o direito À saÚde pÚblica para estrangeiros nas … · direito da ufms e professora da escola...
TRANSCRIPT
O DIREITO À SAÚDE PÚBLICA PARA ESTRANGEIROS NAS
FRONTEIRAS DO MATO GROSSO DO SUL
Lamartine Santos Ribeiro1 Andréa Flores2
Janeska Florence Dassoler Oliveira3
RESUMO O artigo analisa o atendimento de estrangeiros pelo Sistema de Saúde Pública Brasileiro - SUS, considerando os direitos humanos do estrangeiro para destacar sua importância como direito mínimo e irrenunciável. O direito à saúde é conceituado em sua dimensão de direito social fundamental intrinsicamente ligado ao direito à vida. Define-se a amplitude de abrangência do direito à saúde no território brasileiro e a possibilidade de sua destinação a estrangeiros e brasileiros não residentes no país, especialmente considerando os princípios da universalidade e da integralidade do SUS, ressaltando o princípio da dignidade da pessoa humana. Para tanto, é explicitada a gestão compartilhada e o financiamento do SUS com ênfase nos municípios. Como decorrência, necessário entender a dimensão do que é ser estrangeiro no sistema jurídico brasileiro. A pesquisa tem limite geográfico nas fronteiras brasileiras no Mato Grosso do Sul, identificando ainda a demanda de estrangeiros e brasileiros não residentes no país usuários do SUS nestes territórios. Sendo as fronteiras no Mato Grosso do Sul, com a Bolívia e o Paraguai, será desvelado o funcionamento da saúde pública nestes dois países. O Ministério da Saúde tem política voltada para a questão em tela, denominada Sistema Integrado de Saúde nas Fronteiras - SIS-Fronteira, importante a análise que se faz sobre sua criação, objetivos e destinação como forma de solucionar o problema da demanda de estrangeiros que onera as receitas do Estado de Mato Grosso do Sul e dos municípios na faixa de fronteira. Existem conflitos entre a necessidade do equilíbrio financeiro do SUS e os princípios e fundamentos da República Federativa do Brasil que instituem a dignidade da pessoa humana e a promoção da cooperação internacional como vocação solidária do país. Tal conflito implica em despesas nos orçamentos públicos municipais, estaduais e federal, mas também há benefícios no atendimento de saúde, notadamente quanto a integração social entre países. PALAVRAS-CHAVE: Fronteira; Saúde Pública; Paraguai; Bolívia
ABSTRACT
The article analyzes the care of foreigners by the Brazilian Public Health System - SUS, considering the human rights of the foreigner to highlight its importance as a minimum and inalienable right. The right to health is conceptualized in its dimension of 1 Mestre e Doutorando do programa de Desenvolvimento Local em Contexto de Territorialidades pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, Especialista em Direito Penal e Processual Penal - UCDB, Graduado em Direito – Direito, Professor de Graduação e Pós-Graduação da UCDB. [email protected]. 2 Mestre e Doutora em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Professora de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS e da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, professora colaboradora do Programa de Mestrado em Direito da UFMS e professora da Escola Superior da Magistratura do Mato Grosso do Sul - ESMAGIS. 3 Pós-graduada latu sensu em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, Graduada em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB. [email protected].
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
fundamental social law intrinsically linked to the right to life. The scope of the right to health in Brazil is defined and the possibility of its destination to foreigners and Brazilians not resident in the country, especially considering the principles of universality and integrality of the SUS, highlighting the principle of the dignity of the human person. To this end, the shared management and financing of the SUS, with emphasis on municipalities, is made explicit. As a result, it is necessary to understand the dimension of what it is to be a foreigner in the Brazilian legal system. The research has a geographical boundary in the Brazilian borders in Mato Grosso do Sul, also identifying the demand of foreigners and Brazilians who are not residents of the SUS users in these territories. Being the borders in Mato Grosso do Sul, with Bolivia and Paraguay, will be unveiled the operation of public health in these two countries. The Ministry of Health has a policy focused on the question on the screen, called the Integrated Border Health System - SIS-Fronteira, important to analyze its creation, objectives and destination as a way to solve the problem of the demand of foreigners The revenues of the State of Mato Grosso do Sul and the municipalities in the border area. There are conflicts between the need for the financial balance of SUS and the principles and foundations of the Federative Republic of Brazil that establish the dignity of the human person and the promotion of international cooperation as a vocation of solidarity of the country. Such a conflict implies expenditures in the municipal, state and federal public budgets, but there are also health care benefits, notably social integration between countries. KEY WORDS: Border; Public health; Paraguay; Bolivia
1 - Introdução
A busca de integração com países vizinhos, através de mercados comuns como
o Mercosul, demonstra que o Brasil não pode mais ignorar os problemas que envolvem
a região de fronteira e a integração de pessoas. Atualmente, a integração econômica
envolve atenção às pessoas e aos fatores sociais que as circundam, pois somente com
países em condições socioeconômicas semelhantes é que se pode desenvolver um
mercado comum eficiente e benéfico para todas as partes.
Permitir o atendimento de saúde no país demonstra o espírito solidário da
nação brasileira, no qual os próprios brasileiros suportam os custos do atendimento de
todos os seres humanos que aqui buscam serem atendidos. Apesar de a longo prazo isso
representar uma possibilidade a extensão dos direitos de não nacionais a serviços sociais
brasileiros, deve-se ter em conta que o Brasil não pode arcar com gastos maiores que
suas possibilidades, o que representa uma barreira natural ao atendimento da demanda
de estrangeiros.
