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São Paulo, n. 18, jan-jun. 2019 | 2019 | 18 | art1 | O design de produção no modelo globo e os aspectos do processo de design | Carlos Eduardo Dezan Scopinho | O design de produção no modelo globo e os aspectos do processo de design Carlos Eduardo Dezan Scopinho 1 Resumo: O estudo em questão propõe situar o processo de construção da imagem na telenovela brasileira no âmbito do Design, com base em uma discussão pautada nos métodos e processos de design. A partir dos conceitos de diversos teóricos da área de Design, Artes e Audiovisual, os argumentos estão orientados sob o processo de elaboração de um modelo criativo visual das telenovelas da emissora Globo de televisão e que são avaliadas como causadoras na essência comum que integra esse projeto no campo do Design enquanto contaminação na (re) configuração social. Palavras chave: Criatividade, Design de produção, Métodos, Telenovela. Introdução Desde o final do século XX, a convergência tecnológica caminha progressivamente aproximando campos distintos da produção e realização de imagens em movimento (especialmente o cinema e a televisão, mas também as chamadas "novas mídias"), o termo audiovisual vem sendo cada vez mais utilizado como um conceito que busca abranger todos estes campos. Este movimento pode ser mais claramente notado nas áreas acadêmica, e nos fatores sociais e culturais da sociedade contemporânea. 1 Doutorando em Design pela Universidade de Lisboa - Cotutela com a Universidade de São Paulo - USP, mestrado em: (1) TÊXTIL E MODA pela Universidade de São Paulo e (2) Comunicação pela Universidade Paulista, Pós-Graduação em Administração de Marketing pela FAAP e Graduação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Metodista de Piracicaba. Atualmente é professor do Centro Universitário FIAM-FAAM e Coordenador do Curso de Design de Moda da Faculdade Sumaré. - [email protected]

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| 2019 | 18 | art1 | O design de produção no modelo globo e os aspectos do processo de design | Carlos Eduardo Dezan Scopinho |

O design de produção no modelo globo e os aspectos do processo de design

Carlos Eduardo Dezan Scopinho1

Resumo: O estudo em questão propõe situar o processo de construção da imagem na telenovela brasileira no âmbito do Design, com base em uma discussão pautada nos métodos e processos de design. A partir dos conceitos de diversos teóricos da área de Design, Artes e Audiovisual, os argumentos estão orientados sob o processo de elaboração de um modelo criativo visual das telenovelas da emissora Globo de televisão e que são avaliadas como causadoras na essência comum que integra esse projeto no campo do Design enquanto contaminação na (re) configuração social. Palavras chave: Criatividade, Design de produção, Métodos, Telenovela.

Introdução

Desde o final do século XX, a convergência tecnológica caminha progressivamente

aproximando campos distintos da produção e realização de imagens em movimento

(especialmente o cinema e a televisão, mas também as chamadas "novas mídias"), o termo

audiovisual vem sendo cada vez mais utilizado como um conceito que busca abranger todos

estes campos. Este movimento pode ser mais claramente notado nas áreas acadêmica, e nos

fatores sociais e culturais da sociedade contemporânea.

1 Doutorando em Design pela Universidade de Lisboa - Cotutela com a Universidade de São Paulo - USP, mestrado em: (1) TÊXTIL E MODA pela Universidade de São Paulo e (2) Comunicação pela Universidade Paulista, Pós-Graduação em Administração de Marketing pela FAAP e Graduação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Metodista de Piracicaba. Atualmente é professor do Centro Universitário FIAM-FAAM e Coordenador do Curso de Design de Moda da Faculdade Sumaré. - [email protected]

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Gradualmente, por influência da língua francesa, o audiovisual passou a caracterizar o

conjunto de todas as tecnologias, formas de comunicação e produtos constituídos de sons e

imagens com impressão de movimento que abrange, por consequência,

o cinema ficcional ou documental, a televisão aberta ou fechada e todos os seus gêneros,

o vídeo analógico ou digital, de alta ou baixa definição, a videoarte e o cinema experimental,

a animação tradicional ou computadorizada e também formatos mais ou menos autônomos

como o comercial de publicidade, o videoclipe, o videogame, o making of, as transmissões ao

vivo em circuito fechado, os vídeos feitos para exibição na internet ou em telefones móveis,

entre outros.

