o dinheiro por estar sendo chantageado

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n úCl EO bá S iCO E PCO C APíTu lO 2 38 3 o dinheiro por estar sendo chantageado. Essa situação deixou o advogado diante de um dilema: revelar ou não o que sabia a respeito do desvio de verba? Um repórter está investigando o caso e conhece fatos que podem comprometê- -lo, mas não tem certeza de que é ele o culpado. Se não for, o jornalista e o jornal poderão sofrer processo por danos morais se divulgarem a notícia. A ntes de discutir o significado de cidadania, vamos refletir sobre os preâmbulos desse conceito utilizando um exemplo que nos possibilita entender os dilemas inerentes à ética profissional e à responsabilidade social. 2.1 Ética profissional e ética da responsabilidade Um profissional apropriou-se indevidamente de recursos financeiros da organi- zação, na qual exerce um cargo importante. Ao ser constatado o desvio de verba, o “criminoso” passa a ser procurado. Algumas pessoas sabem que é ele o autor do crime, outras têm pistas que indicam que talvez seja ele, e algumas não têm ideia de quem possa ser. Os membros do seu partido político, do qual é um dos líderes, receiam um escândalo que possa comprometer a imagem de todos. Estão sendo procurados pela imprensa para dar entrevistas, mas sabem que suas declarações poderão ser veiculadas de forma manipulada. Por isso, negam-se a falar a respeito. A cúpula da administração teme a repercussão negativa que o “golpe” possa provocar na opinião pública, entre seus clientes e entre os concorrentes. Sob o ângulo da relação custo- benefício, não sabe o que seria melhor: levar adiante um processo ou abafar o caso. Nessa situação-problema, de interesses diversos e muitos até antagônicos, as questões relativas não só à ética profissional como também à ética da responsa- bilidade estão presentes. O que fazer? Se nos colocarmos no lugar de cada uma das pessoas envolvidas, teremos ideia da importância e da dimensão dos dilemas éticos com os quais podemos nos confrontar em nossa vida profissional. Por isso, o julgamento sobre se a atitude de cada uma dessas pessoas seria ética ou não é extremamente delicado e exige muita prudência de quem vai formular o “veredicto final”. Figura 2.1 Entre essas pessoas, uma é a psicoterapeuta que o atende, outra, o padre da igre- ja que ele frequenta e a quem ele se confessa. Ambos o ouviram e, pelo código de suas profissões, devem manter sigilo. Seu advogado para assuntos pessoais, que também é advogado da organização onde ele trabalha, desconfiou, interro- gou-o e ele confirmou ©

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o dinheiro por estar sendo chantageado. Essa situao deixou o advogado diante de um dilema: revelar ou no o que sabia a respeito do desvio de verba?

Um reprter est investigando o caso e conhece fatos que podem compromet--lo, mas no tem certeza de que ele o culpado. Se no for, o jornalista e o jornal podero sofrer processo por danos morais se divulgarem a notcia.

nClEO bSiCO EPCOCAPTulO 2

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Antes de discutir o significado de cidadania, vamos refletir sobre os prembulos desse conceito utilizando um exemplo que nospossibilita entender os dilemas inerentes tica profissional e responsabilidade social.

2.1 tica profissional e tica da responsabilidadeUm profissional apropriou-se indevidamente de recursos financeiros da organi- zao, na qual exerce um cargo importante. Ao ser constatado o desvio de verba, o criminoso passa a ser procurado. Algumas pessoas sabem que ele o autor do crime, outras tm pistas que indicam que talvez seja ele, e algumas no tm ideia de quem possa ser.

Os membros do seu partido poltico, do qual um dos lderes, receiam um escndalo que possa comprometer a imagem de todos. Esto sendo procurados pela imprensa para dar entrevistas, mas sabem que suas declaraes podero ser veiculadas de forma manipulada. Por isso, negam-se a falar a respeito.

A cpula da administrao teme a repercusso negativa que o golpe possa provocar na opinio pblica, entre seus clientes e entre os concorrentes. Sob o ngulo da relao custo-benefcio, no sabe o que seria melhor: levar adiante um processo ou abafar o caso.

Nessa situao-problema, de interesses diversos e muitos at antagnicos, as questes relativas no s tica profissional como tambm tica da responsa- bilidade esto presentes. O que fazer? Se nos colocarmos no lugar de cada uma das pessoas envolvidas, teremos ideia da importncia e da dimenso dos dilemas ticos com os quais podemos nos confrontar em nossa vida profissional. Por isso, o julgamento sobre se a atitude de cada uma dessas pessoas seria tica ou no extremamente delicado e exige muita prudncia de quem vai formular o veredicto final.

Figura 2.1

Imagemcpula de administrao Kzenon/ShutterStocK

Entre essas pessoas, uma a psicoterapeuta que o atende, outra, o padre da igre- ja que ele frequenta e a quem ele se confessa. Ambos o ouviram e, pelo cdigo de suas profisses, devem manter sigilo. Seu advogado para assuntos pessoais, que tambm advogado da organizao onde ele trabalha, desconfiou, interro- gou-o e ele confirmou ter sido o responsvel, mostrando, contudo, que desviou

Como se no bastasse o risco de elaborarmos julgamentos precipitados e injustos sobre a participao individual das pessoas envolvidas em um caso aparente- mente incorreto, muitas vezes nossos julgamentos recaem sobre segmentos intei- ros de uma sociedade, como instituies, organismos, empresas, profisses etc. No entanto, preciso lembrar que em todos os setores da vida social h pessoas que so ticas e outras que no so. Por isso, toda generalizao implica injustia ou impropriedade em relao a muitos indivduos, seja ela negativa ou positiva.

Alguns motivos explicam por que as pessoas caem no caminho perigoso da generalizao, ao julgar todo um grupo tomando-se como referncia a atitude de alguns de seus membros que agem de forma antitica. Os motivos dessa ge- neralizao podem estar relacionados ao fato de que os membros do grupo que agiram de forma errada fazem parte de uma parcela:

quantitativamente muito expressiva, ou seja, um percentual muito grande de membros do grupo age incorretamente; qualitativamente mais destacada do que as outras, como a cpula dirigente, a liderana, ou o grupo mais notvel; que alvo de interesse maior dos meios de comunicao, por alguma razo; que se projetou mais, por causa de algumas experincias negativas ocorridas com ela; que praticou aes de maior repercusso, pois acabaram afetando um nmero muito grande de pessoas.