A união e cooperação estabelecida entre países desenvolvem as relações
econômicas e sociais, com a consequente melhoria dos níveis e indicativos sociais de
todos os povos envolvidos. O Brasil deve estudar as medidas que se coadunem com os
interesses da nação e as alternativas de financiamento para o atendimento irrestrito das
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
pessoas estrangeiras ou residentes nos países de fronteira, através do estabelecimento de
acordos binacionais que equilibrem o sistema e proporcionem o bem-estar dos seres
humanos.
Estas ações afirmativas consistem em uma nova postura que deve ser adotada
em caráter internacional, fortalecendo a cooperação entre as nações para que juntas
ofereçam qualidade de vida e dignidade para todas as populações, independente de
fronteiras.
2 - Estrangeiro
O conceito de estrangeiro é encontrado por exclusão. Todos aqueles que não
são nacionais, são estrangeiros, Neste diapasão, temos que nacionalidade, segundo
Pontes de Miranda apud Mazzuoli (2011,p.665) é “o vínculo jurídico-político que une
permanentemente determinado Estado e os indivíduos que o contrapõe, fazendo destes
últimos um dos elementos componentes da dimensão pessoal do Estado, é o que se
chama nacionalidade” Portanto, nacionais na definição de Accioly, Silva e Casilla
(2010,p.508) “são as pessoas submetidas à autoridade direta de Estado, que lhes
reconhece direitos e deveres e lhes deve proteção além de suas fronteiras. Nacionalidade
é a qualidade inerente a essas pessoas e que lhes dá a situação capaz de localizá-las e
identifica-las na coletividade”.
As pessoas a quem um Estado soberano confere a nacionalidade, a ele estão
ligados em razão dos laços que identificam o ser humano como pertencente a um lugar e
uma sociedade. Desse modo, um ser humano ao se encontrar em Estado que não de sua
nacionalidade é considerado estrangeiro. Ainda em Accioly, Silva e Casilla
(2010,p.511) tem-se que “ao determinar quais são os seus nacionais, o Estado
automaticamente classifica como estrangeiros os demais indivíduos que se encontram
em seu território, quer a título permanente, quer a título temporário, os quais poderão
possuir nacionalidade estrangeira ou ser apátridas, isto é, não possuir qualquer
nacionalidade”. O artigo 12 da Constituição da República Federativa do Brasil é
objetivo ao reconhecer quem são considerados brasileiros: Art. 12. São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; II - naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
Aqueles nascidos fora do território nacional, cujos pais não se encontravam a
serviço do país e que não são naturalizados, são considerados estrangeiros. O Brasil
permite a entrada e permanência dos estrangeiros em território nacional em tempos de
paz, conforme estabelece o artigo 1º do Estatuto dos Estrangeiros, Lei nº 6.815 de 19 de
agosto de 1980. Sendo que o artigo 4º da referida lei disciplina a forma de admissão e
entrada de estrangeiros através dos vistos: de trânsito, de turista, temporário,
permanente, de cortesia, oficial e diplomático.
Independentemente da situação a qual a pessoa se encontre em um país, seja
como nacional ou estrangeiro, esta tem a garantia de ter seus direitos mínimos
respeitados, não devendo ser estabelecidas distinções entre eles. A todos os estrangeiros
deve ser garantida a inviolabilidade da pessoa humana, a liberdade individual e os
direitos civis absolutos. A Constituição brasileira reconhece em seu artigo 5º, caput, a
igualdade de brasileiros e estrangeiros residentes no país e os direitos fundamentais
inerentes a todos os seres humanos. Por sua vez o artigo 95 do Estatuto dos Estrangeiros
reforça tal igualdade ao afirmar que “o estrangeiro residente no Brasil goza de todos os
direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis.
3 - Fronteira
A Constituição brasileira dispõe em seu artigo 20, §2º que fronteira é a faixa de
território que se estende por 150 km a partir da linha do limite territorial com outro país,
sendo “considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e
utilização serão reguladas em lei”. Destaca Mazzuoli (2011,p.715) a seguinte definição: As fronteiras, por sua vez, são zonas espaciais (ou geográficas) bem menos precisas que os limites, de maior ou menor extensão, que correspondem a cada lado da linha estabelecida pelos limites geográficos dos Estados. Mais do que linhas divisórias, as fronteiras são zonas que cristalizam os costumes sociais, econômicos e culturais das coletividades nacionais, representando, muitas vezes, o produto da força do meio natural em que vive determinada coletividade. [...] nelas
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
que os Estados limítrofes empreendem colaboração internacional e trocam serviços administrativos.
Consoante essa definição e conforme dados do Ministério da Saúde, o Brasil
possui uma extensa faixa de fronteira, totalizando 15.719 Km de fronteira com 11
países, abrangendo 11 Estados brasileiros e 121 municípios. Ainda segundo dados do
Ministério da Saúde, em Mato Grosso do Sul, a fronteira é de 1.517 Km de extensão,
com doze municípios localizados nesta área, sendo que dez fazem divisa com o
Paraguai e um com a Bolívia.
Em toda sua extensão a zona de fronteira é marcada por iniquidades sociais,
diversidade cultural, grandes distâncias dos principais polos econômicos do país e
registram problemas característicos e peculiares a sua localização fronteiriça. As regiões
de fronteira também são lugares estratégicos para a defesa nacional e representam os
primeiros avanços no que tange a integração econômica e social de dois Estados
distintos.