Sendo que, o viés deste estudo se (re) modela sobre o design de produção no modelo

televisivo da emissora Rede Globo, logo, se faz necessário uma regressão histórica para

compreender os aspectos do processo de design.

A implicações projetadas por um mundo moderno, seja na comunicação, na arquitetura

e até mesmo nas novas tecnologias digitais, transformaram sentimentos, tempo e espaço,

pessoas, cidades e fatos sociais e culturais entre. Esse hiperestímulo se iniciou com arte e a

técnica da fotografia e, que por volta de 1870, já fazia parte do cotidiano das grandes cidades no

que tange as reconfigurações e (re) criações no fluxo temporal e espacial entre o passado, o

presente e o próprio desenho do futuro.

Com o advento da televisão, o mundo do audiovisual abre espaço para a virtuosa

narrativa, que em tempos declara a linguagem das opiniões, expressões, personificações e das

ideias de seu autor (aqui explicita-se desde o escritor até os atores).

O audiovisual (cinema, televisão e as tecnologias digitais) são imagens e som, pois, o

telespectador quando se debruça em assistir a um filme, um documentário, uma telenovela entre

outros gêneros, percebe uma narrativa que constitui de um espaço visual.

O ângulo aqui estudado será o design, que recai ao processo criativo desses espaços que

constrói um audiovisual, enquanto contexto do projeto da contemporaneidade. Assim, visa

analisar e entender a atribuição que os artistas, neste estudo os designers da nova geração devem

desempenhar enquanto fluxo de transformação e ambiguidades, o qual teve início no século XX

com as novas mídias digitais.

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O estudo está fundamentado a partir da convergência desenvolvida a partir da evolução

dos meios de comunicação e entretenimento com dedicação ao design como elemento

estruturado do pensamento artístico em face da produção seriada da Bauhaus.

1. O desenho do Padrão Globo de Qualidade

Com o objetivo de compreender a linguagem da sintaxe visual da televisão, se faz

necessário, estabelecer paralelos entre design e pintura, elementos primordiais da codificação do

cinema narrativo clássico (DONDIS, 1997). Posteriormente, em relação ao cinema, a seu modo

e com suas particularidades, oferece importantes contribuições para pensar o fazer televisivo

contemporâneo que, apresenta como principal paradigma, uma espécie de “código genético” da

televisão. Porém, vale ressaltar que os gêneros da televisão contemporâneos (documentário,

telenovela, série, telejornal, transmissões ao vivo, etc.) fazem uso desses recursos

cinematográficos, que na concepção de Machado (2011) o design é uma consequência do

projeto da modernidade, e seus fundamentos enquanto linguagem sobre os produtos

audiovisuais, discorrem sobre recursos originalmente empregados na arte enquanto processos e

percursos que se fazem presentes nos gêneros televisuais contemporâneos

Ao desenhar uma realidade cênica, o designer possui a responsabilidade de considerar

enquanto problema e solução, o fato de que a tela deve projetar e refletir as dimensões presentes

ao olhar dos espectadores. Essa ideia de unidade fílmica vai ao encontro dos relatos críticos de

arte do século XIX, transmitidas pelos fotógrafos do século XX, onde o olho é levado a

percorrer uma imagem enquadrada conforme o percurso a seletividade do olhar (MACHADO,

2011, p. 74).

A estrutura narrativa desenvolvida baseia-se na perspectiva Renascentista, na qual são

apresentados aos telespectadores a presença da tridimensionalidade em produções

bidimensionais (como a pintura e o desenho), que buscam resolver um determinado problema

ou atingir certos objetivos, trazendo à tona uma série de mudanças de estados e transformações.

Esta estrutura narrativa faz-se presente até hoje nos filmes, séries, minisséries,

telenovelas e até mesmo nos telejornais, constituindo-se, com pequenas variações, no paradigma

dos roteiros de praticamente todos os produtos televisivos. Outras importantes contribuições

design, referem-se à montagem paralela, ao uso dos planos e enquadramentos com fins de

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dramaticidade, e ao esquema campo/contra campo. Todos esses recursos constituem uma

espécie de modelo da linguagem cinematográfica que é empregada nos produtos audiovisuais

contemporâneos.

