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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ FELIPE ZANATTA MICHELON O DIÁLOGO DA CONSTITUIÇÃO COM O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: UMA PERSPECTIVA DOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS E DOS LIMITES IMPOSTOS AOS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ São José 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

FELIPE ZANATTA MICHELON

O DIÁLOGO DA CONSTITUIÇÃO COM O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: UMA PERSPECTIVA DOS SISTEMAS PROCESSUAIS

PENAIS E DOS LIMITES IMPOSTOS AOS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ

São José

2010

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FELIPE ZANATTA MICHELON

O DIÁLOGO DA CONSTITUIÇÃO COM O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: UMA PERSPECTIVA DOS SISTEMAS PROCESSUAIS

PENAIS E DOS LIMITES IMPOSTOS AOS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ

Monografia apresentada à Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito

parcial a obtenção do grau em Bacharel em

Direito.

Orientador: Prof. MSc. Jádel da Silva Júnior

São José 2010

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FELIPE ZANATTA MICHELON

O DIÁLOGO DA CONSTITUIÇÃO COM O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: UMA PERSPECTIVA DOS SISTEMAS PROCESSUAIS

PENAIS E DOS LIMITES IMPOSTOS AOS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Processual Penal.

São José, dia 25 de novembro de 2010.

Prof. MSc. Jádel da Silva Júnior UNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos UNIVALI – Campus de São José

Membro

Prof. Esp. Henrique Gualberto Brüggemann UNIVALI – Campus de São José

Membro

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À Deus.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer primeiramente ao Pai Celestial, por ter me dado muita

saúde e boa vontade. Sem dúvida é dele todo o mérito, honra e glória.

Eu sou apenas um grão de mostarda...

Em segundo lugar, é imensa a gratidão aos meus pais, José Michelon e

Adiles Carmen Zanatta Michelon, por tudo o que fizeram e fazem diariamente por

mim. Queria que todos tivessem genitores como os meus: sempre presentes,

companheiros para todos os momentos, amáveis, honestos e humildes. Eles sim,

que presenciaram as minhas primeiras palavras e engatinhadas, sempre me

confiaram na minha evolução como ser humano.

Se todos os pais fossem iguais aos meus, não haveria tristeza para nenhum

filho.

Ademais, como a família não é só caracterizada por pai e mãe, também

agradeço aos meus avôs e avós (in memoriam), tios e tias, primos e primas. Em,

especial, é imprescindível alçar os nomes dos meus tios e padrinhos de batismo

Ricardo José Momo e Ariene Salete Zanatta Momo e dos seus filhos, Luiz Henrique

Zanatta Momo e Geovana Zanatta Momo pela proximidade nas relações familiares

que cultivamos, nutrindo um sentimento profundo e sincero de felicidade e amor.

Não menos importante, muito pelo contrário, agradeço aos meus outros tios

e tias Benjamin Perboni, Alice Maria Zanatta Perboni, Alcides Milton da Silva, Maria

Michelon da Silva, Alides Ana Zanatta Bordignon, Adalberto José Bordignon, Luiz

Michelon Sobrinho, Mariane Supp Michelon, Eugênio Michelon, Roeli do Carmo da

Silva Michelon, Vitor Antônio Zanatta (in memoriam), Eliana Niero Zanatta e todos os

seus filhos e netos.

Simplesmente porque a família é a célula máter da sociedade e muitos dos

meus princípios de dignidade e ética foram arraigados destas pessoas.

Agradeço também às Senhoras Suzete Opilhar e Rosângela Civinski,

Diretoras Judiciárias à época em que trabalhei na Diretoria Judiciária do Tribunal de

Justiça de Santa Catarina de 2006 a 2007, por todo o carinho e acolhimento, o qual

é irrestritamente recíproco. O presente trabalho deve muito à vocês também.

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Outrossim, fica a grata lembrança à Renato Bertoldi Uliano, funcionário do

Tribunal de Justiça de Santa Catarina e amigo de meu pai, homem que me deu a

oportunidade de ingresso – juntamente com Humberto Ricardo Corso – como

voluntário, na Corte de Justiça Barriga Verde.

Ao Desembargador José Carlos Carstens Köhler, com quem tive a imensa

honra de trabalhar na Segunda Câmara de Direito Criminal e tenho, atualmente, na

Quarta Câmara de Direito Comercial. Evoluo constantemente na lida jurídica graças

ao Senhor, Desembargador. Muito obrigado, de verdade, pelo seu sentimento

altruísta e pela oportunidade valiosíssima de me deixar trabalhar como assessor

voluntário há um bom tempo, a qual venho aproveitado da melhor forma.

Ao amigo Victor Schmidt Figueira dos Santos, hoje Juiz Substituto, pelo elo

de amizade forte e irrompível, sincero e verdadeiro. Não raras foram as nossas

discussões jurídicas, curiosidades por palavras novas e memorizações de nomes

completos. Eram bons tempos, meu amigo...

À Paula de Souza, minha respeitável namorada. Paula, nascestes para

desfilar e brilhar no palco iluminado da vida e, sem sombra de dúvida, conquistarás

os meandros mais doces e vertiginosos do amor. Sou grato por toda a paciência,

companheirismo e amor.

Aos meus colegas e amigos de graduação, em especial ao Rui Pedro Pina

Cabral da Silva, Thiago Yukio Guenka Campos, Danflauer Antunes Pereira Júnior,

Bruna Roberta Gonçalves e Thays Joana Tumelero. É uma honra e alegria poder

dividir o banco dos bacharéis com vocês, máxime por serem a esperança a que

tanto roga o Poder Judiciário.

Não olvidando os demais, agradeço aos amigos feitos pelo Direito, Samuel

Schmidt, Leonardo Fagotti Mori, Gustavo de Oliveira Quandt, Leonardo de Bem e

Ênio Gentil Vieira Júnior. Que resplandeça nossa chama de amizade aonde quer e

em qualquer situação que estivermos.

Ao meu orientador, Promotor de Justiça, Professor e Doutor Jádel da Silva

Júnior: o mais brilhante, humano e inteligente jurista que já conheci. E não só pelo

seu intelecto, como também pelas suas lições de humildade, humanidade e retidão

de caráter. Gostaria de alcançar um dia metade de sua capacidade, Professor. Eu já

estaria satisfeito...

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Aos inúmeros e milhares amigos que deixei na Diretoria Judiciária do

Tribunal de Justiça. E se aqui eu me propor a escrever os nomes completos irei

longe...

Ao Alcides Costa Emanuelli Júnior e Fabrício Locks Machado de Carvalho,

sem dúvidas alguns dos meus melhores e inseparáveis amigos. Por tudo o que já

construímos juntos na adolescência e juventude. É o mínimo pelo imenso valor de

um amigo.

Aos meus amigos de longa data Thiago Ribeiro Alves e Daniel Felipe Alves

e aos seus familiares que, em que pese não terem contribuído materialmente para

este trabalho, merecem ênfase.

A todo o pessoal da Coordenação de Direito da Univali, funcionários e

professores, que foram fantásticos do inicio ao fim do curso.

E, por fim, agradeço aos meus amigos e colegas de trabalho: Fernando

Sens de Oliveira (que atualmente não se encontra mais trabalhando conosco), ao

Rodrigo Cobra Sanches, Karoline Denise Stricker Pacheco, Mário Sérgio Simas,

Camila Michels Corrêa, Juliana Cunha Espezim, Vitor Bega Digiovani, Patrícia

Figueiró, Bruna Masson Soccol, Mário César Felippi Filho, Ricardo Wagner Benício

da Silva e Leonardo Roberto de Medeiros.

Muito obrigado!

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Estudante: forma-te numa piedade sólida

e ativa, sobressai no estudo, sente anelos

firmes de apostolado profissional. – E eu

te prometo, ante o vigor da tua formação

religiosa e científica, próximas e amplas

conquistas.

São Josemaria Escrivá

(Caminho)

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, novembro de 2010.

Felipe Zanatta Michelon

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RESUMO

A doutrina e a jurisprudência há muito se preocupam com o alcance do chamado

processo penal democrático, em confluência com a Constituição Federal de 1988.

Uma das grandes discussões se dá em matéria de prova penal, tendo em vista que

o art. 156 do Código de Processo Penal autoriza o juiz a produzir provas por impulso

próprio, sem requerimento da acusação ou da defesa. Com a divisão clássica da

doutrina dos sistemas processuais, a Carta Magna adotou o modelo acusatório para

balizar a ritualística do processo penal, devendo ser observados todos os direitos e

garantias fundamentais do acusado e, por consequência lógica, os princípios que

assim os norteiam. O sistema acusatório tem no princípio acusatório o seu amparo

inicial, desvelando-se deste uma série de garantias constitucionais inerentes à

defesa. E, ao adotar-se o protótipo acusatório, vislumbra-se que a verdade real,

efetivamente, é um mito inalcançável, dando lugar à verdade processual. Por tal

razão, filia-se à corrente defensora da impossibilidade de juiz produzir prova de

ofício no processo penal. Ocupar posição diferente, sob o auspício da busca da

verdade real, é a mesma coisa que ir ao desencontro do sistema acusatório,

violando-se a imparcialidade, o contraditório, a ampla defesa, o devido processo

legal, entre tantos outros princípios fundamentais. Por fim, a figura do juiz-ator

estabelecida no art. 156 do Código de Processo Penal e, também entre outros

dispositivos infraconstitucionais, deve ser rechaçada, urgindo-se a necessidade de

um juiz-garante, afastado da atividade probatória (exclusiva à acusação e à defesa),

conservando e observando a dialética de um processo penal democrático, com um

sistema acusatório bem delineado.

Palavras-chave: Constituição. Conformidade. Sistema acusatório. Sistema

inquisitório. Sistema misto. Princípios. Processo Penal. Paridade de armas.

Imparcialidade. Verdade real. Verdade processual. Impulso oficial. Ônus da prova.

Juiz. Produção probatória. Possibilidade. Democracia.

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ABSTRACT

The doctrine and jurisprudence has long been concerned with the scope of the

prosecution called democratic, in confluence with the Constitution of 1988. A major

discussion takes place regarding criminal evidence in order that art. 156 of the Code

of Criminal Procedure authorizes the court to give evidence for momentum of its own,

without requiring the prosecution or defense. With the classic division of the doctrine

of procedural systems, to Magna Charta adopted the adversarial model to mark the

ritual of criminal procedure must be observed all the rights and guarantees of the

accused and, by logical consequence, the principles that guide the well. The

adversarial system has in principle support his initial indictment, revealing this is a

series of constitutional guarantees in the defense. And, by adopting the prototype is

libelous, sees that the real truth, indeed, is an unattainable myth, giving rise to

procedural truth. For that reason, joins the current inability of judge advocate to

provide evidence in criminal proceedings ex officio. Occupy a different position,

under the auspices of the search for real truth is the same as going to the mismatch

of the adversarial system, in violation of impartiality, the contradictory, the defense,

due process, among many other fundamental principles. Finally, the figure of the

judge-established actor in art. 156 of the Code of Criminal Procedure, and also

between other devices under the Constitution, must be resisted, urging the necessity

of a judge warrants, away from the evidential activity (exclusive to prosecution and

defense), preserving and respecting the dialectic of a process criminal democratic,

with an accusatory system clearly defined.

Keywords: Constitution. Accordingly. Adversarial system. Inquisitorial system. Mixed

system. Principles. Criminal Procedure. Parity weapons. Fairness. Real truth. Truth

Procedure. Impulse official. Burden of proof. Judge. Production of evidence.

Possibility. Democracy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

1APROFUNDANDO OS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS ............................... 14

1.1 NOÇÕES PROPEDÊUTICAS ...................................................................... 14

1.2 SISTEMA ACUSATÓRIO ............................................................................. 16

1.3 SISTEMA INQUISITIVO OU INQUISITORIAL .............................................. 21

1.4 SISTEMA MISTO, ACUSATÓRIO FORMAL OU NAPOLEÔNICO ............... 25

1.5 O SISTEMA PROCESSUAL PENAL ADOTADO PELO BRASIL .................. 28

2O SISTEMA PROCESSUAL PENAL COMO MECANISMO DE GARANTIAS:

ENFOQUE PRINCIPIOLÓGICO ACERCA DA ATIVIDADE PROBATÓRIA ........... 30

2.1 A LUTA DOUTRINÁRIA PELA BUSCA DA MELHOR CONCEITUAÇÃO ..... 30

2.2 O QUE SÃO PRINCÍPIOS? .......................................................................... 32

2.3 DOS PRINCÍPIOS EM ESPÉCIE ................................................................. 34

2.3.1 Princípio do contraditório ................................................................... 35

2.3.2 Princípio da ampla defesa .................................................................. 36

2.3.3 Princípio do estado de não-culpabilidade ......................................... 38

2.3.4 Princípio do devido processo legal ................................................... 41

2.3.5 Princípio do impulso oficial ................................................................ 43

2.3.6 Princípio da imparcialidade ................................................................ 45

2.3.7 Princípio da igualdade das partes ou da paridade de armas........... 47

3A QUESTÃO DA PROVA: A (DES)CONFORMIDADE DO ART. 156 DO CÓDIGO

DE PROCESSO PENAL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL ................................ 49

3.1 BREVE E NECESSÁRIO ESCORÇO ........................................................... 49

3.2PRINCÍPIO ACUSATÓRIO ............................................................................... 49

3.3DA PROVA PENAL ........................................................................................... 50

3.4O ONUS PROBANDI NO PROCESSO PENAL ................................................. 53

3.5O PAPEL DO JUIZ NO PROCESSO ................................................................. 60

3.6O “MITO” DA VERDADE REAL ......................................................................... 61

3.7O ARTIGO 156 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: A JUSTIFICATIVA

PROCESSUAL QUE REFOGE À CONFORMIDADE CONSTITUCIONAL ............ 63

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 66

ÍNDICE ONOMÁSTICO ............................................................................................ 69

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a viabilidade ou não de o juiz

produzir prova ex officio no processo penal, sob os auspícios dos sistemas

processuais e dos princípios constitucionais que informam a atividade probatória.

O art. 156 do Código de Processo Penal autoriza o magistrado a determinar,

no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para

dirimir dúvida sob ponto relevante.

Por tal razão, alguns juristas entendem que o juiz, ao sair de sua condição

de inerte no processo, vindo a investigar provas por impulso próprio no processo

penal, feriria a própria ideia de sistema acusatório, além de uma série de garantias

fundamentais, como o devido processo legal, a imparcialidade, o contraditório e o

estado de não-culpabilidade.

De outra banda, outra corrente de pensadores hasteia o lábaro para a

regularidade de aplicação do comentado artigo, uma vez que a produção de provas

pelo magistrado, supletivamente ou não, pelos principais argumentos de que não

seria ferido o princípio da imparcialidade, além de sustentarem que o escopo do

processo penal é a busca pela verdade real, podendo ser dirimida até mesmo pelo

magistrado.

Encharcou-se de doutrinas e artigos sobre o tema com posições das mais

instigantes. Posicionar-se nesta porfia com firmeza é para poucos, como Aury Lopes

Júnior e Jacinto Nelson de Miranda Coutinho.

Nessa toada, a controvérsia instaurada deve passar, necessariamente, sob

uma análise criteriosa dos sistemas processuais penais, dos princípios reitores da

atividade probatória e, em remate, da própria questão das provas.

Ademais, foram levantadas as seguintes hipóteses: i) qual é o sistema

processual penal adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro? ii) existe distribuição

de carga probatória entre a acusação e a defesa no processo penal? e iii) seria

possível o juiz produzir provas de ofício sem que haja violação aos princípios

constitucionais?

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Para enfrentar essas temáticas, dividiu-se a presente monografia em três

capítulos.

De início, no primeiro capítulo atinente aos sistemas processuais penais, far-

se-á um breve contorno acerca da noção de sistema e, empós pontificada, seguir-

se-á na elucidação sobre cada um dos sistemas processuais penais existentes,

quais sejam, inquisitivo, acusatório e misto.

O modelo inquisitorial tem por traço característico a junção das funções de

acusar e julgar e o réu é visto como mero objeto de averiguação. Já no protótipo

acusatório há uma evidente divisão das funções de acusar, defender e julgar,

passando o réu a ser tratado como sujeito de direitos e deveres. Por seu turno, o

arquétipo misto, conflui a ideia dos dois sistemas anteriores, sendo que na fase

preliminar há um viés inquisidor e na fase judicial deve ser observado o princípio

acusatório.

Quanto ao segundo capítulo dedicar-se-á exclusivamente aos princípios

constitucionais do processo penal fazendo, anteriormente, um breve delineamento

acerca do conceito de princípio. Será analisados os princípios do contraditório, da

ampla defesa, da imparcialidade, do impulso oficial, do devido processo legal, do

estado de não-culpabilidade e da igualdade das partes.

Em remate, no terceiro capítulo, examinar-se-á a questão probatória no

processo penal. Em sua parte preliminar, será balizado o princípio acusatório e o

que vem a ser prova. Ato contínuo, a inversão do onus probandi guardará uma

pitada de discussão interessante e será desvendado o mito da verdade real. É aqui

que se estabelecerá se a atividade oficiosa do magistrado é compatível ou não com

a dicção da Carta Magna de 1988.