Os municípios de fronteira de Mato Grosso do Sul são, em sua maioria, de
pequeno porte, possuindo área urbana contígua ou próxima ao país vizinho. As cidades
que fazem fronteira com outros países em Mato Grosso do Sul são: Mundo Novo,
Japorã, Sete Quedas, Paranhos, Coronel Sapucaia, Aral Moreira, Ponta Porã, Antônio
João, Bela Vista, Caracol, Porto Murtinho, Corumbá. Não há, ao longo dessa extensão,
grandes barreiras que impeçam o deslocamento de um país para outro, sendo comum
nas cidades de fronteira a constante movimentação de pessoas, seja por identidades
culturais, seja pela amizade entre os povos, desenvolvida ao longo da história.
Em razão da distância e do pouco desenvolvimento, estas cidades fronteiriças
encontram sistemas de saúde fortemente dependentes de recursos estaduais e federais. O
Brasil, em relação a seus vizinhos, é um país mais rico e que garante a universalidade do
atendimento de saúde em seu território.
4 - Paraguai e Bolívia
O Paraguai é um Estado unitário, descentralizado, de democracia
representativa, no qual a energia elétrica desempenha um papel importante em sua
economia, graças as usinas hidrelétricas que produzem e exportam energia (Acaray,
Itaipú e Yacyretá). Sua indústria é pouco desenvolvida, havendo forte dependência da
produção agrícola e pecuária. Sua população economicamente ativa prepondera no setor
dos serviços, mesmo com alto grau de informalidade. Além disso, infraestrutura
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
insipiente, alta concentração de renda e consequente iniquidades sociais são fortemente
presentes no país. A população paraguaia, em sua maioria, vive nas áreas urbanas do
país, restando à população que vive distante dos principais centros urbanos uma precária
atuação do Estado em prover serviços essenciais. Todos esses fatores atrasam o
crescimento e o desenvolvimento social do país.
O Paraguai implementou a seguridade social em seu país relativamente tarde,
não possuindo até hoje uma política social bem definida e estruturada. Várias
instituições atuam na solução dos problemas sociais, mas são fortes as iniquidades
sociais e os graves problemas que a população mais pobre enfrenta, principalmente
aquelas que residem na zona rural (BISOTO JUNIOR, SILVA E VALENTIM, 2006)
O modelo de saúde do Paraguai é fragmentado, onde o sistema visa atender a
população de forma integral e equitativa. O Estado desenvolve as políticas de saúde,
regula as instituições e exerce controle geral, cabendo às instituições públicas, privadas
ou mistas, universidades e seguros de saúde, executar ações de saúde para a população.
A organização da saúde no Paraguai, segundo Bisoto Junior, Dain, Silva e Valentim
(2006,p.297), “contempla a descentralização dos serviços por níveis de complexidade,
mediante mecanismos de convênios, contratos e complementação de instituições e
recursos, assim como a coordenação de planos e programas com os municípios e os
governos departamentais”. Existem ainda conselhos locais e regionais de saúde, sendo
que o Conselho Nacional de Saúde, presidido pelo Ministro da Saúde, é responsável por
regular e controlar o setor da saúde no país, o que faz através da Superintendencia
Nacional de Salud, a Dirección Médica Nacional e o Fondo Nacional de Salud.
Já a Bolívia é uma república unitária e democrática que figura como um dos
países mais pobres da América do Sul. Tem sua economia baseada na produção e
exportação de gás natural, na agropecuária, mineração e indústria manufatureira.
O Sistema de Saúde da Bolívia, assim como o do Paraguai, tem suas atividades
executadas pelo setor público e privado e está incluso no Plano Geral de
Desenvolvimento Econômico e Social (PGDES), nestes termos lecionando Geraldo
Bisoto Junior, Pedro Luís de Barros Silva, Sulamis Dain e Joice Valentim (2006,p.245): Atualmente, as atividades relacionadas à saúde estão incluídas no Plano Geral de Desenvolvimento Econômico e Social (PGDES) implementado pelo Plano Estratégico de Saúde (PES) estabelecido pelo Ministerio de Salud y Prevision Social (MSPS). (...) O Sistema Nacional de Saúde da Bolívia é formado pelo conjunto de entidades, instituições e organizações públicas e privadas que prestam serviços de saúde, reguladas pelo MSPS, que é o organismo diretor e
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
normativo da gestão da saúde no nível central, responsável por formular a estratégia, as políticas, os planos e os programas nacionais, assim como por ditar as normas que regem o Sistema Nacional de Saúde.
O sistema de saúde da Bolívia é participativo e descentralizado, no qual cada
município é responsável pela infraestrutura e financiamento da saúde em seu território,
mas são inseridos numa organização em vários níveis de atenção e complexidade.
Organizações não-governamentais administram grandes montantes de dinheiro da saúde
na Bolívia, atendendo uma parcela significativa da população. Entretanto, estes valores
correspondem a investimentos internacionais e não locais, sendo investidos nas regiões
mais pobres do país.
Bolívia e Paraguai apresentam gastos per capita com a saúde muito baixos, o
que influencia diretamente na qualidade dos serviços oferecidos e na busca da
população por serviços de saúde que não encontram em seus próprios países
(OMS,2011).
