o desenvolvimento capitalista no brasil não seguiu o

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OdesenvolvimentocapitalistanoBrasilnãoseguiuomodeloconsagradona literatura especializada. Teve sua própria circunstância e nelapercorreuocaminhopossível.Asdeterminaçõesdeorigemdocapitalismoentre nós não podem ser ignoradas se queremos compreender suascontradições históricas, os bloqueios que até hoje nos desa iam a criarmais do que imitar. Para compreender o substancial dessa singularidadebastalevaremcontaumadiferençafundamentaleradicaldeorigem,quepermanece e nos regula. Diante do esgotamento do escravismo e dainevitabilidadedo trabalho livre, oBrasil decidiu, em1850,pela cessaçãodo trá ico negreiro, desse modo abreviando e condenando a escravidão.Optoupelaimigraçãoestrangeira,detrabalhadoreslivres.Paíscontinental,com abundância de terras incultas e um regime fundiário de livreocupação do solo, condenou-se, nesse ato, ao im do latifúndio, e,consequentemente, da economia escravista que sobre ele lorescera, dasociedadearistocráticaquedelesenutrira.Duassemanasdepois,porém,oBrasil aprovou uma Lei de Terras que instituía um novo regime depropriedade emque a condição de proprietário não dependia apenas dacondiçãodehomemlivre,mastambémdepecúlioparaacompradaterra,aindaqueaopróprioEstado.Opaísselecionariaadedo,pormeiodeseusagentesnaEuropa,oimigrantepobre,desprovidodemeios,quechegasseaoBrasil semoutra alternativa senão a de trabalhar em latifúndio alheioparaumdia,eventualmente,tornar-sesenhordesuaprópriaterra.

Opaísinventouafórmulasimplesdacoerçãolaboraldohomemlivre:sea terra fosse livre, o trabalho tinha que ser escravo; se o trabalho fosselivre, a terra tinha que ser escrava. O cativeiro da terra é a matrizestruturalehistóricadasociedadequesomoshoje.Elecondenouanossamodernidadeeanossaentradanomundocapitalistaaumamodalidadedecoerção do trabalho que nos assegurou um modelo de economiaconcentracionista.Nelaseapoiaanossalentidãohistóricaeapostergaçãodaascensãosocialdoscondenadosàservidãodaespera,geratrizdeumasociedadeconformistaedespolitizada.Umpermanenteaquémemrelaçãoàs imensas possibilidades que cria, tanto materiais quanto sociais eculturais.

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Dozeanosdepoisdaopçãobrasileira,ocapitalismomaisdesenvolvido,odos Estados Unidos, obteve pela mão do presidente Abraham Lincoln oHomesteadAct,optandopelalivreocupaçãodesuasterraslivrespara,poressemeio, esvaziar o escravismo americano emudar os fundamentos deuma sociedade também mutilada pela escravidão. A lei americana decolonização permitia que mesmo os ex-escravos pudessem se tornarproprietários de terra, sem ônus. O oposto do modelo de ocupaçãoterritorial e de capitalismo pelo qual o Brasil optara. Lá, amudança forapresididapelocapital;aqui, forapresididapelaeconomiadeexportaçãoeo latifúndio,noqualelasebaseava.Lá,ocapital searvoroupoliticamentecontra a propriedade da terra, seguindo a ordem lógica que impusera oim do antigo regime na Europa. Aqui, a propriedade da terra seinstitucionalizou como propriedade territorial capitalista, presidiu oprocessode instauração, difusão e consolidaçãodo capitalismo entre nós,acasalouterraecapital,concentrouarepartiçãodamais-valiaeavolumoua reprodução ampliada do capital. Foi o modo de acelerar a entrada dopaís no mundo moderno, o recurso compensatório da pilhagem colonialque nos condenara ao atraso, o modo de acumular mais depressa paramaisdepressasemodernizar.

Aqui, a transição para o capitalismo teve seu próprio percurso e seupróprio ritmo. Tem sido transição vagarosa, extraviada nos atalhos deinovações sociais e econômicas tópicas, que nos permitem ser o que nãosomosechegaraondenãopodemos.Saltossobreobloqueiodoatraso.

O fato singular de que a economia do café, no Brasil, tenha lorescidocombase no trabalho escravo e tenha tido um segundo desenvolvimentoespetacular combaseno trabalho livre constitui referência sociológicadefundamentalrelevânciaparaoestudocríticodeumdoscomplicadostemasdasciênciassociaisnessecenáriopeculiar:odatransiçãodeummododeproduçãoaoutro.Nonossocasofoiatransiçãodeummodelodesociedadefundada no trabalho escravo para um modelo de sociedade fundada notrabalholivre.Nãoquenessecaso,demodoimpropriamenteevolucionista,seja possível invocar uma suposta "teoria" dos modos de produção paracompreenderessamudança.Emoutroslugaresdetransiçõeshistóricasdeclássicareferência,comoodaindustrializaçãoeuropeia,astransformaçõesnas relações sociaisestiveramassociadasa transformaçõeseconômicas, à

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mudançadeobjetodaeconomia,seentendermosqueoprodutodagrandeindústria era substancialmente outro em relação ao produto damanufatura e, sobretudo, do artesanato. A grande indústria inventouprodutosnovosnoseunovomododeproduzir, seusprópriosprodutos,eextrapolouomodestoelencodosbensquepodiamserproduzidoscomosrecursos anteriormentedisponíveis.Mesmona continuidadedaproduçãode artigos já conhecidos, as simpli icações e alterações foram tantas que,em todas as partes, surgiu uma cultura que imputou aos novos bens daindústriaoestigmadearti icial,dosalimentosaovestuário,àsferramentase àsmáquinas.O homem comum reconheceumuito depressa a perda daqualidadedosprodutosemfavordaquantidade,tomandocomoreferênciaa valorização pré-moderna das formas artesanais de produzir. Certarecusa cultural da coisa produzida como contrafação do "verdadeiro" elegítimo produto, o do trabalho qualitativo das mãos obreiras emcontraposiçãoàoperaçãoquantitativadasmáquinas.

A compreensão dessa mudança depende da consideração de que apermanênciadafunçãodoprodutonãoimpediuqueelesetornasseoutracoisa,atépeloconjuntodesuascaracterísticas.Comocaféfoiocontrário:afunção e o produto permaneceram os mesmos e o processo de trabalhonãomudou.Ocolonocontinuouafazerexatamenteomesmoqueoescravofazia, mudando apenas a forma social da organização do trabalho, dotrabalho coletivo do eito para o trabalho familiar.Mudou relativamente aforma social de valorização do capital, seja pela eliminação do trá iconegreiro e da igura intermediária do tra icante de escravos, seja pelaimigraçãosubsidiadapeloEstado,quesocializouoscustosdeformaçãodanovaforçadetrabalho.Mudançaqueestimulouadisseminaçãodocálculocapitalistacomofundamentodaproduçãocafeeira,especialmenteocálculodecustodamãodeobra,coisaqueotrabalholivreviabilizounumaescalade tempo compatível com a de uma safra. O custo do trabalho nãomaisreguladopeladuraçãodavidadocativoe,comosedizia,numareferênciaà animalidade do trabalhador, à da vida do plantel de escravos de umafazenda.

Aqui,asmudançassederamnasmediaçõesdoprocesso,noquesituouovelhomododeproduzir o café nonovomodode reproduzir a riqueza. Amudança se deu com a interiorização dos mecanismos de reprodução

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capitalista do capital e a transposição do fazendeiro produtor de café doespaçodaproduçãonãocapitalistadocapitalparaointeriordoespaçodasuareproduçãocapitalista.Ouseja,oBrasilinteriorizouosmecanismosdareprodução capitalista num processo que foi o da ampliação do espaçoeconômicodessareprodução.Asmedidaspolíticastomadasparaprotegere apoiar a economiado café expandiramas condiçõesdeumaorientaçãopropriamente capitalista na produção agrícola e criaram as condições dapolivalência do empresário que, rapidamente, tomou o capital e não aterra, tampoucoomandosobreseus trabalhadores, comoa referênciadesua constituição como sujeito social e econômico. O fazendeiro deixou deserumamansadordegenteparase tornarumadministradorda riquezaproduzidapelotrabalho.

Jánaúltimadécadadoséculoxix,osmaisabastadosfazendeirosdecafédiversi icaram suas aplicações de capital e investiram na construção deferrovias,nafundaçãodebancos,deindústriasedeempresascomerciais.Embora,compreensivelmente,tome-secomoreferênciadessafundamentalmudança a biogra ia de Antônio da Silva Prado, grande empresáriopaulista, tanto os almanaques anuais do século xix e início do século xxquanto os documentos de acionistas das empresas que nasciam,registradas na Junta Comercial do Estado de São Paulo, têm extensaslistagens de nomes de fazendeiros que aplicaram seus lucros eminvestimentos alternativos e complementares aos do café e da cana-de-açúcar.Semcontarquefazendeirosprovenientesdeoutrosestados,comoosdoNordeste,trouxeramseuscabedaisparaaplicaçãoemSãoPaulo,emparticular na economia do café e nos seus efeitos multiplicadores emoutros setores da economia. A migração de cafeicultores luminenses (emineiros)paraSãoPaulo,vitimadospelodeclíniodaprodutividadedesuasterras esgotadas, que abriram as novas e férteis fazendas na recém-descobertaterra-roxadaregiãodeRibeirãoPretoedaqueacabousendoconhecida comoAltaMogiana, constitui boa indicação de umamobilidaderegidapeladinâmicadocapital,deum fazendeiro libertodasamarrasdaterraedaescravidão.Enão foi apenasomilagreda renda-diferencialdaterramaisfértilnanovazonadeplantioqueincrementouaacumulaçãodocapitalnaeconomiadocafé,mastambémaintroduçãodenovavariedadedaplanta,resultantedasdescobertasdocafeicultorefazendeiro,médicoecientista luminense Luís Pereira Barreto, um dos líderes desse

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deslocamento.

A possibilidade de estudar uma radical mudança pura no modo deproduzir,comosedeunocafé,comparandoaproduçãodomesmocafénoescravismo e no colonato, tem excepcional riqueza sociológica porquelibertaopesquisadordeconsideraçõeshipotéticasepermite-lheexaminare compreender a transição apartir de fatorespropriamentehistóricos.Oalcance teórico dessa circunstância é enorme porque permite retornar àessência última das formulações propriamente marxianas da teoria datransição,aquiloqueMarxapontounadispersãodeseusescritosemesmonumaobrafundamentaleinacabadaqueéOcapital.

A vulgarização da obra de Marx, particularmente no que se refere àtransição do feudalismo ao capitalismo, empobreceu os estudos einterpretações sobre as diferentes realidades sociais e históricas quepassaramaserobjetodeinteressedepesquisadoresmarxistas,namaioriados casos apenas limitadamente familiarizados com as complexidades daobra do autor alemão, que, por isso mesmo, reduziram-na a umainterpretação evolucionista e linear. Na verdade, Marx está bem longedisso, e sobre essa distância escreveumais de uma vez, sobretudo parasituar historicamente a diversidade das realidades sociais de suaspesquisas, análises e interpretações.O que se aplica em casos comoodasociedade brasileira, caso tópico de transição secundária e residualsubjacenteàgrande,disseminadae,numcertosentido, lentatransiçãodofeudalismo ao capitalismo, que aos trópicos chegou fora de época. Ademonstrarumasubstânciaintransitivanatransição,queforamosnossosescravismos,odoíndioeodonegro,associadosàproduçãodecapital,masnão à reprodução capitalista do capital, atenuada nos interstícios daeconomia.Umcuidadoquenãosevênoformalismodoredutivomarxismocontemporâneo, completamente des igurado na busca de constantesestruturais, que desdenha o que é próprio da compreensão dialética dahistória da vida social na perspectiva logicamente histórica, que é amultiplicidadedospossíveiseasingularidadedascircunstâncias.

A sociedade gestada pelo advento e disseminação da agriculturacafeeira,justamenteporquemudanãomudando,ofereceaopesquisadoraoportunidadedesseretornocríticoàspremissasmaissólidasdométodode

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Marx, em circunstâncias históricas bem diversas daquelas que foramobjeto de referência de sua obra. Diversamente do que fez em relação àÁsia, Marx interessou-se pouco pela América Latina e, nesse poucointeresse, usou fontes pobres, como observou José Aricó, o competentepesquisador argentino, erudito conhecedor e editor das obras do autoralemãoemespanhol.'Setivessetidomelhorfamiliaridadecomarealidadelatino-americana,emparticularcomaprofunda transiçãoqueasrelaçõesde trabalho estavam sofrendo no Brasil, seguramente teria alargado suacompreensãodocapitalismoeinovadonasinterpretaçõesquefez.

Marx tinha consciência das imensas limitações da referência social ehistóricadesuaobra,comodecertomodoconfessounosesboçosdecartaspara responder à indagação de uma militante populista russa, VeraZasulich,que lheescreveuperguntandose sua teoriadapossibilidadedosocialismo se aplicava também a países como a Rússia, ainda um paísagrário.MarxesclareceuquesuateoriadatransiçãoseaplicavaàEuropaOcidental.' No entanto, aparentemente não enviou à destinatária nenhumdos três esboços da carta de resposta, o que teria aberto uma imensabrechaparaacríticamarxianadomarxismoeteriacriadoaoportunidadedeuma sociologia críticadas transições,mesmonospaísesperiféricosdaprópria Europa. Na história do pensamento marxista, a omissão, oocultamento e a mutilação da interpretação cientí ica em nome damilitância política e em nome do poder estão expostas, documentadas eestudadas em toda a sua escandalosa extensão na célebre obra dohistoriador marxista italiano Franco Venturi, Il populismo russo, escritacom base na rica documentação que examinou na Biblioteca Lenin, emMoscou,logoapósaSegundaGuerraMundial.'

Portanto, o estudo das singularidades do colonato, forma de trabalholivrequeaquinasceusocialmentedasruínasdaescravidão,corroídapelascarênciasdasprópriasformasavançadasdemultiplicaçãodocapital,nãoésimplesmente,nemprincipalmente,umestudodehistóriasocialregional.Éantes o retorno à dialética e o exame cientí ico de um tema históricobanalizado, num caso denso de conteúdos reveladores. Suasdeterminações singulares, no entanto, o tornam objeto privilegiado deconhecimento e a rica referência dessa contribuição a uma teoria dastransformaçõessociais.

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Na revisão deste livro para a 9a e de initiva edição, levei em conta otempopassadodesdeoacesoe,numcertosentido,confusodebate latino-americano sobre a transiçãoparao capitalismo.Asnovas gerações estão,felizmente, distantes das certezas gratuitas do debate de então e maispreocupadascomaconsistênciacientí icadasinterpretaçõesarespeitodenossa singularidade histórica e das nossas possibilidades históricas emcomparaçãocomasqueseabriram(esefecharam!)emoutrassociedades,aquelas que pesaram decisivamente na formulação das basesinterpretativasdasociedadecontemporânea.

Nesta edição, iz alguns extensos acréscimos de informação histórica,resultantes da continuidade deminhas pesquisas sobre a sociedade quenascia no seio mesmo do escravismo. Tanto nos resultados de umapesquisa sobre a acumulação de capital e a diversi icação dosinvestimentos em São Paulo, no século xix, quanto nos de outra pesquisasobre a sociabilidadeprópria da escravidão indígena e sua superaçãonoséculo xviii. As duas escravidões, a indígena e a negra, continham sutis econtrastantesarranjossociaisqueajudamamelhorcompreendê-lascomorealidades sociológicas, em seus respectivos momentos e em suasrespectivas e problemáticas heranças sociais. No entanto, têm sidodesprezados por uma historiogra ia predominantemente interessada nasgrandes características estruturais da escravidão negra na sociedadeescravistaenosseusdéficitssociaisemorais.

Éimpossívelcompreenderosaltohistóricorepresentadoentrenóspelaindustrialização e por este nosso capitalismo nos trópicos sedesconhecermosenãocompreendermosessastransformações.Elasforamoresultadodeumacomplicadaengenhariaeconômicaesocial,quepassoutanto pela sucessão de cativeiros quanto pela invenção de relações detrabalho que nos permitiram adotar o trabalho livre e, aomesmo tempo,ralentar os seus efeitos emancipadores. A lentidão e a deformidade dasnossas relações de classe, marca da nossa modernidade, bem como aforma politicamente de icitária como se constituiu entre nós a classeoperária, longe do padrão clássico e da classe operária teórica, não seexplicam senão por meio dessa nossa singularidade histórica. É o queobrigaopesquisadoraatentarparasupostasirrelevânciaseminudênciasdoreal,determinaçõesdecisivasdoqueviemosasereaindasomos.

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Justamente por isso, nesta edição de O cativeiro da terra julgueiconveniente fazer acréscimos, esmiuçando e desenvolvendo formulaçõesteóricasdecisivasemminha interpretaçãoda transição,queageraçãodaépocadaprimeiraediçãodolivro,naquelaeradesilêncioscompreensíveise de subentendidos interpretativos, podia compreender com maiorfacilidade.Naprimeiraversãodolivro,opotencial interpretativoeteóricodeváriasquestõesnelelevantadas icouapenasenunciado,tendoemvistaasprioridadesecaracterísticasdodebatesobreoadventodocapitalismono Brasil. Debate que escondia uma sub-reptícia e equivocada celeuma,porquesemsustentaçãonapesquisaempíricaenoconhecimentohistórico,sobre tensões que propunham, na história imediata, uma presumíveltransiçãoparaosocialismo.Otemadolivroestavanocentrodeumintensodebate latino-americano sobre modos de produção. O interesse quecontinua despertando entre os estudiosos, demonstrado em suassucessivas edições, dele izeram um dos poucos sobreviventes do debateinconcluso.

Hoje,porém,ainterpretaçãomarxianajánãoestáemcausa,banidaporummarxismo de bolso, esquemático e pobre, puramente ideológico, quepretendeexplicar tudo, como receitade remédio, eque, na verdade, estácadavezmaisdistantedascomplexidadesantropológicasesociológicasdasociedadecontemporânea,emparticularde sociedadescomoabrasileira.Aqui, a pluralidadedos temposdoprocessohistórico émaiordoquenospaísescujahistóriaecujarealidadedominamainterpretaçãosociológicaea interpretação histórica, que adotamos sem maior crítica e às quaissucumbimossemaveri icaçãocríticadapesquisadocumentaledecampoe sem reconhecer que o conhecimento propriamente cientí ico, nasciênciashumanas,dependedepesquisaempíricaedaimplícitaconsciênciacientíficadasingularidade.

Perdemos o sentido das heranças inevitáveis e da história nocontemporâneo porque a dialética foi formalizada num estruturalismomístico e forma lista que propõe o homem como mero joguete dosconceitos. No entanto, muito mais do que antes, quando estávamos nonotório limiar de possibilidades históricas e políticas, estamos hojeafundados em certezas que baniram de nosso horizonte a história.Disseminamaconvicçãoconservadoraeaté reacionáriadequeahistória

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jásefez,dequeahistóriaacabou.Aconvicção,en im,dequechegamosaumaespéciedeeternidadepolíticaconstituídadefuncionáriosdachamadamilitância política remunerada, bem longe de quando militantesenfrentavam as incertezas do cárcere e, não raro, a morte. NaUniversidade se re letia sobre as determinações históricas do nossopresenteedonossopossível,aslimitaçõesqueopassadonosimpunha,aspossibilidades que se nos abriam nomarco de ummodo de ser em queexpressamos nossas singularidades inevitáveis, no modo como aqui sepropõeohomemgenéricodacontemporaneidade.

Na preparação desta 9a edição de O cativeiro da terra, mudei aestrutura do livro devido ao acrescentamento de três estudos deledecorrentes, escritos posteriormente à sua publicação. Fiz acréscimos aotextodocapítulo1,paradesenvolvertemasnelepropostos,quenaediçãooriginal icaramlimitadosaformulaçõesconcisas,porquecomplementaresemrelaçãoaoseueixoprincipal.Nestaversãoampliadadotexto,procureisuprimir os subentendidos, substituindo-os por explanações mais largas,de modo a estender os bene ícios do que penso ser um dos méritos dolivro,asuaclareza.

Ocapítulo2,agoraintroduzido,sobreo imigranteespanholnocolonato,alarga a perspectiva do capítulo 1 como contraponto à imigração italiana,que se tornou referencial nos estudos sobre esse regime de trabalho. Adiferençade características, de épocaedeespaçodessa imigração tardia(enviadaparaasterrasnovas,menosférteis,ocupadasapósopovoamentoda região de Ribeirão Preto e da Alta Mogiana) na localização dosespanhóisquea imigração subvencionada trouxeparaos cafezaisdeSãoPaulo, emrelaçãoaos italianos, éumrecursocomparativoemetodológicoparacompreenderadinâmicadocolonatoeasalteraçõesadaptativasneleocorridas.Namesma linha,a inclusãodotextoqueveioaserocapítulo3analisa outro aspecto essencial da dinâmica do colonato nas contradiçõesque progressivamente libertaram a forma salarial de remuneração dotrabalho da trama que fez do colonato um regime laboral peculiar ehíbrido. Nesse movimento, a libertação do salário como categoria demediaçãonasrelaçõesdeprodução,queseanunciaaospoucosereclama

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um sujeito social, o trabalhador assalariado, no complexo processo deproduçãodocafé.

O capítulo sobre a produção ideológica da noção de trabalho foiantecipado em relação ao capítulo sobre a gênese da industrialização.Suprimi nele uma das partes, que se tornou redundante por ser tema játratadoemcapítulosanteriores.Nanovaestruturaenonovoordenamentodolivro,ele icamelhorcomocapítulo4doque icariacomocapítulo5,queseria a sequência original. A ideologia da ascensão social pelo trabalho,embora geneticamente referida ao colonato, tomou conta também daideologia operária eurbana e é amelhor evidênciadequantoo cativeiroda terra se estendeu ideologicamente aomundo fabril que nascia com apoderosaacumulaçãodecapitalpossibilitadapelocafé.

