o destino das mulheres e de sua carne: regulação de gênero e a inscrição da nativa em...

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28ª. Reunião Brasileira de Antropologia São Paulo, 2 a 5 de julho de 2012 1 Osmundo Pinho O“Destino das Mulheres e de sua Carne”: Regulação de Gênero e Inscrição da Nativa em Moçambique 1 Osmundo Pinho 2 Introdução Nesta comunicação discutiremos determinados registros, fragmentos de uma documentação, encontrados no Fundo “Direção de Serviços de Negócios Indígenas”, do Arquivo Histórico de Moçambique (AHM) e que se referem ao conturbado processo de elaboração do Código Penal e Civil dos Indígenas de Moçambique, tarefa encomendada ao jurista/etnólogo José Gonçalves Cota, pelo Governador Geral da Colônia de Moçambique José Bettencourt (Serra, 2010). Os documentos em questão nos permitiriam flagrar com vivacidade o processo de efetiva inscrição d@ nativ@, como o descreve G. Spivak (2010), sob o marco da “legibilidade”, como discute de outra parte Veena Das (2004). Dessa perspectiva, podemos discutir o trânsito político de incorporação do destino da mulher, e de seu corpo, que ao tornarem-se matéria de consideração política por parte do Estado, nos permitiriam vislumbrar a articulação de uma economia política do gênero no ambiente colonial. Tal transição/tradução incompleta opera como elemento da “postcolony”, como a descreve Achille Mbembe (2001), que sobrevive à emancipação política de Moçambique e prossegue, requalificada, no discurso frelimista, como pretendo sumariamente indicar. No que segue apresentaremos assim a instituição da missão liderada por Cota, os debates sobre o destino das mulheres, e a natureza dos usos e costumes nativos, que envolverem o governo colonial e a igreja católica na colônia; e a produção de inscrição 1 A pesquisa que embasou esta comunicação tem sido apoiada pelo CNPq, por meio dos editais MCT/CNPq/SPM-PR/MDA Nº 57/2008 e MCT/CNPq Nº 03/2009. Agradecemos a Brazão Catopola, pelo apoio no campo em Maputo (2011), e a Sandra Chirinza, Abel Pemba e Alberto Calbe, pela preciosa ajuda no Arquivo Histórico de Moçambique. 2 Professor Adjunto no Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, campus de Cachoeira e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da mesma Universidade. Bolsista do CNPq.

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Nesta comunicação discutimos determinados registros, fragmentos de umadocumentação, encontrados no Fundo “Direção de Serviços de Negócios Indígenas”,do Arquivo Histórico de Moçambique (AHM) e que se referem ao conturbado processode elaboração do Código Penal e Civil dos Indígenas de Moçambique, tarefaencomendada ao jurista/etnólogo José Gonçalves Cota, pelo Governador Geral daColônia de Moçambique José Bettencourt (Serra, 2010). Os documentos em questãonos permitiriam flagrar com vivacidade o processo de efetiva inscrição d@ nativ@,como o descreve G. Spivak (2010), sob o marco da “legibilidade”, como discute deoutra parte Veena Das (2004).

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28ª. Reunião Brasileira de AntropologiaSão Paulo, 2 a 5 de julho de 2012

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Osmundo Pinho

O “Destino das Mulheres e de sua Carne”: Regulação deGênero e Inscrição da Nativa em Moçambique1

Osmundo Pinho2

Introdução

Nesta comunicação discutiremos determinados registros, fragmentos de uma

documentação, encontrados no Fundo “Direção de Serviços de Negócios Indígenas”,

do Arquivo Histórico de Moçambique (AHM) e que se referem ao conturbado processo

de elaboração do Código Penal e Civil dos Indígenas de Moçambique, tarefa

encomendada ao jurista/etnólogo José Gonçalves Cota, pelo Governador Geral da

Colônia de Moçambique José Bettencourt (Serra, 2010). Os documentos em questão

nos permitiriam flagrar com vivacidade o processo de efetiva inscrição d@ nativ@,

como o descreve G. Spivak (2010), sob o marco da “legibilidade”, como discute de

outra parte Veena Das (2004).

Dessa perspectiva, podemos discutir o trânsito político de incorporação do destino da

mulher, e de seu corpo, que ao tornarem-se matéria de consideração política por parte

do Estado, nos permitiriam vislumbrar a articulação de uma economia política do

gênero no ambiente colonial. Tal transição/tradução incompleta opera como elemento

da “postcolony”, como a descreve Achille Mbembe (2001), que sobrevive à

emancipação política de Moçambique e prossegue, requalificada, no discurso

frelimista, como pretendo sumariamente indicar.

No que segue apresentaremos assim a instituição da missão liderada por Cota, os

debates sobre o destino das mulheres, e a natureza dos usos e costumes nativos, que

envolverem o governo colonial e a igreja católica na colônia; e a produção de inscrição

1 A pesquisa que embasou esta comunicação tem sido apoiada pelo CNPq, por meio dos editais MCT/CNPq/SPM-PR/MDA Nº57/2008 e MCT/CNPq Nº 03/2009. Agradecemos a Brazão Catopola, pelo apoio no campo em Maputo (2011), e a Sandra Chirinza,Abel Pemba e Alberto Calbe, pela preciosa ajuda no Arquivo Histórico de Moçambique.2 Professor Adjunto no Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, campus deCachoeira e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da mesma Universidade. Bolsista do CNPq.

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Osmundo Pinho

e legibilidade para a mulher nativa, marco político-epistemológico que configurou as

contradições do discurso da FRELIMO sobre o gênero no período posterior.

A forma particular, histórica, como aparece a regulação das posições de gênero em

Moçambique, não dissimula, é óbvio, o caráter social das disposições simbólicas, que

são necessárias para produzir a sujeição/subjetificação de um sujeito dispersivo e

heteróclito que chamaríamos a mulher. Desse ponto de vista, a engenharia social e o

poder das disposições simbólicas, e da violência, foram mobilizados para

reconformar/reconhecer a mulher como um sujeito (assujeitado) no interior das

estruturas em transformação do

Estado em construção. O que parece

algo perturbador é a continuidade

dessa produção subjetificante, que

observamos entre o período colonial

e o período frelimista, como aponta

Signe Arnfred (2011) dentre outros.

Foto do autor, Maputo, 2011.

No Hall de entrada do AHM, me deparei por diversas vezes com duas enormes

fotografias. A de Samora Machel (em uniforme militar), segundo presidente da

FRELIMO que em 1970 substitui Eduardo Mondlane, assassinado por meio de uma

carta bomba. E a de Joaquim Chissano (de terno e gravata), que em 1986 substitui

Samora Machel na direção da FRELIMO, após este morrer em acidente aéreo3. Ícones

da memória revolucionária vigiavam os dois, gigantes e masculinos minha curiosidade,

pairando imaginários, como guardiões da História reconstruída em Moçambique. No

interior dessa história de luta e ibertação, coroada com os louros do heroísmo e da

luta por emancipação universal, parecem respirar baixinho, outras histórias e

perspectivas que expõem as contradições do processo revolucionário. A mulher e sua

carne figuram no avesso dessa história de emanicpação e luta e com esse avesso

pretendemos agora conversar.

3 Chissano foi eleito presidente da Republica em 1994, cargo que ocupou até 2005.

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A Missão de José Cota

“Por meu despacho de 28 de julho de 1941 (Boletim Oficial no. 32, 2ª. Série) foiincumbido o Dr. José Gonçalves Cota de proceder Estudo Etnográfico das populaçõesnativas da colônia a fim de elaborar os Códigos Penal e Civil dos indígenas emconformidade com o disposto no artigo 24º. do decreto no. 16:473”4.

Com essas palavras, o Governador-Geral de Moçambique, o General José Tristão de

Bettencourt, cria a Missão Etognósica de Moçambique em 31 de Julho de 1941, que

deveria proceder à elaboração dos Códigos Penal e Civil dos Indígenas de

Moçambique, a partir de estudo etnográfico dos povos da coloniais. O trabalho foi

entregue à chefia de José Gonçalves Cota, jurista e advogado da colônia (Serra, 2010).