A distância das cidades fronteiriças do Paraguai e da Bolívia de suas
respectivas capitais é um fator determinante para que os paraguaios, bolivianos e
brasileiros não-residentes no Brasil busquem as cidades vizinhas do lado brasileiro para
receber atendimento de saúde. Soma-se a esta condição o fato de o Brasil garantir a
saúde como direito universal e não exercer políticas fixas fundamentadas em leis
federais para o atendimento, permitindo que cada município estabeleça critérios
próprios que ora podem causar danos aos direitos do homem, ora oneram em demasia o
orçamento municipal.
5 - Saúde nas fronteiras
Para solucionar o impasse do atendimento a estrangeiros e brasileiros não
residentes, o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, criou o programa SIS
Fronteira - Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras – com a Portaria GM/MS nº
1.120, de 06 de julho de 2005, alterada pela Portaria GM/MS nº 1.188, de 05 de junho
de 2006 (BRASIL, 2011). O projeto do Ministério da Saúde destina-se a atender as
necessidades específicas do atendimento de saúde dos 121 municípios de fronteira do
país, aprimorando o sistema e buscando solucionar a questão do atendimento a
estrangeiros e brasileiros não residentes, inclusive (e principalmente) destinando verbas
aos municípios para cobrir os gastos desta demanda específica.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
Os sistemas de saúde das cidades de fronteira enfrentam uma demanda maior
que em cidades não fronteiriças em razão dos estrangeiros e brasileiros não residentes,
sem, porém, um financiamento específico para tais gastos, onerando o município
prejudicando o atendimento à própria população.
Os residentes no país, estrangeiros ou não, são atendidos na fronteira pela
Estratégia de Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde
(PACS), sendo contabilizados nas estatísticas do IBGE e não gerando problemas no
financiamento da saúde nos municípios, enquanto os estrangeiros e brasileiros não
residentes afetam todo o sistema por não aparecerem nas estatísticas oficiais que servem
de critério ao repasse de verbas. A ausência de dados precisos cria cenários inexistentes
sobre a situação de cada município, superestimando determinados problemas ou
maquiando situações sanitárias mais graves (REZENDE, BRANCO E ARAÚJO, 2008).
Ao receber uma pessoa como paciente, o sistema de saúde brasileiro se
compromete a solucionar o problema. Quando o paciente é estrangeiro ou brasileiro não
residente no país, encontra-se dificuldade em se permitir o acesso aos níveis mais
complexos de saúde, causando interrupções no tratamento ou mesmo suspensão, que
podem ocasionar a piora do problema ou, em casos extremos, o óbito em casos mais
agudos ou urgentes.
Ademais, os estrangeiros e brasileiros não-residentes não se limitam à busca de
saúde em cidades fronteiriças, mas também procuram atendimento em cidades maiores
com estrutura mais complexa, o que faz do SIS-Fronteira um passo inicial dentro das
medidas ainda a serem adotadas.
Até meados da primeira década dos anos 2000, o Brasil não possuía uma
política clara quanto ao atendimento de estrangeiros e brasileiros não residentes,
permanecendo esta incerteza nas cidades nas quais o SIS Fronteira não atende e que
lidam com o problema de forma intensa por estarem localizadas em Estados de
fronteira.
6 - Direito à saúde
O artigo 3º, IV da Constituição brasileira traz como um dos objetivos
fundamentais do Brasil a promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos ou
discriminação. A adoção deste objetivo pela nação revela o intuito do Estado brasileiro
de promover o desenvolvimento humano e o respeito à dignidade da pessoa, em
consonância aos direitos fundamentais reconhecidos internacionalmente. O caráter
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
universal dos direitos fundamentais é claro e inequívoco, pois se consubstancia como
inerente à pessoa humana. Portanto, não há limites territoriais que impeça sua
titularidade por qualquer homem.
Já o artigo 5º, caput, da Constituição brasileira positivou a universalidade dos
direitos fundamentais, reconhecendo a brasileiros e estrangeiros residentes a
inviolabilidade de direitos. Mas não só aos estrangeiros residentes devem ser garantidos
o respeito dos direitos fundamentais, pois, como é cediço, em razão de sua condição
humana, estes são tão passíveis de sua titularidade quanto os demais (MAZZUOLI,
2011,p.713-714). O caráter universal dos direitos fundamentais não pode, portanto, ser
mitigado em virtude da pessoa a quem se refira ou para quem se destine, cumprindo
destacar a lição de Luiz Alberto David de Araújo (2010,p.128): Os direitos fundamentais tem um forte sentido de proteção do ser humano, e mesmo o próprio caput do art. 5º faz advertência de que essa proteção realiza-se “sem distinção de qualquer natureza”. Logo, a interpretação sistemática e finalística do texto constitucional não deixa dúvidas de que os direitos fundamentais destinam-se a todos os indivíduos, independentemente de sua nacionalidade ou situação no Brasil.
O artigo 6º da Constituição brasileira insere a saúde no rol dos direitos sociais
e, consequentemente, como direito fundamental. Sendo assim, o direito à saúde é
garantia de todo ser humano e tem aspecto relevante por ser intrínseco ao direito à vida
e essencial a uma existência digna. Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, citado
por Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos (1991,p.26) defende que: Todo ser humano, pelo simples fato de ter nascido com vida, no momento do nascimento adquire o direito subjetivo à sua saúde, direito que lhe acompanha até a morte. E, como é direito exigível do Estado, no que concerne à sua proteção, trata-se de direito subjetivo público, estruturando-se uma relação jurídica específica entre cada ser humano e o Estado, em que aquele é o credor e este, o devedor. [...] Neste liame direito-dever, pode-se concluir, o direito à saúde é prestado gratuitamente, o beneficiário nada paga, visto que o financiamento das despesas com a execução deste direito é coberto por toda a coletividade.