Nessanovaestrutura,ocapítulo5,sobreocaféeaindustrialização,queé um balanço sobre o controvertido conhecimento que entre nós seproduziusobreomodocomoariquezacriadapelocafégeroua iguradoempresáriocapitalista,éopreâmbulodasequênciadolivro.Oempresáriode transição, aí referido, é aquele que encontrou, também na economiaurbana-nocapitalcomercial,nocapitalindustrialenocapital inanceiro-,o inevitável desdobramento do afã demultiplicação de sua riqueza. Essecapítulo trata das circunstâncias e condições de gestação de umaconsciência social e de classe correspondente à peculiar e tendencialunicidade de capital e propriedade da terra, de lucro e renda fundiária,que inaugurou e difundiu rapidamente entre nós a modernidade dessecapitalismosingular.

Fizalteraçõeseacréscimosnessecapítulo5,emparticularpararemovero didatismo que, hoje, me parece exagerado. Originalmente, escrito pararoteiro de seminários no exterior, icou marcado pela peculiaridade dopúblico a que se destinava. Removi, substituí e desenvolvi boa parte dostrechos com essa característica, de modo a dar ao texto a luência queacompanhaorestantedolivro.Paracon irmar,ainda,oqueeraaintençãooriginal de sua inclusão no volume, a de expor os desencontros dasinterpretações em relação à industrialização, particularmente em SãoPaulo,esuasconexõescomariquezageradapelocafé.

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O capítulo 6, um dos acrescentados nesta edição, trata dodesenvolvimento industrial, tomando como referência o imigrante italianonas duas categorias sociais que protagonizaram a nossa industrializaçãonassuasdécadasiniciais.Certamiti icaçãoevolucionistadarelaçãoentreocafé e a industrialização, de um lado, e o imigrante como personagemdestacado do advento do trabalho livre e do advento dos industriais, deoutro, pede uma revisão crítica e documentada do tema. É o que aquipretendi fazer. Embora o limitado consumo dos trabalhadores do cafétenha, sem dúvida, criado o mercado interno de que a indústrianecessitavaparasedesenvolver,apequenaemédia indústriafoidurantedécadasoabrigodaclasseoperáriaquenasciaforadosmarcosdagrandeindústria e, desse modo, parte ponderável desse mercado. A própriaindústria criou parcela não pequena de seumercado, o que se acentuoucomaurbanizaçãoeaproliferaçãoecrescimentodecidades, semdúvidafundadasnaprosperidadedocafé.

Mantive, com cortes, o capítulo sobre o burguês mítico, que é, naverdade, umestudo sobre aprojeçãodaproletária ideologiada ascensãosocial na igura do imigrante que deu certo e se tornou um grandecapitalista.

Narevisãodolivro,cuideiparaquehouvesseneleumauniformidadedeestilo, que não havia na edição original, dado que os diferentes capítulostinhamdiferentes datas de redação, escritos em diferentesmomentos deminhare lexãosobreseutemacentral.Nempor isso,ossetecapítulosdeagora deixam de ter sua temática própria. Há neles, de certo modo, umretorno insistente ao tema do cativeiro da terra, suas origens e suasdecorrências. No conjunto, acrescentei notas e referências necessáriasparadarcontadasalteraçõesresultantesdarevisão.

NOTAS

1 C£ José Maria Aricó, Marxy América Latina, México, Alianza EditorialMexicana,1982.

2 C£ Karl Marx e Frederick Engels, Selected Correspondence, Moscow,ProgressPublishers,1965,p.339-40.

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3 C£ Franco Venturi, Ilpopulismo russo, 2. ed., Torino, Giulio EinaudiEditore,1977,3v.

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Venhoorientandoaminhapesquisateóricaeempíricapeloproblemadaproduçãocapitalistaderelaçõesnãocapitalistasdeproduçãonomarcodareprodução capitalista do capital de origem não capitalista. Diante dosimpassesesimpli icaçõescontidosnojácansativodebatesobrefeudalismoecapitalismo,como"tiposmacroestruturais"pelosquaissepoderiade inirasociedadebrasileira,notodoouemparte,conformeomomento,ouasua"transição", procurei, como tantos outros pesquisadores, trabalharcriticamentesobreotema.

O que parece nos preocupar a todos é a efetiva natureza dascontradiçõesquedeterminamomovimentodestasociedade,quedefinemanaturezadassuastransformações,ocorridasouemcurso.Amerare lexãoteórica,oabusivoensaísmodegabinete,nãovainoslevarmuitolonge.Domesmo modo, o empirismo sem sustentação teórica, de indagaçõessuperficiais,sóserviráparaconfundiraindamais.

Creemalgunsqueoapegoàclassi icaçãoconceitual,àsimplesrotulação,é a forma correta de produzir uma explicação dialética. Fruti ica daí amultiplicaçãodemodosdeproduçãoedeformaçõeseconômico-sociais,nãoraromerasconstruçõesmentaisquedesprezamastensõesecontradiçõesconstitutivasdoprocessosocial ehistórico.Quantoàprimeiranoção,vemsendoutilizadacomoumaespéciedesalva-vidasdosaber.Algunsautores,ao que parece baseados numa leitura evolucionista d' O capital, têmpescadoemváriaspassagensdesselivro,particularmentenoseuprimeirotomo, o mais lido, não raro o único, referências a múltiplos modos deprodução.Oexameatentodostrêsvolumesdessaobramostra,entretanto,que Marx não dá a essa noção o peso formal que lhe dão algunsintelectuaiscontemporâneos,particularmentenaAméricaLatina.Nãoquea concepção não seja essencial. O que para Marx, nesse caso, não temgrande importância imediata é a rotulaçãodas relações sociais, suameranominação.Paraele,ofundamentaléareconstruçãocientí icadoprocessosocial, do movimento da sociedade. Um modo de produção é um modocomo se dá esse movimento, é o modo historicamente singular como asociedadeseproduzenãomeramenteomodocomoasociedadeproduz.O

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conceito vem no inal do processo de pensamento e não no começo. Sereduzirmosomododeproduçãoaummomento, aumaetapaeconômica,como faz emSweezyeos adeptosdoqueLukácsde ine como "marxismovulgar", des iguramos o processo histórico e introduzimos na sua análiseumentendimentoeconomicista,positivistaea-histórico,odeumahistóriasocial movida por conceitos e não, propriamente, movida por suascontradições.Porissomesmo,dependendodomovimentodaanálise,Marxutilizadiferentesdenominaçõesparaomesmomododeprodução -mododeprodução capitalista,mododeprodução especi icamente capitalista oumododeproduçãodagrande indústria.Algumasvezes, empregaanoçãode modo de produção para se referir ao processo de trabalho; outrasvezes, emprega-a para tratar do processo de valorização do capital, deextraçãodamais-valiaedereproduçãoampliadadocapital.Issonãoofazperder de vista a concepção nuclear de modo de produção, que é a demodohistoricamentedeterminadode exploraçãoda força de trabalhonoprocessodeprodução,noqualsãoproduzidastambémasrelaçõessociaisfundamentaisdeuma sociedadee asdestorcidas representações e ideiasque as legitimam e as explicam ideologicamente. Quando ele se refere amodo de produção camponês, está se referindo a processo camponês detrabalho, que não exclui a sujeição do trabalho camponês ao capital, fatoque não deveria ser perdido de vista em face de um estudo sobre aproduçãodocapitalesobreasuareproduçãocapitalista.Issonãoimpediuuma alvoroçada gestação de estudos em relação a um suposto modo(histórico)deproduçãocamponês,tambémaquinoBrasil.

Do mesmo modo, a noção de formação econômico-social foicompletamente des igurada. Petri icada e rei icada pelo raciocíniopositivista vulgar, substitui hoje em dia a noção funcionalista de sistemasocial, sem qualquer consideração crítica quanto ao métodosubstancialmente diverso que leva às de inições em cada caso. Isso podeserfacilmentecomprovado.Nosautoresemcujostrabalhosselia"sistemasocial",nasegundametadedosanos1950,podia-seler,vinteanosdepois,nasegundametadedosanos1970,"formaçãoeconômico-social",semqueo processo de pensamento subjacente aos conceitos tivesse sofridotransformaçãocorrespondenteàmudançaconceitual.

No período subsequente, um progressivo e disseminado relaxamento

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nos cuidados metodológicos com a explicação cientí ica na sociologiaagregou conceitos ideológicos e vagos, como o de "capitalismo", ao elencode rotulações propostas como se, por si mesmas, já contivessem aapropriadaexplanaçãosociológica-asnoçõessimpli icadasnosconceitoseos conceitos reduzidos a palavras e sinônimos. Uma evidência de queestamosdiantedoqueHenriLefebvrede inecomototalidadefechada,nãodialética, é a vinculação do conceito de formação econômico-social aespaços, comoaAméricaLatina, comosevêemobrasdevulgarizaçãodopensamento de Marx, como a de Marta Harnecker, iliada ao marxismoestruturalista de Louis Althusser. Ou, então, a simpli icação de falar emformação econômico-social brasileira, que se lê em diferentes autoresdessamesma iliação.Nessaperspectiva,aconcepçãodetempohistóricoedeprocessosocialésobrepostapelaconcepçãodeespaço.

Em decorrência, a historicidade das relações sociais é recuperadaarti icialmente pela justaposição de realidades sociais de datascronologicamentedistintasedemodosdeproduçãoabstratoseuniformes.Aformaçãoeconômico-socialéproposta,então,comoarticulaçãodemodosde produção em que o movimento da história é mera abstração,aproximadamente como no cinema a sucessão de imagens estáticaspermiteailusãovisualdomovimento.EssavisãomecanicistaelimitadadaobradeMarxdifundiu-senoBrasilenaAméricaLatinanosanos1970,apartir da França, em decorrência de certa pressa na compreensão dastiraniaspolíticasdaregiãoedaépoca,compreensãoinviávelnaslimitaçõesda tradição da sociologia funcionalista. Cenários de escassa tradição dopensamento marxiano e do pensamento propriamente crítico, forampropícios à assimilação do mecanicismo althusseriano, formalista e deassimilação fácile rápidanaperspectivadas linearidadesde tradiçõesdepensamentolineareseclassificatórias.

A partir da Universidade de Louvain, uma universidade católicaresponsávelpelaformaçãoteóricademuitossacerdoteslatino-americanos,identi icados com as possibilidades abertas pelo Concílio Vaticano 11 eengajados nas questões sociais, veio-nos uma outra tendência teórica doalthusserianismo, marcada pela articulação dos níveis da realidade, a daestrutura e da superestrutura. Teve ela aqui grande impacto nopensamentodosautoresdeumadascorrentesdaTeologiadaLibertação.

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A religião, devidamente protegida no âmbito mecanicista dasuperestrutura, ganha assim legitimidade no corpo do marxismo, semdiluir-se no materialismo corrosivo que a circunda. Mas perde-se comoreligião, reduzida a um religiosismo sociológico que a torna meroepifenômenodasupostamaterialidadesocialehistórica,aindaquecomaindemonstrável pretensão de sobrepor-se como princípio regulador dapráxis.

Podemos ter, assim, tantas formações que quisermos, tal como ocorriacom o emprego do conceito de sistema, aplicado a qualquer totalidadearbitrariamente de inida. Isso é bem o oposto da utilização dessa noçãoporautoresclássicosquea formularamedesenvolveram,comoopróprioMarx e, também, Lenin, que a empregavam em relação à totalidade doprocessosocialdocapitaleàtotalidadedomovimentodocapital,masnãoemrelaçãoaumaregiãodeterminadaouaumpaísdeterminado.Onúcleoda formação não é o espaço geográ ico no qual se realiza, mas o seudesenvolvimentodesigual,nãoodesenvolvimentoeconômicodesigualdasanálises dualistas produzidas na perspectiva economicista, e sim odesenvolvimento desigual das diferentes expressões sociais e dosdiferentesmomentossociaisdascontradições fundamentaisdasociedade.Omarxismoalthusserianoacabouse tornandoantagônicoaopensamentopropriamentemarxiano.

Preferi, por essas razões, conduzir minha pesquisa empírica e aexposiçãoteóricadeseusresultadospelocaminhometodológicoortodoxo,marxiano e nãomarxista, que privilegia o concreto, o processo social nasuadimensãopropriamentehistórica.Decorredesseprocedimentooqueneste livro possa ser de inido como descoberta e como inovaçãointerpretativaquantoàs contradiçõese tensõesdadifusãodo capitalismono campo. Num plano mais geral, reputo como importante, a partir daretomadadaconstataçãodequeocapitaléumprocesso,desenvolvidaporMarx,aobservaçãodequeoprópriocapitalengendraereproduzrelaçõesnãocapitalistasdeprodução,numacoexistênciadetempossociaisdedatasentre si diversas. Pode-se chegar a esse ponto especialmente através dere lexão demorada sobre a análise que Marx faz da renda territorial nasociedade capitalista. Sendo a renda da terra de origem pré-capitalista,contradiçãoeobstáculoàexpansãoeaodesenvolvimentodocapital,perde,

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noentanto,essecaráteràmedidaqueéabsorvidapeloprocessodocapitale se transforma em renda territorial capitalizada. Introduz, assim, umairracionalidadenareproduçãodocapital, irracionalidadequearepartiçãoda mais-valia supera, sob a forma de lucro, juro ou renda, quando ocapitalista, como no caso brasileiro, se torna proprietário de terra e,portanto, titular de renda fundiária. A determinação histórica do capitalnãodestróia rendada terranempreservaoseucaráterpré-capitalista -transforma-a,incorporando-a,emrendacapitalizada.Fizdessaconstataçãoumahipótesequeabrangessenãoapenasrelaçõespré-capitalistas,masoque o próprio Marx e, mais tarde, Rosa Luxemburg de iniram comorelaçõesnão capitalistas. Foi o quemepermitiudesenvolver a análise doregime de colonato nas fazendas de café, constituído de relações detrabalho que foram historicamente criadas na própria substituição dotrabalhadorescravo,conformeasnecessidadesdocapital,semquenofinalviesse a se de inir um regime de trabalho assalariado nos cafezais. Damesma forma, esse processo não recuperou relações de produção pré-capitalistas.

Outra interpretação inovadora neste trabalho é a do tratamento doescravocomorendacapitalizadaenãocomocapital ixo.Estouconvencidodequeessaéuma formulação fundamentalpara repensarmosaquestãoda exploraçãodo trabalho, daColônia à atualidade, e a questãoda rendafundiária no Brasil. Recorro ao próprio Marx, que situa a escravidão nomarcoteóricodarendafundiária.Nãodeixadecausargrandeespantoquereputados autores brasileiros tenham sistematicamente omitido de suasanálisesqualquerreferênciaaoproblemadarendaterritorial,quenaobrade Marx é mais do que apenas uma teoria da questão agrária, comoredutivamente a interpretou Karl Kautsky.' Essa omissão temrepresentado não somente um atraso teórico nas análises das ciênciashumanas entre nós, mas, sobretudo, um atraso político. As primeirastentativas que iz nesse sentido foram recebidas com um desdém que éreveladordagravidadedessaomissão,poisháosquepreferemfazerdelafé de o ício, ainda que contra toda a tradição teórica emetodológica quesupostamenteseguememseustrabalhos.Atendênciadeencarararendada terra como se fosse capital e, sobretudo,modalidade pré-moderna decapital queopróprio capitalismo superará emodernizará, reduz, limita ebloqueia a compreensão do que é o capitalismo entre nós, seus limites e

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suaspossibilidades.Reduzirainterpretaçãosociológicaaosparâmetrosdeumasociedadebináriacompostadeburguesiaeproletariadoéadulterararealidade.É impossívelentenderadinâmicadeumasociedadedeclasses,emsuasdeterminaçõese singularidades, comoasociedadebrasileira, tãodiversadassociedadesdereferênciadastradiçõessociológicas,mesmodadeMarx,senãoselevaemcontaquearendaterritorialéumdosfatoresda diferenciação social e da constituição das classes e de seusantagonismoseconflitos.OpróprioMarxdedicouàcomplexidadedarendafundiária e suas implicações sociais e políticas parte considerável de suaobra, a começar d'O capital e da obra conexa e essencial, os Grundrisse,semaqualaprópriacompreensãosociológicad'Ocapitalficaimpossível.

Julgo necessário esclarecer que minha pesquisa sobre o regime decolonatonasfazendasdecaféfoi,aomesmotempo,umapesquisasobreaindustrialização em São Paulo. Pude refazer e completar as investigaçõesquerealizeiduranteanossobreosegundotema.Aopçãometodológicaqueadotei, por imposição da própria natureza dos dados colhidos, e dassituações que por eles se evidenciavam, colocaram-me numa relaçãoantagônicacomasorientaçõesdualistasqueseparamoruraleourbanoeque imputam ao rural a anomalia do atraso em face da supostamodernidade do urbano. De fato, entre nós, essa polarização é,frequentemente,postiça.

NoBrasil,particularmenteemSãoPaulo,atransiçãodoescravismoparao trabalho assalariado se deu de modo planejado, controlado erelativamente lento, um processo de quase 40 anos, por iniciativa dosprópriosfazendeirosdecafé.Atravésda iguradeAntôniodaSilvaPrado,ministrodo Império, forameles quepropuseramnoParlamentoo imdaescravidão no formato que assumiu entre nós, como transição para otrabalho livre, mas não necessariamente para o trabalho assalariado nocampo. Esses fazendeiros, que passavam temporadas anuais na Europaculta e desenvolvida e até mandavam seus ilhos estudar nasuniversidades americanas e europeias, não raro já eram tambéminvestidoresemempreendimentosdotransporte ferroviário,docomércio,das inanças e da indústria, o que revestiu aqui o processo do capital desingularidades históricas que o diferenciam substantivamente domodelodereferênciadaliteraturahistóricaesociológica.

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Situei o tema da produção capitalista de relações não capitalistas deprodução, na pesquisa que deu origem a este livro, no movimento docapital em seu conjunto. Ao mesmo tempo, identi iquei seus momentossingularesediferençadosnagestaçãodasformassociaisqueconstituíramasmediaçõesdareproduçãoampliadadocapital.Nessaperspectiva,foi-mepossível propor uma compreensão dialética do que é o capitalismo nestepaís,tendocomoreferênciaacontemporaneidadedasrelaçõesdetrabalhosocialmente atrasadas do colonato das fazendas de café, enquantomomento da intensa e ampla acumulação de capital, que fez entre nós anossa revolução industrial. Essa orientação é atualíssima. Sem ela,continuaremosapensaroBrasilcomorealidademutilada,dehistoricidadecastrada,condenadaaorepetitivodeseuinsidiosoatraso.

O primeiro capítulo, sobre "A produção capitalista de relações nãocapitalistasdeprodução",quepropõeo livro, foiescritono iníciode1978e, em abril daquele ano, apresentado em Cuernavaca, México, numseminárioorganizadopelaUniversidadNacionalAutónomadeMéxicoquereuniupraticamentetodososautoresmaisativosdoin lamadodebatequeentãosetravavasobremodosdeproduçãonaAméricaLatina.Foiumaboaoportunidade para trocar ideias sobre o assunto com diversos dospesquisadorespresentes,quedevoaRaúlBenitezZenteno,doInstitutodeInvestigaciones Sociales. Neide Patarra foi a comentadora do trabalhonaquela reunião e eu lhe agradeço muito as referências e indagações.Oriowaldo Queda e João Carlos Duarte discutiram o trabalho comigo,levantando problemas, o que me foi útil na revisão do original parapublicação. Do mesmo modo, sou agradecido a Margarida Maria Mourapela leituraecomentáriodo texto.Bene iciei-meaindacomas indagaçõesdospesquisadoresdoMuseuNacionalnaoportunidadedeumaexposiçãodesse trabalho no seu seminário das quintas-feiras. Esta monogra ia jáestava pronta para publicação quando chegou aomeu conhecimento queVerenaMartinezAliereMichaelHallhaviampreparadodoiscurtosestudossobreo colonatoe sobreas grevesnas fazendas,quaseaomesmo tempoque eu preparava omeu. Tivemos oportunidade de trocar ideias sobre otrabalho de Verena, ainda numa versão preliminar em inglês, quandopudemosconfrontarasconstataçõesfeitaspelostrês.Aimportânciadessestrabalhos está reconhecida na contribuição que representaram naelaboraçãodeoutroscapítulosdolivro.AJoséSebastiãoWitteragradeçoo

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apoio que me deu na fase da pesquisa no Departamento do Arquivo doEstado,dequeeradiretornaépoca.NoricoacervodaBibliotecaMunicipalMáriodeAndrade,deSãoPaulo,encontreiocapitalculturalqueviabilizoue,atémesmo,estimulouminhadecisãodeescreverestelivro,nasváriasedecisivasobrasrarasqueestãocitadasnosdiferentescapítulos.

Naelaboraçãodocapítulo6,pudeconsultarrelatórioseestudossobreoBrasil,particularmentesobreSãoPaulo,doDepartmentofCommerce,dosEstadosUnidos,relativosaosanos1920.Ameupedido,foramenviadosdeWashington e colocados àminha disposição, para leitura e anotações, noconsuladoamericanodeSãoPaulo.Souagradecidoaosfuncionáriosque,láe aqui, se envolveram nessa operação, o que me permitiu conhecer osinformativosdocumentosqueresultaramdomonitoramentoamericanodaindustrializaçãobrasileiranaqueleperíodo.

Os capítulos 4 e 5 foram escritos como textos básicos de referência, epreparatórios para a pesquisa que resultou no capítulo 1. O tempo e aoportunidade para produzi-los, em meio a outras atividades, forampropiciados pela Universidade de Cambridge, queme distinguiu com umconvite para tornarme "visiting scholar" do seuCentre of LatinAmericanStudiesduranteoLenteoEasterTermde1976.Alémdediscuti-losnoseuseminário semanal, tive a respeitoumaproveitosa trocade ideias comosparticipantes do seminário sobre oBrasil, daUniversidadede Londres, edos seminários sobre a América Latina, da Universidade de Oxford e daUniversidade de Glasgow. Devo minha presença nessas três últimasuniversidades,respectivamente,aLeslieBethell,AlanAngellePeterFlynn.Sou imensamente agradecido a David Brading e a David Lehmann peloconvite para a estada em Cambridge e pelo calor humano com que meacolheram.