No que atine à metodologia empregada, vale lembrar que se lançou mão do

método dedutivo, porquanto se parte de uma formulação geral do problema a ser

enfrentado, rumando a subsídios jurídicos mais específicos, que poderão sustentá-lo

ou negá-lo. E assim objetiva-se responder às hipóteses agitadas.

De mais a mais, a técnica empregada é a documental indireta, quer dizer,

foram coligidas as doutrinas e os dispositivos legais referentes ao tema, como tal se

utilizará da pesquisa documental direta, através da análise de julgados e artigos

científicos pertinentes.

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1APROFUNDANDO OS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

1.1NOÇÕES PROPEDÊUTICAS

Em mais uma incansável e épica jornada, dentre tantas outras já

enfrentadas na academia jurídica, lança-se o presente estudo na seara do Direito

Penal e Processual Penal. Neste capítulo, serão debulhados os sistemas

processuais penais1, traçando raízes históricas até chegar-se à ilação sobre qual

protótipo o ordenamento jurídico pátrio atualmente adota.

Para tanto, de pronto abrindo as cortinas do saber, mister se faz trazer à

baila uma conceituação2 sobre sistema processual penal3, visando ao melhor

esclarecimento do leitor:

Assim, sistema processual é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado,

1 “Falar em sistemas processuais sem, antes, definir etimologicamente a palavra sistema, seria um erro de metodologia, sem contar a falta de compreensão do assunto que poderia acarretar. Sistema, segundo o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é: 1. Conjunto de elementos, materiais ou ideais, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma relação. 2. Disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada: sistema penitenciário; sistema de refrigeração. 3. Reunião de elementos naturais da mesma espécie, que constituem um conjunto intimamente relacionado... (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª ed., revista e ampliada, Nova Fronteira, p. 1.594).” RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 47.

2 “A ciência, repetia estes dias comigo Petrocelli, é uma massa de conceitos, o que quer dizer uma massa de instrumentos, com os quais tratamos a realidade como o cirurgião trata com seus bisturis o corpo humano. O gume de nossos bisturis é a abstração. Os conceitos concretos são, na melhor das hipóteses, para os conceitos verdadeiros, como a espada de madeira de Arlequim para uma espada verdadeira. Quanto mais cortam melhor servem.” CARNELUTTI, Francesco. Lições sobre o processo penal. Tomo I. Tradução de Francisco José Galvão Bruno. 1ª ed. Campinas: Bookseller, 2004, p. 49.

3 Será adotado como sinônimo de sistema as expressões procedimento, protótipo e arquétipo, mesmo sabendo que há opiniões divergentes sobre tais conceituações, por exemplo, a do grande jurista José Henrique Pierangelli, que prefere alcunhar os sistemas processuais apenas como procedimento. Veja-se: “Muitos autores preferem usar as expressões sistema, ou ainda, princípio. Assim, sistema inquisitivo, sistema acusatório e sistema misto ou eclético. Preferimos, porém afastar tais expressões, por nos parecerem inadequadas. Por princípio, entendemos, com Miguel Reale, „as verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos ordenados em sistema de conceito relativos a dada porção da realidade‟. É o princípio que dá sentido e orientação a um sistema, posicionando-se sobre todas as demais regras.” PIERANGELLI, José Henrique. Processo penal: evolução histórica e fontes legislativas. Bauru: Jalovi, 1983, p. 102.

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que estabelece as diretrizes a serem seguidas à aplicação do direito penal e a cada caso concreto. O Estado deve tornar efetiva a ordem normativa penal, assegurando a aplicação de suas regras e de seus preceitos básicos, e esta aplicação somente poderá ser feito através do processo, que deve se revestir, em princípio, de duas formas: a inquisitiva e acusatória.4

Refugando, por ora, um assentamento mais delineado sobre os princípios –

importantes para o entendimento de toda a ritualística do processo, como se verá

adiante – é de bom alvitre ressaltar também, de antemão, os elementos que

caracterizam os sistemas processuais. Confira-se:

A caracterização de um sistema passa pelas seguintes questões: a) quem exerce a jurisdição; b) se o juiz pode começar o processo de ofício ou, não podendo, quem “propõe a ação penal” e se ela é popular, privada ou pública; c) se as figuras do acusador, do juiz e do defensor são atribuídas a pessoas diferentes; d) se o réu é sujeito de direitos ou não; e) se o procedimento é escrito/oral, público/secreto, contraditório/não-contraditório, contínuo/descontínuo; f) como é feito a valoração das provas; g) se há recurso.5

Como se vê, dentre as minudências que permeiam cada protótipo

processual, vislumbra-se primordialmente a necessidade implícita (entrelinhada) de

se explicar qual é o efetivo papel do juiz no processo penal, uma vez que assim,

ultrapassadas questões conceituais e explicadas as diferenças existentes entre cada

sistema, poder-se-á chegar a uma análise mais concreta sobre a gestão da prova no

processo penal e à pretensa discussão acerca da viabilidade ou não da iniciativa

instrutória se operar ex officio pelo juiz.

É aqui o que se pretende com o presente trabalho: explicar qual é,

efetivamente, a função de um togado a respeito da produção probatória,

necessitando, para tanto, filiar-se a uma posição no que tange o sistema processual

adotado pelo Brasil, quais são os princípios que devem ser sopesados quando em

conflitos no processo penal, a quem recai o onus probandi e se há hipóteses

excepcionais (supletivas) que autorizam o magistrado a produzir provas de ofício.

Gize-se, ademais, que a fonte do saber é infinita, de tal sorte que a porfia

aqui levantada de forma alguma terminará com o desfecho deste trabalho, mas tão

somente exortará o leitor a ter uma visão mais crítica a par da temática, ao passo

que conseguirá entender os meios e os fins dos contornos aqui tomados. Será

apenas uma partícula de uma “imensidão jurídica” que tentará se resolver, não se

4 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 47.

5 PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6ª ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 60.

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olvidando do objetivo final do Direito Penal, trasladado pelo mestre Francesco

Carnelutti: “O escopo do Direito Penal está portanto em eliminar o mal. Mas como

age para fazê-lo? É o próprio homem quem o diz: recorda a dor. O Direito Penal é o

Direito da dor; dor dupla, anterior e posterior, do pecado e do castigo.”6

Na dialética processual penal, verifica-se a existência de três sistemas

processuais, quais sejam, inquisitivo, acusatório e misto. O sistema acusatório

caracteriza-se precipuamente pela distinção entre as funções de acusação e

julgamento. Já o inquisitorial, considerado primitivo, condensa as figuras do

acusador e julgador. E, com relação ao misto, tem-se uma junção dos dois modelos

adrede mencionados, constituindo-se de um viés bifásico.7

Sendo assim, passa-se à análise dos indigitados sistemas.

1.2SISTEMA ACUSATÓRIO

Vindo a lume, fundamentalmente, por razões políticas8, assim como também

o sistema inquisitorial, o arquétipo acusatório predominou durante toda a

Antiguidade, mais precisamente na Grécia e em Roma, estendendo-se até a Idade

Média (Século XIII), período em que foi substituído pela Inquisição.9

A noção axial do sistema redundava em tribunais populares, preponderando

a íntima convicção como método de valoração das provas, além de o veredicto ser

imotivado10.

6 CARNELUTTI, Francesco. Lições sobre o processo penal. Tomo I. Tradução de Francisco José Galvão Bruno. 1ª ed. Campinas: Bookseller, 2004, p. 35.

7 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 28-29.

8 Além das razões políticas, outras “[...] de ordem teológica, econômica, filosófica e jurídica (entre tantas), foram altamente relevantes, mas, decididamente, secundárias ou, pelo menos, sempre estiveram subordinadas àquelas políticas”. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. Revista de informação legislativa, Brasília, ano 46, n. 183, julho/setembro de 2009, p. 104.

9 PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6ª ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 60.

10 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre a acusação e a sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 21.

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No Direito Romano da Alta República estamparam-se duas formas de

processo penal: a cognitio, baseada na inquisitio, e a accusatio, também chamada

de judicium publicum ou quaestio11. Nesta última, por exemplo, era inicialmente

exercitada pelo ofendido ou por seus parentes e, posteriormente, passando a

entender o delito como uma ofensa a coletividade, qualquer pessoa do povo podia

manejar a ação penal.12

Ratificando o pensamento acima mencionado, certifica Aury Lopes Júnior:

Cronologicamente, em linhas gerais, o sistema acusatório predominou até meados do século XII, sendo posteriormente substituído, gradativamente, pelo modelo inquisitório que prevaleceu com plenitude até o final do século XVIII (em alguns países, até parte do século XIX), momento em que os movimentos sociais e políticos levaram a uma nova mudança de rumos. [...] A origem do sistema acusatório remonta ao Direito grego, o qual se desenvolve referendado pela participação direta do povo no exercício da acusação e como julgador. Vigorava o sistema de ação popular para os delitos graves (qualquer pessoa podia acusar) e acusação privada para os delitos menos graves, em harmonia com os princípios do Direito Civil. [...] Na accusatio, a acusação (polo ativo) era assumida, de quando em quando, espontaneamente por um cidadão do povo. Surgiu no último século da República e marcou uma profunda inovação no Direito Processual romano. Tratando-se de delicta publica, a persecução e o exercício da ação penal eram encomendados a um órgão distinto do juiz, não pertencente ao Estado, senão a um representante voluntário da coletividade (accusator). Esse método também proporcionava aos cidadãos com ambições políticas uma oportunidade de aperfeiçoar a arte de declamar em público, podendo exibir para os leitores sua aptidão para os cargos públicos.13

Nesse comenos, é notória a existência de uma acusação formulada14, tendo

por escopo alimentar o espírito de convicção do julgador sobre a pretensa

responsabilidade penal, dividida em delicta publica e delicta privada. Era

estabelecido, mediante a instrução, o actus trium personarum de que falavam os

11

Eis que descoberta a origem da expressão quaestio, tão mal empregada nas decisões judiciais. A despeito de apenas duas formas de processo terem sido suso alinhavadas, é de bom grado ponderar que ainda existiram a provocatio ad populum, a provocatio, a anquisitio, a cognitio extra ordinem e a denominada Justiça Centurial. LAGO. Cristiano Álvares Valladares do. Sistemas processuais penais. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 89, v. 774, abril de 2000, p. 444-445.

12 PORFÍRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas Pinto. A tutela da liberdade no processo penal. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 108-109.

13 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 58-59.

14 “[...] ninguém podia ser levado a juízo sem uma acusação: nemo in iudicium tradetur sine accusatione, predominando o contraditório, observando-se a publicidade e oralidade nos julgamentos, tendo as partes, via de regra, disponibilidade sobre o conteúdo do processo, competindo ao Estado somente o conhecimento e julgamento da ação criminosa, em se tratando de delicta publica.” LAGO. Cristiano Álvares Valladares do. Sistemas processuais penais. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 89, v. 774, abril de 2000, p. 445.

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Medievais, evidenciando um perfil contraditório, marcado por debates públicos entre

os contendores.15

Justamente pelo seu viés contraditório, tendo igualdade de condições entre

acusação e defesa e o juiz como uma figura superior, no topo da posição angular, o

processo acusatório era considerado essencialmente um processo e luta de

partes.16

Entrementes, na época do Império, o sistema acusatório não se mostrou

hábil a superar todas as necessidades de repressão dos crimes, haja vista que uma

série de persecuções penais inspirava-se somente em animosidade ou vingança.

Em outras palavras, a ineficácia do protótipo de acusação popular decorreu da

própria fragilidade humana, eis que o meandro da impunidade acabava sendo

trilhado, devido à indiferença, ao descaso, à acomodação ou até por receio, na

medida em que os acusadores (quaesitores) poderiam ser punidos posteriormente

por tergiversação ou por calúnia.17

Tal problemática foi responsável pela “invasão” paulatina cometida pelos

juízes nas atribuições dos acusadores privados, desencadeando na junção, em um

mesmo órgão estatal, das funções de acusar e julgar.18

Pondera o brilhante jurista argentino Julio Bernardo José Maier que a

modificação dos pilares estabelecidos no modelo acusatório para o inquisitivo,

se operó gradualmente, penetrando siempre al antiguo sistema a las instituciones posteriores y adquiriendo el nuevo sistema, al comienzo, carácter de excepción frente al anterior, como intento natural de subsanar deficiencias de la antigua fórmula en la práctica o según las necesidades proprias de la nueva organización política,

que termina por imponerse y ordinarizarse.19

A par de toda essa movimentação social da época, os magistrados

começaram a proceder ex officio, inclusive sem acusação formal, investigando

15

PIERANGELLI, José Henrique. Processo penal: evolução histórica e fontes legislativas. Bauru: Jalovi, 1983, p. 102.

16 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre a acusação e a sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 20.

17 LAGO. Cristiano Álvares Valladares do. Sistemas processuais penais. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 89, v. 774, abril de 2000, p. 445.

18 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 60.

19 MAIER, Julio Bernardo José. Derecho procesal penal: fundamentos. v. 1. 2ª ed. Buenos Aires: Editores Del Puerto, 1999, p. 273 apud CARAVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 8. As citações feitas em língua estrangeira neste trabalho não serão traduzidas, eis que de fácil compreensão até para os mais incautos leitores.

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pessoalmente provas com o escopo de conferir uma sentença condenatória. Foi

neste momento histórico, emergente de um jusnaturalismo teológico20, que o

cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano e, combater os

pensamentos divergentes (heresias) tornou-se uma questão política,

institucionalizando-se o processo inquisitivo.21

Ultrapassas as premissas históricas de forma singela, volve-se à

caracterização hodierna do sistema, eis que de fundamental importância para fazer

o cotejo com o próximo tópico, atinente ao protótipo inquisitorial.

Sendo assim, lança-se mão novamente do escólio de Aury Lopes Júnior,

que muito bem delineia sobre o sistema em comento. Confira-se:

Na atualidade, a forma acusatória caracteriza-se pela: a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve ser das partes; c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo; d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo); e) procedimento é em regra oral (ou predominantemente); f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa); h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivo do órgão jurisdicional; i) instituição, atendendo a critério de segurança jurídica (e social) da coisa julgada; j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.

(destaques no original).22

Como se vê, a doutrina preocupa-se em elencar as estruturas características

de cada modelo de sistema processual de acordo com a colocação/função do

magistrado no processo.

Tal problemática, chamada por via transversa de o “papel dos juízes”, será

cabalmente esmiuçada posteriormente. Haure-se, no ponto, lição do jurista Salo de

Carvalho:

A caracterização dos modelos processuais será realizada de acordo com a posição do magistrado no processo. No sistema acusatório, regido pelo princípio do juiz espectador, o magistrado é um sujeito passivo tanto no que concerne à iniciativa da ação quanto à gestão

20

De uma maneira simplificada, é dizer que o fundamento do direito é Deus. 21

EYMERICH, Nicolau. Manual dos inquisidores. Tradução de Maria José Lopes da Silva. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 13.

22 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 60.

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da prova, estando, em consequência, rigidamente separado das partes, para assegurar a sua imparcialidade. Nesse juízo oral e público, a decisão cabe ao juiz segundo seu livre convencimento, sendo impossível, pois, qualquer manifestação ex officio para instauração do processo e/ou investigação de fatos a serem valorados futuramente como prova. Assim, a radical separação entre juiz e acusação é o mais importante de todos os elementos do modelo acusatório. Por outro lado, o sistema processual no qual o juiz procede à busca e valoração das provas, chegando à decisão por instrução inscrita e secreta, denomina-se inquisitivo.23

E, além da preocupação com a ingerência do magistrado, é salutar lembrar

que, a despeito de haver dificuldade em se estabelecer um sistema acusatório puro

ou genuíno aos modelos processuais penais hodiernos, restam incólumes e hialinas

três características que norteavam o discutido arquétipo desde a Antiguidade e que

até hoje não se desgarram; são os princípios da publicidade, da oralidade e do

contraditório, que estão em sentido diametralmente oposto ao sistema inquisitorial,

balizado pela obscuridade e arbitrariedade das decisões e dos procedimentos24, o

qual Luigi Ferrajoli tem intitulado, logo no primeiro capítulo de sua obra “Direito e

Razão”, como decisionismo processual.25

À análise do sistema acusatório, principalmente em se tratando da questão

da iniciativa probatória de ofício pelo juiz, não se pode olvidar que não há espaço

para que o juiz desenvolva a pecha do “quadro mental paranóico”, expressão trazida

pelo mestre dos mestres Franco Cordero26, ou seja, “[...] a possibilidade de decidir

antes e, depois, sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a

„sua‟ versão, isto é, o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário, ao

23

CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 17. 24

SCAPINI, Marco Antonio de Abreu. A violência dos sistemas processuais penais: uma abordagem crítica desde uma potência inquisitorial. Revista da Ajuris, Porto Alegre, ano n. 36, n. 115, setembro de 2009, p. 176.

25 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradutores Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavarez e Luiz Flávio Gomes. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 36 e ss.