O debate sobre Pluralismo Jurídico tem, evidentemente, grande importância em

Moçambique, uma vez que ao longo do século XX diferentes sistemas

jurídicos/costumeiros de regulação das relações sociais, e de arbitragem de conflitos,

mais ou mesmos regulados pelo Estado, permaneceram como disjuntores da vida

social da colônia/nação. Tal como se descreve, a dualidade do direito nas colônias

africanas das potências europeias, na primeira metade do século XX, foi definida pela

dualidade do poder, encarnada no despotismo descentralizado, quer seja sob a

modalidade da “indirect rule”, ou do assimilacionismo“relativista” (Mamdani, 1996).

A racialização africana caminhou pari passu às estratégias de dominação política e à

elaboração de um arcabouço jurídico conceitual, capaz de conferir inteligibilidade aos

processos administrativos, associando a diferença cultural à diferença racial como

instrumento político de dominação. Nesse sentido, a culturalização (culturalização) da

vida social, foi elemento importante da razão etnológica (Amselle, 1998), que em

associação ao poder colonial, produziu o indígena ou nativo(Macagno, 2001)5. É sob o

registro de tais modulações, que a questão da mulher nativa, do casamento e do

4 Processo 020811 direção dos serviços dos negócios indígenas S1/caixa 1640– AHM – UEM.5 A “razão etnológica” operou pela invenção de grupos étnicos como um resultado articulado do esforço conjunto daadministração colonial e de etnólogos, definindo as sociedades humanas como espécies diferentes, individualizadas, na tradiçãoculturalista de Boas, ou por meio da ênfase comparativa, que associa o etnólogo comparatista ao colecionador de borboletas. Detal sorte, diz Amselle, que é a noção de comparativismo que funda a ideia de culturas africanas, substituindo unidades politicasorganizadas em um continuum definido politicamente, por classificações culturais-naturais e tipologias (Amselle, 1998).

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parentesco se apresenta, saltando das páginas da literatura antropológica para os

códigos penais e civis.

No contexto histórico-político de Moçambique observamos um conflito de legalidade e

sobreposição disciplinar. Que Boaventura de Souza Santos (2003) compreendeu

justamente como determinada modalidade de pluralismo jurídico, e Mahmood

Mamdani (1996) considerou como a herança dissimulada da dualidade do poder que,

baseada na “razão etnológica”, construiu um arcabouço heteróclito e híbrido para a

regulação das práticas sociais e para a administração do poder. Como na opinião do

sociólogo moçambicano Carlos Serra:

“A codificação do direito costumeiro configurou-se, assim, como um mecanismointencional de introdução gradual de transformações nos sistemas jurídicos daspopulações nativas, de modo a prosseguir a consolidação das relações de poder edominação que caracterizam os estados coloniais e o controlo efectivo do território edas suas gentes por parte dos agentes da administração colonial” (Serra, 2010: 27).

Pluralismos jurídicos foram associados por Albie Sachs (1981) a regimes de

discriminação que distinguiam, por meio de divisões culturais, nativos e europeus. Em

vez disso ele sustenta para Moçambique a necessidade da mais absoluta igualdade

jurídica, o inverso do que ocorria, por exemplo, na África do Sul, naquele momento no

auge da repressão as lutas contra o Apartheid, das quais o próprio jurista foi um

participante destacado6.

Nas páginas da Revista “Justiça Popular” observamos a pregação frelimista em torno

da importância de atribuir-se direitos legais/universais ao casamento para fins de

herança e de descendência. No período áureo do debate sobre pluralismo jurídico e

justiça popular testemunhamos a rejeição ao “estudo etnográfico”, identificado à

etnologia como a produção (essencialização) da cultura, fundamento dos pluralismos

por sobre a distinção política que no “tempo colonial (....) procurava isolar e

autonomizar os sistemas tradicionais como se existissem fora do processo histórico”

(Justiça Popular, no. 5, 1982).

6 Scheper-Hughes, 2007.

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Tendo em mente tais enquadramentos, estruturantes do contexto de

interação/transformação dos sistemas jurídicos como sistemas de

assujeitamento/regulação, consideraremos os documentos em análise.

O trabalho de Cota conclui-se em 1946, cinco anos depois de seu início - após uma

série de diatribes, dificuldades com intérpretes, disputas por combustível, fofocas e

reclamações - com a publicação do “Projeto Definitivo do Código Penal dos indígenas

da Colónia de Moçambique, acompanhado de um relatório e de um estudo sobre

direito criminal indígena” e do “Projeto definitivo do estatuto do Direito Privado dos

indígenas da Colónia de Moçambique, precedido de um estudo sumário do direito

gentílico”7. Os materiais etnográficos que serviram de suporte à elaboração dos dois

projetos, foram publicados em 1944 sob o título “Mitologia e Direito Consuetudinário

dos Indígenas de Moçambique”, acompanhado do muito significativo subtítulo “Estudo

de Etnologia mandado elaborar pelo Governo Geral da Colónia de Moçambique”.

O ano de 1941 consta como inaugurando nova fase na administração colonial em

Moçambique. No ano anterior, a Metrópole assistia a realização da Exposição do

Mundo Português, o que proporcionou a ornamentação ideológica necessária à

alteração da politica colonial. Veríamos assim reunidas condições práticas e

superestruturais — as exposições, os congressos, as disposições e regulamentações

legislativas (o Ato Colonial, a Carta Orgânica do Império Colonial Português) — para

um exercício efetivo de administração colonial (Thomaz, 2002; Zamparoni, 2007;

Cabaço, 2009).

O esforço decidido para a consolidação da administração – e do efetivo poder -

colonial, seria o estabelecimento de uma nova normatividade jurídica para o exercício

da função judicial colonial sobre os “indígenas” e, na verdade, a condição para a

produção/inscrição dos nativos no aparato político do Estado como atribuidor da

legibilidade aos sujeitos coloniais.

Estaria Gonçalves Cota, em 1946 ainda excessivamente preso a uma abordagem de

natureza evolucionista? Ainda que temperada com o particular

7 Segundo Serra, estes nunca foram promulgados pelo Governo Metropolitano. (2010).

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relativismo/assimilacionismo colonial? O anacronismo da abordagem seria assim uma

questão relevante, uma vez que estaríamos nos anos 40 já sob a égide do

funcionalismo, vitorioso nas disputas no campo da teoria antropológica (Kuper, 1988).

Ao citar Ancient Society (1877) de L. H Morgan, Cota parece dar testemunho de sua

própria superação. O fato de ser jurista e não antropólogo, entretanto, o associa mais

fortemente a genealogia evolucionista, e ao próprio Morgan, é claro, ele próprio

também advogado (Kuper, 1988).

Kuper nos lembra ainda que a ênfase principal encontrada no evolucionismo é aquela

ligada a aspectos jurídicos, relativos à constituição do Estado, da família, da herança e

da propriedade, elementos estruturantes da autopercepção e organização das

sociedades capitalistas modernas na Europa; “Nor it is this altogether surprising, since

the study of primitive society was not general regarded as branch of natural history.

Rather it was treated initially as a branch of legal studies” (Kuper, 1988:3). Os povos

considerados selvagens existentes à época, nos permitiriam reconstituir, na

perspectiva evolucionista, a história da família humana, que é uma só em sua “fonte,

experiência, progresso” (Morgan, 2005). Tal progresso seguiria uma linha unívoca,

transitando do “direito materno” para o “direito paterno”. Ideia canônica,

compartilhada pelo Arcebispo de Lourenço Marques, Joaquim Teodósio: “O indígena,

espontaneamente e em procura de estabilidade para o seu lar e de segurança para si e

sua prole, vai abandonando o regime matriarcal e preferindo o patriarcal”.8

A iniciativa encomendada a Cota, observaríamos, concordaria assim com um novo

esforço para conceder coerência normativa aos distintos regimes jurídicos coabitantes

na colônia, submetendo-as às prerrogativas do Estado Colonial Português.