Nota

Re iro-me ao economicismo de Karl Kautsky, em La cuestión agrária(Estudio de tas tendencias de Ia agricultura moderna y de Ia políticaagraria de Ia socialdemocracia), Paris, Ruedo Ibérico, 1970. Sobre aminimização política do campesinato em Kautsky e no leninismo, cf.Chantal de Crisenoy, Lenine face aux moujiks, Paris, Editions du Seuil,1978,p.13.

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Arecíprocadinâmicadoscontrários

É lugar-comum, hoje, em trabalhos de historiadores, sociólogos,economistas e cientistas políticos que estudam as transformações dasociedadebrasileiraem facedacrisedo trabalhoescravo,aa irmaçãodeque a servidão negra foi substituída pelo trabalho assalariado. Um dosmaisprestigiososhistoriadoresbrasileiros,CaioPradoJúnior,observaquea lavoura cafeeira baseou-se "na grande propriedade monoculturaltrabalhada por escravos negros, substituídos mais tarde [...] portrabalhadores assalariados".' Mais adiante, acrescenta que, com oabandonodosistemadeparceria,aremuneraçãodotrabalho"deixarádeser feita com a divisão do produto, passando a realizar-se com opagamentodesalários".2

Um sociólogo nãomenos prestigioso, que é Florestan Fernandes, autorde trabalhos notáveis a respeito do negro e da escravidão, assinala que,comaaboliçãodaescravatura,em1888,"astendênciasdereintegraçãodaordem social e econômica expeliram, de modomais ou menos intenso, onegro e o mulato do sistema capitalista de relações de produção nocampo".3

Essasa irmaçõesdeautoresclássicosdaliteraturabrasileiradeciênciassociais, pesquisadores conscienciosos e reputados, que realizaramdemoradasinvestigaçõessobreaescravidãoeseudesaparecimento,alémde suscitarem novos e problemáticos temas para pesquisa, tiveramdesdobramentos em tra balhos de autores recentes, com um teor maisenfático. Um deles a irma que "com a imigração massiva, o trabalhoescravo cedeu lugar ao trabalho assalariado nas plantações de café".4Outroregistraque"jáno iníciodadécadade1880,grandepartedanova

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expansãocafeeiradeSãoPaulosedava,emgrandemedida,comtrabalhoassalariado".5 E completa,mais adiante, que "o primeiro grande salto daexpansão cafeeira de São Paulo, entre 1875 a 1883 [...] já seria feito,parcialmente,dentro(sic)derelaçõescapitalistasde11.6

Outro autor, ainda, a irma que "o momento decisivo em que seconstituíram relações capitalistas de produção na área de São Pauloocorreu com a liquidação inal do sistema escravista e a entrada dasgrandeslevasdeimigrantes".70mesmoautor,emoutrotrabalho,levaessapremissa às últimas consequências, dizendo que da "empresa cafeeiraconcentrada no oeste paulista nasceria uma nova classe assentada emrelaçõescapitalistasdeprodução,comconsciênciadeseusinteresseseumprojeto de estruturação política do país", acrescentando que a produçãocafeeiraapoiava-seembasescapitalistas,sendoque,porisso,"asrelaçõestípicasentrecolonoe fazendeirotinhamessecaráter".'Essemesmoautorcompletaoseuraciocíniocomaconstataçãodequeanaturezacapitalistadas relaçõesdeproduçãona fazendade café se expressa "na compradaforça de trabalho - pagamento de trabalho necessário (salário) -apropriação do excedente, sob a forma de mais-valia, embora o salárioproviesse de fontesmonetárias e nãomonetárias".9 Nessa interpretação,mesmoas fontesnãomonetáriasdaretribuiçãopatronalpelo trabalhodocolono são reduzidas à forma salarial da incorporação do trabalho àprodução. Um pesquisador, já citado, completa suas formulações, nessamesmadireção,aoindicarqueotrabalholivreassumiu,nasubstituiçãodoescravo,diferentesformas.10

OhistoriadorCaioPrado Júnior jáhavia,aliás,emvigorosacontestação,questionadoaorientaçãodosquede iniamcomofeudaisousemifeudaisasrelações de produção no campo. Indicava como, na verdade, relações dotipo da parceria e do colonato, teriam se constituído em variantes derelaçõescapitalistasdeprodução."

Nosanos1960e1970,épocaemqueo tema teve seumaiordestaque,taisde iniçõesforam,diretaouindiretamente,marcadaseestimuladasporum confuso debate intelectual sobre a transição do feudalismo aocapitalismo comoprocessode inidordomomentohistóricobrasileiro. Porsua vez, justi icaria a tática política de lutar pela remoção dos chamados

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"restos feudais",queseevidenciariamemdiferentesrelaçõesde trabalhono meio rural, quase todas, de modo geral, originadas da extinção dotrabalho escravo.' A questão da transformação das relações de produçãofoiremetida,pois,aoterrenocediçodofalsoargumentodequenãosendoformalmente feudais, seriam formalmente capitalistas as relações deprodução posteriores ao escravismo e amplamente vigentes, ainda hoje,emmuitossetoreseconômicoseemmuitasregiõesdopaís.

Obviamente, a classi icação de tais relações como feudais violava oconhecimento que se tem sobre o feudalismo, parecendo antesprocedimento primário e simplista e, por isso, equivocado, meramentenominativo. Foi quase como decorrência natural que tais situações erelaçõespassaramaseraprioride inidascomocapitalistas,"caindo-senoformalismo oposto e, muitas vezes, no ardil de considerá-las formasdisfarçadas de relações capitalistas de trabalho. É claro que taispolarizações e equívocos têm muito pouco a ver com a reconstruçãohistóricadarealidadeemuitomaiscomosdilemaseimpassespolíticosdomomento, da atualidade dos autores. Por isso mesmo é que trabalhossériosesigni icativos,comoosqueforamcitados,entreoutros,acabam,dealgumaforma,marcadosportaisdilemas,semdeixar,porém,deexpressarasdificuldadesquetaisdefiniçõesenvolvem.

Defato,àmedidaqueosprópriospesquisadoresdescrevemasrelaçõesde trabalho que predominaram na substituição do escravo pelotrabalhador livre, baseadas na produção direta dos meios de vidanecessários à reprodução da força de trabalho, já se constata que taisrelaçõesnãopodemserde inidascomocapitalistas(nemotrabalhocomoassalariado) senãoatravésdemuitosequestionáveisarti ícios.Essaé,naverdade,umaquestãodemétodo.Oprocedimentoclassi icatóriodescartaa reconstituiçãodas relações, tensões edeterminaçõesque se expressamnasformasassumidaspelotrabalho.

Melhor, portanto, reconstituir a diversidade de mediações edeterminações das relações de produção que con iguraram o regime detrabalho queveio aser conhecido como regime de colonato, sob o qual,durantecercadeumséculo,até insdosanos1950, foi realizadaamaiorpartedastarefasnointeriordafazendadecafé.

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O primeiro ponto, o ponto de partida, é o de que na crise do trabalhoescravofoiengendradaamodalidadedetrabalhoqueosuperaria,istoé,otrabalho livre, sendo essa a sua única e inicial adjetivação, e não a detrabalho assalariado. É verdade que o trabalhador livre já era conhecidoamplamente na sociedade brasileira, sobretudo porque, por diferentesmeios e motivos, negros já haviam sido libertados por seus senhores. Etambémporqueocativeiroindígena,odoíndioadministrado,jáhaviasidoalcançado por diferentes supressões, desde o século xvii, a maisimportante das quais foi a determinada pelo Diretório que se DeveObservarnasPovoaçõesdosíndiosdoPará,eMaranhão,de3demaiode1757, cujosefeitos foramestendidosa todooBrasilpeloalvaráde17deagostode1758,aquelaporçãodoterritóriobrasileirodoPiauíparaosul.Atenuado,ocativeiroindígenaretornaráporCartaRégiade1798,paraoscasosdeindígenascapturadosem"guerrasjustas",oque,aparentemente,não afetava a situação jurídica dos antigos índios administrados,alcançadospelasdisposiçõesdoDiretório."

Dessaslibertaçõessememancipaçãoproveioumaextensapopulaçãodeíndios libertos e aculturados e de mestiços de índia e branco, de inidosdesde logocomobastardos,quevieramaserconhecidoscomocaboclosecaipiras, geralmente agregados de grandes fazendeiros.15 Até o séculoxvrrr tinham uma língua própria, o nheengatu, e, a partir da proibiçãodessa língua, nomesmo século, passaram a falar português com sotaquenheengatu, o chamado dialeto caipira. Embora a sua relação com asfazendassebaseassesobretudonopagamentoderendaemtrabalho,nelase combinava, também, o pagamento de renda em espécie e,eventualmente, o assalariamento temporário. Um conjunto delexibilizaçõesnãosónoplanolaboral,mastambémnoplanoculturalenaorganizaçãopatriarcaldafamíliaquerepresentouprofunda,préviaelentaamenização da transição da escravidão negra para o trabalhopropriamente livre. O que a escravidão do africano incorporou emmuitomenorescala, como foiocasododireitoacultivopróprionosdomingosedias santos, cujos modestos rendimentos permitiam ao escravo fazerdespesas ou formar pecúlio. O escravismo colonial combinou-se com aexacerbação,sobretudoapartirdoséculoxviii,daherançaestamentalquejá diferençava os brancos, tanto em Portugal quanto no Brasil. Umadiferenciaçãosocialditadapelonascimentoenãopelacondiçãoeconômica,

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diversa da condição de escravo ditada pela dimensão jurídica depropriedadeecoisa,objetodecompraevenda,própriadocativo.

Tal precedência, porém, não deve ser confundida com o trabalho livreproduzido diretamente na crise da escravidão negra. Sua presençaquantitativanasociedadeescravista,presençacomplementareintegrativa,não foi fator da desagregação dela. Na verdade, esse trabalhador livredesagregou-setambémquandoomundodocativeiroseesboroou,porquea sua liberdade era essencialmente fundamentada na escravidão deoutros,nosistemaescravista.

O trabalho livre gerado pela crise da escravidão negra diferiaqualitativamentedotrabalholivredoagregado,poiserade inidoporumanova relação entre o fazendeiro e o trabalhador. O trabalhador livre queveiosubstituiroescravodelenãodiferiaporestardivorciadodosmeiosdeprodução,característicacomumaambos.Masdiferianamedidaemqueotrabalho livre se baseava na separação do trabalhador de sua força detrabalho,quenoescravoseconfundiam,enelasefundavasuasujeiçãoaocapitalpersoni icadonoproprietáriodaterra.Entretanto,senessepontootrabalhador livre se distinguia do trabalhador escravo, num outro asituaçãodeambosera igual.Re iro-meaqueamodi icaçãoocorreraparapreservar a economia fundada na exportação de mercadorias tropicais,como o café, para os mercados metropolitanos, e baseada na grandepropriedadefundiária.'6

A contradiçãoquepermeiaa emergênciado trabalho livre se expressana transformaçãodas relações de produção comomeio para preservar aeconomia colonial de exportação, isto é, para preservar o padrão derealização do capitalismo no Brasil, que se de inia pela subordinação daproduçãoaocomércio.Tratava-sedemudarparamanter.

Convém,apropósito, terpresentesas insistentesreferênciasdeMarxàpersoni icação do capital na pessoa do capitalista,'? suscitando um temaque, mais tarde, seria retomado por Weber na análise do espírito docapitalismo? O problema da personi icação do capital não deve serdescartado, muito pelo contrário, sua consideração é indispensável paraentendermosas formasmediadorasdareproduçãodocapital.Entretanto,

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seessasformassãoopontodepartida,nãopodemseraomesmotempoopontodechegadadaanálise,dadoquese,deumlado, temosaexpressãodas relações sociais, de outro precisamos ter as relações explicadas,reconstituídas no seu movimento dialético. Por outro lado, a função daforma é a de revestir de coerência aquilo que é contraditório e tenso. É,porisso,negaçãomediadoradasrelaçõesqueexpressa.

A personi icação do capital pelo capitalista acoberta as relações queengendraramessemesmocapital,revestindodeumalinearidadeutópicaadescontinuidade tensa em que se dá a exploração do trabalho. Ora, ocapital comercial também se personi ica no capitalista, que assume a suaracionalidade na busca incessante do lucro. Nessa condição é que ofazendeiro de café entrava na teia de relações produzidas por suamercadoria tropical, como negociante. É signi icativo, como veremosmaisadiante,queasuacontabilidadefossetodaorganizadacombasenoslivrosdecontas-correntes.Di icilmentesepodeencontrarumacontabilidadedecustos nas fazendas dessa época. Isso basicamente indica que aracionalidadedocapitalpersoni icadapelofazendeiroesgotava-senonívelda circulação das mercadorias. Inferir, simplesmente, as relações deprodução ou quali icá-las com base no capital personi icado pelofazendeiro é um procedimento que necessariamente acoberta a realnatureza do trabalho nas fazendas, levando quase inadvertidamente àde inição das suas relações de produção como capitalistas. Tal fatoconstitui a projeção do capital personi icado sobre as relações de que talcapital resulta. O importante, porém, é descobrir que forma de capital ofazendeiropersonificava.

As relações sociaisqueengendravamo fazendeiro-capitalistanãoeramestritamenteasrelaçõesdeproduçãonointeriordafazenda,mas,tambémesigni icativamente,asrelaçõesdetrocaqueelemantinhaforadafazendacomoscomissáriosdecafée,mais tarde, jáno inaldoséculoxix, comosexportadores.'9 É por essa razão que a transformação das relações detrabalho na cafeicultura originou-se na esfera da circulação, na crise docomérciodeescravos,queproduziuseusefeitosmaisdrásticosnoBrasilapartir de 1850, quando o trá ico negreiro foi de initivamente proibido. Ahegemonia do comércio na determinação das relações de produção naeconomiade tipocolonial,nessecasoparticular,deveserressaltada.Essa

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economianãosede iniaapenaspeloprimadodacirculação,mas tambémpelofatodequeoprópriotrabalhadorescravoentravanoprocessocomomercadoria.20 Portanto, antes de ser o produtor direto, ele tem que serobjetodecomércio.Porisso,temqueproduzirlucrojáantesdecomeçaraproduzir mercadoria e não apenas depois, quando começa a trabalhar.Pode-se, pois, dizer que, na economia colonial, o processo de constituiçãoda força de trabalho é regulado, antes de mais nada, pelas regras decomércio.Por issomesmo,a transformaçãodasrelaçõesdeproduçãotemmenos a ver, num primeiro momento, com modi icações no processo detrabalhodafazendadecaféemaisavercommodi icaçõesnadinâmicadeabastecimentodaforçadetrabalhodequeocafénecessitava.

Essas modi icações, porém, alteraram a qualidade das relações dofazendeiro com o trabalhador, alteraram as relações de produção. Noregime de trabalho escravo, a jornada de trabalho e o esforço ísico dotrabalhadoreramcruaediretamente reguladospelo lucrodo fazendeiro.Acondiçãocativajáde iniaamodalidadedecoerçãoqueosenhorexerciasobreoescravonaextraçãodoseu trabalho.Omesmonãoocorriacomotrabalhadorlivreque,sendojuridicamenteigualaseupatrão,dependiadeoutrosmecanismosde coerçãopara ceder a outrema sua capacidadedetrabalho.

Através do cativeiro, o capital organizava e de inia o processo detrabalho,masnãoinstauravaummodocapitalistadecoagirotrabalhadora ceder a sua força de trabalho em termos de uma troca aparentementeigual de salário por trabalho. Já que a sujeição da produção ao comércioimpunha a extração do lucro antes que o trabalhador começasse aproduzir, representando, pois, um adiantamento de capital ao tra icante,ele não entrava no processo de trabalho como vendedor da mercadoriaforça de trabalho, e sim diretamente comomercadoria;mas não entravatambém como capital, no sentido estrito, como meio econômico paramovimentar a produção, e sim como equivalente de capital, como rendacapitalizada,comotributoao fornecedordemãodeobra.Aexploraçãodaforçade trabalhosedeterminava,pois,pela taxade jurosnomercadodedinheiro, pelo emprego alternativo do capital nele investidoantecipadamente,istoé,ocálculocapitalistadaproduçãoeramediadoporfatoreserelaçõesestranhosàprodução.

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Nesse sentido, as relações de produção entre o senhor e o escravoproduziam, de um lado, um capitalista muito especí ico, para quem asujeição do trabalho ao capital não estava principalmente baseada nomonopóliodosmeiosdeprodução,masnomonopóliodoprópriotrabalho,trans igurado em renda capitalizada. Como acontece quando o capital éimobilizado improdutivamente na compra da terra ou no pagamento dealuguelporelaparaqueela se tornedisponívelparaaprodução,mesmoquesejaproduçãoorientadapelocapital.Arendaé,nessecaso,umtributoao proprietário de terra para remunerar de modo não capitalista o seumonopólio territorial.Deoutro lado, essas relações, sendodesiguais -nãosendo fator, mas condição do capital -, produziam um trabalhadorigualmente especí ico, sua gênese não era mediada por uma relação detrocadeequivalentes(nãoeramediadapelofazendeiro-comerciante),massim pela desigualdade que derivava diretamente da sua condiçãotributária de renda capitalizada, de uma sujeição previamente produzidapelo comércio (era mediada, pois, pelo fazendeiro-rentista, extensão dalógica econômica do tra icante de escravos). A escravidão de inia-se,portanto, como uma modalidade de exploração da força de trabalhobaseada direta e previamente na sujeição do trabalho, através dotrabalhador-mercadoria,aocapitalcomercial.

Tal como acontece com a terra, o trabalho não é produto do própriotrabalho,nenhumdosdoiséprodutodotrabalho,nãotemvalor,emboraaterrapossaterpreçoeaprópriapessoadotrabalhadorpossaterpreçonoregime escravista ou, ainda, a sua força de trabalho possa ter preço noregimedetrabalhoassalariado.Nesteúltimo,opreçodaforçadetrabalhodooperárioémedidopelotempodetrabalhonecessárioàsuareproduçãocomo trabalhador, isto é, o tempo representado pelo valor criado queretorna ao trabalhador sob a forma de meios de vida. Já sob o trabalhoescravo, além do tempo de trabalho necessário à reprodução dotrabalhador, é preciso antecipar uma parte de seu trabalho excedentepara pagar ao tra icante o seu uso, a sua incorporação à produção, suaexploração como produtor de valor. Mas, domesmomodo que na rendaterritorial capitalizada, o proprietário espera extrair de seu escravo umrendimentoeconômicoqueémedidopelolucromédio,quedeveaomenosequivaler ao rendimentoque seudinheiro lhedaria se fosse aplicadoemoutronegócio.Aexploraçãodoescravonoprocessoprodutivojáestá,pois,

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precedida de parâmetros e relações comerciais que a determinam. Essaexploração não abrange apenas o lucro médio de referência de umcapitalistapuro,mastambémaconversãodecapitalemrendacapitalizada,a parcela do excedente que o escravo pode produzir e que éantecipadamente paga ao mercador de escravos, o fundamento nãocapitalista da reprodução do capital. A coerção do cativeiro encarrega-sede transferir para o próprio escravo o ônus desse trabalho, fazendo dofazendeiroumcomerciante residualdaescravidão.Dessemodo,o regimeescravista apoia-se na transferência compulsória de trabalho excedente,sobaformadecapitalcomercial,doprocessodeproduçãoparaoprocessode circulação, instituindo a sujeiçãodaprodução ao comércio. Entretanto,como o lucro do fazendeiro é regulado pelo lucro médio, seu cativo nãorepresentauma formapré-capitalistaderenda - trata-seefetivamentederenda capitalizada, de uma forma capitalista de renda, renda que sereveste da forma de lucro. Exatamente por isso é que o fazendeiro nãopode ser de inido como um rentista de tipo feudal, um arrecadador econsumidorderendas.

Para ser lançado nas relações sociais da sociedade escravista, otrabalhador era despojado de toda e qualquer propriedade, aí incluída apropriedade de sua própria força de trabalho, que era a deu própriocorpo. Diversamente do que se dá quando a produção é diretamenteorganizada pelo capital (e não pela mediação da renda), em que otrabalhador preserva a única propriedade que pode ter, que é a da suaforçadetrabalho,condiçãoparaentrarnomercadocomovendedordessamercadoria, esse despojamento é a pré-condição para que o trabalhadorapareça, na produção, como escravo. Por isso, o im da escravidão e oadvento do trabalho livre, que ganhou substância na imigração, não foiprocesso igual para o escravo e para quem não fora escravo, para oimigranteeuropeu.Comele,oprimeiroganhouapropriedadedasuaforçade trabalho; enquanto o segundo, expulso da terra ou dela desprovido,liberado da propriedade, tornou-se livre, isto é, despojado de todapropriedadequenãofosseadasuaforçadetrabalho.Paraum,aforçadetrabalho era o que ganhara com a libertação; para outro, era o que lherestara.

Para o escravo, a liberdade não era o resultado imediato do seu

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trabalho,istoé,trabalhofeitoporele,masquenãoeraseu.Aliberdadeerao contrário do trabalho, era a negação do trabalho;21 ele passava a serlivrepararecusaraoutremaforçadetrabalhoqueagoraerasua.Paraohomem livre, quando e porque despojado dos meios de produção, aocontrário, o seu trabalho era condição da liberdade. Era no trabalholivrementevendidonomercadoqueotrabalhadorrecriavaerecobravaaliberdade de vender novamente a sua força de trabalho. É claro que seestá falandoaqui, tantonumcasocomonooutro,deuma liberdademuitoespecí ica: a liberdade de vender a força de trabalho. A libertação doescravonãoolibertavadopassadodeescravo;essepassadoseráumadasdeterminaçõesdasuanovacondiçãodehomemlivre.22Domesmomodo,o homem livre que foi proprietário ou coproprietário das suas condiçõesde trabalho, ao ser despojado dessas condições não se libertava da sualiberdade anterior, a liberdade de se realizar no trabalho independente,ainda que sob o preço de um tributo em trabalho, em espécie ou emdinheiro.

