o diálogo entre a neurociência e a educação

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NEUROCIENCIA E EDUCAÇÃO

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  • O DILOGO ENTRE A NEUROCINCIA E A EDUCAO: DA EUFORIA AOS

    DESAFIOS E POSSIBILIDADES

    Leonor Bezerra Guerra

    Bacharel em Medicina, Mestre em Fisiologia, Doutora em Morfologia pela UFMG. Especialista em

    Neuropsicologia pela Universidade FUMEC. Professora adjunta de Neuroanatomia no

    Departamento de Morfologia/ICB/UFMG. Docente do Programa de PG em Neurocincias e

    Coordenadora do Projeto NeuroEduca/UFMG.

    Viver interagir. Desde o nascimento o homem interage com seu ambiente atravs dos mais

    variados comportamentos. Os comportamentos que adquirimos ao longo de nossas vidas resultam

    do que chamamos de aprendizagem ou aprendizado. Aprender uma caracterstica intrnseca do ser

    humano, essencial para sua sobrevivncia (Kolb; Whishaw, 2002). Comumente diz-se que algum

    aprende quando adquire atitudes, habilidades, conhecimentos, competncias para se adaptar a novas

    situaes, para resolver problemas, para realizar tarefas dirias importantes para a sobrevivncia e

    para implementar estratgias em busca de sade, de realizao pessoal e em sociedade, de melhor

    qualidade de vida, enfim, em busca de viver bem e em paz. A educao visa ao desenvolvimento de

    novos comportamentos num indivduo, proporcionando-lhe recursos que lhe permitam transformar

    sua prtica e o mundo em que vive. Aprendemos o que til para a nossa sobrevivncia e/ou que

    nos proporciona prazer. Educar proporcionar oportunidades e orientao para aprendizagem, para

    aquisio de novos comportamentos. Aprendizagem, por sua vez, requer vrias funes mentais

    como ateno, memria, percepo, emoo, funo executiva, entre outras. E, portanto, depende

    do crebro.

    O Sistema Nervoso (SN), por meio de seu integrante mais complexo, o crebro, recebe e

    processa os estmulos ambientais e elabora respostas adaptativas que garantem a sobrevivncia do

    indivduo e a preservao da espcie (Halpern; O'Connell, 2000; Ferrari et al., 2001). A evoluo

    nos garantiu um crebro capaz de aprender, para garantir nosso bem-estar e sobrevivncia e no

    para ter sucesso na escola. A menos que o bom desempenho escolar signifique esse bem-estar e

    sobrevivncia do indivduo. Na escola o aluno aprende o que significativo e relevante para o

    contexto atual de sua vida. Se a sobrevivncia a nota, o crebro do aprendiz selecionar

    estratgias que levem obteno da nota e no, necessariamente, aquisio das novas

    competncia=.

    O comportamento humano resulta da atividade do SN, do conjunto de clulas nervosas, ou

    redes neurais, que o constituem. O comportamento depende do nmero de neurnios e de suas

  • substncias qumicas, da atividade destas clulas, da forma como neurnios se Informao, para o

    neurnio, a alterao das suas caractersticas eletroqumicas. Quando o indivduo est em

    interao com o mundo, exibindo um comportamento, vrios conjuntos de neurnios, em diferentes

    reas do SN esto em funcionamento, ativados, trocando informaes. As funes mentais so

    produzidas pela atividade do SN e resultam do crebro em funcionamento. Funes relacionadas

    cognio e s emoes, presentes no cotidiano e nas relaes sociais, como sentir e perceber, gostar

    e rir, dormir e comer, falar e se movimentar, compreender e calcular, ter ateno, lembrar e

    esquecer, planejar, julgar e decidir, ajudar, pensar, imaginar, se emocionar, so comportamentos

    que dependem do funcionamento do crebro. Educar e aprender tambm (Kolb; Whishaw, 2002).

    Se os comportamentos dependem do crebro, a aquisio de novos comportamentos tambm

    resulta de processos que ocorrem no crebro do aprendiz. E, portanto, o crebro o rgo da

    aprendizagem. As estratgias pedaggicas utilizadas por educadores durante o processo ensino-

    aprendizagem so estmulos que produzem a reorganizao do SN em desenvolvimento, resultando

    em mudanas comportamentais. Cotidianamente, educadores, pais e professores, atuam como

    agentes nas mudanas neurobiolgicas que levam aprendizagem, embora conheam muito pouco

    sobre como o crebro funciona (Scaldaferri; Guerra, 2002; Coch; Ansari, 2009).