Neste estudo os pensamentos sobre cai no exemplo, das telenovelas brasileiras, que

diariamente ocupam nossos lares. A telenovela faz uso desses elementos originários do cinema.

O que acaba por se torna, como uma cultura “enlatada norte americana. Também, por se tratar

de produto audiovisual planejado para a televisão, singulares são os momentos de planos mais

abertos. Destaca-se ainda, sua contribuição com o conceito de montagem vertical ou polifônica

se faz presente nas produções televisuais contemporâneas. A montagem vertical, baseia-se no

princípio da simultaneidade, isto é, são identificadas num determinado produto audiovisual

elementos provenientes de diferentes linguagens, quer seja visual, gráfica, dramática, sonora,

tipográfica, digital, entre outras.

Na década de 1960, Marshall McLuhan realizou uma análise entre a relação espaço

representado/movimento/luz sob a ótica das novas mídias recorrentes e declarou que a cultura

impressa daria lugar à cultura eletrônica. Tão logo, tempo e movimento são extensões

necessárias para um projeto de mídia eletrônica, as extensões tridimensionais e

tetradimensionais foram discutidas, com tal intensidade pela essência da imagem veiculada em

televisão e no cinema como pelos novos modos de projetar design via computador

(MACHADO, 2011)

No atual modelo, o conceito de montagem vertical é capaz de ser identificado na

linguagem contemporânea do audiovisual, em particular, devido aos recursos de pós-produção

dos sistemas de edição digital e à exploração das possibilidades de diálogo e intercâmbio de

imagens e recursos técnico-expressivos entre os suportes. ARAUJO (2008), por exemplo,

aponta de forma sistematizada os diferentes recursos técnico-expressivos presentes na

linguagem televisiva e que, a nosso ver, ilustram de forma didática o conceito de montagem

vertical, conforme descrito a seguir. Do lado do sistema visual, é possível destacar: (1) a

linguagem verbal e não verbal; (2) a linguagem cinética (imagem em movimento); (3) a

linguagem gestual (incluindo a expressão facial dos atores); (4) a linguagem cenográfica

(cenários internos e externos e figurinos); (5) a proxêmica (distribuição e movimentação de

atores no espaço); (6) os recursos técnicos de gravação; (7) de edição; (8) recursos visuais (o

gerador de caracteres, por exemplo); (9) gráficos e; (10) de câmera.

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Já no sistema de áudio, ressalta-se: (1) a linguagem verbal oralizada (incluindo a

entonação dos atores) e; (2) todos os recursos de sonoplastia, como o áudio ambiente, música ou

background.

No Brasil, o formato foi adquirido pela Rede Globo em abril de 1965, algum tempo

depois, transformaria a televisão brasileira ao determinar um padrão de qualidade e consolidar

definitivamente o conceito de rede nacional. Roberto Marinho ao perceber o tamanho do

mercado que se desenhava no Brasil, estimulou uma postura mais agressiva de conquista de

público, porém foi em 2 de abril de 1987 que José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni)

relatou que:

A tela da televisão é pequena (hoje, para a grande maioria dos brasileiros continua sendo). A transmissão e recepção estão sujeitas a variações constantes de qualidade, dependendo de local, antena e até do televisor. Em casa, o espectador está cercado por telefone, crianças etc. Assim, o veículo exige uma linguagem especial que pode ser resumida na simplificação da imagem para que a leitura seja clara, direta e livre de elementos perturbadores. Do ponto de vista da composição visual – cenários, móveis e objetos de cenas e roupas -, existem padrões internacionais estabelecidos e que conseguimos aplicar na Globo por muitos anos. (RICCO e VANNUCCI, 2017, p. 262)

Se as mídias, e no caso a televisão, que aqui nos interessa, opera em um processo de

interseção de linguagens, como afirma Machado (1997) na epígrafe que abre esta discussão,

surge a pergunta: quais são os meios cujas linguagens se intersecionam e convergem para a

formação da sintaxe da televisão? Ou dito de outra forma, quais são os afluentes da televisão?