As mudanças ocorridas com a abolição da escravatura nãorepresentaram, pois, mera transformação na condição jurídica dotrabalhador;elasimplicaramatransformaçãodoprópriotrabalhador.Semisso não seria possível passar da coerção predominantemente ísica dotrabalhador para a sua coerção predominantemente ideológica e moral.Enquantootrabalhoescravosebaseavanavontadedosenhor,otrabalholivre teria que se basear na vontade do trabalhador, na aceitação dalegitimidade da exploração do trabalho pelo capital, pois, se o primeiroassumiapreviamenteaformadecapitalederendacapitalizada,osegundoassumiriaa formade forçade trabalhoestranhaecontrapostaaocapital.Por essas razões, a questão abolicionista foi conduzida em termos dasubstituiçãodo trabalhadorescravopelo trabalhador livre, istoé,nocasodas fazendas paulistas, em termos da substituição ísica do negro peloimigrante. Mais do que a emancipação do negro cativo para reintegrá-locomo homem livre na economia de exportação, a abolição o descartou eminimizou, reintegrando-o residual e marginalmente na nova economiacapitalistaqueresultoudo imdaescravidão.Oresultadonãofoiapenasatransformação do trabalho,mas também a substituição do trabalhador, atrocadeumtrabalhadorporoutro.Ocapitalseemancipou,enãoohomem.

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Asnovas relaçõesdeprodução, baseadasno trabalho livre, dependiamdenovosmecanismosde coerção, demodoque a exploraçãoda força detrabalhofosseconsideradalegítima,nãomaisapenaspelofazendeiro,mastambémpelotrabalhadorqueaelasesubmetia.Nessasrelaçõesnãohavialugar para o trabalhador que considerasse a liberdade como negação dotrabalho, mas apenas para o trabalhador que considerasse o trabalhocomoumavirtudedaliberdade.

Uma sociedade cujas relações fundamentais foram sempre relaçõesentre senhore escravonão tinha condiçõesdepromovero aparecimentodessetipodetrabalhador.Serianecessáriobuscá-loemoutrolugar,ondeacondiçãodehomemlivretivesseoutrosentido.Énessascondiçõesquetemlugar a vinculação entre a transformação das relações de trabalho nacafeicultura e a imigração de trabalhadores estrangeiros que ocorreusobretudoentre1886e1914.

Nesse sentido, o que me proponho a fazer neste capítulo é analisar oprocessodeconstituiçãoda forçade trabalhoedasrelaçõesdeproduçãoquesede iniucomacrisedoescravismono inaldoséculoxix.Essacrisedeu lugaraumregimede trabalhosingular,23que icouconhecidocomoregimedecolonato,comomencionei,queabrangeuaculturadecafé,masquetambémalcançouadecana-de-açúcaremSãoPaulo.Elenãopodeserde inido como um regime de trabalho assalariado, já que o salário emdinheiro é, no processo capitalista de produção, a única forma deremuneração da força de trabalho.24 Isso porque o colonato secaracterizou, como se verá em detalhemais adiante, pela combinação detrês elementos: umpagamento ixo emdinheiropelo tratodo cafezal, umpagamento proporcional em dinheiro pela quantidade de café colhido eprodução direta de alimentos, como meios de vida e como excedentescomercializáveis pelo próprio trabalhador, portanto, um componentecamponêspré-capitalistanarelaçãolaboral.Alémdoqueocolononãoeraum trabalhador individual,masum trabalhador familiar,modo camponêsdetrabalhar,estranhoaomundodoassalariamentoeaosrequisitosdesuaefetivação.É,porém,aproduçãodiretadosmeiosdevida,combasenessetrabalho familiar, que impossibilita de inir essas relações como relaçõespropriamente capitalistasdeprodução.Apréviamercantilizaçãode todosos fatoresenvolvidosnessasrelações,medianteaqualosalárionãopode

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ser um salário aritmético, isto é, disfarçado, mas deve ser salário emdinheiro para que os meios de vida necessários à produção da força detrabalho sejam adquiridos e regulados socialmente pela mediação domercado, é condição para que as relações de produção se determinemcomo relações capitalistas de produção. Tal condição, porém, não se dáneste caso. O salário aritmético é um salário que entra nos cálculos e nacabeça do capitalista, mas que não entra no bolso do trabalhador, nãoproduzumarelaçãosocial.

Minha hipótese é a de que o capitalismo, na sua expansão, não sórede ine antigas relações, subordinando-as à reprodução do capital, mastambém engendra relações não capitalistas, igual e contraditoriamentenecessárias a essa reprodução.Marx já havia demonstrado que o capitalpreserva, rede inindo e subordinando, relações pré-capitalistas.Provavelmente,o casomais signi icativoéoda renda capitalistada terra,comojámencionei.Sendoaterraumfatornatural,semvalorporquenãoéoresultadodotrabalhohumano,teoricamentenãodeveriaterpreço.Mas,antes do advento do capitalismo, nos países europeus, o uso da terraestava sujeito a um tributo, ao pagamento de renda em trabalho, emespécie ou em dinheiro. Essas eram formas précapitalistas de rendadecorrentes unicamente do fato de que algumas pessoas tinham omonopólio da terra, cuja utilização icava, pois, sujeita a um tributo. Oadventodocapitalismonãofezcessaressairracionalidade.Aocontrário,apropriedade fundiária, ainda que sob diferentes códigos, foi incorporadapelocapitalismo,contradiçãoessaqueseexpressanarendacapitalistadaterra.Talrendanadamaistemavercomopassadopré-capitalista,nãoémais um tributo individual e pessoal do servo ao senhor; agora é umpagamentoquetodaasociedadefazpelofatodequeumaclassepreservao monopólio da terra.21 A nova forma que ela assume écaracteristicamentecapitalista,éopostaaotributohistoricamenteanterior:nemosburgueses,nemosproletáriosdeduzemetransferemdiretamenteumapartedeseuslucrosoudeseussaláriosaosproprietários.Entretanto,acomposiçãoorgânicadiferencialdocapitalentreagriculturae indústria,entreosetoratrasadoeosetormoderno,entreoquesebaseiaemmaiorproporçãodesalárioemrelaçãoaocapitaldoquedecapitalemrelaçãoasalário,encarrega-sede fazeraparecernasmãosdoproprietárioarendaabsoluta que aparentemente não é extraída de ninguém. O lucro médio

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encarrega-se de equalizar o valor criado em setores da economia queproduzem desiguais quantidades de valor, viabilizando a conversão departedessatransferênciaemrendaterritorial.26

Aproduçãocapitalistaderelaçõesnãocapitalistasdeproduçãoexpressanãoapenasumaformadereproduçãoampliadadocapital,mastambémareprodução ampliada das contradições do capitalismo - o movimentocontraditório não só de subordinação de relações pré-capitalistas aocapital, mas também de criação de relações antagônicas e subordinadasnãocapitalistas.Nessecaso,ocapitalismocriaaumsótempoascondiçõesde sua expansão, pela incorporação de áreas e populações às relaçõescomerciais e os empecilhos à sua expansão, pela não mercantilização detodos os fatores envolvidos, ausente o trabalho caracteristicamenteassalariado.Umcomplementodahipóteseéquetalproduçãocapitalistaderelaçõesnãocapitalistassedáondeeenquantoavanguardadaexpansãocapitalista está no comércio. Em suma, onde o capitalismo não se realizaplenamente, comono casodo colonato,disseminaadinâmica capitalista eaté uma híbrida mentalidade capitalista que fazem com que a economiafuncione como economia capitalista, mesmo não o sendo plenamente, asociedade ainda organizada com base em relações sociais e valores deorientaçãopré-modernos.Énosmarcosdessalógicahíbridaquenasce,namesmaépocadonascimentodo colonatono café, apeonagemeo regimedo barracão na economia da borracha, na Amazônia. Uma forma deservidão que persiste no Brasil e representa a incorporação demecanismos de acumulação primitiva na formação e disseminação dagrandeeatémodernaempresaagrícola,extrativaepecuária.Emambososcasos, o próprio empresário criou inventivamente ajustamentoseconômicos que lhe permitiam ganhar como capitalista e pagar comosenhordeescravos,emboralivredarendacapitalizadarepresentadapelaimobilização de capital no verdadeiro escravo, uma tênue mudança emrelaçãoaoregimedeescravidão.27

A primeira etapa da expansão do capitalismo é a produção demercadorias,enãonecessariamenteaproduçãoderelaçõesdeproduçãocapitalistas. O processo que institui e de ine a formação econômico-socialcapitalista é constituído de diferentes e contraditórios momentosarticulados entre si: num deles temos a produção da mercadoria e a

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produção da mais-valia organizados de um modo caracteristicamentecapitalista, dominado pela mais-valia relativa; num outro temos acirculação da mercadoria, subordinada à produção; num outro temos aproduçãosubordinadaàcirculação.Masessesmomentosestãoarticuladosentre si num único processo, embora possam estar disseminados porespaçosdiferentes.Estou,portanto, trabalhandocomapremissadequeamercadoriadáumcarátermundialaocapitalismo.Aomesmotempo,omeuintuitoéodeiralémdeprocedimentosmecanicistasquetransplantamdoplano teórico para o plano empírico da realidade histórica as etapas datransformação social.Marx assinalou, emmaisdeumaocasião, a questãodo ritmo das transformações históricas com o advento do capitalismo,indicando que as relações capitalistas de produção, uma vez instauradas,se disseminam pouco a pouco, de forma até imperceptível, como senenhuma transformaçãoestivesseocorrendo?Oproblemadoritmoedasformas de disseminação do capitalismo é a referência mais fundamentaldestetrabalho.

NoBrasil,oestabelecimentodasnovasrelaçõesdeproduçãocombinou-secomaimigraçãodetrabalhadoreseuropeus,comorecursonãosóparaconstituir a força de trabalho necessária à cultura do café, mas tambémcomo recurso para pôr no lugar do trabalhador cativo um trabalhadorlivre cuja herança não fosse a escravidão. Mais de 1 milhão e 600 milimigrantes vieram para o país num período de pouco mais de 30 anos,entre1881e1913, amaioriadosquaispara trabalhar comocolonosnasfazendas de café. Devido, justamente, à modalidade das relações deprodução aí vigentes, no chamado colonato, a imigração constituiu umrequisito de importação constante emaciça de trabalhadores em gruposfamiliares. O colonato, diversamente das relações de produçãocaracteristicamente capitalistas, que criam a superpopulação relativa naindústria,oexcessodeprocuradeempregoem facedaoferta, criouumasubpopulação relativa no campo, que tornou a imigração subvencionadapeloEstadoumdosseusingredientesbásicos.

Ametamorfose da renda capitalizada e as formasde sujeição dotrabalhonagrandelavoura

Arendacapitalizadafoiaprincipalformadocapitaldafazendacafeeira,

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tanto sob o regimedo trabalho escravo quanto sob o regimedo trabalholivre. Por issopodia, a um só tempo, fazer do fazendeiro umempresário-capitalista e da fazendaumempreendimentobaseadoprincipalmente emrelaçõesnãocapitalistasdeprodução.Parece-mequeosprincipaisautoresquesededicaramaoestudodaeconomiadocafé,natentativadede inirocaráter capitalistadaprodução cafeeira, não lograram,de fato, decifrar acontradição entre as bases capitalistas da atuação do fazendeiro e asrelações não capitalistas da produção do café por não terem incluído emsuasanálisesaproblemáticadarendacapitalizada,istoé,dametamorfosedocapitalnoseuopostoaindaquemantendoaaparênciadecapital.

Apalavra"fazenda', tomadanoseusentidocoevo,enãonosentidoquetemhoje,teriaajudadoachegaraesteponto.Defato,"fazenda'signi icavao conjunto dos bens, do que foi feito, a riqueza acumulada; signi icavasobretudoosbensproduzidospelotrabalhoeotrabalhopersoni icadonoescravo.Estava,pois,muitopróximadanoçãodecapitalemuito longedadepropriedadefundiária,queéosentidoquetemhoje.

Um fazendeiro luminense no século xix, grande cafeicultor, ao dar umbalanço nos seus bens falava no "estado da nossa fazenda", incluindo noinventário objetos que ninguém hoje em dia associaria à concepção defazenda.Umcomissáriodecafédiziaemcartade1864aumseuclientenoVale do Paraíba: "zelo sempre commuita solicitude na fazenda demeusamigos e comitentes".29 Referia-se, pois, aos bens do fazendeirodepositadosemsuasmãos-alémdedinheiro,caféeoutrasmercadorias-o que hoje se chamade capital de terceiros. Fazendeiro signi icava, aliás,desde o século xuri, pelo menos, o homem que administra a riqueza,mesmo não sendo o proprietário dela. "Padre-fazendeiro" é a designaçãoque frequentemente se encontra nos documentos setecentistas doMosteirodeSãoBento,deSãoPaulo,paraosmongesqueadministravamsuas fazendas no subúrbio, fazendo-as produzir. Era diferente do feitordosescravos,aquemincumbiaorganizarotrabalhodoscativosezelarporsua disciplina, recebendopor isso um salário,mesmoquando era ele umescravo.Somentehápoucomaisdeumséculoéqueapalavra fazendeiroperdeusuaantigaconotaçãoparasigni icarestritamenteoproprietáriodeterra, não raroo latifundiário.De certomodo, oprópriodesenvolvimentodocapitalismoentrenósdecantouaspalavrasparadar-lhessentidomais

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preciso, conforme a circunstância histórica, distinguindo o meroproprietáriodeterrasdoempresárioeinvestidorrural.

Nas diferentes análises observa-se, em geral, que as formas do capitalsão tratadas como se constituíssem uma única, uma espécie de capitalgenérico, quenaproduçãonãopodia originar senão relações capitalistas.Isso impossibilita que se estabeleça qual é o vínculo entre relações deprodução, que por suas características não podem ser classi icadas comocapitalistas, e o capital. Por outro lado, a de inição da escravatura nolatifúndio cafeeiro como simples instituição, devido à di iculdade deconceituá-lacomomododeproduçãoescravista,30podetercomoumadasimplicaçõesareduçãodoproblemadoescravoedasrelaçõesdeproduçãoà sua mera expressão jurídica, sem alcançar as bases concretas ehistóricasdotrabalhocativo.

Entendo,pois,queopontonucleardaanálisedasrelaçõesdeproduçãono café está em identi icar as transformações ocorridas com a rendacapitalizada, o capital imobilizado improdutivamente na coisa que lhe éobjeto, e o seu vínculo com as transformações do trabalho. O rentismoestava na propriedade do escravo, carecendo o fazendeiro de capitaladicionalpara fazê-loproduzir.Tenha-seemcontaquenamaiorpartedoperíododevigênciadaescravidãoousodaterranãodependiadecompra,esimdecessãodeusododomíniodoquede fatopertenciaàCoroa.Nãoexistia, propriamente, a não ser como exceção, a propriedade fundiária,que só se formalizará com a Lei de Terras de 1850. Durante a crise dotrabalho servil, o objeto da renda capitalizada passa do escravo para aterra, do predomínio num para a outra, da atividade produtiva dotrabalhador para o objeto do trabalho, a terra. Nessa mudança sutil,persiste a dimensão propriamente rentista da economia de exportação, oqueédiversodopropriamentecapitalista.Porém,libertandodorentismootrabalhoetransferindoorentismoparaapropriedadedaterra.

Navigênciadotrabalhoescravo,a terraerapraticamentedestituídadevalor. Genericamente falando, ela não tinha a equivalência de capital,alcançando às vezes um preço nominal para efeitos práticos, sobretudoquandopequenasindenizaçõeseramoferecidasaposseirosencravadosnointeriordassesmarias,parapagamentodeseusroçados,31enãodaterra,

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umavezqueaLeideTerrasreconheceuseudireitodepossedasterrasdeseu cultivo, mesmo como enclaves de terras sesmariais. Isso porque aocupaçãoda terra seguiadois caminhosdistintos: deum lado, opequenolavrador que ocupava terras presumivelmente devolutas; de outro, osenhordeescravosegrandefazendeiroque,porvialegal,obtiveracartasdesesmarias,enquantovigiaesseregimefundiário,mesmoemáreasondejáexistiamposseiros.Acartadesesmariatinhaprecedênciasobreameraposse,razãoporqueemgeralosesmeirooucompravaaroçadoocupante,ou o expulsava ou, era a regra mais geral, em tempos mais recuados, oincorporava como agregado de suas terras. Agregado ou capanga, comoouvi na região caipira de Bragança Paulista, que não queria dizerpistoleiro,esimaquelequeestásemprejuntodeoutro,poiséonomequeaindasedáemalgumasregiõesaoembornal,porquecarregadoatiracolo,bem juntoaocorpo.Quandoapresençadeposseiroseramuitogrande,adesocupaçãodaterrapodiaseronerosa,nãocompensandoacon irmaçãodasesmariaobtida.32NoperíodoanterioràLeideTerras,aaplicaçãodedinheiro na compra da terra envolvia um grande risco por falta demercadoimobiliário.Sendoasterrasdevolutasabundantes,mesmoapósaextinção do regime de sesmarias com a Independência, a sua meraocupaçãoeraexpedientesimpleseeficaz.

Em 1882, a Associação Comercial de Santos estimava que, do valor deuma fazenda de café, uns 20% poderiam corresponder à avaliação daterra.33MasohistoriadorAffonsod'E.Taunayassinalaqueasavaliaçõesinventariais imputavam ao terreno preços meramente nominais, nãorealizáveis.Quandomuito,inferioresaessaestimativa.34Maisvaliososqueaterraeramosescravos.35Issoporque"antesdoseuaparecimentoaliovalor venal da terra era nulo. Assim, a fazenda nada mais representavasenão o trabalho escravo acumulado".36 Na verdade, tinha valor o bemsujeito a comércio, coisa que com a terra ocorria apenas limitadamente.Esse fato marcará, como veremos adiante, a história do café posterior àabolição da escravatura. A fazenda consistia, pois, no conjunto dos bensessencialmenteconstituídospelosfrutosdotrabalho.

Esse trabalho era, como sabemos, trabalho compulsório. Entretanto, ocaráter compulsório do trabalho não provinha da escassez absoluta demão de obra, mas do fato de que a oferta desses trabalhadores no

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mercado era regulada pelo comércio negreiro.37 Daí decorria a um sótempoacoerção ísicaeaescassezrelativadetrabalhadores.Portanto,osmecanismos reguladores da organização econômica da fazenda nãodependiam imediatamente da oferta e procura dos bens por elaproduzidos, café ou açúcar, mas da oferta e procura de trabalhadorescativos.Aoproibiraescravidãoindígenaem1757-1758,apesardasburlasaessaproibição,aCoroa,naverdade,arrecadadoradetributosdotrá iconegreiro, con irmou e consolidou um senhorio rentista que a fez sóciamaior da escravidão negra e assegurou por longo tempo o carátermeramenteresidualdasdeterminaçõescapitalistasdosnegócioscoloniais.

Nesse sentido, o principal capital do fazendeiro estava investido napessoa do escravo, imobilizado como renda capitalizada, isto é, tributoantecipado, emrelaçãoàprodução, ao tra icantedenegros, combaseemmera probabilidade de ganho futuro sobremercadoria viva e de risco. Ofazendeiro comprava a capacidade de o escravo criar riqueza, mas paraque a criasse tinha que comprar também a pessoa perecível do cativo,coisa exatamente oposta à do trabalho assalariado, emquenão é precisocomprar o trabalhador para ter o seu trabalho. De fato, a terra semtrabalhadores nada representava e pouco valia em termos econômicos;enquanto isso, independentemente da terra, o trabalhador era um bemprecioso. Ao fazerem empréstimos aos fazendeiros, no século xix, osinancistasebancospreferiamtercomogarantiaprincipalahipotecadosescravosenãoahipotecadasfazendas.38

O escravo tinha dupla função na economia da fazenda. De um lado,sendo fonte de trabalho, era o fator privilegiado da produção. Por essemotivo era também, de outro lado, a condição para que o fazendeiroobtivesse dos capitalistas (nome reservado aos emprestadores dedinheiro), dos comissários (intermediáriosna comercializaçãodo café)oudos bancos o capital necessário, seja ao custeio seja à expansão de suasfazendas.Oescravoeraopenhordopagamentodosempréstimos.Porisso,praticamente todo o capital de custeio provinha de hipotecas lançadassobre a escravaria das fazendas.39 Tendo o fa zendeiro imobilizado naspessoas dos cativos, os seus capitais, sob forma de renda capitalizada,subordinava-se uma segunda vez ao capital comercial medianteempréstimos, para poder pôr em movimento os seus empreendimentos

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econômicos,paraqueafazendaproduzissesobacangadejuroserendas.Omesmo se dava quando abria nos sertões novas fazendas, formava oscafezais,montavaainfraestruturaeadquiriaosequipamentosdebenefíciodocafé.

Essefatotevesignificativasimplicaçõesnaeconomiacafeeira.Quandofoiproibido o trá ico negreiro, em 1850, houve uma acentuada ecompreensível elevação no preço dos escravos.40 Um levantamento depreços realizado junto à região de fazendas novas, no oeste paulista,apresentaoseguinteresultado:

Preçomédiodoescravo-1843/1887

Fonte:WarrenDean,RioClaro-ABrazilianPlantationSystem,1820-1920,Stanford,StanfordUniversityPress,1976,p.55.

Comacessaçãodotrá ico,ospreçosseelevaramaquaseodobro.Comoo preço do escravo era o fundamento das hipotecas, isso representoudesde logoumgrandeaumentonocapitaldisponívelparaos fazendeiros,renegociado pelas casas comissárias junto aos bancos. Esse capital, aliás,provinhadaprópriadesimobilizaçãoderecursosantesaplicadosnotrá iconegreiro, como observa um dosmaiores empresários da época .41 Tudoindica que essa expansão de oferta de capitais é o que explica aintensi icaçãodoavançodoscafezaisdoRiodejaneirosobreosmunicípiospaulistas limítrofesàprovíncia luminense,noValedoParaíba, jáqueumdispositivolegalcircunscreviaosempréstimoshipotecáriosàregiãodoRio

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de janeiro, de Minas Gerais, do Espírito Santo e áreas próximas. Alémdesseslimites,oscomissáriossozinhosouoscapitalistasindividuaistinhamque arcar com os riscos de adiantamentos em dinheiro aos fazendeiros.Tais recursos garantiam a importação de escravos das províncias doNordeste e do Sul, que vinham suprir a crescente demanda das áreascafeeiras.