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O filsofo poltico francs Charles-Louis de Secondat, Baro de Montesquieu (1689-1755), foi o autorde teorias que exerceram profunda influncia no pensamento poltico moderno. Elas inspiraram a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, elaborada em 1789, durante a Revoluo Francesa, e a Constituiodos Estados Unidos, de 1787, que substituiu a monarquia constitucional pelo presidencialismo.

Estado a nao politicamente organizada, ou a sociedade poltica constituda segundo determinadas normas jurdicas, num territrio definido, sob a direo de um governo independente e com a finalidade de realizar o bem comum. Estado no a mesma coisa que governo, embora muitas vezes ostermos sejam usados um pelo outro. Governo o rgo que exerce o poder no Estado.No regime democrtico, ele constitudo pelos trs poderes: o Legislativo, o Executivo e o Judicirio.Os governos se revezam periodicamente. O Estado permanece e s pode ser mudado por alteraes estruturais profundas, a serem consignadas na sua Carta Constitucional.

Tambm por causa desses motivos que, quando participamos de um grupo, temos duas grandes responsabilidades em relao aos seus membros: a de no mancharmos sua imagem com algum comportamento reprovvel e a de estar- mos sempre atentos para que os demais tambm no o faam.

Transcrevemos a seguir um pensamento de Montesquieu, citado no livro tica para meu filho (SAVATER, 1993, p. 169).reProDuo

icial e algo uec- icial mano, m, aoSe eu soubesse algo que me fosse til e que fosse prejud minha famlia, expuls-lo-ia de meu esprito. Se eu soubess til minha famlia que no o fosse minha ptria, tentaria esq-lo. Se eu soubesse algo til minha ptria que fosse prejud europa, ou que fosse til europa e prejudicial ao gnero hu consider-lo-ia um crime, pois sou necessariamente home passo que sou francs por mera casualidade. (Montesquieu)

PrOPOSTA dE ATividAdE 1reflexo e discusso em grupos e depois em plenria, sobre as seguintes questes:1. no exemplo exposto, como voc julgaria, segundo os ditames da tica pro- fissional, a atitude do funcionrio que se apropriou indevidamente dos recur- sos financeiros da empresa?2. Que noo de cidadania voc tiraria do pensamento de Montesquieu ex- posto acima? Anote as concluses da plenria em seu caderno de ativida-des, pois elas sero retomadas em outra dinmica de grupo neste mes captulo.

2.2 Em busca do conceito de cidadania difcil encontrar um conceito de cidadania suficientemente abrangen seja aplicvel a qualquer lugar, situao ou momento. Primeiro porque, acontece com outros conceitos ligados evoluo das sociedades human uma construo histrica, ou seja, modifica-se por influncia das trans es da histria humana.

Alm disso, ele reflete o ponto de vista e a condio social de quem o Isso porque o conceito de cidadania depende ainda do jogo de intere segmentos sociais diferentes e dos conflitos entre os que esto no poder e esto fora dele.

Vamos partir de um ponto comum de referncia para chegarmos de adotada hoje pela maioria dos pases.

Todos ns temos direitos humanos universais, que devem ser respeitad qualquer lugar do mundo, independentemente da nossa nacionalidade. O esto relacionados nacionalidade so os direitos de cidadania. Ou seja, dania uma ligao jurdico-poltica que o indivduo tem com o Estado

mo

te que como as, ele forma-

utiliza. sses de os que

finio

os em s que a cida-, a que pertence e que lhe garante direitos e lhe impe obrigaes. Seus direitos so os de

decidir e influir sobre os destinos do Estado e o de ter a sua condio humana garantida e protegida por ele. Suas obrigaes so permitir e cuidar para que todos obedeam s regras estabelecidas, de forma que a vida em comum trans- corra em harmonia e respeito e que os interesses coletivos sempre predominem sobre os particulares.

Por isso, ser cidado supe desenvolver atitudes, assumir padres de compor- tamento e adquirir hbitos que favoream o bom convvio com os demais e tambm que suas aes sejam pautadas pela tica do cuidado, do zelo pelo bem comum e do respeito pela coisa pblica. Ou seja, aquele contnuo estado de alerta, de observao cuidadosa em relao segurana, dignidade e ao bem-estar do outro e que nos leva a sempre respeit-lo e a nos colocar de seu lado e defend-lo quando algum no o respeitar. Por essas razes, nosso dever apoiar e estimu- lar a extenso dos direitos de cidadania a todos, assumir responsabilidades co- letivas e pressionar organizaes e instituies que podem promover a melhoria das nossas condies de vida.

2.2.1 Cidadania planetriaNa atualidade, amplia-se o conceito de cidadania, ultrapassando a responsabi- lidade social no mbito de um Estado, para o conceito de cidadania planetria. Edgar Morin, no captulo dedicado tica planetria, que integra o seu Mtodo 6 tica, apresenta este pensamento de V. Verdnadski (filsofo e cientista po- ltico ucraniano):

Pela primeira vez, o ser humano realmente compreendeu que ele um habitante do planeta e, talvez, deva pensar ou agir segundo um novo prisma, no apenas sob o ponto de vista individual, familiar ou de gnero, estatal ou de grupos de estados, mas tambm sob o prisma planetrio (VERDNADSKI apud MORIN, 2005, p. 162).

Figura 2.2 JohAn SwAnePoel/ShutterStocK

A Declarao da ONU bastante conhecida. Ela expressa, entre outras coisas e de forma inequvoca,que todos os homens nascem livres e iguais e tm direitos: vida; liberdade (incluindo a de pensamento, opinio, expresso, reunio, associao e participao poltica); segurana; a uma vida digna, mesmo quando desempregado; instruoe participao na vida cultural da humanidade.

A cidadania planetria exige a intersolidariedade objetiva da humanidade. Nesse sentido, h uma relao global na qual o destino do planeta sobredeter- mina os destinos singulares das naes. A vida de uma nao, dos seus indi- vduos e sociedades est indissoluvelmente vinculada vida de todo o planeta. Como consequncia, ocorre romper com o fechamento da tica s comunida- des nacionais e pensar numa tica da comunidade humana que respeite as ticas nacionais e as integre (MORIN, 2005, p. 163).

2.2.2 Cidadania: uma longa histria de lutas, derrotas e conquistasPor muito tempo e num passado no to remoto, nem todos os seres humanos eram considerados e tratados como humanos por seus iguais. Conforme a poca e o lugar, a desigualdade se manifestou de diferentes maneiras, ditada pelo gne- ro, cor, idade, origem familiar, condio econmica e outros motivos.

