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8/9/2019 O Direito Ambiental Brasileiro em face dos riscos e incertezas da nanotecnologia: uma proposta de reflexo crtica
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O DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO EM FACE DOS RISCOS E INCERTEZAS
DA NANOTECNOLOGIA: UMA PROPOSTA DE REFLEXO CRTICA
Thas Emlia de Sousa Viegas
e Roberto de Oliveira Almeida
RESUMO
Prope-se refletir acerca dos desafios que a sociedade global de risco impe aos instrumentosjurdicos de proteo do meio ambiente e ao prprio Direito Ambiental. que os problemasambientais contemporneos tm, na segunda modernidade, uma nova configurao, advindado processo de modernizao. Os riscos que outrora afetavam somente quem os produzia,agora so democraticamente distribudos, afetando todo o globo. Dentre os riscos de gravesconseqncias que acompanham o desenvolvimento tcnico-cientfico, verifica-se os dautilizao de nanomateriais pela indstria. A nanotecnologia oferece riscos na medida em quetais materiais j no obedecem s leis tradicionais da fsica, gerando um alto grau deimprevisibilidade acerca do seu comportamento na natureza e no corpo humano. Atualmente,a nanotecnologia no regulamentada por nenhuma legislao ou resoluo especfica, nosendo considerada, para fins de responsabilizao segundo os preceitos do Direito Ambiental,uma ameaa ao meio ambiente ou sade humana. Alm disso, o debate acadmico sobre osriscos da nanotecnologia , ainda, incipiente, mormente para o Direito. O presente trabalhotem como objeto a anlise crtica dos instrumentos de salvaguarda do meio ambiente, nocontexto da sociedade global de risco, especificamente no que tange ao descompasso dosinstrumentos jurdicos de proteo ambiental no trato dos riscos de graves conseqnciasoriundos das nanotecnologias.
Palavras-chave: risco; incerteza; nanotecnologia; Direito Ambiental.ABSTRACT
It is proposed to reflect on the challenges that the global risk society requires from the legalenvironment protection instruments and from the Environmental Law itself. Among thereasons that pushed to these changes, the most significant ones are the changes on the contentof the new environmental rights and the contemporary environmental questions that arequalified by the element of risk, especially when these risks are created through themodernization. Risk, that on the past would affect only those who created it, now endangersthe whole globe. Among the major consequences risks that emerge of the scientificdevelopment, the most significant ones are related to the nuclear energy, genetically modified
organisms and nanotechnology. Nanotechnology offers risks as long as the classical laws ofphysics do not apply on these materials, increasing the uncertainties about its behavior onenvironment and human body. Nowadays, there isnt any law or resolution that regulatesnanotechnology when it comes to its risks. On the Environmental Law context, its notconsidered a threat to the environment or human health. Also, theres no significant academicdebate when it comes to nanotechnology risks. The present work intends to offer a criticalanalysis of the instruments of environmental protection on the global risk society, especiallyregarding its omission about nanotechnologys risks.
Key words: risk; uncertainty; nanotechnology; Environmental Law.
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranho (UFMA). Mestre em Direito pela UniversidadeFederal de Santa Catarina (USFC). Professora dos Cursos de Graduao em Direito e de Ps-Graduao latosensu em Direito Ambiental da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB), em So Lus/MA. Graduado em Direito pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB). Advogado em So Lus/MA.
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Consideraes iniciais
A emergncia de novas tecnologias decorrentes da radicalizao dos processos de
modernizao consolida a percepo pblica de que a cincia no mais capaz de oferecer
certezas. Tal cenrio remete uma nova modernidade ps-industrial, perodo em que o
conhecimento cientfico j no representa garantia de segurana e estabilidade. Cuida-se de
um tempo em que os riscos advindos do avano tecnolgico e da progressiva modernizao
ameaam a todos democraticamente, no importando o local onde estejam ou a classe social
a que pertenam.
Este cenrio novidadeiro demanda reflexes que estejam para alm do espao do
Estado nacional, de modo a inserir no debate questes que colocam em jogo as premissasfundamentais dos sistemas sociais e polticos da sociedade industrial. Em conseqncia disso
e para uma anlise mais fiel e crtica dos inditos contornos desta tessitura social,
determinante a construo categorias mais afinadas com a insero de novidades tecnolgicas,
riscos e instabilidades em qualquer reflexo que se prope.
O Direito no passa ao largo deste desafio. Com efeito, a insero irrefletida, na
sociedade, de riscos vinculados s novas tecnologias impe para o Direito e, muito
especialmente, para o Direito Ambiental uma gama ainda pouco explorada de problemas quese confrontam com a prpria estrutura de seus institutos e princpios. Isso porque os riscos
que qualificam a sociedade atual possuem novas caractersticas, que no se encaixam nas
antigas categorias de risco da sociedade industrial. Suas conseqncias j no podem ser
limitadas temporal ou espacialmente e sua invisibilidade e imprevisibilidade escapam aos
tradicionais instrumentos de controle, colocando em xeque todo o programa institucionalizado
de clculo dos seus efeitos colaterais.
Diante da ampla democratizao dos riscos e da insuficincia das categorias dasociedade industrial para a anlise dos novos contornos desta sociedade, a teoria sociolgica
do risco, tal como estruturada por Ulrich Beck, oferece uma abordagem que considera o risco
como elemento central para qualquer reflexo ou proposta crtica em torno desta nova
realidade. Assim, os riscos passam a ser reconhecidos enquanto fatores determinantes para a
compreenso da sociedade contempornea, o que se coaduna com uma proposta de reflexo
crtica sobre o Direito Ambiental e o modo como seus institutos reagem em face dos riscos.
Dentre os riscos de graves conseqncias advindos do exacerbamento do processode modernizao, possvel verificar os oriundos da produo e consumo de organismos
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geneticamente modificados, da utilizao da energia nuclear, do uso de agrotxicos e da
nanotecnologia. A nanotecnologia a capacidade de criar e manusear materiais de escala
nanomtrica. Um nanmetro (1 nm) equivale bilionsima parte de um metro ou a
milionsima parte de um milmetro. Um nanmetro um milmetro dividido por um milho.
Os riscos envolvidos a partir da miniaturizao esto ligados, principalmente, s
novas propriedades que os materiais em nanoescala podem adquirir. Qualquer material
reduzido a nanopartculas pode, repentinamente, comportar-se de maneira completamente
oposta de antes, o que faz com que as atividades que envolvam determinadas partculas
sejam absolutamente imprevisveis. Materiais antes insolveis passam a ser solveis.
Substncias isolantes podem passar a conduzir energia. No s o comportamento das
partculas, como sua mobilidade completamente afetada: ao contrrio das micropartculas de
maior tamanho, as nanopartculas tm acesso quase irrestrito ao corpo humano.
A nanotecnologia no regulamentada por nenhuma legislao ou resoluo
especfica, no sendo considerada, para fins de responsabilizao segundo os preceitos do
Direito Ambiental, uma ameaa ao meio ambiente ou sade humana. Alm disso, o debate
acadmico sobre os riscos da nanotecnologia , ainda, incipiente, mormente para o Direito.
Assim, pergunta-se: quais as conseqncias, para o Direito, da permanncia dos riscos
oriundos da nanotecnologia margem do debate jurdico?
O desafio que se impe a este trabalho, portanto, o de proceder anlise crtica
dos instrumentos de salvaguarda do meio ambiente, no contexto da sociedade global de risco,
especificamente no que tange ao descompasso destes no trato dos riscos de graves
conseqncias oriundos das nanotecnologias.
Para tanto, o problema ser analisado a partir da teoria da sociedade de risco de
Ulrich Beck, objeto dos itens inaugurais deste trabalho. Em seguida, aborda-se a trajetria dosestudos acerca da temtica do risco e sua centralidade na teoria do socilogo alemo, para, em
seguida, situar a nanotecnologia entre os riscos de graves conseqncias advindos do processo
de modernizao.
Aps, cuida-se dos riscos concernentes utilizao de nanomateriais pela
indstria. Primeiramente, a nanotecnologia ser localizada historicamente, apresentando-se os
seus conceitos fundamentais. Em seguida, sero demonstradas as suas principais aplicaes,
inclusive no cotidiano. Por fim, sero apresentados os seus riscos quanto sade humana e aomeio ambiente, bem como as incertezas cientficas acerca do seu manejo seguro.
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Na seqncia, ser feita a anlise dos instrumentos de salvaguarda do meio
ambiente, considerando que se vive numa sociedade global de risco. Aponta-se a maneira
como o Direito Ambiental se relaciona com os problemas ambientais qualificados pelo risco
e, depois, discute-se o seu anonimato para o discurso jurdico e sua conseqente invisibilidade
para os instrumentos de proteo jurdica do meio ambiente.
Derradeiramente, questiona-se o papel do Direito Ambiental no trato dos conflitos
envolvendo os riscos advindos da nanotecnologia e em que medida a sua desconsiderao
jurdica ameaa os pilares epistemolgicos sobre os quais fundada a teoria jurdica
contempornea.
1. Modernidade, risco e reflexividade: uma mudana de paradigmasParte-se da idia de que se vive uma experincia diferente de modernidade.
Obviamente, vivncias de outrora convivem com as atuais, de modo que se tem uma transio
no-linear entre primeira e segunda modernidade.
Na primeira modernidade marcante a distino entre sociedade e natureza,
concebida como fonte inesgotvel de recursos para o processo de industrializao. A cincia,
enquanto produtora de certezas estrutura-se a partir da possibilidade de exercer total domnio
dos recursos naturais pela humanidade. A sociedade da primeira modernidade umasociedade do pleno emprego, em que a participao social define-se, basicamente, pela
participao no trabalho (BECK, 2003).