    O conhecimento sobre o funcionamento do SN, especialmente do crebro, cresceu muito nos

    ltimos anos, devido, principalmente, chamada Dcada do Crebro (1990-1999) que deu grande

    impulso s neurocincias, ou seja, aos diversos ramos das cincias que se dedicam s investigaes

    e estudos sobre o SN. As neurocincias estudam as molculas que constituem os neurnios, os

    rgos do SN e suas funes especficas e o comportamento humano resultante da atividade dessas

    estruturas. Os avanos das tcnicas de neuroimagem e eletrofisiologia, e aqueles obtidos pela

    gentica e pela neurocincia cognitiva possibilitaram o estudo das reas cerebrais envolvidas em

    funes cognitivas especficas e esclareceram muitos aspectos do funcionamento do SN (Albright;

    Kandel; Posner, 2000; Geake; Cooper, 2003). Embora os processos cognitivos ainda no sejam

    integralmente conhecidos, devido s limitaes tcnicas e ticas que o estudo do comportamento

    humano impe, grande progresso j foi alcanado, incluindo descobertas que permitiram uma

    abordagem mais cientfica do processo ensino-aprendizagem porque esclarecem alguns dos

    mecanismos cerebrais responsveis por funes mentais importantes na aprendizagem (Blakemore;

    Frith, 2005; Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos, 2007).

    Essas descobertas ultrapassaram os nichos acadmicos e se estenderam s outras reas do

    conhecimento e entre elas, a educao. Alm disso, por meio da divulgao cientfica, mediada por

    poderosos veculos de comunicao, mas nem sempre fidedignos aos achados cientficos, como

    televiso, jornal, revistas, livros e internet, essas descobertas foram e so compartilhadas com o

    pblico. Este tem ao seu alcance, tanto informaes confiveis e esclarecedoras, quanto inferncias

  • e concluses equivocadas, denominadas neuromitos, que geram aplicaes e prticas sem

    comprovao cientfica (Mason, 2009). A divulgao cientfica de qualidade imprescindvel para

    a melhoria da qualidade de vida da populao e tem benefcios enormes (Herculano-Houzel, 2007),

    mas requer tica e compromisso cientfico e social (Sheridan; Zinchenko; Gardner, 2006; Silva;

    Guerra, 2009;).

    Assim, educadores e administradores de polticas pblicas de educao tiveram

    oportunidade de reconhecer o crebro como o rgo da aprendizagem e perceberam sua

    participao nas mudanas neurobiolgicas que levam ao aprendizado. Qual seria, ento, a

    contribuio das neurocincias, da neurobiologia para a Educao? O conhecimento sobre

    funcionamento do crebro poderia contribuir para o processo ensino-aprendizagem mediado pelo

    educador? Assim, no final da dcada de 2000, estabeleceu-se a interface ente as neurocincias e a

    educao, denominada mind, brain and education (MBE) ou mente, crebro e educao (MCE)

    (OCDE, 2003; Goswami, 2004; Goswami, 2005; Posner; Rothbart, 2005; Stern, 2005).

    As neurocincias so cincias naturais, que descobrem os princpios da estrutura e do

    funcionamento neurais, proporcionando compreenso dos fenmenos observados. A. Educao tem

    outra natureza e sua finalidade criar condies (estratgias pedaggicas, ambiente favorvel, infra-

    estrutura material e recursos humanos) que atendam a um objetivo especfico, por exemplo, o

    desenvolvimento de competncias pelo aprendiz, num contexto particular. A educao no

    investigada e explicada da mesma forma que a neurotransmisso. Ela no regulada apenas por leis

    fsicas, mas tambm por aspectos humanos que incluem sala de aula, dinmica do processo ensino-

    aprendizagem, escola, famlia, comunidade, polticas pblicas. Descobertas em neurocincias no

    se aplicam direta e imediatamente na escola. A aplicao desse conhecimento no contexto

    educacional tem limitaes. As neurocincias podem informar a educao, mas no explic-la ou

    fornecer prescries, receitas que garantam resultados. Teorias psicolgicas baseadas nos

    mecanismos cerebrais envolvidos na aprendizagem podem inspirar objetivos e estratgias

    educacionais. O trabalho do educador pode ser mais significativo e eficiente se ele conhece o

    funcionamento cerebral, o que lhe possibilita desenvolvimento de estratgias pedaggicas mais

    adequadas (Ansari, 2005; Ansari; Coch, 2006; Goswami, 2006; Coch; Ansari, 2009; Cubelli, 2009;