Ao mesmo tempo, porém, os fazendeiros e os comissários sabiam docaráter conjuntural dessa situação favorável. A possibilidade decrescimentodaofertademãodeobrapormeiodo trá ico interprovincialera visivelmente limitada e a curto prazo e, por isso, desproporcional àexpansão territorial e ao crescimento da economia cafeeira. De fato, aexpansão do crédito, que aparentemente bene iciava a produção,encerravaumacontradição:aelevaçãodopreçodoescravoincrementavaa base de obtenção de empréstimos hipotecários aomesmo tempo que aexpansão dos empréstimos ao café icava na dependência de umamaiorimobilização de capital, sob a forma de renda capitalizada na pessoa docativo. Essa situação, portanto, não bene iciava o fazendeiro, mas sim otra icante agoradedicadoao trá ico entre asprovíncias, incrementandoairracionalidade econômica do tributo que a produção devia pagar-lhe epagaraocomércio.

Aduplafunçãodaescravatura,comofontedetrabalhoecomofontedecapital para o fazendeiro, suscitava, na conjuntura da expansão doscréditos e dos cafezais, o problema de como resolver a contradição quenela se encerrava. Objetivamente falando, a solução inevitável seria aaboliçãodaescravatura.Comademandacrescentedetrabalhoescravoeaconsequente elevação do preço do cativo, os fazendeiros teriam queimobilizar parcelas crescentes de seus rendimentos monetários, sob aformaderendacapitalizada,pagandoaostra icantesdenegrosumtributoque crescia desproporcionalmente mais do que a produtividade dotrabalho.

Não só os tra icantes recebiam sob forma de renda parte ponderáveldos lucrosdo café,maspelomesmomecanismodo trá ico interprovincialde escravos, os fazendeiros do Nordeste e do Sul que tinham estoquessubstituíveis da mão de obra cativa bene iciaram-se largamente do seu

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inesperado senhorio sobre os cafezais do Rio de janeiro e de São Paulo,sem dispenderem um centavo, puro rentismo. Aquelas regiões forambene iciadas por essas transferências de renda das duas províncias, aomesmotempoque,nocasodoNordeste,puderammobilizareempregarnocultivo da cana a numerosa população de moradores, os agregadosdescendentes dos índios administrados que foram libertados no séculoxviii. Não é estranho que, mais tarde, capitalistas do Nordeste e do SultenhamsetransferidocomseuscabedaisparaSãoPaulo,aplicando-osemfazendas, imóveisurbanoseaçõesdasempresasqueproliferaramapósaabolição da escravatura. Esse é um tema sobre o qual não se fala, o quedi iculta uma compreensão abrangente na dinâmica do capital, nesseperíodo,nasociedadebrasileira.

Aquele círculo vicioso atingia diretamente os elementos do cálculo delucro do fazendeiro, que se norteava menos pela avaliação direta eexplícitadecustosdoquepelacomparaçãodosseusrendimentoslíquidoscoma taxade jurosdomercadodedinheiro.42Segundoessaorientação,Delden Laèrne estimava que já em 1882, seis anos antes da abolição daescravatura,oresultadolíquidodoempreendimentocafeeirocorrespondiaauns8,5%docapital investido,quandoa taxade jurospagapelomesmofazendeirooscilavaentre10e12%aoano.43Aconsequênciadiretadessefato foia intensi icaçãoda jornadade trabalhodoescravo,aumentandoonúmerodepésdecafédequeumtrabalhadordeviacuidar.44

Entretanto, a aboliçãoda escravaturanão envolvia apenasdesonerar afazenda da renda capitalizada, o capital imobilizado nos escravos, dotributoqueelapagavaaostra icantesdenegrosparaobterasuamãodeobra. Tudo indica que tais problemas já eram previstos por ocasião deo icializaracessaçãodotrá iconegreirodaÁfricaparaoBrasil,em1850.No mesmo ano foi promulgada uma lei que estabelecia uma política deimigração de colonos estrangeiros, sobretudo europeus, que produzisseumaofertadetrabalhadoreslivresnasépocasdemaiordemandadeforçade trabalho por parte das fazendas de café, que eram as da carpa e dacolheita.Mas a ampla faixa de terrenosdevolutos nopaís, sujeitos a umaprática de prévia e simples ocupação para posterior regularização, porparte dos interessados, poderia constituir um grande entrave não só àlibertaçãodosescravoscomoàentradadetrabalhadoreslivresdeorigem

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estrangeira.45AtéàsvésperasdaIndependência, tinhavigênciaoregimede sesmarias, em que a concessão de terras devolutas, de domínio daCoroa, a particulares, baseava-se em requisitos estamentais quedificultavamalegalizaçãodaocupaçãoindiscriminadadosterrenosaquemnãofossebranco,purodeféesenhordeescravos.Comasuspensãodesseregime, em 1822, e a falta de uma legislação fundiária, os obstáculosdeixaram de existir. Somente em 1850 é que o governo legislou sobre oassunto, estipulando que a terra devoluta não poderia ser ocupada poroutrotítuloquenãofosseodecompra.

Háabundantes indicaçõesdequetaispreceitosnãoforamrespeitados.Os ocupantes de terras e os possuidores de títulos de sesmarias icaramsujeitosà legitimaçãodeseusdireitos,oque foi feitoem1854atravésdoque icou conhecido como Registro Paroquial. Tal registro validava ourevalidava a ocupação da terra até essa data. Isso não impediu osurgimento de uma verdadeira indústria de falsi icação de títulos depropriedade, sempre datados de época anterior ao registro paroquial,registrados em cartórios o iciais, geralmente mediante suborno aosescrivães e notários.46 Até as primeiras décadas do século xx, essesdocumentos estavam na raiz de grandes con litos de terra nas frentespioneiras de São Paulo. Tais procedimentos, porém, eram geralmenteinacessíveis ao antigo escravo e ao imigrante, seja por ignorância daspraxesescusas,sejaporfaltaderecursos inanceirosparacobrirdespesasjudiciais e subornar autoridades (essas despesas eram provavelmenteín imasemrelaçãoàextensãoeaovalorpotencialdasterrasgriladas,maseramtambémdesproporcionaisaosganhosdotrabalhadorsemrecursos).

A impossibilidade de ocupação legítima, sem pagamento, das terrasdevolutas, recriava as condições de sujeição do trabalho quedesapareceriamcomo imdocativeiro.Mas,não resolviaoutroproblemaquepreocupavaofazendeiroemigualextensão:umanovagarantiaparaocréditohipotecário,basedocapitaldeterceirosnecessárioàmanutençãoeexpansãodeseusnegócios.

Formalmente, a legislação territorial acentuava as garantias denegociabilidade das terras. Mas, isso não revogava a desimportância domercadoimobiliárioemfacedomercadodeescravos.Em1873,ogoverno

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estendera o crédito hipotecário a todos os municípios das províncias deSão Paulo, Paraná e Santa Catarina, tendo como suporte a fazenda,representada sobretudo pelas plantações e pelas instalações.47 Esseprocedimento é seguramente uma das causas da intensi icação daexpansão do café em direção ao oeste de São Paulo, para a região deCampinasemaisalém.Essaexpansãotemsidoatribuídaexclusivamenteàmentalidade capitalista dos fazendeiros do oeste em contraste com a deseus iguais do Vale do Paraíba, que supostamente não possuíam talatributo,sendoosdooestemaisempresárioscapitalistaseosdoValemaissenhoresdeescravos.

Ébemverdadequenoqueeraentãoaextensaregiãocampineira,desdeo século xviii, havia surgido uma elite de plantadores de cana-de-açúcar,senhores de engenho, na qual tiveram origem as primeiras grandesfortunasdeSãoPaulo.Épocaemqueaescravidãodenegrosafricanossedisseminou na nova região canavieira da capitania como mão de obracaracterística,bemdiversadadosescravosindígenas,oschamadosíndiosadministrados, libertados por essa época, e da população de agregadoscaipiras, os chamados bastardos de índia e branco, sujeitos à servidãodisfarçadadosoriundosdocativeiroindígena.Portanto,períodoemqueadifusãoda escravidãonegra representouum saltohistórico emdireção auma economia de exportação mais próxima do padrão capitalista,sobretudo porque por meio dela foi possível adotar uma disciplina dotrabalhonaproduçãoagrícolaquenãoforapossívelnaoutraescravidão.Ésigni icativo que um modelar empresário capitalista dessa época, cujaeconomia se situava em parte nessa região, Antônio da Silva Prado, ofuturoBarãodeIguape,viesseaterumnetodomesmonomequefoi,porsuavez,ummodelarempresáriocapitalistadoséculoxixeiníciodoséculoxx, um dos grandes responsáveis pelo im da escravidão negra e pelapolítica de imigração subvencionada que viabilizaria o nosso capitalismoagrário pós-escravista, justamente o do regime de colonato. O mesmoBarão de Iguape preferia investir seus capitais no comércio e não naagricultura, procurando incrementar mais rapidamente seus lucros nossetoresintermediáriosentreaproduçãoeaexportação.48

A substituição da cana pelo café demandava capital.49 Tanto osfazendeirosde cana-de-açúcardooestequantoos fazendeirosde cafédo

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Vale do Paraíba dependiam do trabalho escravo e estavam, portanto,basicamente sujeitos à mesma forma limitante de capital, a rendacapitalizadanocativo.Personi icavam,tantonumlugarquantonooutro,orentistaeocomerciante.NãosónooestemastambémnoValeerapossívelencontrarcapitalistasativos,cujamentalidadeecujaorientaçãoeconômicademodoalgumsebaseavanumavinculaçãoemocionaleafetivaàterra.50Por outro lado, tanto no oeste quanto no Vale era possível encontrar namesma época escravistas empedernidos, que não viam outro modo deorganizar a produção de cana-de-açúcar ou de café senão com base notrabalhoescravoeque,porisso,temiamotrabalholivre.

Aextensãodo créditohipotecárioa todoo territóriopaulista, combaseagoranos imóveis, abria assimapossibilidadede substituiçãodoescravonão só como trabalhadormas também fonte de capital de custeio. Aindaque a terra nua continuasse sendo considerada pouco relevante nagarantia hipotecária dos empréstimos em relação ao que era o capitalpropriamenteditodafazendadecafé,comooscafezais,asinstalaçõeseasmáquinas. Entretanto, quando as primeiras hipotecas foram executadas,surgiram também as primeiras di iculdades com essa inovação. Oscomissários, os bancos, os comerciantes não estavam interessados em setornar fazendeiros. Alguns alegavam até que nem mesmo sabiam comolidar com uma fazenda de café.51 Os próprios comissários haviamtrabalhadopela criaçãoda carteira hipotecária doBancodoBrasil,mododeselivraremdasarriscadasfunçõesbancáriasquemantinhamcomseusclientes. Mas a legislação estabelecera "a adjudicação forçada do imóvelpenhorado e executado ao credor, na última praça de liquidação e naausênciadelicitantes".52Ora,talsoluçãonãointeressavaaoscredoresdosfazendeiros insolventes, dado que o que tinha curso no comércio econstituía o objetivo de todo o aparato era o café, a mercadoria emcondiçõesdesercomercializada,quasecomodinheiro.Obtiveramcomisso,em 1885, modi icações nas leis, de modo que, no lugar da hipoteca doimóvel, lhes fosse garantida a penhora do fruto pendente e do frutocolhido.53 Essas alterações nas condições de inanciamento da produçãode café eram necessárias igualmente porque, como se vê no quadroanterior,depoisdaacentuadaaltadecorrentedo imdotrá ico,aquedanopreço dos escravos, ante o im previsível e iminente do regime servil,diminuíaacapacidadedosfazendeirosdelevantaremcapitaisjuntoaseus

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credores em proporção ao volume de seus negócios. Basicamente, asrelaçõescomerciaistendiamadesorganizaraprodução.

Tais modi icações expressavam outras, relativamente ao valor dapropriedadeeàsuarealizaçãonomercado imobiliário,de inidasapartir,até,desofisticadasformulaçõesteóricas.Naprópriadécadadaaboliçãodaescravatura, já estava claro que o trabalho criava valor e que esse valornãoseconfundiacomapessoadoescravo,maseraoquesematerializavanas coisas produzidas pelo trabalho, fosse ele escravo ou livre.54Surgiram,por isso,nodebatepolíticodaépoca,duas tendênciasquantoàformadesubstituiro trabalhoescravopelo trabalho livre.Todosestavamdeacordoqueeraprecisocriarum luxosubstitutivodeforçadetrabalhoe que, portanto, o Brasil precisava aumentar a sua população.Mas, paraalguns, a questão importante era a de criar condições para que apropriedade fundiária substituísse o escravo como garantia do créditohipotecárioparacapitaldecusteio.Issopoderiaocorrerse,alémdacriaçãodevalorpela incorporaçãode trabalhoà terra, surgissemcondiçõesparapermitir a realização desse valor. Tal concepção implicava advogar afragmentaçãodapropriedadeeacriaçãodeumaagriculturadepequenosproprietários, com colonos imigrados da Europa. O incremento dademanda de terra por parte desses colonos provocaria arti iciosamenteumaelevaçãonopreçodas terras, demodo a aproximar valor e preço, aevitarqueo frágilmercado fundiário reduzisseopreçoda terraamenosdoque valia e deprimisse, portanto, a capacidadedo fazendeirode obteros créditos necessários à produção do café. Desse modo, os bancos ecomissários teriamnovamenteumacontrapartidavalorizadaparaosseuscapitais,talcomoocorreracomoescravoantesqueseupreçocomeçasseadeteriorar rapidamente em virtude da perspectiva de um im iminenteparaocativeiro.55

Reagiram os grandes fazendeiros, sem descartar a possibilidade de osimigrantessetornaremproprietáriosdepequenasglebas.Entendiamqueoacessodiretoàpropriedadenãodeveriaconsumar-secomapretendidafacilidade, pois houve no Parlamento quem advogasse até pela entregagratuita,puraesimples,dasterrasaospossíveiscolonos.s6Afórmulaquepropunhamequeacabaramimplantandoeraadequeoimigrantedeveriaconquistar a propriedade da terra pelo trabalho, presumivelmente

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trabalho na grande lavoura.Nesse caso, o trabalho prévio na fazenda decafé entrava como condição para que o trabalhador obtivesse os meiosparasetornarproprietáriodeterra.

Combinavam-sedenovo,soboutrascondiçõeshistóricase,portanto,deoutra forma, aparentemente invertidos, os elementos de sustentação daeconomia de tipo colonial. A renda, até então capitalizada no escravo,tornava-serendaterritorialcapitalizada.Senoregimesesmarial,odaterralivre,otrabalhotiveraquesercativo;numregimedetrabalholivreaterratinha que ser cativa. No Brasil, a renda territorial capitalizada não éessencialmente uma trans igurada herança feudal. Ela é engendrada nobojoda crise do trabalho escravo, comomeiopara garantir a sujeiçãodotrabalho ao capital, como substituto da expropriação territorial docamponês, que, no advento do capitalismo, criou amassa de deserdadosapta a entrar no mercado de trabalho da nova sociedade. Aqui, apropriedadeteveafunçãodeforçaracriaçãodaofertadetrabalholivreebarato para a grande lavoura. Foi aqui omeio substituto da acumulaçãoprimitiva na produção da força de trabalho, com a mesma função: aexpansãodocapitalismosóseriapossívelcomosurgimentodeumamassade trabalhadores livres porque livres dos meios de produção paratrabalharporcontaprópria,sujeitos,portanto,ànecessidadedetrabalharparaocapitalparasobreviver.

A renda territorial surge da metamorfose da renda capitalizada napessoa do escravo; surge, portanto, como forma de capital tributário docomércio e não do tra icante, como aquisição do direito de exploração daforça de trabalho, em oposição ao direito de propriedade sobre a pessoado trabalhador.Apropriedadedoescravose trans iguraempropriedadeda terra como meio para extorquir trabalho do trabalhador e não paradele extorquir renda em trabalho e produto. A renda territorialcapitalizadanãoseconstituicomoinstrumentodeócio,masinstrumentodenegócio. Engendra, portanto, um capitalista que personi ica o capitalprodutivo subjugado pelo comércio, a produção cativa da circulação. Amelhor evidência estáno fatodequeoproprietáriode terraquevivedoarrendamento de suas propriedades a arrendatários capitalistas éfenômeno relativamente raro ainda hoje na sociedade brasileira, que sedifunde nos setores mais caracteristicamente empresariais da economia

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agrícola. No mais, na pessoa do fazendeiro convive a condição deproprietáriocomadecapitalista.

Claro está que esse processo não representou uma simples inversão,merasubstituiçãodarendacapitalizadanoescravopelarendacapitalizadana terra. Ao contrário, ocorre aí uma transformação historicamentedecisiva. O trabalho libertado do trabalhador cativo e, portanto, dacondição de renda capitalizada, deixa de ser componente do capital paracontrapor-se objetivamente ao capital. Nesse processo, ao libertar otrabalhador,ocapitalselibertouasimesmo.

A primeira e fundamental consequência dessa transformação foi a deque se alterou o polo dinâmico da fazenda de café. Quando a rendacapitalizadaerarepresentadapeloescravo,aatividadenucleardafazendaestava no trato do cafezal e na colheita do café. A formação da fazenda(derrubadadamata,limpezadoterreno,plantioeformaçãodocafezal)eraatribuídaaoshomens livresquecoexistiamcomosescravos,queeramoscaboclos e caipiras, remanescentes da escravidão indígena formalmenteextinta no século xviii. Remunerados mediante pagamentos ín imos,completadoscomapossibilidadedeutilizarematerra intersticialentreoscafeeiros jovensparaproduçãodealimentoseatémesmoade fazeremaprimeira colheita de café, entregavam depois o cafezal formado aofazendeiro.Essaformarentistaepré-capitalistadeimplantaçãodasnovasfazendas deprimia o capital variável necessário à formação do cafezal,permitindoaofazendeirorecebercomosuaumaplantaçãoquevaliamuitomais do que havia pagado por ela. Recurso semelhante foi largamenteusado depois do advento do trabalho livre, o próprio colono não raroempregadonaformaçãodafazenda.Poroutrolado,obene íciodocafé,até1870maisoumenos,aindaera feitopormaquinismostoscosdemadeira,fabricadosnaprópriafazenda,oquedeprimia,também,ocapitalconstantena fazenda empregado. Essa ênfase econômica no trato e na colheitaresponde em grande parte pela lenta expansão dos cafezais ao longo doVale do Paraíba, porque justamente o setor no período alcançado pelacrisedotrabalhoescravo.

Jáquandoocapitalanteriormenteempregadonoescravosetrans iguraemrenda territorialcapitalizada,aênfasedoempreendimentoeconômico

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do café passa a ser a formação da fazenda, pois o seu valor demercadoestará nos frutos que poderá produzir, no trabalho materializado nasplantações. O capital deixa de se con igurar no trabalhador paracon igurar-senoresultadodoseutrabalho.Ovalordafazendasecontará,pois, pelo número de cafeeiros e por sua produtividade, pela quantidadede arrobas de café que se pode obter de uma árvore em média. Aindaassim,estamosprincipalmente,masnãoexclusivamente,emfacedarendacapitalizada na terra e não apenas em face de capital constante. Muitosfazendeiros passaram a ter preferência pela abertura de fazendas emterras novas, recém-desmatadas, onde a produtividade do cafeeiro eraimensamentemaiordoqueemregiõesocupadashámaistempo,comonasesgotadas terras doVale doParaíba. 17 Fazendeiros deslocavam-separanovasregiõesembuscadeterrasmaisférteis.Ocapitalqueanteserapagoaostra icantesdeescravospassouaserpagoàscompanhiasimobiliáriaseaos grileiros que, com base em documentos falsos, depois de 1854,apossaram-se de extensas áreas devolutas ou ocupadas por posseiros,revendendo-asanovosepotenciaisfazendeiros.Aprincipalfontedelucrodo fazendeiroda frentepioneira, comoadeRibeirãoPretoedaMogiana,foi, nos anos da expansão, a renda diferencial da terra produzida pelamaior fertilidade natural das terras novas, algo que não dependia deinvestimentosdecapital.

O surto ferroviário a partir de 1866 tem como elemento explicativoessencial a renda diferencial decorrente do encurtamento das distânciasentreolugardaproduçãodocaféeoportodoembarqueparaexportação.Não é casual que, excetuada a construção da São Paulo Railway, entreSantos e Jundiaí, que era inglesa, boa parte da rede ferroviária paulistatenha sido construída e inanciada pelos próprios fazendeiros de café.Lucravam os produtores de café com a economicidade que essaaproximaçãodavaasuasfazendas.Os lucrosdascompanhiasferroviáriasprocediam sobretudo da renda diferencial que elas incrementavam,incluindo áreas inacessíveis dentro de um circuito de rentabilidade quetinhacomoreferencialoportodeSantos.

Mas, umaoutra consequência da transformação apontada antes foi umincremento de inversões no equipamento de bene ício de café, comomáquinas, secadores etc. Esses investimentospassarama ser valorizados

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na concessão de empréstimos hipotecários em substituição aosempréstimos garantidospelapropriedadede escravos.Aomesmo tempo,começou a adquirir importância econômica o pagamento em dinheiro dotrato e do café feitos por colonos. Em suma, a transformação apontadatornoupossível a conversãodeparteda renda capitalizadanapessoadoescravo em capital constante e capital variável, ou seja, em plantações,equipamentos e instalações, de um lado, remuneração de trabalho deoutro.Ésigni icativoqueamodernizaçãodoequipamentodebene íciodecafétivesseiníciomaisoumenosem1870,quaseaomesmotempoqueosempréstimos hipotecários eram liberados para osmunicípios vizinhos daprovíncia do Rio de janeiro. Pouco depois, o escravo foi substituído pelafazendacomogarantiadashipotecas.Quasesimultaneamenteteminícioaimigraçãoemmassasubvencionadapelogoverno,que liberao fazendeirode imobilizar recursos, sob forma de renda capitalizada, na pessoa docativo.Tudo issoocorreuno cursoprazode18 anos, entre1870 e1888.São indicaçõesdemudançasobjetivasnascondiçõesdeproduçãodocafé,que deram um signi icativo suporte à transformação da mentalidade dofazendeiro,demodoa liberá-ladapeiarepresentadapeloescravonasualógicaeconômica.