26 “La solitudine in cui gli inquisitori lavorano, mai esposti al contraddittorio, fuori da griglie dialettiche, può darsi che giovi al lavorìo poliziesco ma sviluppa quadri mentali paranoidi. Chiamiamoli „primato dell‟ipotesi sui fatti‟: chi indaga ne segue una, talvolta a occhi chiusi; niente la garantisce più fondata rispetto alle alternative possibili, né questo mestiere stimola cautela autocritica; siccome tutte le carte sono in mano sua ed è lui che l‟ha intavolato, punta sulla „sua‟ ipotesi. Sappiamo sui quali mezzi persuasivi conti (alcuni irresistibili: ad esempio, la tortura del sonno, caldamente raccomandata dal pio penalista Ippolito Marsili); usandoli orienta l‟esito dove vuole”. CORDERO, Franco. Guida alla procedura penale. Torino: Utet, 1986, p. 51, apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Crítica à teoria geral do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 25, sublinhou-se.

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21

qual toma como verdadeiro”.27

Em remate ao tópico, vislumbra-se que a cultura processual acusatória pura

ou genuína não mais se encontra presente nos ordenamentos jurídicos pátrios, uma

vez que tal estrutura restou mitigada pela confluência dos resquícios inquisitoriais,

mormente no Brasil, pela ditadura da Era Vargas28.

Entretanto, o atual modelo acusatório ainda resguarda princípios baluartes

de um processo penal democrático, quais sejam, a publicidade, a oralidade e o

contraditório, e o seu princípio reitor, que é o acusatório; sem contar que o réu é

tratado como um “[...] senhor de direitos inafastáveis e respeitados”.29

1.3SISTEMA INQUISITIVO OU INQUISITORIAL

No que tange à sistemática inquisitória, emergem-se suas raízes na velha

Roma, principalmente no período da decadência e passou a ser utilizada em quase

todas as legislações da Europa nos Séculos XVI, XVII e XVIII.30

O protótipo inquisitivo foi fortemente influenciado pela Igreja Católica, a qual

rechaçava as “doutrinas heréticas” que surgiam. Outrossim, nessa toada, Jacinto

Nelson de Miranda Coutinho advertiu:

Trata-se, sem dúvida, do maior engenho jurídico que o mundo conheceu; e conhece. Sem embargo da sua fonte, a Igreja, é diabólico na sua estrutura (o que demonstra estar ela, por vezes e ironicamente povoada por agentes do inferno!), persistindo por mais de 700 anos. Não seria assim em vão: veio com uma finalidade específica e, porque serve – e continuará servindo, se não

acordarmos – mantém-se hígido.31

27

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Crítica à teoria geral do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 32.

28 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução Penal. 6ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 78.

29 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Crítica à teoria geral do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 37.

30 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 47.

31 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Crítica à teoria geral do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 18-19.

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22

Ao sistema inquisitivo puro, sem embargo, não há falar em noção de parte,

porquanto o actus trium personarum não é observado. O imputado, ao contrário do

sistema acusatório, é tratado como mero objeto de investigação, ou nos dizeres de

Alfredo Vélez Mariconde, mero objeto de verificação.32

De outra faceta, Niceto Alcalá-Zamora y Castilho defende que o sistema

inquisitivo não se trata de um processo genuíno, mas sim de uma forma

autodefensiva de administração da justiça.33

Ademais, modelo em foco nos remonta a ideia de um poder central absoluto,

centralizando-se as funções de legislar, administrar a julgar em uma só pessoa.34

Para melhor visualização do leitor, vale amealhar-se suas características:

a) quanto a quem exerce jurisdição; o monarca ou o príncipe detém o poder de julgar (a jurisdição). Como não pode julgar todos os casos, delega esse poder a seus funcionários, num sistema hierárquico; b) quanto a quem inicia o processo: o próprio inquisidor (órgão jurisdicional) inicia a persecução penal. Com o tempo, surgem os procuradores do rei, sobretudo na França, para denunciar e perseguir os infratores, mas o inquisidor continua a poder iniciar o processo de ofício; c) quanto à separação das figuras do acusador, do juiz e do defensor: como vimos, o acusador e o julgar estão reunidos na mesma pessoa ou órgão. Não havia defensor, pois, se o réu era culpado, não o merecia; se era inocente, um juiz inquisidor honesto o descobriria; d) quanto ao acusado ser sujeito de direitos: o acusado era objeto das investigações, e não sujeito de direito no “processo” inquisitivo; e) quanto ao procedimento: o procedimento passou a ter como meta absoluta a averiguação da verdade histórica, sob cuja base deveria se fundar a decisão final, podendo-se utilizar quaisquer meios para se chegar a tal verdade. O procedimento consistia numa investigação secreta, que era registrada por escrito em autos e tinha andamento conforme apareciam as provas. A decisão era tomada

32

“Desde entonces (inquisitio significa pesquisa que se cumple por escrito y secretamente, y al término de la cual se dicta la sentencia), el proceso cambia fundamentalmente de fisionomía; lo que era un duelo leal y franco entre acusador y acusado, armados de iguales poderes, se torna en lucha desigual entre juez y acusado. El primero abandona su posición de árbitro y asume la activa de inquisidor, actuando desde el primer momento también como acusador, es decir, se confunden las actividades del juez y del acusador; por su parte, el acusado pierde la condición de verdadero sujeto procesal y se convierte en objeto de una dura persecución.” VÉLEZ MARICONDE, Alfredo. El proceso penal inquisitivo. Scritti giuridici in memoria de Piero Calamandrei. v. II, Padova: Cedam, 1958, p. 510 apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Crítica à teoria geral do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 23.

33 ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Enseñanzas y sugerencias acerca de la acción. Estudios de derecho procesal em honor de Hugo Alsina. 1946, nota n. 83, p. 791 apud LAGO. Cristiano Álvares Valladares do. Sistemas processuais penais. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 89, v. 774, abril de 2000, p. 460.

34 PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6ª ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 61.

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posteriormente, com base nos autos (quod non est in acta non est in mundo), sem qualquer debate. Enfim, era um procedimento secreto, escrito, descontínuo e não-contraditório. A necessidade de ser escrito decorria do fato de que aquele que delegava o poder de julgar poderia reassumi-lo, revisando as sentenças dos escalões inferiores; f) quanto à valorização das provas: adotava-se o sistema de prova legal, no qual as provas tinham valor previamente estabelecido (por exemplo, necessidade de pelo menos duas testemunhas para provar um fato – testis unus, testis nullus). Contudo, o importante não eram as condições para se terem provas plenas, mas para as semiplenas, que permitiam a tortura como meio para se obter a prova máximo: a confissão. De tal maneira, vulgarizou-se a utilização da tortura que a inquisição se tornou sinônimo dela; g) quanto aos recursos: como os inquisidores recebiam o poder jurisdicional por delegação, ele podia retornar, subindo escalão por escalão, àquele que o delegou, para revisar a sentença. Assim, surgiu a apelação, com seu efeito devolutivo, e a organização judicial

hierárquica.35

Preocupante e delicado nessa sistemática abstrusa é o labor do magistrado

que, ausente de qualquer contraditório, desnuda-se como o senhor da prova. E é

exatamente neste ponto que reside a principal característica do sistema inquisitivo.

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, ao trabalhar com as ideias do respeitadíssimo

Dr. Jorge de Figueiredo Dias – ex-professor catedrático de Direito Penal da

Universidade de Coimbra e considerado como o “pai do Código Penal Português” –

com clareza explica:

A característica fundamental do sistema inquisitório, em verdade, está na gestão da prova, confiada essencialmente ao magistrado que, em geral, no modelo em análise, recolhe-a secretamente, sendo que “a vantagem (aparente) de uma tal estrutura residiria em que o juiz poderia mais fácil e amplamente informar-se sobre a verdade dos fatos – de todos os factos penalmente relevantes, mesmo que não contidos na „acusação‟ –, dado o seu domínio único e omnipotente

do processo em qualquer das suas fases.36

Como se tanto não bastasse, enxerga-se uma dupla arbitrariedade37 contida

no sistema com relação à atividade probatória: ao “juiz-ator-inquisidor” é lícito

proferir juízo de valor antecipado (primeira eiva) e, empós, buscar de forma

incessante a comprovação hábil a sustentar o seu nefasto pensamento/decisão

35

PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6ª ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 61-62.

36 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra: Coimbra, 1981, p. 247 apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Crítica à teoria geral do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 24.

37 Em verdade, a expressão dupla arbitrariedade desponta até mesmo de uma forma eufemística, eis que o sistema inquisitório não “se limita” a tais ingerências.

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24

(segunda eiva). É o que o condecorado jurisconsulto italiano Franco Cordero chama

de “primato dell’ipotesi sui fatti”38.

À busca das provas, no mais das vezes, permitia-se a tortura como

mecanismo de cognição, porquanto eficiente e cômoda.39 Posicionando-se a

respeito, Pietro Verri, um dos maiores iluministas italianos, se insurge contra a tal

prática odiosa:

Ademais, a razão corresponde rigorosamente ao fato. Qual é o sentimento que nasce no homem ao sofrer uma dor? Esse sofrimento é o desejo que a dor pare. Quanto mais violento for o suplício, tanto mais violento serão o desejo e a impaciência de que chega ao final. Qual o meio com que um homem torturado pode acelerar o término da dor? Declarar-se culpado do crime pelo qual é investigado. Mas é verdade que o torturado cometeu o crime? Se a verdade é sabida, é inútil torturá-lo; se a verdade é duvidosa, talvez o torturado seja inocente, tal como o culpado, é igualmente levado a se acusar do crime. Portanto, os tormentos não constituem um meio para descobrir a verdade, e sim um meio que leva o homem a se acusar de um crime, tenha-o não cometido. [...] Com isso, parece conclusivamente demonstrado que a tortura não constitui um meio para descobrir a verdade, mas é um convite para que tanto o culpado quanto o inocente se declarem culpados, o que constitui um meio para confundir a verdade, jamais para descobri-la.40

Para além dessas problemáticas, conta ainda o malfadado sistema

inquisitorial com a inexistência da coisa julgada. Ora, quão tormentoso é para um

acusado que não conseguirá, indubitavelmente, conseguir manter uma vida livre e

desprendida de qualquer temor da Inquisição, haja vista que poderia dormir como

inocente e acordar como culpado caso a discussão acerca da sua culpa fosse

reaberta. Assim, encaixa-se como uma luva apertada lição de Aury Lopes Júnior:

A inexistência da coisa julgada era característica do sistema inquisitório. EYMERICH alertava que o bom inquisidor deveria ter muita cautela para não declarar na sentença de absolvição que o acusado era inocente, mas apenas esclarecer que nada foi legitimamente provado contra ele. Dessa forma, mantinha-se o absolvido ao alcance da Inquisição e o caso poderia ser reaberto mais tarde pelo tribunal, para punir o acusado sem o entrave do trânsito em julgado.41

Após essas observações, conclui-se que o modelo inquisitorial foi um

“sistema da dor”, que praticamente condenava a maioria dos seus sujeitados, motivo

38

Vide nota n. 26. 39

CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 22. 40

VERRI, Pietro. Observações sobre a tortura. Tradução de Federico Carotti, 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 87-89, itálico no original.

41 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 67.

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pelo qual restou desacreditado, principalmente por incidir em um erro psicológico42,

pondo à atividade, numa mesma pessoa, o exercício de funções muito antagônicas,

quais sejam: investigar, acusar, defender e julgar.

1.4SISTEMA MISTO, ACUSATÓRIO FORMAL OU NAPOLEÔNICO43

Em primeira mão que se há falar de um modelo misto é nas reformas da

Ordenança Criminal de Luiz XIV (1670), mas apareceu de forma preponderante no

Século XIX, com o surgimento do famigerado Code d’instruction criminelle francês,

datado de 1808.44

Como bem traz a lume Eugênio Pacelli de Oliveira,

Nesse sistema processual, a jurisdição também se iniciaria na fase de investigação, e sob a presidência de um magistrado – os Juizados de Instrução – tal como ocorre no sistema inquisitório. No entanto, a acusação criminal ficava a cargo de outro órgão (o Ministério Público) que não o juiz, característica já essencial do sistema acusatório. Exatamente por isso, denominou-se referido sistema de sistema misto, com traços essenciais dos modelos inquisitórios e

acusatórios.45

Tal arquétipo foi expandido à Europa continental em razão da forte influência

das ideias da Revolução Francesa (Iluminismo) e da dominação napoleônica.46

Assim, o protótipo bifásico fincou-se nas seguintes características:

1. A jurisdição penal é exercida por tribunais, reconhecendo-se, em alguns casos, legítima a participação popular; 2. A persecução penal é exercida, na maioria dos casos, por um órgão público;

42

GOLDSCHMIDT, James. Problemas jurídicos y políticos del proceso penal, Barcelona: Bosch, 1935, p. 29 apud LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 68.

43 Leia-se também inquisitório reformado como sinônimo.

44 LAGO. Cristiano Álvares Valladares do. Sistemas processuais penais. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 89, v. 774, abril de 2000, p. 461.

45 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 9-10.

46 PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6ª ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 62.

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3. O imputado é considerado um sujeito de direitos e sua posição jurídica, durante o processo, é a de um inocente até que venha a ser considerado culpado; 4. O procedimento traduz os interesses públicos de perseguir e de impor a sanção penal ao agente, assegurando-lhe, outrossim, o respeito à sua liberdade. Via de regra, é iniciado por uma investigação preliminar a cargo do Ministério Público ou do Juiz de Instrução e cujo objetivo é a coleta de elementos necessários para o embasamento de uma acusação. Segue-se a ele um procedimento intermediário no qual julga-se a viabilidade da acusação e, finalmente, pelo procedimento principal que é ultimado com a prolação de uma sentença absolutória ou condenatória. 5. O tribunal pode ser composto por juízes leigos e profissionais ou apenas por juízes profissionais, adotando-se o sistema do livre convencimento; 6. As decisões são recorríveis.47

A voz ativa da doutrina, notadamente abroquelada nos insignes juristas

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Aury Lopes Junior, defende que o modelo tido

como misto, de fato, não é um sistema processual novo – leia-se puro – a não ser no

aspecto formal.48

Hodiernamente, o modelo é adotado em alguns países da Europa (França) e

na America Latina (Venezuela), tendo o “Juizado de Instrução” como uma das

próximas formas de sua sistemática. Nesta porção, Cristiano Álvares Valladares do

Lago aduz:

O exemplo mais fiel de aplicação do sistema misto é o denominado “Juizado de Instrução”, que constitui, em verdade, uma fase persecutória preliminar, destinada à apuração das infrações penais, sob a presidência de um juiz. A função da polícia, neste caso, fica reduzida a prender os infratores e apontar os meios de prova, inclusive testemunhal, cabendo ao “Juiz Instrutor”, como presidente do procedimento, a colher todos os elementos probatórios a instruir a ação penal. Tal sistemática é adotada em diversos países da Europa,

principalmente na França.49

De outro viés, Jacinto Coutinho critica copiosamente a adoção do modelo

misto e, inclusive, aqueles que acreditam estar no Juizado de Instrução nos moldes

suso vazados a solução democrática do processo penal. Em sua incansável e

exortante obra crítica, verbera a sua posição:

A solução, repito, parece estar na superação da estrutura inquisitória e, para tanto, há de se dar cabo do inquérito policial, não para

47

ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 41-42.

48 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Crítica à teoria geral do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 39.

49 LAGO. Cristiano Álvares Valladares do. Sistemas processuais penais. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 89, v. 774, abril de 2000, p. 462.

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introduzir-se (como ingenuamente querem alguns menos avisados) o chamado juizado de instrução (juízes ou promotores de justiça, como parece primário e demonstrou a história, não serão menos inquisidores que as autoridades policiais: basta estar naquela situação!), mas para, aproximando-se da essência acusatória,

permitir-se tão-só uma única instrução, no crivo do contraditório.50

Ademais, o protótipo misto é tratado como um sistema falacioso. Defende

Aury Lopes Júnior que:

A fraude reside no fato de que a prova é colhida na inquisição do inquérito, sendo trazida integralmente para dentro do processo e, ao final, basta o belo discurso do julgador para imunizar a decisão. Esse discurso vem mascarado com as mais variadas fórmulas, do estilo: a prova do inquérito é corroborada pela prova judicializada; cotejando a prova policial com a judicializada; e assim todo um exercício imunizatório (ou melhor, uma fraude de etiquetas) para justificar uma condenação, que na verdade está calcada nos elementos colhidos no segredo da inquisição. O processo acaba por converter-se em

uma mera repetição ou encenação da primeira fase.51

Nessa toada, o entendimento ao qual se filia é o de que o sistema misto não

é efetivamente um sistema puro em sua essência, grifando-se, ademais, que a

comistão dos princípios dispositivo (acusatório) e inquisitivo (inquisitorial) deve ser

vista de forma acurada, com cautela. Outra não é a explanação do incansável

Franco Cordero:

Tale il prezzo richiesto dal tentativo di un‟impossibile conciliazione degli opposti: l‟idea del processo a due tempi – inquisitorio il primo e acusatorio il secondo – ripugna alla ragione, per quanto possa

sedurre i ricercatori del compromesso per vocazione.52

50

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Crítica à teoria geral do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 41, sublinhou-se.

51 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 170.

52 CORDERO, Franco. La riforma dell‟istruzione penale. Rivista italiana di diritto e procedura penale, Milano: Guifreè, 1963, p. 715 apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Crítica à teoria geral do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 39.