A ampliao do conceito de cidadania se processou por um longo caminho de conquistas, principalmente a partir das revolues sociais dos sculose a o do la-XVII (a Revoluo Gloriosa, inglesa) e XVIII (a Revoluo FrancesaIndependncia dos EUA), cujas influncias foram irradiadas para todo mundo, reformulando a lista de direitos e deveres dos cidados, segun o ponto de vista e interesse dos vitoriosos. Algumas dessas listas ou dec raes constituem a origem da ideia de cidadania que temos ainda ho como a Carta de Direitos Inglesa (1689), a Declarao de Independncia Estados Unidos (1776), a Declarao Universal dos Direitos do Homem e Cidado (1789) e a Declarao Universal dos Direitos do Homem

je, dos do daONU (1948).

As grandes transformaes na nossa vida e na vida do planeta nos ltimos 50 anos imprimiram maior visibilidade aos direitos humanos e cidadania. Eles passaram a ser mais discutidos e, em consequncia, ampliaram-se.

Entre essas transformaes, destacam-se:

as novas necessidades e possibilidades que foram incorporadas ao nosso coti- diano, como acesso escolaridade, informao, ao emprego, aos progressos da medicina e aos meios de locomoo mais rpidos; a ampliao de nossa viso de mundo, decorrente do maior acesso informa- o, por meio de diferentes mdias, e da possibilidade de viajar a lugares mais distantes e em menor tempo (ainda que virtualmente); a progressiva transformao da natureza pelo ser humano, devido a descober- tas cientficas, explorao de novas matrias-primas, s obras de engenharia, ao desenvolvimento do turismo at lugares antes preservados e at h pouco intocveis, entre outros motivos; a luta, por meio dos diversos movimentos sociais, de pessoas que foram ou ainda so excludas da cidadania plena; a exposio maior do indivduo, com relao sua identidade e privacidade,devido aos meios de comunicao e tcnicas de informao que podem cons- truir e destruir sua imagem pessoal.

Subcidadania: a persistncia da desigualdade MichAl MrozeK/ShutterStocK

Os direitos de cidadania que temos hoje foram conquistados durante um longo processo histrico. Ainda assim, alguns deles no so oficialmente estendidos a todos ou, quando so, permanecem mais como possibilidade do que como rea- lidade. Algumas leis que garantem direitos so muito genricas, o que permite mltiplas leituras e interpretaes.

Com isso, na prtica, elas propiciam privilgios, excluses e discriminaes. Muitas vezes tambm as discriminaes so to sutis e camufladas que no chegam a ser percebidas por todos. Por esse motivo, no provocam reao e consequente adoo de medidas legais para reprimi-las.

As violncias cometidas contra alguns cidados, ainda hoje, tm provocado no- vos debates e novos movimentos de luta pela cidadania. So violncias contra pessoas com algum tipo de deficincia ou doena, contra indivduos que no se enquadram nos padres fsicos estabelecidos como ideais, idosos, moradores de rua, homossexuais, negros, ndios, algumas nacionalidades e at mesmo contra o meio (crimes ambientais).

Por isso, apesar dos avanos conseguidos nos ltimos anos, muita gente ainda cidado apenas no papel, com direitos teoricamente garantidos, mas vivendo, na prtica, como subcidados. Mas as obrigaes da cidadania so exigidas de to- dos, independentemente das oportunidades que tiveram ou de sofrerem algum tipo de excluso social.

2.2.3 A luta continuaAs transformaes econmicas e sociais advindas do desenvolvimento cientfico e tecnolgico tm influncia sobre os valores e as condies de vida das pessoas, resultando no crescimento e na diversificao de suas demandas, exigncias, aspiraes, obrigaes e oportunidades.

Figura 2.3

4243

Uma organizao uma combinao de esforos individuais que tem por finalidade realizar propsitos coletivos. Por meio de uma organizao torna-se possvel perseguir e alcanar objetivos que seriam inatingveis para uma pessoa. Uma grande empresa, um laboratrioou o corpo de bombeiros, um hospital ou uma escola so todos exemplosde organizao (MAXIMIANO, 1992).

O resultado que muitas coisas que antes eram luxo e suprfluas, hoje se trans- formaram em necessidade, real ou produzida pela propaganda e marketing. O que era apenas uma condio favorvel, uma facilidade, um conforto ou atri- buto a mais, hoje se tornou uma exigncia. O que era apenas uma forma de preveno, hoje condio de sobrevivncia.

Um exemplo o telefone, que, no Brasil, durante muito tempo, foi privilgio de poucos mais abastados e, hoje, um servio que se estendeu a quase todos, principalmente na forma do celular. Este ltimo tem sido ainda mais til e ne- cessrio por nos permitir fazer ou receber chamadas onde estivermos, o que nos proporciona maior liberdade de ao, comodidade e segurana.

Outra mudana notvel que muitos bens e servios que antes poderiam ser ob- tidos com esforos individuais, familiares ou de pequenos grupos, hoje exigem mais capital, tecnologia cara, muita mo de obra e conhecimento especializado. Precisamos, por exemplo, de escolas, hospitais, estradas, transportes, reas de lazer, ruas asfaltadas, gua encanada e tratada, rede de esgoto, fornecimento de energia eltrica, policiamento, centros de arte e cultura e proteo ambiental. So bens e servios que s podem ser oferecidos adequadamente por empresas privadas ou pblicas, no individualmente.

Pela presso poltica e social, o Estado foi forado a assumir diversas funes que no eram atribuies suas no passado e exerccio de cidadania ativa exigir que ele as cumpra, como, s para citar as mais atuais, o acesso educao desde o ensino fundamental ao superior e aos meios e ferramentas para a incluso digital. Em muitos casos, quando o Estado no cumpre seu papel, isso refora as desigual- dades sociais: enquanto pessoas de classes mais abastadas tm recursos prprios para suprir as demandas no atendidas pelo Estado, outras, mais pobres, no tm.

Alm disso, toda a riqueza de um pas produzida coletivamente pelos cidados, com o seu trabalho e o pagamento dos impostos. Portanto, dever do Estado administrar de forma justa essa riqueza, de modo que ela volte para cada um de ns na forma de bens e servios de que necessitamos. Se isso no acontece,sequentemente, o es. porque no existe uma verdadeira democracia social e, conpas no oferece condies de cidadania plena a seus habitant

2.2.4 Cidadania organizacional: um comprom individual ou coletivo?Em muitas situaes, a tica e a cidadania so comprometid um indivduo, embora no seja ele o nico responsvel por i por incompetncia, irresponsabilidade, ignorncia, displicnc ou omisso, so os comportamentos e aes de organizaes

isso

as pela atitude de sso. Nesses casos, ia, desonestidade dos mais variadostipos e dos prprios governantes que colaboraram para isso, ou foram os princi- pais responsveis para que isso ocorresse.

