durante uma semana de trabalho. O

repouso semanal remunerado é estendido aos dias considerados feriados civis ou religiosos.

De acordo com o artigo 6º da Lei n. 605/49 não será devida a remuneração quando,

sem motivo justificado, o empregado não tiver trabalhado durante toda a semana anterior,

cumprindo integralmente o seu horário de trabalho.92

A prestação de serviços nos dias destinados ao seu repouso semanal confere ao

empregado o direito à remuneração em dobro do dia trabalhado, salvo quando o empregador

determinar outro dia de folga. (Lei n. 605/49).

92 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Constituição e Direitos Sociais dos Trabalhadores. São Paulo:

LTR, 1997, p. 85.

68

2.2.3.2 Férias

Os princípios que integram o direito às férias são os seguintes:

a) A anualidade, em que todo o empregado deve ter direito a férias anuais, depois de

decorridos 12 meses, prevista em prazo posterior para seu gozo.

b) A remunerabilidade, assegurando o direito à remuneração integral, como se

estivesse em serviço.

c) A continuidade, o fracionamento da duração das férias sofre limitações, para

preservar a concentração contínua do maior número de dias de descanso.

d) A irrenunciabilidade: o empregado não pode trocar as férias por salário, terá o

direito de usufruí-las, prevendo a lei apenas parte dessa conversão em dinheiro por meio do

abono de férias.

e) A proporcionalidade: a duração das férias pode sofrer reduções em razão de

ausências do empregado, como lhe pode ser assegurado um pagamento proporcional dos

períodos aquisitivos não completados em decorrência da extinção do contrato de trabalho.

Assim que o empregado é admitido pela empresa ele precisa cumprir determinado

período para conquistar o direito de férias. Esse período é chamado de período aquisitivo,

possuindo a duração de 12 meses, conforme o artigo 130 da Consolidação das Leis do

Trabalho: “Após cada período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o

empregado terá direito a férias”.

Quando o empregado ficar afastado do serviço durante o período aquisitivo, nas

situações de auxílio-doença concedido pelo INSS, previdenciário ou acidentário, o empregado

perde o direito às férias se este afastamento ultrapassar 6 meses. Se o período de afastamento

for de até seis (seis) meses, o empregado terá o direito às férias integrais, sem qualquer

redução. No caso de licença, se ultrapassar 30 dias não serão concedidas férias, assim como

ocorre quando há paralisação da empresa.

Perdendo o direito às férias, quando o empregado retornar ao serviço, inicia-se nova

contagem de período aquisitivo.

Se o empregador for assíduo, ou suas faltas forem justificadas, poderá gozar de seu

direito integralmente. As férias serão proporcionadas em dias corridos.

Período concessivo é o período subsequente aos 12 meses (do período aquisitivo), é o

período em que o empregador deve conceder as férias. Se não o fizer, o empregador, além de

ter de pagar em dobro, deve também conceder as férias (Consolidação das Leis do Trabalho,

artigo 137).

69

Em regra, as férias devem ser concedidas de uma só vez, mas há alguns casos

excepcionais, não enumerados em lei, em que é possível o fracionamento em dois períodos,

sendo que um desses períodos não deve ser inferior a dez dias. Conforme Consolidação das

Leis do Trabalho artigo 134:

As férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período, nos 12

meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito. §

1º - Somente em casos excepcionais serão as férias concedidas em 2

períodos, um dos quais não poderá ser inferior a 10 dias corridos. § 2º - Aos

menores de 18 anos e aos maiores de 50 de idade, as férias serão sempre

concedidas de uma só vez.

Há também o direito dos estudantes, menores de 18 anos, de férias coincidentes com

as férias escolares e, quando houver membros da mesma família no mesmo emprego, se não

acarretar prejuízo ao empregador, deverão gozar das férias na mesma época (Consolidação

das Leis do Trabalho, artigo 136).

Cabe ao empregador escolher o mês em que o empregado irá gozar as férias, e esta

concessão se dará no período concessivo. Não é permitido, em lei, a conversão integral das

férias em pagamento em dinheiro, porque a natureza das férias corresponde à obrigação de

fazer sendo irrenunciável. É possível a conversão de 1/3 das férias (dez dias).

Estas são, de conformidade com a lei, as garantias dos empregados de possuírem o

tempo livre para que, desta forma, possam descansar, refletir, questionar, divertirem-se, enfim,

aproveitarem o seu direito ao lazer.

Embora o Direito ao Lazer esteja amparado na legislação brasileira, verifica-se que o

processo de flexibilização (próximo tema a ser explanado), ou seja, ajuste das normas

jurídicas referentes ao Direito do Trabalho, muitas vezes ferem este direito, também foi

pesquisada as flexibilizações da jornada de trabalho.

2.3 CRÍTICA À FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA E A APLICAÇÃO

DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Quando a Constituição Federal coloca o valor da pessoa humana como um princípio

fundamental no artigo 1º, inciso III, este deve ser realizado sob o olhar de diferentes aspectos

no cenário social, seja no tocante ao próprio interesse individual da pessoa, seja no plano

econômico ou social, demonstrando os limites a serem respeitados pela flexibilização sob

pena de tornar-se inconstitucional e violar o Estado Democrático de Direito.

70

A Constituição Federal de 1988 abrange o princípio da dignidade da pessoa humana,

descrevendo diversas dimensões deste princípio. Em seu artigo 170 determina que a ordem

econômica garanta a todos uma existência digna.

O processo de flexibilização, ou um ajuste das normas jurídicas aplicáveis ao Direito

do Trabalho, só é legítimo com a observação dos direitos e garantias fundamentais aplicáveis

a todo cidadão seja ele trabalhador ou não, sob pena de estar ferindo norma de cunho legal e

até mesmo podendo se tornar uma medida inconstitucional. Portanto, a flexibilização da

legislação trabalhista não pode ferir nenhum princípio constitucional.

A flexibilização trabalhista é conhecida como meio de adequação e redução das leis

trabalhistas. Este processo pode ser realizado através de negociações coletivas, sendo

apresentada como necessidade de mercado ou com a menor intervenção do Estado na

atividade econômica e redução das normas de proteção aos trabalhadores. Para Giovanni

Alves:

[…] a flexibilidade da força de trabalho expressa a necessidade imperiosa de

o capital subsumir, ou ainda, submeter e subordinar, o trabalho assalariado à

lógica da valorização, através da perpétua sublevação da produção (e

reprodução) de mercadorias, inclusive, e principalmente, da força de

trabalho. É por isso que a 'acumulação flexível' se apoia, principalmente, na

flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho e ainda,

dos produtos e padrões de consumo. É a flexibilidade do trabalho,

compreendida como sendo a plena capacidade de o capital tornar domável,

complacente e submissa à força de trabalho, que irá caracterizar o 'momento

predominante' do complexo de reestruturação produtiva. […] o trabalho

flexível impõe-se como principal característica do novo e precário mundo do

trabalho. O que nos interessa salientar são os impactos do trabalho flexível

sobre a cotidianidade do homem-que-trabalha. É o foco sobre as

experiências pessoais das individualidades pessoais de classe que expõe a

dimensão da precarização do homem-que-trabalha93

.

Para o sociólogo Giovanni Alves, a flexibilização da legislação trabalhista corrobora

com o processo de desumanização do trabalhador, visto que sua vida se resume no seu tempo

de trabalho, mesmo em seu tempo de lazer o trabalhador se vê envolto a um padrão de

comportamento e de consumo que não permite fuga.

A possibilidade de flexibilização de contratos de trabalho colocam à disposição das

empresas um leque de modalidades de contratações atípicas, que muitas vezes ferem

princípios preconizados na carta constitucional.

Flexibilizar contratos trabalhistas como forma única de propiciar um incremento na

geração de empregos, na ânsia de combate ao crescente desemprego, com vistas ao

93 ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.

Bauru: Canal6, 2013, p. 88-89.

71

desenvolvimento econômico e social, apresentados por muitos através do termo modernidade,

pode ocasionar sérios riscos aos trabalhadores na medida em que retira do Estado o poder

intervencionista, o alicerce de proteção aos trabalhadores, fato este que poderia levar a

resultados desastrosos não somente para a saúde do trabalhador, como também afetaria a

primeira e mais importante entidade estatal que é a família, e consequentemente estaria

massacrando o princípio da dignidade da pessoa humana, e não mais seria taxado como

flexibilização, mas sim como flexibilização de exploração.

De acordo com Karl Marx94, em sua obra O Capital, a indústria moderna exige, por

suas características, variação e fluidez do trabalho, ou seja, este deve se adaptar e se adequar

as modificações constantes típicas. Marx também informa a respeito da elasticidade que as

máquinas e a força humana revelam, quando distendidas ao máximo pela diminuição

compulsória da jornada de trabalho. Para o autor, o trabalhador se desdobra para cumprir sua

função em um tempo de trabalho reduzido, faz em 1 (uma) hora o que deveria ser feito em 2

(duas), gerando maior exploração e desgaste físico e mental.

Nesta mesma linha de pensamento o sociólogo Giovanni Alves considera que a

flexibilização do trabalho possui duas características marcantes: “a precarização estrutural do

estatuto salarial (o que implica perdas históricas de empregos, vantagens salariais e direitos e

da classe do proletariado) e a constituição de uma nova precariedade salarial [...] ”95.

As flexibilizações não gerarão emprego, melhores salários, melhores condições de

trabalho, e sim são postas em prática, na maioria das vezes, para explorar ainda mais o

trabalhador e causar o estranhamento deste com a sua função e com ele mesmo. Para Alves:

Deste modo, a mundialização do capital, a ‘acumulação flexível’ e o

neoliberalismo constituíram nas últimas décadas de capitalismo global, um

novo (e precário) mundo do trabalho complexificado, fragmentado e

heterogeneizado. (grifo do autor)96.

Dinaura Godinho Pimentel Gomes leciona que a flexibilização posta em prática na

atualidade afasta o Estado da proteção ao trabalhador, desampara-o, ficando suscetível a

violações do princípio da dignidade e do trabalho humano, para ela:

[...] a flexibilização e a desregulamentação, nos moldes hoje determinadas,

têm por escopo justamente afastar o Estado desta modalidade de relação

contratual e, conseqüentemente, em detrimento desses mesmos princípios e

94 MARX, Karl. O Capital: O processo de produção do capital. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1980, v. 1. 95 ALVES, Giovanni. A condição de proletariedade: a precariedade do trabalho no capitalismo global.

Londrina: Praxis, 2009, p. 43. 96 ALVES, Giovanni. A condição de proletariedade: a precariedade do trabalho no capitalismo global.

Londrina: Praxis, 2009, p. 46.

72

regras que resguardam aquele mínimo de dignidade, duramente

conquistado97.

E complementa, afirmando que:

Na verdade, tais imposições advindas do neoliberalismo e da globalização,

trazem, pois como resultado, o amargo retorno à pré-modernidade, o que

evidencia a volta da barbárie; ou, mais precisamente impõe uma nova forma

de regulação feudal, a ignorar completamente o longo percurso da conquista

desses direitos98.

De acordo com a autora, a flexibilização e a desregulamentação das leis trabalhista são

retrocesso e perda de direitos conquistados através de muita luta e momentos catastróficos de

exploração do trabalhador.

O processo de flexibilização de forma descuidada poderá redundar na

descaracterização do próprio Direito do Trabalho, a partir do momento que o mesmo é

apreendido como instrumento necessário à proteção do trabalho humano.

Caso os processos flexibilizatórios venham a negar esse valor e provoque a

fragilização da proteção dos direitos sociais, ter-se-á a própria inconstitucionalidade deste

processo de flexibilização.

A própria justiça social, aclamada e exigida por toda população, será um sonho ainda

mais distante. Sobre justiça social escreve José Afonso da Silva:

Um regime de justiça social será aquele em que cada um deve dispor dos

meios materiais para viver confortavelmente segundo as exigências de sua

natureza física, espiritual e política. Não aceita as profundas desigualdades, a

pobreza absoluta e a miséria. O reconhecimento dos direitos sociais, como

instrumento de tutela dos menos favorecidos, não teve, até aqui, a eficácia

necessária para reequilibrar a posição de inferioridade que lhes impede o

efetivo exercício das liberdades garantidas. Assim, no sistema anterior, a

promessa constitucional de realização da justiça social não se efetivará na

prática. A Constituição de 1988 é ainda mais incisiva no conceber a ordem

econômica sujeita aos ditames da justiça social para o fim de assegurar a

todos existência digna. Dá à justiça social um conteúdo preciso. Preordena

alguns princípios da ordem econômica - a defesa do consumidor, a defesa do

meio ambiente, a redução as desigualdades regionais e pessoais e a busca

do pleno emprego – que possibilita a compreensão de que o capitalismo

concebido há de humanizar-se (se é que isso seja possível). Traz, por outro

lado, mecanismos na ordem social voltados à sua efetivação. Tudo depende

da aplicação das normas constitucionais que contêm essas determinantes,

esses princípios e esses mecanismos. (grifo do autor)99.

97 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do Trabalho e Dignidade da Pessoa Humana, no

Contexto da Globalização Econômica Problemas e Perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p. 92. 98 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do Trabalho e Dignidade da Pessoa Humana, no

Contexto da Globalização Econômica Problemas e Perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p. 93. 99

SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo:

Malheiros Editores, 1999, p.764.

73

Buscando-se o equilíbrio social, frente à nova realidade, o processo de flexibilização

das normas trabalhistas não é uma imperiosa necessidade. A urgência, pois, não está na

modificação de normas jurídicas laborais, mas na implementação de políticas públicas que

propiciem o desenvolvimento econômico do país, com justa distribuição de renda e medidas

que inibam o engessamento do mercado de trabalho. Todavia, qualquer alteração a ser

promovida deve respeitar o núcleo de normas constitucionais, que deverá permanecer

inatingível, pois a ordem jurídica tem o dever de assegurar a dignidade da pessoa humana e o

valor social do trabalho, que são fundamentos do Estado Democrático de Direito.

É visível que o mundo vive o processo de globalização, ou mundialização, onde a

competitividade gera aceleração do desenvolvimento tecnológico, exigindo que as empresas

nacionais acompanhem esta evolução para conseguirem competir no mercado nacional e

internacional. No entanto, o desenvolvimento das máquinas gera o desemprego e a extinção

de postos de trabalho. Como forma de combater essas incursões apresenta-se a intervenção

estatal está na ordem do dia, sendo uma das formas de solução possível.

A globalização que o mundo está vivendo aumenta a competitividade, o que

acarreta aceleração da revolução tecnológica, sem o que as empresas não

conseguem competir no mercado. Isto vem causando taxas de desemprego

crescentes, que não se têm estabilizado, pois mesmo que crie novos e

especializados mercados, estes são insuficientes para a absorção do número

de postos extintos devido a substituição do homem pela máquina, além do

que a especialização é algo que demanda tempo para ser alcançada100.

O Direito do Trabalho visa à proteção do trabalho digno e à busca constante de uma

igualdade substancial, que resulta em uma sociedade justa. Historicamente, pois, o Estado

passou a regulamentar detalhadamente as condições de trabalho. Tal procedimento pode

possuir o condão de inibir a manifestação coletiva, na medida em que as regras intuitivas

surgem, de forma heterônoma, e de observação obrigatória, o que traz certa paralisia às lutas

constantes dos trabalhadores.

De qualquer forma, com a globalização da economia mundial, é necessário que o

Estado atue, de forma incisiva, na economia, a fim de possibilitar a criação, manutenção e

qualidade do emprego, conforme demonstra o professor Ingo Wolfgang Sarlet:

Com efeito, no âmbito da globalização econômica e da afirmação do

pensamento neoliberal, verifica-se que a redução do Estado, caracterizada

principalmente pela desnacionalização, desestatização, desregulação e

diminuição gradativa da intervenção estatal na econômica e sociedade, tem

ocasionado, paralelamente ao enfraquecimento da soberania interna e

externa dos Estados nacionais (sem que se possa, contudo, falar em seu

100 CARLI, Vilma Maria Inocêncio. A flexibilização dos Contratos de Trabalho. Campinas-SP: ME,

2005, p 50.

74

desaparecimento), um fortalecimento do poder econômico, notadamente na

esfera supranacional101.

Além de uma atuação segura por parte do Estado, cada dia mais o empregado

necessita de uma efetiva representatividade nas negociações trabalhistas, e a atuação sindical

revela-se um procedimento importante e necessário, na medida em que defenda e não ponha

em risco os direitos fundamentais.

A globalização da economia produziu efeitos substanciais nas relações individuais de

trabalho. E é certo dizer que tais inovações, como a tecnológica, por exemplo, juntamente

com a competitividade entre as economias transnacionais produzem um novo cenário jus-

laboral. Tais alterações, consideradas isoladamente, não maculam os princípios que norteiam

o Direito do Trabalho. Todavia, estes fatores, aliados a uma economia que não propicia o

crescimento econômico, produz distúrbios no mercado de trabalho, prejudicando tanto

empregados como também os próprios empregadores, em algumas situações.

A crítica que se faz sobre a flexibilização, como posta pelo sistema neoliberal, não é

fundamental, pois não está atrelada à exigência de uma ética de justiça social, inspirada em

uma ordem democrática que conserve o exercício de direitos fundamentais, assim como

ensina Silvano Gomes:

A globalização da economia demonstra dois pontos fundamentais: a

necessidade de adaptação do trabalho à demanda imposta pelo fenômeno

econômico, social e tecnológico, e a capacidade de flexibilização do trabalho

encarado modernamente, matéria de competência do Direito do Trabalho. No

entanto, há que se compreender denominação e conceituação do termo

flexibilização, afim de que melhor se faça a delimitação do problema102.

Vilma Maria Inocêncio Carli preleciona que:

A flexibilização é um fenômeno irreversível e o direito do trabalho deve

aceitá-la para não obstar o desenvolvimento, com ela conviver, apesar dela

promover melhorias no mercado de trabalho. Pela desregulamentação a taxa

de desemprego pode ter aumento significativo, pois, sabemos que os fatores

para seu surgimento são produzidos pela crise econômica, através das

transformações tecnológicas e de melhor qualidade de vida.103

Mesmo os flexibilistas admitem que o problema na geração de empregos não é fato

único e exclusivo das normas protecionistas que regram o Direito do Trabalho. Pois a própria

autora acima mencionada na posição de flexibilista assumida, mais adiante traz à baila

101 SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição Federal de 1988.

Revista Dialogo Jurídico Ano I – Vol. I – Nº 1 – Abril de 2001 – Salvador BH, p. 06. 102

SILVA, Silvano Gomes da. Flexibilização do Direito do Trabalho. Belo Horizonte: Mandamentos,

2002, p. 60. 103

CARLI, Vilma Maria Inocêncio. Flexibilização dos Contratos de Trabalho. Campinas: ME, 2005, p.

50.

75

questões de ordem tributárias bem como no sistema burocrático previdenciário e os custos

com encargos sociais.

A Constituição Federal de 1988 estabelece os permissivos de flexibilização de salário

bem como de jornada de trabalho segundo as normas contidas no artigo 7º incisos VI e VIII,

ao especificar que são os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem

à melhoria de sua condição social.

Hodiernamente existem regramentos que possibilitam flexibilização do Direito do

Trabalho, inclusive para questões primordiais como: salário, jornada de trabalho, contrato de

trabalho e outros. No entanto, estas modificações não geraram novos postos de emprego, ou

não se verificou melhora na situação econômica dos trabalhadores.

No caso da limitação da jornada de trabalho, esta é necessária para efetividade dos

princípios da dignidade da pessoa humana e do trabalho humano para que desta forma o

trabalhador tenha delimitado o tempo de trabalho e o tempo de lazer, podendo utilizar este

para descansar, refletir, harmonizar com a família, pescar, ir ao cinema, jantar fora, ler.

As novas demandas da sociedade moderna desafiam o Direito a apresentar soluções

para atender a empresa/empregador e o empregado. Desta forma emerge a necessidade de

adequar as jornadas de trabalho.

A flexibilização da jornada de trabalho é apresentada como uma situação em que o

trabalhador escolhe o horário em que deve estar na empresa para exercer sua função, neste

caso possui o horário livre, no caso da flexibilização em horário fixo o trabalhador deve estar

presente “obrigatoriamente” no horário determinado pelo empregador em um limite mínimo e

máximo de trabalho.104

O que se observa é que a flexibilização da jornada de trabalho não é resultado do

desemprego e do baixo salários, tratando-se de um meio de adequação às constantes

modificações da sociedade moderna. No entanto, deve-se destacar que estas adequações

devem, necessariamente, estarem condizentes com os princípios da Constituição Federal para

que desta forma os direitos indisponíveis dos trabalhadores não sejam lesados.

Para que se apresente proposta à redução da jornada de trabalho deve-se entender às

práticas atuais, por isso serão apresentados alguns métodos de flexibilização juridicamente

permitidos e utilizados por inúmeras empresas.

104 MARTINS, Sergio Pinto. Flexibilização das Leis de Trabalho. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.77.

76

2.3.1 Métodos de flexibilização da jornada de trabalho

De acordo com Sonia Mascaro Nascimento o horário flexível é uma estrutura de

trabalho na qual o trabalhador estabelece a sua jornada de trabalho, dentro de limites

específicos, de acordo com negociação entre as partes, possuindo também como característica

o horário de presença obrigatória que é comum a todos os funcionários, para realização de

tarefas que exigem interação entre os funcionários, e por horários de presença opcional, que

representa a parcela móvel da jornada de trabalho.105

Para Sonia Mascaro:

Como podemos notar, o horário flexível permite ao trabalhador dispor de sua

vida ativa de maneira mais autônoma, de acordo com o arbítrio de suas outras

necessidades. Dessa forma, é facultado ao empregado amortizar as exigências

cada vez mais sufocantes da organização e da técnica comuns à sociedade

pós-industrial106

.

Portanto, na prática do horário flexível o trabalhador tem “relativa” liberdade em seu

horário de trabalho, no entanto este deve cumprir as metas determinadas pelo detentor dos

meios de produção.

O trabalhador possui liberdade de organização de seu tempo, no entanto este, para o

cumprimento das metas, pode extrapolar de forma significativa a jornada de oito horas diárias,

com a intenção de aumento de salário ou promoção.

A compensação de horas, disposta na Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 59,

parágrafo 2º, é realizada por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho, o excedente

de horas trabalhadas podem ser compensadas dentro de um período máximo de um ano, não

podendo exceder dez horas diárias.

O banco de horas é o sistema pelo qual a empresa poderá flexibilizar a jornada de

trabalho, diminuindo ou aumentando a jornada durante um período de baixa ou alta produção,

mediante a compensação dessas horas em outro período, sem redução do salário no período de

redução, bem como não será devido pagamento das horas aumentadas. De acordo com as

empresas esse sistema evita as demissões nos períodos de baixa produção e evita o pagamento

da extraordinariedade das horas excedidas, em períodos de alta produção107

.

O banco de horas não é favorável para o direito ao lazer, visto que o trabalho é

exercido de acordo com a necessidade do empregador e não de acordo com necessidades

105 NASCIMENTO, Sônia Aparecida Costa Mascaro. Flexibilização do horário de trabalho. São Paulo:

Ltr, 2002, p. 135-136. 106 NASCIMENTO, Sônia Aparecida Costa Mascaro. Flexibilização do horário de trabalho. São Paulo:

Ltr, 2002, p. 136. 107ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.

Bauru: Canal6, 2013, p. 154.

77

pessoais do trabalhador. Este sistema de banco de horas coloca o operário ou empregado

inteiramente à disposição da dinâmica laboral do capital. Conforme dispõe Christian Marcello

Mañas:

No sistema brasileiro, a compensação de jornada – via banco de horas – é

muito vantajosa ao empregador, pois além de não onerar a folha de

pagamento com a 'eliminação de horas extras', ainda se pode utilizar de seu

poder potestativo para, quando for de sua conveniência, determinar quais os

dias os empregados trabalharão mais ou menos, sob a lógica da

produtividade108

.

Outro mecanismo de flexibilização da jornada de trabalho é o tempo parcial, neste a

duração não pode exceder 25 horas semanais. Este surgiu em 1944, através da Organização

Internacional do Trabalho, Convenção n 175, complementada pela Recomendação n. 182, esta

regulou o trabalho por tempo parcial109

.

A Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 58-A, dispõe sobre o trabalho parcial

determinando que o salário é proporcional à sua duração ajustada, em comparação com os

demais empregados na mesma função, que trabalham em tempo integral. Giovanni Alves

define o contrato de trabalho em regime de tempo parcial (“part-time job contract” ou “part-

time job agreement”, como é conhecido na Europa):

[…] aquele cuja duração não exceda a vinte e cinco horas semanais. Tem

como fundamento legal a Medida Provisória 2.164-41 de 24/08/2001 – DOU

27/08/2001, que acrescentou o artigo 58-A na CLT. No caso dos contratos

novos, basta simplesmente contratar, com salário proporcional à sua jornada,

em relação aos empregados que cumprem, na mesma função, tempo integral.

No caso dos contratos já existentes, para os atuais empregados, a adoção do

regime de tempo parcial será feita mediante opção manifestada perante a

empresa, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação

coletiva110

.

A Constituição Federal brasileira, artigo 7º, inciso XIV, preconiza que os turnos de

revezamento funcionam através de jornadas de seis horas, podendo haver disposição

diferenciada por meio de negociação coletiva, atendendo principalmente as indústrias que

funcionam 24 horas por dia.

Conforme Arnaldo Süssekind, esta não é uma medida efetiva para a garantia do lazer

do trabalhador visto que há uma alteração em seu relógio biológico e este não possui rotina,

este problema é reconhecido pelo trabalhador pois este estipula jornada menor como forma de

108 MAÑAS, Christian Marcello. Tempo e trabalho – a tutela jurídica do tempo de trabalho e tempo

livre, 2005, p. 92. 109 SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 448. 110

ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.

Bauru: Canal6, 2013, p. 155.

78

compensação111

.

Neste item tratou-se de mecanismos de flexibilização da jornada de trabalho, é de

suma importância à explanação do teletrabalho que também é considerado uma opção de

flexibilização, este será mencionado posteriormente, juntamente com o trabalho imaterial.

2.3.2 A flexibilização da jornada de trabalho e as horas extras: prática atual

Faz-se importante a análise do posicionamento do trabalhador diante de uma mudança

em seu horário de trabalho. Verifica-se que não há consenso ou resposta positiva quanto à

redução da jornada, visto que muitas vezes resulta na redução salarial do trabalhador e este

está condicionado a acumular e consumir, por isso a redução salarial é impensada em um

mundo em que o ter é mais valorizado que o ser.

Apontou-se neste estudo a escassez de pesquisas recentes sobre a jornada de trabalho,

a realização de horas extras e a flexibilização da jornada de trabalho no Brasil, demonstrando

a pouca importância que é dada a este tema, mesmo assim, para entender a realidade brasileira,

mesmo que defasada, utilizou-se de pesquisas realizadas pelo Dieese entre os anos de 1996 a

2005.

De acordo com pesquisa apontada pelo Dieese, quase 80% dos trabalhadores fazem

hora extra. A pesquisa apontou que: “Dos empregados consultados, apenas 21% declararam

não trabalhar acima da carga horária contratada. Outros 36,4% dos trabalhadores confirmaram

fazer horas extras às vezes e 22,1% declararam que raramente trabalham a mais. Já 19,3%

deles disseram que realizam horas extras frequentemente.”112

Este resultado demonstra que a

jornada de 8 horas é constantemente extrapolada.

Os trabalhadores que atuam no comércio apresenta o maior percentual de extrapolação

da jornada de trabalho, chegando a 50,6% no ano de 2003 mantendo o alto índice em 2005

(56,6%).

E, quando os trabalhadores são questionados sobre os motivos da realização destas

horas extras: “Do total de pesquisados, 45,3% disseram que fazem horas extras para

complementar a renda mensal; 23,4% afirmaram que o fazem para demonstrar

comprometimento com a empresa; 14,6% declararam que o realizam para poder comprar

111 SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 449. 112

Info Money. Quase 80% dos brasileiros fazem horas extras, aponta Dieese. Disponível em:

http://www.administradores.com.br/noticias/administracao-e-negocios/quase-80-dos-

brasileiros-fazem-horas-extras-aponta-dieese/6319/. Acesso em: 02.set.2013.

79

algum bem; 9,8%, para ter dinheiro para atividades de lazer e cultura e 2,4%, para ficar bem

perante os colegas.”113

O maior percentual dos entrevistados declara que o objetivo da hora

excedente é aumento da renda mensal. Com o fim da hora extra, deveria haver a redução da

taxa de desemprego de até 3,3 pontos percentuais.

O Dieese (entidade criada pelo movimento sindical e que há 54 anos realiza estudos,

pesquisas e análises de temas de interesse dos trabalhadores) constatou, em pesquisa realizada

entre os anos de 1996 a 2004:114

- Em relação aos encargos sociais no Brasil, os empresários defendem a tese de que estes

representam 102% do salário dos trabalhadores partindo de um cálculo que não é correto.

Vários itens que são considerados encargos nessa conta são, na verdade, parte da remuneração

do trabalhador, como é admitida pelos próprios consultores empresariais. Encargos sociais são

as parcelas do custo do trabalho para a empresa que não vai para o bolso do trabalhador.

Encontram-se, nesta situação, o pagamento de férias, 13º salário, descanso semanal

remunerado, FGTS. Tudo isso vai para o bolso do trabalhador e, portanto, não é encargo

social.

- O peso dos salários no custo total de produção no Brasil é baixo, em torno de 22% de acordo

com a Confederação Nacional das Indústrias. Uma redução de 9,09% na jornada (de 44 para

40 horas) representaria um aumento no custo total da produção de apenas 1,99%.

- Comparando-se este pequeno acréscimo no custo médio de produção com os expressivos

ganhos de produtividade, tal impacto é muito possível de ser absorvido pelo setor produtivo,

isto sem considerar a perspectiva ganhos futuros de produtividade. A variação da

produtividade do trabalho entre os anos de 1988 e 2008 está em torno de 84%, segundo dados

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, para indústria de transformação.

- Como o salário médio real, nos últimos anos, não apresentou significativa expansão, o

expressivo crescimento da produtividade do trabalho poderia ser transformado na redução da

jornada legal de trabalho no Brasil, fato este que ocorreu pela última vez há mais de 20 anos,

na Constituição de 1988.

- A redução da jornada de trabalho é um dos instrumentos para a distribuição de renda no país.

113

Info Money. Quase 80% dos brasileiros fazem horas extras, aponta Dieese. Disponível em:

http://www.administradores.com.br/noticias/administracao-e-negocios/quase-80-dos-brasileiros-

fazem-horas-extras-aponta-dieese/6319/. Acesso em: 02.set.2013. 114

CUT. Dieese demonstra com dados que 40 horas semanais são viáveis e benéficas para todos.

Disponível em: http://www.contee.org.br/noticias/msoc/nmsoc1091.asp. Acesso em: 02.set.2013.

80

- O Brasil tem um contingente grande de desempregados - em torno de 3 milhões, apenas nas

sete regiões metropolitanas pesquisadas pela PED. A proposta de redução da jornada das

atuais 44 para 40 horas semanais, tem potencial para gerar mais de 2,5 milhões de postos de

trabalho.

- A duração da jornada efetivamente trabalhada no Brasil é uma das maiores no mundo.

Soma-se ainda, a isto, a falta de limitação semanal, mensal ou anual para a realização de horas

extras. Em diversos países há limitação anual para a realização de horas extras, como na

Argentina, Uruguai, Alemanha, França, cujos limites ficam entre 200 e 280 horas/ano, em

torno de 4 horas extras por semana. O fim das horas extras teria um potencial para gerar em

torno de 1 milhão de postos de trabalho. Por esta razão, é necessário combinar a redução da

jornada com mecanismos que coíbam e limitem a utilização das horas extras.

- A jornada de trabalho no Brasil está cada vez mais flexível, dado que às tradicionais formas

de flexibilização do tempo - como a hora extra, o trabalho em turno, o trabalho noturno, as

férias coletivas -, somaram-se novas formas - como a jornada em tempo parcial, o banco de

horas e o trabalho aos domingos.

- Além de extenso e flexível, o tempo de trabalho no Brasil vem sendo intensificado em

função das diversas inovações técnico-organizacionais implementadas pelas empresas como,

por exemplo, a polivalência, a concorrência entre os grupos de trabalho, as metas de produção

e a redução das pausas.

- Num contexto de crescente demanda do setor produtivo para que os trabalhadores se

qualifiquem, a redução da jornada de trabalho, sem redução dos salários, em muito contribui

para este desafio na medida em que liberaria mais horas para que o trabalhador tivesse

melhores condições de qualificar-se.

- A redução da jornada de trabalho, também possibilita aos trabalhadores dedicar mais tempo

para o convívio familiar, o estudo, o lazer e o descanso, melhorando a qualidade de vida dos

trabalhadores.

- A combinação de todos estes fatores desencadeados pela redução da jornada de trabalho,

sem redução de salários, provoca a geração de um círculo virtuoso na economia, combinando

a ampliação do emprego, o aumento do consumo interno, a elevação dos níveis da

produtividade do trabalho, a melhoria da competitividade do setor produtivo, a redução dos

acidentes e doenças do trabalho, a maior qualificação do trabalhador, a elevação da

arrecadação tributária, enfim um maior crescimento econômico com melhoria da distribuição

de renda.

81

Conforme informação do Dieese, a redução da jornada de trabalho (há uma cartilha

defendendo esta causa, com o lema “Reduzir a jornada é gerar emprego”) de 44 horas para 40

horas semanais de trabalho, seria suficiente para manter a produtividade e competitividade das

empresas, aumentaria a oferta de emprego, consequentemente haveria redução nos

indicadores de desemprego e, principalmente, melhoraria a qualidade de vida dos funcionários,

proporcionando uma vida digna e humana.

No entanto, o Dieese verificou que nos casos em que a jornada de trabalho é definida

em contrato coletivo, há pouco avanço em relação à lei, exceto quanto aos critérios de

distribuição do tempo de trabalho na semana, como a supressão do trabalho aos sábados,

mediante compensação ao longo da semana ou por outras formas de compensação.

Nesta pesquisa, verificaram que apenas 15% das negociações apresentaram cláusulas

de jornada inferior ao limite legal de 44 horas semanais. Pertencem, em sua maioria, ao setor

industrial, restringindo-se, quase sempre, aos trabalhadores alocados no setor administrativo,

com destaque para os acordos realizados em empresas estatais nos ramos elétricos e de

saneamento básico, e também no setor dos serviços telefônicos.

A realização de trabalho em horário suplementar, além da jornada de trabalho, é uma

das questões mais negociadas sobre o tempo de trabalho. Aproximadamente 96% das

negociações analisadas apresentam uma ou mais cláusulas sobre horas extras. Em 26% das

negociações, o percentual é definido em valor único. Já em 70% dos documentos são

definidos valores diferenciados, segundo critérios acordados pelas partes: seja por dia da

semana (ex.: horas extras em dias úteis serão pagas com um percentual; em dias de descanso,

com outro) ou pela quantidade de horas extras por dia (exemplo: até duas horas extras de

trabalho, um percentual; acima disso, outro).

O fato a se destacar na negociação do percentual de hora extra é o elevado número de

cláusulas que se balizam pela legislação nos contratos coletivos. Em 14% dos contratos, o

adicional de hora extra é exatamente igual ao da lei. Se forem somados a esses os contratos

que não possuem cláusulas sobre o tema e os que possuem percentuais diferenciados, sendo

um deles igual a 50%, chega-se a 65% do total de negociações. Ou seja, mais da metade das

negociações consideradas pagam o adicional previsto em lei para todas ou boa parte das horas

extras praticadas pelos trabalhadores.

Em estudo publicado pelo Dieese no ano de 2005115

, observou-se que, no período de

115

Info Money. Quase 80% dos brasileiros fazem horas extras, aponta Dieese. Disponível em:

http://www.administradores.com.br/noticias/administracao-e-negocios/quase-80-dos-brasileiros-

fazem-horas-extras-aponta-dieese/6319/. Acesso em: 02.set.2013.

82

1996 a 2004, mais de um terço das negociações apresentou redução nos percentuais

anteriormente negociados para o adicional de hora extra. Desde então, as mudanças ocorridas

no valor da hora extra – seja pela redução, seja pelo aumento – foram raras, indicando uma

estabilização do quadro observado em 2004. Ressalte-se que poucas negociações impõem

limites à realização da hora extra. Quando tratam do assunto, o fazem na forma de

compromisso das empresas em restringir o uso das horas extras apenas a situações

excepcionais e de comprovada necessidade. Não se verificou qualquer cláusula que defina

limites de horas extras por dia, mês ou ano, salvo em acordos de Banco de Horas116

.

O Dieese demonstrou, em pesquisa realizada nas Regiões Metropolitanas e Distrito

Federal no ano de 2005, as taxas de desemprego da população economicamente ativa e

quantidade de desempregados, em Salvador a taxa de desemprego chegou a 24,4%.117

De acordo com Dieese118

, apesar de um grande número de cláusulas presentes nos

acordos e convenções coletivas tratarem da temática do tempo de trabalho, boa parte pouco

avança em relação ao que está estabelecido em lei, tanto no que se refere à duração normal e

extraordinária do tempo de trabalho, como à distribuição desse tempo. Nesse aspecto, a

exceção fica por conta das cláusulas sobre a flexibilização do tempo de trabalho por meio do

Banco de Horas, em que diversas regras foram negociadas. Também estão praticamente

ausentes conquistas relacionadas ao controle da intensidade do tempo de trabalho, em

consonância com a legislação brasileira, onde também estão ausentes regras relacionadas a

esta questão. Se, por um lado, observam-se poucas garantias em relação ao tempo de trabalho

no processo de negociação coletiva, por outro lado sabe-se que têm sido inúmeras as

transformações no local de trabalho com impactos sobre esse tempo, sobretudo a partir de

meados dos anos de 1990.

A pesquisa também demonstrou que além da maior flexibilização do tempo de

trabalho, observam-se, ainda, outras transformações diretas neste tempo que têm resultado em

sua intensificação. Um exemplo é a diminuição dos intervalos que muitas vezes ocorre no

cotidiano do local de trabalho, sem que faça parte do processo de negociação. Observa-se, nos

documentos pesquisados, que não há referência aos intervalos individuais e coletivos, a não

ser para aquelas categorias para as quais há previsão legal.

116

DIEESE. O tempo de trabalho no Brasil: o negociado e o não negociado. Nota Técnica n. 05/11. 117

DIEESE. A JORNADA DE TRABALHO NO BRASIL Convênio SE/MTE N°.04/2003-DIEESE.

Disponível em:

http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BAB0CD8FE72AD/Prod02_2006.pdf.

Acesso em: 03 set. 2013. 118

DIEESE. O tempo de trabalho no Brasil: o negociado e o não negociado. Nota Técnica n. 05/11.

83

Outra mudança que tem impactado o ritmo do trabalho está relacionada às metas

negociadas nos acordos sobre a participação nos lucros ou resultados - PLR. Sabe-se que as

metas de produção e produtividade levam, frequentemente, ao aumento do ritmo de trabalho e,

em consequência, à incidência de doenças e acidentes laborais. O Dieese, em pesquisa

realizada entre os anos 1985 e 2005, demonstra a evolução de jornada de trabalho e emprego

resultando em elevação nas práticas de horas extras e diminuição expressiva no índice do

rendimento médio real dos ocupados no trabalho principal.

Também a questão da polivalência tem sido apontada no Brasil, e em outros países,

como de grande impacto no processo de intensificação do tempo de trabalho. Isto porque o

rodízio de função leva o trabalhador a estar sempre no setor ou função onde a demanda é

maior, mantendo-se em ritmo acelerado o tempo todo, com poucos intervalos de descanso e

recuperação, denominados pelo empregador como "tempos mortos". Apesar de relevante, não

foi observado no material pesquisado nenhuma garantia referente a esta questão. Outro ponto

observado é a diminuição de tempo estipulado para se realizar uma tarefa.

Os resultados das pesquisas realizadas pelo Dieese são preocupantes, embora haja

ocorrido o desenvolvimento tecnológico e melhorias que contribuíram para a redução do

tempo de trabalho (facilidade no transporte, fácil acesso a informação), consequentemente

aumento do tempo livre, o que se verifica é a exploração sofrida pelo trabalhador que faz com

que este tende trabalhar cada vez mais, tem menos tempo para cumprir uma determinada

tarefa e prática de horas extras constantes. O desejo de jornada diária de quatro horas,

apontada pelo filósofo Bertrand Russel parece ser utópica, mesmo considerando que

proporciona todo o conforto material almejado pelo homem:

[…] devido a produtividade das máquinas, precisa-se hoje de menos trabalho

do que antes para proporcionar um padrão aceitável de conforto à espécie

humana. Alguns autores afirmam que uma jornada diária de uma hora

bastaria, mas tal estimativa talvez não leve em consideração a Ásia, por

exemplo. Eu prefiro pensar, para estar seguro de minha posição, que quatro

horas de trabalho diário de todos os indivíduos adultos seriam suficientes

para produzir todo o conforto material que pessoas razoáveis poderiam

desejar. […] Hoje, porém, divido à motivação do lucro, o lazer não pode ser

distribuído de maneira uniforme: alguns ficam sobrecarregados de trabalho,

outros sem trabalho nenhum119

.

A redução da jornada de trabalho está relacionada à mudança de valores, não apenas

119 RUSSEL, Bertrand. O elogio ao Ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2002, p. 109.

84

de empregadores, mas também dos empregados e da sociedade considerando que as

modificações na legislação trabalhistas devem seguir estes valores, inclusive considerando

como sendo uma função social, visto que além de gerar mais empregos, melhoraria em

demasia a qualidade de vida dos trabalhadores possibilitando a efetivação do princípio da

dignidade.

2.3.3 Trabalho aos domingos e feriados: disposições normativas

Conforme já comentado em item anterior o repouso semanal remunerado está

disciplinado nos artigos. 67 e 68 da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como nos artigos

da Lei nº 605/49.

O artigo 1º da Lei nº 605/49 preleciona que: "Artigo 1º. Todo empregado tem direito ao

repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferentemente aos

domingos e, nos limites das exigências técnicas das empresas, nos feridos civis e religiosos,

de acordo com a tradição local".

A legislação prevê que em virtude de exigências específicas das empresas, poderá ser

concedida autorização em caráter transitório ou permanente para o trabalho aos domingos. Há

regra inserta no art. 8º combinado com o artigo 10 da Lei nº 605/49:

Artigo 8º Excetuados os casos em que a execução do serviço for imposta

pelas exigências técnicas das empresas, é vedado o trabalho em dias feriados

civis e religiosos, garantida, entretanto, aos empregados a remuneração

respectiva, observados os dispositivos dos artigo 6º e 7º.

Artigo 10. Na verificação das exigências técnicas a que se referem os artigos

anteriores, ter-se-ão em vista as de ordem econômica, permanentes ou

ocasionais, bem como as peculiaridades locais.

Parágrafo único. O Poder Executivo, em decreto especial ou no

regulamento que expedir para fiel execução desta lei, definirá as mesmas

exigências e especificará, tanto quanto possível, as empresas a elas sujeitas,

ficando desde já incluídas entre elas as de serviços públicos e de transportes.

O trabalho aos domingos nos estabelecimentos do comércio varejista em geral foi

autorizado pelo Decreto nº 99.467/90. A autorização ficava condicionada à prévia de um

acordo ou convenção coletiva de trabalho, conforme o artigo 1º do decreto:

Artigo 1º Fica facultado o funcionamento aos domingos do comércio

varejista em geral, desde que estabelecido em Acordo ou Convenção

Coletiva de Trabalho, respeitadas as normas de proteção ao trabalho e o art.

30, inciso I, da Constituição Federal.

85

A Lei 10.101/2000 alterou o Decreto 99.467 autorizando o trabalho aos domingos no

comércio varejista em geral, independentemente da prévia celebração de convenção ou acordo

coletivo de trabalho.

Artigo 6º. Fica autorizado, a partir de 9 de novembro de 1997, o trabalho aos

domingo no comércio varejista em geral, observado o artigo 30, inciso I, da

Constituição.

Parágrafo Único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo

menos uma vez no período máximo de quatro semanas, com o domingo,

respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras previstas em

acordo ou convenção coletiva.

Desta forma, através autorização legislativa federal, o trabalho aos domingos no

comércio varejista em todo o território nacional, em 1997, foi plenamente autorizado. As

empresas deveriam conceder o repouso semanal no domingo pelo menos uma vez no período

máximo de quatro semanas, respeitar as demais normas de proteção ao trabalho e outras

previstas em convenção coletiva.

De outra parte, em relação aos feriados, não havendo qualquer autorização expressa,

em princípio, ao comércio varejista em geral estava vedado o direito de funcionar em tais

datas.

Quando o trabalhador exercer suas funções aos domingos, o repouso deverá ser

concedido de forma antecipada, ou seja, de segunda a sábado. A não observância de tal

regramento poderá submeter à empresa a fiscalização e autuação pelo Ministério do Trabalho

e do Emprego.

Nos dias em que o empregado trabalhar aos domingos, o repouso deverá ser concedido

de forma antecipada, de segunda a sábado. A não observância de tal regramento poderá

submeter à empresa a fiscalização e autuação pelo Ministério do Trabalho e do Emprego.

O Ministério do Trabalho e Emprego esclarece que nada impede o trabalho durante mais

de sete dias consecutivos, isto porque nosso sistema não é de descanso hebdomadário. A

obrigação da empresa é conceder o repouso durante a semana, que se inicia da segunda-feira e

finaliza no domingo. Caso o empregado goze o repouso semanal na segunda-feira e na sexta-

feira da semana posterior, trabalhará por dez dias consecutivos sem violar qualquer disposição

legal trabalhista.

As empresas legalmente autorizadas a funcionar aos domingos são obrigadas a organizar

escalas de revezamento, a fim de que cada empregado usufrua de pelo menos um domingo de

folga no mês, sendo os restantes em outros dias da semana A escala de revezamento será

efetuada por meio de livre escolha do empregador (artigo 6º do Decreto n. 27.048, de agosto

de 1949, e alínea "b" do artigo 2º da Portaria n. 417, de 10 de junho de 1966).

86

No dia 24 de março de 2014, o Ministério do Trabalho e Emprego publicou a Portaria

375120

, que dispõe sobre pedidos para autorização de trabalho em domingos e feriados,

elencando no art. 2 e alíneas os documentos necessários: laudo elaborado por instituição

Federal, Estadual ou Municipal, indicando as necessidades de ordem técnica e os setores que

exigem a continuidade do trabalho, com validade de quatro anos; acordo coletivo de trabalho

ou anuência expressa de seus empregados, manifestada com a assistência da respectiva

entidade sindical; e escala de revezamento. As autorizações serão concedidas por até dois

anos, renováveis por igual período.

Esta norma também declara que a empresa que tiver histórico de reincidência em

irregularidades no que se refere à jornada de trabalho ou norma de segurança, terá o pedido

negado.

Verifica-se que a legislação trata o trabalho aos domingos e feriados como exceção,

em regra estas datas devem ser de tempo livre e de lazer em que o trabalhador utilize destes

momentos para harmonizar com sua família, ler, descansar, pescar, ir ao cinema, viajar,

contemplar algo enfim, momento de liberdade.

2.3.4 Crítica à 10ª Ementa da Confederação Nacional da Indústria para modernização

trabalhista

No ano de 2012, a Confederação Nacional da Indústria, publicou 101 ementas

propondo a modernização das leis trabalhistas121

. O argumento para a publicação e efetivação

das demandas é que além da necessidade de adequação às transformações decorrentes da

globalização há a necessidade de garantia de competitividade às empresas possibilitando a

oferta de produtos e serviços a preços acessíveis aos consumidores, e a geração de mais e

melhores empregos.

Também relatam que o sistema trabalhista do país não atende às necessidades da soci-

edade brasileira contemporânea e que o Brasil possui um regime legalista rígido e com pouco

espaço para negociação, a regulação tem escassa conexão com a realidade produtiva. Como

120 BRASIL. Portaria MTE n. 375, de 21 de março de 2014. Disponível em:

www.legisweb.com.br/legislacao/?id=268222. Acesso em 30 mai. 2014. 121

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 101 Propostas para Modernização Trabalhista.

Brasília: CNI, 2012. Disponível em

http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2012/12/04/2728/20121204160144687771i.

pdf. Acesso em 24 jun. 2013.