    Mason, 2009; Willingham, 2009). Contribuem para o cotidiano do educador: conhecer a

    organizao e as funes do crebro, os perodos receptivos, os mecanismos da linguagem, da

    ateno e da memria, as relaes entre cognio, emoo, motivao e desempenho, as

    potencialidades e as limitaes SN, as dificuldades para aprendizagem e as intervenes a elas

    relacionadas (Koizumi, 2004; Rotta; Ohlweiler; Riesgo, 2006; Blake; Gardner, 2007). Mas, saber

    como o crebro aprende no suficiente para realizao da mgica do ensinar e aprender.

  • Observa-se um excessivo otimismo em relao s contribuies das neurocincias para a

    teoria e prtica educacionais. Experimente pesquisar neurocincia e educao no

    www.google.com, www.scielo.org ou www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed e compare as trs pesquisas.

    Verifica-se uma cautela dos cientistas, que apontam aspectos importantes a serem considerados em

    relao ao dilogo entre as neurocincias e a educao. necessrio o estabelecimento de uma

    linguagem mediadora entre as duas reas, que esclarea as descobertas cientficas e sua real

    possibilidade de utilizao na educao. Isso demanda seriedade e compromisso tico dos meios de

    divulgao cientfica e o julgamento crtico do pblico alvo para que este conhecimento se aplique

    adequadamente no cotidiano escolar. importante entender a diferena entre conhecer os

    mecanismos cerebrais, compreender os processos mentais resultantes destes e aplic-los na prtica

    pedaggica. imprescindvel a investigao, rigorosa e cientfica, dos achados das neurocincias

    aplicados sala de aula, antes que se estabelea qualquer aplicao educacional. A falta de

    conhecimento dos neurocientistas sobre o processo ensino-aprendizagem na sala de aula e sobre

    metodologia e teoria educacionais bsicas mais um fator a ser contornado. A psicologia

    educacional, desempenhada por educadores capacitados em neurocincias bsicas, poder

    contribuir para o uso adequado dos achados das neurocincias e para a colaborao entre as duas

    reas. A incluso dos fundamentos neurobiolgicos do processo ensino-aprendizagem na formao

    inicial do educador proporcionar nova e diferente perspectiva da educao e de suas estratgias

    pedaggicas, influenciando tambm a compreenso dos aspectos sociais, psicolgicos, culturais e

    antropolgicos tradicionalmente estudados pelos pedagogos. As teorias de Piaget, Wallon, Vigotsky

    e mesmo a Pedagogia Inaciana estaro sujeitos a novos significados sob o olhar das neurocincias

    (Howard-Jones, 2005; Anderson; Reid, 2009; Coch; Ansari, 2009; Cubelli, 2009; Mason, 2009;

    Willingham, 2009).

    O educador tem procurado se capacitar em neurocincias participando de congressos, cursos

    de curta-durao e ps-graduaes com a expectativa de que essa formao possa contribuir para a

    resoluo dos problemas na escola. importante esclarecer que as neurocincias no propem uma

    nova pedagogia e nem constituem uma panacia para a soluo das dificuldades da aprendizagem e

    dos problemas da educao. Elas fundamentam a prtica pedaggica que j se realiza,

    demonstrando que, estratgias pedaggicas que respeitam a forma como o crebro funciona, tendem

    a ser mais eficientes. Segundo Stern (2005), a neurocincia por si s no pode fornecer o

    conhecimento especfico necessrio para elaborao de ambientes de aprendizagem em reas de

    contedo escolar especficas, particulares. Mas fornecendo insights sobre as capacidades e

    limitaes do crebro durante o processo de aprendizagem, a neurocincia pode ajudar a explicar

    porque alguns ambientes de aprendizagem funcionam e outros no.