O artigo 196 da Constituição brasileira reforça o caráter universal da saúde e a
responsabilidade do Estado em garanti-la. O referido artigo não estabelece nenhuma
distinção no atendimento e sustenta que o acesso deve ser igualitário e universal
(ARAÚJO, 2010,p.486) Assim, não há na Constituição ou em norma infraconstitucional
qualquer dispositivo que impossibilite o acesso de estrangeiros ou não-residentes no
país ao sistema de saúde.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
Quanto aos estrangeiros e não-residentes poderia se estabelecer uma diferença
entre garantir a saúde e a responsabilidade de provê-la para os que não possuíssem
cidadania brasileira. Entretanto, ao estabelecer como dever do Estado prover as ações de
saúde, no art. 196 da Constituição brasileira, e reafirmar esta condição na Lei Orgânica
do Sistema Único de Saúde, nº 8.080/90, seguindo o linear dos direitos fundamentais de
segunda dimensão, o Estado trouxe a responsabilidade de garantir e promover a saúde,
afastando a possibilidade de se manter omisso. Além disso, ao realizar o atendimento
básico a uma pessoa, o sistema de saúde automaticamente se compromete a dar uma
solução ao problema, não podendo, em razão de seus próprios princípios, descontinuar o
atendimento ou se negar a prestar os cuidados necessários para garantir a melhora do
paciente.
O atendimento de saúde aos estrangeiros e brasileiros não residentes no país é
validado do ponto de vista do princípio da estrita legalidade pelo próprio ordenamento
jurídico brasileiro que garante, através de diversos dispositivos legais constitucionais, a
universalidade do direito à saúde. A universalidade está mesmo amparada pelo Supremo
Tribunal Federal – STF, o qual, na lição de Pedro Lenza, sistematicamente tem
acrescentado “os estrangeiros não residentes como titulares de direitos e garantias
fundamentais, uma vez que o artigo 5º faz referência expressa somente a brasileiros
(natos ou naturalizados, já que não os diferencia) e estrangeiros residentes no
País”(LENZA, 2010..p743)
O fato do ordenamento jurídico brasileiro não tratar especificamente do
estrangeiro ou do não residente no Brasil, não isenta o país do atendimento universal,
como nos ensina José Afonso da Silva ao dizer que essa realidade não permite
“legislação ordinária abusiva em relação a eles, pois, além da existência de normas de
Direito Internacional vinculantes, o Brasil é, ainda, subscritor das declarações universal
e americana dos direitos humanos”(DA SILVA, 1997,p.189-190).
Independente da expressa menção constitucional, o contexto ideológico da
Carta Magna Brasileira, que tem por princípio basilar o respeito à dignidade da pessoa
humana, é claro em prezar pela relação de respeito ao ser humano e sua dignidade, bem
como desenvolver as relações de amizade com os povos amigos. Nenhuma outra lei ou
norma criada abaixo da Constituição pode ir contra seu caráter ou dispositivos.
É evidente a existência de uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro que
se mantém omisso quanto à possibilidade de atendimento aos estrangeiros e sua
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
titularidade de direitos. Se por um lado o caráter social adotado no país garante a
igualdade e universalidade dos direitos fundamentais, por outro a inexistência de
manifestação expressa quanto à garantia de direitos aos estrangeiros gera dúvidas e
problemas jurídicos. Entretanto, já se mostra consolidado que em razão do caráter de
valorização da dignidade da pessoa humana, os estrangeiros são titulares de direitos
fundamentais em razão de sua condição humana, devendo o Brasil garanti-los dentro de
suas fronteiras e limites territoriais.
Apresentar tratamento diferente para situações jurídicas idênticas apenas em
razão do titular do direito ser nacional ou não afronta o princípio da igualdade que a
Constituição brasileira estabelece e a busca da valorização do ser humano. Se a
Constituição prega valores de universalidade dos direitos fundamentais, deve, portanto,
se adequar a nova ordem mundial que interliga cada vez mais pessoas e países,
preparando-se constantemente para assegurar dentro de suas fronteiras todo e qualquer
direito a todas as pessoas apenas em razão de sua condição humana, adequando-se
assim ao caráter internacional da valorização da pessoa humana como titular dos
direitos fundamentais.
Ao buscar um atendimento no sistema de saúde pública brasileiro, o
estrangeiro ou brasileiro não residente no país já se encontra em uma situação física e
psicológica delicada. Independente das razões que os levaram a buscar o sistema
brasileiro ao invés do oferecido em seu próprio país, a postura pela qual o Brasil e todos
aqueles que prestam serviços em seu nome devem adotar é pelo respeito à dignidade da
pessoa humana.
Negar o atendimento de saúde ao estrangeiro ou ao brasileiro não residente no
país fere o princípio da dignidade da pessoa humana. Pela ausência de uma política
clara de atendimento, o Brasil, através do Ministério da Saúde em parceria com
Universidades Federais e os munícipios criou o projeto SIS-Fronteira, coadunando a
postura adotada pelo país com seus princípios constitucionais basilares e com a
Declaração de Direitos Humanos.