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1.5O SISTEMA PROCESSUAL PENAL ADOTADO PELO BRASIL

Empós ter-se esmiuçado os sistemas processuais penais, inclina-se o

presente tópico à análise de qual modelo encontra-se em conformidade com a

estrutura jurídica pátria.

Desta feita, vislumbra-se que o art. 129, inciso I, da “Carta da Primavera”

estabelece que: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I –

promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; [...].”53

Em que pese haver sorrateiros resquícios inquisitórios que inquinam o

processo penal54, a posição pela qual se filia – com todo o respeito e deferência aos

partidários dos protótipos inquisitivo ou misto – é a de que o modelo adotado foi o

sistema acusatório, mas como mera promessa, vigendo a teoria da aparência

acusatória.

Apenas para reforçar e esclarecer de forma contundente, o presente

trabalho adota, efetivamente, o modelo acusatório como sistema processual penal

brasileiro.

Sem mais tergiversações, arremata-se com lição fantástica de Geraldo

Prado:

Assim, se aceitarmos que a norma constitucional que assegura ao Ministério Público a privatividade do exercício da ação penal pública, na forma da lei, a que garante a todos os acusados o devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, além de lhes deferir, até o trânsito em julgado da sentença condenatória, a presunção de inocência, e a que, aderindo a tudo, assegura o julgamento por juiz competente e imparcial, são elementares do princípio acusatório, chegaremos à conclusão de que, embora não o diga expressamente, a Constituição da República o adotou. Verificando que a Carta Constitucional prevê, também a oralidade no processo, pelo menos como regra para as infrações penais de menor potencial ofensivo, e a publicidade, concluiremos que se filiou, sem dizer, ao sistema acusatório. Porém, se notarmos o concreto estatuto jurídico dos sujeitos processuais e a dinâmica que entrelaça todos estes sujeitos, de acordo com as posições predominantes nos tribunais

53

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Lex: Vade Mecum. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

54 São alguns exemplos os arts. 5°, inciso II; 10, §§ 1° e 3°; 23; 28; 29; 39 e §§ 1° e 4°, todos do Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal.

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(principalmente, mas não com exclusividade no Supremo Tribunal Federal), não nos restará alternativa salvo admitir, lamentavelmente, que prevalece, no Brasil, a teoria da aparência acusatória.

Muitos dos princípios opostos ao acusatório verdadeiramente são implementados todo dia. Tem razão o mestre Frederico Marques ao assinalar que a Constituição preconiza a adoção e efetivação do sistema acusatório. Também tem razão Hélio Tornaghi, ao acentuar que há formas inquisitórias vivendo de contrabando no processo penal brasileiro, o que melhor implica em considerá-lo, na prática, misto. O princípio e o sistema acusatórios são, por isso, pelo menos por enquanto, meras promessas, que um novo Código de Processo Penal e um novo fundo cultural, consentâneo com os princípios

democráticos, devem tornar realidade.55

Entrementes, a despeito de o procedimento acusatório ainda ser mera

promessa, haja vista a desconformidade de determinados dispositivos nosso

Diploma Processual Penal com a Constituição, inclusive a do próprio art. 156, como

se verá diante, não se deve deixar de persegui-lo em sua totalidade e abrangência,

em observância a primazia da Carta Primaveril face aos demais dispositivos

internos.

55

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 195.

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2O SISTEMA PROCESSUAL PENAL COMO MECANISMO DE

GARANTIAS: ENFOQUE PRINCIPIOLÓGICO ACERCA DA

ATIVIDADE PROBATÓRIA

2.1 A LUTA DOUTRINÁRIA PELA BUSCA DA MELHOR CONCEITUAÇÃO

Empós esmiuçados os sistemas processuais penais e os seus arcabouços

históricos, chegou-se à ilação de que o protótipo albergado pelo direito pátrio é

efetivamente o sistema acusatório. Entrementes (o que se lamenta, assim como

também o faz Geraldo Prado), tal modelo vem sendo aprazado apenas como mera

promessa, uma vez que, nos dias atuais, a praxis destoa a muito daquilo do que se

pretende dizer expressamente ou em entrelinhas nos códigos processuais.

Parece que a estrutura dialética do processo penal tem sido deixada para

trás. Os julgadores cada vez mais são useiros e vezeiros da aplicação desvirtuada

dos princípios constitucionais, dando nortes quaisquer e muitas vezes não

exprimindo a exata vontade da Constituição Federal de 1988. Em outras palavras, o

fato de os juízes utilizarem a dicção de um preceito constitucional para o que melhor

lhe aprouver nem sempre visa à finalidade da norma maior. É a drástica questão de

política criminal e de idiossincrasia exacerbada que assola os escaninhos do Poder

Judiciário.

Ademais, para reforçar a situação caótica, é crítica ríspida da doutrina que o

Diploma Processual Penal não está andando conforme os balizamentos da hodierna

Carta Política, eis que o modelo constitucional adotado pelo ordenamento jurídico

brasileiro, conforme alhures tratado, é o acusatório, entendendo-se que “[...] todos

os dispositivos do CPP que sejam de natureza inquisitória são substancialmente

inconstitucionais e devem ser rechaçados.”56 (destaques no original).

Verbera na mesma toada Fauzi Hassan Choukr:

56

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 190.

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O Código de Processo Penal teria sobrevivido a todos os textos anteriores, sem embargo de sua essência, até a entrada em vigor do atual texto constitucional, fruto de um longo processo de superação (ao menos formal) da ditadura, e que culminou com a Carta de 1.988, riquíssima em princípios processuais e organização judiciária e que adotou entre nós, de forma explícita, o princípio acusatório. Pode-se, então, afirmar que a situação brasileira é de marcante contradição. De um lado o texto constitucional com os valores acima mencionados; por outro o Código de Processo Penal, com seus

resquícios inquisitivos.57

Por óbvio, não se pode descurar da efetividade da Constituição, porquanto

os dispositivos de tal calibre – as normas constitucionais – têm status pleno de

normas jurídicas e com imperatividade. Nessas águas é que rema o pensamento do

insigne jurista Luís Roberto Barroso:

E a efetividade da Constituição, rito de passagem para o início da

maturidade funcional brasileira, tornou-se uma idéia vitoriosa e incontestada. As normas constitucionais conquistaram o status pleno de normas jurídicas, dotadas de imperatividade, aptas a tutelar direta e

imediatamente todas as situações que contemplam. Mais do que isso, a Constituição passa a ser a lente através da qual se lêem e se

interpretam todas as normas infraconstitucionais. A Lei Fundamental

e seus princípios deram novo sentido e alcance ao direito civil, ao direito processual, ao direito penal, enfim, a todos os demais ramos

jurídicos. A efetividade da Constituição é a base sobre a qual se

desenvolveu no Brasil, a nova interpretação constitucional.58

(gizou-

se).

Objetivamente, o que se pretende com este capítulo é conhecer um pouco

melhor alguns dos princípios do processo penal que vêm sofrendo algum tipo de

mitigação ou inobservância quando a atividade probatória se realiza de ofício pelo

juiz.

57

CHOUKR, Fauzi Hassan. Las reformas procesales penales en américa latina. Coordenadores: Julio Bernardo José Maier, Kai Ambos e Jan Woischnik. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2000, p. 123.

58 BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. Tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 5-6.

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2.2O QUE SÃO PRINCÍPIOS?

Tarefa nem um pouco singela é a de descrever conceituação sobre princípio.

No entanto, tal problemática deve ser desbravada, vez que extremamente

importante para o raciocínio que será despendido neste capítulo.

Perscrutando o Dicionário Prático de Língua Portuguesa Michaelis, extrai-se

a seguinte conceituação: “prin.cí.pio (latim principiare) sm 1 Começo, início. 2

Fundamento, base. 3 Regra, preceito. sm pl 1 Antecedentes. 2 As primeiras épocas

da vida”.59

Como se vê, a dicção dada pelo alfarrábio conceitual não se mostra

suficiente para o objetivo aqui tropilhado. Contudo, para os mais atentos, já se

começa a evidenciar um caráter importante dos princípios gerais do direito, qual

seja, de que eles têm uma abstração ampla com relação às normas, eis que são a

base e o fundamento norteadores da atividade jurisdicional. Tal raciocínio resta

incutido no pensamento de Pedro Aragoneses Alonso, ao proclamar os princípios

gerais como “norma de las normas”. Assim, o indigitado autor, trabalhando a

aplicação do Direito Processual Espanhol, ponderou:

Los principios generales, sea cual fuere el carácter que se les asigne, son axiológicamente superiores a la Ley; lo que tal artículo establece es que el aplicador habrá de examinar en primer lugar la Ley, ya que éste es el criterio formal que garantiza una mayor seguridad jurídica al Derecho. Sólo a falta de Ley se acudirá a la costumbre, cerrando el criterio de búsqueda de la norma los principios generales, porque difícilmente se comprende que pueda darse ningún supuesto que escape al encuadramiento de unos criterios tan abstractos. El hecho de que no obstante existir una norma legal no se aplique, no es tanto un problema de existencia como de modificación o corrección de la norma, según los supuestos y criterios que después estudiaremos. [...] Los principios generales se imponen en su existencia por la propia significación. No están sujetos, pues, a ningún requisito. Ellos son “norma de las normas”. Sin embargo, por el peligro que deriva de su propia abstracción requieren generalmente una cierta formalización, que viene dada por su reconocimiento de tales principios por el Tr. S. de la nación, y en este sentido ha de rechazarse la teoría que niega al Tr. S. la posibilidad de vigilar y unificar en todo caso las

59

MICHAELIS. Dicionário prático da língua portuguesa. 1ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 2009, p. 701.

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33

proposiciones hechas por los Tribunales de instancia.60

(sublinhou-

se).

Apenas para ilustrar, na doutrina espanhola os princípios gerais do direito

trilham meandros diferidos, coexistindo a tese filosófica, a legalista e a eclética.

Registra-se, no ponto, que o caráter dado aos preceitos que aqui se acolhe é o da

tesis legalista, por assim dizer:

La tesis legalista, llamada también del derecho orgánico, patrocinada por COVIELLO, FADDA, BENSA, CARNELUTTI, SAVIGNY y los pandectistas alemanes, entiende que los principios generales del Derecho son sólo aquellos que han inspirado una determinada legislación positiva, sirviendo de fundamento al derecho particular de cada país, y que pueden inducirse por vía de generalizaciones sucesivas de las disposiciones particulares de la Ley. Según CLEMENTE DE DIEGO, “el legislador, al formular las normas concretas de un derecho positivo, no hace otra cosa que traducir y desarrollar los principios que se dan en su conciencia. Bien pueden haber sido obtenidos esos principios por la reflexión individual o por la imposición de la misma realidad de las cosas, bien pueden haber sido recogidos por la conciencia popular o del material del derecho histórico; en todo caso, no quedan agotados en las normas particulares dictadas por el legislador. Y es natural que, al invocar éste los principios de derecho para suplir las lagunas de sus disposiciones, haya de referirse a aquellos principios que ya aprovechó y cuyo rico contenido se ofrece como espléndida cantera para formar nuevas reglas. Pensar en otros principios distintos que los que sirvieron al legislador para componer el edificio de un Derecho positivo es tanto como abrir la puerta a la introducción de

reglas exóticas que destruyan las líneas de aquél.”61

Outrossim, na ciência jurídica a terminologia “princípio” emerge-se numa

série de desígnios, açambarcando hipóteses muito bem hauridas pela obra do

brilhante jurista Ruy Samuel Espíndola:

Assim, na Ciência Jurídica, tem-se usado o termo princípio ora para designar a formulação dogmática de conceitos estruturados por sobre o direito positivo, ora para designar determinado tipo de normas jurídicas e ora para estabelecer os postulados teóricos, as proposições jurídicas construídas independentemente de uma ordem jurídica concreta ou de institutos de direito ou normas legais vigentes. Essa polissemia não é benéfica neste campo do saber, em que a confusão de conceitos e ideias pode levar à frustração da práxis jurídica ou à sonegação, por uma prática equívoca, de direitos ou de

situações protegíveis pelo sistema jurídico posto.62

60

ALONSO, Pedro Aragoneses. Proceso y derecho procesal. Madrid: Aguilar, 1960, p. 795. 61

ALONSO, Pedro Aragoneses. Proceso y derecho procesal. Madrid: Aguilar, 1960, p. 435-436. 62

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formação dogmática adequada. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 55.

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34

Espancando dúvidas e toda a porfia que se instaura sobre a conceituação

de princípio, ao menos para o fim que se pretende alcançar neste trabalho, Edilson

Mougenot Bonfim lúcida e didaticamente esclarece que são

[...] normas que, por sua generalidade e abrangência, irradiam-se por todo o ordenamento jurídico, informando e norteando a aplicação e a interpretação das demais normas de direito, ao mesmo tempo em que conferem unidade ao sistema normativo e, em alguns casos, diante da inexistência de regras, resolvendo diretamente os conflitos. Destarte, quando tais normas (princípios) conferem garantias de cunho fundamental (direitos fundamentais) aos jurisdicionados, alude-se então às garantias fundamentais, que, em sede de processo penal, configuram as garantias processuais. Bem se vê, daí, o diálogo constante e a difícil separação da expressão

“princípios” e “garantias”.63

(itálico no original)

E, para arrematar este ponto importante, valiosa é pontuação do festejado

doutrinador José Afonso da Silva:

Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira] „núcleos de condensações‟ nos quais confluem valores e bens constitucionais. Mas, como disseram os mesmos autores, „os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos básicos da organização

constitucional.64

(destaques no original)

2.3DOS PRINCÍPIOS EM ESPÉCIE

Neste tópico passar-se-á por alguns dos princípios mais comezinhos do

Direito Processual Penal, a fim de esclarecer ao leitor os rumos delineados por este

trabalho.

Anote-se, no entanto, que não serão enfocados todos os princípios do

processo penal, em razão de não ser este o objetivo do presente trabalho, mas

apenas alguns dos quais se reputam imprescindíveis para o deslinde da principal

problemática que ora pretende se travar: a atuação do juiz, de ofício, na coleta das

provas.

63

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 34-35. 64

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 92.

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2.3.1Princípio do contraditório

O princípio do contraditório resta encartado no art. 5°, inciso LV, da

Constituição Federal de 1988, que giza:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

O referido preceito, como se vê, é uma garantia conferida às partes,

fecundado no chavão audiatur et altera pars65. Trata-se de um método de

confrontação da prova e comprovação da verdade.66 O objetivo da realização de um

contraditório é justamente auxiliar o magistrado na formação de sua convicção, de

tal forma que é seu dever oportunizar aos adversos a manifestação no processo

toda vez em que houver argumentações fático-jurídicas ou novos elementos

probatórios que deslindem no resultado final da actio. O mestre Joaquim Canuto

Mendes de Almeida assim conceitua:

O contraditório é, pois, em resumo, ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los. A contraditoriedade é ação das partes. Tem suas raízes naturais no conflito de interesses e se manifesta processualmente na

representação desse conflito diante do juiz.67

(itálico no original).

De mais a mais, esclarece Aury Lopes Junior que o contraditório deve ser

visto como o “[...] direito de participar, de manter uma contraposição em relação

à acusação e de estar informado de todos os atos desenvolvidos no iter

procedimental.”68 (destaques no original).

65

“El principio del contradictorio se formula nemo debet inaudito damnari, o nemo damnatus, nisi audiatus o inaudita causa quenquam damnari aequitatis ratio non patitur (Ss. 6 y 27 de noviembre y 11 de diciembre de 1929, 11 de octubre de 1941 y 19 de febrero de 1944), o en el más conocido de audiatur et altera pars (S. 19 de febrero de 1944).” ALONSO, Pedro Aragoneses. Proceso y derecho procesal. Madrid: Aguilar, 1960, p. 439.

66 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 196.

67 ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 82.

68 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 198.

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36

Não é demais assinalar que a doutrina optou por dividir o princípio do

contraditório em duas espécies: a) contraditório real e contraditório diferido.69 O

contraditório real é a regra geral, conferido imediatamente à parte avessa, por

exemplo, durante a ouvida dos testigos em juízo. Por seu turno, o contraditório

diferido é aquele que ocorre ulteriormente às impugnações, debates, requerimentos

e provas produzidas pelos contendores, justamente pela impossibilidade de a

confrontação ocorrer em tempo real ou pela natureza do procedimento, como por

exemplo no caso de uma determinação de busca e apreensão.

2.3.2Princípio da ampla defesa

O princípio da ampla defesa também resta alinhavado no art. 5°, inciso LV,

da Constituição Federal de 1988 e forma

[...] o mais importante instrumento de solicitação e controle do método de prova acusatório, consistente precisamente no contraditório entre hipótese de acusação e hipótese de defesa e

entre as respectivas provas e contraprovas.70

Seguindo o raciocínio, encaixa-se como uma luva aperta o escólio de

Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró:

No plano dialético, a acusação apresenta-se como a tese e a defesa como a antítese, sendo o julgamento a síntese. A defesa é uma das premissas do silogismo que representa o mecanismo básico da correlação entre acusação e sentença. Por outro lado, a defesa representa o avesso da pretensão. Quem se defende, não pretende um direito para si, mas somente a inexistência de um direito para o adversário. Importante, pois, para o tema da identidade do objeto do

processo, analisar o avesso do objeto do processo.71

69

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 42-43. 70

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradutores Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavarez e Luiz Flávio Gomes. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 564.