Vamos exemplificar essa questo com um caso. Cinco bebs morreram vtimas de um erro da auxiliar de enfermagem de um posto de sade municipal, que, em vez da vacina trplice (contra coqueluche, ttano e difteria), aplicou neles

insulina. A auxiliar de enfermagem foi descuidada, desatenciosa, irresponsvel e, por isso, deve ser julgada como a nica causadora dessa desgraa? AfP Photo/vAnDerlei AlMeiDA

A pergunta implica muitos questionamentos.

Ser que ela recebeu formao profissional eficiente?

A instituio educacional que a habilitou ofereceu a ela um bom curso e fez corretamente a avaliao de suas competncias? E o posto de sade? Que critrios o posto de sade utilizou para contrat-la? Ela ocupava a funo que realmente lhe competia? Os medicamentos estavam nos lugares certos e organizados e catalogados para que no houvesse possibilidade de serem confundidos? E em que condies ela praticava seu trabalho? Tinha os recursos e as informaes necessrias para exercer aquela funo?

Outras perguntas tambm devem ser feitas quanto s implicaes do governo, responsvel pelo funcionamento do posto de sade e do qual ela era funcionria. Ele no teve nenhuma influncia no caso? No estaria a funcionria com ac- mulo de trabalho? Ser que ela, devido a um salrio baixo, estaria estressada por ter que fazer horas extras e dar conta de mais de um emprego?

Essas perguntas revelam que nossa qualidade de vida e nosso desempenho como cidados, pessoas e profissionais tambm dependem de como as diferentes organiza- es atuam ao nos atender ou deixar de faz-lo. No caso relatado, todos os motivos supostos para explicar o erro da auxiliar de enfermagem esto direta ou indiretamen- te relacionados com o Estado, com a poltica e com a cidadania organizacional, como:

Figura 2.4A qualidade da formao profissional essencial.

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fotoArenA/con/lAtincontent/Getty iMAGeS

Figura 2.5

O socilogo Herbert de Souza (1935-1997) participou da luta pelas reformas de base (agrria, urbana, universitria) edos movimentos operrios brasileiros. Trabalhou paraa Comisso Econmica para a Amrica Latina (Cepal) da ONU, foi exilado pela ditadura militar de 1964 e, durante o perodo do seuexlio, viveu em vrios pases, atuando como assessor, consultor e professor. Com a Anistia, voltou ao Brasil em 1979. Tornou-se conhecido por batalhar pelo direito vida e dignidade dos portadores do HIV/AIDS, tendo liderado, na dcada de 1990, o Movimento pela tica na Poltica e a Ao da Cidadania Contra a Misria e Pela Vida. Alm de smboloda resistncia ditadura e da luta contra a desigualdade social e a AIDS, tornou-se, por suas aes e posturas, tambm um smbolode cidadania.

a qualidade do ensino oferecido pelas escolas; otAvio DiAS De oliveirA/folhAPreSS

a responsabilidade dos rgos certificadores de competncia profissional; a gesto administrativa das instituies pblicas ou privadas; a poltica de sade e a poltica salarial do governo;trao, controle e acompanhamento de recursos huma- e. a poltica de adminisnos no posto de sad

Isso tambm nos leva a de polticas diversas (g isso, no apenas somos atuamos politicamente

Atuamos deliberada e a algum partido, votand descasos quanto ao aten mos involuntria e pas que se passa em nossa v

No entanto, importan damente que precisam dania. As organizaes

Em resumo, a cidadani dignidade de todos. O p

Pessoas e organizaes metidas com o bem-est ou no, voluntariament sveis por perdas e dano

A cidadania implica o sempre justo e, rara lhorar a vida. Por isso, foi Herbert de Souza

concluir que toda a nossa vida social est impregnada overnamentais, institucionais e empresariais) e que, por atingidos por situaes e aes polticas como tambm o tempo todo.

tivamente, participando de manifestaes, militando em o, nos candidatando a cargos polticos e denunciando dimento das necessidades da populao. Tambm atua- sivamente, quando nos omitimos, quando ignoramos o olta, afirmando que poltica s para quem gosta.

te percebermos que no so apenas os indivduos isola- atuar na sociedade guiando-se pelos princpios da cida- tambm precisam ser cidads.

a organizacional tambm essencial para o bem-estar e a oder exercido sem tica violenta os direitos de cidadania.

que no primam pela tica e no se consideram compro- ar e a qualidade de vida dos cidados, conscientemente e ou no, acabam, de uma ou outra forma, sendo respon- s sofridos pela sociedade.

reconhecimento de que dificilmente possvel, nem mente, vale a pena a gente melhorar de vida sem me- cabe aqui uma citao do grande cidado brasileiro que, o Betinho:

tudo o que acontece no mundo, seja no meu pas, na minha cidade ou no meu bairro, acontece comigo. ento eu preciso participar das decises que interferem na minha vida. um cidado com um sentimento tico forte e conscincia de cidadania no deixa passar nada, no abre mo desse poder de participao (SOUzA, Herbert de. tica e cidadania. So Paulo: Moderna, 1994).

PrOPOSTA dE ATividAdE 21. Destaque os principais aspectos de cidadania expostos no texto, tendo em vista suas prprias experincias. em seguida, em grupos, troquem ideias para notar as diferenas e as semelhanas entre os vrios destaques. levem os resultados para a plenria, buscando um possvel consenso sobre o sentido de cidadania. comparem a concluso a que chegaram com a noo preliminar de cidadania, que resultou da Atividade 1 deste captulo, e notem a evoluo do conhecimento que adquiriram mediante o estudo do texto.2. Quais so os principais indcios de subcidadania que voc nota no cotidiano? com base na exposio e no debate em classe desses indcios, elaborem um relatrio conjunto apontando possveis medidas a serem tomadas para super-los e indicando a quem caberia execut--las. no se esquea de anotar as concluses da plenria em seu caderno de atividades.2.3 Mundo do trabalho e cidadania organizacionalO ser humano no nasceu preparado para seguir normas de convivncia e sobreviver em uma sociedade to complexa quanto a nossa. Para estabelecer relaes sociais e subsistir em nosso meio, precisamos de quem cuide de ns e nos eduque, transmitindo-nos as caractersticas e valores culturais da socieda- de a que pertencemos.