  • Sem dvida, j existem contribuies das neurocincias que fundamentam a prtica

    educacional (Kolb; Whishaw, 2002; Koizumi, 2004; Blakemore; Frith, 2005; Herculano-Houzel,

    2005; Rotta; Ohlweiler; Riesgo, 2006; Blake; Gardner, 2007; Conselho Nacional de Pesquisa dos

    Estados Unidos, 2007). Embora no seja possvel, a partir delas, prescrever receitas para a soluo

    dos problemas da educao, conhecer a aprendizagem numa perspectiva neurobiolgica pode

    auxiliar educadores, professores e pais, a compreender alguns aspectos das dificuldades para

    aprendizagem e inspirar prticas educacionais cotidianas.

    Sabemos que os cuidados com o pr-natal so fundamentais para o desenvolvimento

    adequado do SN. Neste perodo, estruturas cerebrais so formadas e conexes entre clulas

    nervosas sinapses - determinadas geneticamente, so estabelecidas, garantindo a organizao

    estrutural e funcional fundamental para comportamentos tpicos da espcie, como andar, se

    comunicar, sugar, expressar emoes, entre outros. Deficincias nutricionais, ingesto de certas

    substncias qumicas, infeco por vrus e protozorios, exposio a radiaes e at informaes

    genticas ou cromossmicas erradas (sndromes de Williams, Down, Asperger, autismo, dislexia,

    etc.) podem alterar a estrutura bsica do SN. A criana que tem um SN diferente apresentar

    comportamentos, habilidades limitaes e potencialidades cognitivas distintas das demais e poder

    demandar estratgias de aprendizagem alternativas.

    Aps o nascimento, a interao do beb com o meio em que vive e os cuidados na primeira

    infncia so muito significativos. Este um perodo receptivo, de intenso desenvolvimento do SN,

    no qual as redes neurais so mais sensveis s mudanas, quando novos comportamentos podem ser

    progressivamente adquiridos, preparando o crebro para novas e mais complexas aprendizagens. A

    educao infantil e a exposio a estmulos sensoriais, motores, emocionais e sociais variados,

    freqentes e repetidos nessa fase contribuir para a manuteno das sinapses j estabelecidas, com

    preservao de comportamentos com os quais nascemos, e para a formao de novas sinapses,

    resultando em novos comportamentos. Falta de estimulao pode levar a perda de sinapses.

    Crianas pouco estimuladas nos primeiros anos de vida podem apresentar dificuldade para a

    aprendizagem, porque o crebro delas ainda no teve a oportunidade de utilizar todo o potencial de

    reorganizao de suas redes neurais. Embora necessitem de mais estmulos e estratgias alternativas

    de aprendizagem, ainda tero chance de recuperar o tempo perdido e as habilidades no

    desenvolvidas at ento. Um lar saudvel, um ambiente familiar adequado, bons exemplos e uma

    boa escola podem fazer grande diferena no desenvolvimento escolar.

    Neuroplasticidade a propriedade de fazer e desfazer conexes entre neurnios. Ela

    possibilita a reorganizao da estrutura do SN e do crebro e constitui a base biolgica da

    aprendizagem e do esquecimento. Preservamos as sinapses e, portanto, redes neurais relacionadas

  • aos comportamentos essenciais nossa sobrevivncia. Aprendemos o que significativo e

    necessrio para vivermos bem e esquecemos aquilo que no tem mais relevncia para o nosso viver.

    Ateno importante funo mental para a aprendizagem, pois nos permite selecionar, num

    determinado momento, o estmulo mais relevante e significativo, dentre vrios. Ela mobilizada

    pelo que muito novo e pelos padres (esquemas mentais) que j temos em nossos arquivos

    cerebrais. Da a importncia da aprendizagem contextualizada. difcil prestar ateno por muito

    tempo. Intervalos ou mudanas de atividades so importantes para recuperar nossa capacidade de

    focar ateno. Dificilmente um aluno prestar ateno em informaes que no tenham relao com

    o seu arquivo de experincias, com seu cotidiano ou que no sejam significativas para ele. O

    crebro seleciona as informaes mais relevantes para nosso bem estar e sobrevivncia e foca

    ateno nelas.