Na segunda modernidade, h um esvaziamento do continer do Estado nacional
ante os processos de globalizao (BECK, 2003). A noo de sociedade do trabalho cede em
razo da nova dinmica capitalista, a do vnculo entre tecnologia de informao e mercados
mundiais (CAPELLA, 2002). De outro turno, a crise ecolgica dissolve a oposio entre
sociedade e natureza; a cincia perde o monoplio da verdade e, por conseguinte, da certeza
(LEITE & AYALA, 2004).
O deslocamento da primeira para a segunda modernidade remete, dentre outros
fatos, a uma experincia cotidiana de um mundo globalizado, que ameaa a si mesmo. De
fato, o processo agudo de modernizao origina riscos de graves conseqncias, que do a
tnica de uma nova tessitura social.
Esta modernizao que dissolve os antigos modelos da sociedade industrial e que
no pode ser apreendida pelas rudimentares categorias e mtodos da cincia social que se
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mostram insuficientes diante da vastido e ambivalncia dos fatos a serem considerados tem
como principal caracterstica a reflexividade (BECK, 1997).
Reflexividade refere-se ao questionamento acerca das premissas fundamentais do
sistema social e poltico da sociedade industrial por ela prpria. Tais questes tornam-se um
tema e um problema. A modernidade , ento, reflexiva e envolve uma constante
autoconfrontao com os efeitos da emergente sociedade de risco.
A transio da sociedade industrial para o perodo de risco da modernidade ocorre
de maneira despercebida, no constituindo uma opo que se possa escolher ou rejeitar no
decorrer dos processos de disputas polticas. Diante dessa transio autnoma e indesejada,
efeitos da sociedade de risco no so assimilados pelos padres institucionais da sociedadeindustrial, habituada a conflitos de distribuio de bens (empregos, renda, seguridade social).
Na sociedade de risco, ao contrrio, surgem conflitos de responsabilidade distributiva, isto ,
acerca da distribuio, controle, preveno e legitimao dos riscos decorrentes do avano
tecnolgico e cientfico (BECK, 1997: 17).
O processo de modernizao torna-se uma questo central na medida em que as
instabilidades e riscos so oriundos das novidades tecnolgicas e organizacionais
introduzidas, de forma no refletida, na sociedade. Comeam a tomar corpo, na sociedade derisco, as ameaas produzidas pela sociedade industrial, a demandar uma redefinio dos
padres relativos responsabilidade, segurana, controle e distribuio das conseqncias dos
riscos e ameaas potenciais, que escapam percepo sensorial e no podem ser determinadas
pela cincia.
Nesse contexto, o conceito de risco torna-se fundamental para o entendimento das
caractersticas, limites e transformaes do projeto de modernidade. A partir das
contribuies de Anthony Giddens (1997) e Ulrich Beck (1997, 2003), principalmente, osriscos deixaram de representar uma mera temtica subdisciplinar das cincias sociais para
representar um elemento fundamental na compreenso da sociedade contempornea.
2. A teoria da sociedade de risco
A partir do acidente na usina nuclear de Chernobyl, em 1986, a sociedade se viu
s voltas com um mundo que oferece mais riscos medida que se moderniza (BECK, 2003:
29). O projeto de uma sociedade enquanto controladora dos efeitos colaterais oriundos do
processo de industrializao j no pode ser aplicado realidade da segunda modernidade.
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Com Ulrich Beck, o risco foi elevado ao centro da teoria social, j que no seu trabalho este
tido como um elemento-chave para entender a sociedade contempornea (GUIVANT, 1998).
O risco, para Ulrich Beck, um conceito relativamente novo. Em que pese a
possibilidade de se entender a sociedade como uma resposta a todos os perigos possveis, s
com a modernidade que nasce o conceito de risco. H, portanto, uma distino entre riscos e
perigos. Estes ltimos esto ligados a pocas mais remotas, em que a humanidade se via
merc de catstrofes naturais ou da interveno dos deuses. Os perigos compreendem todas as
ameaas que no so interpretadas como condicionadas pelos seres humanos. O conceito de
risco, por outro lado, surge com as decises humanas, isto , so originados pelo processo
civilizacional e modernizao progressiva. A civilizao que busca tornar previsveis as
imprevisveis conseqncias das suas decises, que busca controlar o incontrolvel e sujeitar
os efeitos colaterais a medidas preventivasacaba por criar o risco (BECK, 2003: 115).
A partir do momento em que so concebidas respostas institucionais para os
perigos, isto , quando estes se tornam calculveis por respostas institucionais adequadas,
que surge o risco. Como exemplo, Ulrich Beck cita os primrdios da navegao comercial
intercontinental. quele tempo, o risco era entendido como ousadia e estava umbilicalmente
ligado noo de segurana. Para os primeiros comerciantes e aventureiros que se lanavam
conquista do desconhecido, havia uma grande probabilidade de seus navios naufragarem, o
que pode ser entendido como um perigo. Quando este destino individual passou a ser visto
como a possvel experincia comum de um determinado grupo, ou seja, como um problema
que afetava e ameaava a existncia de empreendimento comercial intercontinental, criou-se
uma caixa comum destinada a pagar uma indenizao em caso de naufrgio. Nesse momento,
cria-se uma resposta institucional para o perigo, este se transforma em risco, isto , um
problema coletivamente solvel (BECK, 2003: 115).
Niklas Luhmann (1998) sugere que os riscos sejam interpretados como os
possveis danos decorrentes de uma deciso. Quando os danos so relacionados a causas fora
do prprio controle, estes so tidos como perigos. Os perigos englobam, tambm, as decises
de outras pessoas, grupos e organizaes. Dessa maneira, a mesma ao pode ser tida como
risco para alguns e perigo para outros. A ttulo exemplificativo: o motorista que dirige em alta
velocidade assume um risco para si ao mesmo tempo que representa um perigo aos demais
(BRUSEKE, 2001: 40).
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Levando-se em conta o padro conceitual estabelecido por Beck, o
desenvolvimento das foras produtivas, isto , a industrializao, pode ser entendida como o
processo de surgimento dos riscos e das respostas institucionais a eles. Entre os sculos XVIII
e XX, o processo de distribuio das conseqncias dos riscos foi negociado e
institucionalizado, de forma que desempenhou um papel fundamental para o otimismo
desenvolvimentista. Assim, o progresso sempre esteve umbilicalmente ligado possibilidade
de compensao dos seus efeitos colaterais atravs de um programa institucionalizado
(BECK, 2003: 118).
Na sociedade de risco, contudo, esse otimismo desenvolvimentista confrontado
pela mudana substancial na qualidade dos riscos. Isto porque o clculo do risco pressupe
um acidente, isto , um acontecimento delimitado social, espacial e temporalmente. Para o
socilogo alemo, tal modelo perde validade, principalmente, partir de Chernobyl, onde as
conseqncias do acidente j no puderam mais ser delimitadas. Os riscos oriundos das novas
tecnologias presentes na segunda modernidade fazem com que j no seja possvel determinar
o grupo de pessoas afetadas por um acidente, tampouco delimitar territorialmente as
conseqncias e muito menos precisar at quando estas perduraro. O imprevisvel j no
pode ser antecipado e no h respostas institucionalizadas para tanto. Assim, fundamental
que haja um desprendimento das antigas categorias do risco (BECK, 2003: 119).
A sociedade da primeira modernidade partia do princpio de que os riscos e suas
conseqncias podiam ser tecnicamente superados. Contudo, a radicalizao dos processos de
modernizao gera conseqncias que pem em xeque todo o programa institucionalizado de
clculo dos efeitos colaterais. Tanto na elaborao cientfica dos acidentes quanto nas
instituies centrais na proteo contra catstrofes, previso da assistncia mdica ou dos
custos no se percebe a distncia que separa os riscos da primeira dos riscos globais da
segunda modernidade. Os riscos da segunda modernidade so imperceptveis e interpretados
contraditoriamente pelos especialistas. J no mais possvel, para os leigos, distinguir o
perigoso do inofensivo. Como conseqncia, todos ficam merc de especialistas e
instituies que se contradizem nas questes mais elementares do dia-a-dia (BECK, 2003:
120).
Ao contrrio dos riscos da primeira modernidade, os riscos da segunda so
imperceptveis. Um acidente em uma mina ou o naufrgio de um navio era um acontecimento
perceptvel. A poluio emanada da chamin de uma fbrica tambm. Agora, na sociedade
tecnologicamente perfeita da segunda modernidade, onde os riscos da primeira foram
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institucionalizados e relativamente superados, surgem novos riscos que escapam percepo
imediata dos afetados. Estes, por sua vez, j no so mais os operrios ou marinheiros que se
submetiam aos riscos voluntariamente: agora, os afetados so consumidores ou at mesmo
pessoas que no possuem qualquer ligao com a origem desses perigos. Chafurdamos todos
nas mesmas areias movedias (SERRES, 1991: 12).
Para exigir reparao, cabe aos afetados buscar as causas do dano. Estas, por sua
vez, surgem num contexto por demais complexo, o que acaba por frustrar quaisquer
pretenses das vtimas. que os riscos j no so mais localizveis espacial ou
temporalmente: o caso, por exemplo, do lanamento de uma diversidade de produtos txicos
no ar por diversas indstrias. Como estabelecer o nexo de causalidade entre a conduta de cada
uma destas e a condio mdica de suas potenciais vtimas? Como relacionar causa e
conseqncia se esta for tardia, ou seja, se a vtima apresentar uma doena apenas vinte anos
depois da exposio? Ante a impossibilidade de se estabelecer tal nexo e na ausncia de
culpados, no h punio. Quando o risco se torna invisvel e no localizvel, suas
conseqncias j no podem ser manejadas pelos instrumentos clssicos de jurisdio, tendo
como conseqncia um estado de crise de legitimao da prpria sociedade. Isso acontece
pelo fato de que a segurana dos seus membrosuma das legitimaes mais importantes da
sociedadeagora j no pode ser garantida (BECK, 2003: 122).