O processo de socializao comea logo depois do nascimento e segue um longo caminho. Nessa jornada, cada um de ns precisa absorver conhecimentos e de- senvolver habilidades, alm de conhecer e utilizar linguagens. Precisa tambm aprender a desempenhar papis sociais e a reconhecer a importncia de contri- buir com a coletividade. Essa contribuio pode ser feita de vrias maneiras: quando, por exemplo, produzimos alguma coisa ou prestamos servios, conser- vamos ou alteramos valores, reproduzimos ou inovamos tcnicas, defendemos a estrutura da dinmica social ou atuamos para alter-la.

O trabalho uma dessas contribuies. Ele necessrio para garantir nossa sobrevivncia e, para execut-lo, mobilizamos nosso fsico, nossa razo e nos- sa vontade, utilizando para isso tanto os recursos naturais quanto elementos culturais. Sem os produtos do trabalho no h sobrevivncia humana, cultura, organizao social, civilizao e histria. Em outras palavras, cada pessoa que nasce s alcana a plenitude de sua condio humana se for cuidado e educado por outros, o que significa muito mais do que o cuidado que os outros animais tm com suas crias por certo tempo. Alm disso, durante toda a nossa vida, precisamos do nosso trabalho e do trabalho dos outros para a produo de bens e servios que so demandados pelo viver e pelo conviver em sociedade.

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Figura 2.6Bertolt Brecht

Em nosso dia a dia, contamos com o trabalho de muitas pessoas para garantir nossa alimentao, higiene, locomoo, lazer, segurana. Nem sempre todo o trabalho contido em um objeto ou servio evidente. Algumas etapas costu- mam ser esquecidas, ou no so conhecidas. Isso porque nem todo trabalho igualmente reconhecido e valorizado. Alguns podem permanecer ocultos, ofuscados por outros, que so supervalorizados em determinado momento histrico. O dramaturgo e poeta alemo Bertolt Brecht (1898-1956) aborda essa questo no poema Perguntas de um trabalhador que l. Entre outras coisas, ele questiona: hulton-DeutSch collection/corBiS/corBiS (Dc)/lAtinStocK

Quem construiu a Tebas de sete portas? Nos livros esto nomes de reis. Arrastaram eles os blocos de pedra? [...] A grande Roma est cheia de arcos do triunfo. Quem os ergueu?

Perguntas de um trabalhador que l

Quem construiu a tebas de sete portas? nos livros esto os nomes de reis.Arrastaram eles os blocos de pedras? e a Babilnia vrias vezes destruda Quem a reconstruiu tantas vezes? em que casas Da lima dourada moravam os construtores?Para onde foram os pedreiros,na noite em que a muralha da china ficou pronta? A grande roma est cheia de arcos de triunfo.Quem os ergueu? Sobre quemtriunfaram os csares? A decantada Bizncio

tinha somente palcios para seus habitantes? Mesmo na lendria Atlntidaos que se afogavam gritavam por seus escravos na noite em que o mar a tragou.

o jovem Alexandre conquistou a ndia. Sozinho?csar bateu os gauleses.no levava sequer um cozinheiro?filipe da espanha chorou, quando sua Armada naufragou. ningum mais chorou?frederico ii venceu a Guerra dos Sete Anos. Quem venceu alm dele?

cada pgina uma vitria. Quem cozinhava o banquete?A cada dez anos um grande homem. Quem pagava a conta?

tantas histrias. tantas questes(BRECHT, B. Poemas 1913 1956. Seleo, traduo e posfcio de Paulo Csar Souza.So Paulo: Editora 34, 2000.)

Nos documentos relativos a monumentos histricos no h registro dos nomes de todos os trabalhadores que os construram. Apenas os dos governantes e ocasionalmente dos chamados trabalhadores intelectuais e/ou administrativos.

No Brasil, um questionamento do tipo feito por Brecht, no poema citado, pode ser encontrado, em linguagem mais direta e explcita, na letra da msica Traba- lhadores do Metr, composio de R. M. Santos e Walter Marques, interpretada pelo cantor Xangai no lbum Dos Labutos, em 2005.

2.3.1 Trabalhar para qu?No captulo Trabalhar para qu?, do livro Trabalho em debate, organizado por Mrcia Kupstas, a filsofa brasileira Maria Lucia de Arruda Aranha assim destaca a importncia do trabalho:

[...] podemos dizer que o homem se faz pelo trabalho. ou seja, ao mesmo tempo que produz coisas, torna-se humano, constri a prpria subjetividade. Para exemplificar, imagine-se como vendedor em uma loja. voc precisa conhecer o material que est sendo vendido e os procedimentos de atendimento ao pblico; aprende a se relacionar com os colegas e com a chefia; exige de si mesmo a superao de dificuldades; ao receber o salrio, administra seus gastos e percebe a mudana que essa autonomia financeira provoca nas relaes com seus familiares. enfrenta conflitos, quando seu desempenho avaliado por critrios injustos ou

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se ganha menos do que o merecido pelo esforo despendido. tambm acumula experincia e sente prazer em fazer com facilidade o que antes lhe parecia um desafio intransponvel (KUPSTAS, 1997a, p. 22-23).

Dessa forma, ela destaca uma srie de coisas que o trabalho propicia a quem o exerce: ampliao de conhecimento, desenvolvimento da habilidade de se re- lacionar com outras pessoas, de planejar aes, vencer desafios, de controlar gastos, de defender-se e outras.

Mas nem sempre o trabalho visto to positivamente como nos apresentado pela filsofa Maria Lucia de Arruda Aranha. Isso porque no em qualquer uma de suas formas nem em todas as situaes que o trabalhador se sente edifi- cado ou dignificado quando o exerce.

Embora muita gente no saiba, a prpria palavra trabalho carrega, em sua ori- gem, uma carga bem negativa.

A palavra trabalhar vem do latim tripaliare, que significa torturar por meio do tripalium, instrumento formado por trs (tri) paus (palium), onde eram atados os condenados ou animais difceis de ferrar. Essa carga negativa da palavra se deveu adoo do escravismo, pelos romanos, e consequente oposio entre o trabalho (socialmente desvalorizado, pois era exercido pelos escravos) e o cio (socialmente valorizado, pois era privilgio da classe dominante, proprie- tria de escravos).

Poderemos entender melhor como e por que certos tipos de trabalho so mais ou menos valorizados e causam orgulho ou desprezo se pesquisarmos um pouco mais o seu significado e a sua forma em diferentes perodos da histria das sociedades.

Verificaremos, ento, como ele passou da categoria de maldio (para os escravos antigos e servos da gleba medievais) categoria de talento, doao, ou sacrifcio voluntrio (para os monges medievais e reformadores protestantes), chegando, por razes diferentes, sua valorizao pela burguesia industrial e pelos socialis- tas, no sculo XIX, at o modo como ele encarado hoje.