    Memorizamos as experincias que passam pelo filtro da ateno. Memria imprescindvel

    para a aprendizagem. As estratgias pedaggicas devem utilizar recursos que sejam

    multissensoriais, para ativao de mltiplas redes neurais que estabelecero associao entre si. Se

    as informaes/experincias forem repetidas, a atividade mais freqente dos neurnios relacionados

    a elas, resultar em neuroplasticidade e produzir sinapses mais consolidadas. Esse conjunto de

    neurnios associados numa rede o substrato biolgico da memria. Os registros transitrios -

    memria operacional - sero transformados em registros mais definitivos - memria de longa

    durao. Quando estuda apenas na vspera da prova, o aluno mantm as informaes na memria

    operacional. Assim que as utiliza na prova, garantindo a nota, as esquece. A consolidao das

    memrias ocorre, pouco a pouco, a cada perodo de sono, quando as condies qumicas cerebrais

    so propcias neuroplasticidade. Enquanto dormimos, o crebro reorganiza suas sinapses, elimina

    aquelas em desuso e fortalece as importantes para comportamentos do cotidiano do indivduo.

    Dormir pouco, dificulta a memorizao. Para aprender, precisamos estar despertos e atentos para

    absorver a experincia sensorial, perceptual e significativa, mas necessitamos do sono para que

    essas experincias sejam memorizadas e, portanto, apreendidas. Memria no se forma de imediato,

    da noite para o dia. A formao de sinapses demanda reaes qumicas, produo de protenas e

    tempo. Por isso, a aprendizagem requer re-exposio aos contedos e diferentes experincias e

    complexidade crescente. Assim, compreendemos a importncia da espiral da aprendizagem: Alm

    disso, preservamos na memria o que importante no cotidiano. Esquecemos o que no tem mais

    valor, significado ou aplicao para nossa vida.

    So as emoes que orientam a aprendizagem. Neurnios das reas cerebrais que regulam as

    emoes, relacionadas ao medo, ansiedade, raiva, prazer, mantm conexes com neurnios de reas

    importantes para formao de memrias. Poderamos dizer que o desencadeamento de emoes

    favorece o estabelecimento de memrias. Aprendemos aquilo que nos emociona.

  • Aprender no depende s do crebro, mas, tambm, da sade em geral. Exerccios fsicos

    aumentam a quantidade de fatores neurotrficos que contribuem para estabilizao das sinapses e

    para manuteno e formao de memrias. Uma dieta balanceada, incluindo protenas, carboidratos,

    gorduras, sais minerais e vitaminas, possibilita o funcionamento das clulas nervosas, a formao de

    sinapses e a formao da mielina, estrutura que participa da conduo das informaes entre redes

    neurais. Problemas respiratrios que perturbam o sono, anemia que reduz a oxigenao dos

    neurnios, dificuldades auditivas e visuais no facilmente detectadas, entre outros fatores, podem

    dificultar a aprendizagem. importante o aprendiz estar em boas condies de sade para aprender

    bem.

    Aprendizes so indivduos em transformao. Seus crebros, portanto, esto sempre

    mudando um pouco. O crebro do adolescente ainda est em desenvolvimento, principalmente na

    chamada rea pr-frontal, parte mais anterior do lobo frontal, envolvida com as funes executivas,

    ou seja, com a elaborao das estratgias de comportamento para soluo de problemas e auto-

    regulao do comportamento (Herculano-Houzel, 2005). Crebros adolescentes testam novos

    comportamentos com o objetivo de selecionar habilidades, atitudes e conhecimentos de fato

    proveitosos para a sobrevivncia na vida adulta. Eles aprendem o que os motivam, o que os

    emocionam, o que desejam, aquilo que tem significado para seu cotidiano. Transformar o contedo

    programtico de uma disciplina em algo relevante para o aprendiz um grande desafio para o

    professor.

    Outros fatores tambm influenciam a aprendizagem (Rotta; Ohlweiler; Riesgo, 2006).