A confiabilidade nas instituies passa a ser questionada a partir dos conflitos de
risco, isto , quando as diversas pretenses de racionalidade que participam da definio
social do risco se contradizem. A racionalidade institucionalizadadecorrente das concluses
produzidas por cientistas que se mantm presos s antigas categorias no reconhece os
riscos sem rigorosas evidncias. A instncia jurdica, quando impossibilitada de estabelecer
qualquer nexo de causalidade, tambm no reconhece a existncia dos mesmos. Os afetados,
por sua vez, detectam o potencial de ameaa e se organizam em movimentos sociais,
utilizando instrumentos diversos como outros dados cientficos ou estatsticas para se
insurgirem contra a negao institucional. Esses conflitos geram um esvaziamento no ncleo
de legitimidade das instituies na medida em que os riscos se ampliam e se diversificam
com o aval do Estado o que tem como conseqncia a crise de confiana (BECK, 2003:
126).
Esse novo quadro de incertezas conhecidas onde as relaes causais s so
comprovadas em quadros extremos permeado por opinies contraditrias. E no desenrolar
dessa luta pela definio dos riscos, das suas vtimas e das suas causas, h uma srie de
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conseqncias tanto no mbito poltico como no econmico. Isto porque, na nova dinmica
dos riscos, a riqueza no significa mais uma preveno contra os mesmos e, cedo ou tarde, os
prprios causadores sero vtimas. Como exemplo, pode-se citar empresas do setor qumico
ou que trabalham com organismos geneticamente modificados (OGMs). Tais empresas
investem em pesquisas e em especialistas para que estes convenam a sociedade de que no
h risco, e assim constroem mercados no mundo inteiro. Quando surgem interpretaes
diversas daqueles riscos, as empresas so obrigadas a suportar a queda no valor das suas aes
(BECK, 2003: 130).
Tais conflitos de risco, resultantes da insuficincia dos arranjos institucionais,
denotam um quadro de irresponsabilidade organizada. Os que deveriam ser responsabilizados
esto livres para a irresponsabilidade (BECK, 2003: 135). Os instrumentos utilizados para
estabelecer a culpa ainda so os mesmos da primeira modernidade, mantendo-se presos
lgica das racionalidades tcnica e mdica que por sua vez so constantemente adaptadas aos
interesses de lucro. Com o esvaziamento do ncleo de legitimidade do Estado, um novo
conceito de risco e novas respostas institucionais a ele se tornam centrais para que o processo
de modernizao tenha continuidade.
Em que pese o debate exaustivo acerca dos possveis riscos sade humana e
meio ambiente oriundos dos agrotxicos (GUIVANT, 2000), transgnicos ou clulas-tronco,
existem novas tecnologias que ainda no figuram no centro das discusses e sequer foram
reguladas pela legislao ptria. o caso da nanotecnologia.
3. Nanotecnologia e riscos de graves conseqncias
A possibilidade de manipulao de materiais em escala nanomtrica foi aventada
em 1959, a partir da apresentao do fsico Richard Feynman, no encontro anual da Sociedade
Americana de Fsica. Em sua palestra intitulada H mais espao l embaixo (Theres plentyof room at the bottom), Feynman defende a inexistncia de quaisquer obstculos tericos
construo de dispositivos bastante pequenos, compostos por elementos igualmente
diminutos. O termo nanotecnologia, entretanto, veio a ser utilizado somente em 1974,
quando Norio Taniguchi, pesquisador da Universidade de Tokyo, referiu habilidade de
engendrar materiais precisamente ao nvel nanomtrico (THE ROYAL..., 2004: 5).
Os termos nanotecnologia, nanocincia, nanomateriais e demais variaes
so derivados da palavra grega nano, que significa ano. Um nanmetro (1nm) oequivalente a um bilionsimo de um metro. Em outras palavras, pode-se dizer que um
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nanmetro o equivalente a um milmetro dividido por um milho. Apesar da dificuldade de
imaginar medidas em tais escalas, pode-se estabelecer algumas comparaes: uma pulga
possui 1.000.000nm (um milho de nanmetros); um fio de cabelo humano, por sua vez,
possui 80.000nm (oitenta mil nanmetros); um glbulo vermelho possui cerca de 7.000nm
(sete mil nanmetros); bactrias possuem 1.000nm (mil nanmetros) (SWISS
REINSURANCE..., 2004: 5).
Os termos nanotecnologia e nanocincia so utilizados de maneira distinta em
diversos estudos, apesar de no haver diferenas substanciais entre os mesmos que impeam o
bom entendimento da temtica. A primeira significa a habilidade de medir, ver, prever,
engendrar, produzir e aplicar materiais em escala nanomtrica, alm de explorar as novas
propriedades dos materiais em nanoescala. A nanocincia, por outro lado, preocupa-se em
estudar o fenmeno e a manipulao de materiais em escala nanomtrica, cujas propriedades
diferem significativamente das dos materiais de maior escala. Ao longo deste trabalho,
respeitar-se- tal distino.
Somente nos ltimos anos o uso sistemtico e a manipulao de nanopartculas
individuais foram possveis. Na dcada de 80, microscpios mais sofisticados foram
desenvolvidos para investigar e manipular nanomateriais. Tais instrumentos, alm de terem
possibilitado a visualizao de superfcies em escala atmica, tambm permitiram o manuseio
e a construo de estruturas nanomtricas ainda rudimentares. Em 1990, Don Eigler e Erhard
Schweizer manusearam tomos de xennio e conseguiram gravar, sobre uma superfcie de
nquel, a logomarca da IBM (THE ROYAL..., 2004: 16).
As diversas tcnicas de manipulao dos nanomateriais esto divididas em duas
abordagens: de cima para baixo (top-down techniques) e de baixo para cima (bottom-up
techniques). A primeira, de cima para baixo, engloba as tcnicas de produo de
nanomateriais que tem como ponto de partida uma grande partcula, que reduzida at o
formato e tamanho desejados. Tal processo envolve um gasto expressivo de energia e produz
uma grande quantidade de dejetos, alm do uso significativo de recursos naturais. Na segunda
abordagem, de baixo pra cima, estruturas maiores so construdas tomo a tomo, molcula
por molcula. possvel, nesta abordagem, o uso da tcnica de auto-organizao, que consiste
na unio espontnea de diversos componentes, criando novos materiais (SWISS
REINSURANCE..., 2004: 9).
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Para que sejam considerados de nanoescala e, por conseguinte, para que sejam
objeto de estudo da nanocincia, os materiais devem possuir no mximo 100nm (THE
ROYAL..., 2004: 8). Em se tratando da abordagem de cima para baixo, pode-se considerar
um nanomaterial aquele que foi reduzido a 100nm ou menos. Partindo-se da abordagem
inversa, de baixo para cima, a unio de nanopartculas no deve exceder este patamar. Tal
escala deve ser atingida em, no mnimo, uma dimenso. Por exemplo: existem nanomateriais,
como revestimentos e camadas especiais, que chegam a atingir alguns centmetros de rea, j
que so utilizados em superfcies. Contudo, tais materiais so considerados nanomtricos pelo
fato de apresentarem profundidade nanomtrica, chegando a possuir somente um tomo de
espessura.
possvel verificar materiais em nanoescala de somente uma, duas ou em todas as
trs dimenses. Os nanomateriais unidimensionais so aqueles que possuem somente uma
dimenso em escala nanomtrica. Em geral a dimenso a profundidade, como se pode
verificar em filmes ultrafinos, camadas e revestimentos de superfcies. Algumas camadas e
revestimentos chegam a possuir somente uma molcula ou um tomo de profundidade, apesar
de possurem uma rea de cobertura relativamente extensa. Exemplos de nanomateriais
unidimensionais so os revestimentos em dixido de titnio ativado, projetados para repelir
gua e bactrias de superfcies auto-limpantes. Tambm existem revestimentos prova de
arranhes que so significativamente aprimorados a partir do uso de camadas intermedirias
em nanoescala (THE ROYAL..., 2004: 8).
Nanomateriais bidimensionais so aqueles que possuem duas dimenses em
escala nanomtrica (largura e profundidade, e.g.) e possuem uma dimenso estendida (altura,
e.g.). Nanotubos de carbono, nanofios, biopolmeros e nanotubos inorgnicos se encaixam
nesta categoria. Nanotubos so estruturas cilndricas, cujo dimetro no ultrapassa os 100nm,
cujos maiores atrativos so suas propriedades fsicas e qumicas, como resistncia,
durabilidade e condutividade (THE ROYAL..., 2004: 16).
A nanoescala em trs dimenses representada por partculas que possuem um
raio no maior do que 100nm e no ultrapassam este limite em nenhuma dimenso. Materiais
que pertenam escala nanomtrica em todas as suas dimenses so denominados
nanopartculas. So exemplos de nanopartculas os fulerenos, que so compostos por sessenta
tomos de carbono organizados em 20 hexgonos e 12 pentgonos, cujo formato comparado
a uma bola de futebol. Por serem ocos, podem desempenhar a funo de veculos para
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remdios e contrastes, bem como para lubrificantes de superfcies (THE ROYAL..., 2004:
10).