Atualmente, trabalhar considerado pela nossa sociedade no apenas condio para que possamos sobreviver, mas, tambm, para crescermos, nos sentirmos teis, dignos, importantes e para que possamos retribuir, com o fruto do nosso labor, o que recebemos de bom com o trabalho de outros que nos antecederam e dos que nos so contemporneos.

2.3.2 um pouco de histria para esclarecerComecemos por entender melhor o que trabalho.

Em seu texto denominado Trabalho, que compe um dos verbetes do Dicio- nrio crtico, trabalho e tecnologia, organizado por Antonio David Cattani, a sociloga brasileira Elida Rubini Liedke utiliza as seguintes referncias para conceitu-lo:[...] Pressupondo-se exclusivamente o trabalho humano, como na acepo de Marx em O capital [...], o trabalho atividade resultante do dispndio de energia fsica e mental, direta ou indiretamente voltada produo de bens e servios, contribuindo, assim, para a reproduo da vida humana, individual e social [...] (LIEDKE apud CATTANI, 1997, p. 268-269).Prestemos ateno ao fato de que, como diz a autora, o trabalho considerado condio para que os seres humanos se desenvolvam e as sociedades humanas continuem a existir.

Figura 2.7tripalium

Figura 2.8Karl MarxreProDuo

Figura 2.9friederich engels

Tericos marxistas so os seguidores das teorias econmicas, filosficas, sociolgicas e polticas desenvolvidas por Karl Marx e Friedrich Engels, sintetizadas na obraO capital. Nessa obra, publicada entre 1867 e 1894, eles analisaramo capitalismo, a crise e, finalmente, a queda desse sistema, impulsionada pela luta de classes e pela ao revolucionria do proletariado, seguida da implantao do regimesocialista caracterizado pela socializao dos meios de produo , o qual seria um estgio preparatrio para a implantao do comunismo.

Que o trabalho escravo e o trabalho servil no dignificam o trabalhador, isso muito claro, e com certeza o leitor tem conhecimento do que eles representaram em diferentes fases da histria da humanidade.Mas esse um conceito atual, difundido a partir do sculo XIX, na poca daSegunda Revoluo Industrial, por Karl Marx (1818-1883) e Friederich Engels (1820-1895) no livro O capital.

Acontece que o trabalho assumiu diferentes formas ao longo da Histria, de acordo com os modos de produo e, sendo assim, a sua compreenso e enten- dimento no foram os mesmos em todas as pocas.

Nas comunidades ancestrais e nas poucas que ainda se mantm preservadas das influncias da modernidade, o trabalho sempre foi coletivo e solidrio.

Nas sociedades que adotaram os modos de produo escravista, feudal e capita- lista, o trabalho se tornou alienado, conforme expresso dos tericos marxistas.reProDuo

Deve conhecer, principalmente, como foi a escravido dos negros africanos no Brasil, durante o Perodo Colonial e o Imprio. Tambm deve se lembrar das vrias formas como eles se rebelaram contra sua explorao e de que, s aps vrias geraes de luta e resistncia, conseguiram libertar-se da opresso.

O que algumas pessoas talvez no saibam, ou talvez no se recordem, que no incio da industrializao segunda metade do sculo XVIII e primeira do XIX foi muito grande a resistncia dos trabalhadores transformao do trabalho em mercadoria, organizao da produo em fbricas e sua transformaoem mo de obra.

Esse trabalhador havia sido arteso, dono da sua fora de trabalho, dos seus instrumentos e do seu tempo e, com a industrializao, passou a ter de se su- jeitar a uma nova e incompreensvel realidade: s regras impostas nas fbricas, aos movimentos corporais impostos pelas mquinas, ao controle do processo de produo externo a ele, ao ritmo do tempo marcado pelo relgio e no mais pe- los ciclos da natureza e pelas necessidades de seu corpo; aos salrios estipulados pelos proprietrios dos meios de produo etc.

Antes, no trabalho concreto, autnomo, ou seja, aquele executado para si pr- prio, o trabalhador sabia o que iria produzir, o porqu e como faria para pro- duzi-lo. Com a industrializao, contudo, ele passava a trabalhar para outra pessoa: o capitalista, proprietrio dos meios de produo.

A esse tipo de explorao do trabalho Karl Marx chamou de trabalho alienado: ao vender sua fora de trabalho, a pessoa perde a possibilidade de projetar no produto as atividades do seu ato criador. o empresrio que o assalaria quem define e organiza o trabalho a ser feito por ele e apropria-se da mercadoria que ele gerou.

Durante a transio do modo feudal para o modo de produo capitalista, a bur- guesia precisou criar uma ideologia de valorizao do trabalho que convencesse o indivduo a operar nas fbricas e se adaptar s novas condies de produo.

Mas no foi com argumentos que se disciplinou o operrio que resistia a esse sistema de produo e sim com a perseguio e priso para os que se recusavam a trabalhar nos novos moldes, com a imposio de multas aos que transgrediam os severos regulamentos da fbrica e a vigilncia contnua de supervisores impie- dosos, com um olho nos trabalhadores e outro no cronmetro.

No trabalhar significaria preguia, irresponsabilidade, vadiagem. Em meio a esse regime de opresso, foi se criando uma cultura de valorizao do emprego. Este passou a ter peso importante na construo da identidade pessoal e social do indivduo. Como consequncia, o desemprego se tornou ameaa no s a sua sobrevivncia fsica como a sua situao psicossocial.

Atualmente, considerando o enfoque do capitalismo, a perspectiva sob a qual os empresrios so vistos mudou bastante: empresrios so empreendedores que, abrindo seus negcios, instalando suas empresas, fazendo-as crescer, criam oportunidades de emprego e renda para os trabalhadores que contratam e pro- movem o desenvolvimento da comunidade.

A partir de meados do sculo XX, a automao, a robtica, a microeletrnica e outras tecnologias provocaram mudanas que interferiram tambm na consti- tuio da identidade e do perfil do trabalhador. Isso porque se passou a exigir que ele se atualize e se adapte mais rapidamente s mudanas tecnolgicas e s exigncias do mercado.

O setor de servios, que se amplia cada vez mais, exige melhor qualificao pro- fissional, enquanto o setor industrial valoriza trabalhadores mais participativos,

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Figura 2.10

que tenham a viso de todo o processo produtivo, sejam proativos e capazes de tomar decises. MAxiMiliAn StocK ltD/Science Photo liBrAry hulton Archive/Getty iMAGeS

Nos dois setores, estimula-se a intelectualizao do trabalho e, consequente- mente, a escolaridade, a qualificao profissional e a formao continuada do trabalhador.