    Aprendizes privados de material escolar adequado, de ambiente para estudo em casa, de acesso a

    livros e jornais, de incentivo ou estmulo dos pais e/ou dos professores, e pouco expostos a

    experincias sensoriais, perceptuais, motoras, motivacionais e emocionais essenciais ao

    funcionamento e reorganizao do SN, podem ter dificuldades para a aprendizagem, embora no

    sejam portadores de alteraes cerebrais. Transtornos psiquitricos, como o transtorno do dficit de

    ateno e hiperatividade (TDAH) e depresso, que demandam orientao mdica e tratamento,

    podem dificultar a aprendizagem. Transtornos, como a dislexia e discalculia, caracterizados por

    dificuldades na aquisio de habilidades de escrita, leitura e do raciocnio lgico-matemtico,

    resultantes de organizao cerebral diferente, de provvel origem gentica, tambm comprometem a

    aprendizagem. Nesses casos, as crianas conseguiro aprender, mas necessitaro de estratgias

    alternativas de aprendizagem, uma vez que seus crebros utilizam caminhos ou circuitos neuronais

    diferentes para atingir o mesmo aprendizado.

    E quando no aprendemos, o problema est sempre no crebro? Nem sempre. Aprendizagem

    no depende apenas do funcionamento cerebral. A maioria dos casos tem relao com outros

    fatores, e no com um problema cerebral. Fatores relacionados comunidade, famlia, escola, ao

  • meio ambiente em que vive o aprendiz e sua histria de vida interferem significativamente na

    aprendizagem. Alm disso, ela influenciada por aspectos culturais, sociais, econmicos e tambm

    pelas polticas pblicas de educao, que tornam as neurocincias apenas mais uma contribuio

    para a abordagem da aprendizagem. Devido sua etiologia multifatorial, a abordagem de uma

    dificuldade para a aprendizagem necessariamente multidisciplinar.

    Postula-se que o avano do conhecimento neste milnio s ser possvel a partir de uma

    perspectiva transdisciplinar. As diversas reas do conhecimento deveriam utilizar seus pressupostos

    para avanar em direo a novos conhecimentos. A educao pode se beneficiar dos conhecimentos

    da neurobiologia para abordagem das dificuldades escolares e suas intervenes teraputicas. A

    reflexo sobre as possibilidades e desafios do dilogo entre a neurocincia e a educao pode trazer

    avanos para ambas as reas. Com conhecimento cientfico, intercmbio de experincias,

    julgamento crtico, pacincia, vontade, disposio, energia, dedicao, mas sem euforia, poderemos

    fazer bom uso das contribuies das neurocincias. E assim, saber como o crebro funciona, pode,

    de fato, ajudar a educar.

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    GRADUAO EM NEUROCINCIAS DA UFMG Interdisciplinaridade nas Neurocincias, 18-

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    WILLINGHAM, D. T. Three problems in the marriage of neuroscience and education. Cortex, v.

    45, n. 4, p. 544-545, 2009.

    RESUMO caso necessrio

    Educar proporcionar oportunidades e orientao para aprendizagem, para aquisio de novos

    comportamentos. Comportamentos resultam da atividade cerebral. O crebro, portanto, o rgo da

    aprendizagem. As descobertas das neurocincias esto esclarecendo alguns dos mecanismos

    cerebrais responsveis por funes mentais importantes na aprendizagem. No entanto, a aplicao

    desse conhecimento no contexto educacional tem limitaes. As neurocincias no propem uma

    nova pedagogia, mas fundamentam a prtica pedaggica que j se realiza, demonstrando que

    estratgias pedaggicas, que respeitam a forma como o crebro funciona, tendem a ser mais

    eficientes. Conhecer a aprendizagem numa perspectiva neurobiolgica pode auxiliar educadores,

    professores e pais, a compreender alguns aspectos das dificuldades para aprendizagem e inspirar

    prticas educacionais, mas no possibilita a prescrio de receitas para a soluo dos problemas da

    educao. Aprendizagem no depende apenas do funcionamento cerebral. Diversos fatores, como

    condies gerais de sade, ambiente familiar, estmulos na infncia, interao social, tipo de escola,

    aspectos culturais, scio-econmicos e at polticas pblicas de educao, tambm interferem na

    aprendizagem. Cabe, assim, uma reflexo sobre as possibilidades e desafios do dilogo entre a

    neurocincia e a educao.

    Palavras-chave: aprendizagem, crebro, educao, neurocincia, sistema nervoso