87

resultado, o trabalho formal no Brasil tem um alto grau de conflito e de insegurança jurídica, é

excessivamente onerado e configura uma barreira ao crescimento da produtividade.

Dentre as ementas há a que propõe o trabalho aos domingos e feriados sem a

obrigatoriedade de autorização Ministério do Trabalho e do Emprego, sendo permitido para

todas as atividades laborais, é o empregador que deve verificar a necessidade desta jornada.

O Repouso Semanal Remunerado aos domingos e feriados é um costume religioso,

sendo parte da cultura da sociedade. No entanto, em função da globalização e da

competitividade da economia os agentes produtivos tentam “por todos os meios” incluir os

domingos e feriados como dias úteis de trabalho.

A décima ementa da Confederação Nacional da Indústria propõe que o trabalho aos

domingos e feriados seja estendido para todas as categorias, sem restrições, desde que se

mantenha o direito a repouso semanal remunerado e às formas de pagamentos contidos na

legislação vigente.

A proposta visa permitir o trabalho em domingos e feriados, sem necessidade da

autorização pelo Ministério do Trabalho e do Emprego, para todas as categorias, a partir de

negociação coletiva ou de escala de revezamento especial para tais dias, de forma que para

cada domingo e para cada feriado fosse escalado um grupo de funcionários diferente.

A Constituição Federal de 1988 garante aos trabalhadores o direito a um dia de

repouso por semana, preferencialmente aos domingos, a Consolidação das Leis do Trabalho

em seu artigo 67 e seguintes proíbe o trabalho aos domingos e feriados, salvo motivo de

conveniência pública ou necessidade do serviço.

A lei 605/1949, estabelece que todo o empregado tem direito ao repouso de 24 horas

consecutivas, preferencialmente aos domingos e nos limites das exigências das empresas. O

Decreto 27.048/1949 definiu a relação de algumas atividades consideradas “essenciais” e que

independem de autorização prévia para funcionamento.

Em 2007, com a edição da Lei 11.603/2007, houve a ampliação da possibilidade do

trabalho aos domingos. Este benefício foi exclusivo para as atividades de comércio. O

trabalho nos feriados ficou autorizado desde que previsto em convenção coletiva de trabalho e

nos limites da legislação local.

A lógica para a restrição do trabalho nesses dias é frágil e está em sentido contrário à

tendência de consolidação de um conjunto de atividades nos domingos. O descanso semanal

precisa ser mantido e esse direito está garantido constitucionalmente.

Com a concessão deste benefício, há necessidade de fiscalização do trabalho, podendo

a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego determinar o cancelamento da

88

autorização a qualquer tempo.

O processo de autorização do trabalho aos domingos é burocrático, iniciado com a

solicitação de autorização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego local. Esta

deve estar acompanhada do laudo técnico indicando a necessidade de ordem técnica e os

setores que exigem a continuidade do trabalho e o acordo coletivo de trabalho ou anuência

expressa de seus empregados, manifestada com a assistência da respectiva entidade sindical,

também deve constar a escala de revezamento organizada a fim de que, em um período

máximo de sete semanas de trabalho, cada empregado usufrua de um domingo de folga.

A ementa propõe um projeto de lei ordinária alterando o artigo 67 e seguintes da

Consolidação das Leis do Trabalho e alteração da Lei 605/1949 e Decreto 27.048/1949 para

determinar a permissão do trabalho aos domingos e feriados.

O ganho esperado com a efetividade desta modificação é o aumento da produtividade

e da competitividade das empresas brasileiras, além do número de empregados e de salários

pelos trabalhadores e o aumento de arrecadação de impostos pelo Estado.

A família e sua unidade são elementos primordiais para a qualidade de vida de todo ser

humano, devendo ser valorizada e protegida pelo Estado que apesar da necessidade de

flexibilizações das leis trabalhistas, precisa ser mantida sob pena de ir contra a efetividade do

princípio da dignidade e da humanidade.

A aprovação do trabalho aos domingos e feriados seria uma tragédia às famílias

brasileiras visto que os domingos e os feriados são tempo livre em que todos passam juntos. É

um dia em que utilizam para reunir-se, conversar, trocar informações, enfim, é um dia em que

estreitam os laços familiares e mantêm a unidade.

De acordo com o Professor de Direito do Trabalho Lourival José de Oliveira:

As novas rotinas de trabalho, como por exemplo, naquelas atividades que se

exige o trabalho aos domingos e feriados com vistas a compensar o horário

gasto em forma de banco de horas, podem traduzir a própria desagregação

familiar ou a transformação dessa estrutura para algo nutrido por outras ne-

cessidades que não mais a afetiva e sim a racional, sintonizada de acordo

com as necessidades do modo de produção em que a família está envolvi-

da122

. Portanto, os membros do núcleo familiar trocam as relações de afeto e espontaneidade

por comportamentos racionais e de encontro com as exigências do mundo do trabalho,

122

OLIVEIRA, Lourival José de. As transformações ocorridas no ambiente de trabalho e seus efeitos

na organização familiar no Brasil. Disponível em

http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo-id=2898.

Acesso em 01 jun. 2013.

89

resgatando Kant que escreve que o homem deixa de ser um fim em si mesmo, deixa de ser ele

mesmo para se tornar um instrumento de realização do mundo capitalista.

Esta desagregação familiar, ligada à precariedade do trabalho, podem gerar danos

psicológicos devastadores aos membros da família como: sensação de incapacidade, vergonha,

desespero, depressão e outras doenças mentais que podem resultar em doenças físicas, baixa

auto-estima, uso de drogas e bebidas, violência familiar e fora do núcleo familiar.

A própria Constituição Federal, conforme já citado neste artigo, estabelece o repouso

semanal remunerado preferencialmente aos domingos, ou seja, somente em situações

excepcionais o repouso pode ser em outro dia da semana. Tornando este estabelecido como

regra, todos os membros da família podem se reunir neste dia, mesmo que todos exerçam

alguma atividade laboral. No entanto, se a cada membro for dada um dia da semana diferente,

não será possível o exercício da intimidade familiar e a vida de cada um será voltada,

fundamentalmente, ao trabalho. Neste sentido, ensina o professor Lourival:

É possível, sem radicalização, afirmar que a família, na forma como está se

comportando diante do modo de produção atual (capitalismo globalizado),

com as alterações a ela impostas, não possui condições de cumprir com seus

deveres, constitucionalmente consagrados. Diante disso, tem-se como desa-

guadouro o não cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana123

.

O ser humano que não exerce as atividades familiares ou que pertence a um núcleo

familiar desagregado não possui qualidade de vida, não possui referência e aspectos mínimos

para se considerar digno, consequentemente, verifica-se uma desestruturação social, ou seja,

toda a sociedade sentirá os efeitos devastadores de um mundo onde a família é deixada em

segundo plano, onde esta é desvalorizada e não praticada.

A prática desta ementa, de acordo com os resultados supra citados, apresenta-se

totalmente inviável e prejudicial não apenas ao trabalhador, mas a toda a sociedade e desta

forma é primordial a intervenção do Estado para fazer valer sua função de protetor e

garantidor dos princípios constitucionais.

No próximo capítulo, aponta-se alguns instrumentos jurídicos, políticos, econômicos e

sociológicos para a concretização do Direito ao Lazer que, além da importância de sua fruição

por crianças e adolescentes, também é fundamental para os trabalhadores.

123

OLIVEIRA, Lourival José de. As transformações ocorridas no ambiente de trabalho e seus efeitos

na organização familiar no Brasil. Disponível em

http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo-id=2898.

Acesso em 01 jun. 2013.

90

3 O LAZER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O CUMPRIMENTO DA ORDEM

ECONÔMICA E SOCIAL

Quando se trata dos direitos trabalhistas verifica-se que o objetivo fundamental é a

conquista da dignidade da pessoa humana. A luta por este princípio está marcada pela busca

da liberdade e, principalmente, pela busca por um tempo de existência.

O filósofo Bertrand Russell em sua obra O Elogio ao Ócio, retrata a repulsa a

supervalorização do trabalho e a crença de que este seja um meio de felicidade, segundo ele:

[...] eu acho que se trabalha demais no mundo de hoje, que a crenças nas

virtudes do trabalho produz males sem conta e que nos modernos países

industriais é preciso lutar por algo totalmente diferente do que sempre se

apregoou.

Quero dizer, com toda a sinceridade, que muitos malefícios estão sendo

causados no mundo moderno pela crença na virtude do trabalho, e pela

convicção de que o caminho da felicidade e da prosperidade está na redução

organizada do trabalho124

.

Para este filósofo a felicidade não se encontra no tempo de trabalho. Ela está presente

no tempo de existência, no tempo em que o homem se realiza e se liberta do estranhamento

originado no ambiente de produção e é neste tempo em que o homem vive com dignidade.

O homem vive de forma digna e humana quando é tratado como um fim em si mesmo,

quando possui possibilidade de desenvolver suas potencialidade e sua subjetividade, podendo

manifestar suas opiniões livremente, no entanto atualmente este é confundido com a própria

mercadoria que produz, muitas vezes sendo mais valorizada que esta.

De acordo com o filósofo Bertrand Russel:

[...] num mundo em que ninguém tenha de trabalhar mais do que quatro

horas diárias, todas as pessoas poderão saciar a curiosidade científica que

carregarem dentro de si e todo pintor poderá pintar seus quadros, sem passar

por privações, independente da qualidade de sua arte. Acima de tudo haverá

felicidade e alegria de viver, em vez de nervos em frangalhos, fadiga e má

digestão. O trabalho exigido será suficiente para tornar agradável o lazer,

mas não levará ninguém à exaustão. Homens e mulheres comuns, tendo

chance de viverem vidas felizes, se tornarão mais afáveis, menos

persecutórios e menos propensos a olhar os outros com desconfiança. O

gosto pela guerra desaparecerá, em parte por este motivo, em parte porque a

guerra implicará trabalho longo e penoso para todos. Dentre todas as

qualidades morais, a boa índole é aquele de que o mundo mais precisa, e ela

é o resultado da segurança e do bem estar, não de uma ida de luta feroz. Os

modernos métodos de produção tornaram possíveis a segurança e o bem

estar para uma parcela maior de pessoas, mas, apesar disso, continuamos

124 RUSSEL, Bertrand. O elogio ao Ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2002, p.23- 25.

91

preferindo o sobre-trabalho para alguns e a penúria para os demais. Ainda

somos tão energéticos quanto éramos antes de existirem as máquinas. Nesse

aspecto, temos sido tolos, mas não há razão para sermos tolos para sempre125

.

O direito ao lazer deve ser usufruído para desenvolvimento da criatividade,

personalidade e subjetividade do ser humano. Deve ser utilizado como um tempo de

existência, um tempo de vida livre em que o homem pode ser. Trabalhando 4 horas diárias o

trabalhador terá tempo para exercer seu eu, sendo este o tempo suficiente, hodiernamente,

para que se cumpra sua jornada.

Enfatiza-se a importância do direito ao lazer como momento de reflexão, não utilizado

como colaborador da alienação, mas como elemento de crítica social e econômica e como

momento fundamental para uma vida digna e humana.

3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O TRABALHO HUMANO: PRINCÍPIOS

FUNDAMENTAIS DA ORDEM ECONÔMICA

A Constituição Federal de 1988, ao referir-se a dignidade como fundamento da

República e do Estado Democrático de Direito reconheceu que é o Estado que existe em

função da pessoa humana, e não o oposto, já que o ser humano constitui finalidade e não meio

da atividade estatal. Portanto, a principal função do Estado é o bem estar das pessoas e

proporcionar, a estas, uma vida digna.

Celso Ribeiro Bastos, a respeito do assunto nos ensina que:

A Constituição traz como fundamentos do Estado brasileiro a soberania, a

cidadania, a dignidade da pessoa humana, a crença nos valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Estes fundamentos

devem ser entendidos como o embasamento do Estado; seus valores

primordiais, imediatos, que em momento algum podem ser colocados de

lado126

.

O Estado deve fazer valer os princípios constitucionais, e quando necessário, deve

intervir de forma direta ou indireta para garantir o cumprimento dos objetivos fundamentais

da República e do Estado Democrático de Direito.

O capital, quando dissemina o trabalho estranhado corrói os atributos da pessoa

humana. Para compreensão da importância do trabalho humano e digno é essencial entender o

125 RUSSEL, Bertrand. O elogio ao Ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2002, p. 34-35. 126

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Saraiva. 1995, p. 149.

92

significado de pessoa humana e o que caracteriza a humanidade. A pessoa humana possui três

atributos fundantes e fundamentais: individualidade; subjetividade e alteridade127

.

Na individualidade o homem como espécie humana é o ser-em-si, sendo uma

construção histórica. Cada homem é um indivíduo único e este possui uma história e

experiências só dele que formam sua identidade humano-pessoal. Na sociedade atual a

individualidade é reduzida a individualismo e o homem se encontra só se reduzindo ao

“indivíduo mônoda” que basta a si próprio128

.

A subjetividade, de acordo com o sociólogo Giovanni Alves, representa o ser-para-si

mesmo. É o ser que realiza efetivamente sua individualidade pessoal e manifesta sua

singularidade dispondo de sua própria vida pessoal no espaço-tempo ou território da

existência pessoal sendo capaz de criticas e negar a condição imposta. Havendo a quebra da

subjetividade o homem torna-se incapaz de dispor de si e de sua natureza humana, este aliena-

se e perde o controle de sua vida pessoal129

.

A alteridade se apresenta pela dimensão de ser-com-o-outro que caracteriza a pessoa

humana. Somente quando a relação com o outro é que a pessoa possui humanidade. Neste

atributo o homem se torna o ser político e social e desenvolve suas potencialidades. Quando o

homem se relaciona com o outro este é capaz de dispor de si e intervir na sociedade, não com

finalidade egoísta, mas sim exercer sua função social. De acordo com Giovanni Alves:

A ideia da corrosão da pessoa humana por meio da ‘vida reduzida’ baseia-se

efetivamente no processo de redução do tempo de vida a tempo de trabalho.

Temos, desse modo, a escassez do tempo para-se e a deriva do Self. Eis um

aspecto fundamental da precarização do homem-que-trabalha que pode ser

expressa na formulação da diminuição da composição orgânica do genérico

do homem determinada pela relação tempo de vida/tempo de trabalho.

Na verdade, o processo de modernização é o processo de constituição do

tempo de vida em territórios de existência inautêntica e a redução do tempo

de vida em tempo de trabalho estranhado e fetichizado. O trabalho

estranhado fetichizado é o trabalho dominado intransparente e perverso que

ocupa o tempo de vida. Com a sociedade em rede, ele flui nos interstícios

sociais130

.

A falta de tempo de vida, ou tempo de lazer, faz com que o homem se torne um

estranho a ele mesmo e a outro ser, desta forma, o direito ao lazer é urgente ao trabalhador

127

ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.

Bauru: Canal6, 2013, p. 117. 128

ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.

Bauru: Canal6, 2013, p. 117-118. 129

ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.

Bauru: Canal6, 2013, p. 119. 130

ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.

Bauru: Canal6, 2013, p. 124.

93

para que este possua tempo de existência, tempo com a família e tempo para desenvolver-se

como pessoa humana.

Portanto a pessoa humana é caracterizada por sua história de vida e o contexto em que

se encontra por sua personalidade e por sua vida social e política e suas atitudes perante a

sociedade. Esta pessoa humana possui como princípio fundamental e primordial a dignidade e

este princípio tende a ser garantido pelo Estado e pela sociedade.

O princípio da dignidade da pessoa humana, fundamental no ambiente de trabalho, é

desrespeitado quando há exploração do homem através do trabalho, onde o ambiente de

trabalho é insalubre, onde o salário mínimo não supre as necessidades básicas do trabalhador.

Este princípio abrange todos os seres humanos considerando o homem na qualidade de

ser que se encontra no centro do universo jurídico, visto ser o homem imagem e semelhança

do Criador, derivando assim sua grandeza e dignidade.

O valor dignidade da pessoa humana vincula-se à tradição do pensamento cristão, ao

colocar cada homem relacionado com um Deus que também é pessoa. Dessa verdade

teleológica que identifica o homem à imagem e semelhança do Criador, derivam sua eminente

dignidade e grandeza, bem como seu lugar na história e na sociedade. Por isso, a dignidade da

pessoa humana não é, nem nunca foi, uma criação constitucional, mas um dado que preexiste

a toda experiência especulativa, razão por que, no âmbito do Direito, só o ser humano é o

centro de imputação jurídica, valor supremo da ordem jurídica131.

Todo ser humano deve ser respeitado, e o princípio da dignidade da pessoa humana, no

âmbito do Direito do Trabalho, deve ser respeitado, sendo efetivadas condições justas,

equitativas e satisfatórias de trabalho.

O princípio da dignidade é violado sempre que o indivíduo é tratado como um objeto

ou instrumento de geração de lucro, sendo desumanizado e não possibilitando que este

desenvolva suas potencialidades. Segundo Kant, as pessoas devem ser referenciadas como um

fim em si e como seres humanos, e não como um meio, uma mercadoria para se adquirir lucro,

ou um objeto à venda:

No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma

coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a

coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer

equivalência, compreende uma dignidade132.

131 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do Trabalho e Dignidade da pessoa Humana, no

Contexto da Globalização Econômica Problemas e Perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p. 21. 132 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Trad. Leopoldo

Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 58.

94

Portanto, o homem, como ser racional, é um fim em si mesmo e não o uma mercadoria

explorada por outrem. A liberdade de pensamento e principalmente a liberdade no ambiente

de trabalho é primordial para que o homem se sinta humano e digno.

A dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Democrático de Direito e

constitui um valor que atrai a realização dos direitos fundamentais do homem, em todas as

suas dimensões “considerada a democracia” o único regime político capaz de propiciar a

efetividade desses direitos desrespeitados no Estado autoritário, e que podem voltar a ser com

as medidas flexibilizatórias.

Estas medidas visam alterar as condições de trabalho de acordo com as modificações

geradas, principalmente pela globalização, no entanto deve-se certificar que estas

flexibilizações, tema tratado no capítulo anterior, não violarão os princípios da dignidade e do

trabalho humano, princípios estes preconizados na Magna Carta.

As flexibilizações da legislação trabalhista resultam das modificações das relações de

trabalho e da reestruturação produtiva, resultado da nova morfologia, afetam as práticas de

lazer do trabalhador, tema que será explorado em seguida.

3.2 A NOVA MORFOLOGIA DO TRABALHO E A PRÁTICA DO LAZER

De encontro com os ensinamentos do sociólogo Ricardo Antunes133

, é importante

demonstrar e especificar as principais metamorfoses do trabalho e da “classe-que-vive-do-

trabalho”, a fim de compreender as transformações que estão se operando e os efeitos que

estão sendo produzidos em termos de redução do tempo livre.

As principais características que devem ser citadas são:

- Redução do proletariado industrial, fabril, tradicional, manual, estável e especializado,

herdeiro da era da indústria verticalizada de tipo taylorista e fordista. Este proletariado vem

dando lugar a formas mais desregulamentadas de trabalho, reduzindo o conjunto de

trabalhadores estáveis que se estruturavam através de empregos formais, herança da fase

taylorista/fordista. Aumento do novo proletariado fabril e de serviços, presente nas diversas

modalidades de trabalho precarizado. São os terceirizado, subcontratados, part-time (no

contrato por tempo parcial, o "part-time", do artigo 58-A da Consolidação das Leis

Trabalhistas, as jornadas diárias podem ser desiguais desde que o limite diário não ultrapasse

133

ANTUNES, Ricardo. A nova era da precarização estrutural do trabalho? In: Condições de trabalho

no limiar do século XXI. Organizadores: ROSSO, Sadi Dal; FORTES, José Augusto A. Brasília:

Finatec, 2007, p. 16-18.

95

oito horas. O empregador pode manejar o horário do trabalho conforme melhor atenda a

dinâmica de seu negócio) como exemplo, recepcionistas em consultórios médicos e

secretárias, existindo entre tantas outras formas assemelhadas, que se expandem em escala

global;

- Aumento significativo do trabalho feminino em diversos países avançados e também na

América Latina, onde foi expressivo o processo de feminização do trabalho. Esta expansão

tem movimento inverso da temática salarial, onde os níveis de remuneração das mulheres são

em média inferiores àqueles recebidos pelos trabalhadores, o mesmo ocorrendo em relação

aos direitos sociais e do trabalho, que também são desiguais;

- Expansão dos assalariados médios no setor de serviços, que inicialmente incorporou

parcelas significativas de trabalhadores expulsos do mundo produtivo industrial, como

resultado do amplo processo de reestruturação produtiva, as políticas neoliberais e do cenário

de desindustrialização e privatização, mas que sentem as consequências do processo de

reestruturação. As mutações organizacionais, tecnológicas e de gestão também afetaram o

mundo do trabalho nos serviços, que cada vez mais se submetem à racionalidade do capital e

à lógica dos mercados;

- Crescente exclusão dos jovens, que atingiram a idade de ingresso no mercado de trabalho e

que, sem perspectiva de emprego, muitas vezes aumentam as fileiras dos trabalhos precários,

dos desempregados, sem perspectivas de trabalho, dada a vigência da sociedade do

desemprego estrutural. Exclusão dos trabalhadores idosos pelo capital, com idade próxima de

40 anos e que, uma vez excluídos do trabalho, dificilmente conseguem reingressar no

mercado de trabalho;

- Utilização da inclusão precoce e criminosa de crianças no mercado de trabalho, nas mais

diversas atividades produtivas;

- Crescente expansão do trabalho no Terceiro Setor, assumindo uma forma alternativa de

ocupação, através de empresas de perfis mais comunitários, motivados predominantemente

por formas de trabalho voluntário, abarcando um amplo leque de atividades, onde

predominam aquelas de caráter assistencial, sem fins diretamente mercantis ou lucrativos e

que se desenvolvem a margem do mercado; e

- Expansão do trabalho a domicílio, permitida pela desconcentração do processo produtivo,

pela expansão de pequenas e médias unidades produtivas. Através da telemática e das

tecnologias de informação, com o avanço da horizontalização do capital produtivo, o trabalho

produtivo doméstico vem presenciando formas de expansão em várias partes do mundo. O

96

trabalho produtivo a domicílio mescla-se com o trabalho reprodutivo doméstico, aumentando

as formas de exploração do contingente feminino.

Outra característica a se destacar da metamorfose do trabalho e do homem-que-

trabalha é o aumento da sua intensidade. De acordo com o professor da Universidade de

Brasília Sadi Dal Rosso134

, a intensidade tem a ver com a maneira como é realizado o ato de

trabalhar, este se refere ao grau de dispêndio de energias realizado pelos trabalhadores na

atividade concreta. Esta compreensão também pressupõe que a atenção esteja concentrada

sobre a pessoa do trabalhador, sobre a sua coletividade, e não sobre outros componentes do

processo de trabalho que têm capacidade de alterar os resultados, tais como as condições

tecnológicas.

Atualmente, o trabalho é herdeiro de uma jornada mais reduzida em número de horas

trabalhadas, mas também de um grau de intensidade muito maior de trabalho do que em

épocas anteriores. Intensidade são condições de trabalho que determinam o grau de

envolvimento do trabalhador, seu empenho, seu consumo de energia pessoal, seu esforço

desenvolvido para concluir as obrigações a mais.

No capitalismo contemporâneo, a intensidade do trabalho está voltada para os

resultados que devem ser qualitativa e quantitativamente superior, razão pela qual se exige um

consumo maior de energias do trabalhador. Esta intensificação é observada quando há maior

gasto de energias do empregado sejam elas físicas ou psíquicas (trabalho imaterial).135

A noção de intensidade revela o engajamento dos trabalhadores significando que eles

produzem mais trabalho, ou trabalho de qualidade superior, em um mesmo período de tempo

considerado e a noção de produtividade restringe-se ao efeito das transformações tecnológicas.

Na história do desenvolvimento econômico, a elevação da intensidade do trabalho

cotidiano constitui uma forma fundamental de crescimento. A intensificação como geradora

de crescimento econômico, acredita-se, trata-se de mais uma forma de exploração da mão-de-

obra.