Partculas em nanoescala no so novas e sempre estiveram presentes na natureza.
Por exemplo, os polmeros macromolculas construdas a partir de subunidades de menor
escala vm sendo manuseados por industriais desde o incio do sculo XX, a despeito do
desconhecimento dos estudiosos acerca da existncia de partculas to diminutas. Nanocristais
de sal so detectveis nos ventos dos oceanos. Motores a diesel emitem milhes de partculas
de carbono no ar, assim como cigarros e velas. O leite (com os colides) outro exemplo,
bem como as protenas que controlam processos biolgicos. Nanopartculas, alm de surgirem
naturalmente, so criadas h milhares de anos enquanto resultado da combusto ou do cozer
de alimentos (THE ROYAL..., 2004: 6).
Deve-se ressaltar, porm, que h uma diferena substancial entre as
nanopartculas encontradas na natureza e as artificialmente manufaturadas. Partculas de sal,
por exemplo, so solveis em gua. Se inaladas, ao entrarem em contato com o tecido,
imediatamente se dissolvem e perdem a sua forma. Partculas oriundas de processos de
combusto, apesar de insolveis, tm uma grande tendncia aglomerao, formando
micropartculas de diferentes propriedades. Nanopartculas artificialmente manufaturadas
possuem propriedades bem diferentes das naturais e isso constitui o seu grande atrativo. Ao
contrrio das naturais, elas tm tendncia disperso, dado o seu revestimento peculiar. A
lgica simples: a fim de evitar que nanopartculas se aglomerem e formem micropartculas
o que geraria uma perda de propriedades alcanadas com a miniaturizao estas so
revestidas de maneira especial. Assim, no importando quanto tempo passe, as nanopartculas
artificiais continuam reativas e bastante mveis (SWISS REINSURANCE..., 2004: 13).
Em razo destas peculiaridades, a nanotecnologia, que juntamente com a
biotecnologia, a informtica e as cincias cognitivas constitui as chamadas tecnologias
convergentes, no se refere simplesmente ao estudo da natureza pelas mos da cincia, mas
trata de se criar a natureza (MORENO, 2009: 181). Considerando este incrvel potencial,
obviamente, a capacidade de manipular matrias e estruturas em pequenssima escala
desenvolve-se no contexto socioeconmico capitalista.
Nanomateriais interessam indstria por vrios motivos. Partculas menores do
que 50nm j no so regidas pelas clssicas leis da fsica, mas da fsica quntica. Issosignifica que nanopartculas podem assumir outras propriedades ticas, magnticas e eltricas,
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o que as distingue substancialmente das partculas maiores da mesma famlia. Tambm,
devido dimenso reduzida, a razo entre massa e superfcie diferenciada. Quanto menor
um corpo, maior a superfcie em relao sua massa, o que significa dizer que, quanto
menor a partcula, mais tomos existiro na sua superfcie e menos tomos em seu interior
(SWISS REINSURANCE..., 2004: 12). Por exemplo, uma partcula de 30nm possui somente
5% dos seus tomos na sua superfcie, enquanto uma partcula de 3nm possui 50%. Pelo fato
de reaes qumicas catalticas e de crescimento ocorrerem nas superfcies, os nanomateriais
se tornam bem mais reativos do que os mesmos materiais em largas partculas (THE
ROYAL..., 2004: 7).
Nanotecnologia, combinada com biotecnologia, formam os pilares que sustentam
os rpidos avanos em diversas reas da medicina. Tais progressos em nanoescala podem ser
vislumbrados quando nanomateriais passivos ou ativos so utilizados para aplicar drogas em
locais e momentos desejados. Isto reduz efeitos colaterais, levando a uma melhor resposta do
organismo e utilizao de menores dosagens. O desenvolvimento e a aplicao da
nanotecnologia na medicina englobam diversas reas: diagnstico, aplicao de drogas,
regenerao de tecidos, reparao de leses, prteses, dentre outras.
No que diz respeito ao diagnstico, h pesquisas em torno de marcadores
(contrastes) em nanoescala. Tais marcadores so teis para a deteco de clulas cancergenas
e, conseqentemente, para antecipao do tratamento. Outra ferramenta construda com o uso
de nanotecnologia so os laboratrios em chips, que consistem em laboratrios portteis
para a obteno de diagnsticos, sendo aplicados na preveno e controle de doenas, bem
como na monitorao do prprio meio ambiente (GREENPEACE..., 2003: 28).
Atualmente, empresas farmacuticas j utilizam da nanotecnologia para aumentar
a eficcia de medicamentos e reduzir efeitos colaterais. Os princpios ativos das drogas so
manipulados de modo a caberem em cavidades minsculas das substncias que os
transportaro para as clulas. Substncias como beta-ciclodextrina ou HDL sinttico (Hight
Density Lipoprotein) o colesterol bom j so largamente utilizadas em antiinflamatrios,
antialrgicos, anticidos e no tratamento de determinados tipos de cncer.
Estudos do ano de 2001 j indicavam que nanopartculas entre 50nm e 100nm
seriam ideais para o tratamento do cncer, eis que partculas maiores no penetrariam com a
mesma eficcia nos tumores. No tratamento da AIDS, grandes avanos so obtidos a partirdas nanocpsulas, que desviam do sistema imunolgico, possibilitando o direcionamento de
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agentes teraputicos a locais especficos. No tratamento da diabetes, um sistema de aplicao
de insulina vem sendo desenvolvido a partir do uso combinado entre nanomateriais porosos e
sensores (GREENPEACE..., 2003: 28).
Para a construo de prteses, existem nanomateriais que representam uma
alternativa liga de titnio e cido inoxidvel utilizada em implantes ortopdicos e vlvulas
cardacas. Em alguns casos, estas ligas tradicionais no chegam a durar o equivalente ao
tempo de vida do paciente. Por outro lado, o xido de zircnio nanocristalino resistente,
prova de biocorroso e biocompatvel, demonstrando-se ideal para prteses. Carbetos de
silcio, por serem leves e resistentes, so ideais para a construo de vlvulas cardacas (THE
ROYAL..., 2004: 12).
Alm da aplicao em diversas reas da medicina e na indstria farmacutica, a
nanotecnologia tambm empregada pelas empresas de protetores solares, que utilizam
dixido de titnio e xido de zinco, cujo principal atrativo a possibilidade de absorver e
refletir raios ultra-violetas ao mesmo tempo em que so transparentes luz visvel (THE
ROYAL..., 2004: 10). Cosmticos, como cremes hidratantes e antienvelhecimento, tm seus
princpios ativos reduzidos nanoescala, facilitando a chegada s camadas mais profundas da
pele sem que suas propriedades sejam perdidas pelo caminho.
Nanopartculas tambm j esto presentes em cremes dentais. Nanocristais de
prata e hidroxiapatita (composto de fosfato e clcio) so utilizados para a recuperao de
dentes danificados. Tais materiais aderem aos dentes durante a escovao, ajudando na
recomposio do esmalte cujas irregularidades so freqentes, porm invisveis e
garantindo proteo contra desgastes futuros.
No ramo da informtica, desde 1997, a indstria de eletrnicos vem utilizando a
nanotecnologia na produo dos telefones celulares, cujas funes bsicas de agenda edespertador dependiam dos poucos bytes comportados pelos microchips. No ano de 2000,
surgiram os primeiros MP3 players com memria flash, cuja capacidade de armazenamento
chegava a somente 1Gb (umgigabyte). Dado o avano considervel nesse campo, o mercado
da telefonia celular caminhou no sentido da reduo dos aparelhos, aumento significativo da
capacidade de armazenamento de dados e insero de novas funes, como acesso internet e
cmera fotogrfica.
Em 2002, a instituio ETC Group, por ocasio da publicao de um estudo,afirmou que em 2012 todo o mercado de informtica (eletrnicos, magnticos e ticos
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inclusos) seria dependente de nanomateriais (GREENPEACE..., 2003: 22). Tal previso vem
se mostrando acertada na medida em que os recentes lanamentos da rea da informtica, em
sua grande maioria, utilizam a nanotecnologia. Modernos microprocessadores, memrias
flash, microchips e monitores em LCD (cristal lquido), atualmente, dependem de nanotubos
de carbono para que sejam produzidos.
Nanomateriais tambm so utilizados pela engenharia, na produo de
revestimentos e superfcies. Nanopartculas de dixido de silcio so largamente utilizadas em
vidros, dada a sua capacidade de absorver a luz, gerando, assim, propriedades anti-reflexos.
Vidros revestidos de dixido de titnio ativado, por sua vez, possuem propriedades auto-
limpantes e anti-bacterianas. Nanopartculas de cermica tm sido utilizadas no aumento da
resistncia das tintas de automveis, enquanto as de argila as deixam mais leves, resultando
em economia de combustvel e natural benefcio ao meio ambiente (THE ROYAL..., 2004:
11).
Alm de revestimentos em nanoescala e tintas, nanomateriais tambm esto
presentes em lubrificantes. Nanopartculas de cido brico diminuem consideravelmente o
atrito entre superfcies e se mantm quimicamente estveis quando misturadas em leos de
uso industrial.
Como mencionado anteriormente, nanotubos de carbono constituem uma grande
evoluo na indstria da informtica. No obstante, j so vislumbradas algumas aplicaes
de tal matria-prima em maior escala. Por possurem propriedades mecnicas de grande
importncia, como resistncia e leveza (chegam a ser cem vezes mais resistentes do que o ao,
com um sexto do peso), os nanotubos de carbono vm sendo estudados como potenciais
substitutos de compostos atualmente utilizados, como ligas metlicas e fibras de carbono. Isto
influenciaria sobremaneira a produo de automveis e a construo de aeronaves
(GREENPEACE..., 2003: 15).