71 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre a acusação e a sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 38.

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37

Intimamente jungida com o princípio do contraditório72, ampla defesa é uma

garantia constitucional indisponível e, quanto ao modo de seu exercício, a doutrina

costuma apresentá-la sob dois enfoques: a defesa técnica e a defesa pessoal

(autodefesa).

A defesa técnica caracteriza-se pela assistência do réu por uma pessoa com

conhecimentos jurídicos, habilitado, constituído ou nomeado, que será tratado como

advogado de defesa ou simplesmente defensor. Já a autodefesa, é exercida

pessoalmente pelo acusado e tem por finalidade “[...] assegurar ao réu o direito de

influir na formação da convicção do juiz (direito de audiência) e o direito de se fazer

presente nos atos processuais (direito de presença).”73

De fato, apenas a defesa técnica é a que se desnuda imperativa e

imprescindível, haja vista que a ausência de patrocínio dos interesses do réu enseja

nulidade absoluta do processo.74 Na dialética processual penal não há como se

esquivar da apresentação de uma defesa técnica, até mesmo para que não sejam

quebrantados princípios constitucionais, como a ampla defesa, proporcionalidade e

paridade das armas.

Por tal razão, o escudo técnico apresenta-se como uma esigenza di

equilibrio funzional, assim tratada pelo mestre Aury Lopes Junior:

A justificação da defesa técnica decorre de uma esigenza di equilibrio funzional entre defesa e acusação e também de uma acertada presunção de hipossuficiência do sujeito passivo, de que ele não tem conhecimentos necessários e suficientes para resistir à pretensão estatal, em igualdade de condições técnicas com o acusador. Essa hipossuficiência leva o imputado a uma situação de inferioridade ante o poder da autoridade estatal encarnada pelo promotor, policial ou mesmo juiz. Pode existir uma dificuldade de compreender o resultado da atividade desenvolvida na investigação preliminar, gerando uma absoluta intranqüilidade e descontrole. Ademais, havendo uma prisão

72

ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 166. Em que pese haver um cordão umbilical atando a defesa e o contraditório, merece ênfase a acertada ponderação de Gustavo Badaró ao dizer que, muito embora haja influências recíprocas dos referidos preceitos, eles não se confundem. Confira-se: “Destacar a distinguir a defesa do princípio do contraditório é relevante na medida em que, embora ligados, é possível violar-se o contraditório, sem que se lesione o direito de defesa. Não se pode esquecer que o princípio do contraditório não diz respeito apenas à defesa ou aos direitos do réu. O princípio deve aplicar-se em relação a ambas as partes, além de também ser observado pelo próprio juiz.” (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre a acusação e a sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 39).

73 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 44.

74 Enunciado n. 523 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

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cautelar, existirá uma impossibilidade física de atuar de forma

efetiva.75

E é sob essa mesma faceta é que se extrai das lições de Rogério Laura

Tucci, senão veja-se:

Nada mais natural, portanto, que em um processo constantemente marcado pela possibilidade de um resultado ensejador da imposição de uma sanção penal ao acusado, sejam-lhe assegurados os meios inerentes ao exercício da mais ampla defesa, “de sorte que ela se concretize em sua plenitude, com a participação ativa, marcada pela contraditoriedade, em todos os atos do respectivo procedimento, desde a fase pré-processual da investigação criminal, até o final do processo de conhecimento, ou do de execução, seja absolutória ou

condenatória a sentença proferida naquele”.76

2.3.3Princípio do estado de não-culpabilidade

Atendendo pelas nomenclaturas de princípio da presunção de inocência77 e

do estado de inocência, o preceito em pauta tem seu fundamento de lei no inciso

LVII do art. 5° da Constituição Cidadã, que assim verte: “ninguém será considerado

culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”78

O estado de não-culpabilidade tem dupla incidência: a uma, quanto ao

tratamento dispensado ao réu e, a duas, quanto à questão do onus probandi.

Ancora-se na doutrina de Marcos Alexandre Coelho Zilli:

Como amplamente reconhecido pela doutrina, a regra da presunção de inocência tem dupla aplicação. A primeira relaciona-se ao tratamento processual e social a ser dispensado ao réu que, para todos os efeitos e perante todos, deve ser considerado inocente até que a condição resolutiva representada pelo trânsito em julgado da sentença condenatória autorize tratamento diverso. Nesse sentido, a regra dirige-se, também, ao julgador a quem cabe o respeito estrito à

75

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 199-200.

76 TUCCI, Rogério Laura. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 205.

77 “Sustenta a boa doutrina que a expressão „presunção de inocência‟ é de utilização vulgar, já que não é tecnicamente correta. É verdade. Presunção, em sentido técnico, é o nome da operação lógico-dedutiva que liga um fato provado (um indício) a outro probando, ou seja, é o nome jurídico para descrição justamente desse liame entre ambos.” BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 45.

78 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Lex: Vade Mecum. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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imparcialidade operativa, ficando, pois, proibido de realizar qualquer ato indicativo de adesão prévia à tese acusatória. A segunda, por seu turno, está associada ao âmbito probatório que, para muitos, se relaciona com a fixação do ônus de prova imposto à acusação. Caberia a este, portanto, demonstrar a presença de requisitos objetivos e subjetivos ensejadores do reconhecimento da prática de uma infração penal, e não ao réu, o encargo processual de provar a sua inocência.79

Noutro giro, o princípio em foco rememora o tratamento do acusado na

relação processual, que é um sujeito de direitos e não mais um mero objeto de

investigação, devendo os julgadores atentar objetivamente para o caso concreto,

evitando incorrerem em decisões teratológicas sob os auspícios de seus

sentimentos e animosidades.

Outrossim, não se pode ultrapassar esse tópico sem vislumbrar o princípio

do in dubio pro reo ou do favor rei, que tem justamente o seu fundamento no

princípio do estado de não-culpabilidade.80

Destarte, não se mostra cansativo demais – pelo contrário – alinhavar o

conceito de in dubio pro reo:

O princípio in dubio pro reo significa que se o juiz estiver em dúvida, não tendo, portanto, condições de convencer-se de que o fato ocorreu ou é de uma determinada maneira, com exclusão de outra, deve decidir que tenha ocorrido ou é da forma que se apresentar mais favorável aos interesses do réu. Seu fundamento está nos próprios fins últimos da justiça criminal: a tranqüilidade e a segurança dos cidadãos. A aplicação do princípio dá a todos a segurança de que nunca serão condenados sem prova bastante, e daí, como resultado a tranquilidade.81

Nessa senda, conclui-se que o julgador não está autorizado a punir

antecipadamente o réu e, quando incerta sua convicção fático-jurídica, o réu deve se

aproveitar do benefício da dúvida, sendo absolvido. Sobre essa questão, surgem-se

algumas controvérsias e críticas na doutrina82, dentre algumas, a constitucionalidade

79

ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 147-148.

80 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 47.

81 MEDEIROS, Flávio Meirelles. Manual do processo penal. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p. 213-214.

82 “Como tal presunção perpassa toda a tutela jurisdicional, apresenta manifestações, v.g., no direito à prova, direito ao duplo grau de jurisdição (com a impossibilidade da imposição de sua prisão como forma de dar prosseguimento ao recurso) e na qualificação do tormentoso tema no direito brasileiro que é a definição do que são „maus antecedentes‟”. CHOUKR, Fauzi Hassan. Las reformas procesales penales en américa latina. Coordenadores: Julio Bernardo José Maier, Kai Ambos e Jan Woischnik. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2000, p. 135.

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e a forma de aplicação do art. 59 do Pergaminho Repressivo83. Entretanto, tal

pontuação é meramente ilustrativa, vez que não será objeto de análise deste

trabalho.

Em remate, Aury Lopes Junior há muito se preocupa em extrair a essência

do princípio, dada a sua vasta complexidade, com diferentes dimensões no processo

penal.84 Assim, o mestre enxuga da ideia central da presunção de inocência85 como

um dever de tratamento, sob a conotação interna e externa ao processo. Vislumbre-

se:

Esse dever de tratamento atua em duas dimensões, interna e externa ao processo. Dentro do processo, a presunção de inocência implica um dever de tratamento por parte do juiz e do acusador, que deverão efetivamente tratar o réu como inocente, não (ab)usando das medidas cautelares e, principalmente, não olvidando que a partir dela se atribui a carga da prova integralmente ao acusador (em decorrência do dever de tratar o réu como inocente, logo, a presunção deve ser derrubada pelo acusador). Na dimensão externa ao processo, a presunção de inocência impõe limites à publicidade abusiva e à estigmatização do acusado (diante do dever de tratá-lo como inocente).86 (negritos no original)

Note-se, por ser interessante, como o doutrinador já levanta a sua tese de

que a carga probatória incumbe totalmente à acusação, o que aqui respeitosamente

não se admite. No que tange a esta questão do onus probandi x in dubio pro reo

acender-se-á uma salutar discussão ulteriormente, não cabendo aqui delineá-la

pormenorizadamente.87

83

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. 84

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 535.

85 Em que pese guarnecer-se da nomenclatura do comentado princípio como estado de não-culpabilidade, apenas para resguardar a fonte e a fidedignidade do material consultado, utilizou-se a expressão presunção de inocência, eis que Aury Lopes Junior assim a tratou.

86 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 535.

87 Vide item 3.3 deste trabalho.

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2.3.4Princípio do devido processo legal

O devido processo legal, também chamado na seara penal de devido

processo penal88, tem sua nascente na Inglaterra, precisamente no art. 39 da Magna

Carta89, outorgada em 1215 por João Sem Terra aos barões ingleses, não se

olvidando que a sua concepção mais atual é devida, em grande escala, à construção

jurisprudencial da Suprema Corte norte-americana.90

Assim, para que uma decisão judicial seja legítima, contempladora do ideal

de um Estado Democrático de Direito deve atender à garantia constitucional do

devido processo penal, sobretudo para que se evite a quebra dessa cláusula de

segurança, dada a imensa importância que carrega consigo.

Outra não é a visualização dada por Guilherme de Souza Nucci, senão leia-

se:

O princípio do devido processo legal é, sem dúvida, o aglutinador dos inúmeros princípios processuais penais (art. 5.°, LIV, CF). Constitui o horizonte a ser perseguido pelo Estado democrático de Direito, fazendo valer os direitos e garantias humanas fundamentais. Se esses forem assegurados, a persecução penal se faz sem qualquer tipo de violência ou constrangimento ilegal, representando o necessário papel dos agentes estatais na descoberta, apuração e punição do criminoso.91

A respeito do due process of law92, colhe-se do escólio de Nestor Távora e

Rosmar Rodrigues Alencar:

O art. 5°, inc. LIV da CF assegura que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. O devido

88

TUCCI, Rogério Laura. Direitos e garantias fundamentais no processo penal brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 67.

89 Article 39: no freeman shall be arrested or imprisoned or deprived of his freehold or outlawed or banished or in any way ruined, nor will we take or order action against him, except by the lawful judgment of his equals and according to the law of the land.

90 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 39.

91 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 95-96.

92 “A tradução usual – „devido processo legal‟ – não parece a mais adequada, porquanto a expressão „law‟, em inglês, não poderia ser trasladada ao português apenas como „lei‟, por ser algo mais amplo, a retratar todo o universo jurídico, o mundo do direito a que se aferra o princípio do devido processo legal. Isso é tão mais marcante pelo fato de que na esfera anglo-americana – onde nasce o princípio – a diferença entre „regras‟ e „princípios‟ (mandatos de dever-ser pertencentes ao gênero norma) tem relevância ímpar, uma vez que, nesses países, ao contrário do Brasil, o direito nasce principalmente da case law, não tendo como fonte primária o direito legislado. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 39.

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processo legal é o estabelecido em lei, devendo traduzir-se em sinônimo de garantia, atendendo assim aos ditames constitucionais. Com isto, consagra-se a necessidade do processo tipificado, sem a supressão e/ou desvirtuamento de atos essenciais.93

Como se vê, a moderna Carta Política do Brasil trouxe à baila,

explicitamente, o princípio do devido processo legal adotando-se, no mais, a forma

anglo-saxã em tradução literal.94

Para Paulo Rangel, “a tramitação regular e legal de um processo é a

garantia dada ao cidadão de que seus direitos serão respeitados, não sendo

admissível nenhuma restrição aos mesmos que não prevista em lei”.95 E arremata:

“o devido processo legal é o princípio reitor de todo o arcabouço jurídico processual.

Todos os outros derivam dele”.96

Na doutrina, costuma-se dividir ainda o princípio do devido processo legal

em procedimental e substancial. A par dessa dupla faceta principiológica, José

Antonio Paganella Boschi, ao ajoujar lição de Adauto Suannes, pontifica:

Embora falte definição precisa, o dúplice aspecto do devido processo legal é reconhecido pelos juristas. Adauto Suannes é elucidativo: “... devido processo sob o aspecto procedimental (ou a insistência na observância de predeterminadas regras para os casos a serem julgados) e devido processo substancial (ou exigência de que essas regras sejam razoáveis)” não havendo dúvida, então, de que, independentemente do significado que venha a ser conferido à expressão due process, é “a equidade procedimental aquilo que ela mais inflexivelmente exige. A equidade aí compreende fundamentalmente reequilibrar os dois pratos da balança, que, quando do início da ação, pese embora a previsão constitucional da presunção de inocência, estão em desequilíbrio, pois o Estado já traz consigo os atos investigatórios que, não em poucos casos, servem de supedâneo para o próprio decreto condenatório”.97 (negritou-se)

Adentrando ainda mais na questão da natureza bifocal do preceito em

questão, amealha-se novamente da doutrina:

Merece, no entanto, ser focalizado sob seu duplo aspecto: material e processual. Materialmente, o princípio liga-se ao Direito Penal, significando que ninguém deve ser processado senão por crime previamente previsto em lei e definido em lei, bem como fazendo

93

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009, p. 52.

94 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 18.

95 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 3.

96 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 4.

97 BOSCHI, José Antonio Paganella. O devido processo legal: escudo de proteção do acusado e a práxis pretoriana. In: MOREIRA, Rômulo (organizador). Leituras complementares do processo penal. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 494.

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valer outros princípios penais, que constituem autênticas garantias contra acusações infundadas do Estado. Processualmente, vincula-se ao procedimento e à ampla possibilidade de o réu produzir provas, apresentar alegações, demonstrar, enfim, ao juiz a sua inocência, bem como de o órgão acusatório, representando a sociedade, convencer o magistrado, pelos meios legais, da validade da sua pretensão punitiva.98

2.3.5Princípio do impulso oficial

Este princípio diz respeito à atuação do Estado e, em razão deste “[...] uma

vez proposta a ação, tem o juiz a obrigação de encaminhá-la até seu termo

independentemente da vontade, dos atos e omissões das partes.”99

Inevitável, assim, a sua correlação com outros preceitos do processo penal,

tais como o princípio da obrigatoriedade e da indeclinabilidade da ação penal,

mormente porque é de sabença geral que o objeto do processo é indisponível.100

Nessa tropilha, Guilherme de Souza Nucci esclarece:

Liga-se, basicamente, aos princípios da obrigatoriedade e da indeclinabilidade da ação penal, que prevê o exercício da função jurisdicional, até sentença final, sem que o magistrado possa furtar-se a decidir, bem como vedando-se a desistência da ação penal pelo Ministério Público.

Impede-se, com isso, a paralisação indevida e gratuita da ação incompatível com o Estado democrático de Direito, pois o processo fica em aberto, caso as partes não provoquem o seu andamento, havendo prejuízo para a sociedade, que deseja ver apurada a infração penal e seu autor, e também ao réu, contra quem existe processo criminal em andamento, configurando constrangimento natural.101 (destaques no original).

Parece-se, entretanto, que o impulso oficial sofre uma pincelada de crítica

por Denilson Feitoza Pacheco, rememorando que essa propulsão conferida (devida)

pelo magistrado é fruto do princípio inquisitivo. Veja-se:

98

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 96.

99 MEDEIROS, Flávio Meirelles. Manual do processo penal. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p. 196.

100 MEDEIROS, Flávio Meirelles. Manual do processo penal. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p. 196.

101 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6ª. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2010, p. 109.

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Instaurado o processo, compete ao juiz impulsioná-lo fase a fase, até exaurir-se a função jurisdicional. O princípio do impulso oficial também é conhecido como princípio dos poderes direcionais do juiz, princípio da oficialidade e princípio da impulsão. Rui Portanova o enuncia assim: O juiz deve impulsionar o processo até sua extinção, independentemente da vontade das partes. O princípio do impulso é a aplicação específica do princípio inquisitivo no andamento do processo penal.102 (negritou-se).

Por outro lado, Guilherme de Souza Nucci mostra-se escudeiro do princípio

em comento até mesmo para justificar a produção probatória ex officio pelo

togado.103 Exsurge do seu eficiente manual:

A atuação de ofício do juiz, na colheita da prova, é uma decorrência natural dos princípios da verdade real e do impulso oficial. Em homenagem à verdade real, que necessita prevalecer no processo penal, deve o magistrado determinar a produção das provas que entender pertinentes e razoáveis para apurar o fato criminoso. Não deve ter a preocupação de beneficiar, com isso, a acusação ou a defesa, mas única e tão-somente atingir a verdade. O impulso oficial também é princípio presente no processo, fazendo com que o juiz provoque o andamento do feito, até final decisão, queiram as partes ou não. O procedimento legal deve ser seguido à risca, designando-se as audiências previstas em lei e atingindo o momento culminante do processo que é a sentença.104 (sem negrito no original).