O Século XXI apresenta um cenário profundamente contraditório e extremamente

crítico visto que se o trabalho ainda é central para a criação do valor – reiterando seu sentido

de perenidade – estampa, em patamares assustadores, seu traço de superfluidade, da qual são

134

ROSSO, Sadi Dal. Mais trabalho: a intensificação do labor na sociedade contemporâneo. São Paulo:

Boitempo, 2008, p. 20. 135 ROSSO, Sadi Dal. Mais trabalho: a intensificação do labor na sociedade contemporâneo. São Paulo:

Boitempo, 2008, p. 21.

97

exemplos os precarizados, flexibilizados, temporários, além do enorme exército de

desempregados e desempregadas que se esparramam pelo mundo.

Presencia-se o avanço da chamada era da mundialização do capital, pode-se verificar

também uma fase da mundialização das lutas sociais do trabalho (como exemplo a população

indo às ruas e manifestando-se exigindo direitos e melhorias), nelas incluídas as massas de

desempregados que se ampliam em escala global. Desse modo, um desafio maior da

humanidade é dar significado ao trabalho humano e digno, tornando a vida dotada de sentido.

Instituir uma nova sociedade dotada de valor humano e social dentro e fora do trabalho. Este é

um desafio vital nesta era.

As práticas de lazer, nesta nova morfologia do trabalho, apresentam-se de forma

tímida, ou muitas vezes são ocultadas, agravando a exploração, alienação e estranhamento no

trabalho e na vivência diária gerando consequências negativas tanto ao homem-que-trabalha

quanto àqueles que não trabalham, visto que estão privados da presença física e psíquica de

um ente próximo. Neste sentido, o filósofo István Mészáros informa que o tempo disponível

é a única alternativa contra a sujeição à penúria e indignidade:

O trabalho obtém concessões ao preço de ser forçado a constantemente

reduzir o volume de trabalho necessário requerido para assegurar a

continuidade do processo de reprodução capitalista. Todavia, não conquista o

poder de tornar aceitável a legitimidade (e a necessidade) de organizar a

produção de acordo com o princípio do tempo disponível: à longo prazo,

única salvaguarda viável contra a sujeição à extrema penúria e à indignidade

do desemprego em massa. E o capital, por outro lado, obtém êxito em

transformar os ganhos do trabalho em sua própria auto-expansão lucrativa e

dinâmica ao elevar incansavelmente a produtividade do trabalho; entretanto,

não encontra solução adequada para crescentes complicações e perigosas

implicações do desemprego crônico e da superprodução concomitante, que

prenunciam seu colapso final como modo socialmente viável de reprodução

produtiva136

. (grifo nosso)

O lazer, hodiernamente, é utilizado pelo homem que trabalha apenas como momento

de reposição de energia e de descanso mental, visto que este não possui ânimo ou mesmo

condições financeiras para utilizar este momento de outras formas como viajando, lendo um

livro, fazendo exercícios.

No próximo tema, será abordado o trabalho imaterial, este sofreu as maiores

influências das modificações do trabalho, dentre elas a dificuldade em separar o tempo de

trabalho e o tempo de lazer.

136

MÉSZÁROS, István. Para além do Capital. Campinas: Boitempo editorial, 2002, p. 667.

98

3.2.1 O trabalho imaterial e suas implicações no Lazer

O desafio atual, no mundo do trabalho, é ultrapassar as limitações ideológicas

estruturais para se chegar a um novo patamar na reflexão crítica sobre as transformações do

trabalho e enfrentar o debate sobre a fragmentação social que o regime de acumulação

capitalista/individualista acarreta. Deve-se abandonar todo saudosismo pelas grandes

homogeneidades da época taylorista e todo determinismo implícito nas análises que

apontavam apenas os determinantes da reorganização especializada e flexível do capital e de

suas firmas.

O emprego está cada vez mais concentrado em atividades de serviços e elementos da

imaterialidade que transformam o trabalho industrial. Verifica-se ser necessário introduzir a

questão da materialidade e da imaterialidade discutindo não apenas a transição entre elas,

como também consequências, entre as quais que o trabalho imaterial é profundamente

transformado, produzindo efeitos nocivos sobre a saúde física e mental dos trabalhadores.

O trabalho imaterial é o trabalho vivo, intelectual, autônomo e hegemônico, é uma

forma de reprodução da subjetividade. A qualidade e quantidade do trabalho vivo (praticado

pelo sujeito vivente que é presente no tempo e se opõe ao capital, trabalho morto que é pre-

sente no espaço. É potência ontológica que produz um acréscimo do saber e produz) são or-

ganizadas em torno de sua imaterialidade. A matéria prima do trabalho imaterial é a subjetivi-

dade e o ambiente ideológico no qual esta subjetividade viva reproduz produtos ideológicos.

A reestruturação industrial, a emergência de um regime de acumulação globalizado,

baseado na produção de conhecimentos e num trabalho vivo, pode ser pensada como processo

contraditório e esta contradição se encontra no presente das novas formas de exploração e da

composição técnica do trabalho, nas velhas e nas novas lutas do proletariado.

O retrato fiel é um trabalhador massificado não apenas pelos níveis de mobilização das

forças de trabalho aos quais chegava à produção em série, mas pelo nivelamento de suas

qualidades. O taylorismo mobilizava enormes massas de camponeses e os considerava como

operários desqualificados, mas adequados a uma divisão técnica do trabalho que lhes

reservava tarefas cada vez mais simples e repetitivas.

O operário taylorista era duplamente massificado pelos contingentes de forças de

trabalho concentrados nas grandes fábricas e na tendencial indistinção, do ponto de vista da

divisão técnica do trabalho, de suas características pessoais, subjetivas. Sua subjetividade era

evacuada pela organização capitalista da produção ao mesmo tempo em que as organizações

da esquerda execravam sua falta de consciência política.

99

Conforme Masi137

, hodiernamente vive-se uma fase de transição que consiste na

passagem da consideração do corpo como elemento onívoro e principal, a considerar como tal

a mente. Passa-se para fase do trabalho imaterial. O ciclo do trabalho imaterial é pré-

constituído por uma força de trabalho social e autônoma capaz de organizar o próprio trabalho

e as próprias relações com a empresa.

Esta transformação começou a manifestar-se de maneira evidente no curso da década

de 1970, na primeira fase da reestruturação, quando as lutas operárias e sociais, opondo-se à

retomada da iniciativa capitalista, consolidaram os espaços de autonomia conquistados no

curso do decênio precedente. A subordinação destes espaços de autonomia e organização do

trabalho imaterial às grandes indústrias no curso da fase de reestruturação sucessiva não muda,

mas reconhece e valoriza a nova qualidade do trabalho. O trabalho imaterial tende a tornar-se

hegemônico, e irreversível138

.

Na medida em que se desenvolve a grande indústria, a criação de riqueza real vem a

depender menos do tempo de trabalho e da quantidade de trabalho empregado do que da

potência dos agentes que vêm colocados em ação durante o tempo de trabalho. A criatividade

e a intelectualidade tornam-se elementos essenciais e determinantes.

É a apropriação da produtividade geral, bem como a compreensão da natureza e o

domínio sobre esta através da sua existência enquanto corpo social e o desenvolvimento do

indivíduo social que se apresenta como grande pilar de sustentação da produção e da riqueza.

O trabalho em forma imediata cessou de ser a grande fonte da riqueza, o tempo de trabalho

cessou e deve cessar de ser a sua medida, o valor de troca deve cessar de ser a medida do

valor de uso. A mais valia da massa cessou de ser a condição do desenvolvimento da riqueza,

e o não-trabalho dos poucos cessou de ser condição do desenvolvimento das forças gerais da

mente humana.

O capital é a contradição em processo, pelo fato de que tende a reduzir o tempo de

trabalho a um mínimo enquanto do outro lado põe o tempo de trabalho como única medida e

fonte da riqueza. Ele diminui este tempo na forma de tempo de trabalho necessário, para

acrescê-lo na forma de tempo de trabalho supérfluo; fazendo do tempo de trabalho supérfluo a

condição “questão de vida e morte” daquele necessário. Segundo Negri:

[...] de um lado, o capital reduz a força de trabalho a ‘capital fixo’,

subordinando-a sempre mais no processo produtivo; de outro ele demonstra,

137

MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 221. 138

MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.

100

através desta subordinação total, que o ator fundamental do processo social

de produção é tornado agora ‘o saber social geral’139

.

O conhecimento e o saber se apresentam como elementos essenciais do processo de

produção social. Dentro da atividade do trabalho imaterial é difícil distinguir o tempo de

trabalho do tempo da produção ou do tempo livre. Encontra-se em plena vida global, na qual é

quase impossível distinguir entre o tempo produtivo e o tempo de lazer.

Quando o trabalho se transforma em trabalho imaterial ele é reconhecido como base

fundamental da produção, este processo não investe somente a produção, mas a forma inteira

do ciclo “reprodução-consumo” o trabalho imaterial não se reproduz na forma de exploração,

mas na forma de reprodução da subjetividade criativa e inovadora.

Durante o período da política clássica, o intelectual era totalmente estranho aos

processos de trabalho e a sua atividade não podia exercitar-se senão nas funções

epistemológicas e de vocação ética, já no curso da “fase disciplinar” a exterioridade do

trabalho intelectual frente aos processos de trabalho tornou-se menor.

Hoje, no período em que o trabalho imaterial é qualitativamente generalizado e

tendencialmente hegemônico, o intelectual se encontra por inteiro no interior do processo

produtivo. Quer a atividade do intelectual se exercite na formação ou na comunicação, quer

nos projetos industriais ou nas técnicas das relações políticas, em todos os casos, o intelectual

não pode mais ser separado da máquina produtiva. O intelectual está aqui em completa

adequação aos objetivos da libertação sendo o novo sujeito, poder constituinte não sabe do

que, potência do comunismo de base consumista140

.

O trabalho imaterial se encontra no cruzamento da nova relação produção-consumo,

pois é o trabalho imaterial que ativa e organiza a relação produção-consumo. A ativação, seja

da cooperação produtiva, seja da relação social com o consumidor, é materializada dentro e

através do processo comunicativo. É o trabalho imaterial que inova continuamente as forças e

as condições da comunicação, dá forma e materializa as necessidades, o imaginário e os

gostos do consumidor. E estes produtos devem ser potentes produtores de necessidades, do

imaginário, de desejos. A particularidade da mercadoria produzida pelo trabalho imaterial está

no fato de que ela não se destrói no ato do consumo, mas alarga, transforma, cria o ambiente

ideológico e cultural do consumidor (exemplo típico do fetichismo da mercadoria, tema que já

139

NEGRI, Antonio e LAZZARATO, Maurizio. Trabalho Imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p.

30. 140NEGRI, Antonio e LAZZARATO, Maurizio. Trabalho Imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

101

foi discutido anteriormente). Ela não reproduz a capacidade física da força de trabalho, mas

transforma o seu utilizador.

Conforme Negri o trabalho imaterial produz uma relação social e na presença desta

reprodução a sua atividade tem um valor econômico:

[...] se a produção é hoje diretamente produção de relação social, a “matéria-

prima” do trabalho imaterial é a subjetividade e o “ambiente ideológico” no

qual esta subjetividade vive e se reproduz [...] O fato de que o trabalho

imaterial produz ao mesmo tempo subjetividade e valor econômico

demonstra como a produção capitalista tem invadido toda a vida e superado

todas as barreiras que não só separavam, mas também opunham economia,

poder e saber141

.

É cada vez mais notória a conscientização de que as atividades cerebrais predominam

em relação às manuais, que as atividades virtuais prevalecem sobre as tangíveis. Seja no

horário de trabalho, seja durante o lazer, o homem age sempre mais com a cabeça, em vez de

usar a força física.

Conforme Domenico de Masi, a atividade intelectual mais apreciada é a “criatividade”,

que é outro elemento distintivo, um novo valor central da sociedade pós-industrial:

[...] a criatividade é uma poção feita de muitos ingredientes: conscientes e

inconscientes, emocionais e racionais. É uma mistura de fantasia e

concretude. Para obtê-la, num grupo, seja ele um time, uma equipe

empresarial ou uma nação, são necessários diversos fatores: um clima de

entusiasmo, tanto uma motivação individual quanto a consciência de que se

trata de uma missão coletiva e uma liderança apaixonante, carismática142

.

Para que haja criatividade são necessárias muitas horas de reflexão, estes momentos

podem resultar em obras de arte, um novo teorema, um livro. A criatividade deve estar

relacionada à realização e propagação daquelas ideias para que faça sentido à sociedade e ao

próprio pensador.

O sociólogo Domenico de Masi critica o tempo extra, ou overtime (hábito que se

consolidou ao longo dos anos por parte dos executivos de colarinho branco, de permanecer no

escritório muito mais tempo do que aquele estritamente necessário, mesmo quando não são

remunerados pelas horas extras), dedicado ao trabalho, pois este destrói a criatividade e a

agilidade de uma empresa, afetando até mesmo a vida familiar e o crescimento pessoal do

empregado. Quanto mais se permanece trancafiado no seu local de trabalho, menos se

recebem estímulos criativos. Com uma carga menor de trabalho seriam gerados mais

empregos e aumentaria a criatividade dos empregados, sem falar no desperdício de recursos

141

NEGRI, Antonio e LAZZARATO, Maurizio. Trabalho Imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p.

46. 142

MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 160.

102

como telefone, energia elétrica. Enfim, deve-se destacar a melhoria na qualidade de vida do

empregado.

A solução que Masi propõe é o teletrabalho. Há autonomia dos tempos e dos métodos,

coincidência entre o lar e o local de trabalho, redução dos custos e do cansaço provocado

pelos deslocamentos, melhoria da gestão da vida social e familiar, relações de trabalho mais

personalizadas, além da possibilidade de redução das horas de trabalho propriamente dito. O

trabalho poderá ser difundido até em zonas isoladas, deprimidas ou periféricas. Haverá mais

trabalho disponível para categorias que eram excluídas: deficientes físicos, idosos. Conforme

Masi:

Teletrabalho é um trabalho realizado longe dos escritórios empresariais e

dos colegas de trabalho, com comunicação independente com a sede central

do trabalho e com outras sedes, através de um uso intensivo das tecnologias

da comunicação e da informação, mas que não são, necessariamente, sempre

de natureza informática. Formas existem muitas: empresas de trabalho à

distância, escritórios-satélite, centros comunitários, trabalho a domicílio,

trabalho em escritórios móveis, como, por exemplo, aqueles instalados nos

ônibus da equipe dos políticos durante as campanhas eleitorais143

.

As desvantagens podem ser: isolamento, marginalização do contexto e da dinâmica da

empresa, o problema da reestruturação dos espaços dentro de casa, dos hábitos pessoais e das

relações familiares. Há dificuldade em manter os subalternos sob controle, pois com o

teletrabalho este controle é mais difícil de ser exercido, seja de acordo com as relações

pessoais, seja do ponto de vista do processo de trabalho. O controle só pode ser feito com o

produto acabado. O efeito sindical e organizacional mais grave é a atomização política. A

reunião dos trabalhadores na empresa motiva a formação da consciência operária.

O trabalho é considerado como uma atividade física, cansativa e desagradável, que

desejavam que acabasse o quanto antes, ao passo que estão motivados quando desejam que

algo continue e que não acabe. O esforço mental, quando criativo, não só admite como ainda

exige amor, atração e dedicação. A pessoa deve sentir-se atraída a realizá-lo, pois só pode ser

feito por puro prazer. A tendência natural é eliminar ao máximo o dever físico e incrementar

ao máximo o prazer criativo. Há muitos anos, a Microsoft aboliu o controle sobre os horários

da produção, permitindo, inclusive, que se trabalhe de bermudas. Com o teletrabalho utiliza-

se o tempo para trabalhar, mas este trabalho estará intrinsecamente ligado ao prazer de

realizá-lo.

143

MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 214-215.

103

A alternativa proposta pelo teletrabalho, embora tentadora, não garantiria a eficácia do

Direito ao Lazer, visto a dificuldade notória em separar o tempo de trabalho do tempo

disponível, havendo a possibilidade do trabalho constante e interminável.

Domenico de Mais acredita que o trabalho pode dar prazer se for essencialmente

intelectual, inteligente e livre. Quando o trabalho é psíquico, criativo e unido a uma grande

motivação, pode até nem ser percebido: quem escreve poemas, compõe uma música ou pinta

um quadro sente-se feliz neste momento. Um escultor pode esculpir durante horas sem se dar

conta do tempo, um poeta pode escrever e meditar o tempo todo, sem adormecer. No trabalho

intelectual deve prevalecer à motivação, e este pode nos agradar tanto que nem se nota o

cansaço. O trabalho imaterial, assim como o trabalho material, não está livre das forças

coercitivas e alienantes do mundo capitalista.

As atividades intelectuais são quase sempre prazerosas e se apresentam como um

desafio, uma realização pessoal. Muito trabalho físico requer pouco repouso da mente, no

entanto, para que se tenha poucas ideias é necessário muito ócio. Como dispõe Masi:

[...] o ócio criativo não é ficar parado com o corpo, ou uma ação corporal

não-obrigatória. O ócio criativo é aquela trabalheira mental que acontece até

quando estamos fisicamente parados, ou mesmo quando dormimos à noite.

Ociar não significa não pensar. significa não pensar em regras obrigatórias,

não ser assediado pelo cronômetro, não obedecer aos percursos da

racionalidade e todas aquelas coisas que Ford e Taylor tinham inventado

para bitolar o trabalho executivo e torná-lo eficiente. O ócio criativo

obedece a regras completamente diferentes. Mas é o alimento da ideação. É

uma matéria-prima da qual o cérebro se serve. Do mesmo modo que a

máquina usava matérias-primas como o aço e o carvão, transformando-as

em bens duráveis, o cérebro precisa de ócio para produzir ideias144

.

A criatividade se alimenta de reflexão ou exercício, que podem parecer perda de tempo,

mas na verdade é uma perambulação do corpo e da mente, que consequentemente resultam

numa obra de arte, num novo teorema, num romance ou em uma invenção. A criatividade é

uma das manifestações do trabalho imaterial e este tende a prevalecer na sociedade pós-

industrial.

Pode-se resumir as características do trabalho imaterial como sendo: trabalho vivo,

intelectual, inteligente, criativo, livre, psíquico, automotivador, interativo, hegemônico e

forma de reprodução da subjetividade. O trabalho imaterial também está voltado para a

produção capitalista, mas não de mercadorias, e sim à produção de criações, novidades e a

prática destas ideias, com a vantagem de ser um trabalho voluntário; prazeroso e motivador.

144

MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 235.

104

Com a consolidação do trabalho imaterial voltado para obtenção de lucro está

completo o processo de invasão do capitalismo, penetrando a mente, a intelectualidade e a

criatividade, estando voltados essencialmente à produção. Esta observação comprova que o

trabalho intelectual está focado na quantificação, portanto é um trabalho alienado e estranhado

e estes aspectos acompanham o trabalhador nos momentos de lazer.

Por exemplo, a mercantilização das atividades de ensino, pesquisa e extensão, a

precarização das condições de trabalho, a adoção de critérios quantitativistas para a avaliação

da produção do trabalho docente, a intensificação e a desvalorização do trabalho docente e a

redução dos direitos trabalhistas, são elementos que, além da restrição de tempo disponível,

geram danos para o trabalho intelectual.

O tempo livre e o tempo de trabalho se confundem, portanto aquele que exerce o

trabalho imaterial não separa o momento do ser livre do momento de obrigação, desta forma é

explorado constantemente.

Em todas as atividades que concentram grandes volumes de capital e que desenvolvem

competição ilimitada, como atividades financeiras e bancárias, telecomunicações, grandes

cadeias de abastecimento urbano, sistemas de transportes, ramos de saúde, educação, cultura,

esporte e lazer e em outros serviços imateriais, o trabalho é cada vez mais cobrado por

resultado e por maior envolvimento do trabalhador, esta cobrança reduz o tempo livre e a

vontade do trabalhador em realizar e desenvolver suas potencialidades e vontades subjetivas.

A transição do trabalho material para o imaterial gera desgastes intelectuais e

relacionais que a atividade imaterial impõe ao trabalhador. Nesta atividade o tempo de

trabalho e o tempo de lazer não são delimitados com facilidade, visto que o trabalho imaterial

acompanha o trabalhador nos momentos de tempo livre podendo gerar uma vida de trabalho

constante.

Destaca-se que, atualmente, não existe trabalho essencialmente intelectual ou trabalho

essencialmente manual. Todo trabalho intelectual e imaterial demandam ações manuais e todo

trabalho manual exige ação mental. O que há são tarefas predominantemente intelectuais e

predominantemente manuais.

Considerando a importância do direito ao lazer para a efetivação do trabalho digno e

humano, ou seja, o trabalho decente, abaixo será abordado o conceito e as condições para a

existência deste.

105

3.2.2 O Trabalho Decente

O conceito de Trabalho Decente foi oficialmente divulgado pela primeira vez através

da Organização Internacional do Trabalho em 1999 e foi eixo da comunicação do Diretor

Geral da OIT a 87ª Conferência Internacional do Trabalho reunida em junho desse ano em

Genebra145

.

Para a Organização Internacional do Trabalho, o Trabalho Decente é produtivo e

adequadamente remunerado exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, e que

seja capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que dependem do seu trabalho para

viver. Trata-se do trabalho que permite satisfazer às necessidades pessoais e familiares de

alimentação, educação, moradia, saúde e segurança146

.

Este é o trabalho que garante proteção social nos impedimentos do seu exercício

(desemprego, doença, acidentes e outros), assegura renda ao chegar à época da aposentadoria

e no qual os Direitos Fundamentais dos trabalhadores e trabalhadoras são respeitados.

É uma atividade no qual as relações entre cada trabalhador ou trabalhadora e seus

empregadores ou empregadoras estão devidamente regulamentadas por lei, especialmente no

que se refere aos Direitos Fundamentais, sendo autorregulada através de acordos negociados

em um processo de diálogo social em diversos níveis, o que implica o pleno exercício do

direito da liberdade sindical, o fortalecimento de instituições da administração do trabalho e

das formas de representação e organização dos atores sociais.

O Trabalho Decente abrange a dimensão quantitativa e qualitativa do emprego. De

acordo com Laís Abramo, o Trabalho Decente propõe medidas de geração de postos de

trabalho e de enfrentamento do desemprego e superação de formas de trabalho que geram

renda insuficiente para que os indivíduos e suas famílias superem a situação de pobreza ou

que se baseiam em atividades insalubres, perigosas, inseguras ou degradantes. Ratifica a

necessidade de que o emprego esteja associado à proteção social e à noção de direitos do

145

ABRAMO, Laís. Trabalho decente, informalidade e precarização do trabalho. In: ROSSO, Sadi

Dal; FORTES, José Augusto A. Condições de trabalho no limiar do século XXI. Brasília:

Finatec, 2007, p. 40. 146

ABRAMO, Laís. Trabalho decente, informalidade e precarização do trabalho. In: ROSSO, Sadi Dal;

FORTES, José Augusto A. Condições de trabalho no limiar do século XXI. Brasília: Finatec, 2007, p.

40.

106

trabalho entre eles os de representação, associação, organização sindical e negociação

coletiva147

.

Esta noção de trabalho tenta integrar objetivos sociais e econômicos, reunindo as

dimensões do emprego, dos direitos no trabalho, da segurança e da representação, em uma

unidade com coerência interna e que tem sentido quando considerada na sua totalidade.

Existe, obviamente, uma forte relação entre o Trabalho Decente e a Dignidade

Humana. O trabalho supõe produção e rendimentos e também integração social, identidade e

dignidade pessoal. Um trabalho decente é aquele no qual o seu rendimento e as condições em

que este se exerce estão de acordo com as expectativas do trabalhador e da sociedade estando

dentro das aspirações razoáveis.

Este trabalho deve manter o equilíbrio entre a vida doméstica e a vida familiar e

permitir manter os filhos nas escolas evitando que sejam levados ao trabalho infantil. Trata-se

das capacidades pessoais para competir no mercado, manter-se em dia com as novas

tecnologias e preservar a saúde, física e mental e desenvolver as qualificações empresariais

recebendo uma parte equitativa da riqueza que se ajuda a criar e de não ser objeto de

descriminação. Caracteriza-se por poder expressar-se e ser ouvido, no lugar de trabalho e na

comunidade.

Quando ocorre a redução do trabalho vivo e o tratamento da força de trabalho como

mercadoria, ou a redução da pessoa humana ao mero exercício de atividades laborais,

reduzindo e corroendo o campo de desenvolvimento humano-genérico, conclui-se que o

trabalho decente se torna cada dia mais utópico.