Os avanos nanotecnolgicos podem trazer mudanas substanciais no setor
energtico, principalmente em termos de iluminao, armazenamento, gerao e economia de
energia. No que diz respeito iluminao, mudanas significativas so esperadas no setor
para os prximos dez anos. Semicondutores utilizados na fabricao de diodos emissores de
luz podem ser esculpidos em nanoescala, o que deve levar reduo de mais de 10% do
consumo de energia em todo o mundo (GREENPEACE..., 2003: 27).
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O armazenamento e a gerao de energia tambm se tornaram mais eficientes.
Nanopartculas de on ltio contriburam para a reduo no tamanho e aumento da capacidade
dos dispositivos de armazenamento. Na fabricao de clulas fotoeltricas capazes de gerar
energia a partir da luz do Sol polmeros e clulas nanocristalinas aumentam a eficincia e a
reduo de custos dos materiais. Por conta da grande rea de superfcie, possibilitam o
aumento da absoro de energia a partir da utilizao de menor espao (GREENPEACE...,
2003: 30).
Em relao ao contato das partculas com os seres humanos, isso ocorre,
essencialmente, de trs maneiras: se inaladas, engolidas ou absorvidas pela pele. Para essas
trs vias, o organismo humano possui defesas naturais contra matrias a ele estranhas.
As vias areas, por exemplo, possuem protees naturais contra a penetrao de
resduos slidos. Os plos das fossas nasais e o muco impedem a entrada de partculas
maiores, que so expulsas atravs da garganta durante a respirao. As que eventualmente
chegam ao tecido pulmonar onde ocorrem trocas gasosas so absorvidas por fagcitos cuja
funo primordial expulsar matria estranha ao organismo e levadas a ndulos linfticos.
No obstante, tais funes podem ser prejudicadas se a quantidade de partculas absorvidas
for excessiva. Inflamao e degenerao do decido pulmonar, pneumonia e cncer de pulmo,
so algumas das possveis conseqncias da absoro de resduos slidos pelo sistema
respiratrio (THE ROYAL..., 2004: 38).
A pele protegida por uma camada de clulas mortas (epiderme) e coberta por
uma camada de gordura, que ajuda a repelir lquidos. Abaixo da epiderme, uma camada de
clulas vivas (derme), possui terminaes nervosas e vasos sanguneos. Quando da ocorrncia
de infeces por bactrias ou quaisquer outros danos pele, tais vasos possibilitam a chegada
de clulas que levam a processos inflamatrios e reparadores do tecido danificado (THE
ROYAL..., 2004: 38).
O sistema intestinal, ao contrrio do pulmo e da pele, possui como funes
primordiais a quebra e absoro de partculas. O alto grau de acidez do estmago, que
possibilita a digesto de alimentos, tambm funciona como microbicida, evitando que o
organismo seja contaminado. O intestino, por sua vez, produz muco e enzimas digestivas,
alm de uma grande quantidade de vasos sanguneos e linfticos que desempenham as
funes de proteo mencionadas anteriormente (THE ROYAL..., 2004: 38).
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A despeito do perfeito funcionamento de tais mecanismos de defesa e da prvia
existncia de nanopartculas naturais, novos questionamentos devem ser feitos quando da
absoro de nanopartculas artificiais. Com o tamanho reduzido, alto grau de reatividade e
grande rea de superfcie, materiais que seriam considerados inofensivos podem representar
um grande perigo para os seres humanos. Como tais partculas se comportam no organismo?
Quais os efeitos nocivos da absoro de nanopartculas pelo corpo humano? O destino
comum de todas as partculas a corrente sangunea? possvel, se presentes na corrente
sangunea, a absoro destas pelos rgos?
Nanopartculas, se inaladas, podem causar danos completamente diferentes dos
causados por partculas de maiores tamanhos. Em primeiro lugar, dado o seu tamanho
reduzido, nanopartculas podem penetrar mais profundamente nos pulmes. Existem
evidncias cientficas de que determinadas partculas escapam defesa do sistema respiratrio
e, ao atingirem os alvolos (onde ocorrem as trocas gasosas), penetram na corrente sangunea.
Alm da possibilidade de penetrao de nanopartculas na corrente sangunea e do acesso
irrestrito aos demais rgos, o sistema respiratrio pode ser danificado pela simples presena
das mesmas. Isto devido ao fato de que matrias que eram consideradas inofensivas quando
em maior tamanho, podem ser consideradas perigosas quando em nanoescala, a exemplo do
ltex.
Tal nocividade conseqncia direta de dois fatores. O primeiro, relativo
sobrecarga dos fagcitos (clulas encarregadas de eliminar matria estranha ao sistema
respiratrio). Isto ocorre quando os invasores excedem a capacidade de defesa das clulas.
Como conseqncia, h inflamaes nos tecidos pulmonares e o enfraquecimento do seu
sistema imunolgico, o que deixa o organismo mais propenso a infeces (SWISS
REINSURANCE..., 2004: 16).
A reatividade dos nanomateriais, a depender do seu revestimento, pode causar
danos qumicos ao tecido que com eles estiver em contato. Tal reatividade devida presena
de radicais livres, que so tomos que possuem um nmero reduzido de eltrons. Estes
tomos furtam eltrons de clulas vizinhas para aperfeioar sua prpria estrutura, criando,
assim, outro radical livre. Este novo radical livre tambm ir furtar eltrons das outras
clulas, e assim por diante, gerando uma reao em cadeia. A formao de radicais livres
comum em um organismo saudvel, onde existem, inclusive, enzimas responsveis pela sua
eliminao. Porm, tais processos ocorrem localmente e em um ambiente quimicamente
equilibrado. Os radicais danosos, cujos efeitos so intensificados por fatores exgenos
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(nanopartculas reativas, radiao, raios solares, e.g.), prejudicam tal equilbrio qumico do
organismo e podem contribuir para a formao de tumores (SWISS REINSURANCE..., 2004:
16).
A possibilidade de absoro de nanopartculas pela pele ainda objeto de debate
entre especialistas. Como mencionado anteriormente, o mercado de cosmticos, protetores
solares e bronzeadores que utilizam nanomateriais crescente. Contraditoriamente, a cincia
ainda apresenta resultados inconclusos: de um lado, afirmado que nanopartculas
previamente marcadas foram encontradas na corrente sangunea, enquanto outras pesquisas
apontam no sentido de que tais materiais no conseguem sequer ultrapassar a camada mais
superficial da pele (SWISS REINSURANCE..., 2004: 19).
A terceira via de acesso ao corpo humano o trato intestinal. O sistema digestivo
possui duas funes bsicas: ingesto de alimentos e expulso de matrias indesejadas pelo
organismo. As substncias desejadas so digeridas por enzimas e absorvidas pelas clulas
do intestino, enquanto as nocivas ao organismo so mantidas no trato intestinal e eliminadas
na forma de fezes ou pela via dos ndulos linfticos.
Nanopartculas so absorvidas pelas placas de Peyer, que consistem em ndulos
de tecidos linfticos associados ao intestino. Estes ndulos absorvem partculas maiores embolhas e as transporta aos vasos linfticos, onde so eliminadas pelo organismo. O problema
relacionado aos nanomateriais que estes, ao penetrarem no sistema linftico, podem chegar
corrente sangunea (SWISS REINSURANCE..., 2004: 20).
Quando as nanopartculas transpem a barreira de tais rgos de acesso ou quando
so inseridas deliberadamente na corrente sangunea (medicamentos e contrastes), uma nova
srie de questionamentos emerge. Partculas estranhas, quando presentes no sistema
circulatrio, so absorvidas por fagcitos especializados e so expulsas do organismo.Entretanto, tal regra no se aplica aos nanomateriais. Nanopartculas de tamanho inferior a
200nm no so absorvidas por fagcitos, mas, surpreendentemente, por clulas que sequer
desempenham a funo de defesa. Uma vez absorvidas por tais clulas (glbulos vermelhos,
e.g.), podem transitar pelo organismo de maneira livre e irrestrita. Corao, medula, ovrios,
fgado, msculos e at mesmo o crebro o mais protegido rgo do corpo humano so
penetrados, sem maiores dificuldades, por nanopartculas presentes no sangue (SWISS
REINSURANCE..., 2004: 22).
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Nanomateriais que atingem a corrente sangunea se acumulam, principalmente, no
fgado. A sua presena pode desencadear processos inflamatrios, leses ao seu tecido e, a
depender do grau de reatividade das nanopartculas, tambm possvel que se formem
tumores.
Em virtude das tcnicas de produo e da grande disseminao dos nanomateriais,
estes podem ser despejados na gua ou no ar e, em ltima instncia, o solo e os lenis
freticos podem ser atingidos. Alm disso, nanopartculas vm sendo utilizadas, cada vez
mais, em materiais descartveis, o que torna inevitvel o seu contato com o meio ambiente
quando estes so reciclados ou eliminados como lixo. Por constiturem uma nova classe de
materiais no-biodegradveis, as conseqncias para o meio ambiente e o seu comportamento
a longo prazo so difceis de prever.
Em que pese a inexistncia de certezas cientficas acerca do comportamento das
nanopartculas no meio ambiente, possvel imaginar alguns cenrios a partir do
conhecimento j produzido acerca das demais formas de poluio. No que diz respeito
possibilidade de disseminao atmosfrica, por exemplo, estudos sobre poluio indicam que
o nmero de partculas ultrafinas no ar est diretamente relacionado ao ndice de mortalidade
da populao. As partculas estudadas, contudo, eram oriundas do diesel, cujas tendncias
naturais so de agregao e repouso. Por outro lado, nanopartculas artificiais permanecem no
ar por muito mais tempo, o que pode agravar a disseminao, alm de serem nocivas aos
humanos.