Pignatari (1984, p. 15) define a linguagem da TV através de uma metáfora. Segundo ele:

A televisão é um veículo de veículos, é um grande rio com grandes afluentes. Só que é um rio reversível: recebe e devolve influências. Quanto à imagem, deságuam na TV: o desenho, a pintura, a fotografia, o cinema. A palavra escrita é um rio subterrâneo, mas poderoso: a literatura está por baixo de toda narrativa, a imprensa sob todos os noticiosos e todos os documentários e reportagens. A palavra falada é um lençol d’água, está por toda parte: presenças do teatro e do rádio, que também influem nos espetáculos musicais e humorísticos.

Ainda, Boni fundamenta o padrão de qualidade como fator definitivo na implementação

pela emissora Rede Globo que teve início em 1962 com o acordo assinado com o grupo Time-

Life. Com isso chegou ao Brasil uma nova maneira de se fazer televisão, mais centrada em um

modelo empresarial, cujo foco era a parte comercial e produtiva. Isso representou também

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grandes avanços em termos técnicos e tecnológicos pois, além de receber um gerenciamento

direto, a parceria resultou no treinamento de funcionários nos Estados Unidos e a importação de

um modelo já consolidado na televisão americana (RICCO e VANNUCCI, 2017, p. 262).

Não bastaria apenas desenhar os elementos que constituem a produção dos conteúdos,

se fez necessário também o design de serviços em sua grade de programação. Um dos nomes

envolvidos nesta implementação foi Walter Clark, que assumiu a direção-geral da emissora

em 1965. A ele foram atribuídas, direta ou indiretamente, diversas inovações introduzidas pela

Rede Globo, como a ideia da telenovela como âncora da programação, a idealização do Jornal

Nacional e sua disposição entre duas novelas, a projeção de um canal voltado a uma rede de

alcance nacional e a subordinação de emissoras afiliadas e de repetição à cabeça-de-rede no Rio

de Janeiro. A ênfase no "horário nobre" (das 18 às 22 horas), com a exibição de jornalísticos e,

principalmente, telenovelas (figura 01), foi inclusive o principal trunfo da rede na luta pela

audiência e a verdadeira marca do sucesso da Globo.

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Figura 01 Padrão Globo de Qualidade

Fonte: Ricco e Vannucci, 2017, p. 260, adaptado pelo autor.

A inovação que deu maior sustentação ao padrão de qualidade, no entanto, foi a break

comercial. Sob o comando de Clark, chegou ao fim o modelo de patrocinador único, que

concedia a este a responsabilidade por determinados programas, passando a vigorar uma forma

de venda que privilegiava a programação fixa e voltava-se para a negociação de espaços de

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publicidade em intervalos comerciais. Dessa forma a emissora ganhou maior lucratividade e,

consequentemente, mais autonomia no desenvolvimento de sua grade de programação.

Investindo em programas populares e evitando o confronto direto com outras emissoras,

em seus primeiros anos a emissora carioca foi conquistando aos poucos seu espaço na televisão.

Sua hegemonia na área é confirmada na década de 1970 com a exclusão das concorrentes TV

Excelsior e Tupi. O salto em qualidade desta época é auxiliado pela incorporação de técnicas e

profissionais do cinema, e um quadro de funcionários decorrentes do teatro, da literatura, do

rádio e do cinema, formando parte do padrão de qualidade que auxiliou posteriormente no

contínuo desenvolvimento da emissora.

Uma intervenção governamental no começo dos anos 1970, cujo objetivo era acabar

com o "baixo nível cultural" das emissoras, levou a Rede Globo a eliminar de sua grade traços

de "mau gosto" e "popularesco", o que acabou por elevar o perfil de produção a um nível mais

ao gosto do público de classe média. Junto à produção e gerenciamento eficiente, ao forte

esquema comercial, aos conhecimentos e tecnologia importados, e uma proposta estética limpa

de ruídos estéticos e políticos, esse foi um dos elementos primordiais para a construção do

padrão Globo de qualidade.