“Nas colônias atender-se-a ao estado de evolução dos povos nativos, havendoestatutos especiais dos indígenas que estabeleçam para estes sob influência do direitopúblico e provado português regimes jurídicos de contemporização com os seus usos ecostumes individuais, domésticos e sociais que não sejam incompatíveis com a moral,com os ditames da humanidade ou com o livre exercício da soberania portuguesa,embora procurando o seu lento aperfeiçoamento”.9

8 Processo 020811 direção dos serviços dos negócios indígenas S1/caixa 1640– AHM – UEM.9 Idem.

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Na introdução a “Anthropology & The Colonial Encounter” (1973) Talal Asad não nos

deixa esquecer que o fato fundamental que permitiu o funcionalismo em África foi à

dominação colonial, e em termos factuais, o Tratado de Berlim em 1884/1885, o

evento geopolítico que desenhou as condições por meios das quais a representação da

diferença etnográfica pode ser realizada em África (Brunschwig, 1971). De modo tão

explicito, e brilhante, como na etnografia Nuer produzida por Evans-Pritchard, (1993).

Em seu ensaio no mesmo livro Asad (1973), insiste no compromisso do funcionalismo

britânico em produzir uma miragem de sistemas sociais relativamente homogêneos e

atemporais, por meio de sua inflexão teórica, imposição de uma temporalidade a-

histórica aos nativos, agora posta em movimento pela presença colonial, o que

causava em Evans-Pritchard “nuerose”: “Desafio o mais paciente dos etnólogos a abrir

caminho face a esse tipo de oposição. Agente fica maluco com ela. De fato, de pois de

algumas semanas de manter relacionamento unicamente com os Nuer, a gente exibe,

se for permitido o trocadilho, os sintomas mais evidentes de ‘nuerose’” (Evans-

Pritchard, 1993: 19)10.

O “Destino das Mulheres e de Sua Carne”

A imperiosa necessidade de produção de um arcabouço legislativo, disciplinador do

estatuto dos sujeitos coloniais, explica a missão de Cota. A redução da diversidade de

usos e costumes a um quadro legível seria uma tarefa fundamental, definida desde o

ato colonial de 1930 e posteriormente reiterada. Ora, como aponta Thomaz, podemos

tomar a legislação com a uma representação por excelência, por meio da qual “uma

sociedade ou grupo, projeta uma imagem de si” (Thomaz, 2002:71).

As diferenças de usos e costumes dentre as várias populações não deveria obstar a

formulação de preceitos gerais. Mesmo quando observada a diferença entre o Sul

patrilinear o Norte matrilinear, as diferenças entre as duas regiões não ofereceriam um

óbice à imposição de uma legislação comum. Convém recordar a promulgação do

“Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique”,

ocorrida em 1954. Este documento foi precedido por diversos outros como o “Estatuto

Político, Civil e Criminal dois Indígenas” de 1929, o “Código do Trabalho dos Indígenas

10 O trecho refere-se à dificuldade Evans-Pritchard extrair informações dos nuer, que haviam sido recentemente pacificados pelaRoyal Air Force.

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nas Colônias Portuguesas na África” de 1929 e outros, como está em Thomaz (2002). E,

fundamentalmente, o “Ato Colonial” de 1930, promulgado por meio do decreto n.º

18.570 de oito de Julho de 1930, de carater concentrador. Todos estes códigos, e o

conjunto da legislação, assentavam sobre o princípio de uma desigualdade

fundamental entre cidadãos portugueses e indígenas, uma desigualdade que apesar de

calcada na diferença racial, poderia ser suplantada pela contraditória política

assimilacionista do Estado colonial português, que preconizava “diferença de estágio

civilizatório” entre os nativos. O referido “Estatuto Político, Civil e Criminal dos

Indígenas” publicado como o Decreto no. 16.473 de 1929 estabeleceu as bases legais

para o trabalho de Cota, e de seus interlocutores, na consecução de seu trabalho. Toda

essa legislação do período republicano é procedida por outras, discutidas com

propriedade em Zamparoni (2007). Como o próprio desenvolve a primeira

preocupação legislativa com os nativos foi a produção de uma força de trabalho, e a

submissão (civilização) do negro por meio do trabalho.

Dessa forma, em 1899 foi publicado o “Código do Trabalho Indígena” da autoria de

Antônio Enes11, com forte ênfase na legitimidade da coerção estatal para obrigar o

negro ao trabalho. A necessidade de produção de matéria prima a baixo custo, e de

uma mão de obra barata estariam, no argumento de Zamparoni, conectadas à

necessidade de produção de uma categoria particular, o indígena, submetido à

legislação diferencial. Antônio Enes, citado por Zamparoni, pristinamente explica qual

o objetivo principal da exigência do trabalho coercitivo: “Explorar em proveito nosso o

trabalho de uns milhões de braços, enriquecendo-nos a custa deles. De tal modo se fez

no Brasil” 12 (Zamparoni, 2007: 55) .

Ora, como efetivo dispositivo de uma biopolitica, a legislação colonial operou a

sujeição do nativo, submetendo-o para os fins do trabalho. Assim, o assujeitamento

produzido não poderia ser mais completo ou efetivo, sem a reprodução de padrões

morais, como justificativa para colonização.

11 Sobre Enes, ver Macagno, 2001.12 Com o mesmo braço negro, acrescentaria.

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O casamento indígena realizado por meio do lobolo, preço da noiva, ou prestações

matrimoniais, pareceu profundamente escandaloso, e objeto de prolongada

controvérsia em Moçambique que sobreviveu à emancipação colonial13. A dimensão

meramente mercantil do casamento provoca repulsa, uma vez que o pai e os irmãos

da noiva estariam profundamente interessados em um bom casamento, realizado com

um lobolo valioso, que permitisse aos homens da família, eles próprios, realizarem

bons casamentos. Como diz Cota: “O pai, em regra sente pelo filho, o interesse de um

criador de rebanhos pelos animais mais novos. Valendo os filhos pelo que rendem no

trabalho e as filhas pelo que rendem no casamento, quando seja obrigatório o lobolo,

peti, chiva ou mahari”.14

O romance de Paulina Chiziane “Ventos do Apocalipse” (2010) faz eco trágico e poético

à percepção desses fenômenos. Na aldeia de Mananga, nos tempos de uma guerra

indefinida, 15o velho Sianga, antigo régulo desprestigiado pelos novos tempos, e pela

autoridade dos mais novos como o secretário da aldeia, pretende casar a filha,

Wusheni, com o ainda mais velho Muianga, justamente para poder ele próprio, lobolar

uma mulher mais jovem que a sua esposa atual, Minosse. Mas Wusheni, apaixonada

pelo pária romântico Dambuza, se nega a casar-se, e é por isso brutalmente

espancada. Antes de saber da recusa, o velho Sianga se dirige a assembleia de

parentes para anunciar o casamento.

“A minha Wuseheni esta madura, está bela. Está na altura de produzir frutos. Chegou ahora da colheita, de receber minha recompensa e o preço de todas as canseiras quesuportamos pelo seu crescimento” (Chiziane, 2010: 82).

Cota detém-se meticulosamente também na descrição de ritos iniciação feminina, e

com grande escândalo observa a relação de poder entra as mulheres mais novas e

mais velhas, e o aspecto licencioso e devasso dos ritos16. No Capítulo III do Projeto do

Código Penal já assim prescreve a penalização pelo “estupro artificial” em seu artigo

84º, no qual se descrevem os ritos sexuais (insungukati) perpetrados por mulheres

13 CF. Granjo(2005).14 Processo 020811 direção dos serviços dos negócios indígenas S1/caixa 1640– AHM – UEM.15 Mas que seria a guerra civil com a RENAMO.16 Descrito recentemente por Arnfred, para os ritos Makhuwa (2011).