Ao determinar a destinação de verbas adicionais às cidades fronteiriças que se
cadastrassem como receptoras de estrangeiros para o atendimento no sistema de saúde
pública, o Brasil confirmou a intenção da nação brasileira em reconhecer todos os seres
humanos como titulares dos direitos fundamentais. Piovesan (2003,p.192) destaca que
“neste sentido, o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo básico e
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
informador de todo ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a
orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional”
7 - Atendimento
No Brasil, em conformidade com o artigo 198 da Constituição brasileira, o
sistema único de saúde é financiado com recursos da seguridade social e de aplicações
anuais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em percentagens e critérios
estabelecidos em lei complementar, proporcionalmente ao produto de suas arrecadações
tributárias e transferências de mesma natureza (PAULO e ALEXNDRINO,
2010,p.192).
São os impostos e contribuições pagos pela população que geram a receita
necessária para o financiamento das ações da saúde. Neste linear, as pessoas que não
residem no país e buscam o atendimento de saúde no sistema brasileiro sobrecarregam
as receitas dos municípios, pois estes não produzem uma fonte de financiamento que
custeiem tais atendimentos. E ainda: os estrangeiros e brasileiros não residentes no
Brasil não são contabilizados em pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE, nas quais se estabelecem, de acordo com o contingente
populacional, os valores a serem repassados para os entes federativos.
Os estrangeiros legalizados têm assegurado o atendimento de saúde no país, o
que não é garantido aos estrangeiros não legalizados, que por isso podem ter restrições
de atendimento. Ocorre que, coibir ou obstaculizar o atendimento deste contingente de
outros países fere direitos fundamentais e gera rusgas entre nações amigas. Ademais, tal
conduta não solucionaria o problema, uma vez que a fronteira é de fácil acesso,
possibilitando o uso de meios ilícitos para receber o atendimento, como atualmente já
ocorre quando são impostas dificuldades ao atendimento.
O estabelecimento de barreiras burocráticas, como a exigência de comprovante
de residência, obriga que os estrangeiros e brasileiros residentes nos países vizinhos a
buscar meios nem sempre legais para obter o atendimento. Em contrapartida, os
municípios visando regular a situação sem sobrecarregar seus orçamentos, estabelecem
novas barreiras como a criação de cartões municipais de saúde, de apresentação
obrigatória quando o paciente busca o atendimento médico. Estratégias como essas
podem falhar considerando que a fronteira é de fácil acesso em Mato Grosso do Sul e
são comuns as relações de amizade e de parentesco entre pessoas do Brasil e do
Paraguai ou Bolívia. E ainda: mães paraguaias ou bolivianas vêm ter seus filhos em
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
terras brasileiras para estes terem acesso à saúde e educação. Estas crianças, embora
contabilizadas como brasileiras, ao se deslocarem para o país vizinho, causam
distorções nos dados de saúde, para mais ou para menos, como, por exemplo, nas
campanhas de vacinação, que contabilizam um número maior de atendidos do que o
previsto (TAMAKI, FERRAZ, PONTES, CAZOLA, AJALLA, PICOLI, FAVARO,
FERREIRA, SOUZA, REZENDE e BRANCO, 2008)
Em outra vai, não se olvide que os municípios são as menores esferas
arrecadativas entre os entes federativos e arcam com os custos e despesas não cobertos
pelos repasses federais e estaduais. Quando a busca dos estrangeiros e brasileiros não
residentes no país é alta na fronteira, os sistemas e recursos de saúde são
sobrecarregados.
Para ilustrar tal situação, a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e a
Rede de Promoção ao Desenvolvimento da Enfermagem denominada Instituto
REPENSUL da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, realizaram pesquisa
divulgada em 2008 nos doze municípios de fronteira do Estado de Mato Grosso do Sul,
a partir da qual revelou-se que além da demanda de estrangeiros, é ainda maior a busca
de brasileiros residentes em países vizinhos pelo SUS. O diagnóstico também apontou a
falta de definição do direito ao atendimento de saúde aos brasileiros não residentes no
país e a utilização do sistema de saúde por estrangeiros como os pontos críticos das
cidades fronteiriças.
8 - Contraprestação
As relações econômicas pelas quais o homem se norteia são baseadas no custo
e benefício das atividades, produtos e serviços envolvidos. O custo consiste no gasto
total para o fornecedor ou prEstador de serviços, enquanto o benefício consiste no
retorno positivo aos seus interesses que este tem como resposta. O benefício
necessariamente não precisa consistir em um retorno financeiro, mas, em contrapartida,
não pode ser nulo para que o encargo do custo inviabilize sua manutenção.
Quando se analisa o atendimento de estrangeiros e brasileiros não residentes no
país pelo sistema de saúde pública brasileiro, observa-se que cada município arca com o
custo de atendimento per capita de cada estrangeiro atendido. Com a criação do
programa do Ministério da Saúde denominado SIS-Fronteira, o governo federal objetiva
transmitir aos municípios recursos suficientes para fortalecer e organizar os sistemas
locais de saúde.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
Gerados os custos para os municípios, o benefício não é visto em um retorno
financeiro direto que equilibre os gastos realizados com atendimentos ou, tampouco, em
contribuição desta demanda populacional com o pagamento da Seguridade Social ou
impostos que financiam a saúde, haja vista que não há por parte dos países vizinhos cuja
população busca atendimento no país uma contraprestação estabelecida.