O Trabalho Decente significa não ter que esforçar-se excessivamente e a possibilidade

de ter uma aposentadoria razoável, estando livre do trabalho excessivo e superando a pobreza.

Desta forma, conclui-se que não há trabalho decente sem que fique garantido o tempo livre.

É fundamental, para que haja um Trabalho Decente, que sejam apresentadas propostas

e ações para práticas do Direito ao Lazer, sendo o Estado o principal agente na execução

destas ações, dentre elas as Políticas Públicas.

147

ABRAMO, Laís. Trabalho decente, informalidade e precarização do trabalho. In: ROSSO, Sadi Dal;

FORTES, José Augusto A. Condições de trabalho no limiar do século XXI. Brasília: Finatec, 2007, p.

41.

107

3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER NO BRASIL

A necessidade da prática do lazer sempre esteve presente na vida do ser humano, tendo

em vista de que este necessita do tempo de lazer para descansar, relaxar, desenvolver-se e

divertir-se, no entanto o seu significado varia de acordo com o momento histórico assim como

a função do Estado também varia de acordo com as exigências políticas, econômicas e sociais.

No contexto atual, a função do Estado é proporcionar que todos tenham direito a um

espaço e tempo de lazer, ou seja, este é um direito social de todos, sendo essencial e

primordial a todo ser humano. O lazer é um dos maiores fenômenos da esfera da cultura

responsável pela potencialização da rede de sociabilidade, em que grupos se organizam

ampliando a rede de troca de sociabilidade e enriquecendo a experiência pessoal e coletiva148

.

O tema é tratado, quanto à formulação de ações, na Constituição Federal, artigo 217, 3º e

último parágrafo do inciso IV: “O Poder Público incentivará o lazer como forma de promoção

social.”

As Políticas Públicas orientam as ações da administração pública, com a utilização de

métodos e normas para estabelecer a sinergia entre administração pública e sociedade, entre

Estado e atores sociais. A partir da sua elaboração e execução, as Políticas Públicas

demonstram a execução do poder político, que envolve a distribuição e redistribuição de

poder, os processos de decisão e seus conflitos, além da repartição de custos e recursos para

oferta de bens e serviços públicos149

.

Quando se trata de políticas públicas considera-se que haja uma intervenção que deve

convergir com a realidade social e política do público-alvo da ação. O lazer, alvo de políticas

públicas, deve ser entendido, conforme Marcellino:

[...] Não esse lazer com dia, hora, atividades e local marcado. Não esse lazer

para combater o estresse de um dia exaustivo de trabalho que se repetirá no

amanhecer seguinte. Nem esse lazer muito em moda, que pode ser usufruído

pelos poucos brasileiros que chegam ou que poderão chegar à aposentadoria

em condições de saúde para, então, gozarem a vida. Trata-se, pois, de

compreender o lazer como uma demanda social de primeira necessidade.

Significa compreender o lazer como um direito social, que deve ser alvo de

148

MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Esporte: políticas públicas. São Paulo: Autores

Associados, 2001, p. 123. 149

TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na

Transformação da Realidade. Disponível em: http://www.fit.br/home/link/texto/politicas_publicas.pdf.

Acesso em: 15 ago 2013.

108

atendimento por parte do Estado com o intuito de garantir o bem estar das

populações [...]150

.

De acordo com Marcellino151

quando se trata de uma política de lazer significa não apenas

de uma política de atividades, que na maioria das vezes acabam por se constituir em

movimentos isolados, e não em política de animação como processo; significa falar em

redução da jornada de trabalho – sem redução de salários, e, portanto, numa política de

reordenação do tempo, numa política de transporte urbano.; significa, também, falar em uma

política de reordenação do solo – urbano, incluindo aí os espaços e equipamentos de lazer, o

que inclui a moradia e seu entorno; e, finalmente, numa política de formação de quadros,

profissionais e voluntários para trabalharem de forma eficiente e atualizada. Resumindo: o

lazer tem sua especificidade, inclusive como política pública, mas não pode ser tratado de

forma isolada de outras questões sociais.

A instituição que iniciou o debate sobre o lazer no Brasil foi o Sesc Serviço Social do

Comércio que, nas décadas de 60 e 70, começa a criar mecanismos de difusão da área. O lazer

passa a ser o campo prioritário de ação da instituição e, essa área se consolida, devido à aber-

tura e intercâmbio com a França, através do sociólogo Joffre Dumazedier, e da sistematização

do conhecimento (Centro de Estudos do Lazer) levando em conta novas concepções e técnicas

de investigação sobre o tema152

.

Nesse sentido, a instituição pretendia assumir um papel complementar ao do Estado,

buscando integrar-se ao poder público e, através de suas propostas incutir no “tempo livre”

dos trabalhadores os valores necessários ao aumento da produtividade e ao cultivo de uma

sociedade organizada, onde os conflitos dão lugar ao espírito comunitário que se pretendia

criar.

Além da difusão do lazer via Sesc, a partir de 1969 era cada vez mais frequente o uso

do termo lazer nos discursos políticos, destacando principalmente as práticas consideradas

saudáveis como forma de combate ao ócio - considerado um perigo social.

O lazer se constituiu, aos poucos, como um instrumento de disciplina e organização da

sociedade, voltado ao ajustamento e a educação social, fato que pode ser observado através da

150

MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Esporte: políticas públicas. São Paulo: Autores

Associados, 2001, p. 91. 151

MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Esporte: políticas públicas. São Paulo: Autores

Associados, 2001, p. 11. 152

MARCELLINO, Nelson Carvalho; SAMPAIO, Tania Mara V.; CAPI, André Henrique C.; SILVA,

Débora A. M. Políticas Públicas de Lazer Formação e Desenvolvimento de Pessoal. Curitiba: Print,

2007, p. 11-12.

109

análise das formas de controle dos usos diversificados do “tempo livre”, que na época passa-

ram a ser substituídos por formas de lazer institucionalizadas. Ao aproximar as propostas de

lazer de valores e interesses relacionados à saúde, à moral e à higiene, a área logo se aproxi-

mou das discussões vinculadas à Educação Física, o que justifica em grande parte a presença

maciça dos profissionais desta área, até os dias de hoje, no âmbito do lazer153

.

De forma bastante paradoxal os usos do tempo livre dos trabalhadores começaram a se

relacionar com as formas de lazer institucionalizadas, instaurando-se assim uma discussão em

torno do lazer mais adequado, melhor e verdadeiro, a construção de uma verdade capaz de

justificar o lazer como um valor social imprescindível.

O que se conclui é que o direito de propriedade e os direitos do consumidor

sobrepõem˗se aos direitos sociais dos cidadãos, e o lazer torna˗se acessível apenas para uma

minoria, apresentado como um tipo muito específico de propriedade.

Como a liberdade e autonomia são realidades intangíveis no Capitalismo, caberá às

políticas públicas de lazer promover a possibilidade de questionamento dos modelos de lazer

pautados no controle, no assistencialismo e no consumo. É fundamental pensar também em

um tempo no qual a população possa usufruir de atividades que colaborem na construção de

sua criticidade, na apuração de um gosto estético e de um senso ético que supere os modelos

prontos veiculados pela sociedade do consumo.

3.3.1 Propostas de Políticas Públicas para práticas de Lazer

As políticas públicas podem ser realizadas através de ações afirmativas, estas são

políticas focadas na alocação de recursos em benefício de pessoas e grupos discriminados e

vitimados pela exclusão sócio-econômica que tem como objetivo combater discriminações

éticas, raciais, religiosas, de gênero, com o objetivo de aumentar a participação de minorias

no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais e em atividades

culturais e de lazer, são conceituadas por Joaquim Benedito Barbosa Gomes como:

[...] um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório,

facultativo ou voluntário, concebidas com vistas à discriminação racial, de

gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir

ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo

153 MARCELLINO, Nelson Carvalho; SAMPAIO, Tania Mara V.; CAPI, André Henrique C.; SILVA,

Débora A. M. Políticas Públicas de Lazer Formação e Desenvolvimento de Pessoal. Curitiba: Print,

2007.

110

por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso aos bens

fundamentais como a educação e o emprego154

.

As ações afirmativas possuem como finalidade a eliminação de discriminações,

desigualdades e injustiças. Portanto são instrumentos que devem ser utilizados na defesa e

efetivação de práticas de lazer, promovendo a realização de atividade nos espaços coletivos.

Estas ações devem ser exigidas, exaltadas e materializadas com o crescente

comprometimento da sociedade, em caráter compartilhado, através de adoção de

comportamentos, atitudes e políticas. O exercício criativo e participativo deve embasar a

formulação das práticas afirmativas.

As ações afirmativas são medidas temporárias que contribuirão à proporção que

dinamizam o processo de equalização das condições dignas de existência, colaborando para a

concretização dos Direitos Fundamentais, dentre eles o direito ao lazer.

Apresenta-se algumas propostas de ações afirmativas, com o objetivo de inclusão

daqueles que não têm acesso a opções a espaços de lazer, ou medidas de incentivo ao lazer

que são necessárias e urgentes para a realização deste direito, e concomitante defesa dos

princípios da dignidade e da humanidade do trabalhador:

- Prática de um salário mínimo que possibilite, além da compra de alimento, vestimenta,

moradia, transporte, a possibilidade de práticas de lazer como viagens (ao menos uma por

ano), idas ao cinema (ao menos uma a cada quinze dias), compra de livros, acesso a filmes,

enfim um salário que propicie a aquisição de itens de entretenimento e lazer;

- Projetos de urbanização para a construção de parques em todos os bairros e nestes devem

conter arborização, jardinagem, espaços de leitura, passeio, repouso, passeio com animais,

práticas de exercício, quadras de futebol, voleibol, basquetebol com a possibilidade deste

espaço vir a ser usufruído e “protegido” pela população e ente público local;

- Todos os condomínios residenciais particulares e, principalmente os financiados pelo

Programa Minha Casa Minha Vida devem possuir espaço para área de lazer, com parques

infantis e espaços para caminhada, leitura, prática de esportes;

- Concessão de transporte público suficiente, confortável e com preço acessível,

proporcionando tranquilidade e dignidade aos trabalhadores que se deslocam até o ambiente

de trabalho e quando retornam às suas casas, neste momento podem ouvir música, ler um

livro/revista;

154

GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. O debate constitucional sobre as Ações Afirmativas.

Disponível em: http://www.mundojuridico.com.br. Acesso em: 15 nov. 2013.

111

- Incentivo financeiro para a efetivação de projetos culturais como a apresentação de peças

teatrais, corais, bandas musicais, salas para a apresentação de filmes e documentários,

bibliotecas públicas, museus;

- Promoção de concursos culturais para premiação de trabalhos artísticos como pinturas, letras

de música, apresentações musicais, livros infantis, livros de ficção; e

- Fiscalização, repúdio ao trabalho infantil e construção de escolas integrais suficientes para

crianças cujos pais trabalham, nestas escolas devem ser ofertadas alimentações e atividades

lúdicas que possibilitem o desenvolvimento físico e mental das mesmas.

Acredita-se que há possibilidade de elaboração e exploração de inúmeras outras

propostas, para incentivo ao lazer, no entanto a intervenção do Estado para a realização das

mesmas é fundamental.

A importância da pró-atividade na implantação destas e de outras propostas por parte

do Estado reside na valorização do trabalho e do trabalhador, visto que estas ações

possibilitariam o reconhecimento, compensação, e retorno a contribuição que o homem que

trabalha prestou e presta a sociedade.

Enfatiza-se que estas propostas necessitam da potencialização do comprometimento

coletivo para sua realização, todos devem estimular e incentivar a adoção de medidas que

colaborem com as práticas de lazer. Quando cita-se o comprometimento coletivo se insere a

importância da participação dos trabalhadores, família, empresa e Estado.

Declara-se a importância de todos os agentes na realização do direito ao lazer, para

efetivação do princípio da dignidade e da humanidade, incluindo da função social da empresa

e na sua colaboração a este processo, tema que será tratado a seguir.

3.4 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E AS PRÁTICAS DE LAZER

No contexto da globalização as empresas se apresentam como agentes influentes e

determinantes, de acordo com Ulrich Beck:

[...] o aparecimento da globalização permite aos empresários e suas

associações a reconquista e o pleno domínio do poder de negociação que

havia sido politicamente domesticado pelo Estado do bem-estar social

capitalista organizado em bases democráticas. A globalização viabilizou algo

que talvez já fosse latente no capitalismo, mas ainda permanecia oculto no

seu estágio de submissão ao Estado democrático do bem-estar, a saber: que

pertence à empresa, especialmente àquelas que atuam globalmente, não

apenas um papel central na configuração da economia, mas a própria

112

sociedade como um todo – mesmo que seja “apenas” pelo fato de que ela

pode privar a sociedade de fontes materiais (capital, impostos, trabalho).155

Para o autor, a economia globalizada extingue os fundamentos do Estado e da

economia nacional, se chocando com a desestruturação do Estado moderno. Para Beck, o

aparecimento da globalização acabaria com as bases sindicais e com o Estado nacional, pelo

desmantelamento do aparelho e da tarefa do Estado com vistas à “concretização da utopia

anarco-mercadológica do Estado mínimo”156

. As empresas ganham papel relevante nesse

contexto, com destaque sua função social.

O conceito de função social, como entende-se atualmente, foi formulada pela primeira

vez por São Tomás de Aquino, quando afirmou que os bens apropriados individualmente

teriam um destino comum, que o homem deveria respeitar.157

Uma das doutrinas filosóficas que fundamentou as mudanças do século XIX foi o

racionalismo, concepção segundo a qual a razão era o centro de todas as ações humanas. A

expressão descarteana “penso, logo existo” demostra bem a visão de ser humano racional.

No campo econômico, a Revolução Industrial caracterizou-se pela liberdade como

fundamento da organização econômica, o mercado era regido por uma força invisível que

regulava o funcionamento da economia no âmbito interno e externo.158

Surgiram alterações na

ordem social, formando-se novas classes sociais: a burguesia, os detentores dos meios de

produção, e os trabalhadores.

Em vista dessas transformações, os institutos jurídicos daquela época foram

fortemente marcados por um espírito de liberdade ilimitada.159

No direito civil, o pressuposto

de que o ser humano tem uma racionalidade ilimitada gerou a igualdade formal entre as partes

contratantes; todos os seres humanos são dotados de razão, sendo plenamente capazes de

cuidarem da sua própria vida por meio da deliberação racional. Tomando como pressuposto

que o ser humano quer o seu próprio bem.

155

BECK, Ulrich. O que é Globalização? Equívocos do Globalismo: Respostas à Globalização. São

Paulo: Editora Paz e Terra, 1999, p. 14. 156

BECK, Ulrich. O que é Globalização? Equívocos do Globalismo: Respostas à Globalização. São

Paulo: Editora Paz e Terra, 1999, p. 16. 157 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social do contrato: conceito e critérios de aplicação.

Brasilia: Revista de Informação Legislativa, a. 42 n. 168 out./dez, 2005. 158

SMITH, Adam. Uma investigação sobre a natureza e causas da riqueza das nações. São Paulo:

Hemus, 1981. 159 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social do contrato: conceito e critérios de aplicação.

Brasilia: Revista de Informação Legislativa, a. 42 n. 168 out./dez, 2005.

113

Essa liberdade conferida pela racionalidade ilimitada, quando exercida em matéria

contratual, revelou-se inviável para o convívio social, porque muitos abusos foram praticados

pelo exercício estrito da mesma. O exemplo destacado no período foi o modo como eram

celebrados os contratos de emprego, por meio dos quais se escravizavam os trabalhadores

com jornadas enormes a baixíssimos salários e condições de trabalho desumanas.

O jurista e político Karl Renner elaborou o conceito de função social. Renner definiu

que a função social de um instituto seria o reflexo da função econômica neste âmbito.

Qualquer processo econômico que observo isoladamente do ponto de vista

técnico é por sua vez uma parte da totalidade do processo social de produção

e reprodução, separado pelo pensamento. Se esse processo for visto em

conjunto, a função econômica torna-se função social do instituto jurídico.160

Portanto, para Renner, função deve ser analisada abrangendo não apenas as partes,

mas a sociedade para que a função econômica torne-se função social.

Contudo, na Constituição da Alemanha de 1919, o conceito de função social assumiu

outra proporção. O artigo 153 da Constituição Alemã de 1919 dispunha o seguinte:

Art. 153. A Constituição garante a propriedade, cujo conteúdo e limites serão

fixados pela lei. [...] A propriedade obriga. Seu uso constituirá, também, um

serviço para o bem comum.

Ao falar-se que “a propriedade obriga”, estabeleceu-se ao proprietário a necessidade

de cumprir a determinados deveres – no caso, um serviço – em consonância com a sociedade.

O direito não pode ser um fim em si mesmo; está a serviço da proteção da dignidade da

pessoa humana e do bem estar social.

Outro jurista que estudou a função social foi Leon Duguit, expoente do sociologismo

jurídico. Duguit encontrava na solidariedade a explicação de todos os fenômenos de

convivência. O ser humano não seria auto-suficiente, o que ensejaria uma interdependência

inevitável. A atividade particular de cada ser humano deveria harmonizar-se com as atividades

dos demais, resultando numa divisão geral do trabalho. 161

Duguit sustentava que as transformações pelas quais o direito civil passa, levariam a

uma alteração dos conceitos jurídicos tradicionais. Lecionava que todo ser humano teria uma

função social a desempenhar e deveria desenvolver sua individualidade física, moral e

intelectual, enfim, deveriam desenvolver toda a potencialidade. No mesmo sentido, ao falar da

160 RENNER, Karl. Gli istituti del diritto privato e la loro funzione sociale. Bologna: Il Mulino, 1981,

p. 49. 161

DUGUIT, Leon. Derecho subjetivo y la función social. Las transformaciones del derecho (público

privado). Tradução de Carlos Posada. Buenos Aires: Heliasta, 1975.

114

propriedade, disse que essa não seria um direito absoluto. A propriedade assumiria condição

indispensável para o desenvolvimento e notoriedade da sociedade e, portanto, a propriedade

não seria um direito, mas uma função social.162

Ele também criticava a forma pela qual o direito protegia a propriedade, unicamente

individualista e que não se preocupava com o exercício legítimo desse direito, o que

provocava um uso pouco evoluído da propriedade na sociedade, permitindo-se a existência de

propriedades usadas para especulação comercial, com finalidade unicamente financeira.163

O significado de função social como finalidade social está caracterizado no art. 5º da

Lei de Introdução ao Código Civil164

, o qual dispõe que “na aplicação da lei, o juiz atenderá

aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

O instituto da função social constitui em um meio de se exigir que se cumpra o que

está disposto em lei e que se resolvam interesses em conflito. Permite-se o exercício de

determinado direito, mas pode-se exigir que esse exercício seja socialmente útil. Portanto,

nesse sentido, a essência do termo “função social” implica compensação, a qual se dá por

meio da realização de deveres de ação ou de abstenção por parte do titular de um direito

subjetivo.

A Constituição Federal tem normas que estabelecem qual o conteúdo da função social

da propriedade urbana e rural:

Artigo 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,

simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,

aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do

meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e dos

trabalhadores.

O Código Civil165

, artigo 1228, parágrafo 1º, ao tratar da função social da propriedade,

exige que o exercício do direito de propriedade seja compatível com a preservação da flora,

162

DUGUIT, Leon. Derecho subjetivo y la función social. Las transformaciones del derecho (público

privado). Tradução de Carlos Posada. Buenos Aires: Heliasta, 1975. 163 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. 164

BRASIL. DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm. Acesso em: 19 dez. 2014. 165

BRASIL. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Disponível em:

115

fauna, belezas naturais, equilíbrio ecológico, patrimônio histórico e artístico, bem como

evitada a poluição do ar e das águas.

Impõem-se limites ao direito do empresário, como o dever de não ferir a dignidade dos

trabalhadores, nem prejudicar a concorrência, o consumidor ou o meio ambiente de forma

indiscriminada. O conceito de função social da propriedade fica, pois, absorvido pelo conceito

de função social da empresa.

A função social também significa “responsabilidade social”. Nesse caso, que aparece

relacionado à função social da empresa, é o da atribuição de deveres não relacionados com as

suas atividades, tais como auxiliar na preservação da natureza, no financiamento de atividades

culturais, ou no combate de problemas sociais, no auxílio ao desenvolvimento da região em

que atua.

Entende-se que o principal objetivo de uma empresaria é gerar renda e riqueza para a

sociedade, propiciando o crescimento de todos, através da produção, distribuição de seus pro-

dutos e consequentemente, a criação de empregos e o pagamento de tributos, sendo esta a sua

função social.

A empresa deve exercer sua função social na região em que está localizada, ou seja,

esta deve devolver a comunidade parte de seus ganhos e compensar os danos causados (polui-

ção, desmatamento). Esta deve identificar os principais problemas regionais e propor soluções

para os mesmo, também tem como função a proposição de ações que tragam resultados soci-

ais.

Na legislação brasileira observa-se algumas disposições da função social. Uma dessas

disposições é o da “função social da propriedade”, que está previsto na Constituição Federal

de 1988 nos artigos: artigo 5°, XXIII como limitador da propriedade; artigo 170 como princí-

pio da ordem econômica e social; artigo 186 ao tratar dos critérios e exigências da função

social da propriedade rural.

O exercício da empresa deve se ater aos parâmetros constitucionais que regem o exer-

cício da atividade econômica. O artigo 170 da Constituição Federal serve como norteador do

que se deve entender por função social da empresa.

Sendo a empresa a detentora dos meios de produção e a beneficiária dos lucros, cabe a

esta exercer a função social. Neste diapasão, comenta Fabio Konder Comparato:

[...] O princípio da função social da propriedade ganha substancialidade pre-

cisamente quando aplicado à propriedade dos bens de produção, ou seja, na

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 19 dez. 2014.

116

disciplina jurídica da propriedade de tais bens, implementada sob compro-

misso com a sua destinação. A propriedade sobre a qual os efeitos do princí-

pio são refletidos com maior grau de intensidade é justamente a propriedade,

em dinamismo, dos bens de produção. Na verdade, ao nos referirmos à fun-

ção social dos bens de produção em dinamismo, estamos a aludir à função

social da empresa166

.

A função social da empresa é justificada pelos seus fins, seus serviços e suas atribui-

ções. Esta atua como fonte de imposição de comportamentos positivos, prestação de fazer,

ações que gerem benefícios à sociedade.

Tendo em vista que a empresa possui atividade determinada, esta passou a ser uma

instituição social, vez que provê grande parte dos bens e serviços da sociedade e dá ao Estado

importante parcela das suas receitas fiscais. Também possui elevado grau de desenvolvimen-

to, importância e influência e por isso se faz necessária.

A empresa é ainda, responsável pelo emprego de grande parcela da comunidade onde

está inserida, caracterizando-se assim como uma das garantias fundamentais do sustento, ge-

ração e circulação de renda, bens e capitais da sociedade.

Deve-se destacar o tratamento do trabalhador de uma empresa ou sociedade. Além de

salários justos e estar adequado à legislação trabalhista, é preciso cuidar do bem estar dos seus

funcionários, proporcionando um ambiente de trabalho agradável, preocupação com a saúde

do trabalhador e da sua família. De encontro com este preceito, apresenta-se algumas propos-

tas às empresas para a prestação da função social que é a ampliação e eficácia da utilização do

tempo livre:

- Conceder salários que propiciem aos funcionários uma vida digna, sendo suficiente para

compra de vestimentas, moradia, transporte, alimentação, educação e atividades de lazer;

- Abolição de horas extras, principalmente as não remuneradas, e abolição do banco de horas.

Quando necessário trabalho além do horário, aumentar o quadro de funcionários, colaborando

também com a diminuição do desemprego;

- Diminuir a intensidade do trabalho, colaborando assim com a efetivação de um trabalho de-

cente e digno;

- Criação de espaços de lazer, ambientes onde o trabalhador pode refugiar-se, um ambiente à

parte do ambiente de trabalho onde se possa exercer seu lado humano conversando com um

amigo, lendo um livro, descansar;

166

COMPARATO, Fabio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. RDM 63. São

Paulo: RT, p. 77.