O sucesso mantém-se durante a década de 1980 mesmo com o surgimento de novos

canais de destaque, como SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) em São Paulo e TV

Manchete no Rio de Janeiro (atualmente extinta); a resposta da Rede Globo é a ampliação e

criação de novos parques industriais televisivos (moldes Hollywoodiano) e a exportação de sua

programação para mercados internacionais (as telenovelas). Na década de 1990 as inovações

tecnológicas instigaram ainda mais as emissoras concorrentes, enquanto a emissora inaugura no

Rio de Janeiro o Projac (atual Estúdios Globo) e estabelece a partir de 1999 novos estúdios na

sede da TV Globo São Paulo para jornalismo e produção de programas.

2. Design de Produção

A extensão design de produção ou production design integra o vocabulário norte-

americana de cinema e televisão, é o princípio unificador que cria coerência na identidade visual

do filme, ou ainda, são os elementos importantes no processo criativo da cena. Esses conceitos,

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conforme Barnwell (2013) adicionam profundidade ao audiovisual e exercem em um nível

metafórico e visual.

Tanto no cinema como na televisão, um designer de produção (ou P. D.) é o profissional

responsável pela aparência visual geral da produção, sua função é criar um conceito de design

para o audiovisual. Esse profissional atua diretamente com o diretor de arte, diretor de fotografia

e com o produtor, eles devem selecionar as configurações e o estilo para contar a história

visualmente.

O termo designer de produção foi batizado em 1939 por William Cameron Menzies

enquanto trabalhava no filme - E o Vento Levou (Gone with the Wind). Ainda que a grande

maioria dos países adotaram a extensão norte-americana, o processo de produção brasileiro

ainda atua com a classificação anterior, e designa esse profissional como "diretores de arte". Às

vezes também é descrito como "design cênico" ou "cenografia".

Na extensão norte-americana, o designer de produção sucede-se ao diretor de arte,

devido uma abrangência elevada no número de atividades desempenhadas no processo, como a

seleção e escolha da paisagem ideal, a construção dos cenários, a produção dos objetos, o

figurino, a maquiagem e os efeitos visuais. Todos esses elementos devem contribuir para que

haja coerência na narrativa do audiovisual.

O processo de design de produção como segue na figura 02, tem início na pré-produção,

com os reflexos introdutórios do designer ao roteiro em termos de atmosfera, aparência e

requisitos técnicos. Ainda, considerando nesta etapa, a constituição das personagens, o enredo e

a temporalidade em que o audiovisual será ambientado. A partir de então inicia-se a pesquisa

para atingir o maior grau de autenticidade, posteriormente surgem os esboços, os desenhos

técnicos e as maquetes tridimensionais antes que os estágios finais de construção e decoração do

set (prédios, cidades ou até mesmo mundos inteiros), conectando-os à narrativa da cena. No

sentido prático, o designer de produção constrói um lugar para que a ação aconteça e, em

sentido criativo, ele torna esse lugar apropriado para a telenovela e as personagens que irão

viver neste ambiente (BARNWELL, 2013; MACHADO, 2011).

Originário do cinema contemporâneo hollywoodiano traz ainda, como tríade criativa

neste processo, a atuação do diretor geral de produção, do fotógrafo e do design de produção,

que estão voltados para o aspecto da pré-produção, produção e pós-produção da narrativa, no

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seu percurso do design gráfico e digital (D-Vis)2 permitindo desta forma organizar toda a nova

demanda estética e visual do serviço, o qual a emissora (Rede Globo) chama da produto

midiático.

Figura 02 - Organograma de Pré-Produção Rede Globo

Fonte: o autor, 2018.

Atualmente há uma grande quantidade de informações geradas ao redor do mundo. O

montante destas informações necessita de um processamento e uma utilização adequada, de

forma que um produto/serviço consiga direcionar ao seu usuário uma tomada de decisão

coerente. Traduzir essas informações em volumes de dados variados em valores com velocidade

é o que os profissionais de design necessitam, seja nas empresas ou em ocasiões cotidianas

(especiais ou não) em suas vidas pessoais.