O benefício recebido consiste em vantagens sociais e econômicas indiretas. As
ações voltadas para a saúde na fronteira é responsável pelo aprimoramento da qualidade
de vida da população atingida por tais ações, fortalecimento dos laços de amizade entre
os povos com ampliação da integração comercial e econômica entre as nações.
De acordo com o artigo “Políticas de Saúde e Blocos Econômicos” publicado
na série técnica Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde da Organização Pan-
Americana de Saúde, o movimento de integração dos mercados é natural, podendo, em
alguns momentos se reverter, mas nunca a níveis mais baixos dos existentes
anteriormente (MEDICI, BARROS, JÚNIOR, SILVA e DAIN, 2006)
O estudo explica que do mesmo modo que a integração econômica entre países
pode asseverar as desigualdades, estas também são responsáveis por reduzir as
disparidades sociais em um círculo constante entre melhora da qualidade de vida em
razão dos investimentos aplicados em saúde ocasionados pela integração econômica
que, por sua vez, tornam-se mais fortes quando aprimorada a qualidade de vida da
população.
Se antes a integração através da criação de mercados comuns visava apenas o
aspecto comercial, os novos processos de globalização visam também a melhora do
desenvolvimento de políticas sociais e o fortalecimento da democracia através da
criação de área de livre comércio e serviços.
Países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento encontram dificuldades em
garantir saúde de forma igualitária dentro de sua própria sociedade, uma vez que os
recursos muitas vezes são insuficientes para garantir a universalidade do atendimento.
Esta situação se agrava quando estrangeiros de países vizinhos começam a buscar o
sistema de saúde nacional, ocupando vagas de residentes e dispondo de recursos.
Não se pode, ainda, equiparar a forma como evoluem a integração econômica e
comercial com a integração social. Esta última envolve diferentes necessidades sociais
das populações dos países e o modo como administram seus sistemas jurídicos,
educacionais e de saúde. Apesar disso, é inegável o reflexo da integração econômica
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
para a melhoria das condições em que se dá a integração social, no caso específico,
melhoria na atenção à saúde para estrangeiros e brasileiros não residentes no país
notadamente nas ações conjuntas de combate às epidemias que não respeitam os limites
territoriais entre os países.
Para Guimarães e Giovanella (2005, p.249) entender a situação dos municípios
fronteiriços, sob a ótica da cooperação no MERCOSUL, nos faz vislumbrar uma
“integração nos sistemas de saúde, e pode influir na pauta de acordos e programas
voltados para regiões fronteiriças, apoiar esforços de garantia de atenção integral e
humanizada, e para o fortalecimento das políticas nacionais de saúde”.
O problema chave são as diferenças econômicas entre o Brasil e seus vizinhos
no Mato Grosso do Sul (Paraguai e Bolívia) que sobrecarrega os municípios brasileiros,
tanto mais pela falta de políticas de contraprestação estabelecida sobre a atenção à saúde
nas fronteiras, mesmo porque, as políticas nacionais de saúde pública são diferenciadas,
dificultando a integração e a consequente contraprestação.
Dentro da América Latina já foram estabelecidas parcerias na área da saúde
que demonstram a possibilidade e a viabilidade das ações integradas na saúde entre
países vizinhos, como ocorre entre Chile e Peru. André Medici e Bernardo Weaver
Barros (2006,p.71) descrevem este acordo de reciprocidade: Na América Latina, por exemplo, existem acordos de reciprocidade em saúde entre Chile e Peru. O primeiro atende gratuitamente, através do FONASA, a população peruana imigrante em busca de trabalho, especialmente no norte do país. Como o número de chilenos no Peru é muito menor do que o de peruanos no Chile, esta reciprocidade, favorável ao Peru em termos de gasto com saúde, é contrabalanceada pelo uso da força de trabalho peruana, que é mais barata, nas atividades econômicas chilenas. Em contrapartida à assistência referida, o Peru provê medicamentos para o Chile, destinados ao combate de determinas endemias.
De sua vez, Brasil, Paraguai e Bolívia possuem sistemas muito diferentes de
financiamento da saúde, além disso, não há interesse dos países vizinhos em
estabelecerem uma contraprestação ao atendimento de saúde realizado às suas
populações.
Apesar das dificuldades, as medidas de integração das fronteiras com a
prestação de atendimentos de saúde a brasileiros não residentes e estrangeiros são
constantemente reafirmadas, seja pelas campanhas de vacinação que atendem
indistintamente nas cidades fronteiriças, ou pela criação de programas mais amplos
como o SIS-Fronteira.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
Em entrevista disponível no Portal da Saúde do SUS, sítio na internet do
Ministério da Saúde (BRASIL,2011), Celso Amorim, à época Ministro das Relações
Exteriores, afirma que “a cooperação internacional em saúde é um tema central para o
desenvolvimento humano e que deve ser intensificada como um movimento natural,
tendo em vista a realidade socioeconômica e a tradicional vocação do Brasil como
nação solidária e conciliadora”. Portanto, integração econômica e social entre os países
é uma realidade e um conceito fundamental para o desenvolvimento das novas relações
internacionais baseadas no respeito da dignidade da pessoa humana e do
desenvolvimento social por objetivos comuns.