117

- Possibilidade de visita à empresa, proporcionando que pessoas próximas dos funcionários,

familiares e amigos, possam conhecer o local de trabalho e entender o que é realizado neste

espaço;

- Construção de um ambiente coletivo onde membros da família e amigos tenham livre aces-

so, desta forma, no tempo livre, a mãe pode auxiliar o filho no dever de casa, pode dialogar

com um amigo, pode receber alguém para tratar assunto particular;

- Realização de eventos festivos a cada sessenta dias para que haja estreitamento de relacio-

namento entre os colegas de trabalho e suas famílias, e desta forma se identifiquem mais com

o que fazem se sentindo mais à vontade no dia-a-dia de trabalho;

- Propõe-se que, além da obrigatoriedade de distribuição de cestas básicas e vale transportes,

disponibilizar aos funcionários livros, DVDs de filmes e documentários, CDs de músicas,

ingressos para cinema, peças de teatro, musicais, shows de mágica, ingressos de circo, enfim,

incentivo a atividades culturais e recursos para contribuir com ações laborais e cotidianas

mais criativas e prazerosas;

- Também é possível que as empresas exerçam a sua função social através de incentivos fi-

nanceiros contribuindo com a construção e preservação de praças de lazer, quadras esportivas,

construção de bibliotecas, patrocinar contadores de histórias, publicação de livros, gravação

de CDs, reflorestamento para melhora de vida dos habitantes e caminhadas ecológicas.

O trabalho deve ser tratado com primazia, na forma do artigo 193 da Constituição

Federal. Ou seja, na ordem econômica, o trabalho não pode ser simplificado e reduzido a

expressões monetárias, fazendo do homem trabalhador uma mera engrenagem da produção.

Desde o nascimento do controle capitalista do processo de trabalho, este não é

considerado, para grande parte da sociedade, uma atividade livre, auto-determinada, na qual, e

pela qual os indivíduos realizam plenamente as potencialidades inerentes à sua condição

humana. Trabalha-se coagido pelas necessidades, trabalha-se sob o controle de terceiros ou

contra terceiros, para se obter salário e sem ter em vista o desfrute da própria atividade.

As propostas apresentadas objetivam aumentar a liberdade dos trabalhadores, e a sua

humanidade com a finalidade de realização de suas potencialidades, sendo esta também uma

das funções sociais da empresa.

Hodiernamente, quando se trata da função social da empresa deve-se atentar para o

tripé de sustentabilidade, em que os aspectos econômicos, sociais e ambientais precisam

interagir.

118

3.4.1 A função social da empresa em convergência com o tripé de sustentabilidade

O termo “Triple Bottom Line” surgiu na década de 1990 e tornou-se de conhecimento

do mundo em 1997, com a publicação do livro Cannibals With Forks: The Triple Bottom Line

of 21st Century Business de John Elkington, e desde então organizações como o GRI (Global

Reporting Initiative) e a AA (AccountAbility) vêm promovendo o conceito do Triple Bottom

Line e o seu uso em todas as empresas do globo.

A figura a seguir representa as três dimensões do tripé de sustentabilidade e seu im-

pacto direto na organização, que muitas vezes tem que se adaptar a novas realidades e inovar

em seus processos e produtos para que progrida seguindo esses conceitos e seja competitiva.

Neste tripé estão contidos os aspectos econômicos, ambientais e sociais, que devem in-

terargir, de forma holística, para satisfazer a formulação. Anteriormente, uma empresa era

sustentável se tivesse economicamente saudável, ou seja, tivesse um bom patrimônio e um

lucro sempre crescente, mesmo que houvesse dívidas. Para um país, o conceito incluía um

viés social. O desenvolvimento teria que incluir uma repartição da riqueza gerada pelo cres-

cimento econômico, seja por meio de mais empregos criados, seja por mais serviços sociais

para a população em geral. Esse critério, na maioria das vezes, é medido pelo Produto Interno

Bruto (PIB) do país, o que para o novo conceito é uma medição limita. A perna ecológica do

tripé trouxe, então, um problema e uma constatação. Se os empresários e os governantes não

cuidassem do aspecto ambiental podiam ficar sem matéria-prima e talvez, sem consumidor,

além causarem danos ambientais.

119

A dimensão econômica da sustentabilidade refere-se aos impactos da organização so-

bre as circunstâncias econômicas de seus stakeholders e os sistemas econômicos nos níveis

local e global. Assim, o desempenho econômico engloba todos os aspectos das interações

econômicas da organização, incluindo as medidas tradicionais usadas na contabilidade finan-

ceira e os valores intangíveis que não aparecem sistematicamente nas citações financeiras.

Essencialmente, a ideia do tripé da sustentabilidade é que as empresas obtenham sua

licença para operar não somente satisfazendo os seus acionistas através de lucros e dividendos

(tripé econômico), mas pela satisfação simultânea de outros stakeholders da sociedade (em-

pregados, comunidades, clientes e outros), através do melhor desempenho nos tripés ambien-

tal e social167

.

Estas três dimensões também são reconhecidas pelo Instituto Ethos168

, fundado em

1998 e referência no mercado brasileiro em responsabilidade social empresarial, que afirma

que o adjetivo sustentável traz ao conceito de desenvolvimento um enorme desafio: conciliar

eficiência econômica, equidade social e equilíbrio ecológico. Conforme Sachs169

, precursor do

termo eco desenvolvimento, acrescenta as dimensões espaciais e a cultural, segundo Sachs :

- Sustentabilidade social – busca o estabelecimento de um padrão de desenvolvimento que

conduza à distribuição mais equitativa da renda, assegurando a melhoria dos direitos das

grandes massas da população e a redução das atuais desigualdades sociais.

- Sustentabilidade econômica – é possível através de inversões públicas e privadas e da aloca-

ção e do manejo eficiente dos recursos naturais para redução dos custos sociais e ambientais.

- Sustentabilidade ecológica – entendida como o aumento ou a manutenção da capacidade de

suporte do planeta, mediante intensificação do uso do potencial de recursos disponíveis, com-

patível com um nível mínimo de deterioração deste potencial; e a limitação do uso dos recur-

sos não renováveis pela substituição por recursos renováveis e, ou, abundantes e inofensivos.

- Sustentabilidade espacial - busca uma configuração urbano-rural mais equilibrada, evitando-

se a concentração da população em áreas metropolitanas ou em assentamentos humanos em

ecossistemas frágeis.

167

SIGMA PROJECT. The SIGMA Guidelines. Disponível em: <http://www.projectsigma.com>.

Acesso em: 16 jul. 2014. 168

INSTITUTO ETHOS. Critérios essenciais de responsabilidade social empresarial e seus

mecanismos de indução no Brasil. São Paulo: Instituto Ethos, 2006. 169

SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São

Paulo: Livros Studio Nobel, 1993.

120

- Sustentabilidade cultural – garantia da continuidade das tradições e continuidade da plurali-

dade dos povos.

Em termos estratégicos, esse modelo propõe que através de um bom gerenciamento do

seu desempenho e dos seus impactos econômicos, ambientais e sociais, as empresas

aumentam o seu valor a curto e longo prazo, bem como criam maiores oportunidades e

reduzem riscos. Sendo evidente também, o ganho da sociedade e dos trabalhadores quando

conjugados os aspectos econômicos, social e ambiental, influenciando diretamente na

consequência de um ambiente de trabalho salubre e até mesmo divertido.

Os pontos a seguir representam o comportamento e as atitudes essenciais que são evi-

denciados nas empresas que buscam gerenciar e reportar de acordo com a linha do tripé da

sustentabilidade170

):

- Aceitação de responsabilidade: o modelo é baseado na concepção de que as empresas são

responsáveis não somente pela geração de valor para os acionistas ou proprietários, mas tam-

bém para os stakeholders.

- Transparência: as empresas têm a obrigação, dentro dos limites comerciais, de ser transpa-

rentes em relação às suas atividades e aos seus impactos, além do desempenho financeiro.

- Operações e planejamento integrados: para a empresa contribuir para a prosperidade econô-

mica (incluindo o retorno aos acionistas), a qualidade ambiental e o bem-estar social, é neces-

sário que essas dimensões sejam refletidas no planejamento estratégico.

- Comprometimento com o engajamento dos stakeholders: a interação com os stakeholders

internos e externos é um processo que informa os objetivos do negócio e é desenvolvido com

base em rigorosa pesquisa e diálogo.

- Avaliação e relatório multidimensional: a análise sistemática e a verificação do desempenho

econômico, ambiental e social, em conjunto com uma comunicação estruturada dos resulta-

dos, são os mecanismos mais frequentes para tornar concreto o que a empresa sustenta como

age e como assume os seus compromissos.

O conceito do tripé da sustentabilidade tornou-se amplamente conhecido entre as em-

presas e os pesquisadores, sendo uma ferramenta conceitual útil para interpretar às interações

170

SUGGETT, D.; GOODSIR, B. Triple bottom line measurement and reporting in Australia: making

it tangible. Melbourne: DPA – Document Printing Australia, 2002.

121

extra-empresariais e, especialmente, para ilustrar a importância de uma visão da sustentabili-

dade mais ampla, além de uma mera sustentabilidade econômica.

De encontro com este conceito deve-se destacar o tratamento do capital humano de

uma empresa ou sociedade. Além de salários justos e estar adequado à legislação trabalhista, é

preciso cuidar do bem estar dos seus funcionários, proporcionando um ambiente de trabalho

agradável, saúde do trabalhador e da sua família. Sendo salutar a análise das consequências da

prática das atividades econômicas nas comunidades, e como podem contribuir para a melhoria

da qualidade de vida das pessoas.

O trabalho deve ser tratado com primazia, na forma do artigo 193 da Constituição Fede-

ral. Ou seja, na ordem econômica, o trabalho não pode ser simplificado e reduzido a expres-

sões monetárias, fazendo do homem trabalhador uma mera engrenagem da produção, conju-

gado ao tripé da sustentabilidade – ganho econômico, social e ambiental – o ganho de quali-

dade de vida do trabalhador encerra o ciclo.

O capital natural de uma empresa ou sociedade é um elemento ambiental do tripé. A-

credita-se que toda atividade econômica tem impacto ambiental negativo. Nesse aspecto, a

empresa ou a sociedade deve pensar nas formas de diminuir esses impactos e repor ou com-

pensar o que não é possível amenizar. Assim uma empresa que usa determinada matéria-

prima deve planejar formas de repor os recursos ou, se não é possível, diminuir o máximo

possível o uso desse material, assim como saber medir a pegada de carbono do seu processo

produtivo. Além disso, deve ser considerada a adequação à legislação ambiental e a vários

princípios discutidos hodiernamente como o Protocolo de Kyoto.

O autor Fritjof Capra171

traz importante contribuição ao tema ensinando que "sustentá-

vel" não se refere somente ao tipo de interação humana com o mundo que preserva ou conser-

va o meio ambiente para não comprometer os recursos naturais das gerações futuras, ou que

visa unicamente à manutenção prolongada de entes ou processos econômicos, sociais, cultu-

rais, políticos, institucionais ou físico-territoriais, mas uma função complexa, que combina de

uma maneira particular cinco variáveis de estado relacionadas às características acima. Capra

exemplifica:

Quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais somos

levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São

problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interde-

171

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo:

Cultrix, 1997.

122

pendentes. Por exemplo, somente será possível estabilizar a população quan-

do a pobreza for reduzida em âmbito mundial. A extinção de espécies ani-

mais e vegetais numa escala massiva continuará enquanto o Hemisfério Me-

ridional estiver sob o fardo de enormes dívidas. A escassez dos recursos e a

degradação do meio ambiente combina-se com populações em rápida expan-

são, o que leva ao colapso das comunidades locais e à violência étnica e tri-

bal que se tornou a característica mais importante da era pós-guerra fria.172

Para que a sociedade una-se novamente a teia da vida deve construir, nutrir e educar

comunidades sustentáveis, nas quais pode-se suprir vontades e necessidades sem

impossibilitar as chances das gerações futuras. Para realizar essa tarefa, é importante aprender

valiosas lições extraídas do estudo de ecossistemas, que são comunidades sustentáveis de

plantas, de animais e de microorganismos. Para compreender essas lições, é necessário

aprender os princípios básicos da ecologia. Constata-se que este autor valida a necessidade do

tripé, ou seja, a interdependência entre os fatores sociais, econômicos e ambientais.

Em complemento aos ensinamentos de Capra, considera-se também que os operadores

do direito, cientes da fundamentalidade de uma análise sistêmica, elaborem leis condizentes

com o momento da sociedade, visto que o Direito é efetivo não quando opera no plano do

“dever ser” e sim no instante que se relaciona com a realidade da sociedade, ou seja, o plano

do “ser”.

Através desta reflexão, finaliza-se o presente tema convocando o Poder Público, a

sociedade, empresas públicas e privadas, as famílias e todos os homens a assumirem a

responsabilidade em buscar e manter um meio ambiente equilibrado, para o bem de todos e a

preservação da humanidade, não focando apenas o aspecto econômico, visto que atualmente o

enfoque social e ambiental são deixados de lado em detrimento do lucro.

O Tripé da Sustentabilidade demonstra que não só é possível, mas primordial, a

efetivação deste direito conjugado ao desenvolvimento econômico e social, alcançando, desta

forma, o princípio da dignidade da pessoa humana e a manutenção da ordem econômica. O

lazer está inserido nos três aspectos do tripé: econômico – disposição de condições financeiras

para práticas de lazer; ambiental – necessidade de um ambiente saudável e agradável para

práticas de atividades físicas, relaxante e social – todos têm necessidade de tempo disponível

para dispor de momentos de liberdade.

No próximo item serão apresentados alguns instrumentos jurídicos para a garantia do

direito ao lazer. É importante salientar que estes institutos asseguram os direitos do

trabalhador hipossuficiente e são necessários para o cumprimento da função social da

172

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo:

Cultrix, 1997, p. 23.

123

empresa.

3.5 INSTRUMENTOS JURÍDICOS DO DIREITO AO LAZER

Após ser verificada a importância do direito ao lazer no desenvolvimento intelectual,

físico e mesmo na saúde do indivíduo, visto ser um momento essencial para que este possua

qualidade de vida e dignidade, tratar-se-à neste item dos meios pelos quais o direito ao lazer

pode ser concretizado.

Considera-se essencial a participação do Estado, como visto anteriormente, por meio

de Políticas Públicas, também a participação da sociedade, da empresa, da família e do

próprio indivíduo, visto que as garantias e direitos são conquistados através de luta e prática

dos direitos.

Serão apresentadas algumas considerações sobre aspectos relacionados com a

inconstitucionalidade por omissão referente ao direito ao lazer, ação civil pública e algumas

alternativas para a sua concretização dentro das relações de trabalho.

3.5.1 A aplicabilidade dos Direitos Fundamentais

O dispositivo constante no artigo 6º da Constituição Federal se enquadra,

doutrinariamente, como norma programática. De acordo com Alexandre Lunardi173

, embora

haja aparente semelhança, tecnicamente, as definições de aplicabilidade e eficácia são

diferentes. Eficácia diz respeito à capacidade da norma produzir efeitos, e se divide em

eficácia jurídica e eficácia social. Se a norma produz efeitos jurídicos, diz-se que ela possui

eficácia jurídica, bem como, se ela é capaz de produzir efeito no mundo dos fatos, tem-se que

ela possui eficácia social.

Na Constituição Federal, artigo 6º, buscou atingir tanto eficácia jurídica como eficácia

social do direito ao lazer, contudo, para alcançar estas finalidades, é necessária a sua

normatização a qual este direito seria protegido e garantido a sua defesa e aplicabilidade.

O direito ao lazer não se apresenta como norma constitucional auto-executável. Norma

auto-executável é aquela dotada de aplicação imediata, sendo revestida de plena eficácia

jurídica. Esta é considerada como norma não-executável, onde apenas indica princípios, não

sendo dotada de eficácia imediata, exigindo, portanto, providência legislativa para sua

173

LUNARDI, Alexandre. A função social do Direito ao Lazer nas relações de trabalho. Dissertação

de Mestrado. UNIFIEO/SP. 2008.

124

efetivação.

A Constituição possui cláusulas de valor meramente moral que são considerados

avisos ou lições. Estas não possuem meios de aplicabilidade sendo necessárias ações

legislativas para que esses preceitos sejam efetivados174

.

As normas não-executáveis demonstram uma intenção do legislador em realizar a

mesma, no entanto esta realização não tem aplicação imediata, é uma meta para o futuro, uma

intenção de realização do Estado. Aparentemente observa-se uma norma vazia no que se

refere a sua eficácia, sendo apenas uma sugestão ou recomendação legal.

Nem todas as normas possuem a densidade que as tornem aptas a serem aplicadas de

forma imediatamente. O que se verifica é que as constituições atuais são essencialmente

compostas por normas programáticas. É essencial que estas normas possuam aplicabilidade

imediata, para que não ocorra o rompimento com a estrutura constitucional do Estado

Democrático de Direito.

Flávia Piovesan afirma que as normas programáticas são elementos sócio-ideológicos

que caracterizam a Constituição. Portanto o Poder Público tem o dever de estabelecer

programas constitucionais de ação social, a serem desenvolvimentos tendo como base a

atuação integrativa da vontade constituinte e os valores sociais, tendo como fim a justiça

social. Por isso a fundamentabilidade das Políticas Públicas e sua adequação a realidade social

e necessidades da sociedade175

.

Portanto, a inobservância da norma programática é um descumprimento da

Constituição Federal e, consequentemente, inconstitucional. Deve-se verificar também a

essencialidade destas normas, foi tratado em todo o texto da importância do direito ao lazer

em vários aspectos como o desenvolvimento socioeconômico, sendo inadmissível que este

direito não seja realizado e garantido.

Deve-se enfatizar o parágrafo 1º do artigo 5º da Constituição Federal, este determina

que todas as normas de direito fundamental, possui aplicabilidade imediata, sendo o direito ao

lazer Fundamental Social, confirma-se que esta norma se aplica ao mesmo.

Para o jurista Paulo Bonavides todas as constituições são necessariamente abstratas e

genéricas, no entanto estas devem ser asseguradas, visto que as generalidades e abstrações não

lhes retira a natureza de prescrições jurídicas eficazes:

174 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ª ed. rev., atual., e ampl. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 61. 175 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ª ed. rev., atual., e ampl. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 68.

125

As declarações constitucionais, quer quando postas de maneira sistemática,

com rigor técnico, quer quando esparsas ou difusas no texto do instrumento

constitucional, formam indubitavelmente a categoria mais abstrata e

genérica das normas programáticas, aquelas cujo teor aparentemente mais

filosófico que jurídico tem provocado tenaz impugnação de alguns

constitucionalistas (entre estes, na velha doutrina constitucional francesa,

Esmein e Carré de Malberg), obstinados em não reconhecer-lhes natureza e

eficácia de prescrições jurídicas176

.

O princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias

fundamentais precisam ser expandidos, por todo o texto constitucional, sendo redundante

tratar de Direito Fundamental e sua aplicabilidade.

Pode até ser inexigível a aplicabilidade instantânea da norma constitucional

programática, contudo, é necessário e possível exigir ao Poder Legislativo um cronograma de

prestação da atividade, como observa-se com a política agrícola no artigo 187, ou então da

prestação de saúde pública, nos artigos 197 e 198 da Constituição Federal.177

Diante da inexistência de uma normatividade mínima após 20 anos de Constituição,

não se verifica ações do Poder Público, através de Políticas Públicas ou mesmo fiscalização

do exercício deste direito no dia a dia.

3.5.2 Inconstitucionalidade por omissão

A Constituição Federal, de 1988, é instrumento primordial para a concretude de alguns

direito, entre eles o direito ao lazer, com Zeno Veloso a Constituição deve possuir efetividade

e seus preceitos devem ser realizados:

Para que não se transformasse num patético 'catálogo de intenções', deixando

de ter aplicabilidade por causa da inércia ou da resistência do legislador e

das autoridades incumbidas de editar leis ou ato reguladores de normas

constitucionais que careçam destas providências, a Carta Magna tem alguns

preceitos e instituiu um mecanismo de defesa com vistas a garantir a

obediência a seus comandos, objetivando conferir efetividade a seus

propósitos e dar concretitude a seus princípios. Se a Constituição formal ou

escrita não se transformar numa Constituição viva e real, não terá passado de

uma 'folha de papel'. E não são poucos os espíritos retrógrados e passadistas

que sonham com isto178

.

O controle jurisdicional de constitucionalidade pode atuar quando houver omissão

176

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros,

2003, p. 246. 177 LUNARDI, Alexandre. A função social do Direito ao Lazer nas relações de trabalho. Dissertação

de Mestrado. UNIFIEO/SP. 2008. 178

VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2ª. ed. rev. atual. e amp. Belo

Horizonte: Del Rey, 2000, p. 247.

126

legislativa e referir-se ao direito ao lazer, sendo este um Direito Fundamental Social,

conforme consta no na Constituição Federal de 1988, artigo 6º, caput.

O autor José Afonso da Silva define a inconstitucionalidade por omissão nos casos em

que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar

plenamente aplicáveis normas constitucionais179

.

A inconstitucionalidade por omissão tem origem quando uma norma constitucional

depende de lei ou de interferência administrativa para que o direito seja exercido. A

responsabilidade pela realização destes atos é do Poder Público e a responsabilidade pela

omissão pode recair tanto para o Poder Legislativo como para o Poder Executivo.

Em teoria, a configuração da inconstitucionalidade por omissão ocorre de maneira

simples. Na inconstitucionalidade por omissão um direito não se efetiva em decorrência do

legislador que não incluiu a lei necessária para proteção deste direito, ou o administrador que

não protegeu administrativamente a aplicação do direito.

Esta omissão é constatada de forma clara quando a Constituição determina um prazo

para que determinada lei ou ato normativo seja editado para que um direito constitucional se

torne realizável. De acordo com Anna Candida, quando a norma é programática dirigida, esta

nem sempre tem aplicabilidade imediata:

Em se tratando de normas programáticas dirigidas, por exemplo, à ordem

econômica e social em geral, e que nem sempre têm ou podem ter uma

integração legislativa imediata, a caracterização de inércia legislativa, no

tempo, não é de fácil solução. É claro que é necessário um lapso, por

exemplo, o decurso de uma legislatura, para que tal possa ser verificado.

Impõe-se, portanto, a adoção de mecanismos e providências para solucionar,

do modo mais eficaz possível, o problema180

.

José Afonso da Silva relaciona a omissão constitucional com a omissão de prestação

de direitos sociais. Não havendo a prática do Poder Público de atos legislativos nem atos

administrativos essenciais a dignidade do ser humano, tem-se a possibilidade de interposição

da ação de inconstitucionalidade por omissão, tendo em vista ser um dever do Estado a

garantia destes direitos181

.

Existe estreita relação da omissão inconstitucional com os direitos sociais previstos no

artigo 6º da Constituição Federal. Estes aspectos de concretude das normas constitucionais

179

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001,

p. 47. 180 FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição. São Paulo:

Max Limonad, 1986, p. 221. 181 Apud SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros,

2001, p. 48.

127

encontram maior importância no que refere aos direitos sociais, uma vez que elas possuem um

forte caráter programático, estas estabelecem não só direitos, mas também traçam o objetivo e

o fundamento do Estado Democrático de Direito, sendo que a sua concretização só poderá

ocorrer após uma intensa prática do Legislativo e do Executivo.

A garantia dos Direitos Sociais é fundamental para a efetivação da democracia no

plano econômico, social e político, sendo violado este direito há quebra de princípios

primordiais da Constituição brasileira.

Paulo Bonavides demonstra a estreita relação que existe entre as normas

constitucionais e dos direitos fundamentais com os direitos sociais:

Não se deve por outro lado, esquecer que a programaticidade das normas

constitucionais nasceu abraçada à tese dos direitos fundamentais. Os direitos

sociais, revolucionando o sentido dos direitos fundamentais, conferiu-lhes

nova dimensão, tendo sido inicialmente postulados em bases

programáticas182

.

Em um primeiro momento os Direitos Sociais foram compreendidos como normas

programáticas e hodiernamente devem ser considerados como normas de aplicabilidade

imediata, estando atrelado a realização da dignidade da pessoa humana e também a garantia

do Estado Democrático de Direito, o direito ao lazer encontra-se no rol de essencialidade e

imediatidade.

Portanto, há o desafio de conciliar dignidade humana, lazer, qualidade de vida e

trabalho, e para que esta conciliação seja possível, é necessária a aplicação imediata destes

direitos. No entanto, como já comentado, este é um dever do Estado, através principalmente

de Políticas Públicas, da empresa através da sua função social, da sociedade que deve exigir e

lutar para a realização de seus direitos e do indivíduo que deve valorizar o lazer e exercê-lo.