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mais velhas, que valendo-se do fruto da massala (Strychnos spinosa) antecipam

ritualisticamente o defloramento da jovem:

“Ainda há as que se utilizam de um pau roliço, etc. a seguir a esta operação feita pormuitas velhas a muitas donzelas reunidas em série realiza-se às vezes alguma dança(Zavala) a beira de uma lagoa, de um rio ou ribeiro, dança em que as velhas simulam ocoito com as raparigas e cantam as obscenidades apavorantes no propósito depreparar o espírito das mocinhas para a futura moral do lar... Esta dança é muitasvezes precedida de um banho na lagoa ou rio ou ribeiro, à noite de preferência a luz doluar. Só as donzelas entram na água as velhas ficam próximo, em terra, voltadas paraas banhistas, a quem dirigem alusões impudicas e bárbaras ao destino das mulheres ede sua carne” (116).

Não poderia, obviamente, o destino das mulheres, ou de sua carne, tal como apontaria

Foucault, passar ao largo de processos de individuação, como efeitos das táticas do

poder apoiadas na produção do corpo, e em sua submissão e repartição como objeto

politico. Investido pelas relações de poder, o corpo estaria “mergulhado num campo

político”, ocupado por uma tecnologia política, por meio do qual o Poder (colonial)

produz saber sobre o Outro (a mulher nativa) em meio a processos e lutas. Ora, a alma

é uma entidade histórica produzida em torno, na superfície e no interior dos corpos.

“O homem de que nos falam e que nos convidam a liberar já é em si mesmo o efeito de

uma sujeição bem mais profunda que ele. Uma “alma” o habita e o leva a existência,

que é ela mesma uma peça no domínio exercido pelo poder sobre o corpo. A alma,

efeito e instrumento de uma anatomia política: a alma prisão do corpo” (Foucault,

2004: 29).

Assim é que, a perspectiva colonial, associada ao catolicismo em África, empenhou-se

na produção politica do corpo, e na sua submissão a uma alma, entidade abstrata

imposta como dispositivo político para a biopolítica imposta pelos europeus. A ela

contrapunham-se as técnicas corporais locais, que operavam em outro registro e

compromisso com as estruturas culturais de poder e gênero, como desenvolve Arnfred

para papel da sexualidade, do desejo e da licenciosidade em meio às mulheres

Makhuwa e seus ritos de iniciação e técnicas corporais (Arnfred, 2011). De modo

corajoso e inovador, a Arnfred aponta ainda como as mulheres “tradicionais” podiam

fazer uso da sedução, do desejo e dos poderes sexuais, para fazer política. Ao arrepio

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da pregação cristã, e da moral

revolucionária da FRELIMO, que

demonizam a sexualidade da mulher,

e viam, por exemplo, nas prostitutas,

especialistas da ars erótica, a

imagem incorporada da devassidão e

degradação moral do colonialismo.

Mulheres Makhuwa fotografadas por Weule, em 1906.

O etnólogo evolucionista alemão, Karl Weule, aluno de Ratzel, realizou em 1906

viagem etnográfica pela então África Oriental Alemã, no que hoje é a Tanzânia, e que

descreveu no ricamente ilustrado livro “Resultados Científicos da Minha Viagem de

Pesquisa Etnográficas no Sudeste da África Oriental”, publicado originalmente em

190817. Weule descreve a viagem entre as atuais Tanzânia e Moçambique, na qual ele

pôde registrar inúmeros traços das culturas Yao, Makonde e Makhuwa. Neste livro,

descreve, e fotografa, inúmeras técnicas corporais nativas, notadamente aquelas

ligadas à mulher e à produção de um corpo feminino erotizado. Como o alongamento

dos lábios vaginais, deformações do corpo e uso do “pelele”, e outros objetos nos

lábios e orelhas, além, é claro, das tatuagens. Descreve também ritos de iniciação,

“unyago” entre rapazes e moças, e a circuncisão, “lupalanda”, dos rapazes.

Descrevendo o “chipuitu” iniciação feminina entre os Yao, Weule diz:

“As crianças são levadas a alongar os lábios minora sistematicamente, puxando dia

após dias durante anos. Eu próprio vi e fotografei órgãos deformados desta maneira

que atingiram sete a oito centímetros de comprimento. Segundo informações, dadas

de bom grado por inúmeros indígenas masculinos, esse prolongamento pode atingir

dimensões tais que esses lábia bamboleiam a até chegar a meio caminho do joelho A

finalidade dessa deformação é apenas de natureza erótica; é considerado excitante

para o sexo masculino” (Weule, 2000: 36).

17 Ver o ótimo prefácio de G. Liesegang ao livro (2000).

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Ora, o novo código buscaria penalizar tais práticas18. Na “Secção IV - Das tatuagens e

outras práticas deformatórias” vemos os artigos 76: “pena de prisão e multa a quem

fizer - mesmo com consentimento - tatuagem no tronco” e 77: “O indígena que

perfurar os lábios também será punido”.19

A regulação, diz a autora, não apenas constitui os sujeitos, mas possibilidade de sua

localização ou posicionamento numa ordem determinada, interiorizada como a

própria produção do lugar do sujeito. É a própria norma, ou codificação que permite a

significação, quando o “simbólico”, em termos estruturalistas, é o que permitiria a

produção de um conjunto diferencial de oposições, que constituiriam o masculino e o

feminino, como a condição lógica de sua mesma possibilidade. Mas, o que assegura

Butler, é que o gênero, e sua materialização, exprimem a distância entre a norma

abstrata e suas incorporações determinadas. A norma, que é mais que o simbólico,

opera assim a transição entre o dispositivo genérico da significação, trans-histórico, e a

possibilidade da produção de diferenças socialmente perceptíveis na História. É

produtora e possibilitadora da circulação ou, devemos reconhecer, de uma economia.

Que administra recursos escassos, por meios políticos. Não se trata assim de meros

afastamentos diferenciais, mas da produção politica de uma distância.

Diria assim com o Butler, que o que perturba a distinção entre “legitimidade e

ilegitimidade são práticas sociais que não aparecem como coerentes no repertório de

legitimação disponível” (Butler, 2003). Ora, repertório que se fundava em

Moçambique, estava baseado na supressão dos particularismos étnicos e na

transferência de legitimidade e jurisdição dos usos e costumes para as novas práticas

instituintes do Estado.

A Mulher Nativa: Inscrição e Legibilidade

O processo da pesquisa para elaboração do código e a sua própria aprovação pelas

instâncias competentes revelam um mar de dificuldades e antagonismos, e nos

18Também referidas por Junod, com a grande preocupação de não chocar os leitores desavisados, de tal modo, que se refere a elasem uma seção separada de seu “Life of a South-African Tribe”, intitulada “notas para médicos e etnógrafos” e publicadasoriginalmente em latim, para evitar leitura por leigos. “Os pequenos lábios são designados pela palavra mileve (sing. Leve) que asmoças costumam esticar tanto que atingem cinco, dez e até quinze centímetros São medidos às vezes com uns pauzinhos ocomprimento deles, vangloriando-se elas entre as amigas e principalmente entre os maridos (noivos) com tais práticas as mocaspretendem apenas agradar o futuro marido” (2009: 412).19 Processo 020811 direção dos serviços dos negócios indígenas S1/caixa 1640– AHM – UEM.

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permitem observar as contradições no interior do corpo principal do Aparato Colonial

em Moçambique, o Governo Geral, a Direção de Negócios Indígenas e as dioceses de

Lourenço Marques e da Beira. O conjunto de agentes, representantes dessas

instituições, envolve-se em interessante disputa – sobre a qual ainda muito a ser

levantado – em torno da elaboração do código Civil e Penal dos indígenas de

Moçambique, como veremos.

O material encomendado a Cota foi submetido ao escrutino do Tribunal de Relação da

Colônia, que entende por bem ouvir o parecer dos Bispos de Lourenco Marques e da

Beira, sobre o teor e mérito da codificação proposta. “A bem da Nação” transita então

entre as instâncias o material etnológico, transmutada em código pelo

jurista/etnólogo. Em 26 de novembro de 1947, D. Sebastião Soares, Bispo da Beira e

Nampula, devolve a Direção dos Negócios Indígenas o copião do chamado “Estatuto do

Direito Privado dos Indígenas De Moçambique”, que havia sido enviado à aquela

repartição pelo “venerando” Tribunal da Relação de Lourenço Marques, a fim de que

fossem ouvidas as missões católicas.