Trabalhar bom. No poder trabalhar o grande temor do nosso tempo, at mesmo por conta das crises de desemprego que tm ocorrido nas ltimas dca- das, em nvel internacional.

Da o empenho das pessoas, atualmente, em se qualificarem profissional- mente e se atualizarem constantemente com novas leituras, novos cursos, novas graduaes, ampliando, assim, seu potencial profissional e a sua

competitividade no mercado do trabalho e protegendo-se, dessa forma, das ondas de desemprego.

2.3.3 tica, cidadania e os deveres do trabalhadorSe nos sentirmos desmotivados e com a autoestima em baixa, porque no so- mos valorizados e nossos direitos no so respeitados, devemos utilizar os meios e aproveitar as oportunidades para reverter tal situao, reivindicando, defen- dendo juridicamente nossos direitos, aprimorando-nos ou procurando outras organizaes que nos ofeream melhores condies de trabalho. At mesmo, se houver oportunidade, abrir o nosso prprio negcio.

Entretanto, o trabalhador cidado tambm tem deveres.

O que no podemos agir de forma descuidada em nossa vida profissional, pois somos responsveis pelas consequncias de nossos descuidos, tanto sobre ns mesmos como sobre os outros. Por isso, como trabalhadores, devemos estar sempre nos questionando e nos avaliando sob determinados aspectos, de modo que nos comportemos sempre de acordo com os nossos deveres, orien- tados pelos princpios da tica profissional e conforme os valores da cidadania organizacional.

Assim, quando nos autoavaliamos, preciso nos perguntar:

1. Como lidamos com os instrumentos e com os recur- sos fsicos que usamos em nosso trabalho, seja produ- zindo algo concreto ou prestando servios?Somos cuidadosos, parcimoniosos, sensatos e prudentes ao us-los?

Compreendemos a importncia de evitar desperdcio, estrago e destruio des- ses materiais? Temos conscincia de que os recursos naturais podem se esgotar e de que economizar nos custos permite a diminuio dos preos e o aumento dos salrios?

Sabemos que a qualidade do nosso trabalho depende tambm do bom estado e do funcionamento dos instrumentos que utilizamos e da qualidade da matria--prima com que operamos? Passamos, por isso, a ficar atentos aos materiais de que esses instrumentos so feitos e a seu funcionamento, para empreg-los de forma adequada?

2. Qual a ateno que damos qualidade do que ofere- cemos aos consumidores, clientes ou usurios?Sabemos que devemos trat-los da mesma forma que gostaramos de ser tratados?

Sabemos que devemos ficar atentos s condies de higiene e de segurana necessrias tanto para a preparao de um produto quanto para a prestao de um servio?

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Seguimos as normas de qualidade na produo?

Considerando o tipo de produto que oferecemos, ns caprichamos na sua dura- bilidade, conforto, clareza, esttica, aroma, som e sabor?

Reparamos as falhas que encontramos ou informamos queles que devem faz--lo, para que o produto ou servio corresponda ao seu prottipo?

Sugerimos ou indicamos maneiras para melhorar a qualidade do que produzimos?

Observamos se o trabalho realizado por outros, e do qual dependemos para fazer o nosso com qualidade, est sendo desenvolvido com o mesmo cuidado?

3. Como nos comportamos, considerando a impor- tncia de nosso trabalho e sua repercusso tanto no ambiente em que ele se desenvolve quanto na vida em sociedade?

Respeitamos o ambiente, conservando a natureza e evitando a poluio? Exigi- mos o mesmo comportamento de todos?

Reconhecemos a importncia de aprender mais e nos atualizar para melhorar nossa prtica profissional e a dos que nos cercam?

4. Qual a nossa disposio para trabalhar em equipe de forma cooperativa, oferecendo e recebendo ajuda, dividindo responsabilidades, respeitando direitos e compartilhando poder e sucesso?Reconhecemos o valor da contribuio de cada um em nosso grupo?

Expressamos esse reconhecimento elogiando esforos e talentos dos demais, orientando-os e indicando caminhos que os faam melhorar?

Solicitamos sua opinio e colaborao quando precisamos de ajuda?

Figura 2.11 cifotArt/ShutterStocK frontPAGe/ShutterStocK henryK SADurA/ShutterStocK

Estamos conscientes de que tudo de que dispomos resultado de trabalho cole- tivo e, portanto, dos esforos de muitas outras pessoas que aplicaram suas ener- gias, competncias, vontade e tempo para oferecer algo comunidade? Temos conscincia de que somos um elo nessa cadeia de energias e intenes que per- mite a sociabilidade e garante a sobrevivncia e continuidade de nossa espcie? Ao nos darmos conta disso, atuamos de forma responsvel?

Sabemos que, quando falhamos, podemos causar danos fsicos ou morais, pre- juzos materiais, desconforto, descontentamento, comprometimento de patri- mnio e da imagem de pessoas, categorias profissionais, marcas e organizaes?

Divulgamos informaes e conhecimentos que possam ajud-los? Estimulamos seu desenvolvimento, sua autonomia e seu protagonismo?Ficamos atentos s condies de segurana e salubridade do ambiente que partilhamos com os outros e tambm s maneiras de preservar nossa sade e a dos demais?

Ao tomarmos esses cuidados, exigimos que os outros tambm o faam, para que toda a comunidade seja respeitada?

Figura 2.12operrio atuando em situao de risco, embora usando luvas e cinto de segurana.

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A nossa interao com a realidade, atravs do trabalho, tem sido a favor da boa qualidade de vida?b) tem sua sade fsica, mental, moral e emocional e as relaes afetivas pre- judicadas por atividades excessivas, causadoras de tenso, fora dos padres estabelecidos pelas normas de segurana e sade no trabalho;

c) no recebe remunerao justa em relao s atividades que realiza, s res- ponsabilidades assumidas, ao seu desempenho e qualidade do seu trabalho;

d) no tem seus mritos reconhecidos e as avaliaes s quais ele est sujeito so orientadas exclusivamente para chamar-lhe a ateno para seus pontos fracos e nunca para ressaltar os progressos que tem realizado. os critrios dessa avaliao tambm no lhe so comunicados e ele no motivado a se autoavaliar, percebendo, ele prprio, seus pontos fortes e os desafios que deve vencer para melhorar;

e) no v possibilidade de crescer dentro da organizao, pois ela no elabora um planejamento e uma gesto de carreira, no planeja polticas de treina- mento e desenvolvimento e, portanto, no investe na formao continuada do trabalhador, oferecendo-lhe cursos que possam contribuir para a oferta de melhores oportunidades de realizao profissional.