3.5.3 Instrumentos Constitucionais para garantia do Direito ao Lazer

Para evitar que a violação dos direitos e garantias possam ocorrer por omissão dos

Poderes, o legislador constituinte apresentou a ação de inconstitucionalidade por omissão para

casos de questionamento do direito em questão, bem como o mandado de injunção para casos

concretos de violação do direito.

A ação de inconstitucionalidade por omissão é prevista em nossa Constituição Federal,

ao lado da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade,

182 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros,

2003, p. 246.

128

no artigo 103, parágrafo 2º, a seguir:

Art. 103, § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida

para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder

competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de

órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

O objetivo da ação direta de inconstitucionalidade é buscar a realização plena de todas

as normas constitucionais, não permitindo que o legislador e o Estado prejudiquem ou

omitam-se a esta realização. Para Michel Temer a finalidade desta ação é a realização, na sua

plenitude, da vontade da Constituição. Nenhuma norma constitucional deixará de atingir a

eficácia plena, para Temer, mesmo as normas programáticas não podem deixar de serem

protegidas em razão da inércia do legislador. O que deve-se objetivar é que a omissão do

legislador não impeça a concretização de direitos constitucionalmente previstos.183

Para Alexandre Lunardi, o que torna a ação direta de inconstitucionalidade ineficiente

na prática, é o fato da Constituição não ter outorgado expressamente ao Supremo Tribunal

Federal, o poder de obrigar o Poder Legislativo a legislar sobre o direito sob o qual a omissão

legislativa foi configurada após um processo judicial, considerando o mesmo para o Poder

Executivo184

.

Atualmente, o resultado de uma ação de inconstitucionalidade por omissão é apenas

transmitir a informação ao Poder respectivo, tanto Legislativo como Executivo, da omissão

praticada. Isso ocorre em razão, de acordo com José Afonso da Silva, da proteção do princípio

da discricionariedade do legislador, que estabelece que o momento para a prática do ato é uma

decisão política do Poder em questão, não podendo, portanto, ser permitido que outro Poder

realize esta interferência sob a pena de violação do artigo 2º da Constituição Federal que

estabelece os Poderes da União como harmônicos e independentes entre si185

.

Conforme disposto na Constituição Federal, artigo 5º, § 1º os direitos fundamentais

possuem aplicabilidade imediata, o que leva à consideração de que existe um reforço no que

se refere à intenção do legislador em relação à "exigência do efetivo cumprimento das normas

constitucionais". Toda norma constitucional deve ser cumprida, essencialmente as normas de

direitos fundamentais.

Flávia Piovesan afirma que compete ao legislador, em razão de ser o destinatário de

183 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 17ª ed. rev. amp. São Paulo: Malheiros, 2001,

p. 51. 184 LUNARDI, Alexandre. A função social do Direito ao Lazer nas relações de trabalho. Dissertação

de Mestrado. UNIFIEO/SP. 2008. 185

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001,

p. 48.

129

inúmeras normas constitucionais, o dever de proceder em tempo razoável à concretização dos

direitos fundamentais, sob o risco de inconstitucionalidade por omissão; o dever de se mover

para garantir esses direitos, sendo proibido reduzir a força normativa imediata destas normas à

mera força normativa de lei, bem como, não atuar de forma a criar normas materialmente

incompatíveis aos direitos fundamentais186

.

3.5.4 Mandado de Injunção

No mesmo sentido da ação de inconstitucionalidade por omissão, há no plano

individual, o mandado de injunção. Assim prevê a Constituição Federal: “Artigo 5º - LXXI -

conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne

inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à

nacionalidade, à soberania e à cidadania".

No tocante à finalidade do mandado de injunção, observa-se que se assemelha com a

ação de inconstitucionalidade por omissão. Os dois institutos intentam garantir um direito

constitucionalmente previsto, mas que não encontra exigibilidade em decorrência da ausência

de lei ou ato normativo.

A diferença entre as duas ações é que a ação de inconstitucionalidade por omissão é

genérica, intentada abstratamente contra o Poder Público, podendo ser proposta, inicialmente,

apenas perante o Supremo Tribunal Federal. Diferentemente, o mandado de injunção é

utilizado na busca concreta da possibilidade de exercício de um direito, constitucionalmente

previsto, inviabilizado por falta de norma regulamentadora, devendo existir uma decisão que

satisfaça as partes187

.

Quanto à prática do mandado de injunção, segundo a doutrina, em alguns casos o

judiciário estabelece um prazo para o legislador regulamentar o direito sob a pena do Poder

Judiciário aplicar imediatamente o direito, em caso de recalcitrância:

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal, inspirado na experiência germânica,

adotou, em sede de mandado de injunção, a solução de, em determinadas

hipóteses, considerar suprível a omissão e, como consequência, estipular

prazo para que o legislador dê cumprimento à imposição constitucional,

removendo o estado omissivo. Na hipótese de o legislador não cumprir o

dever constitucional de legislar em tempo, dar-se-á, segundo a prática

186 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 107. 187 VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2ª. ed. rev. atual. e amp. Belo

Horizonte: Del Rey, 2000, p. 263.

130

legitimada pelo Tribunal, aplicação imediata ao preceito constitucional188

.

O mandado de injunção possui eficácia declaratória, uma vez que são reduzidas as

hipóteses em que o Tribunal concede o direito imediatamente até a superveniência da norma

reguladora. Por esta razão, não se encontra grande utilização destes institutos na defesa do

direito ao lazer. Um maior impedimento reside na dificuldade em definir o que seria no plano

individual o direito de pleitear a omissão da regulamentação do direito ao lazer.

Conforme Marcelo Cattoni189

, o Mandado de Injunção é uma garantia constitucional

processual do exercício de direitos constitucionais, inviabilizado por falta de norma regula-

mentadora. O mesmo autor complementa:

[...] a falta de norma regulamentadora pode viabilizar o exercício dos direitos

e não as normas que prescrevem ou “definem” esses direitos. Isso, inclusive,

porque a Constituição fala em “falta de norma regulamentadora que torne

inviável o exercício de direitos constitucionais” (artigo 5º, LXXI) e ao mes-

mo tempo, ao explicitar o seu caráter vinculante, determina a “aplicação i-

mediata” das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais (artigo

5º, parágrafo 1º) expressos, implícitos ou decorrentes. (artigo 5º, parágrafo 2º)

É pois, necessário, distinguir a “definição dos direitos (seu caráter prima fa-

cie) do seu “exercício” (o caráter definitivo das normas que irão reger, em

cada caso, esse último), como base na diferenciação avançada, no marco do

Estado Democrático de Direito, entre discursos de justificação e discursos de

aplicação. O que quer dizer, pois, que a atividade realizada pelo poder judi-

cipario em sede de MI, não deve ser compreendida, como o foi pela doutrina

da tutela do exercício dos direitos no limite do possível, como sendo legisla-

tiva, mas de regulamentação, e regulamentação para o caso concreto. Tal ati-

vidade não deve ser, portanto, compreendida como sendo de justificação,

mas de aplicação do Direito. Diante disso, garantir processualmente, através

do Mandado de Injunção, o exercício de direitos constitucionais, cujo exer-

cício está inviabilizado por falta de norma regulamentadora, consiste em a-

plicar diretamente a norma constitucional definidora de um direito a um caso

concreto, estabelecendo como esse direito deverá ser exercido. Tal ação de-

verá ser julgada através de um procedimento jurisdicional especial. Mas es-

pecial em que sentido? No sentido de que o Mandado de Injunção é uma a-

ção especial que visa à tutela de direitos constitucionais, cujo exercício está

inviabilizado por falta de norma regulamentadora.190

O autor esclarece que a decisão concessiva do Mandado de Injunção possui efeitos

declaratórios, constitutivos e, acrescenta também, efeitos condenatórios, sendo um

instrumento constitucional próprio para, no caso concreto, resolver a polêmica da existência

de norma regulamentadora, que inviabiliza a prática do direito ao lazer.

188 LEAL, Roger Stiefelmann. O efeito vinculante na jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva,

2006, p. 85. 189 CATTONI, Marcelo Andrade. Tutela Jurisdicional e Estado democrático de direito. Belo

Horizonte: Del Rey, 1998, p. 184. 190 CATTONI, Marcelo Andrade. Tutela Jurisdicional e Estado democrático de direito. Belo

Horizonte: Del Rey, 1998, p. 185-186.

131

O Mandado de Injunção deverá ser impetrado por um cidadão (ou um conjunto de

cidadãos) sempre que a ausência dessa norma regulamentadora tornar inviável o exercício do

direito ao lazer, ou seja, sempre que inexistirem normas tendentes a regulamentar as

circunstâncias que tornem possíveis o exercício dos anseios dessa comunidade em relação ao

lazer. O exercício jurisdicional será o de regulamentar estas circunstâncias, de forma a criar

condições que permitam, no caso concreto, o exercício do direito ao lazer.

Pode-se citar uma situação que, se aparecessem em demandas judiciais, serviriam

como exemplos pragmáticos, como a inviabilidade de acesso de pessoas carentes (como o

caso dos praticantes dos “rolezinhos”), de baixa renda, que vivem abaixo da linha da miséria

em shows musicais, peças de teatro, jogos de futebol, causada pelo alto custo dos ingresso, ou

a dificuldade em locomoção. A barreira de acesso nesses locais é maior quando há grande

procura pelos ingressos, como os jogos da Copa do Mundo de Futebol no Brasil (realizada no

ano de 2014), shows internacionais e espetáculos musicais.

A inexistência de norma que regulamente esta condição, de encontro com a

disponibilização de quantidade de vagas para essa camada da população, sem condições

financeiras de participar destas opções de lazer, inviabiliza o exercício da prática deste direito.

Para Alexandre Lunardi o proveito individual deste direito seria relacionado muito

mais com um reflexo de políticas públicas, do que uma prestação direta do Poder Público ao

cidadão. Para o mesmo autor é possível imaginar uma requisição de um portador de

necessidades individuais, que não vê o seu direito ao lazer efetivado em razão da falta de

acesso a um parque público, por omissão da administração na construção de rampas, por

exemplo. Este seu direito deveria, ser efetivado imediatamente, mas sem a vinculação da

decisão à atuação da administração estabelecendo a obrigação de realizar a obra, torna

impossível o seu exercício, ainda que exista decisão judicial favorável ao autor191

.

3.5.5 A Ação Civil Pública

O desenvolvimento tecnológico e social não afastou a exclusão social, as desigualda-

des econômicas e as dificuldades experimentadas tendo que ser necessário estabelecer por

meio de normas, regras que possam garantir a igualdade dos trabalhadores e o e a utilização

do tempo livre para desenvolvimento pessoal.

191 LUNARDI, Alexandre. A função social do Direito ao Lazer nas relações de trabalho. Dissertação

de Mestrado. UNIFIEO/SP. 2008.

132

Todavia, é importante observar que leis e normas, por si só, não são garantias de efeti-

vidade dos Direitos Fundamentais. São necessários estabelecimentos de mecanismos que ga-

rantam a dignidade e humanidade do trabalhador, com a previsão de ações judiciais e desig-

nação específica de instituição para garantir o Direito ao Lazer.

De encontro com esta necessidade que a Constituição Federal de 1988 elegeu o Minis-

tério Público como guardião do regime democrático e consequentemente responsável por pos-

sibilitar o acesso à justiça, como órgão agente, interveniente, fiscalizador, tanto na esfera pro-

cessual quanto extraprocessual. Conferiu, portanto, ao órgão a legitimidade ativa concorrente

para a defesa dos direitos difusos, transindividuais e/ou coletivos, nos termos do artigo 129,

incisos II e III da Magna Carta.

A ação civil pública é um instrumento processual, de ordem constitucional, destinado à

defesa de interesses difusos e coletivos. Esta amparada no capítulo da Constituição Federal

relativo ao Ministério Público (artigo 129, inciso III), no entanto, a localização dessa norma

não afasta o caráter constitucional da ação civil pública também para aquelas promovidas por

entidades publicas e associações colegitimadas, como o sindicato. Este microssistema proces-

sual em âmbito coletivo regula especialmente a legitimatio ad causam – representação em

juízo – das tutelas coletivas, bem como se presta a considerar os limites da coisa julgada, que

podem ser observados pela sentença, efeito erga omnes.

O Ministério Público do Trabalho deveria atuar na luta para efetivar o lazer no Brasil,

tendo como atribuição constitucional o zelo pelos direitos sociais indisponíveis, ou melhor, de

incentivar qualquer prática que possibilite os direitos difusos e coletivos do cidadão trabalha-

dor e de sua família e que lhes proporcionem o gozo de seus direitos trabalhistas, humanos e

dignos. Conforme decisão do Tribunal Regional do Trabalho:

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE INTERESSES COLE-

TIVOS, DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE

DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. O Ministério Público do

Trabalho tem legitimidade para promover ação civil pública em defesa de in-

teresses difusos e coletivos na seara trabalhista, ficando a legitimidade para a

proteção de interesses individuais homogêneos condicionada à existência de

relevância social, ou ao menos no meio da categoria profissional, que a justi-

fique192

.

O parágrafo 1º, do artigo 129, da Constituição Federal, estabelece a regra da não

exclusividade do Ministério Público. A ação civil pública foi criada e pela Lei 7.347/85

(artigo 19), sendo disciplinada por essa lei e pelos dispositivos processuais do Código de

192

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 1ª Região. PROCESSO: 0103900-20.2009.5.01.0005 –

ACP. Relator: Desembargador Rildo Brito. Disponível em: http://www.trt1.jus.br/web/guest/consulta-

jurisprudencia. Acesso em: 20 nov. 2013.

133

Defesa do Consumidor (artigo 90), que juntos compõem um sistema processual integrado.

Subsidiariamente, aplicam-se as disposições do Código de Processo Civil (artigo 19 da Lei

7.347/85).

Conforme já citado, sua propositura pode ser feita pelo Ministério Público, pela União,

pelos Estados e Municípios. Em razão da intrincada organização da administração pública no

Brasil, também podem promovê-la as autarquias, as empresas públicas, as fundações e as

sociedades de economia mista. De forma muito importante, incumbe também às associações e

sindicatos promovê-la.

A legitimidade sindical para a ação pública ampara-se na previsão constitucional do

artigo 8º, inciso III, e na autorização concedida de forma genérica às associações na Lei da

Ação Civil Pública, artigo 5º, inciso V e no Código de Defesa do Consumidor, artigo 82,

inciso IV. Esta legitimidade é fundamentada com base no princípio democrático que deve

fomentar práticas efetivas de atuação social e permite a organização da sociedade para defesa

dos interesses193

.

Busca defender um dos direitos resguardados pela Constituição Federal e leis especiais,

podendo ter por fundamento a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, bem como o ato

ilegal lesivo à coletividade sendo responsabilizado o infrator que lesa o meio ambiente,

consumidor, bens e direitos de valor artístico, interesses coletivos e difusos.

A proteção do direito ao lazer consiste em direito individual homogêneo, coletivo e di-

fuso, que são aqueles que consistem em espécies do gênero interesses transindividuais ou me-

ta-individuais. Tais direitos ultrapassam os direitos de sujeitos individuais, observado por si,

visto que sua lesão gera consequência a várias pessoas como membros familiares, a sociedade

e até mesmo o Estado.

Entende melhor por interesses coletivos, àqueles que são comuns à coletividade, desde

que presente o vínculo jurídico entre os interessados, como o condomínio, a família, o

sindicato entre outros. Por outro lado, os interesses são chamados de difusos quando, muito

embora se refiram à coletividade, não obrigam juridicamente as partes envolvidas, por

exemplo, a habitação, o consumo, entre outros.

A ação civil pública se mostra como um instrumento eficiente para tutelar os direitos

difusos, coletivos, individuais homogêneos, de forma a condenar em obrigação de fazer ou

não fazer e, ainda, de indenizar ou reparar o dano causado. A ação civil pública é eficaz na

193

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e Ações Coletivas: Acesso à justiça, jurisdição coletiva e

tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2ª ed. Revista ampliada. São Paulo:

LTr, 2008, p. 265

134

delimitação da jornada de trabalho:

ACÓRDÃO TRT 1ª T/RO 4723/99. RECORRENTES: MINISTÉRIO

PÚBLICO DO TRABALHO. Proc. Dra. Rita Pinto da Costa de Mendonça e

EMPRESA DE TRANSPORTES ATLAS LTDA. Dr. Fernando Augusto

Montalvão das Neves. RECORRIDOS: OS MESMOS. RELATORA: Juíza

Maria Joaquina Rebelo. EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Versando a controvérsia

sobre o direito dos trabalhadores a uma jornada normal de trabalho limitada

a 8 horas por dia e 44 semanais, bem como o registro dessa jornada para fins

de apuração e pagamento de horas extras, possuindo, portanto, natureza

trabalhista, objetivando a defesa de interesses sociais constitucionalmente

garantidos, cabe à Justiça Obreira dirimí-la, a teor do art. 114, da

Constituição Federal, e art. 83, inciso III, da Lei Complementar nº 75/93.

DECISÃO: ACORDAM OS JUÍZES DA PRIMEIRA TURMA DO

EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA OITAVA

REGIÃO, UNANIMEMENTE, EM CONHECER DOS RECURSOS E

REJEITAR AS PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA

DO TRABALHO, DE ILEGITIMIDADE DE PARTE E DE AUSÊNCIA DE

REQUISITO ESSENCIAL. NO MÉRITO, AINDA SEM DIVERGÊNCIA,

DECIDEM DAR TOTAL PROVIMENTO AO APELO PARA,

REFORMANDO A R. DECISÃO RECORRIDA, JULGAR TOTALMENTE

PROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA, A FIM DE

CONDENAR A RÉ NA OBRIGAÇÃO DE NÃO PROIBIR QUE SEUS

EMPREGADOS REGISTREM A REAL JORNADA DE TRABALHO

CUMPRIDA NOS CONTROLES DE FREQÜÊNCIA, SOB PENA DE

PAGAR MULTA CORRESPONDENTE A 100 UFIRS POR CADA

TRABALHADOR LESADO E A CADA MÊS DE DESCUMPRIMENTO,

A REVERTER AO FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR - FAT,

CONFORME OS FUNDAMENTOS. CUSTAS PELA RÉ DE R$100,00,

SOBRE O VALOR ARBITRADO DE R$5.000,00194

.

Os Promotores de Justiça utilizam-se da Ação Civil Pública - ACP, que ao longo do

tempo vem assumindo características voltadas para a realização do lazer, buscando a garantia

dos direitos fundamentais plenos. É uma forma de conferir eficácia a esses direitos fundamen-

tais concernentes a não discriminação, à igualdade, à proibição de tratamento degradante e ao

trabalho digno. A jurisprudência confirma a efetividade da ACP em caso de trabalho análogo

ao escravo, sendo esta condição totalmente contrária ao direito ao lazer e ao trabalho digno:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO -

O conjunto probatório revela que os trabalhadores que prestavam serviços ao

Réu não apenas não tinham CTPS assinada, mas também estavam sujeitos a

condições absolutamente indignas a qualquer laborista, seja pela inexistência

de equipamentos de proteção, primeiros socorros a despeito da atividade de-

senvolvida estar impressa de possibilidade de lesões, seja pela moradia abso-

lutamente sem estrutura, ausência de água potável, direito à intimidade, seja,

ainda, pela formação de truck system configurado na indução do trabalhador

a se utilizar de armazéns mantidos pelos empregadores em preço, em regra,

superfaturado, inviabilizando a desoneração da dívida. Nesse passo, devem

194

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 1ª Região. Relatora: Juíza Maria Joaquina Rebelo.

Disponível em http://zahlouthc.tripod.com/acordao.htm. Acesso em: 20 nov. 2013.

135

ser julgados procedentes os pedidos afetos a obrigações de fazer e não-fazer,

sob pena de multa diária. A indigitada situação deve ser veementemente

combatida; considerar o trabalho em condições aviltantes como normal em

face das circunstâncias de determinada região do País é transgredir a finali-

dade ontológica do Judiciário e fazer letra morta a legislação tutelar do tra-

balho. A dignidade da pessoa humana é um dos mais importantes pilares do

Estado Democrático de Direito195

.

Neste sentido, destacam-se como objeto das Ações Civis, ao lado das obrigações de

fazer, nestes casos garantir o direito ao lazer em sua prática, e de não fazer, o dano moral in-

dividual, fruto das pretensões de caráter individual homogêneo e o dano moral coletivo, onde

amplamente estão assegurados, os direitos dos trabalhadores hipossuficientes.

Em suma, este é um instrumento que pode ser proposto pelo Ministério Público, sindi-

cados, associações para garantir a prática do direito ao lazer, ou seja, certificar-se que o traba-

lhador ou uma classe de trabalhadores estejam exercendo o tempo livre.

Embora existam inúmeros instrumentos jurídicos para a garantia do Direito ao Lazer

observou-se, através de pesquisas na internet, a quase inexistência de julgados referentes a

estes direitos, concluindo que as pessoas ou desconhecem estes mecanismos ou não valorizam

as práticas de lazer, em detrimento do trabalho.

O próximo tema a ser tratado apresenta outras opções de aplicabilidade jurídica do Di-

reito ao Lazer.

3.6 CONCRETITUDE DO DIREITO AO LAZER

O direito ao lazer raramente é exigido na prática (em realização de pesquisa de

jurisprudência constatou-se esta escassez), diante das interpretações restritivas dos institutos

da ação de inconstitucionalidade por omissão, da ação civil pública e outros instrumentos

jurídicos por parte do Ministério Público e sindicatos e do mandado de injunção por parte do

Supremo Tribunal Federal, cabem algumas alternativas para manifestar a sua eficácia.

Uma solução apresentada seria utilizar o direito ao lazer como um critério

interpretativo de lei, ou como forma de preencher lacunas legislativas, isso significa que ao

realizar a interpretação de uma norma que entre em conflito com o período de descanso, deve-

se privilegiar a existência do direito ao lazer e a sua força de norma fundamental.

Para Alexandre Lunardi é possível refletir também que, diante do parágrafo 1º do

195

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 10ª Região. Recurso Ordinário n. 00011-2004-811-10-

00-6. Relatora: Juíza Flávia Simões Falcão. DJU 06.05.2005, p. 21

136

artigo 5º, deve-se aplicar o direito ao lazer ainda que pela forma da analogia. Em cada caso

prático onde for requerido, pode-se utilizar a norma que guarde maior semelhança com a

proteção do direito ao lazer. Um exemplo é a forma de balizamento de uma eventual

indenização por violação do direito ao lazer, através dos critérios de fixação valorativa do

dano moral, através da legislação civil196

.

Quando aborda-se a garantia ao lazer pretende defender não apenas uma quantidade

maior de tempo livre, ou tempo de lazer e sim proteger a qualidade deste tempo e que este

seja utilizado como momento de descanso, relaxamento, reflexão, ou mesmo adquirir

conhecimento inútil, de acordo com Bertrand Russel:

[…] a vantagem mais importante do conhecimento 'inútil' é, talvez, a de

incentivar a atitude mental contemplativa. O mundo tem revelado uma

exagerada tendência para a ação, não apenas uma ação sem prévia e

adequada reflexão, mas uma ação em momentos em que a sabedoria teria

aconselhado a inação. Essa tendência se manifesta de muitas formas, algumas

bem curiosas. Ostenta-se Hamlet como uma terrível advertência contra o

pensamento sem ação, mas não se ostente Othelo como advertência contra a

ação sem pensamento197

.

O direito ao lazer se subdivide em diversas áreas que compreendem todas as

atividades humanas não relacionadas diretamente com o trabalho, sendo o momento de não

trabalho e de não obrigação familiar, política ou social.

O autor Roger Stiefelmann Leal destaca a importância da mudança de prioridades

governamentais, para ele:

Outra hipótese a ser considerada na questão da eficácia proibitiva de

retrocesso social é o caso de uma mudança de prioridades governamentais

que venha a exigir o deslocamento de recursos de uma área para outra.