Nanopartculas tambm podem contribuir para o aumento da distribuio de
poluentes no solo. Esta concluso foi obtida atravs da observao dos colides, cujas
propriedades permitem a sua unio com poluentes insolveis em gua e metais pesados. Por
serem menores e apresentarem maior rea de superfcie, uma maior quantidade de poluentes
pode se unir s nanopartculas, sendo absorvidos em maior quantidade e em maior velocidade
pelo solo (SWISS REINSURANCE..., 2004: 29).
A partir das incertezas cientficas, emergem cenrios mais pessimistas. O que
aconteceria se nanopartculas altamente txicas fossem espalhadas pelo meio ambiente? Seria
possvel retir-las de circulao? Haveria alguma possibilidade de remov-las da gua, solo
ou ar?
A eliminao de nanopartculas do meio ambiente um grande desafio para oscientistas, j que os procedimentos at ento estudados so de alto custo e inadequados para a
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utilizao em larga escala. A remoo de nanopartculas dos lquidos, por exemplo, s
possvel atravs de centrifugao ou ultrafiltragem. No primeiro procedimento, partculas so
separadas atravs da fora centrfuga oriunda de altas rotaes. Na ultrafiltragem, lquidos so
pressionados contra uma membrana semipermevel (SWISS REINSURANCE..., 2004: 30).
Filtros de purificao atualmente utilizados em prdios e fbricas possuem poros
grandes demais para a reteno de nanopartculas. Problemas relativos presso do ar e ao
bloqueio dos poros por partculas maiores devem ser superados para que os nanomateriais
possam ser retidos.
Neste cenrio de ausncia de certeza cientfica (ou, pelo menos, de certezas
cientficas contraditrias) em torno dos riscos relacionados nanotecnologia, emerge o debatesobre a invisibilidade do tema para o discurso jurdico, anonimato este parcialmente resultante
das lacunas de conhecimento quanto s tecnologias infinitesimais.
4. O Direito Ambiental brasileiro em face dos riscos e incertezas da nanotecnologia
O desenvolvimento econmico e industrial opera de maneira cclica. Uma anlise
histrica dos dados demonstra que este marcado por grandes picos e vales, que
representam momentos de grande expresso econmica acompanhados por momentos de
recesso. A partir dos estudos de Schumpeter, foi possvel verificar que os ciclos econmicosso consubstanciados em processos de destruio criativa. Tais processos explicam a
dinmica dos ciclos atravs de ondas de inovaes que revolucionam a estrutura econmica
vigente. Impulsionadas pela concorrncia, estas ondas fazem com que os novos produtos,
processos e mtodos de organizao industrial se sobreponham aos antigos. Referidas
inovaes esto relacionadas principalmente a novos bens de consumo, novos mtodos de
produo ou transporte, novos mercados e novas formas de organizao industrial (SANTOS
JUNIORet. al., 2008: 6).
O carter cclico da economia est diretamente relacionado atividade cientfica.
Nas dcadas de 1970 e 1980, Freeman e Perez notaram que o processo inovador no modifica
somente as estruturas econmicas vigentes, mas todo o aparato institucional estabelecido,
mudando a forma do progresso tecnolgico em um sentido amplo e construindo um novo
paradigma tcnico-econmico. A difuso deste novo paradigma abrange todo o sistema
econmico, envolvendo fatores sociais, polticos, ambientais e culturais (SANTOS JUNIOR
et. al., 2008: 6).
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Freeman e Perez identificaram cinco ondas na histria do capitalismo, cada uma
com a presena de um paradigma diferente, onde se pode identificar um fator-chave, isto ,
um insumo que serve como base para o desenvolvimento de novos produtos e processos. Para
que um novo paradigma tcnico-econmico desloque o antigo completamente, tornando-se o
eixo central do crescimento das inovaes tcnicas, sociais e gerenciais, necessrio que
satisfaa trs condies: custos decrescentes, incremento na oferta e aplicaes penetrantes
(SANTOS JUNIORet. al., 2008: 8).
A mais recente onda do capitalismo caracterizada pela informacionalizao da
economia, em que ganha destaque a introduo generalizada da informtica e de novos
materiais de origem qumica ou bioqumica. Para Capella, a introduo de novos
componentes e a adoo de novas formas organizativas para desenvolver os processos
econmicos em combinao com estes caracterizam a terceira revoluo industrial
(CAPELLA, 2002: 240).
As novas tecnologias e os novos materiais permitem uma diferenciao e
especificao produtiva at ento impensada, o que proporciona indstria um alto grau de
flexibilidade e capacidade de adaptao s exigncias tcnicas, bem como a criao de novas
necessidades at ento inimaginveis. As novidades organizacionais introduzidas possibilitam
a superao da barreira estatal pelo capital e aumentam drasticamente a sua concentrao,
bem como o poder e a capacidade de deciso das empresas transnacionais (CAPELLA, 2002:
241).
O desenvolvimento econmico aliado s novas tecnologias dentre elas, a
nanotecnologia inaugura um novo paradigma tcnico-econmico. Este paradigma,
caracterizador da sociedade de risco onde a modernizao, em seu sucesso, ameaa a
existncia humana , inicia um processo de destruio criativa cujas conseqncias
institucionais so bastante profundas.
A falncia dos instrumentos de securitizao resultante, em grande parte, do
desenvolvimento da prpria modernizao, faz com que as instituies de controle e o dogma
da infalibilidade tecnolgica sejam deslocados para o terreno da falha de segurana e
incapacidade de previso. A pretenso da cincia de averiguar os riscos de acordo com a
lgica de preveno do acidente frustrada pelas suas novas caractersticas, tais como a
invisibilidade, a incerteza e a irreversibilidade de suas conseqncias (LEITE & AYALA,2004: 19).
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Os mecanismos de explicao e justificao dos riscos na sociedade
contempornea esto inseridos num quadro de irresponsabilidade organizada, o que leva a
uma legitimao da no-imputabilidade das ameaas e a legalizao das contaminaes. Em
que pese o ocultamento social e institucional dos responsveis, das causas e das
conseqncias dos riscos, o mesmo no ocorre com os seus efeitos secundrios. Estes
rompem a barreira da invisibilidade social gerada pela selva institucional e se revelam no
cotidiano das relaes sociais e dos debates pblicos acerca dos efeitos dos riscos de graves
conseqncias. O fenmeno da irresponsabilidade organizada representa com clareza a
ineficcia da produo normativa enquanto instrumento para o enfrentamento da crise
ambiental. Concomitantemente, expe os desafios impostos ao Direito Ambiental na
sociedade de risco quando da necessidade de enfrentamento de uma crise ambiental queadquire novos contornos (LEITE & AYALA, 2004: 21).
Diante da insuficincia dos instrumentos (ou procedimentos) institudos para a
proteo do ambiente e enfrentamento da crise ambiental, surge a necessidade de correo
deste quadro. Tais modificaes dizem respeito, principalmente, maneira como o Direito do
Ambiente se relaciona com os problemas ambientais qualificados pelo risco. Para Leite e
Ayala, o Direito Ambiental contemporneo orbita ao redor de trs eixos de argumentao: a
necessidade de adequao aos novos direitos ambientais, a reviso da forma de
funcionamento dos tradicionais processos de deciso e quais os objetivos deste novo Direito
(LEITE & AYALA, 2004: 202-203).
Os novos direitos ambientais so caracterizados, agora, pela recuperao dos
ideais ticos do meio ambiente, bem como uma perspectiva do mundo e da natureza enquanto
ecossistema, dando-se nfase aos ideais de solidariedade e responsabilidade no trato do bem
ambiental. Assim, pode-se dizer que os direitos ambientais contemporneos so direitos de
contribuio, isto , que exigem certos deveres por parte dos seus detentores. Ao mesmo
tempo, tais direitos constituem instrumentos de proteo contra os riscos e no s contra
danos pessoais ou comunitrios (LEITE & AYALA, 2004: 205).
O risco, por sua vez, desafia o Direito Ambiental, levando-o a se questionar sob
que condies esta salvaguarda coletiva e transgeracional pode ser concretizada. O Direito do
Ambiente passa de um direito de danos (preocupado em reparar ou quantificar os prejuzos ao
meio ambiente) para um direito de riscos, cuja principal preocupao evitar a degradao
ambiental (BENJAMIN, 2001: 61).
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Para que o Direito do Ambiente compreenda os problemas ambientais e oferea
solues viveis e suficientes, este deve recorrer, inevitavelmente, ao conhecimento
cientfico. Entretanto, no quadro de incertezas produzidas pela prpria cincia, para que haja a
caracterizao do risco ambiental que j no mais prvia ou previsvel mandados de
proporcionalidade e complexos julgamentos polticos e sociais se tornam extremamente
necessrios (LEITE & AYALA, 2004: 209).
Dada a perda do monoplio da verdade pela cincia, o Direito instado a inserir a
incerteza em sua estrutura epistemolgica, fazendo com que seus institutos, aprisionados em
uma racionalidade marcadamente cientificista e antropocentrista, sejam objeto de reflexo,
crtica e dvida quanto sua potencialidade para tutelar direitos e interesses das geraes
vindouras (CARVALHO, 2008).