102

PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6ª ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 477.

103 As temáticas acerca da questão probatória e a atuação de ofício do juiz serão devidamente

analisadas no terceiro capítulo. Tal referência já antecipada neste capítulo ainda que perfunctória, deve-se apenas para justificar a eleição do impulso oficial como um princípio relevante para este trabalho.

104 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6ª. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2010, p. 390.

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2.3.6Princípio da imparcialidade105

O fenômeno da imparcialidade é característica necessária do jaez de um juiz

e consiste em “[...] não poder ter vínculos subjetivos com o processo de molde a lhe

tirar a neutralidade necessária para conduzi-lo com isenção.”106

Guilherme de Souza Nucci melhor esclarece:

Esse princípio é constitucionalmente assegurado, embora de maneira implícita. Ingressa no sistema pela porta do art. 5°, § 2°, da Constituição (“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ele adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”). Ora, não somente o princípio do juiz imparcial decorre do juiz natural, afinal, este sem aquele não tem finalidade útil, como também é fruto do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aprovada pelo Decreto 678/92), firmado pelo Brasil e, em vigor, desde 1992. Verifica-se no art. 8°, item 1, o seguinte: “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza” (destaque nosso).107

Já, sob a ótica do mestre Paulo Rangel sobre o princípio, um togado que se

mostre imparcial pressupõe independência e esta pressupõe garantias

constitucionais que dêem segurança a ele para que, quando do exercício do seu

mister, não sofra coações políticas, funcionais e constrangimentos que possam

105

Este tópico voltará a ser abordado no terceiro capítulo com maior precisão, vez que imprescindível para o desate do nó górdio deste trabalho. No que tange a imparcialidade, vale ajoujar, de plano e apenas para ilustrar, uma antiga história árabe: “O juiz e seu filho. Conta-se que um filho de juiz Xuryah lhe disse: - Existe uma disputa entre mim e um grupo de pessoas. Quero que você estude a questão: se a lei estiver a meu favor, irei processá-los; caso contrário, não o farei. E lhe contou o caso. O juiz disse: - Vá e processe-os. E o filho abriu um processo contra aquelas pessoas. Então, o juiz Xuryah julgou contra o filho! Este lhe perguntou, quando voltaram para casa: - Por Deus, eu não o censuraria se antes não lhe houvesse pedido conselho. Você me expôs a um vexame! Xuryah respondeu: - Meu filho, eu o amo mais do que um milhão deles. Mas, cima de você, eu prezo a Deus. Tive medo de que, informando-o de que a decisão lhe seria contrária, você tentasse fazer com aqueles homens algum acordo que causasse prejuízo a eles” JAROUCHE, Mamede Mustafá. Histórias para se ler sem pressa. São Paulo: Globo, 2008, p. 12 apud JÚNIOR, Américo Bedê; SENNA, Gustavo. Princípio do processo penal: entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 123.

106 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 3ª ed.

Salvador: JusPodivm, 2009, p. 46. 107

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 99.

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ameaçá-lo da perda do cargo108. Na mesma alheta pondera Flávio Meirelles

Medeiros ao entender que o princípio da imparcialidade está ajoujado à

independência do juiz, uma vez que “[...] a imparcialidade na justiça sem

independência do julgador seria tão segura quanto a sela sem a cincha para

amparar”.109 E completa:

Não se poderia exigir do julgador que fosse imparcial para decidir, se não lhe fosse concedida independência para superar as pressões das mais variadas origens que não raro são surpreendidas batendo nas portas da casa judiciária. A independência importa em que, ao decidir, o magistrado está vinculado apenas ao seu convencimento e à lei. Mais nada influi em sua decisão. Nem as decisões anteriores dos juízes de grau superior lhe ditam o caminho a ser tomado. Pode o julgador de primeira instância julgar de maneira oposta à jurisprudência que impera na instância superior.110

Por óbvio, é inerente à conduta de qualquer ser humano – e, por essa razão,

também à dos magistrados – que haja uma abstração de valores arrebanhados na

sua família, no seu cotidiano, no seu relacionamento pessoal, na sua infância, entre

tantos outros. Como se vê, tal idiossincrasia nunca irá se desgarrar do julgador,

motivo pelo qual o ideal de neutralidade, a que visa o princípio, deve ser o mais

aproximado possível.

Como sustentáculo do que fora aduzido, socorre-se à doutrina:

Deveras, o ideal de um juiz neutro é de ser concebido aproximativamente. Vale dizer, a imparcialidade preconizada pelo ordenamento jurídico implica na postura de um magistrado que cumpra a Constituição, de maneira honesta, prolatando decisões suficientemente motivadas. Isso não induz que o juiz se abstraia de seus valores para que exerça seu mister.111 (negritou-se).

Para finalizar no ponto, é digno de registro que o princípio em questão

encontra-se em perfeita consonância com o sistema acusatório, sendo, portanto,

mais um dos motivos pelo qual a sua observância resta imprescindível, sob pena de

nulidade do processo.

Haure-se da doutrina de escol:

108

Para não incorrer em sincretismo metodológico, anote-se a seguinte posição do jurista: “Na realidade não adotamos a imparcialidade como um princípio metodológico do processo penal, mas sim como uma das características inerentes ao exercício da jurisdição.” RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 20.

109 MEDEIROS, Flávio Meirelles. Manual do processo penal. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p. 207.

110 MEDEIROS, Flávio Meirelles. Manual do processo penal. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p. 207.

111 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 3ª ed.

Salvador: JusPodivm, 2009, p. 46.

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A imparcialidade do juiz tem perfeita e íntima correlação com o sistema acusatório adotado pela ordem constitucional vigente, pois, exatamente visando retirar o juiz da persecução penal, mantendo-o imparcial, é que a Constituição Federal deu exclusividade da ação penal ao Ministério Público, separando, nitidamente, as funções dos sujeitos processuais.112

Como também verberam Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly:

“É da própria essência do processo de estrutura acusatória a existência de um órgão

judicante e que assegure a presença das partes numa situação de efetiva igualdade

e reciprocidade.”113

2.3.7Princípio da igualdade das partes ou da paridade de armas

Trata-se de um desdobramento próprio do princípio da isonomia ou da

igualdade, entendimento por Edilson Mougenot Bonfim como a “verdadeira medula

do devido processo legal.”114 Da igualdade entre as partes urge a necessidade de

um trato paritário, sopesando na balança da justiça o jus libertatis e o jus puniendi.

Por óbvio, o escopo deste princípio é dar paridade de armas às partes na

dialética do processo, obstando-se privilégios ou prevalência de um dos contendores

sob o outro, guarnecendo o processo penal com base na igualdade, eis que

acusação e a defesa devem ser “munidas de forças similares.”115

Essa isonomia, que não deve ser encarnada apenas no aspecto formal,

deve ser compreendida, na prática, como a garantia igualitária aos adversos de

ofertarem provas, impugnarem documentos, manifestarem no processo quando

necessário, entre outros aspectos.

112

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 20. 113

DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 19.

114 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 28-

29. 115

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 58.

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48

Nesse enfeixe, abebera-se do escólio de Américo Bedê Júnior e Gustavo

Senna:

Pelo princípio da igualdade – paridade de armas –, no processo penal se pode entender que as partes devem ser tratadas de forma isonômica, devendo ser assegurada igual oportunidade para elas. Logo, para a acusação e a defesa devem ser assegurados os mesmos direitos, possibilitando-lhes idênticas possibilidades de alegação, de prova e de impugnação, enfim, em condições de igualdade processual.

E aditam:

Portanto, as partes devem ser tratadas com igualdade, de tal modo que desfrutem concretamente das mesmas oportunidades de sucesso final, em face das circunstâncias da causa. Assim, para assegurar a efetiva paridade de armas, o juiz deve suprir, em caráter assistencial, as deficiências de uma parte que a coloquem em posição de inferioridade em relação à outra, para que ambas concretamente se apresentem nas mesmas condições de acesso à tutela jurisdicional dos seus interesses.

Assim, se finda mais um capítulo deste trabalho, ciente de que nem se

passou perto do esgotamento de toda a questão principiológica envolvida com o

tema. Todavia, os suaves delineamentos adrede contornados servem como um

entreé plaque116, importantes – como já fora dito – para desmistificar o duelo

doutrinário e jurisprudencial que se cria a respeito da (não)recepção do art. 156 do

Codex Processual Penal pela Carta Magna, muito embora o comando normativo

sequer tenha sido expressamente encartado até então.

É chegado o momento de cotejar todas as leituras feitas e todos os

argumentos jungidos para concluir e pontuar sobre o pretenso descompasso da

atividade instrutória judicial realizada ex officio pelo julgador.

116

Em francês, significa prato de entrada.

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3A QUESTÃO DA PROVA: A (DES)CONFORMIDADE DO ART. 156

DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COM A CONSTITUIÇÃO

FEDERAL

3.1BREVE E NECESSÁRIO ESCORÇO

Perpassadas as problemáticas tracejadas nos primeiros capítulos, chega-se

ao derradeiro, que efetivamente tratará sobre o embate acerca da viabilidade ou não

de o juiz gerir e produzir provas ex officio com base no atual modelo processual

penal que, lembre-se, adota o protótipo acusatório e conta com uma série de

garantias constitucionais que nesta mesma senda caminham.

3.2PRINCÍPIO ACUSATÓRIO

Propositadamente, este princípio veio amoldar-se ao terceiro capítulo e não

ao segundo, haja vista ser ele o princípio reitor da porfia que aqui pretende se

esclarecer.

O que não muito se enxerga em nossos manuais é a preocupação com a

diferenciação de sistema e princípio acusatório, e uma das razões é

[...] que, se pretendermos a definição de um sistema acusatório como categoria jurídica composta por normas e princípios, não há como, pura e simplesmente, justapô-lo com exclusividade a um preciso princípio acusatório, pois a identidade entre um e outro resultaria por exigência lógica, na exclusão de uma das dias categorias, pela impossibilidade de um princípio ser, ao mesmo tempo, um conjunto de princípios e normas do qual ele faça parte, numa relação de continente a conteúdo.117

117

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 103.

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Por tal razão, segue-se a alheta de Geraldo Prado ao se partir da premissa

que o sistema acusatório é compreendido por “normas e princípios fundamentais,

ordenadamente dispostos e orientados a partir do principal princípio, tal seja, aquele

do qual herda o nome: acusatório”.118

Partindo-se para a explicação sobre o que vem a ser o princípio acusatório,

a melhor metodologia para assim proceder é o contrapondo com o princípio

inquisitório. É desse emaranhado de ideias contrapostas que se extrairá a melhor

explicação.

Dessarte, fica claro entender que se, nos moldes inquisitórios o juiz

propriamente acusa, na faceta acusatória o magistrado resta deslocado para o

centro do processo, vez que há uma parte autônoma encarregada desta

incumbência de acusar; e assim, preserva-se a imparcialidade do julgador.119

Em remate, encharcando-se das ensinanças de Geraldo Prado, tem-se a

seguinte dicção:

Ao aludirmos ao princípio acusatório falamos, pois, de uma processo de partes, visto, quer do ponto de vista estático, por intermédio da análise das funções significativamente designadas aos três principais sujeitos, quer do ponto de vista dinâmico, ou seja, pela observação do modo como se relacionam juridicamente, autor, réu, e seu defensor, e juiz, no exercício das mencionadas funções.120

Perpassados os breves delineamentos sobre o princípio acusatório no

processo penal, fixa-se em outra questão convidativa ao debate neste trabalho: o

ônus da prova.

3.3DA PROVA PENAL

118

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 104. 119

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 106. 120

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 106.

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A premissa inicial que se parte é a trazida por Giovanni Brichetti que, citado

por Fernando da Costa Tourinho Filho, defende que a finalidade do Direito

Processual e, em especial, a do Direito Processual Penal, é a de “reconhecer e

estabelecer uma verdade jurídica” e, tal escopo, se atinge com base nas “[...] provas

que se produzem e se valoram segundo as normas prescritas em lei.”121

Já, sobre a origem propriamente dita da prova, discorre longamente Marco

Antonio de Barros:

Provar deriva do verbo probare (examinar, verificar, demonstrar). Na linguagem jurídica, é manifestar, fazer parente, pôr em evidência, demonstrar a certeza um fato ou a verdade acerca do que se alega. Por isso se afirma que provar é convencer o espírito da verdade a respeito de alguma coisa. Segundo ensinamento de Carnelutti, provar indica uma atividade do espírito dirigida à verificação de um juízo. Corresponde à cogitação do convencimento de outrem acerca da verdade referente a determinado fato. A palavra prova vem do latim probus, com o significado de bom, correto, honrado. Em termo genéricos, a prova é qualquer coisa, mesmo imaterial, idônea a suscitar um liame lógico-demonstrativo de uma outra coisa ou entidade; ou seja, a prova é algo que se utiliza nas mais variadas contingências da vida. No processo, a prova resume-se a todo meio destinado a convencer o juiz a respeito da verdade de uma situação de fato.122 (itálico no original)

À frente, vale o passo judicioso do uruguaio Eduardo Couture, muito bem

lembrado por José Osterno Campos de Araújo em sua concisa, mas interessante

obra “Verdade processual penal: limitações à prova”, senão veja-se:

Eduardo Couture [...], após reportar-se a que é necessário comprovar a verdade ou falsidade de afirmações das partes atinentes aos fatos discutidos no processo, acentua que „Tomada en su sentido procesal la es, en consecuencia, un medio de verificación de las proposiciones que los litigantes formulan en el juicio’, de molde a ‘formarse convicción a su respecto’.123 (itálico no original)

Como trunfo, tem-se a valiosíssima obra de Michelle Taruffo, considerado o

mais célebre processualista dos dias atuais, entendendo o mesmo que a prova é um

instrumento do qual se utilizam as partes para comprovar a veracidade de suas

afirmações e do qual se serve o juiz para decidir a respeito da verdade ou falsidade

das questões postas. Confira-se:

121

BRICHETTI, Giovanni. La evidencia en el derecho procesal penal. Tradução por Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires, 1973, p. 7 apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. 3. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 213.

122 BARROS, Marco Antonio de. A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2002, p. 105-106. 123

ARAÚJO, José Osterno Campos de. Verdade processual penal: limitações à prova. 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2006, p. 107.

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El proceso y, en particular, la decisión final, pretenden resolver la incertidumbre que se da respecto a la verdad o falsedad de los enunciados que tiene que ver con los hechos relevantes de la causa. La prueba es el instrumento que utilizan las partes desde hace siglos para demostrar la veracidad de sus afirmaciones, y del cual se sirve el juez para decidir respecto a la verdad o falsedad de los enunciados fácticos. En términos muy generales, se entiende como prueba cualquier instrumento, método, persona, cosa o circunstancia que pueda proporcionar información útil para resolver dicha incertidumbre.124

Também o mestre encara a questão da prova sob duas concepções: a

prova como um instrumento de conocimiento e como um instrumento de

persuasión.125

E assim conclui sobre as ideias por si geridas:

En la práctica judicial, la función cognoscitiva y la función persuasiva de la prueba se entrecruzan de varias maneras en función de los diferentes contextos procesales concretos, con el resultado de que puede incluso hacerse difícil distinguirlas. En el plano teórico parece, de todas maneras, evidente que la concepción persuasiva no agota la función de la prueba y sólo consigue poner de relieve algunos aspectos de su uso forense. La concepción cognoscitiva, en cambio, identifica exactamente la función de la prueba, que están directamente relacionadas con la función del juez tal cual se define en los sistemas que exigen que la decisión sea "justa en los hechos" y no sólo en el derecho.126

Enfim, sopesada a construção sobre o que pretensamente vem a ser

considerado como prova, Eugênio Pacelli de Oliveira traz à ribalta, ademais,

ponderação acerca do objetivo claramente definhado da prova judiciária: “a

reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência

possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como

efetivamente ocorreu no espaço e no tempo.”127 (itálico no original)

Entretanto, o trabalho de reconstrução da verdade é uma das “asmáticas”

tarefas a que o processo penal contempla...

124

TARUFFO, Michele. La prueba, artículos y conferencias. Santiago: Metropolitana, 2008, p. 59. 125

TARUFFO, Michele. La prueba, artículos y conferencias. Santiago: Metropolitana, 2008, p. 59-67.

126 TARUFFO, Michele. La prueba, artículos y conferencias. Santiago: Metropolitana, 2008, p. 66-

67. 127

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 341.

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3.4O ONUS PROBANDI NO PROCESSO PENAL

Fenômeno interessante na dialética processual é o chamado ônus da prova.

Aprender a conceituá-lo é também um dos passos imprescindíveis para o desfecho

da jornada ora travada.