Imagine-se, a título de exemplo, uma alternância no governo. O governo

anterior tinha por prioridade a prestação de lazer, e, para isso, concretizou de

modo muito pormenorizado a norma constitucional que consagra o direito ao

lazer. O governo que assumiu, no entanto, tem outras prioridades como

educação e assistência social. Ao que parece, seria inconcebível considerar

inconstitucional a simples revogação da legislação sobre a promoção de lazer

com recursos públicos de modo a transferir tais recursos para outras áreas

como a educação e a assistência social. Evidentemente que, nessa hipótese, a

supressão da legislação concretizadora do direito ao lazer há de ser feita,

caso contrário, qualquer pessoa poderia pleitear o seu cumprimento por parte

do poder público, inviabilizando a concretização de outros direitos sociais do

modo pretendido pelo novo governo198

.

Apesar da importância do lazer, mesmo como momento de formação e

196

LUNARDI, Alexandre. A função social do Direito ao Lazer nas relações de trabalho. Dissertação

de Mestrado. UNIFIEO/SP. 2008. 197

RUSSEL, Bertrand. O elogio ao Ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2002, p. 43. 198 LEAL, Roger Stiefelmann. Direitos sociais e a vulgarização da noção de direitos fundamentais.

Disponível em: <http://www6.ufrgs.br/ppgd/doutrina/leal2.htm> Acesso em 11 out.2013.

137

desenvolvimento intelectual, verifica-se que é um direito distante do tratamento como

prioritário pelo governo.

Ao lado das alternativas jurídicas que garantem a aplicação jurídica do direito ao lazer,

destaca-se também a sua aplicabilidade no ambiente de trabalho e os seus reflexos no

contexto social, buscando desta forma a garantia da dignidade da pessoa humana. O homem

mudou, suas buscas mudaram e o Direito não acompanhou esse processo.

O principal aliado do direito ao lazer é o tempo livre, atualmente, devido à

produtividade das máquinas, é necessário menos tempo de trabalho do que antes para que se

tenha um padrão aceitável de conforto e qualidade de vida. Diminuindo o tempo de trabalho

haveria mais tempo para o homem realizar-se e desenvolver suas habilidades, podendo utilizar

o seu tempo como bem entender.

Conforme já citado, Bertrand Russel acredita que se trabalha demais no mundo de hoje

e que do trabalho originam-se muitos males. Para este filósofo, quatro horas diárias de

trabalho seriam suficientes, tendo em vista os modernos métodos de produção. No entanto,

verifica-se que a sugestão de Russel está muito distante de sua efetivação, visto que a ambição

e busca insaciável por lucro colidem com a redução da jornada de trabalho e aumento da

empregabilidade, no entanto a sugestão é válida e precisa ser defendida. Nesta linha de

pensamento, comenta Karl Marx:

Trata-se agora de desenvolver livremente as individualidades, e não de

reduzir o tempo de trabalho necessário, tendo em vista criar trabalho

excedente; a redução do trabalho necessário da sociedade a um mínimo

passa a corresponder à formação artística, científica etc., dos indivíduos

graças ao tempo que se tornou livre e aos meios criados para todos199

.

Este tempo livre das individualidades, conquistado pelo tempo liberado através dos

progressos das forças produtivas do trabalho social, é o ideal emancipatório que surge neste

texto. Este tempo livre destinado ao desenvolvimento integral e livre dos indivíduos somente

é criado através do aumento da produtividade do trabalho que objetiva reduzir o tempo de

trabalho necessário em relação ao tempo de trabalho excedente, produtor de mais-valia, e

desta forma reduzir a jornada toda de trabalho; liberar o tempo para que este tempo liberado

possa se converter em arte, ciência.

Um dos métodos de defesa para a redução da jornada de trabalho é a intervenção

estatal, através de uma otimização da prestação de serviços públicos, através principalmente

de políticas públicas. Também não se pode falar em redução de jornada sem realizar uma

199

MARX, Karl. Elementos Fundamentales para la critica de la economia politica (borrador) 1857-

1858 [Grundrisse]. Buenos Aires: Siglo XXI Argentina Editores, vol.2, 1973. p. 229.

138

análise crítica sobre os encargos trabalhistas e a necessária redução da carga tributária, pois

estas duas políticas devem ser atendidas para que as necessidades dos trabalhadores, que não

conseguem prover a própria subsistência na hipótese de uma redução salarial, e a dos

empregadores que não poderão ser prejudicados tendo de manter a competitividade frente ao

cenário global e devendo ser estimulados economicamente, é primordial concretizar estas

medidas e que as mesmas se tornem viáveis para realização destes objetivos.

A excessiva cobrança de impostos para pagar serviços de saúde pública, educação

pública, transporte coletivo, segurança pública, entre outros, é um fator que colabora

grandemente para a perda do poder aquisitivo do salário e a impossibilidade de práticas de

lazer.

Pelo lado da empresa, a solução teria de advir da participação econômica do governo

na esfera federal, estadual e municipal, realizando uma efetiva redução da carga tributária e

encargos sociais agregados à mão-de-obra, de tal forma que os custos operacionais dos

empregadores se mantivessem na justa medida das suas possibilidades.

Com a sugestão da redução da jornada de trabalho, deve-se observar a intenção em

modificar o artigo 7º, inciso XVI, da Constituição Federal, bem como o artigo 61, § 2º da

Consolidação das Leis do Trabalho para elevar o valor do adicional de horas extras muito

além dos 50% sobre a hora normal do empregado a fim de que se torne inviável a prática da

sobrejornada, ou então em uma alteração mais radical, simplesmente estipular a proibição do

trabalho em jornada extraordinária, bem como os bancos de horas (artigo 7º, inciso XIII da

Constituição Federal)200

.

Este procedimento tem como meta, como foi verificada anteriormente em pesquisas

realizadas pelo DIEESE, a criação de novos postos de trabalho, pois com jornadas menores

nas empresas o empregador seria obrigado a ampliar o seu quadro de empregados de forma a

manter o mesmo volume de horas de produção, medida que só poderá ser viabilizada com a

redução de tributos e encargos trabalhistas como os apontado acima.

O pesquisador Cássio da Silva Calvete, economista do DIEESE, em seus estudos de

Economia Aplicada pela UNICAMP demonstra a viabilidade da redução da jornada de

trabalho no Brasil e explica esse processo através da falha ocorrida na Constituição Federal de

1988 que, apesar de reduzir a jornada de trabalho de 48 horas semanais prevista na

Constituição de 1934 para 44 horas semanais, errou em estipular um valor relativamente

baixo de adicional por hora extra de trabalho, o que permitiu que o número de empregados

200 LUNARDI, Alexandre. A função social do Direito ao Lazer nas relações de trabalho. Dissertação

de Mestrado. UNIFIEO/SP. 2008.

139

que trabalham além da jornada legal chegasse em 2002, em São Paulo, por exemplo, a 44,1%

no setor da indústria, em 62,2% no setor do comércio e a 38, 8% no setor de serviços,

segundo dados do DIEESE e SEADE. Ele descreve:

Conforme estudo de Dal Rosso (1998) a RJT ocorrida por ventura da nova

Constituição Brasileira de 1988 deixou de gerar boa parte dos postos de

trabalho em função do grande aumento da utilização das horas extras.

Enquanto que na França a RJT que iniciou-se em 1998 não gerou o número

de novos postos esperados, em parte, em razão da generalização da utilização

de Banco de Horas (Coutrot, 2001). Portanto, concomitantemente com a

redução da jornada de trabalho a legislação deverá contemplar o fim das

horas extras e o fim do Banco de Horas, ou no mínimo suas limitações, para

que o objetivo de geração de novos postos de trabalho alcance o mais

próximo do seu potencial máximo201

.

Estas medidas a médio e longo prazo significariam grande evolução nas condições

sociais, pois gerando mais empregos, haveria um crescimento significativo no número de

consumidores e também haveria estímulo à produção, gerando novos postos de trabalho.

A redução na jornada de trabalho, possibilitada pelo desenvolvimento tecnológico,

permitiria o aparecimento de novos postos de trabalho, também sendo necessária a redução ou

extinção das horas extras, com estas ações a justiça social será eminente, além de

proporcionar a diminuição das desigualdades sociais e maior segurança jurídica, política e

social. Todos estes benefícios só são possíveis com a valorização do direito ao lazer. No

entanto, conforme informa o filósofo István Mészáros, este colide com os interesses do capital:

A única alternativa viável para tais práticas (a saber, buscar soluções na

reorientação da produção social da tirania do tempo mínimo para a

maximização do ‘tempo disponível’), obviamente exigiria a adoção de uma

contabilidade social radicalmente diferente, em lugar da inexorável

perseguição do lucro. Porém, é claro, a categoria ‘tempo disponível’,

enquanto princípio orientador, que pode ser utilizado criativa e

positivamente, do intercâmbio social, é totalmente incompatível com os

interesses da ordem estabelecida202

. (grifo do autor)

A Justiça do Trabalho tem responsabilizado algumas empresas pelo chamado "dano

moral existencial". Ele é entendido como uma espécie de dano imaterial causado ao

empregado pela imposição de excessivo volume de trabalho. A conduta do empregador

afrontaria o direito do empregado de dispor de seu tempo livre para as suas atividades sociais,

políticas ou culturais, atingindo a própria existência do indivíduo a ponto de vilipendiar o seu

direito de autodeterminação. Em última análise, as chances do empregado ser feliz em seu

projeto de vida seriam reduzidas por ato perpetrado pela empresa.

201 CALVETE, Cássio da Silva. A viabilidade da redução da jornada de trabalho no Brasil. Internet:

www.jornada.localweb.com.br, acesso em 11 out. 2013. 202

MÉSZÁROS, István. Para além do Capital. Campinas: Boitempo editorial, 2002, p. 674.

140

O pagamento das horas extras e de todos os demais direitos trabalhistas legalmente

garantidos já não seria suficiente. As decisões judiciais impõem às empresas condenação em

danos morais pelos efeitos impostos pela alegada prática ilícita do empregador na esfera

existencial do empregado. Parte-se da premissa, muitas vezes equivocada, de que o

empregado não tem condições de escolher o volume de horas de trabalho e a remuneração

disso decorrente.

Partindo-se da lógica de que todo o trabalho em jornada extraordinária ou a não

concessão de férias são medidas impostas pelo empregador contra a vontade do empregado,

impõe-se às empresas uma gama multifacetada de penas. Há a possibilidade de,

concomitantemente, ser a empresa obrigada a pagar: (i) multa administrativa decorrente da

lavratura de auto de infração e imposição de multa aos cofres públicos; (ii) horas extras com o

respectivo adicional ao empregado; (iii) indenização por dano moral existencial ao empregado;

e (iv) indenização por dano moral coletivo por atuação do Ministério Público do Trabalho.

Não se pode esquecer que a vida moderna exige cada vez mais tempo de todos os

indivíduos para a realização de qualquer tarefa. A felicidade está cada vez mais atrelada à

concretização de anseios de consumo, no seio de uma sociedade hedonista e consumista. As

discussões sociológicas e filosóficas deste modus vivendi são pertinentes e indispensáveis para

o estabelecimento de um novo paradigma para a humanidade.

Em artigo, o jornalista Arthur Rosa constata que a falta de tempo para a família, o

lazer e o estudo tem levado trabalhadores à Justiça para pedir indenização por um novo tipo

de dano que é o existencial. Normalmente o pedido é negado em primeira instância, sendo

aceito em Tribunais Regionais do Trabalho e havendo precedente do Tribunal Superior do

Trabalho. 203

Neste artigo, do dia 20 de novembro de 2013, há informação de que o juiz convocado

Raul Sanvicente acredita que “há dano existencial quando a prática de jornada excessiva por

longo período impõe ao empregado um novo e prejudicial estilo de vida, com privações de

direitos de personalidade como o direito ao lazer, à instrução, à convivência familiar”.

No Tribunal Regional do Trabalho, o relator considerou que a prática constante da rede

de supermercado deveria ser coibida por “lesão ao princípio constitucional da dignidade da

pessoa humana.” Completando que a prática reiterada de obrigar aos empregados o

cumprimento de jornadas diárias além do mínimo permitido, com pagamento de horas extras,

é atribuir um olhar monetarista, inadmissível quando trata-se de Direitos Sociais.

203

ROSA, Arthur. Excesso de horas extras gera danos existenciais. Jornal Valor Econômico, São

Paulo, 20 de nov. de 2013, Legislação & Tributos.

141

De acordo com a desembargadora Ana Carolina Zaina, da 2ª Turma do Tribunal

Regional do Trabalho do Paraná, condenando a Spaipa S.A. Indústria de Bebidas, em pagar

indenização de R$ 10 mil a um motorista, obrigado a fazer horas extras além do permitido por

lei (duas horas), declara que a excessiva carga de trabalho foi um “empecilho ao livre

desenvolvimento do projeto de vida do trabalhador e de suas relações sociais” 204

.

Estes posicionamentos e argumentos são condizentes com todo este estudo,

constatando que para que haja o trabalho humano e digno é condição o exercício do tempo

livre. Portanto, há exemplos (ainda que poucos) de julgados positivos, aumentando o

otimismo e a esperança na valorização do direito ao lazer.

É importante salientar a importância e essencialidade do trabalho, sendo este também

uma prática fundamental para conquista da dignidade, humanidade e felicidade social, nesta

linha de pensamento, de acordo com Ricardo Antunes:

Na longa história da atividade humana, em sua incessante luta pela

sobrevivência, pela conquista da dignidade, humanidade e felicidade social, o

mundo do trabalho tem sido vital. Sendo uma realização essencialmente

humana, foi no trabalho que os indivíduos, homens e mulheres, distinguiram-

se das formas de vida dos animais. […] Esse fazer humano tornou a história

do ser social uma realização monumental, rica e cheia de caminhos e

descaminhos, alternativas e desafios, avanços e recuos. E o trabalho

converteu-se em um momento de mediação sócio-metabólica entre a

humanidade e natureza, ponto de partida para a constituição do ser social.

Sem ele, a vida cotidiana não seria possível de se reproduzir. Mas, por outro

lado, se a vida humana se resumisse exclusivamente ao trabalho, seria

efetivação de um esforço penoso, aprisionando o ser social em uma únida de

suas múltiplas dimensões. Se a vida humana necessita do trabalho humano e

de seu potencial emancipador, ela deve recusar o trabalho que aliena e

infelicita o ser social205

.

A crítica que se apresenta refere-se ao excesso de trabalho, de ambição, de lucro e sua

precarização, proletarização e o subemprego. De encontro com esta reflexão considera-se o

direito ao lazer como um Direito Fundamental, necessário e indispensável para que se viva

em uma sociedade humana, digna e justa.

Por fim, é necessário tornar evidente e renovada à crença e grande esperança que

norteou todo este trabalho e que há necessidade e vontade de sua continuidade, finalizando-o

com citação de Georges Friedmann:

Bem sei que, no limite, aparece a esperança, ‘a grande esperança do século

XX’ [agora do século XXI], de uma automatização cada vez mais completa

204

ROSA, Arthur. Excesso de horas extras gera danos existenciais. Jornal Valor Econômico, São

Paulo, 20 de nov. de 2013, Legislação & Tributos. 205

ANTUNES, Ricardo. A nova era da precarização estrutural do trabalho? In: Condições de trabalho

no limiar do século XXI. Organizadores: ROSSO, Sadi Dal; FORTES, José Augusto A. Brasília:

Finatec, 2007, p. 13.

142

das empresas, da redução do número de trabalhadores, da promoção do

homem ao papel de fiscal e demiurgo das máquinas, do

descongestionamento das cidades tentaculares, da multiplicação de bairros

suburbanos cada vez mais espalhados para longe, através dos campos, cada

vez mais propícios (teoricamente) às alegrias de uma vida íntima, familiar,

próxima da natureza. É preciso ainda que o homem do século XX [e agora o

do século XXI], o indivíduo real, tal como está moldado de fato pela

civilização técnica, seja capaz desta vida, é preciso ainda que ele a deseje! É

preciso ainda que ele encontre em si o poder de utilizar humanamente os

seus tempos livre que vão aumentando!206

O empregado qualificado conhece seus direitos trabalhistas, mas escolhe laborar em

jornadas extraordinárias para auferir rendimentos adicionais (horas extras com adicional, PLR,

melhor colocação no mercado com o recebimento de hiring bônus). A realização desta escolha

é a própria concretização de seu livre arbítrio.

Por isso, embora concorda-se que o tempo livre deva ser destinado ao

desenvolvimento integral humano, é notória que a redução da jornada de trabalho não torna

imediatamente o tempo liberado pelo desenvolvimento das forças produtivas em tempo

dedicado a este exercício de liberdade e auto realização. Há risco de que este seja degradado

pela cultura de massa e entretenimento, a indústria cultural, visando tão somente às

oportunidades econômicas do lucro. Por isso, a defesa e luta por este direito tende a ser

constante, visto ser a defesa do Direito à Liberdade e à Vida.

206

FRIEDMANN, Georges. Futuro do Trabalho Humano. São Paulo: Moraes, 1968, p. 137.

143

CONCLUSÕES

A Revolução Industrial, ocorrida no século XVIII, modificou todo o contexto no

ambiente do trabalho com a invenção de máquinas que substituía a mão de obra de muitos

homens e nas relações entre patrão e empregado. Estas transformações exigiram o

aperfeiçoamento e readequação das leis trabalhistas, incluindo o direito ao lazer. Com as

técnicas modernas surgiu a possibilidade de que o direito ao lazer, dentro de certos limites,

fosse um direito de todos, distribuído por toda a coletividade compreendendo-o como

interesse difuso, direito coletivo e direito individual homogêneo.

As relações de trabalho sofrem os efeitos das transformações produzidas pela

Revolução Industrial e pelo fenômeno da globalização e, como consequência, ocorre o

processo de reestruturação produtiva, sendo considerado como as modificações no sistema de

produção e prestação de serviços, em que as empresas adequam-se criando novos

procedimentos de trabalho, modificando a rotina do trabalhador resultando em alterações as

demais relações sociais que ocorrem fora do ambiente de trabalho.

Verifica-se que, com o surgimento da urbanização e da industrialização, os meios de

comunicação de massa se desenvolvem. O aparecimento da indústria moderna possibilitou o

fortalecimento do lazer de massa. A padronização dos meios de comunicação, a

industrialização e a urbanização unificaram as condutas sociais no lazer como elemento

cultural de uma e sociedade pertencente à indústria cultural.

A presente pesquisa trouxe a amplitude que deve ser considerado o conceito e

finalidade do Direito ao Lazer sendo, além de tempo de não trabalho, repouso, diversão,

recreação, desenvolvimento intelectual, prática de esportes e atividades que trazem realização

pessoal, estas devem possibilitar ao trabalhador o desenvolvimento de suas potencialidades e

um momento para pensar e refletir, proporcionando que se encontre com ele mesmo, com sua

realidade social, com os conflitos e crises que o permeiam. O tempo de lazer é um tempo

privilegiado, que possibilite mudanças sociais, morais e políticas.

Considerou-se que a proletarização é um processo dominante que ascende a

consciência e a vida ativa, juntamente com o desenvolvimento do modo de produção

capitalista. A proletarização se torna um processo avassalador consolidado a todo ser humano.

A questão do tempo livre está intrinsecamente ligada a este processo, sem o direito ao lazer,

ao divertimento e à reflexão, a proletarização se intensifica atingindo todas as camadas sociais.

Demonstra-se que a flexibilização das leis trabalhistas deve ser efetuada em

consonância com os princípios da Constituição Federal de 1988, com ênfase aos princípios da

144

dignidade da pessoa humana e do trabalho humano. No entanto, há casos em que esses

princípios não são observados, como ocorre no exercício do trabalho aos domingos e feriados.

E esta prática contribui com o processo de desagregação familiar resultando em parte da

eliminação do tempo livre em comunhão com a disponibilidade dos demais membros que

formam a família.

Em referência a jornada de trabalho, esta deve ser delimitada para que o trabalhador

tenha organizado o seu tempo de trabalho e o seu tempo de lazer, podendo utilizar este para

descansar, refletir, conviver com a família, sair com amigos, pescar, ir ao cinema, jantar fora,

ler. As condições para a realização dessa prática fazem parte do processo de valorização do

trabalho humano, que em último caso, constitui-se também na construção de um tempo livre,

que pode ser traduzida em parte no chamado direito ao lazer.

Desponta-se a necessidade da intervenção estatal em proteger a família e através desta

proteção, também a defesa das relações de trabalho ou vice-versa, por conta do

comprometimento dos dois ambientes citados. Compreender que o homem produz sua vida a

partir da produção do trabalho, cuja forma de realização expande-se alcançando o meio

ambiente familiar, estabelece novos limites que se encontram compreendido na própria

valorização do trabalho humano, tornando-se um ser multifacetário.

Apesar do tempo livre se apresentar como uma conquista jurídica, sistematizada na

legislação pátria e comum a todos os indivíduos, e do lazer ser um direito reconhecido como

um Direito Fundamental/Social se verifica que as conquistas históricas deste direito, não são

compartilhadas e usufruídas por todos. Atualmente o lazer está declarado na Constituição

Federal, artigo 6º, em relação a sua elaboração, e artigo 227, cabe ao Poder Público o dever de

incentivar o lazer ligado ao desporto como forma de promoção social. O direito ao lazer

precisa ser amplamente reconhecido pelo direito positivo e pela sociedade brasileira.

Diante do disposto na Constituição Federal de 1988, observa-se a urgência em conferir

a aplicabilidade não só do direito ao lazer, mas a todas as normas programáticas. Toda norma

constitucional é válida e deve necessariamente ser aplicada. Não se pode admitir que uma

norma constitucional, plenamente vigente, com plena força obrigatória de norma de direito

fundamental, não seja cumprida, deixando o cidadão brasileiro exposto a diversas violações

da sua dignidade.

Expostas as características e importância do lazer apresenta-se a necessidade da

concretização e formalização deste Direito que, atualmente, encontra-se na legislação

brasileira de forma dispersa e juntamente com outras garantias, não de forma isolada.

O objetivo da exposição sociológica, econômica e política foi propagar a importância

145

do Direito em se adequar as necessidades reais dos trabalhadores, e não o oposto, em que o

Direito enquadra a legislação para atender a finalidades específicas de uma minoria.

Uma das funções do Estado é proporcionar a todos o direito a um espaço e tempo de

lazer. Trata-se de um direito social essencial de todo ser humano, realizável através de

Políticas Públicas. Sugere, como propostas de realização do direito ao lazer, e

consequentemente dignidade e humanidade do trabalhador, um salário decente, projetos de

urbanização, transporte público suficiente e confortável, incentivos culturais, repúdio ao

trabalho infantil e qualidade na educação.

A empresa através de sua função social também deve propiciar que seus funcionários

exerçam o tempo livre de qualidade, colaborando assim para que se efetive o princípio da

dignidade e da humanidade do trabalhador. Indicou-se algumas ações condizentes como a

abolição das horas extras, diminuição da intensidade exigida no trabalho, atividades e

ambientes de integração com a família e incentivos a projetos culturais.

Aliado a função social, o princípio do Triple Botton Line confere a todas as empresas a

imperiosidade da confluência de aspectos econômicos, sociais e ambientais, para que o

empreendimento seja sustentável e de sucesso. No entanto, estas focam os aspectos sociais e

ambientais sempre em convergência com o objetivo econômico, sendo sempre este o principal

foco e alvo dos empresários.

Existem instrumentos jurídicos que possibilitam a concretização do direito ao lazer,

como a ação civil pública, o mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por

omissão, sob a pena de não poder o trabalho ser considerado digno, no entanto estes

instrumentos são pouco utilizados pelos trabalhadores, por desconhecimento ou por já terem

assimilado as exigências de suas funções.

Por fim, declara-se que o direito ao lazer é fundamental para que se realize o que está

preconizado na Constituição Federal, artigo 170, onde há a defesa do trabalho humano e

digno. Não existe a possibilidade da construção de um trabalho digno, humano e decente, sem

que ocorra de fato a fruição do direito ao lazer. O prestígio dado a estes princípios, aplicados

ao trabalho, deve nortear a ordem econômica que somente se consubstancia com a sua

concretude.

No cenário atual, verifica-se que o direito não garante a prática do lazer, embora haja

legislação específica para delimitação da jornada de trabalho e instrumentos jurídicos

possíveis de serem utilizados, o homem se auto condiciona ao mais trabalho em detrimento do

tempo disponível. Portanto a legislação não se impõe sem ação individual e social, é

necessária a ação humana para que sua função seja efetivada e é preciso vontade.

146

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