Um quadro representativo desta virada epistemolgica por que passa o Direito do
Ambiente pode ser vislumbrado na esfera da tutela jurdica do dano ambiental, onde j no se
exige que este se enquadre na moldura convencional de imputao da responsabilidade. A
percepo da existncia dos riscos invisveis da segunda modernidade tambm leva ruptura
com os requisitos da certeza e atualidade do dano, passando o Direito Ambiental a ser guiado
pela aplicao das suas normas luz do princpio da precauo, onde a dvida e a incerteza
possuem um papel determinante no atuar preventivo (STEIGLEDER, 2004: 142).
No contexto da sociedade de riscos, a ausncia de certezas cientficas acerca
destes no deve postergar a adoo pelo Estado de medidas preventivas. o que contempla a
precauo, que tem como contedo o princpio 15 da Declarao do Rio, cujo texto o
seguinte:
Com o fim de proteger o meio ambiente, o princpio da precauo dever seramplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando
houver ameaa de danos graves ou irreversveis, a ausncia de certeza cientficaabsoluta no ser utilizada como razo para o adiamento de medidaseconomicamente viveis para prevenir a degradao ambiental.
Embora faam parte de uma mesma finalidade, isto , a proteo do meio
ambiente, os princpios da precauo e da preveno diferem no que tange avaliao do
risco que ameaa o meio ambiente. A precauo considerada quando o risco bastante
elevado, de maneira que a certeza cientfica no exigida antes de se adotar uma ao
corretiva, aplicando-se aos casos em que os danos potenciais so duradouros e at mesmo
irreversveis. O princpio da preveno, por outro lado, trabalha com os indicativos tcnicosda iminncia da produo de um dano, certo e definido, indicando a necessidade de medidas
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preventivas anteriores consumao do resultado prejudicial ao ambiente, ou seja, trata-se da
adoo de critrios de antecipao diante de um resultado certo, mas indesejado (VARELLA,
2004).
A figura da precauo traz a exigncia do clculo precoce dos potenciais riscos
para a sade humana anterior ao surgimento do prprio dano. Isto se ope frontalmente
lgica da ao tardia, ou da avaliao posterior, que cientificamente rigorosa, porm
impotente. Mesmo assim, agir antecipadamente sobre os riscos cuja existncia sequer est
comprovada e cujas conseqncias potenciais so pouco compreendidas envolve um dilema.
Em primeiro lugar, h a possibilidade de comprometer custos elevados e impor desgastes s
pessoas, grupos particulares ou para toda a coletividade, bem como fechar as portas ao
desenvolvimento econmico e tecnolgico. Por outro lado, possvel que se deixe evoluir, de
maneira irreversvel, tecnologias que venham a oferecer riscos inimaginveis sade humana
e ao meio ambiente (GODARD, 2004: 164).
Com o princpio da precauo, o comportamento judicial de tolerncia do dano
substitudo pelo de vigilncia e prudncia. Enquanto vetor interpretativo, tal princpio orienta
a atuao dos instrumentos processuais cautelares, provimentos liminares e inibitrios, bem
como os instrumentos de responsabilizao, introduzindo a inverso do nus da prova em
matria ambiental. luz do princpio da precauo, j no cabe mais aos titulares dos direitos
ambientais provarem a ofensividade de determinados empreendimentos levados apreciao
do Poder Pblico. Aos potenciais degradadores, por outro lado, cabe provar a inofensividade
da atividade proposta.
Esta racionalidade coaduna-se com a nanotecnologia, na medida em que se trata
de atividade ainda envolta em incontveis dvidas, especialmente quanto assimilao de
seus riscos pelo Direito Ambiental e a projeo deles para uma dimenso temporal futura.
5. Tutela jurdica do dano ambiental futuro
Os efeitos de uma ao contra o meio ambiente no so imediatamente aparentes.
A avaliao das conseqncias nocivas de determinada ao depende, necessariamente, do
estgio do conhecimento cientfico no momento da sua prtica, o que denota a necessidade do
constante dilogo entre o Direito e outras cincias. Com o passar do tempo e na medida em
que o conhecimento cientfico evolui, conseqncias nocivas de contaminaes ocorridas no
passado podem ser verificadas. Por conta disso, os critrios jurdicos para reparao do danodevem ser reformulados, agora luz dos princpio da precauo.
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A ruptura com o requisito da atualidade do dano faz parte da preocupao com o
futuro e da percepo da existncia de riscos invisveis, caracterizados pela imprevisibilidade
das suas conseqncias, tpicos da sociedade de risco. Tais riscos, mesmo separados dos seus
efeitos nocivos pelo seu contedo, espao e tempo, agora so unidos por um liame causal que
no era perceptvel a priori. Sob influncia do princpio da precauo, o reconhecimento do
dano futuro tambm traz tona a discusso acerca da responsabilizao sem dano, onde se
busca a supresso do fator de risco existente, ao invs da indenizao (GODARD, 2004: 143).
Danos futuros so os danos certos, mas ainda no concretizados quando da
observao do local impactado. Reconhecer o dano futuro perceber que o dano ambiental
possui carter dinmico, cujos efeitos se dilatam a longo prazo. Tais danos devem ser aferidos
a partir de um juzo de probabilidade cientfica sobre sua ocorrncia, embora seja necessrio,
s vezes, recorrer presuno de ocorrncia de determinado dano enquanto desdobramento
normal de uma situao especfica. A ttulo exemplificativo: um foco de poluio gerada pela
infiltrao de um aterro sanitrio ser muito mais grave no futuro, quando o lenol fretico
localizado a quilmetros de distncia do foco inicial estiver contaminado. Embora os efeitos
do dano ambiental se manifestem em tempo futuro e incerto, este no pode ser excludo do
ressarcimento (GODARD, 2004: 144).
Tambm deve ser considerada a possibilidade de reparao dos danos potenciais.
Reconhecer tal possibilidade significa afastar o dogma da segurana jurdica e passar
aplicao do princpio da precauo. Os danos potenciais no se limitaro aos efeitos j
conhecidos dos danos futuros, abrangendo os efeitos meramente provveis a partir do
conhecimento cientfico disponvel poca. O mecanismo de responsabilidade, em tais casos,
materializa-se na adoo de medidas preventivas que obriguem a interrupo da atividade
poluidora e a retirada, na medida do possvel, das substncias contaminantes (GODARD,
2004: 147).
A idia de dano ambiental futuro dialoga com a emergente sociedade,
caracterizada que pela produo de riscos invisveis e globais, que se protraem no tempo e
desconhecem fronteiras geopolticas. A autoconfrontao entre as condies de
desenvolvimento dessa sociedade de risco e seu potencial autodestrutivo reivindica, portanto,
uma nova compreenso da tutela jurdica ambiental, afinada com o princpio da precauo e
mais adequada gesto dos riscos antes de sua concretizao em danos (CARVALHO, 2008:
163).
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Trata-se, mais uma vez, da construo de vnculos com o futuro (GIORGI, 1998)
como condio para a imputao da responsabilidade civil objetiva (Lei 6.938/81, art. 14,
pargrafo 1), agora sem dano. Nesse ponto, considerando que a Constituio Federal inseriu,
no caputdo art. 225, as geraes vindouras como destinatrias da proteo jurdica do meio
ambiente, fixar o comprometimento do Direito Ambiental com o futuro apresenta-se como
condio estrutural operacionalizao jurdico-dogmtica do risco por meio da definio de
dano ambiental futuro. Tal categoria, portanto, acarreta a fragilizao da certeza da
concretizao do dano e do dogma da segurana jurdica para incidncia da responsabilidade
civil (CARVALHO, 2008).
Examinadas tais questes, tem-se por relativa a adequao dos instrumentos ora
institudos para a salvaguarda dos novos direitos relacionados tutela jurdica do meio
ambiente. Contudo, possvel verificar, quando trazidos tona os potenciais riscos da
nanotecnologia, a obsolescncia dos mecanismos jurdico-processuais tradicionais. Eles
podem, podem muito, mas no podem tudo, especialmente quando se tem em conta os limites
e possibilidades do conhecimento cientfico frente aos riscos de graves conseqncias.
Nesta situao, questiona-se: como pensar a aplicao do princpio da precauo
no contexto das incertezas cientficas relativas nanotecnologia? Como garantir a
responsabilizao por danos futuros ou potenciais resultantes da utilizao de nanomateriais?
E quanto dimenso participativa do Direito Ambiental contemporneo?
6. A invisibilidade da nanotecnologia para o Direito Ambiental brasileiro
Segundo Ulrich Beck, a construo social dos riscos est ligada diretamente
criao de respostas institucionais para os perigos. Mesmo diante da desmistificao da
racionalidade tcnica, o conhecimento cientfico ainda possui um papel determinante no
processo de construo social dos riscos. O monoplio do juzo cientfico sobre a verdadeobriga os afetados a fazerem uso dos seus meios e mtodos de anlise para a consecuo de
seus objetivos no que tange, principalmente, gesto dos riscos. A nanotecnologia j
considerada, para alguns cientistas, como uma atividade potencialmente causadora de danos
ambientais e sade humana.
Entretanto, a ausncia de respostas institucionais para seus potenciais riscos faz
com que ela permanea invisvel aos instrumentos de proteo, situao absolutamente
contraditria face s contingncias das aplicaes nanotecnolgicas que pressupem
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interpretao tica e atualizao dos marcos jurdicos como condies proteo dos direitos
fundamentais envolvidos na problemtica (MORENO, 2009).
Atualmente, a nanotecnologia carece de regulamentao especfica. No h
nenhuma legislao federal que verse sobre a matria, tampouco precedentes jurisprudenciais.
E o debate acadmico ainda incipiente. Essas ausncias significam regresso aos
instrumentos ortodoxos de proteo ambiental. O estado de invisibilidade da nanotecnologia
para o ordenamento jurdico, na medida em que no h sua institucionalizao, deixa a
atividade merc de instrumentos insuficientes diante da realidade criada pelas tecnologias
convergentes, tpicas da sociedade de risco.