2 Segundo Machado (2011), nomenclatura utilizada na indústria fílmica e que é designada ao design visualisation)

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Está grande quantidade de informação complexa com origem dos mais diversos locais

estão sendo estruturadas por uma metodologia - o processo do Design Thinking (figura 03), que

busca a inovação através de um modelo mental que projeta soluções centradas no ser humano,

nas pessoas cujas necessidades, desejos e expectativas estão em questão. Melhorar a experiência

das pessoas com a organização, seus produtos e serviços, englobando a todos, sejam clientes,

funcionários e “stakeholders”. Por isso, princípios como empatia, colaboração e experimentação

são fundamentais (CROSS, 2011).

Figura 03 – Processo de Design Think

Fonte: Cross, 2011 (Adaptado pelo autor, 2018)

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Tabela 01 – Métodos e Processos de Design

PROCESSOS MÉTODOS

INSIGHTS E

FOCOS

Pesquisa – é o conceito unificador do processo de design de produção

– cria coerência na identidade visual da telenovela. Os designers

podem O material de referência é variado e pode ser encontrado em

diversas fontes, incluindo locações, fotografias e pinturas.

CRIATIVIDADE Mood boards (quadro de referência) – são conceitos importantes no

processo criativo, ajudam a transmitir a aparência e a emoção

desejadas unificando a coerência na identidade visual (podem incluir

imagens de revistas, fotos, cartões postais e tecidos). Os designers

conseguem encontrar o conceito logo na primeira leitura do roteiro. Na

ausência de soluções, podem pesquisar diferentes aspectos até

descobrirem algo que faça sentido para a conexão com as formas

visuais.

Storyboard – Segundo a Associação Brasileira de Cinematografia, são

utilizados para o planejamento visual das cenas a serem filmadas para

transmitir a toda equipe o que se espera em cada cena. Consistem em

uma sequência de quadros, no formato no qual serão filmadas as

imagens da telenovela, onde são desenhadas as cenas da forma como

imaginadas pelo design de produção, inclui o ângulo da câmera, a

iluminação desejada, etc. Consiste na parte intermediária entre o

roteiro e sua prática, cada um desses desenhos pode ser acompanho

ainda de anotações sobre a cena, tais como a descrição da ação, do

movimento, o som (ou sons) que acompanharão, ou qualquer outra

informação que se jugar importante para a contemplação do design.

Paleta de cores – ao planejar a luz para a cena, é necessário realizar

escolhas a respeito da sua intensidade, de onde ela vem (direção) e se

será natural ou artificial (fonte). A luz natural pode vir de janelas ou

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portas; a artificial de lâmpadas, velas ou mesmo de uma tela de

televisão. O diretor de fotografia e o designer de produção trabalham

em colaboração sobre esse aspecto do projeto, criando soluções

práticas e criativas. O efeito psicológico da cor pode adicionar

profundidade à história e à personagem. Os designers às vezes evitam

cores fortes em favor de uma paleta mais neutra, ao utilizar tons

neutros, uma ou duas cores-chave, podem realmente se destacar para

um efeito dramático ou não.

SELEÇÃO Desenho/Esboço – é o primeiro estágio do processo de design, permite

ao designer o desenvolvimento das suas primeiras impressões da

aparência e da sensação fílmica. Nesta fase, o (re) desenho é técnico e

informativo aos detalhes já definidos nas fases anteriores (clima geral),

contendo fontes de luz e cores, indicações de aspectos estilísticos do

design e que comunica ao restante da equipe o projeto final.

Desenho Técnico – os desenhos arquitetônicos são desenvolvidos para

todos os ambientes que serão construídos no estúdio. Eles são

desenvolvidos em escalas e incluem detalhes como portas, janelas; as

dimensões do set e seus conteúdos são afinados junto a equipe (design

de produção, diretor de arte, arquiteto/projetista e gerente de

construção.

Maquetes – elaborada antes da construção, pois facilita também ao

diretor de fotografia a visualizar o set com um espaço tridimensional,

possibilitando que discutam possíveis falhas, assegurando assim que

fiquem satisfeitos antes de o set ser construído.