Os pareceres são terríveis, e frontalmente contrários ao trabalho de Cota, como

veremos a abaixo. Fundamentalmente a legitimidade que a codificação parece

oferecer aos costumes nativos perturba a autoconfiança e a consciência dos bispos

que veem feridos os pruridos civilizatórios de que se julgavam avatares.

Entendendo que o código deve favorecer a “evolução natural do indígena para

aproximar-se de nosso código civil”, Dom Sebastião ataca em primeiro lugar o que se

refere às instituições do casamento. Notadamente o relativismo de Cota, algo

surpreendente em um suposto evolucionista: “Na página 70 diz-se que a poligamia e o

lobolo podem ser mais verdadeiramente manifestações de uma civilização diferente da

nossa do que sintomas de uma mentalidade baixa peculiar aos agregados selvagens”.20

Segundo o bispo tal afirmação é insustentável e “injustificável pela história, sobretudo

pela nossa história”. Feriria mortalmente a pretensão colonial portuguesa imaginar-se

que costumes nativos pudessem equivaler às práticas civilizadas da metrópole.

20 Processo 020811 direção dos serviços dos negócios indígenas S1/caixa 1640– AHM – UEM.

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“A assentar em tais princípios códigos legislativos dos povos que ao dever de civilizarserá preferível desistirem dessa empresa e por motivos de justificação pública ouconfessar a nossa incapacidade de colonização ou então proclamar que os estadosmais selvagens de quaisquer tribos são fases inconfundíveis da civilização. Neste caso acivilização perde o sentido que a história lhe consagra para ser apenas a manifestaçãoviva dos povos, seja qual for à situação intelectual, moral ou social em que seencontrem. As tradições portuguesas ensinam que a civilização é coisa muito diferente.É esta uma questão fundamental por se tratar de princípios”.21

Os princípios a que se refere o Bispo não podem estar à mercê das avaliações

relativizantes, e a verdade da história, e a filosofia da história que parece invocada,

não questiona a linearidade da evolução, muito menos o protagonismo dos povos

europeus, o que Cota, aos olhos do bispo pareceria fazer.

Segue o bispo criticando ferozmente a poligamia, porque o etnógrafo aí faz

comentários sobre o fato do polígamo escorraçar as suas esposas, buscando com essas

observações preservar o direito da co-esposa. Ora, se poligamia ela própria é

inaceitável, como considerar o direito baseado num fato ilícito?

“Outra enormidade! O pagamento do lobolo não supre os ritos nupciais que exprimemou manifestam o consentimento mútuo; não pode, portanto, validar um casamentoque era nulo por falta de consentimento. O que é mister é que o casamento cafreal sejacelebrado segundo os ritos tradicionais ou na falta destes a Autoridade imponha aseparação dos supostos cônjuges”.(ênfase no original datilografado).22

O casamento legítimo é o matrimonio católico – uno, indissolúvel e perfeito e não uma

mera “modalidade ao lado do cafreal, maometano”, etc., - nesse sentido o bispo pede

que se elimine qualquer referência legitimadora à poligamia, simplesmente proibindo-

a por lei. Com que concordaria tanto Henri Junod, quanto Samora Machel, e mesmo as

feministas contemporâneas em Moçambique. Em meio a esse singular cortejo, Cota

seria, ironicamente, o campeão do relativismo.

Dom Joaquim Teodósio, Arcebispo de Lourenco Marques, havia anteriormente, em 31

de março de 1947, feito remeter à Direção de Negócios Indígenas o seu próprio

parecer, no qual é muito claro: “Não concordamos com a finalidade do projecto nem

com a doutrina exposta em muito dos seus artigos” uma vez que “dar foros de

21 Idem.22 Idem.

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cidadania no domínio do direito a costumes bárbaros, parece-nos degradante para as

nossas tradições de povo civilizado” (ênfase no original datilografado).23

A oposição do cardeal é semelhante à de seu colega da Beira, a legislação não pode

incorporar ou mesmo legislar sobre o que deveria ser meramente extinto, como

manifestação da missão civilizatória portuguesa e da vontade de Deus.

“Pois é de estranhar que uma nação como a portuguesa que se constituiu desde há 8séculos, a paladina da civilização cristã através do mundo – que recorda com título dasua mais lídima glória ter levado a civilização cristã a América, à Ásia, a Oceania e aÁfrica – que fixou na constituição como elementos fundamentais da educação moral asvirtudes da doutrina e moral cristãs tradicionais do Pais (Arto. 420.) venha agorasancionar, codificando-os, os usos e costumes bárbaros da raça negra de Moçambique,como sejam a magia, as superstições pagãs, a poligamia, o lobolo, a iniciação aocasamento, etc”. 24

Segundo o Cardeal, o decreto no. 35461 de 22 de janeiro de 1946, que regulamenta o

casamento “canônico” entre os indígenas católicos, é claramente oposto ao projeto e

deveria a ser a referência da legislação.

Nese caso também, e de modo retumbante, os argumentos da Santa Igreja se

assemelham quase totalmente ao que posteriormente foram os argumentos de

Samora Machel e da FRELIMO. A família é a célula mater da sociedade, a base

elementar sobre a qual se elevam e constroem os valores fundamentais da sociedade

e da civilização. Cristianizando-se a família, diria o cardeal, teremos uma sociedade

cristã. Ora, o casamento é a base da família, e por isso a “constituição familiar é tanto

mais sólida quanto maiores garantias de unidade e indissolubilidade o casamento

oferecer”. 25

Nas páginas da Revista “Justiça Popular” a FRELIMO aproxima-se do Bispo, na

campanha pelo casamento civil, universal, que seria fundamental, dentre outras

coisas, pela promoção da família (patriarcal, monogâmica, nuclear) como célula base

da sociedade.

“Para construir uma sociedade nova temos que criar uma nova mentalidade no homeme na mulher, e este processo inicia-se no seio da própria família, célula-base de nossa

23 Idem.24 Idem.25 Idem.

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sociedade. Embora o homem tenha o papel dominante, mas mulher, a esposa, a mãeassumem na família a grande responsabilidade de assegurar a estabilidade o lar eeducar as novas gerações para o futuro” (Machel, 1984).

Desse ponto de vista sustenta-se a importância do registro civil como fonte de

informações e a necessidade de reconhecer-se, que a despeito da importância da

família ampliada, o princípio a ser respeitado seria “o da voluntariedade por parte dos

próprios cônjuges”, o que vinte anos depois seria contemplado na Nova Lei de Família

(Arnfred, 2011; Arthur, 2003; Osório e Arthur, 2002). A família é, assim, entendida

pela FRELIMO como a célula base de toda a sociedade, formada por meio do

casamento, “união de um homem e de uma mulher”, no que também concorda com o

Cardeal Teodósio.

Recordo-me como em 2011, o Ano Samora Machel em Moçambique, eu ouvia o

camarada Presidente no rádio de um Táxi, atravessando Maputo no empoeirado frio

seco de agosto. No discurso, Samora atacava ferozmente os costumes corruptos

associados ao colonialismo. Proferido no tempo da luta de libertação nacional, o

discurso incide contra os soldados portugueses que chegavam ao porto trazendo,

segundo Machel, os vícios da sociedade corrompida, a prostituição, as bebedeiras, as

drogas, a corrupção das mulheres moçambicanas, servas do prazer momentâneo dos

colonos.

O modo como a prostituição, e as prostitutas, parecia encarnar toda a degeneração do

regime colonial, ocupa grande espaço na retórica de Machel, e da FRELIMO, com o

aparece nos “Estatutos e Programa da Frente de Libertação de Moçambique”26: “A

Mulher Moçambicana foi sempre considerada um simples instrumentos de prazer

pelos colonialistas. As nossas mães, irmãs, filhas, são exploradas, oprimidas, violadas

impunimente pelos colonos. A dignidade da Mulher Moçambicana é espezinhada, o

papel que tradicionalmente lhe pertencia no lar Moçambicano nãos mais pôde ser

preenchido” (citado em Muiane, 2006: 114).