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2.3.4 A cidadania e o trabalhador em condies adversasQuestes particulares levam vrias pessoas a se sentirem realizadas ou insatis- feitas com o trabalho. Nem todas exercem a profisso que gostariam, pois isso depende de muitas variveis: o contexto histrico, geogrfico e familiar em que foram criados e se desenvolveram, as condies fsicas e emocionais, a oportuni- dade de formao, capacitao, qualificao profissional e outras.

Em algumas situaes, no entanto, a desmotivao se deve ao contexto e s circunstncias objetivas e especficas das funes que ocupam e/ou das organi- zaes nas quais trabalham.

As condies nas quais o trabalhador exerce sua funo so, em grande parte, responsveis direta ou indiretamente pelo seu comportamento e desempenho como profissional. Certas pessoas so obrigadas a realizar tarefas em situaes de insalubridade e insegurana, em troca de salrios irrisrios, sendo desconsi- deradas em seus direitos de trabalhadores e de cidados.

Em muitos lugares, ainda prevalece o que os marxistas consideram alienao do trabalho, ou seja, a separao entre sua concepo e execuo, sendo que os exe- cutores (entenda-se trabalhadores) no sabem o que esto produzindo, o porqu e como fazem para produzi-lo. Por causa disso, no tm a viso global e a compreen- so total de seu papel no processo produtivo; portanto, no identificam qual a sua importncia nesse processo e como seu produto afeta as pessoas e as comunidades. Enfim, so trabalhadores que no se sentem protagonistas e agentes da Histria.

Existem tambm os casos de pessoas que, para sustentarem a si mesmas e famlia, precisam se dedicar a vrios empregos e trabalharem jornadas alm daquelas consideradas mximas pela legislao trabalhista.

Todos esses fatores esto ligados tica e cidadania em relao ao tratamento dado ao trabalhador pela sociedade, pelo Estado, pelas organizaes e, s vezes, por ele mesmo.

De uma forma geral, podemos identificar que o trabalhador desrespeitado em seus direitos toda vez que ele:a) no esclarecido nem preparado pela organizao que o contrata para compreender a importncia do fruto do seu trabalho e de como ele pode realiz-lo de modo a torn-lo importante e benfico para seu prprio desen- volvimento e o de outras pessoas. Por isso, a forma de acolhimento e am- bientao do trabalhador recm-contratado e sua preparao para executar suas atividades devem incluir os esclarecimentos que precisam ser dados so- bre sua importncia na organizao e sua responsabilidade em ter um bom desempenho ao realiz-las;

Enfim, o fato de no se sentir realizado afeta no apenas o trabalhador, mas as suas relaes de trabalho, com sua equipe, seu empregador, os clientes, os forne- cedores, os concorrentes e, consequentemente, a prpria imagem da organizao onde ele trabalha.

2.3.5 Exigncias da cidadania no mundo do trabalho e direitos do trabalhadorH reciprocidade entre deveres e direitos. A todo direito corresponde um dever e a todo dever um direito.

Hoje, vrias empresas reconhecem a necessidade de investir cada vez mais na educao de seus funcionrios, algumas delas at criando universidades corpo- rativas. Da mesma forma, outras empresas remuneram seus funcionrios pelos ttulos acadmicos, pelo desempenho ou com base nos lucros obtidos.

A cidadania organizacional consiste exatamente na conscincia de que a or- ganizao tem de cumprir seus deveres em relao aos seus funcionrios, aos seus clientes e comunidade, deveres esses que se referem qualidade do produto ou servio que oferecem, remunerao justa ao trabalho, ao preo justo de venda, observncia aos princpios ticos no que se refere aos concorrentes e ao pblico e tambm no que diz respeito ao marketing e propaganda.

Se o trabalhador precisa ser cuidadoso com os materiais que usa para traba- lhar, com a qualidade do que produz trabalhando e perceber como respon- svel pela repercusso que tem o seu trabalho na vida social, tambm so deveres de quem o emprega, das polticas pblicas, dos meios de comunicao, enfim, de toda a sociedade:

Figura 2.13na sociedade moderna, a grande maioria das ocupaes exige estudo e formao do trabalhador.

garantir o respeito legislao que protege os seus direitos; GunnAr PiPPel/ShutterStocK

reconhecer e valorizar o seu papel na sociedade, propiciando-lhe salrios jus- tos, segurana, sade e bem-estar no trabalho; oferecer-lhe oportunidades e condies de crescer profissionalmente, com po- lticas de treinamento e desenvolvimento e por meio de capacitaes das mais diversas formas; ampliar vagas nos cursos profissionalizantes, de qualificao, requalificao e habilitao, nas modalidades presencial e a distncia; reconhecer os esforos e os resultados obtidos pelo trabalhador, recompensan- do-o com formas de remunerao em funo de seu desempenho; benefcios (plano de sade, pagamento de educao dos filhos, tquete alimentao etc.); participao em aes etc.; divulgar a importncia de sua funo e participao no processo produtivo, de modo que seu valor seja reconhecido socialmente.

PrOPOSTA dE ATividAdE 3Sugerimos ao final deste captulo uma atividade criativa de reviso e sntese que englobe os captulos anteriores. Por exemplo:1. Pesquise uma pea de teatro, um filme, um romance, uma novela de tv em que apaream tpicos dos captulos. Apresente em plenrio os resultados da sua busca. elejam trs colegas para elaborar um relatrio-sntese das buscas individuais. essa sntese poder ser discutida em outra plenria, com o intuito de mostrar quais foram os tpicos estudados que causaram mais impacto na classe e as razes desse impacto.

ou ento:2. em grupos, montem atividades-sntese (jograis, teatro, vdeos etc.) sobre os temas estudados nos dois captulos.Para terminarmos as consideraes sobre tica, cidadania e responsabilidade social e entrarmos no prximo captulo, parece-nos bastante exemplar o con- tedo dos versos singelos que compem a msica vilarejo, que, referindo-se a uma utopia, acabam por nos abrir os olhos para as mudanas de valores e atitudes que precisamos urgentemente assumir, se realmente pretendemos enfrentar os desafios do nosso tempo para a preservao da vida e das socie- dades humanas em nosso planeta.Procure a msica vilarejo na internet e escute-a (por exemplo, a partir do site http://video.sonicomusica.com/video/yt-cbBebKeSn_0/vilarejo-marisa-