Estes fatores demonstram o desafio imposto ao Direito quando da necessidade deconcretizao de instrumentos de proteo em face de ameaas que sequer por ele foram
reconhecidas. Num retorno perspectiva proposta por Beck: se o reconhecimento dos riscos
corresponde institucionalizao dos perigos e oferecimento de respostas para estes, isto
significaria dizer, diante da inexistncia destas, que os riscos no so reconhecidos pelo
Direito como tais, a despeito de oferecerem ameaas sociedade.
Esta invisibilidade dos riscos gerada a partir das suas qualidades diferenciadas e,
sobretudo, a partir do seu no reconhecimento pela sociedade e pelos instrumentos deproteo, faz com que haja um retorno insegurana, era das ameaas desconhecidas,
criando um novo reino das sombras. Para Ulrich Beck, estar merc de riscos
desconhecidos comparvel aos deuses e demnios da antiguidade, que se escondiam por
detrs do mundo visvel, pondo em perigo a vida humana (BECK, 1997).
Os riscos da segunda modernidade, quando reconhecidos como tais, impem ao
Direito a necessidade de apresentar respostas em contextos de incerteza. A nanotecnologia,
por outro lado, faz transparecer a j obsolescncia dos instrumentos de que lana mo oDireito quando da tentativa de oferecer respostas segunda modernidade e seus
desdobramentos. No s pela simples existncia dos riscos desconhecidos, mas
principalmente pela possibilidade de sua institucionalizao tardia e irreversibilidade de suas
conseqncias. Em se tratando da nanotecnologia, sua vasta gama de aplicaes e a sua
penetrao nos mais diversos setores da produo e do consumo impossibilitam qualquer
tentativa no sentido de retirar de circulao os nanomateriais ou responsabilizar quem os
introduziu sem os devidos cuidados.
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O paradoxo jurdico reside justamente na tentativa de controlar as tecnologias
convergentes ainda agrilhoado a categorias tericas tpicas da sociedade industrial. O fosso
entre os instrumentos de natureza principiolgica e processual provenientes da primeira
modernidade e os conflitos advindos das inovaes tecnolgicas fragiliza a apropriao
jurdica do tema dos riscos ambientais e mitiga o mbito de proveito ecolgico do Direito.
Quer dizer, quanto mais o Direito operar em contextos lineares de racionalidade limitada,
desconsiderando a complexidade dos riscos ambientais e negando a parcialidade e as
incertezas que permeiam o conhecimento cientfico, menor ser a possibilidade de
juridicizao de situaes de risco, como a nanotecnologia (CARVALHO, 2008).
Nesse sentido, o princpio da precauo, como ora exposto, tem fundamental
importncia, pois trata, na sua essncia da adoo de medidas preventivas em contextos de
incerteza. A partir do momento em que o ordenamento jurdico adota uma postura permissiva,
isto , admitindo a insero de nanomateriais de forma no refletida na sociedade, resta
flagrante a inobservncia do referido princpio. importante a lio de Raffaele de Giorgi no
sentido de que os princpios consistem em premissas que adquiriro realidade somente
quando da sua aplicao, isto , atravs da sua construo na prxis decisria (GIORGI, 1998:
158). Enquanto existirem riscos que passam ao largo do debate jurdico, tais princpios
consistiro, somente, em premissas.
Atualmente, no Brasil, difcil associar a nanotecnologia idia de cidadania.
No permitido ao cidado participar da vida poltica por conta do seu desconhecimento
acerca do assunto. O debate pblico se faz necessrio na medida em que deve ser garantido
sociedade o direito de exigir avaliaes sobre segurana alimentar, sade e impactos
ambientais relacionados nanotecnologia (NUNES & GUIVANT, 2008: 10). Ao consumidor
deve ser assegurado o direito de escolha, principalmente quando o produto consumido pode
gerar riscos sua sade. No nvel do indivduo, um componente fundamental no seu dia-a-dia
o da escolha. Entretanto, lembra Giddens, no s so seguidos estilos de vida como em
determinado momento os indivduos so obrigados a faz-lo. No h escolha seno escolher
(GIDDENS, 1997: 79).
O Direito continua atuando com instrumentos, teorias e matizes epistemolgicos
ortodoxos que no so condizentes com o novo modelo de Estado Ambiental e da sociedade
de risco. Isto tem como conseqncia, alm da dificuldade de tomada de deciso em se
tratando de novos riscos, a no institucionalizao de outros. Diante das incertezas que
emanam da sociedade contempornea, o Direito deve estar pronto para oferecer respostas em
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contextos de grande instabilidade, bem como institucionalizar determinados riscos de maneira
eficiente. Esta ameaa trazida pela nanotecnologia aos pilares da lgica e racionalidade sobre
os quais repousa o Direito denota a necessidade de elaborao de um novo paradigma que
venha a controlar a modernidade de riscos e assegurar uma nova segurana social e jurdica.
Consideraes finais
Na sociedade global do risco, a radicalizao da modernizao faz com que a
cincia se torne concausa dos riscos de graves conseqncias. A cincia, que outrora era tida
como instncia de legitimao do saber, adentra ao campo da incerteza, pondo em xeque todo
o sistema institucionalizado de clculo de efeitos colaterais e riscos. Estes riscos, advindos das
incertezas produzidas pela prpria cincia, apresentam novas caractersticas que fogem percepo sensorial e delimitao espacial ou temporal.
A nanotecnologia, enquanto uma das tecnologias representativas do novo
paradigma tcnico-econmico inaugurado pela sociedade de risco (tecnologias convergentes),
tem permitido uma especificao e diferenciao produtivas at ento impensadas.
Nanomateriais esto presentes em alimentos, cosmticos, eletrnicos e medicamentos, no
sendo possvel delimitar, com exatido, em que propores estes j esto presentes na vida
dos seres humanos. Em que pese a sua grande insero na linha de produo e consumo, ananotecnologia ainda no possui um papel significativo na agenda de debates pblicos acerca
dos seus riscos sade humana ou ao meio ambiente.
As incertezas manufaturadas levam o aparato institucional produzido na primeira
modernidade a um quadro de severo atordoamento. Todos os instrumentos de controle e
proteo dos riscos, outrora construdos sobre as bases das certezas cientficas e apegados
racionalidade tcnica, agora esto s voltas com riscos cuja prpria existncia incerta, mas
cujas conseqncias so extremamente danosas. Em virtude disso, estudos cientficos passama conduzir seus resultados em consonncia com os interesses econmicos e o Estado, por sua
vez, institucionaliza tais estudos, gerando um quadro de irresponsabilidade organizada.
Cabe ao Direito Ambiental, assim, uma reformulao dos seus instrumentos de
proteo, um repensar de sua prpria epistemologia. Agora, tais instrumentos voltam-se s
novas configuraes do direito ao ambiente, permeado pelos valores ecossistmicos e de
solidariedade intergeracional, e principalmente contemplando os elementos da incerteza e do
risco. Nesse esforo, apresenta-se o princpio da precauo, segundo o qual as incertezascientficas no devem postergar a adoo de medidas preventivas pelos Estados. Enquanto
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desdobramentos do referido princpio, novos delineamentos foram dados aos institutos da
responsabilizao civil por dano ambiental, considerando-se, para efeitos de
responsabilizao, os danos futuros e potenciais.
Tais mudanas denotam a tentativa do Direito Ambiental em se adaptar aos novos
desafios impostos pela sociedade global do risco. Entretanto, estas medidas possuem pouca ou
nenhuma efetividade enquanto existirem riscos, como a nanotecnologia, que sequer so
reconhecidos como tais.
A invisibilidade dos riscos gerada por suas qualidades diferenciadas e,
principalmente, em face de seu no reconhecimento pela sociedade e pelos instrumentos de
proteo, gera o retorno insegurana da era das ameaas desconhecidas. A permanncia dananotecnologia margem do debate jurdico significa ficar merc dos mesmos instrumentos
de proteo ambiental que, a priori, no ofereceram respostas cleres e eficientes o bastante
para as questes relativas nanotecnologia. O princpio da precauo, que tem sua razo de
ser fundada no agir preventivo, no fora observado. A responsabilizao por danos futuros ou
potenciais de todos os responsveis pela difuso de nanomateriais improvvel, diante da
grande diversidade de aplicaes envolvidas. Retirar de circulao todos os produtos que
utilizam nanomateriais tambm invivel.
Desta forma, a nanotecnologia faz transparecer a obsolecncia dos instrumentos
de proteo ambiental e a inrcia da teoria (e dos tericos) jurdica. No somente no que diz
respeito necessidade de apresentar respostas em contextos de incerteza, mas tambm quando
se trata da necessidade de institucionalizar e inserir na agenda de debates pblicos questes
relativas aos riscos ambientais. Atualmente, no permitido ao cidado participar da vida
poltica por conta do seu desconhecimento acerca do assunto. Os indivduos tm o seu direito
de escolha cerceado diante da omisso estatal.
O Direito Ambiental contemporneo continua prevalentemente aprisionado aos
instrumentos, teorias e matizes epistemolgicos que no so condizentes com os novos
delineamentos da sociedade que emerge da segunda modernidade. A permanncia da
nanotecnologia margem do Direito, por sua vez, ameaa os pilares epistemolgicos da
lgica e da racionalidade sobre os quais este foi construdo. Indispensvel, ento, uma
reformulao dos seus paradigmas, com vistas a assegurar uma nova segurana jurdica e
social.Referncias
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