Ora, visando ao esclarecimento do leitor, o ilustre jurista Hélio Tornaghi em

sua brilhante obra “A Relação Processual Penal” já tratou de dizer que o ônus é uma

faculdade das partes e, tal providência, não decorre de uma relação entre pessoas,

eis que o facultado nada exige de outrem.128 E o mestre arremata: “O encargo, ou

ônus, portanto, é um fardo que o próprio interessado deve carregar se dele quiser se

valer. É uma obrigação para consigo mesmo.”129

Quer dizer, o ônus em nada se parece com o dever jurídico, eis que o

primeiro, repise-se, desponta como uma facultas agendi e uma condição para a

obtenção de êxito no processo, sofrendo a parte pretensamente desidiosa com o

prejuízo decorrente de sua inação, impedindo-se-lhe de obter uma vantagem. Por

outro viés, o descumprimento de um dever gerará sempre uma sanção.130 A doutrina

sumariamente explica essa diferenciação:

Logo, o ônus oferece uma alternatividade ao dispor do titular que poderá atendê-lo ou não e na última hipótese sofrerá o prejuízo decorrente de sua inação ou negação, enquanto a obrigação é um mandamento legal pelo qual o obrigado não pode escolher entre cumpri-lo ou não. Sobre ser a produção da prova um ônus e não uma obrigação, não há qualquer dúvida. Assim pensam, entre outros, Fitting, Rispoli e Chiovenda. As partes provam em seu próprio benefício, visando dar ao juiz os meios próprios e idôneos para formar sua convicção. É uma atividade da parte em proveito próprio, uma convicção para a vitória, um meio para obter a pretensão posta em juízo, jamais um dever jurídico. Quem deseja ganhar a demanda deve provar, como deseja melhorar deve trabalhar. Daí por ônus, jamais obrigação. A prova é, induvidosamente, um ônus processual.131

128

TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 57. 129

TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 57. 130

LIMA, Marcellus Polastri. Manual de processo penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 341.

131 ARANHA, Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha. Da prova no processo penal. 7ª

ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 8.

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Outrossim, o comentado jurista vai à raiz latina para entender o que significa

ônus e de lá trouxe para a sua obra jurídica o seguinte: “A palavra ônus tem origem

latina (onus), significando fardo, carga, peso, imposição, etc. Daí por que ônus da

prova (onus probandi) representa a necessidade de provar para ver reconhecida

judicialmente a pretensão manifestada.”132

De mais a mais, Paolo Tonini, ao estudar a prova no processo penal italiano,

teve o cuidado de dividir os ditos engenhosos de “ônus” e de “prova”; o que se torna

fantástico para a didática. Não necessariamente nesta sequência, assim emanou:

„Provar‟ significa convencer o juiz da existência do fato histórico, o que constitui um „ônus‟ para a parte, ou seja, a inobservância do mesmo acarreta a situação desvantajosa do indeferimento pelo juiz do pedido da parte. Em contrapartida, o cumprimento do ônus acarreta o deferimento do pedido. O ônus da prova constitui uma regra de juízo, no sentido de que individualiza a parte sobre a qual recaem as conseqüências de não ter convencido o juiz acerca da existência do fato afirmado.”133

Findado esse primeiro aspecto, volve-se à temática sobre a quem recai o

ônus de prova no processo penal brasileiro. E assim, haure-se do art. 156 do Codex

Processual Penal:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

O ponto mor cinge-se sobre esta disposição legal, com relação ao seu

cabeçalho e ao seu inciso II: tal preceito mostra-se aceitável e consentâneo com a

Constituição Federal de 1988? Note-se que o artigo suso alinhavado ainda

permaneceu intato na sua essência com o advento a Lei n. 11.690 de 9 de junho de

2008, restando acrescentando o inciso I134, perdendo-se, segundo Guilherme

132

ARANHA, Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha. Da prova no processo penal. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 7.

133 TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. Tradução de Alexandra Martins e Daniela

Mróz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 66. 134

Da antiga redação constava: “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”

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Madeira Dezem, uma grande chance histórica de adequação constitucional do

Pergaminho Processual Penal.135

A doutrina maciça entende que a regra atinente ao onus probandi segue o

adágio actori incumbi probatio et reus in excipiendo fit actor.136 Fernando da Costa

Tourinho Filho assim extenuou:

Cabe, pois, à parte acusadora provar a existência do fato e demonstrar sua autoria. Também lhe cabe demonstrar o elemento subjetivo que se traduz por dolo ou culpa. Se o réu goza da presunção de inocência, é evidente que a prova do crime, quer a parte objecti, quer a parte subjecti, deve ficar a cargo da Acusação. Se, por acaso, a Defesa argüir em seu prol uma causa excludente de ilicitude, é claro que, nessa hipótese, as posições se invertem, tendo inteira aplicação a máxima actori incumbit probatio et reus in excipiendo fit actor... Diga-se o mesmo se a Defesa alegar a extinção da punibilidade.137

Abroquelados nesta senda de Fernando da Costa Tourinho Filho, são os

pensamentos de Guilherme de Souza Nucci, Eugênio Pacelli de Oliveira, José

Frederico Marques, Hélio Tornaghi, Julio Fabbrini Mirabete e Denilson Feitoza

Pacheco.138

Em oposição à fluente doutrina, hasteiam o lábaro, em especial, Aury Lopes

Junior e Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró139, com a posição respeitável, mas

esdrúxula, de que não há distribuição do onus probandi no processo penal, vez que

“a carga da prova está inteiramente não mãos do acusador [...].”140 (grifos no

original). Quer dizer, guarnecendo a regla de juício141, ao réu não cabe o ônus de

135

DEZEM, Guilherme Madeira. Produção de prova pelo magistrado. In: GOMES, Luiz Flávio (organizador). A prova no processo penal: comentários à lei n° 11.690/2008. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 26.

136 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. 3. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009,

p. 247. 137

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. 3. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 248.

138 DEZEM, Guilherme Madeira. Produção de prova pelo magistrado. In: GOMES, Luiz Flávio

(organizador). A prova no processo penal: comentários à lei n° 11.690/2008. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 25.

139 Guilherme Madeira Dezem, ao citar Badaró, assim estabelece: “Afirma, ainda, que na ação penal

condenatória, não há que se falar em ônus da prova para o acusado, mas, em verdade, embora „seja admissível que a atividade do acusado seja regida por um ônus probatório, no processo em que vigora a presunção de inocência, tal encargo é atribuído, com exclusividade, ao acusador.‟” DEZEM, Guilherme Madeira. Produção de prova pelo magistrado. In: GOMES, Luiz Flávio (organizador). A prova no processo penal: comentários à lei n° 11.690/2008. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 25.

140 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1.

5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 536. 141

Significa a regra para o julgamento por parte do juiz.

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provar em homenagem ao princípio do estado de não-culpabilidade, um dos

primazes da Constituição contemporânea em matéria processual e penal.142

E segue o instigante doutrinador com a crítica:

Gravíssimo erro é cometido por numerosa doutrina (e rançosa jurisprudência), ao afirmar que à defesa incumbe a prova de uma alegada excludente. Nada mais equivocado, principalmente se compreendido o dito até aqui. A carga do acusador é a de provar o alegado; logo, demonstrar que alguém (autoria) praticou um crime (fato típico, ilícito e culpável). Isso significa que incumbe ao acusador provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade e, logicamente, a inexistência das causas de justificação.143 (destaques no original).

E continua:

Então, tanto pela compreensão da regra para o juiz como também pela dimensão de atribuição exclusiva da carga probatória ao acusador, se o réu aduzir a existência de uma causa de exclusão de ilicitude, cabe ao acusador provar que o fato é ilícito e que a causa não existe (através da prova positiva).144

Com todo o respeito e deferência à posição do mestre Aury Lopes Junior,

com o qual muito já se aprendeu, mas aqui se reputa a sua tese como totalmente

descabida e desarrazoada no processo penal. É que – em que pese o doutrinador,

ao superar a ideia de Oskar Von Bülow, aderindo ao processo penal como situação

jurídica, no belvedere de James Goldschmidt, entenda haver uma coexistência para

a acusação da carga probatória (exclusivamente) e a para a defesa de uma

potencial assunção de riscos145 – não se concebe que o Ministério Público tenha de

142

Interessante nota do autor sobre a aplicação do princípio da presunção de inocência não apenas no Direito Processual Penal, mas também no Direito Penal. Confira-se: “Também chama a atenção para a influência da presunção de inocência, uma preocupação rara entre os penalistas, que erroneamente pensam que princípios como este não afetam o Direito Penal, apenas o Processual. É elementar que a presunção de inocência afeta a estrutura e as normas, tanto do Direito Penal como também do Processual Penal.” (gizou-se). (LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 538).

143 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1.

5ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 537. 144

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 538.

145 “Infelizmente, diuturnamente nos deparamos com sentença e acórdãos fazendo uma absurda

distribuição de cargas no processo penal, tratando a questão da mesma forma que no processo civil. Não raras são as sentenças condenatórias fundamentadas na „falta de provas da tese defensiva‟, como se o réu tivesse que provar sua versão de negativa de autoria ou da presença de uma excludente. É um erro. Não existe uma „distribuição‟, senão que a carga probatória está inteiramente nas mãos do Ministério Público. O que sim podemos conceber, indo além da noção inicial de situação jurídica, é uma assunção de riscos. Significa dizer que à luz da epistemologia da incerteza que marca a atividade processual e o fato de a sentença ser um ato de crença, de fé (como explicaremos a seu tempo), a não produção de elementos de convicção para o julgamento favorável ao seu interesse faz com que o réu acabe potencializando o risco de uma sentença

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provar todas as causas excludentes da ilicitude, vazadas no art. 23 do Codex

Repressivo146, facilitando o meio de manipulação da defesa.

Fica o busílis da questão: e se em todos os processos os advogados dos

réus levantassem adrede e fartamente as causas excludentes da ilicitude (estado de

necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular

de direito), incumbiria à acusação sempre fazer prova do alegado? Será que a

defesa não teria um grande trunfo em suas mãos, mesmo existindo conduta

criminosa por parte dos réus? Pensa-se que o réu apenas alegaria as teses de

excludente, por vezes desprovidas de qualquer plexo fático-probatório hábil a

inclinar o convencimento do magistrado para a absolvição, e transferiria ao

Ministério Público sempre e toda essa incumbência de provar (para além daquelas

que ele já têm), inviabilizando o diálogo do processo penal.

Até mesmo Eugênio Pacelli de Oliveira147 mistura posições em sua obra

“Curso de Processo Penal” acerca do onus probandi, e entra parcialmente em

consonância com o que ora se defende neste trabalho. O citado jurista pondera:

“Afirmar que ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito em

julgado da sentença penal condenatória implica e deve aplicar a transferência de

todo o ônus probatório ao órgão da acusação.”148 (itálico no original, sublinhou-se).

Entrementes, mais adiante confessa:

Cabe, assim, à acusação, diante do princípio da inocência, a prova quanto à materialidade do fato (sua existência) e de sua autoria, não se impondo o ônus de demonstrar a inexistência de qualquer situação excludente de ilicitude ou mesmo da culpabilidade. Por isso é perfeitamente aceitável a disposição do art. 156 do CPP, segundo a qual “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”.149 (negritou-se).

desfavorável. Não há uma carga para a defesa, mas sim um risco. Logo, coexistem as noções de carga para o acusador e risco para a defesa. [...] Ao adotarmos a teoria do processo como situação jurídica, de James Goldschmidt, entendemos que no processo penal o acusador inicia com uma imensa „carga probatória‟, constituição não apenas pelo ônus de provar o alegado (autoria de um crime), mas também pela necessidade de derrubar a presunção de inocência instituída pela Constituição.” (destaques no original). LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 44-45 e 538.

146 Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa; III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito. 147

Era hora de o mestre e um dos redatores do pretenso novo Código de Processo penal vir à tona. 148

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 348.

149 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2010, p. 349.

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Ora, reconhecer-se a aplicabilidade do “caput” art. 156 do Cânone

Processual Penal nada mais é do que dar guarida e apoio àqueles que defendem a

distribuição da carga probatória no processo, na forma alhures esmiuçada.

Aury Lopes Junior, conferindo alguns exemplos, entende que o Parquet deve

comprovar que a agressão era justa; ou que era passada ou futura; ou ainda que

houve o excesso, arrimando-se em provas positivas, eis que impossível exigir-se a

prova negativa. Ora, não há como não reconhecer a existência de prova negativa de

uma forma “disfarçada”, eis que impossível exigir-se da acusação a comprovação

técnico-científica do que uma pessoa efetivamente pensa. Ilustra-se o caso até

mesmo coligido por Aury Lopes Junior: imagine-se que uma pessoa tenta albergar-

se de excludente de legítima defesa (a vítima está morta), asseverando que houve

repulsa a injusta agressão... como é que o órgão acusador provará que a “agressão

era justa” em caso de o ofendido tiver sido morto senão por meio de uma prova

positiva “às avessas”? Ou como é que conseguiria provar que (in)ocorreu o

excesso?

A par disso, no afã de elucidar a questão, traz-se a lume doutrina de

Denilson Feitoza Pacheco:

Generalizando, a acusação basicamente deve demonstrar a existência do fato típico nos seus aspectos objetivos. A conduta objetiva do agente, por exemplo a de sacar um revólver e matar uma vítima, permite supor, de maneira razoável, que o agente atuou dolosamente, ou seja, com consciência e vontade de matar. Se a acusação tivesse que provar que o agente não tem dolo nessa conduta objetiva, isso equivaleria à prova de fato negativo, pois ainda não há meios técnicos ou científicos de se demonstrar cabalmente o que alguém efetivamente pensa. A mera alegação pela defesa de justificativas de ilicitude ou de dirimentes da culpabilidade (impropriamente denominadas causas de exclusão) não faz com que a acusação tenha o ônus de demonstrar que não ocorreram, pois novamente equivaleria a fato negativo, isto é, provar que um fato não ocorreu. Ora, presume-se razoavelmente que a infração penal existiu a partir da demonstração do fato típico no seu aspecto objetivo.150

Assim, entende-se que essas alegações devem ser competentemente

comprovadas pela defesa, sob pena de sobrecarregar o Ministério Público na

questão probatória e, por tal razão, a atividade penal – que, em regra, deve ter no

seu curso habitual uma sentença condenatória – acabar restando inviável e ineficaz.

150

PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6ª ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 728.

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É uma subversão à ordem jurídica, em especial até mesmo ao próprio arquétipo

acusatório, sobrecarregando por demais a atividade do Órgão Ministerial.

Curiosa discussão, mas não a principal deste trabalho, fecha-se este tópico

com a inclinação de que a carga probatória incumbe, como regra, à acusação;

entrementes, tal encargo se transfere à defesa quando esta levantar teses que

exculpem a conduta do acoimado, como as excludentes de ilicitude e a extinção da

punibilidade.151

Na panóplia de entendimentos do Areópago Estadual Catarinense colhe-se

recentíssima decisão da lavra do Desembargador Irineu João da Silva:

JÚRI. DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÕES CORPORAIS GRAVÍSSIMAS (ART. 129, § 2º, I E III, CP). PUGNADA A ANULAÇÃO DO JULGADO AO ARGUMENTO DE SER A DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO AMPARADA NOS ELEMENTOS OBTIDOS NO DECURSO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. TESE DE LEGÍTIMA DEFESA SUPORTADA SOMENTE NA PALAVRA DO RÉU. ÔNUS DE COMPROVAR A EXCLUDENTE QUE INCUMBE A QUEM ALEGA (ART. 156, "CAPUT", CPP). IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRIVILÉGIO DO ART. 129, § 4º, DO ESTATUTO REPRESSIVO. PRINCÍPIO DA SOBERANIA DO JÚRI POPULAR. Encontrando o veredicto dos jurados suporte em uma das versões existentes no processo, impossível reconhecê-lo como manifestamente contrário à prova dos autos. A decisão do júri somente poderá ser cassada se for destituída de qualquer elemento de convicção; assim, não poderá ser anulada se, havendo duas ou mais versões, o veredicto se inclina por qualquer delas, mesmo que não seja a mais consistente. DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. ALMEJADA REDUÇÃO DA PENA BASILAR AO MÍNIMO LEGAL. INCREMENTO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADO. PLEITO RECHAÇADO. SEGUNDA FASE. AGRAVANTES DO MOTIVO FÚTIL E DO RECURSO DE QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA PERFECTIBILIZADAS. CONFISSÃO QUALIFICADA QUE NÃO AUTORIZA A INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DO ART. 65, III, "D", DO ESTATUTO REPRESSIVO. AÇÃO QUE NÃO SE PAUTOU POR RELEVANTE VALOR SOCIAL OU MORAL. APELOS DESPROVIDOS.152

Em desfecho, apenas atente-se que a posição aqui defendida não terá

qualquer implicação que vise a uma reviravolta do que se defenderá. Em outras

palavras: é plenamente possível defender-se a impossibilidade de produção

151

Sobre a extinção da punibilidade, vide os arts. 107 a 120 do Código Penal Brasileiro. 152

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal n. 2010.054215-2, de Chapecó. Relator Desembargador Irineu João da Silva, j. 28-10-10.

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probatória dar-se de ofício pelo juiz no processo penal e haver distribuição de carga

probatória entre acusação e defesa.

3.5O PAPEL DO JUIZ NO PROCESSO

Sujeito da relação processual penal, o julgador encontra-se numa posição de

mando, acima das partes. O desenho angular da relação jurídico-processual ilustra

com categoria: o juiz encontra-se no topo da pirâmide; enquanto a acusação e a

defesa ficam diametralmente opostas nos outros vértices.