Ponto supurado da articulação entre raça e gênero, a prostituição colonial ofendia

vigorosamente a sensibilidade revolucionária, comprometida com emancipação da

26 Aprovado pelo II Congresso da FRELIMO, realizado na província de Niassa entre 20- e 25 de julho de 1968. (Muiane, 2006).

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mulher, e claramente entremeada por uma sensibilidade cristã, que via na família e na

“honestidade” das mulheres valor essencial.

Em suma, vaticina o cardeal, Dr. Jose Lourenco Cota não sabe do que fala, e coloca em

risco todo um projeto civilizatório: “Vê-se aqui que o autor não tem um conceito claro

da civilização, admitindo como verdadeiras, civilizações até contraditórias.” Pode

haver, segue o prelado, e há na realidade civilizações mais ou menos perfeitas. “Mas

há que admitir um critério absoluto de civilização; e este só pode basear-se na lei

natural gravada pelo criador no coração dos homens, e aperfeiçoada pela moral cristã,

do evangelho de Cristo”. 27 A lei natural de inspiração cristã, melhor desenvolvida na

Europa que em África, deve ser cultivada e aprimorada como um dever. Desse ponto

vista o código é inaceitável porque contraria o “fardo do homem branco” em África28.

Casamento, Divórcio, Poligamia

Como já dissemos, as questões de parentesco e casamentos ocupam grande parte dos

pareceres dos prelados coloniais. O Arcebispo refere-se ao que Cota chama de cancro

burocrático, implicado na dificuldade de reconhecimento do casamento “cafreal” e as

complicações que adviriam da estipulação do pagamento do lobolo.

“Nota sobre o lobolo. O que o autor diz nesta Nota sobre a natureza do lobolo, e seatendermos aos inúmeros e complicados litígios a que ele dá lugar na vida das famíliasindígenas (págs. 126), parece-nos que seria de aconselhar a abolição pura e simples desemelhante uso cafreal”. 29

Ora, para o bispo estará na supressão pura e simples do lobolo, em todas as suas

formas, a solução de tal cancro. Tumor maior representaria a aprovação do divórcio,

usual em diversas tradições culturais locais, notadamente no norte, mas perseguido

como invenção do diabo pela igreja católica. Regulamenta-la, diz o Cardeal, equivaleria

a legitimar o “amor livre!”.

José Cota, entretanto, reage com vigor aos pareceres, defendendo o seu trabalho, em

10 de julho de 1947, no documento intitulado “Considerações sobre alguns pontos dos

pareceres de sua eminência o cardeal arcebispo de Lourenço Marques e sua Excelência

27 Processo 020811 direção dos serviços dos negócios indígenas S1/caixa 1640– AHM – UEM.28 O poema de R. Kipling diz: “Toma o fardo do homem branco/Envia o melhor de tua prole/Impõe o exílio a teus filhos/Para servira necessidade do cativo/Para assistir, em pesada labuta,/A povos alvoroçados e incultos - /Indolentes raças que acabam deconquistar,/Mescla de demônio e criança”(1894).29 Processo 020811 direção dos serviços dos negócios indígenas S1/caixa 1640– AHM – UEM.

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Reverendíssima o Bispo da Beira” 30, remetido ao Capitão Furtado Montanha, da

Direção de Negócios Indígenas. Cheio de falsa reverência, Cota refere-se com sutil

ironia ao parecer: “Não vimos discutir alterações propostas por sua eminência o

cardeal, ou por sua excelência reverendíssima o Bispo da Beira, ao projeto em questão,

ditadas pelo seu modo especial de ver o problema da reforma social das populações

nativas desta Colônia, nem tão pouco é nosso desígnio estabelecer aqui, fora do lugar e

das boas regras, uma polêmica acerca de quaisquer pontos de vista pessoais com que

não estejamos, porventura, em acordo, por motivos de ordem sociológica ou

psicológica”. 31,

E logo busca desqualificar de uma só tacada o principal do argumento dos bispos. O

Estatuto não é um código: “não há normas do direito imposto coativamente” e “não se

pode consequentemente esperar da adoção deste regime jurídico a estagnação do

direito tribal”. Cota situa o seu trabalho como um documento de caráter “mais

informativo que imperativo”. Desse modo não se justificam as preocupações dos

religiosos, de que o Estatuto estaria legitimando os costumes bárbaros dos indígenas,

e impendido o trabalho de reforma social ou civilização, que seria o próprio

fundamento da presença portuguesa em Moçambique. O estatuto teria o caráter útil

de um material de consulta para administradores coloniais e a preocupação de Sua

Eminência seria vã. Entretanto, parece claro, que mesmo para o próprio Cota as coisas

não seria tão inocentes assim, e ele compreendia muito bem que descrever com

relativa isenção um conjunto de normas coerentes e sistemáticas de outros povos, em

equivaleria em grande medida a legitimá-las. A própria produção de conhecimento

sobre a sociedade colonial, no contexto daquele feroz assimilacionismo, implicaria

uma transformação da decidida vontade de incorporar-se a regulação sobre a mulher e

o casamento aos marcos da teologia cristã. O que, como vemos, acontecia. O Estado, e

sua racionalidade, buscavam regular, reduzir, apropriar-se do corpo da mulher e de

sua alma/carne, de outro ponto de vista, mais prático que ideológico. Buscando

esquivar-se de problema com a igreja, todavia, Cota diz: “No Paragrafo único deste

artigo, indica-se expressamente o casamento canônico como a condição para se aplicar

o direito civil português às questões sobre direito de família e sucessão”.

30 Idem.31 Idem.

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A interpretação que caracteriza os crimes da família, ou melhor, os converte,

criminalizados, de costumes tradicionais a práticas proscritas, é a própria operação da

máquina regulatória colonial, buscando transferir a jurisdição sobre o casamento, e

corpo da mulher, seu destino e sua carne, para, sob o peso das engrenagens do

Estado, como buscou fazer posteriormente a FRELIMO. Ora, a Igreja buscava defender

firmemente a sua primazia sobre a administração dos destinos da carne da mulher.

Além do Lobolo, da poligamia e dos ritos de iniciação, a famigerada troca de esposas

ganhou o seu quinhão de reprovação. Cota cita, buscando apaziguar os bispos: “Em

coordenação com estes preceitos de morigeração da família e sublimação do direito

tribal estabeleceram-se no código penal dos indígenas as sanções necessárias para o

Ontamuene (troca de esposas) e para o casamento de inúbeis.” E sugere penalidade no

Art. 99. “Os indígenas casados segundo os ritos de sua tribo que emprestarem suas

mulheres a outro homem ou as trocarem por outras mulheres casadas com os

respectivos maridos, será punido com a pena de prisão correcional de até dois

anos...”.32

O nosso jurista ataca mais uma vez de relativista, dando uma no prego e outra na

ferradura. Invoca a carta constitucional portuguesa de 1933 que teria a

“contemporização” como um seu princípio. Assim, “mesmo Dr. Marcelo Caetano sábio

professor de direito não ousou dar golpe mortal as tradições - O Estado português se

propõe civilizar, mas também proteger a ‘própria alma dos povos nativos da

colônia’“.33

E, finalmente contra o argumento eclesiástico a cerca da poligamia, Cota desenvolve a

mais surpreendente argumentação, e com muita propriedade lembra aos envolvidos

que a poligamia não é privativa dos povos “selvagens”: “Se nossos olhos se voltarem

para própria Europa civilizada poderão ver o doloroso espetáculo da poligamia

ilegal...” E cita um fascinante caso histórico: ”Em 1848 foi apresentado a Câmara dos

Deputados da França um projeto de estabelecimento da poligamia naquele país. O

deputado proponente perguntava à Assembleia: ‘Porquoi imnpose une seule femme a

32 Idem.33 Marcelo Caetano, eminente jurista, foi reitor da Universidade de Lisboa e Ministro das Colônias entre 1944 e 1947, e a partir de1968, com o afastamento de Salazar, tornou-se em 1968 presidente do Conselho dos Ministros, onde permaneceu até Revoluçãodos Cravos em 1971, que pôs fim ao regime salazarista.