9 - Considerações finais
Embora o atendimento de estrangeiros e brasileiros não residentes onere os
cofres públicos brasileiros com gastos não reembolsados, deve-se considerar que em
razão dos princípios adotados pelo Brasil, pela primazia dos direitos fundamentais e
pela forma como o país conduz suas relações internacionais, o atendimento a
estrangeiros e brasileiros não residentes é validado, devendo ser continuado em respeito
aos direitos da pessoa humana.
Desta forma, ignorar o problema sob desculpas de que o sistema de saúde já
está saturado não só não melhora a qualidade do atendimento para os brasileiros como
também prejudica o direito a dignidade da pessoa humana, o qual a República
Federativa do Brasil estabeleceu como fundamento no artigo 1º, inciso III, da
Constituição brasileira.
Interromper o atendimento ou proibi-lo, da mesma forma, não é uma
alternativa viável em razão da extensa faixa de fronteira e da relação próxima entre os
povos vizinhos. O que deve ser feito é a regulação do acesso aos serviços de saúde para
não se ferir os direitos do homem e, tampouco, sobrecarregar os sistemas municipais.
O Estado brasileiro já começou a tomar medidas para solucionar o problema do
atendimento de estrangeiros em Estados de fronteira, como Mato Grosso do Sul. Resta a
questão da onerosidade aos cofres públicos brasileiros, daí a necessidade de se reforçar
as políticas de comum acordo entre países de forma a garantir o atendimento igualitário
e humanitário aos cidadãos de todas as nacionalidades.
Acredita-se também que a uniformização das regras de atendimento aos
estrangeiros em âmbito federal conjuntamente com a municipalização efetiva do
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
atendimento no sistema de saúde, como previsto na Lei nº 8.080/90, é a forma hábil
para garantir a melhor gestão do SUS e de todos que buscam o seu atendimento.
Visando o alcance deste objetivo e se estabelecendo como primeiro passo para
o fortalecimento dos municípios e uniformização do sistema, o programa do Ministério
da Saúde denominado SIS-Fronteira foi criado, fortalecendo os sistemas de saúde local
e suprindo, paliativamente, a ausência de legislação federal que regulamente o
atendimento de estrangeiros e brasileiros não residentes no país.
A mazela ainda é a falta de critérios para estabelecer quem deve ou não ser
atendido do lado brasileiro, que além de gerar incerteza jurídica, demonstra falta de
controle e planejamento do sistema de saúde. Sem uma regulação, uma pessoa
estrangeira ou brasileira não residente do país pode ter seus direitos fundamentais
desrespeitados, serem vítimas de arbitrariedades dos gestores municipais ao tempo que
as finanças do município e o atendimento da população local são prejudicados e
sobrecarregados.
Por todo o exposto, constata-se que o Brasil deve reforçar seu caráter de nação
solidária, reafirmando as ações preventivas e assistenciais para todas as pessoas em
território nacional, priorizando a gestão e autonomia municipal e com base no princípio
da equidade para, assim, aprimorar a qualidade do sistema de saúde e sua capacidade de
atendimento.
REFERÊNCIAS BISOTO JUNIOR, Geraldo; SILVA, Pedro Luís de Barros; DAÍN, Sulamis; VALENTIM, Joice; PACÍFICO, Hudson. Série técnica Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde – Regulação do setor saúde nas Américas: as relações entre o público e o privado numa abordagem sistêmica. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2006. p.297. BRASIL – Ministério da Saúde – Portal da Saúde. Integração das ações de saúde na fronteira. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=26139>, acessado em 01/06/2017. BRASIL – Ministério da Saúde – Portal da Saúde. Documentos de referência do SIS-Fronteira. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=23980>, acessado em 01/06/2017. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª Edição Revista. Editora Malheiros. São Paulo: 1997.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
DE CARVALHO, Guido Ivan, e SANTOS, Lenir. Op. cit. p. 34-5; apud NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. A ordem social e a nova constituição. Rio de Janeiro: Aide, 1991. p.26 GUIMARÃES, Luisa; GIOVANELLA, Ligia. Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde. Revista Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v.29, n.71, set/dez, 2005. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14.ed. rev., atu. e amp. São Paulo: SARAIVA, 2010. p.743 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 5ªed. Revista, atualizada e ampliada. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011. p. 665. ACCIOLY, Hildebrando. SILVA, G. E. do Nascimento e, CASILLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 18ªed. – São Paulo: Ed. Saraiva, 2010. p.508. MEDICI, André; BARROS, Bernardo Weaver; JÚNIOR, Geraldo Biasoto, SILVA, Pedro Luiz de Barros Silva; DAIN, Sulamis. Série Técnica Desenvolvimento de Sistemas d Serviços de Saúde: Políticas de Saúde d Blocos Econômicos. Brasília, 2006. p.71. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Disponível em: http://apps.who.int/ghodata/?vid=1901, acessado em 09/06/2017. PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 6.ed. São Paulo: Método, 2010. p.192 PIOVESAN, Flávia; LEITE, George Salomão. Direitos Humanos e o Princípio da Dignidade Humana. Livro Dos Princípios Constitucionais – Considerações em torno das normas principiológicas da constituição. São Paulo: Ed. Malheiros, 2003. p.192. REZENDE, Vanessa Murta; BRANCO, Marisa Lucena; ARAÚJO, Alessandra Santos – Colaboradora. A Saúde e a Inclusão Social nas Fronteiras. Florianópolis: Ed. Boiteux, 2008. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=23980, acessado em 01/06/2017.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/