Clássica é a lição de Hélio Tornaghi, que solidifica a posição acima urdida:

Posição do juiz. O juiz ocupa na relação processual uma posição de realce e de mando. Ele é órgão do Estado soberano, que se coloca acima de tudo e de todos (super omnia) e que proíbe os particulares de agir diretamente uns contra os outros, fazendo justiça pelas próprias mãos. E apenas lhes dá o direito de agir perante ele, Estado, para exigir dele (ação) que use o seu poder de impor o que é direito em cada caso (jurisdição).153

Como se vê, o juiz ocupa uma posição soberana no processo, pois a ele

cabe manter a regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos

atos, podendo, até mesmo, requisitar a força pública.154 Aí fica a pergunta: se o

magistrado descer do seu degrau, indo à “feira das provas”, como pretensamente

autoriza o art. 156 do Codex Processual Penal, será que tal organização triangular

estabelecida entre os sujeitos processuais não restaria quebrada? Seu juízo de valor

acerca da prova por si coligida seria imparcial? E mais: a que ponto resta em pé o

sistema acusatório?

São perguntas que talvez este pequeno ensaio não responda cabalmente...

Os próximos tópicos tentarão esclarecer o leitor a respeito destas

indagações.

153

TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 141. 154

Art. 251 do Código de Processo Penal.

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3.6O “MITO” DA VERDADE REAL

Isagogicamente, para estímulo ao curto debate, interessante destacar lição

acerca do princípio busca da verdade real:

O princípio da busca da verdade, por sua vez, significa que o juiz deve buscar a verdade. O princípio da busca da verdade surgiu como uma das principais características do sistema inquisitivo, significando, em outras palavras, a averiguação judicial da verdade histórica como meta do procedimento penal, com base na qual se deve fundar a decisão final. A doutrina e a jurisprudência em geral consideram o princípio da busca da verdade como um princípio fundamental do processo penal. Também é denominado princípio da livre investigação da prova no interior do pedido e princípio da imparcialidade do juiz na direção e apreciação da prova, bem como de princípio da investigação, princípio inquisitivo ou princípio da investigação judicial da prova.155

A disputa nesta questão é imensa na doutrina. O senso comum teórico dos

juristas insiste que ao juiz é dado perseguir a verdade real, eis que esta é a que

espelha o processo penal. E de outra banda, parte menos numerosa dos estudiosos

defende que a verdade real é uma utopia, devendo a verdade formal ou processual

ser obtida no processo. Não se olvide que para tal corrente “o processo penal é um

modo de construção do convencimento do juiz, fazendo com que as limitações

imanentes à prova afetem a construção e os próprios limites desse

convencimento.”156

Revela Aury Lopes Júnior que a mitológica verdade real está umbilicalmente

ajoujada com a estrutura do sistema inquisitório, com o próprio “interesse público”,

com modelos políticos autoritários, com a busca de uma “verdade” a qualquer custo

e com a figura do juiz-ator.157

E, nesse ponto, se viu obrigado a concluir que no processo penal só se

legitimaria a verdade formal ou processual.158

155

PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6ª ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 713..

156 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1.

5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 555. 157LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1.

5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 556. 158

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 556.

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A inclinação de Marco Antonio de Barros também se dá na linha de que no

processo penal a verdade é processual, senão confira-se:

Feitas as anotações sobre os mais variados sentidos que são emprestados ao termo, também em forma preliminar e moldada por uma visão que se restringe ao tema principal objeto do trabalho, cabe definir a verdade inerente a processo penal – a qual também é fruto de um juízo de valor – como tão-somente a “verdade processual”, que naturalmente é assimilada com esteio nas provas produzidas no curso do procedimento.159

Fauzi Hassan Choukr também aproveita o ensejo e lança sua crítica sobre a

pretensa busca da verdade ora em debate:

No caso pátrio o descompasso entre o sistema constitucional e o Código é tão grande que não é mais possível a convivência de ambos, dificultando amplamente a atuação prática do processo penal. O sistema de colheita de prova é um exemplo, além de poderes persecutórios dados ao juiz de forma indireta, com a quebra da acusatoriedade. A verdade processual cede sempre lugar ao autoritário argumento da verdade material, em busca da qual muitas regras de imparcialidade são quebradas.160

Por tais razões, chega-se a conclusão de que o princípio da verdade real é

ilusório, uma vez que não consegue atingir um conceito absoluto e inquebrável de

verdade.

O barco com qual se navega, dessarte, é no de que apenas resta possível ir

atrás de uma verdade processual, respondendo parcialmente às indagações

anteriormente procedidas. Extrai-se das lições doutrinárias que um sistema

processual obcecado pela busca da verdade real é um sistema ditatorial,

escondendo raízes inegavelmente inquisitoriais, motivo pelo qual a ideia de verdade

real viola o princípio acusatório e a imparcialidade do magistrado, quando este fazer

as vezes de acusador para procurar por novas provas no processo penal.

159

BARROS, Marco Antonio de. A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 18.

160 CHOUKR, Fauzi Hassan. Las reformas procesales penales en américa latina. Coordenadores: Julio Bernardo José Maier, Kai Ambos e Jan Woischnik. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2000, p. 159.

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3.7O ARTIGO 156 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: A JUSTIFICATIVA

PROCESSUAL QUE REFOGE À CONFORMIDADE CONSTITUCIONAL

É chegado o momento de finalização da pesquisa.

Note-se, leitor, que será importante cotejar todas as informações trazidas ao

longo do trabalho, para que empós a feitura de uma análise sistêmica, chegue-se a

ilação de que a produção probatória de ofício pelo julgador no atual modelo

processual penal pátrio é de todo incompatível e inconstitucional.

Como se viu, a imparcialidade é um dos elementos inerentes do sistema

acusatório, ao revés do protótipo inquisitorial, e por isso para que não seja violada,

faz-se imperiosa a divisão das funções de acusar, defender e julgar. Confira-se:

Todas essas questões giram em torno do binômio sistema acusatório e imparcialidade, porque a imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório, de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir, além da separação inicial das funções de acusar e julgar, um afastamento do juiz da atividade investigatória/instrutória.161 (grifos no original)

Aqui se adota a tese que a imparcialidade efetivamente resta infringida

quando o magistrado produz prova ex officio, porque esta “[...] decorre, não de uma

virtude moral, mas de uma estrutura de atuação”.162

De mais a mais, a falta de conformidade constitucional do art. 156 do Código

de Processo Penal ainda fere tantos outros princípios que regem o arquétipo

acusatório, cabendo elencar, o devido processo legal, o contraditório, da paridade de

armas e do próprio princípio do estado de não-culpabilidade, todos já comentados

no segundo capítulo.

Na panóplia de entendimentos do Areópago do Rio Grande do Sul, colhe-se

o seguinte precedente:

DILIGÊNCIAS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO JUDICIAL. DESNECESSIDADE. Atentos os operadores do direito ao sistema acusatório consagrado na carta, construído em cima de nova

161

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1. 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 73.

162 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1.

5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 190.

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principiologia processual, e também, na ampliação do prestígio ministerial, salvo as diligências que dependam, efetivamente, da autorização judicial (v.g. quebra de sigilo bancário, etc), a intervenção do poder judiciário implicaria em rompimento com o sistema e usurparia ao parquet a legitimidade para a construção probatória. O poder requisitório do ministério público vem ao encontro dos interesses da própria instituição, erigida a órgão essencial à justiça pelo pensamento constituinte de 1988. Correição parcial improcedente.163 (sem grifos no original)

Sem mais circunlóquios, dispara Aury Lopes Junior:

Nesse contexto, dispositivos que atribuíam ao juiz poderes instrutórios (como o famigerado art. 156 do CPP) devem ser expurgados do ordenamento ou, ao menos, objeto de leitura restritiva e cautelosa, pois é patente a quebra da igualdade, do contraditório e da própria estrutura dialética do processo. Como decorrência, fulminada está a principal garantia da jurisdição: a imparcialidade do julgador. O sistema acusatório exige um juiz-espectador, e não um juiz-ator (típico do modelo inquisitório).164

Finalizando o texto, novamente torna-se a dizer que ficou justificada a

impossibilidade produção de provas de ofício pelo juiz no processo penal,

simplesmente porque a violação ao sistema acusatório é patente. E, não se justifica,

também, o magistrado arvorar-se do referido poder instrutório com base no princípio

da verdade real, uma vez que este restou derruído no processo penal, havendo que

se falar em verdade processual, na forma acima tratada.

Para reforçar, válida é a lição de Marcos Eberhadt:

Como já se advertiu, resta estabelecido que, para a concretização do sistema acusatório, o juiz, no processo penal, não tem atuação de ofício na direção do objeto da persecução penal, fincando inerte e aguardando a provocação das partes ou o comando processual procedimental. A previsão da gestão da prova para o magistrado no art. 156 do Código afasta terminantemente dali o sistema acusatório. È o estilo acusatório que, em contrapartida, determina um espetáculo dialético, um combate aberto, com normas claramente referentes, sobre, aos tribunais, o que novamente foi desprezado pelo legislador reformista. 165

Vale o cansativo alerta a todos:

163

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Correição Parcial n. 70037913902, Quinta Câmara Criminal, Relator Desembargador Aramis Nassif, julgado em 15-9-10.

164 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Volume 1.

5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 190. 165

EBERHARDT, Marcos. Reformas processuais penais no âmbito da produção probatória. NUCCI, Guilherme de Souza (organizador). Reformas no processo penal. 2ªed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009, p.106.

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No processo penal o que está em jogo é a liberdade do cidadão, ou seja, um direito fundamental conforme a Carta Magna. E, assim, a liberdade só poderá ser restringida após o (devido) processo penal, o que somente ocorre se os princípios constitucionais forem observados no momento de aplicação das leis processuais. D contrário, impossível efetivar as garantias. [...]. O Processo Penal é um instrumento de suma importância para legitimidade democrática do Estado. Assim, é necessário a ruptura com todo e qualquer modelo autoritário. Esta transformação não é fácil, pois perpassa questões culturais de há muito sedimentadas em torno da política estatal. Neste esteio, afirma Hassemer: “um Processo Penal Democrático custa tempo e dinheiro”.166

E, desta feita, para finalizar é importante lembrar da função do processo

penal como instrumento democrático do Estado. E se assim o for, que seja longe de

qualquer ditatorialismo, a começar pela busca desmesurada pelos juízes da verdade

“fantoche”, produzindo provas por impulso próprio.

166

SCAPINI, Marco Antonio de Abreu. A violência dos sistemas processuais penais: uma abordagem crítica desde uma potência inquisitorial. Revista da Ajuris, Porto Alegre, ano n. 36, n. 115, setembro de 2009, p. 184-185.

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CONCLUSÃO

A par do fora expendido, verificou-se que não é tão singelo o estudo dos

sistemas processuais penais, nem mesmo dos princípios constitucionais e da

atividade instrutória do juiz no direito processual penal brasileiro.

Por tais razões, descortinaram-se três capítulos na humilde tentativa de

esclarecer e filiar-se – junto à Aury Lopes Júnior, Jacinto Nelson de Miranda

Coutinho, Franco Cordero – entre outros, no entendimento de que não há como o

magistrado fazer as vezes de acusação no processo penal pátrio.

No início do primeiro capítulo, preocupou-se com a conceituação acerca do

sistema processual, desencadeando-se na ideia de um conjunto de regras e também

de princípios constitucionais que estabelecem as vertentes a serem seguidas para

se aplicar o Direito Penal para cada caso. É, de fato, uma questão que está ajoujada

ao momento político de cada País.

Ainda na primeira jornada, tratou-se de esmiuçar detalhadamente os

sistemas inquisitivo, acusatório e misto. No ponto, hauriu-se que o ordenamento

jurídico brasileiro adota o sistema acusatório, mas no belvedere da Constituição

Federal de 1988, o arquétipo acusatório ainda se mostra como uma mera promessa,

grifando Geraldo Prado que o modelo processual adotado pelo Brasil é o da

aparência acusatória.

Por tal razão, é de se concluir neste pormenor que o processo penal

acusatório alberga todos os princípios que restaram alinhavados no segundo

capítulo e tantos outros que lá não foram encartados por não guardarem íntima

correlação com a temática.

Dos princípios trazidos a ribalta neste trabalho, restou-se a conclusão de

que para se consolidar um processo penal democrático, enfeixado por um matiz

acusatório, há que se observar o princípio acusatório (reitor) do qual, todos os outros

preceitos coligidos na segunda parte da monografia, repise-se, seguem a linha.

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O item “2.3.1” do segundo capítulo tratou do princípio do contraditório,

chegando-se a ilação de que ele, valendo do adágio adiatur altera pars deve ser o

direito de se contrapor à acusação e estar informado de todos os atos trilhados no

iter procedimental.

O item “2.3.2” do segundo capítulo trouxe a lume o princípio da ampla

defesa, enveredando-a sob duas facetas, a defesa técnica e a autodefesa. E, assim,

restou esclarecido que apenas a defesa técnica, mediante o traquejo de um

profissional da advocacia, é que se demonstrar necessária à garantia do direito

constitucional do acusado.

O item “2.2.3” do segundo capítulo aduziu sobre o preceito do estado de

não-culpabilidade, amplamente conhecido como a presunção de inocência. Esta

garantia fundamental serviu de pretexto para levantar-se uma interessante questão

acerca do onus probandi a qual, concluiu-se mais adiante (no terceiro capítulo), pela

distribuição de carga probatória entre a acusação e defesa. A bem da verdade, o

encargo a que se acomete o órgão acusador é reconhecidamente superior àquele

impingido ao réu, que fica adstrito à prova nos casos em que tão somente alegue

uma tese de excludente de ilicitude desprovida de qualquer plexo fático-probatório

tendente a provocar um juízo de incerteza na mente do julgador.

O item “2.3.4” do segundo capítulo vazou sobre o devido processo legal, que

é um dos mais importantes da seara processual penal. Teve-se o cuidado de

analisá-lo sob o prisma procedimental e substancial.

O item “2.3.5” do segundo capítulo explicou sobre o princípio do impulso

oficial, também de chamado de princípio da obrigatoriedade e da indeclinabilidade

da ação penal, trazendo posições aparentemente antagônicas: Guilherme de Souza

Nucci entendeu que, com arrimo neste princípio, é válido a atuação de ofício do juiz

na colheita da prova; já Denilson Feitoza Pacheco pincelou uma leve crítica ao

explanar que o impulso oficial é uma aplicação específica do princípio inquisitivo no

andamento do processo penal.

O tem “2,3,6” do segundo capítulo foi dedicado à imparcialidade no processo

penal (tema delicado) entendendo-se que a sua aplicação deve ser sempre

observada, sob pena de nulidade do processo, por ser um dos baluartes do sistema

acusatório.

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Em desfecho do segundo capítulo, o item “2.3.7” ancorou-se no princípio da

paridade de armas, subsumido-se como a verdadeira medula do devido processo

legal, devendo haver um trato paritário do jus libertatis e do jus puniendi.

De mais a mais, a dicotomia existente entre o juiz-ator e o juiz-garante

começou a ser timidamente bosquejada no terceiro capítulo, eis que o trabalho foi

inclinando-se para o afastamento de um julgador que sai de seu trono supra partes

(na formação triangular da relação jurídico-processual) e busca, de per si¸ por

provas tanto da inocência como da acusação.

No terceiro capítulo estabeleceu-se a conceituação sobre prova e o seu

objetivo no processo penal, que é o de reconstruir os fatos investigados no processo

com a maior precisão possível da realidade histórica.

Empós, delineando-se acerca do princípio acusatório, o ônus da prova e o

papel do juiz no processo penal, conseguiu-se ir com mais propriedade para a

questão da gerência da prova pelo julgador.

Indo a frente, deparou-se com o embate do princípio da busca da verdade

real. Concluiu-se, no ponto, que a verdade real é apenas um mito, engendrado e

maquiado pela inquisição, sendo que a verdade a ser perseguida no processo é a

processual.

Destarte, ao analisar o art. 156 do Código de Processo Penal, imperativo o

reconhecimento de sua inconstitucionalidade, uma vez que, por ser a verdade

processual a idealizada no processo penal, não há como o juiz despojar-se de sua

condição exclusiva de julgador para tomar os atos do órgão acusador, sob pena de

subverter-se o Estado Democrático de Direito, baseado no sistema e princípio

acusatórios, imparcialidade, contraditório, entre tantos outros que assim restam

feridos de morte.

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69

ÍNDICE ONOMÁSTICO

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ALONSO, Pedro Aragoneses. Proceso y derecho procesal. Madrid: Aguilar, 1960.

ANDRADE, Mauro Fonseca. A atividade probatória ex officio judicis na recente reforma processual penal. Revista jurídica do Ministério Público catarinense, Florianópolis, n. 14, janeiro-junho de 2009.

ARANHA, Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha. Da prova no processo penal. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

ARAÚJO, José Osterno Campos de. Verdade processual penal: limitações à prova. 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2006.

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre a acusação e a sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

BARROS, Marco Antonio de. A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. Tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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70

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Lex: Vade Mecum. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Correição Parcial n. 70037913902, Quinta Câmara Criminal, Relator Desembargador Aramis Nassif, julgado em 15-9-10.

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