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l’home, puisq’l peut procrér, chaque anné plusieurs enfants?’” Como era de se esperar

tal proposta foi rejeitada por maioria. 34 Tal manifestação diz Cota, implicaria em uma

submersão atávica do homem em direção as seus traços primitivos. Em alguma medida

demonstrando sua fidelidade ao evolucionismo, Cota acredita que a proposição

francesa testemunharia o “desejo de regressão à ética do Homem primitivo das hordas

amorais”.

Mas ora, se a poligamia grassava na Europa a tal ponto de propor-se a sua legalização

na França, pátria da civilização “como podemos nós acusar os negros da nossa colônia

de bárbaros e imoralíssimos por manterem, no seio sua da vida social rudimentar, a

poligamia, ao lado de outros costumes primitivos que são tudo o que resume e define a

história das suas instituições e a sua psicologia?”. E conclui hiper-relativista: “Se a

civilização condescende com a hipocrisia e o amoralismo de homens casados (pois não

os reprime como delito) a civilização deve, por maioria da razão, condescender,

transitoriamente com a poligamia dos nativos”. 35

Já foi sinalizado como é possível perceber continuidades entre o núcleo de

representações presentes no debate resumido acima, e as posições sustentadas pelas

FRELIMO, particularmente por Samora Machel, em diversas ocasiões e com muita

verve. A despeito da manifestação revolucionária em favor da emancipação feminina,

para Samora tal processo não significaria a constituição de uma “igualdade mecânica”

entre os gêneros, muito menos a aproximação dos padrões de comportamento da

mulher “emancipada” ocidental: “Que bebe, fuma, usa calças e minissaias, que se

dedica a promiscuidade sexual e a não ter filhos” (Machel, 1974). Como Harris,

Casimiro e outros autores apontam, a formação de parte da elite frelimista em missões

cristãs (católicas e protestantes) marcou a natureza ideológica e os moralismos

(sexismos) do discurso frelimista(Casimiro, 2005; Harris, 2001; Manghezi, 1999).

Veena Das discute em “The Signature of the Sate” como a autoridade do Estado é

materializada no dia-a-dia. Como a lei não é necessariamente manifestação da

autoridade do Estado, mas signo de um poder distante que se imiscui nas práticas do

dia-a-dia de diferentes e as vezes contraditórios modos. Encararíamos assim o modo

34 Processo 020811 direção dos serviços dos negócios indígenas S1/caixa 1640– AHM – UEM.35 Idem.

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como o Estado tenta impor modos de governança através de “tecnologias da escrita”,

ou da inscrição. Entretanto, aponta Das, o Estado também se impõe pelas

possibilidades de sua imitação, mímica oblíqua de seu desempenho do poder. A

relação entre o Estado, sua literatura, digamos assim, e as performances orientadas

pelo Estado produzem uma distância, o “paradoxo da ilegibilidade”, como o descreve a

autora. Assim, o que o estado pretende regular é extraído como uma “mágica”,

empreendida por populações marginais, que regulam suas próprias posições por meio

da mimese de práticas estatais (Das, 2004).

A assinatura do Estado com uma força ilocucionária também incorpora uma força

“mágica” presença espectral, que opera como manifestação esvaziada repetida como

mimese em suas margens, ou a “fenomenalidade paradoxal” de que nos fala Derrida

(1994). Das argumenta que o Estado também se constrói em suas margens e nesses

movimentos de tradução incompleta. “Through an exchange between the real and the

imaginary as in notions of panic, and rumor, and credulity, the domain of the civil is

instituted and controlled” (Das, 2004: 251). Novamente, o romance já citado de

Chiziane oferece uma imagem literária do pânico às margens do Estado:

“Os chefes durante o dia apregoam a viva voz a ordem e o progresso, banindo osgrupelhos supersticiosos e obscurantistas para não perder o emprego, mas quandochega à noite esquecem a doutrina do desenvolvimento sem Deus, e entregam-se comtodo o fervor às preces do criador de todos os seres” (Chiziane, 2010:60).

Neste caso em particular, como talvez tenha ficado claro, a produção do Estado em

suas margens por meio dos poderes paradoxais da (i)legibilidade é também a

produção de suas próprias margens, defendidas e diferidas no corpo dos nativos, e

ainda mais especificamente, no corpo das nativas. Nesse sentido, podemos considerar

como Spivak, a necessidade do discurso universalizante da dominação colonial

manifestar-se como a articulação de representações, e do poder da letra da lei em sua

dimensão ilocucionária, como fundo último à submissão das populações nativas, por

meio de sua conversão em indígenas, como força de trabalho e mão-de-obra barata36

(Spivak, 2010; Zamparoni, 2007; Macagno, 2001).

36 Já sabemos como as relações de gênero nativas entram no calculo da manutenção/substituição de mão de obra, transferindopara as atividades não incorporadas a lógicas da mercadoria, o trabalho agrícola, predominantemente feminino, a

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Em “Crítica da La Razón Poscolonial” Spivak discute a relação entre a produção

discursiva europeia e a axiomática do imperialismo (colonial). Ora, esse demanda,

segundo seu argumento, produz em sua própria engenharia interna o “informante

nativo”, figura ao mesmo tempo produzida e negada, ou repudiada (foreclosed). Como

ela, enfatiza o informante nativo possui um nome de homem “que porta consigo el

afecto que inaugura el ser humano” (Spivak, 2010: 17), mas seria mais produtivo

considera-lo como assumindo uma inflexão de gênero, que tem uma marca de origem

geopolítica. Suplementando a argumentação freudiana, Spivak argumenta que o mal-

estar civilizacional que o autor alemão descreve escora um “rechazo”, que serviu de

defesa a missão civilizatória. O informante nativo “sin biografia” é nesse sentido uma

peça chave na retórica “gendered” do colonialismo37.

No ambiente atual de financeirização/globalização do mundo, no qual as agências

humanitárias e as instituições econômicas globais coincidem sobre a produção da

mulher, universalmente considerada como objeto de políticas de desenvolvimento,

sob a rubrica do Women Development Programs, o que Arnfred e Casimiro já

apontaram e discutiram muito bem para o caso moçambicano (Arnfred, 2011;

Casimiro e Andrade, 1992). O informante nativo tornou-se a mulher do terceiro

mundo, como a figura repudiada, “foreclosed” necessária à sustentação da axiomática

imperialista: “La perspectiva repudiada (foreclosed) del informante nativo está situada

en la subalternidad global de la mujer” (Spivak, 21010: 97).

É na produção do registro da autoridade colonial com uma diferença política, que

localizamos a introdução de categorias de gêneros no cálculo político-discursivo de

produção do Estado moçambicano. Como parece evidente, e algo desconcertante, na

forte continuidade, tanto formal quanto estratégica, de produção da inscrição legível

do corpo da mulher no corpo da lei, como código (Haraway, 1991) 38 , o que

efetivamente parece produzir a sua “alma” como uma redução assujeitada, e como a

responsabilidade para com a reprodução biológica da força de trabalho em Moçambique, como discutido em First (1998). Assim aprodução do Estado em suas margens passa pelo destino das mulheres e de sua carne.37 “Aunque la historia sea un gran relato, lo que sostengo es que la posición de sujeto del informante nativo, crucial, y sin embargorepudiada (foreclosed), esta también inscrita históricamente, por lo tanto, geopolíticamente” (Spivak, 2010: 334).

38 Determinados corpos e práticas, atados a maquinações discursivas e políticas de grande escala, repetem e reproduzem formascoloniais de opressão sob viés sexista e racista. Corpos de travestis nas ruas, ou de negros “hiper-sexualizados”, em ambientespuritanos, significariam uma ameaça aos poderes do código (Haraway, 1991), e da normalização disciplinar, que faz analogia darelação corpo e política.