Atransformaçãodarendacapitalizadarecriouascondiçõesdesujeiçãodo trabalho ao capital, engendrando ao mesmo tempo um sucedâneoideológico para a coerção ísica do trabalhador, o do imaginário daascensãosocialpelotrabalho,nasuaconversãodecolonoemproprietáriodeterra.

A formaçãoda fazendadecafé: conversãodarendaemtrabalhoemcapital

A Lei de Terras, de 1850, e a legislação subsequente codi icaram osinteresses combinados de fazendeiros e comerciantes, instituindo asgarantias legais e judiciais de continuidade do padrão de exploração daforça de trabalho, mesmo que o cativeiro entrasse em colapso. Naiminência de transformações nas condições do regime escravista, quepoderiam comprometer a sujeição do trabalhador, criavam as peculiarescondiçõesquegarantissem,aomenos,asujeiçãodotrabalhonaproduçãodocafé.58Importavamenosagarantiadeummonopóliodeclassesobrea

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terradoqueagarantiadeumaofertacompulsóriadeforçadetrabalhoàgrande lavoura. De fato, porém, independentemente das intençõesenvolvidas,acriaçãodeuminstrumentallegalejurídicoparaefetivaressemonopólio,pondoopesodoEstadodo ladodos interesseseconômicosdogrande fazendeiro, di icultava o acesso à terra aos trabalhadores semrecursos. Criava arti icialmente a superpopulação relativa de que o cafénecessitavanarealescassezrelativademãodeobra.

A extensão e a abundância de terras devolutas, teoricamentedesocupadas, virtualmente disponíveis para serem incorporadas pelagrande lavoura, tantoantesda leide1850quanto jánasuavigência,nãoeram fatores su icientes para dar continuidade à expansãodo café. Alémdadisponibilidadedeterras,eranecessáriaaabundânciademãodeobrade trabalhadoresdispostosaaceitaromesmo trabalhoqueatéentãoerafeitopeloescravo.

Trabalhar para vir a ser proprietário de terra foi a fórmula de inidapara integrar o imigrante na produção do café. Esse imigrante estavaessencialmenteemantagonismocomocativeiro,quetemiaerepudiava,senão para o negro, ao menos para si. Repudiava, igualmente, qualqueridenti icação com o negro. O próprio fazendeiro acautelava-se para nãodispensar ao imigrante o mesmo tratamento que dispensava ao escravoquando ambos chegaram a conviver na fazenda. Inaugurando um novosecador de café, um fazendeiro de Campinas promoveu uma grandecomemoração devidamente hierarquizada, que é uma signi icativaindicação a respeito: "à tarde foi servido, no terreiro da fazenda, umgrande jantar aos escravos ... [...] Às 6 horas da tarde foi servido obanqueteaosconvidados,nasaladejantar...[...]Às7horasfoiservido,emoutrasaladoprédio,o lauto jantaraoscolonos ...".59Osdoterreiro,osdefora, não eram iguais aos de dentro da casa.Mas dentro da casa havia ojantardo fazendeiroeo jantardocolono,oquecomeanteseoquecomedepois. Embora desiguais, fazendeiro e imigrante são vinculados entre sipor uma igualdade básica, a identidade de quem come na casa-grande.Nesse plano, o imigrante está contraposto à senzala. Condenado atrabalhar, o seu trabalho, na sua interpretação, é radicalmente diferentedo trabalhodonegro cativo.Na lúcidaobservaçãodeumcontemporâneo"a escravatura [...] desonrou o trabalho, enobreceu a ociosidade ...".60 A

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condição de homem livre para ser concebida como condição compatívelcomotrabalhotinhaquepassarporrede iniçõesideológicasradicais,pois,paraonegro,"aliberdadeera[...]a liberdadedenadafazer ...".61Éclaroque, para o branco, tais avaliações tinham como parâmetro o negroescravizado,onegrosemvontadeprópria,cujoquerereraoquererdeseusenhor. Quando o negro, libertado, fazia valer a sua liberdade, eraacoimado de vagabundo, porque, para o branco, querer de negro eraquererdesujeição,emboraparaonegrofossea irmaçãoeconsciênciadaliberdade.

Domesmomodo que, para o fazendeiro, tambémpara o imigrante serlivre eraomesmoque serproprietário.A suadesignação como colono jáera parte de um ardil ideológico que o comprometia com a propriedade.Noslugaresdeemigração,naEuropa,colonoeraadenominaçãodequemia colonizar as regiões novas dos Estados Unidos ou da Austrália.12 NoBrasil, entretanto, colono passou a ser sinônimo de empregado. Poroposição ao escravo, o colono entranaproduçãodo café pela valorizaçãomoral do trabalho, não só porque o trabalho fosse uma virtude daliberdade, mas porque era condição da propriedade. Essa vinculaçãoideológica entre trabalho e propriedade, essa identi icaçãobásica entre acolônia e a casa-grande, terá repercussões na vida da fazenda e naelaboraçãodasrelaçõesdeproduçãocombasenotrabalholivre.

Ao contrário do que parece crer a maioria dos autores que tem feitoreferências à substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, essapassagem foi relativamente complicada e tensa.63 Embora uma supostamentalidade escravista do fazendeiro possa ter oferecido di iculdades norelacionamentocomoimigrante,averdadeéqueascondiçõesobjetivasdasubstituição do negro pelo branco sofreram de imediato poucasmodi icações em relação às condições do trabalho escravo. Como aescravidãonãoeramerainstituição,massimumarelaçãorealecotidianafundada em condições históricas de inidas, a sua supressão jurídica ou amera incorporação produtiva do trabalho do homem livre não erasu icienteparaalteraroteordovínculoentreofazendeiroeotrabalhador.A mentalidade do fazendeiro tinha, pois, raízes sociais de inidas eexpressavaaformadecapitalqueestavanabasedeseuempreendimento.IssovaliatantoparaosfazendeirosdoValedoParaíbaquantoparaosdo

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oeste de São Paulo, onde justamente havia claras di iculdades paraincorporaroimigranteaotrabalhodasfazendas,comodemonstrouocasodaFazendaIbicaba.64

Por esse motivo, a simples possibilidade de trazer para o Brasilimigrantes, trabalhadores livresque se integrassemnaproduçãodo café,nãoerasu icienteparaefetivarainversãodacombinaçãocontraditóriadetrabalho cativo e terra livre. O avanço da cultura cafeeira sobre novasáreas dependia fundamentalmente de mão de obra, sem o que a terratinha pouca utilidade. Mas, na crise de transição, trabalho livre tambémtinhaum sentidomuitoparticular para o fazendeiro, quedemodo algumse explicitava plena ou principalmente na sua formulação jurídica. Otrabalholivreeraconcretamenteotrabalholibertodotributoaotra icante,datransferênciadecapitaldaproduçãoaocomércio,eraotrabalholibertodacondiçãoderendacapitalizada;eraotrabalhoqueentravanoprocessoprodutivocompletamentedesonerado.Noentanto,ocapitalempregadona"importação" do branco imigrante não estava necessariamente livre dacondiçãodetributo,conquantofosseotrabalhadorjuridicamentelivre.

ÉquaseumaregraargumentarpelasuperioridadedotrabalholivredaregiãodeCampinasemrelaçãoaotrabalhoescravodoValedoParaíba.Talargumento, porém, acoberta um fato crucial: o trabalho livre que seimplantanaregiãodeCampinas,noquemuitodepressaviriaaseroantigooestecomodesbravamentodenovasregiões,nãoéradicalmentediferentedo trabalho escravo no Vale. O trabalhador entra no processo produtivocomorendacapitalizada,jáqueofazendeirotinhaquecusteartransporte,alimentaçãoe instalaçãodocolonoesua família.Essedispêndiopodiaserinferioraopreçodoescravo,masalteravaemmuitopoucoaqualidadedarelaçãoentreofazendeiroeocolono.Otrabalholivreeraaindaotrabalhode um trabalhador que continuava assumindo a forma de rendacapitalizada do fazendeiro, mediante antecipações de capital aostra icantes de imigrantes. Isso instituía umamodalidade de servidão pordívidadocolonoemrelaçãoàfazenda.Oqueofazendeironelegastavanãoerasalário,erainvestimento.Quandohouvedesinteligênciaentreocolonoe o fazendeiro, não foi incomum que este vendesse a outro fazendeiro adívidadotrabalhador,repassando-o,emconsequênciacomosefossecoisasua.

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Ocolonofoi incorporadoàeconomiacafeeiranostermosdecostumesede um processo de trabalho que não mudara em relação à escravidão,apesar damudança no processo de valorização, nomodo de extração doexcedente econômico do trabalhador e no modo de sua circulação eacumulação. Em boa parte porque na região campineira o café não sedisseminoucombasena incorporaçãodeterrasnovas,comoocorrerianooestenovo,comsigni icativaincidêncianainstitucionalizaçãodoregimedecolonato,comoveremosadiante.Ali,muitasfazendasdecaféresultaramdasubstituição de culturas em antigas fazendas de cana-de-açúcar.65 Essasterrasantigashaviamsidoobtidasporcartasdesesmariasaindanoséculoxviii, quando muito no começo do século xix, e geralmente haviampermanecido no patrimônio das famílias através da herança. Naapropriaçãodaterraeemseucultivonãohaviapropriamenteaincidênciadonovoedefatoresdeinovaçõesprofundas.

Aquestãodarelaçãoentreaterraeotrabalhovaisurgirplenamentenooestenovo,depoisde1870,apósodesaparecimentodarendacapitalizadana pessoa do trabalhador, ao inal de um processo relativamentedemoradoecomplicadoqueculminariacomaimigraçãosubvencionadanolugardaimigraçãopromovidaporparticulares,comoocorreranajácitadaFazendaIbicaba,dosenadorVergueiro,emuitasoutrasfazendasnaregiãode Campinas .660 mestre-escola e colono suíço Thomas Davatz a irmoucruamente,emsuasmemórias,que, "apenaschegadosaoportodeSantos[...] os colonos já são, de certo modo, uma propriedade da irmaVergueiro".67 E acrescentou, mais adiante: "des sa forma o colono seapercebe inalmentedequeacabadesercomprado".68Somentecomessedesaparecimento, coma libertaçãodo trabalhador da peia que o prendiapor dívida ao fazendeiro e o fazendeiro aos que de algum modo lheasseguravamamãodeobradequenecessitava,équesetornariapossíveldesvendaraimportânciadomonopóliodeclassesobreaterranoprocessodeformaçãonãocapitalistadocapitaldocafé.Nãoeraadívidaapenasqueprendia o colono ao cafezal, mas o fato de ser um trabalhador livre demeiosdeprodução,semalternativasenãoadetrabalharnas fazendasdagrandelavoura.

Jácomacessaçãodotrá iconegreiro teve inícioaadoçãodoregimedeparceria em várias fazendas, experimentado inicialmente com imigrantes

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suíços na Fazenda Ibicaba, da irma Vergueiro & Cia., em Limeira, naregião campineira.69 Na parceria, conforme o contrato assinado com oscolonossuíços, "vendidoocaféporVergueiro&Cia.,pertenceráaestesametade do seu produto líquido, e a outra metade ao [...] colono".70Entretanto, o parceiro era onerado com várias despesas, a principal dasquaiseraopagamentodotransporteegastosdeviagem,deleedetodaasua família, além da suamanutenção até os primeiros resultados de seutrabalho. Diversos procedimentos agravavam os débitos, como amanipulação das taxas cambiais, juros sobre adiantamentos, preçosexcessivos cobrados no armazém pelos bens de consumo do colono (emcomparaçãocomospreçosdascidadespróximas),alémdeváriosabusoserestrições. Esses meios de intensi icação da exploração do trabalho,atravésdoincrementodadívidacontraídajuntoaofazendeiro,protelavamaremissãodosdébitosdoscolonos,prolongandoaservidãovirtualemqueseencontravam.

Aos olhos de um dos colonos, tais fatos signi icavam que "o colonoeuropeusóvalemaisdoqueosnegrosafricanospelofatodeproporcionarlucrosmaiores e de custarmenos dinheiro".71 O colono Thomas Davatz,emsuasconhecidasmemórias,inferedaítodaaproblemáticarealizaçãodotrabalho livre nas condições da economia brasileira. O princípio dapropriedade tendia a dominar todos os fatores envolvidos no processoprodutivo:"osoloépropriedadedopatrãoeosmoradoresosãodecertomodo..".72 Isso se devia basicamente a que, tendo feito despesas naimportaçãodamãodeobra,ofazendeirosentia-seimpelidoadesenvolvermecanismosderetençãodostrabalhadoresemsuasterras,comosefosseseusdonos:"ospatrões[...]quasenãodãodinheiroaosseuscolonos,a imde prendê-los ainda mais a si ou às fazendas".73 Desse modo, otrabalhadornãoentravanomercadodetrabalhocomoproprietáriodasuaforçadetrabalho,comohomemverdadeiramentelivre.Quandonãoestavasatisfeito com um patrão, querendo mudar de fazenda, só podia fazê-loprocurando"parasipróprioumnovocompradoreproprietário",74istoé,alguémquesaldasseseusdébitoscomofazendeiro.

O caráter opressivo do sistema de parceria adotado pela irmaVergueiro & Cia. era manifesto sobretudo no fato de que, embora oscolonos fossem juridicamente livres, nãoo erameconomicamente, doque

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resultava uma situação similar à do escravo. A aguda consciência quetinham desse fato culminou com uma sublevação a 24 de dezembro de1856,acoimadadecomunistapelopróprioNicolauVergueiro,emcartaaovice-presidentedaprovínciaapenas seis semanasapósaocorrência.75Asublevaçãocomprometeuaparceriacomomeiodeintroduçãodotrabalholivrenasplantaçõesdecafé.De fato, anteapossibilidadedeenfrentaremproblema idênticoemsuas fazendas,osoutroscafeicultores introduzirammodi icações nos critérios econômicos de absorção do trabalho doscolonos,oqueabriucaminhoparaoquesepodede inirapropriadamentecomoainvençãodoregimedecolonato.

Na carta de Vergueiro, o que chama a atenção é a modernidade dovocabuláriopolíticoqueutilizaparade inir os imensos riscos contidosnoprotestode seus colonos,quevieramparaoBrasil claramentemotivadospela aspiração de se tornarem proprietários de terra. Vergueiro via portrás da manifestação dos colonos a ação de clubes comunistas,supostamentesediadosnoRiode Janeiro.Aatualidadedessa impressãoéespantosa, pois o Manifesto comunista, de Marx e Engels, fora lançadoapenas oito anos antes. E não se tratava de vaga notícia a respeito dasideias subversivas que se difundiam na Europa. Vergueiro de inia oacontecimento de Ibicaba como revolta e nela via uma afronta à nossa"dignidadenacionalofendidapelosproletáriosdaSuíça'. Invocavaperigosmaiores do que os de uma simples greve de trabalhadores rurais.Mandara espionar Davatz e seus seguidores e, com base no que coligiu,falavanumplanodetomadadaprovínciadeSãoPauloporumaaliançadecolonos suíços alemães, escravos e "também alguns brasileirosdescontentes"que,nofim,republicanizariamoBrasil.76

O documento de Vergueiro demonstra o quanto os fazendeiros tinhamconsciênciadaenormedistânciasocialehistóricaqueseparavaasrelaçõesescravistas que praticavam em suas fazendas em face da outra ponta damesma economia, a realidade industrial europeia constituída sobrerelaçõesdetrabalholivreesalarial.Aquestãodainvençãoderelaçõesdetrabalho substitutivas do escravismo nos cafezais de São Paulo ésigni icativa indicação de quanto sabiam os fazendeiros em relação àintensidadedaexploraçãodo trabalhoquequeriamadotar em funçãodaacumulaçãodecapitalquepormeiodelaqueriamalcançar.

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Nofundo,odebatesobreotrabalholivreeastécnicassociaisqueforamusadas para implantá-lo (como a de escolher colonos de sociedadesatrasadas e pré-modernas, socializados em culturas de sujeição,organizadosemfamíliaenãoimigradosindividualmente,oqueostornavadóceis e temerosos de icarem sem trabalho) sugere que buscavaminstituir uma espécie de "índice de amansamento e sujeição dotrabalhador".Eraa contrapartidadapotencialacumulaçãocapitalistaquedela resultaria. Um indicador que seria, como foi, largamente usado norecrutamento e na seleção social, cultural e nacional dos trabalhadoreslivres pelos arregimentadores e tra icantes de mão de obra para issocontratados.

Os fazendeiros paulistas do chamado oeste novo eram empresárioscapitalistas não porque fossem simplesmente capazes de adotar relaçõesmaismodernas de trabalho do que as da escravidão (como se tem dito),mas porque foram capazes de adotar as relaçõesmais atrasadas e maisbaratas que podiam na circunstância do trabalho livre inevitável. Dessemodo poderiam alcançar a maior acumulação de capital quecalculadamente seria possível e, ao mesmo tempo, realizar um saltohistórico em direção à modernidade do capitalismo industrial, quecompensasse a lentidão do desenvolvimento econômico decorrente dosséculosdeatrasorepresentadopelaescravidãoepeladominaçãocolonial.Portanto,comoestruturalmente jáocorreracomaescravidão,a junçãodomáximoatrasopossívelnasrelaçõesdetrabalhocomomáximodeadiantopossível no emprego capitalista do capital delas extraído. A invenção dotrabalho livre sobre as ruínas da escravidão, por esses capitalistashistoricamente bifrontes, era presidida por uma consciência socialsingular, equivalente entre nós à funçãohistórica que a ética protestantetivera, também singularmente, no nascimento e difusão do modernocapitalismonaEuropa.77

Nesse esquema, as relações de trabalho continham um potencial deatualização, em face do desenvolvimento capitalista, que foi e vem serealizando lentamente por cerca de um século e meio, permitindoantecipações políticas das inovações sempre que as tensões trabalhistasavançam além dos limites dessa prudência empresarial. Foi assim porexemplo, nos desdobramentos da Greve Geral de 1917, foi assim na

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Revolução de 1930, foi assim na viabilização da reforma agrária peloregimemilitar,em1965,efoiassimnasgrevesemanifestaçõesoperáriasdosanos1970.

Énessaperspectivaquesepodecompreenderavariedadedeesquemasde relacionamento entre colonos e fazendeiros que surgiu no lugar daexperimental e problemáticaparceria, quando a escravidãonegra entrouemcrisecomacessaçãodotrá iconegreiro.78Esquemasqueculminariamno que icou conhecido como regime de colonato. Uma fórmula queadquiriunotoriedadefoiadascolôniasparticulares.Eladiferiadaparcerianamodalidadedepagamentodotrabalho.Afamíliadecolonosrecebiaumpagamento ixo em dinheiro pelo trato da parte do cafezal a seu cargo,tendoquefazerde5a6carpasporanonas leirasdecafé,pararemoveras ervas daninhas. Pela colheita, recebia uma quantia determinada poralqueire de café colhido, o que representava uma importância variável acada ano, dependendo da produtividade do cafezal .7' Tal critério nãoremoveuaquestãodaliberdadedocolono,aindasujeitoaopagamentodedébitos, juros e multas.` Sua melhor aceitação em relação ao regime deparceriadeveu-seàmelhoranosganhosdocolono,acelerandoaremissãodosdébitosetornandoviávelaindependênciaeconômicadotrabalhador.

Isso não impedia, entretanto, a ocorrência de di iculdades nas relaçõesde trabalho, derivadas basicamente do fato de que o fazendeiro, tendosubvencionado a vinda do imigrante, considerava o colono propriedadesua.OViscondedeIndaiatuba,cafeicultornaregiãodeCampinas,queeraum liberal, referiase aos trabalhadores de sua fazenda como "meuscolonos"." Essa concepção de propriedade sobre o trabalhador tinhagravesimplicaçõessobrealiberdadecivildocolono,jáquecomissotodasassuasrelaçõessociaisenãoeconômicas icavamsujeitasaoscritériosdaexploração econômica. Indaiatuba assinala, indignado, por exemplo, queoutro fazendeiro,em1874, "promoveracasamentoentreumseucolonoeumacolonaminhá'.82Essaera,naverdade,umatécnicadealiciamentodetrabalhadores.Poressemeio,umfazendeiropodiaobtermãodeobrasemfazer investimentodecapitalnorecrutamentoe transportede imigrantesestrangeiros,jáqueessesgastoshaviamsidofeitosporoutrofazendeiro.

A partir de 1870 essa di iculdade seria atenuada com o início da

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imigraçãosubvencionadapelogovernoimperiale,algunsanosmaistarde,pelogovernodaprovínciadeSãoPaulo.83Osimigrantes,entretanto,eramde preferência assentados em colônias o iciais, em regime de pequenapropriedade. O governo pagava as despesas de transporte para o Brasilaté a localidade de ixação do imigrante e sua família. Além de custear einanciaraterraeasdespesasiniciaisdemanutençãodafamília,mantinhaum regime de tutela sobre o colono geralmente durante um período dedois anos. Esse critério não visava ampliar o número de plantadores decafé, já que o problema não estava no número de proprietários, mas nonúmerodetrabalhadoresnecessáriosàculturacafeeira.Oscolonosforamgeralmente colocados em terras impróprias para café ou cana, naesperança de que se dedicassem à produção de alimentos baratos, comomilho,feijão,arrozemandioca.Essesalimentos,emboramuitoconsumidos,não tinhamummercado signi icativo, já que todas as fazendas e sítios osproduziam para seu próprio consumo. Basicamente, essa produçãogarantiria a alimentação da família imigrante e o excedente seriaconsumido pelo incipiente mercado urbano. A aquisição de roupas,remédiose,eventualmente,outrasmercadorias,dependentesdedinheiro,teriaqueserfeitamedianteganhoscomapartedaremuneraçãorevestidade forma salarial. O governo, constituído, aliás, de grandes fazendeiros eseusrepresentantes,procuravaorganizarviveirosdemãodeobraqueseoferecesseàsfazendasdecaféparaotrabalhosazonaldetratoecolheita,àmedidaqueissofossenecessário.