Construção – os sets são construídos em estúdios especialmente

planejados para a produção audiovisual (telenovela). Vários sets são

construídos de uma única vez, podendo também ser alterados no

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decorrer da trama.

DESENHO/

EXECUÇÃO

Decoração do Set – após a construção do set de filmagem, os

designers iniciam a sua decoração, com os itens já pesquisados,

planejados e aprovados para a produção de sentido da cena, com os

itens que incluem móveis, cortinas e objetos de cena. Os objetos de

cena podem adicionar autenticidade a um audiovisual, neste caso a

telenovela e que ajudam a dar vida ao ambiente.

Efeitos especiais – é uma imagem criada por meios técnicos. Há dois

tipos diferentes de efeito especial: os efeitos visuais, que utilizam

processos fotográficos (criados pela câmera), e os efeitos mecânicos ou

ópticos, criados na frente da câmera. Essas técnicas têm sido utilizadas

desde os primórdios do cinema, sendo que as tradicionais incluem

fundos pintados, maquetes, planos de efeito com vidro, planos de efeito

com máscara, projeções frontais e retroprojeções. Tais técnicas

complexas podem minimizar custos e tempo. A rede Globo se apropria

em suas telenovelas quando se tratam de paisagens urbanas, o set é

criado no Projac - Rio de Janeiro, mas o espectador chega a pensar que

toda a filmagem está sendo realizada em Salvador.

Tabela 01 – O desenho de uma telenovela - Fonte: Barnwell, 2013; Rede Globo, 2017 –

(Elaborado e Adaptado pelo Autor, 2018)

De acordo com Polaine (2013), a gestão do Design é o gerenciamento organizado por

pessoas, projetos, processos e procedimentos que estão por trás da criação dos produtos e

serviços, ambientes e experiências. Como se observa na figura 02 e na tabela 01, ainda,

envolvem outras gestões nas relações entre outras disciplinas (como design, gestão, marketing e

finanças) e papéis distintos (clientes, designers, equipes de projeto e stakeholders). A função de

gestão do Design é indispensável ao processo de criação de qualquer serviço, pois, envolve o

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trabalho de diversos profissionais e projetos complexos e que compreendem inúmeros pontos de

contato entre empresa e pessoas.

É possível observar que o campo de estudos em Design de serviços pode ser melhor

explorado e gerenciado de maneira que todas as posições de contato entre as instituições e o

usuário sejam projetadas para atender às necessidades econômicas, sociais e às ambientais no

sentido de evitar ocasionais desconfortos (POLAINE, 2013). Assim, diante da necessidade

percebida com relação à audiência da Rede Globo, a telenovela por mais complexa que seja o

seu processo de design, sua linguagem visa facilitar a busca do usuário por meio de um serviço

que integra Gestão de Design, Design de Serviços, conceito de redes e Abordagem Sistêmica no

desenvolvimento de contribuições para formação de uma rede integradora de serviços que deve

se aproximar da realidade, apesar, de conter um imaginário em seu contexto.

Conclusão

Como vimos, os estímulos gerados pelo desenvolvimento audiovisual fomentou

processos criativos, por ideais ou contextos culturais, que denominamos como design de

produção. Em sua característica atribui, como no conceito geral de design, a diferenciação e

organização de elementos, facilitando e despertando a atenção de quem expecta: o expectador.

Do desenvolvimento até a aparente estabilidade visual em períodos da televisão, observamos a

argumentação do design em seus fundamentos em estruturas visuais do Renascimento, da

composição com os sons de diálogos verbais, sons ambientais e musicais até as composições

gestuais, cênicas e de edição, ações que complementam a diferenciação, e discurso atribuídos ao

design de produção. O “Padrão Globo de Qualidade” é argumentado como mostra da

possibilidade de construção do design de produção televisivo uma vez que dependem, assim

como o conceito de design, da diferenciação, da objetividade e de certa progressão de elementos

culturais, variações ativas do diálogo público/veículo.

O estudo aqui apresentado está dividido em duas partes e terá sua continuidade em

publicação subsequente ao que se apresenta. A conclusão parcial aqui apresentada é pertinente

ao artigo até aqui apresentado, mas terá maior contextualização em suas futuras argumentações.

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