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própria reposição de determinada unidade empírica, sobre a qual se busca exercer

controle ao impingir a letra da lei, como um modalidade de estatização espectral,

assujeitando a mulher como figura necessária e repudiada.

“Zona Quente” Pós-Colonial

Em agosto de 2011, em minha última viagem a Maputo, estive sozinho pela primeira

vez na “Zona Quente”. A “Hot Zone” da prostituição em Maputo, instalada em torno

de dois ou três quarteirões na Baixa, por onde circula por toda a noite a multidão

característica de ambientes tais quais esses: as moças, e obviamente seus clientes,

taxistas, turistas, e indecifráveis figuras noturnas. Já havia lá estado com amigos “uns

copos”. Ouvindo Rock and Roll no Gipsy, bebendo e conversando. Nessa noite,

entretanto, fui sozinho, não, obviamente, buscando os serviços das raparigas, mas

curioso em interagir com o território saturado da memória das políticas sexuais, e de

seus embates no trânsito (pós)colonial. Na escada de acesso ao banheiro um enorme

gordo me abre os braços, como um urso familiar: “Há quanto tempo não vinhas cá, dá-

me lá um abraço”. Eu não sabia de quem se tratava e suspeitei que ali se encenava um

ritual de reconhecimento ou inspeção, e uma ponta de apreensão picou meu coração.

Todos viam que era estrangeiro e tive um pouco de trabalho em recusar, com polidez,

a oferta insistente das moças.

Lá, na Zona Quente, recordava com intensidade alcoolizada como à questão da

prostituição era um ponto crítico na plataforma ideológica da FRELIMO, que via na

ocupação colonial, também um aviltamento à honra das mulheres moçambicanas e,

por conseguinte, de seus maridos, irmãos e esposos. A prostituição e o uso abusivo do

corpo da mulher. Humilhante metáfora carnal do próprio colonialismo.

Fátima Ribeiro, em belo opúsculo, discute o tema da prostituição na obra do poeta

nacional moçambicano, José Craveirinha. Como ela apontou com grande perspicácia, a

prostituição operava no ambiente pós-colonial como uma perversa zona de contato

entre o mundo branco e o mundo negro.

“A transposição da barreira entre um mundo e outro realizava-se nos dois sentidoshavendo uma interpenetração nociva por trazer consigo a humilhação, a degradaçãofísica e moral da mulher, a alienação cultural” (Ribeiro, 1995: 17).

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Neste mesmo livrinho encantador, Ribeiro nos traz uma foto de Ricardo Rangel, de

1973, que mostra a Rua Araujo, coração da “Hot Zone” colonial. Nesta, vemos homens

brancos que circulam entre as raparigas negras. Representação instantânea da

contradição sexual na zona quente do contato colonial. Fanon apontou para como a

fronteira no mundo colonial está estabelecida pela delegacia de polícia (1979), nesse

caso deveríamos acrescentar que também o bordel pode estabelecer-se como

fronteira colonial39.

Rua Araujo, Lourenço Marques, 1973, fotografia de Ricardo Rangel em Ribeiro, 1995.

O poeta Craveirinha teria antecipado no poema “Doce Albertina das Cervejarias”

(1961) a fúria revolucionária que, mobilizada pela ofensa de gênero colonial, se

alevantaria no ano seguinte na Luta de Libertação Nacional, do Rovuma até o Maputo:

“Mas tu!Tu minha doce Albertina assídua nos snack-bares.Neste mundo os encervejados filhos de tuas tarefascom um milhão de pais e padrastos incógnitosmas cedo ou mais tarde nos todos juntoshavemos de preencher as certidões de nascimentocom os verdadeiros apelidos escritos na correctacaligrafia dos irrefutáveis argumentosMoçambicanos desengatilhados no norteao sul e do sul ao norte

39 O trecho em “Os Condenados da Terra” diz: “O mundo colonizado é um mundo cindido em dois. A linha divisória, a fronteira, éindicada pelos quartéis e delegacias de polícia. (...) Nas colônias, o interlocutor legal e institucional do colonizado, o porta-voz docolono e do regime colonial de opressão é o gendarme e o soldado. Vê-se que o intermediário do poder utiliza uma linguagem depura violência. O intermediário não torna mais leve a opressão, não dissimula a dominação. Exibe-as, manifesta-as com a boaconsciência das forças da ordem. O intermediário leva a violência a casa e ao cérebro do colonizado” (1979).

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fumegando em prol das Albertinasdesde Tete a Negomanoe de Quiterajo a Angocheemboscados depois via ZumboMaxixe...zzzzz!!!Gaza e Magudemarchando irresistíveis até XinavaneManhiça e MarracueneAté chegarmos em triunfoA Goba e Catuane”!(José Craveirinha, 1960, citado em Ribeiro, 1995).

No mesmo dia em que estive no Gipsy, li na internet, meio por acaso, o interessante

texto “Na Rota dos Pecados Noctívagos” (Verdade, 2011). O autor se refere a um

trabalho do jovem sociólogo Shareef Malundah no campo da prevenção ao HIV/AIDS

para deplorar a presença de jovens na “Zona Quente, as bebedeiras” e a prostituição.

“A grande ‘revolução’ é este século XXI ter nascido embutido com um comportamentosexual de total ruptura em relação à família, à religião ou à sociedade. Sexo existe paradar prazer e para a procriação. Só que a juventude de hoje esquece facilmente quequando usado de maneira irresponsável, corre o perigo de contrariar o inimigo número1 da humanidade: o SIDA!!!” (Verdade, 2011)

O tom conservador, o moralismo, o sexismo e a culpabilização da mulher, o retorno a

imaginados valores tradicionais da família (não a família estendida “nativa”, mas a

família nuclear cristã, ocidental e burguesa), tudo isso volta, depois de tantos anos, e

por outros meios, como elementos duradouros, presentes na cultura moçambicana.

Tudo então naquela noite me assediava a imaginação: Weule, Cota, Samora, Albertina.

No frio ar avermelhado da Zona Quente Pós-Colonial.

Em Achille Mbembe, o conceito de postcolony está vinculado à ideia de uma “age”,

com diversas temporalidades concorrentes, e baseia-se em determinados

pressupostos. Notadamente na ideia de “commandement”, desenvolvida como uma

política de três faces, baseada na inflação ou fraqueza da pressuposição de direitos, na

violência e, por fim, na identificação entre dominação e civilização. Desse ponto de

vista, a produção do Estado, ou a “estatização” da sociedade, não advém da dissolução

de antigos laços sociais, mas da superposição de velhas hierarquias e redes: “the

general pratice of power has followed directly from the colonial political culture and

has perpetuated the most despotic aspects of ancestral traditions, themselves

reinvented for occasion” (Mbembe, 2001: 42). Outras dimensões da postcolony

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referem à ética da vulgaridade e a conversão fálica ao cristianismo. Numa versão

fantasmagorizada do Estado e de sua erótica da alteridade, na qual poder é exercido

como a assombração de um fantasma originário: “The phantasm of power and the

power of the phantasm” (Mbembe, 2001: 231). Desse modo, a dominação consiste,

para dominantes e dominados, no compartilhamento dos mesmos fantasmas. A

mesma obsessão pós-colonial fantasmática em África, possuída sob a forma

avassaladora de uma economia da sexualidade:

“The form of domination imposed during both the slave trade ns colonialism in Africacould be called phallic. During the colonial era and its aftermath, phallic dominationhas been all the more strategic in power relationships, not only because it’s based on amobilization of the subjective foundations on masculinity and femininity but alsobecause it has direct, close connections with the general economy of sexuality”(Mbembe, 2001: 13).

O que observamos é que o fundamento de tal economia política enraíza-se, na

passagem colonial pela incorporação do destino da mulher, e de sua carne, aos

destinos da nação. Em diferentes fases históricas que construíram a trajetória do

estado-nação moçambicano, a mulher esteve no centro das considerações políticas, e

a sua produção/inscrição como nativa, significa a mesma produção do Estado em suas

margens porosas e maleáveis.

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