Forammuitasasqueixascontratalsistema,poisnemsempreascolôniaseram localizadas junto às grandes fazendas mais necessitadas detrabalhadores.Aimigraçãosubvencionadaparacriaçãodecolôniaso iciaisteve, porém, uma grande importância. Fundamentalmente, instituiu aintervenção do Estado na formação do contingente de força de trabalho,comoumaespéciedesubvençãopúblicaà formaçãodocapitalnagrandefazenda. Esse era umponto de grande resistência política, pois implicavadesviar recursos públicos para um único setor da economia, o do café,alémdetudomuitolocalizadoregionalmente,nosudestedopaís.

Porisso,todoodebateparlamentarsobreaaboliçãodaescravaturafoi,ao mesmo tempo, um debate sobre a propriedade fundiária e sobre acolonização.Adiversidadedeinteresseseconômicos,porexemploentreos

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fazendeiros de cana doNordeste e os fazendeiros de café do Sudeste dopaís, complicava-se com a diversidade de interesses entre os fazendeirosdecafédaregiãofluminenseeosfazendeirosdecafédaregiãopaulista.Osprimeiros haviam constituído suas fazendas estritamente com base notrabalhoescravo,enquantoossegundoso izeramjánobojodacrisedessamodalidade de exploração da força de trabalho. As garantias de créditoseramdiversasnumcasoenooutroetodaaeconomiadafazenda,emcadauma dessas situações, girava em torno de lógicas econômicas diversas eaté opostas. A imigração subvencionada, ao menos ainda na vigência daescravidão, bene iciava as fazendas do oeste paulista com o que era, naprática, um subsídio do Estado para uma economia já bene iciada porprodutividadesuperioràdaregiãofluminense.

A solução do problema foi encontrada com a manutenção, em linhasgerais, das relações de trabalho instituídas com as colônias particularesinstaladasno interiordas fazendas.O fazendeironão teriaquearcarcomasdespesasdaimigração,quepassariaasersubvencionadapelogoverno,icando liberadoda imobilizaçãodecapitalque fazianapessoadocolono,sobaformaderendacapitalizada,comosdispêndiosjuntoaagenciadores,companhias de transporte marítimo etc.84 Em vez de encaminhar osimigrantes recrutados por agenciadores a serviço do governo paracolônias o iciais, eles passaram a ser encaminhados para as própriasfazendas de café, mediante requisição dos fazendeiros ao serviço deimigração. Um dos maiores cafeicultores e empresários da época,seguramente o maior responsável pela fórmula que viabilizou o im daescravatura, o paulista Antônio da Silva Prado, assinalava no Senado doImpério, em 1888, poucos meses depois da abolição, o que a imigraçãosubvencionadarepresentavaparaaeconomiadafazendadecafé.Diziaelenão conhecer outro meio para atender a demanda de braços para otrabalhosenãoaquelequeogovernosetemesforçadoparaempregaremlarga escala, isto é, a introdução de imigrantes, e pelo modo por quepretende dirigi-la, fornecendo trabalhadores à lavoura sem que oslavradorestenhamnecessidadede,paraestefim,dispendercapitais.85

Como muitos fazendeiros pretendiam receber indenização do Estadopeloslucroscessantesadvindosdaextinçãodaescravatura,jáquetinhamimobilizado seus capitais nas pessoas de seus escravos, a resposta o icial

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representou uma signi icativa recusa da mentalidade baseada na rendacapitalizada. Mais importante do que a propriedade sobre o trabalhadorera assegurar o trabalho que cria a riqueza, que cria valor.86 Contra aopinião de muitos fazendeiros de mentalidade escravista, o governolegislava corretamente pela cabeça dos fazendeiros-empresários.Separava, inalmente, o trabalho e a pessoa do trabalhador, libertando,en im,opróprio trabalho como fatorde criaçãode riqueza.Umaaboliçãonointeriordaabolição,semaqualaaboliçãodaescravaturaperdiatodoosentido. Os fazendeiros não deixaram de receber uma indenizaçãomuitomais signi icativa do que aquela que pretendiam. Eles não foram pagos"pela reposição de seu suprimento de trabalho; mas, foram pagos pelatotalidadedapopulação, incluindooshomenslivres".87Aocontrário,pois,receberamagarantiadeum luxocontínuodetrabalhadoressemomenordispêndio de capital. Somente com a intervenção do Estado foi possívelquebrar o circuito do trabalho cativo, procedendo-se a uma socializaçãodos custos de formação da força de trabalho e criando-se as condiçõespara que se instituíssem o trabalho livre e o mercado de trabalho.88 AintervençãodoEstadonaformaçãodocontingentedemãodeobraparaasfazendasdecaférepresentou,defato,o fornecimentodesubsídiosparaaformaçãodocapitaldoempreendimentocafeeiro.

É comum encontrar-se referências, nos estudos sobre o im daescravidão negra, à importância desse acontecimento na racionalizaçãointernadasatividadesdafazendadecafé,dadoqueapartirdeentãoteriasido possível instituir uma contabilidade de custos da força de trabalhoabsorvida na produção. Teriam surgido, assim, as condições para dar àação do fazendeiro o seu caráter capitalista ou as condições para que amentalidade do fazendeiro se transformasse em mentalidade capitalista.Essa suposição teoricamente clara é, no entanto, empiricamenteimprovável,pois,ateoria,nessecaso,tempoucoavercomacomplexidadedasituaçãoemquesedeuatransformaçãodoregimedetrabalhonocafé.Asrelaçõesdeprodução instituídasna fazendadecafé,comoadventodotrabalho livre, como já mencionei, não eram relações integral ecaracteristicamente mediadas pelo salário em dinheiro, único meio deintegrá-las numa contabilidade de custos da fazenda. Quase no inal doséculoXIX,umtécnicoconstatava,apropósito,que:

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O sistema de colonos e omodo de pagamento a ele inerentetornamdeantemãoimpossívelumadeterminaçãoexatadocustodeprodução do café nas fazendas, pois, grande parte dos fatores deque se compõe o `pagamento' neste caso escapa a um cálculo atéaproximativo. Não há meio que permita avaliar e exprimir emdinheiroasvantagensoferecidasaoscolonosemformadecasademorada,pastos,terrenosparaplantarmantimentosetc.Tambémoscontratos de empreitada di icultam bastante uma análise clara dodispêndio em mão d'obra de um lado e em dinheiro de outrolado.89

Ou seja, a contabilidade das fazendas, que não obstante havia, eramutilada pela falta de traduçãomonetária do que o colono recebia e nãopagava e das formas disfarçadas de trabalho de que a empresacafeiculturasebeneficiavaedeixavaderemuneraredecontabilizar.

Nesse caso, é de outra ordema explicaçãopara a expansão econômicado café, principalmente a partir de 1870. Sendo o escravo, como se viu,renda capitalizada, nele se imobilizavam grandes somas de capitais. Taisimobilizações continuaramaocorrer, aindaqueprovavelmenteemescalamenor,notrabalhadorlivre,trazidoparaoBrasilpelofazendeiro,comosefosse verdadeira mercadoria. Somente com a imigração subvencionadapelogovernoéqueessaparceladecapitaldafazendadecaféfoi liberadapara funcionar comoverdadeiro capital.Mas, tal liberaçãonão sedava, éclaro,emrelaçãoaostrabalhadoresjápossuídospelafazendaequeaindanão houvessem saldado seus débitos com o fazendeiro. Quem quisessereceberesse subsídio, representadopelo trabalhadoralocadona fazendasem nenhum custo para o fazendeiro, teria que encontrar meios deincorporar novos e maiores contingentes de imigrantes subvencionados(oumesmo, é claro, dos chamados imigrantes espontâneos, que arcavamcomseusprópriosdébitosdeviagem).

Comaimigraçãosubvencionada,ofazendeironãopoupavacapital,comopretendiaAntônioPrado,mas recebia capital, dadoque cada trabalhadorchegado à fazenda representava um efetivo dispêndio em dinheiro feitocom recursos públicos. O trabalhador arregimentado, transportado ecolocado na fazenda tinha um custo. De fato, uma doação do Estado que,

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livrando o fazendeiro dessa despesa, o liberava da imobilizaçãoimprodutiva de parte de seu capital na aquisição demão de obra. Ora, aformadeincorporaressamodalidadedecapitalaoprocessoprodutivoeraa abertura de novas fazendas, a ampliação dos cafezais. A imigraçãosubvencionada funcionava como um incentivo econômico à expansão doscafezais.Durantemaisdeumséculo,a"faltadebraçosparaalavoura'foiamaisreiteradareclamaçãodosfazendeiros,mesmoemmomentosdecrisede superprodução e de baixa nos preços do café, como ocorreu napassagemdoséculoxlxparaoséculoxx.Issoeramaisdoqueareposiçãocíclicadamãodeobra, jáqueocolonotinhaumaexistênciatransitórianafazenda."' A reivindicação constituía, na verdade, omeio de pressãoparauma permanente obtenção do subsídio disfarçado, na imigraçãosubsidiada,queampliavaaofertadetrabalhadoresemrelaçãoàprocura.Trabalhadoresmotivados por aspirações crescentes de ascensão social, etendencialmente inconformados com as condições de trabalho que atolhiam, eram assim rotativamente substituídos, o que deve ter pesadomuito na relativamente baixa ocorrência de greves e de protestostrabalhistas. Podiam ser substituídos com facilidade por trabalhadoresrecém-chegados, ainda nas fases incipientes dessa motivação e aindadominados pelo conformismo das condições adversas da sociedade deorigem.

Sob essas condições, a formaçãode fazendas novas, ou a ampliação deantigasqueaindadispunhamdeterrasvirgens,transformou-senumnovoegrandenegócio.Alémdeproduzir café, o fazendeiropassouaproduzir,também, fazendasdecafé.A febrilaberturadenovas fazendas,depoisdaefetiva liberaçãodamãodeobra,odeslocamentocontínuodefazendeirosdeum lugar para outro embusca de novas terras, a rápida ocupaçãoderegiões que ainda não haviam sido absorvidas pela economia deexportação, produziram,muito depressa, já no começo do século xx, umagrande elevação no preço das terras.' O que em 1880 era apenasespeculaçãoteórica, tendoemvistaumsubstitutoparaashipotecas feitassobreosescravos,vinteanosdepoiserarealidade:aterrahaviaalcançadoaltopreço,assumindoplenamenteaequivalênciadecapital,sobaformaderendaterritorialcapitalizada.

A procura de terras novas foi, porém, um complicado componente da

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história das fazendas de café. Como indiquei antes, uma verdadeiraindústria de grilagem de terra surgiu e ganhou corpo, principalmente apartir de 1870, a ponto de que algumas medidas legislativas foramtomadas em São Paulo até o inal do século, ampliando o prazo delegitimação de posses que cessara em 1854. Todo um conjunto deatividades lícitas e ilícitas tinhaumpreço e esse passou a ser o principalcomponente do preço da terra. As despesas realizadas com subornos,demarcações, tocaiasaposseiros intransigentes,pagamentosa topógrafose jagunços, constituíam o fundamento do preço que a terra adquiriaatravésdogrileironopreâmbulodonossocapitalismoagrário."'Emtroca,o fazendeiro recebia a terra livre e desembaraçada, cuja propriedadedi icilmenteseriacontestadajudicialmente.Arendacapitalizadapassouaser, em parte, contrapartida do tributo pago pelo fazendeiro ao grileiro.Formalmente,oavançodapropriedadeprivadasobreas terrasdevolutasaconteciam por meio da compra, através de títulos reconhecidos pelostribunais."' As coisas ocorriam desse modo para preservar o capitalrepresentado pelo café; para que a eventual contestação não levasse àperda do cafezal. Por isso, a transformação da terra em propriedadeprivada,quepudessesercompradapelofazendeiro,antesdeseconverterem renda territorial capitalizada, era objeto de outro empreendimentoeconômico-odogrileiro,àsvezesverdadeirasempresasdeconversãodeterraalheiaoudevolutaempapellimpoepassado,carimbadoeregistrado.No processo de transformação da terra em propriedade privada e docapital em renda capitalizada, a seu modo, o grileiro substituiu o antigotraficantedeescravos.

A imigraçãoemmassanãosedestinava,emgeral, àaberturadenovasfazendas.Ocolononãoera,viaderegra,aomenosnosprimeiros tempos,formador de cafezal, circunscrevendo-se ao trato e à colheita. Mas apossibilidadede formaçãodenovoscafezaisdependia,aindaassim,desseimigrante.Équedenadaadiantavaformarcafezaissenãohouvessequemdelescuidassedepoise,principalmente,quemcolhesseocafé.Garantidaaentradacontínuadetrabalhadoresparaacafeicultura,tornava-sepossívelexpandir as plantações. Para essa tarefa eram mobilizados caboclos ecaipirasououtrostrabalhadores"nacionais",comosedizia.94Aomenosotrabalho do desmatamento, da queimada e da limpeza do terreno erainvariavelmente feito por esses trabalhadores. Nesse sentido, quase não

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havia diferença entre a época de vigência do trabalho escravo e a davigência do trabalho livre. A preparação da terra, na escravidão, erapreferencialmente feita por homens livres, agregados das fazendas ouantigosposseirosdasáreasemqueasfazendasvieramaseestabelecer.95

A formação da fazenda compreendia a derrubada da mata virgem, alimpa e preparação do terreno, o plantio do café e a formação dosarbustos.Seoplantiofossedesemente,apenasdepoisde6anosocafezalera considerado formado. Se fosse, porém,demuda, issoocorria já aos4anos.96 No regime de trabalho escravo, os fazendeiros empregavam depreferência caboclos ou caipiras, na derrubada da mata. Essestrabalhadoreslivres,conhecidoscomo"camaradas",erampagosàrazãode2 mil a 2 mil e 500 réis por dia, com comida, entre 1883 e 1884.Entretanto, para evitar o ônus da iscalização do trabalho e documprimento das tarefas atribuídas ao trabalhador, os fazendeirospreferiam dar o serviço em regime de empreitada, mediante pagamentopor área derrubada e limpa.97 Couty considerava módico, em 1883, opreço pago por esses serviços feitos geralmente por caboclos queraramentefaziamasplantaçõesdecafé.98

Osfazendeirospreferiam,namedidadopossível,pouparseusescravosdessas tarefas. Fala-se, frequentemente, que essa orientação decorria doriscoaqueo trabalhadorestava sujeito, sobretudona fasedaderrubadadas mata, o que poderia comprometer o capital imobilizado no escravo.Tudoindica,porém,quearazãoeraoutra.Olongoperíododeformaçãodocafezal, de 4 a 6 anos, antes que começasse a produzir em escalacomercial,exigiriagrandeimobilizaçãodecapitalseotrabalhotivessequeserinteiramenteexecutadoporescravos.Porisso,otrabalhocativo icava,preferencialmente,restritoaotratodocafezaleàcolheitadocafé, tarefasinadiáveis, mas de retorno econômico rápido, quanto muito um ano. Asdi iculdades de obtenção de capitais a longo prazo eram notórias. Osbancos estrangeiros, por exemplo, só faziam empréstimos para a fase decomercialização da safra, pois dependiam do retorno dos capitaisemprestados a im de removê-los para oNordeste e inanciar a safra deaçúcar ou para o Sul e inanciar o comércio de charque. Um pequenoatraso na recuperação desses capitais provocava crises econômicas degrande repercussão.99Os comissários, tambémdependentes dos bancos,

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nãopodiamarcarcomfinanciamentosdelongoprazo.

Por essas razões, o fazendeiro optava pelo trabalho de homens livres,agregados de sua fazenda ou não, caboclos ou caipiras. O dispêndiomonetárioerarestrito,dadoqueostrabalhadoresdeslocavam-secomsuasfamílias para os locais de derrubada, onde armavam seus ranchos. Suasubsistência era fornecida pelo fazendeiro e descontada da quantia pelaqual fora feita a empreitada. Entretanto, há casos assinalados deempreiteirosqueempregavamseusescravosnessastarefas,oquesugerevariações no regime de empreitada adotado nessa fase de formação doscafezais.'°°

O advento do trabalho livre, quanto às relações de produção, afetoumenos a formação do cafezal do que o funcionamento da fazenda jáinstalada. No começo dos anos 1880, Delden Laèrne observara que "demodo algum são os colonos plantadores de café, eles apenas o colhem"."'Nessa mesma época, um fazendeiro escrevia uma carta dizendo quecolonos"sópossoterBrasileiroseestessóformam(quandoformam)café,depois é preciso estrangeiros"."' Esses trabalhadores brasileirosprocediam até mesmo de regiões distantes, como centenas de baianostrazidos em 1885, para plantar meio milhão de pés de café na FazendaGuatapará.103

Denisobservava,nocomeçodoséculoxx,que

o plantador pobre de capitais e desejoso de evitar todas asatribulações de um trabalho que não se tornaria produtivo senãoapós vários anos, tratava com um empreiteiro. 0 empreiteirorecebiaaterravirgemesepropunhaadevolvê-laquatroanosmaistardeplantadadecafeeiros.Elefaziaaderrubada,cultivavaomilhoentre asplantas ainda jovens e, ao imdequatro anos, recebiadoproprietário a somade400 réis porpéde café.Às vezes eramosalemães que trabalhavam nessas derrubadas,mais seguidamente,porém,osbrasileiros,osnaturaisdeMinas.'04

Entretanto,o imigrante tambémpodiaserempregadonaderrubadadomato e na queimada, além de fazer a plantação. Um contrato deempreitada,de1897,paraplantiode200milpésdecafénaFazendaSão

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Martinho, contém várias indicações sobre algumas das características daempreitada.Aprimeiradelaséadequeosempreiteirospodiamcontrataros serviços de terceiros, menos "de colonos e camaradas que tenhamdeixado o serviço da fazenda". Concluída a plantação do café, que nãodeverialevarmaisdoque8meseseaconstruçãodascasinhassobrecadaplanta (espécie de caieira armada sobre a cova para sombreamento docafeeiro), podiam "plantar uma carreira demilho em cada rua do café, epoderão renovar esta plantação mais uma vez". O milho, aliás, tambémservia para sombrear os cafeeiros em formação. Teriamque conservar aplantação de café durante 4 anos, mantendo-a limpa e replantando asfalhas.Aspicadasparaaderrubadadamataeassementesdecaféseriamderesponsabilidadedofazendeiro.Desuaresponsabilidadeeratambémaconstrução de "uma pequena casa de morada para os empreiteiros efornecertelhas, tábuasebatentesnecessáriosparaexecuçãodosranchossu icientesparaacomodaçãodeseupessoal".OsempreiteirosreceberiamRs.1$500porpédecafédequatroanos,pagosemparcelasatéo inaldoperíodo.105

Qualquercaféproduzidoduranteessetempo,poisaplantafrutificajánoquarto ano, pertencia aos proprietários da fazenda. Segundo todas asindicações, já na safra seguinte ao recebimento do cafezal formado peloempreiteiro puderam os fazendeiros recuperar todas as despesasmonetárias realizadas. Na pior das hipóteses, isso ocorreu na segundasafraderesponsabilidadeda fazenda.'o6Quaseàmesmaépoca, fazendascomcafezais formadoseramvendidasàrazãodeRs.4$000a5$000opéde café.117 Portanto, um proprietário podia duplicar o seu capital emquatro anos simplesmente formando novos cafezais, enquanto o mesmodinheirocolocadoajuroslevariauns10anosparaduplicar.'os

Nessa fase, porém, os fazendeiros tinham pouco interesse em venderseus cafezais, a não se por preços exorbitantes. Um observador notava,aliás, que com a crise de 1896, que produzira uma queda nos preços docafé,umterçodosfazendeirosdeSãoPauloestavacomdébitosexcessivosdevido, entre outros fatores, aos preços descriteriosos pagos por suaspropriedades.'09

O que parece ter sido a modalidade mais frequente de formação do

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cafezal(quetantopodiaserumanovafazenda,quantoaampliaçãodeumaantiga)jásoboregimedetrabalholivre,consistiaematribuiraoimigrantea formação de um determinado número de pés de café, com direito àcolheita dos frutos obtidos no período (geralmente havia uma pequenasafra no quarto ano), situação que melhorava quando os contratos deformação era de seis anos. Além do que, os trabalhadores tinhampermissãodeplantarfeijãoemilhonasruasentreospésdecafé(àsvezespodiamplantararrozeatéalgodãonesseespaço).Naentregadocafezalaofazendeiro,ocolonorecebiaumaquantiaemdinheiroquerepresentavaodispêndiomonetáriocomoestabelecimentodaplantação.

A formação do cafezal nessas condições despertava grande interessenos colonos.Emprimeiro lugar,porquepodiamusufruir amplamentedasterras mais férteis das regiões de matas recém-derrubadas, cultivandogênerosalimentíciosnecessáriosàsuasubsistência,cujosexcedenteseramcomercializados com o próprio fazendeiro ou com os comerciantes daspovoações e cidades próximas. A colheita do café, no último ano ou nosúltimos anos de formação da planta, acrescentava, na economia dotrabalhador,recursosmonetáriosaopagamento inaldoseutrabalho.Umobservadorotimistaassinalava,em1914,queosrendimentosdocafé"dãomargem para enriquecer todo e qualquer colono que se aplique à suacultura, pois na área ocupada pelo café, durante a época da formação, ocolono pode plantar toda a sorte de cereais que darão para as suasdespesas..".10

Quem realmente obtinha grandes resultados com esses critérios era,porém,oprópriofazendeiro.Umdosmais lúcidosestudiososdaeconomiadocaféobservouque,naformaçãodocafezal,

durante os 4 ou 5 anos do contrato, os colonos vivemprincipalmente do produto do milho (além do feijão, o arroz ebatataetc. emmenorescala), cultivados, conformedissemos,entreoscafeeiroseque,graçasàfertilidadedosolo,ofereceabundantescolheitas, vendidasdiretamenteouutilizadasna criaçãoe engordade suínos e aves domésticas. Eis aí como, em prazo relativamentecurto-4ou5anos-podeumproprietáriodeboasterras,nooestede S. Paulo, tornar-se possuidor de um belo e rendoso cafezal,

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mediantepequenapaga,ounenhuma."'

Se no regime escravista os recursos investidos na compra de escravosrepresentavam a parcela principal do capital da fazenda, no regime detrabalho livre a parcela principal passou a se constituir do cafezal. Essecapital tinha, pois, uma clara procedência não capitalista, obra detrabalhadores teoricamente livres, sem dúvida, mas não de relaçõescapitalistasdeprodução.Apropriedadecapitalistadaterraasseguravaaofazendeiro a sujeição do trabalho e, ao mesmo tempo, a exploração nãocapitalista do trabalhador. Com base no monopólio sobre a terra, ofazendeiro de fato não empregava o formador do cafezal como seutrabalhador.

Naprática, ele lhe arrendava, como se autônomo fosse, umaporçãodoterreno para cultivos alimentares e recebia em pagamento o cafezalformado.Umarendaemtrabalhoquesetraduziaeseconvertiaemcapitaldonovoempreendimentoagrícola.Duranteosquatroanosdo contrato, ocolonoplantavanoterrenoosseuscereais,armavaoseurancho,ealiviviacomsuafamília.Opagamentoquerecebiapelaformaçãodecadacafeeiroera inferioraopreçoqueessemesmocafeeiroobteria sea fazenda fossenegociada pelo fazendeiro. O pagamento do cafeeiro por menos do quevalia embutia, sem dúvida, uma relação trabalhista. Escamoteada, porém,pelos componentes propriamente camponeses do vínculo de empreitadacom o fazendeiro, como arrendamento de terra alheia para agriculturaprópria.Nãoeraofazendeiroquempagavaaotrabalhadorpelaformaçãodocafezal.Eraotrabalhadorquempagavacomcafezalaofazendeiropelodireitodeusarasmesmasterrasnaproduçãodealimentosduranteafasedessaformação.

Aprincipal formade capital absorvidana formaçãoda fazendade caféera o trabalho - trabalho que se convertia diretamente em capitalconstante, no cafezal, sem ter entrado no processo propriamente comocapital variável e sim como tributo. De fato, na gênese do capital dofazendeiro estava uma modalidade de renda, o trabalho nela embutido,semassumiraformasalarialprópriadarelaçãocapitalista.Masquenãoseconfunde com a exploração précapitalista da terra, pois que se convertiaimediatamenteemcapitalconstante.

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Esse era o segredo da acumulação de capital na economia do café, oprocesso do capital contendo e escondendo permanentemente aacumulação primitiva de sua origem. A fazenda produzia, a partir derelações não capitalistas de produção, grande parcela do seu própriocapital. Nesse sentido é que a grande lavoura se transformou numaindústria de produção de fazendas de café, além de produzir o própriocafé. Desse modo, é que na economia cafeeira a reprodução do capitalassumiu a forma de reprodução extensiva de capital, pela incorporaçãocontínua e progressiva de novas terras à produção. Como disse antes, osegredoestavanaconversãoimediataderendaemtrabalhoemcapital,nacontínua recriação da necessidade de mais mão de obra, pois anecessidadede trabalhadoresparaa formaçãodocafezal tinhaumefeitomultiplicador:cadaformadordecaféimplicavaumnúmeromuitomaiordetra tadores e colhedores logo que o café estivesse formado. Tendo aformação da fazenda se transformado no objetivo econômico dosfazendeiros, a expansão dos cafezais quanto mais gente absorvia, maisgentenecessitava.

Os próprios mecanismos do mercado incumbiam-se de reduzir aindamaisaimportânciarelativadequalquerdispêndiomonetárioefetuadocomaformaçãodocafezal.Basicamente,os inanciamentosporventuraobtidosjunto a comissários e bancos eram operados como capital de custeio e,raramente,comocapital ixo.Alémdorecebimentodocafezalpraticamentesem custos, como renda em trabalho, o grande empenhona formação denovasfazendastambémtraziaparaofazendeiroumarendadiferencial,nobene íciodecorrentedaexploraçãodeterrasnovasmaisférteisaindaquemaisdistantesdoportodeSantos,distânciacompensadapelocrescimentoda rede ferroviária. O deslocamento amplo de fazendeiros de velhasregiõesparaafronteiraeconômicaestevefortementemarcadopelabuscadeterrasmaisférteis,comoaterraroxa,encontradaem1870,noqueveioaseraAltaMogiana,que triplicavamaprodutividadedocafée,àsvezes,atédecuplicavamemrelaçãoaos terrenoscansadosdoValedoParaíba."'Nessecaso,afertilidadenaturaldosolo,pormeiodotrabalhodoformadordocafezal,incrementavaosganhosdofazendeiro,quaseseminvestimentode capitais próprios. Por essemeio e através do repasse de suas antigasfazendas,oscafeicultoresquesedeslocavamcomafrentepioneirapodiamformar grandes capitais em relativamente curto tempo. O único segredo

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dessa acumulação estava nas relações de produção estabelecidas naformaçãoeno tratodos cafezais: comumregimede trabalhoassalariadoessa acumulação não teria sido possível na forma e na escala em que sedeu.

Desigualdade e propriedade: os marcos do processo devalorizaçãodocapitalnoregimedecolonato

O capital que permitia movimentar os elementos do processo deprodução no interior da fazenda era basicamente capital de custeio,procedentedascasascomissárias,osintermediáriosnacomercializaçãodocafé que estavam em direto contato com os fazendeiros. Na própriaformação do cafezal, o componente principal do capital constante dofazendeiro, em geral, operava esse tipo de capital ânuo, de naturezaessencialmentecomercial.Eleeraenvolvidonoprocessoprodutivoapenaspara incorporar o produto agrícola ao processo de circulação dasmercadorias. Operava, pois, como mediador na conversão do café emmercadoria. Somente através da transferência do ônus de formação docafezalparaopróprio trabalhador, responsávelpelaproduçãodiretadosseusmeiosdevida, équeo fazendeiropodiaarrecadar, comos limitadosrecursos do capital de custeio, o seu capital constante, extorquidodiretamentedoformadordecafé.

A forma essencial de capital que subordinava a produção agrícola era,portanto, a do capital comercial, na estrita racionalidade do capital queopera fundamentalmentenamovimentaçãodasafraagrícola.Apartirdaí,o fazendeiro entrava no circuito do capital como proprietário demercadorias,comomanipuladordecapital-mercadoria.Eranessacondiçãoqueeleserelacionavacomoprincipalintermediárionacomercializaçãodecafé,ochamadocomissário.Esteera,naverdade,aomenosnoinício,umaespéciedeagentecomercialqueatuavaemnomedofazendeiro juntoaosexportadores, mediante uma remuneração geralmente de 3% sobre ovalordonegócio, um corretor.Teoricamente, aomenos, o comissário agiaem defesa dos interesses do fazendeiro, classi icando o café, formandoligas,ejogandosemprenaaltadospreços.13

Uma sutil transformação ocorreu na relação entre comissários e

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fazendeirosqueveioaalteraressepapeldealiado.Em tempos recuados,ainda em relação aos fazendeiros do Vale do Paraíba, quando menorparece ter sido a dependência inanceira destes em relação aos seusagentes,comissárioshaviaquesepronti icavamacuidardosinteressesdeseus comitentes, sem cobrança de comissão alguma, contentando-seunicamentecomosganhosqueproviessemdos fretes?14Nessaaltura,ofazendeiro estava geralmente em crédito junto ao comissário. Mas, nosanos 1880, a situação aparentemente se inverteu, provavelmente devidoaopreçodotrabalho,jáquecapitaismaiorestiveramqueserimobilizadossob a forma de renda capitalizada na pessoa do trabalhador. Em últimainstância, ganhavam os banqueiros, inanciadores dos comissários. Coutyconstatava,em1883,a

intervenção da dívida em todas as relações [...], dívidas dosfazendeirosemrelaçãoaoscomissários,doscomissáriosemrelaçãoaos bancos, dos bancos em relação a todos, dos consumidores emrelaçãoaosimportadoresedosimportadoresnaEuropa."'

Os fazendeiros deploravama dependência emque se encontravamemrelação ao comissário, não mais tido como o representante pessoal quecuidava de todos os negócios externos da fazenda e até mesmo dosnegócios de família do fazendeiro, mas de inido como explorador."6Empenhavam-se os fazendeiros, aliás, em obter a criação de bancos decusteioagrícola comomeiode livraremsedo intermediário inconveniente.De qualquer modo, além da proliferação de bancos envolvidos nosnegóciosdocaféapartirdosanos1890,oscomissárioscomeçaramaseralijadosdosnegóciospelaintervençãodosexportadoresnacompradiretade café nas fazendas. O fazendeiro caía, assim, sob controle direto docapital inanceiro dos bancos, dado que os exportadores eram simplescompradoresqueatuavamnabaixadocaféparaofazendeiro,eliminandoo intermediário que era o comissário. Na falta deste, os bancos vieram asuprirassuasfunçõesbancárias.

Tais fatos não representaram um maior envolvimento do capital noprocesso produtivo. Ao contrário, a fazenda, já no começo do século xx,icavaquasequeinteiramentesujeitaaosbancoseexportadores,estes,namaioria,estrangeiros,interessadosemretirardasmãosdoscomissários,e

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ampliá-lo, o lucro extraordinário advindo da exploração de relações nãocapitalistasdeprodução.Amaiordependênciaemrelaçãoaessas formasde capital apenas acentuava a característica da fazenda comoempreendimento voltado para a produção de mercadoria com base nascondiçõesdeexploraçãodaforçadetrabalhoquejáforamindicadas.

Essas alterações nãomodi icaram, pois, o fato de que o fazendeiro eraumcapitalistaqueoperavaessencialmenteapartirdocapital-mercadorianoqualseexprimiaotrabalhopretérito,'17obtidoatravésderelaçõesnãocapitalistas de produção. A fazenda se organizava, em suas relaçõesinternas, pela intervenção do capital de custeio, do capital paramovimentaçãodassafras.Porisso,arelaçãoentreofazendeiroeocolonoenvolvido no trato e colheita do café era uma relação semelhante à quemantinhacomocomissário-umarelaçãodecréditoedébito,umarelaçãode contas correntes, como se o próprio trabalhador fosse outrocomerciante."'

Enquantono regimede trabalhoassalariado,nas relaçõesdeproduçãocapitalistas, a relaçãoentreoempresárioeoproletárioéumarelaçãodeigualdadequeescondeadesigualdade,emqueaocultaçãodaexploraçãosedánopróprioprocessodetrabalho,noregimedecolonatoa igualdadeformalnãosedánoprocessodetrabalho,masforadele.Dizendodeoutromodo, no primeiro a igualdade é o ponto de partida do relacionamentoentre o patrão e o operário. Este entende que o que vende àquele,expresso em salário, é equivalente aos meios de vida necessários à suareproduçãoedesuafamília.Entretanto,aquelecompraousodotrabalho,cuja utilidade está em produzir mais valor do que aquele que contém,medidonosdispêndioscomosmeiosdevidadesuareprodução.Ao imdoprocessodetrabalho,oqueseteméqueeleéaomesmotempoprocessodevalorizaçãodocapital,emqueocapitalentracomovalorquesevalorizaa simesmo.Amais-valia assimextraída, soba formade lucro, apareceaícomofrutodocapitalenãocomofrutodotrabalho."9

No regime de colonato, as coisas não ocorriam dessa forma, embora, éclaro,houvesseumlucrodofazendeiro.Équeamais-valiaapareciasobaformadelucrocomercial, jáque,parafazerumadistinçãoquesefazianaépoca, havia uma grande distância entre o valor e o preço da fazenda.

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Couty, o perspicaz agrônomo, iludia-se quando a irmavaque o preço queas fazendas podiam alcançar em seu tempo era inferior ao valor quetinham, isto é, ao trabalho materializado nas plantações, construções eequipamentos e às mercadorias que produziam. Para ele, a diferençaexpressava a problemática falta dedemandade terras e deummercadoimobiliário. Ledo engano, pois tal diferença expressava, em verdade, aausência domercado comomediador na formação do capital da fazenda,comovimos,extorquidodiretamentedotrabalhadorsobaformaderendaemtrabalho.

A diferença procedia fundamentalmente da desimportância dosdispêndios monetários na formação do capital da fazenda. A mais-valiaexpressava todo o trabalho pretérito não pago desde a formação docafezal, oculto numa relação comercial,mas surgia somente na transaçãodo fazendeiro com o intermediário. Para o fazendeiro a mais-valia sematerializavanacolunado"haver"dassuascontas-correntescomoagentecomercial, comoexpressãodesegunda instânciadeum jogocontabilísticoquetiverasuaprimeira instâncianoqueelemesmotratavacomorelaçãocomercialqueerasuarelaçãocomostrabalhadoresqueformavamecomosquetratavamdesuasplantações.

Assimcomofechavaanualmentesuacontacomointermediário,tambémanualmentea fechava comseu colono.Apóso inalda safra, o fazendeirofazia o acerto com o chefe da família trabalhadora. A formalização daigualdade própria do trabalho livre ocorria nesse plano, no plano dacontabilidade que mediava a relação de ambos, no plano dos ganhosmonetários. Aí o colono aparecia como fornecedor de mercadorias e,eventualmente, como trabalhador diarista, de que provinha parcelamínima dos seus rendimentos. Aparecia, também, como comprador demercadoriasao fazendeiro,nobarracãoounoarmazémondeadquiriaosfornecimentosaolongodoano,oucomodevedordeadiantamentos.Oitemprincipal de sua receita provinha dos alqueires de café colhido e dostalhõestratados,otrabalhodeenxadanalimpadocafezal,aremoçãodaservasdaninhasdasleirasentreoscafeeiros.Acentuavaessacaracterísticao fato de que ao colono cabia uma caderneta que deveria reproduzirielmente os registros da sua conta corrente com o fazendeiro. Nessarelação,otrabalhonãoentrafundamentalmentenaqualidadedetrabalho

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social e abstrato; ele entra revestido ainda da forma de mercadoria, detrabalho materializado em valores de uso e de troca, com o caráter detrabalho pessoal e concreto. A troca igual não entra no começo daprodução, mas unicamente no seu inal. Por essa razão, não se podereduzir aomenosparteda remuneraçãodo colono à categoria de salárioporpeça.Équenocolonato,como já foi indicado,ocolonoseenvolviaemuma complexa relação com o fazendeiro, que não podia ser resumidanumadasvariantesteóricasdosalário.Complexa,também,porquenãoseresumiaaumatemporalidade,adosalário,massedistribuíapelostemposdesuadiversidade,acomeçardearcaísmosdesuarelaçãolaboralcriados,precisamente,peloprópriocapitaleemnomedocapital.

A igualdade formal entre o colono e o fazendeiro, estipulada com basenos elementos da conta corrente entre ambos, mediante a troca dedinheiropeloprodutodo trabalho (o café), eraa simples igualdadeentrecompradores e vendedoresnopróprio atode compra e venda.Mas, essaigualdade episódica, de acerto de contas, acobertava uma efetiva relaçãodesigualnoprocessodetrabalho.

Nointeriordafazenda,apenasumaparceladapopulaçãotrabalhadora,aquelaquesededicavaaobene iciodocafé,dasecagemaoensacamento,tinha suas relações com o fazendeiro estabelecidas com base nopagamentode salário.120Mesmona vigência do trabalho escravo, váriasdas tarefas de bene iciamento do café, sobretudo após a introdução deequipamentos modernos nos anos 1870, eram realizadas por operáriosespecializados livres, rea irmando uma tendência que vinha desdeantes.121Dessemodo, tantoa formaçãodo cafezalquantoobene íciodocafé já eramefetuadospor trabalhadores livres antesda formalizaçãodoimdaescravatura.Agrandealteraçãonasrelaçõesdeproduçãoocorreu,pois,notratoenacolheitadocafé,momentodemaiordemandademãodeobranoprocessodetrabalho,ondenãoseinstituiuosalariatonemmesmocom o advento do trabalho livre. Os colonos constituíam a grandemassados trabalhadores do café, o que fazia do assalariamento um vínculoproporcionalmente de menor importância na economia das fazendas.Algumasdelaschegaramapossuir5,6,8milcolonosinstaladosdentrodeuma mesma propriedade, em vários e distintos agrupamentos, aschamadascolônias.Noconjuntodasfazendasdeummesmofazendeiroou

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de umamesma família de fazendeiros, o número de trabalhadores podiaultrapassar a dezena de milhar, número que a indústria paulista sóalcançariaapartirdosanos1950.

Num estudo sobre uma dessas grandes fazendas, com base nadocumentação escrita da propriedade, a autora supõe que uns 75% dostrabalhadores estiveram sob o regime de colonato.'22 Em outro estudosobre a mesma fazenda, um pesquisador veri icou que 41,4% dosdispêndiosmonetáriosde1896a1899haviamsidofeitoscomcolonoseorestante com diversas modalidades de assalariados.123 O menordispêndio comamaiorpartedos trabalhadores, aqueles sobo regimedecolonato,nãoresultavadesaláriosmaisbaixospagosaostrabalhadoresdalavoura. Resultava de que as relações de produção do colono eramdistintasdaquelasquevinculavamosdemaistrabalhadoresaofazendeiro.Basicamente,naagriculturaintercalardealimentosounasuasucessora,aculturaemterrasdafazendanãoempregadasnocultivodocafé,afamíliade colonos obtinha sua própria subsistência e excedentes paracomercialização, o que atenuava, para o fazendeiro, signi icativamente, osgastosemdinheiro.

Era,pois,diretamentenoprocessoprodutivoque se travavamrelaçõesde trabalho distintas do salariato, que não podiam ser de inidas comorelaçõesdeproduçãocapitalistas.Noprocessodetrabalho,ovínculoentreo patrão e o colono era um vínculo que não escondia a desigualdadeeconômicadorelacionamentoentreambos,cujavisibilidadeestavanofatodequeumeraodonoda terraeooutro,oquenela trabalhava,nãoera;umeraomoradordacasa-grandeeooutroeraomoradordacolôniaqueem torno dela gravitava. A questão que se propõe é a de saber como sedavaaaceitaçãodadesigualdadepelocolono.Naescravidãoerapormeioda chibata. Em outras palavras, de quemodo o trabalhador legitimava aexploração,reveladanessadesigualdade,contidanoprocessodetrabalho?Que forma assumia o processo de valorização do capital na trama demediações tão diversas das relações propriamente capitalistas deprodução?

O colono não era um trabalhador individual, mas um trabalhadorcoletivo que combinava as forças de todos os membros da família: o

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marido, a mulher, os ilhos com mais de sete anos.124 Enquanto naescravatura o trato do cafezal era no eito, era efetuado por turmas deescravos,jáeraumatarefasocializada,noregimedecolonatopassouaserorganizado em base familiar. Esse trabalho não se dissolvia no esforçocomum da coletividade dos trabalhadores, às vezes milhares dentro deumamesma fazenda. Preservava a "individualidade" do seu trabalho.121Recebia uma parcela do cafezal com a incumbência demantê-la livre deervas daninhas, o que representava 5 a 6 carpas anuais.126Também seincumbia da colheita do café e aí mais intensivo se tornava o trabalhofamiliar.127 É que o trato era combinado à base de uma quantiadeterminadadedinheiropormilpésdecafétratados.Cadafamíliarecebiaumnúmerodeterminadodepésde café para tratar, à basede2mil péspor trabalhadormasculinoadulto.Mulheresemenoresacimade12anospodiamincumbirsedemilpésdecafé.Jánacolheitaopagamentoerafeitocom base numa quantia determinada por alqueire de 50 litros de cafécolhido e entregue no carreador, onde era recolhido e levado para oterreiro para secagem. Quanto maior o número de trabalhadores, maiorera a quantidade de café colhido pela família e maior o ganho familiar.Havia até uma divisão familiar do trabalho para realizar a colheita: ohomem, sobre uma escada de tripé, colhia nas partes altas do cafeeiro, amulhernasmédiaseascriançasnaspartesmaisbaixas,nasaiadaplanta.Emambosos casos,no tratoena colheita, o rendimentomonetário anualdocolonodependiadograudeintensi icaçãodotrabalhoquepodiaimporàsuafamília.121

O colono combinava a produçãodo café coma produçãodeumapartesubstancialdosseusmeiosdevida.Especialmentenoscafezaisnovosera-lhepermitidoplantarmilhoefeijãoe,emmenorescala,arrozdesequeiro,batatas,legumesetc.Essaproduçãolhepertenciainteiramente,emgrandeparteconsumidapelafamíliaeempartevendidaaoscomerciantesou,atémesmo, ao fazendeiro.129 Quando o cafezal era velho em geral não serecomendava a cultura intercalar. Nesse caso, o fazendeiro colocava àdisposiçãode cada família de colonoumpedaçode terra emoutro lugar,geralmente terrenos baixos, impróprios para o café, a im de que sededicasse ali ao cultivo dos gêneros de subsistência. Outras vezes, ofazendeiro cedia ao colono esse lote fora do cafezal e, ao mesmo tempo,autorizava o plantio de algum gênero entre as leiras do cafezal, em

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condiçõesdeterminadas.130Àsvezes,aáreaforadocafezalcorrespondia,em extensão, a uma outra fazenda, somadas as culturas de todos oscolonos.

Nãoeraindiferentequeaculturadesubsistênciafosserealizadadentroou fora do cafezal. Sendo plantada entre as linhas de café, poupavatrabalho ao colono. Se dentro, aomesmo tempo que o colono procedia àlimpa do cafezal, podia cultivar o milho ou o feijão, ou outra planta quetolerasseaconsorciação.Oprocessodetrabalhodocaféera,nessescasos,umprocesso combinadode cultivo, aumsó tempo,deplantasdiferentes.Namesmajornada,ocolono,dessemodo, intensi icavaoresultadodoseutrabalho. Trabalhava para o fazendeiro aomesmo tempo que trabalhavaparasi.

Quando isso não era possível, então, de fato, ocorria uma extensão dajornada de trabalho ou o aparecimento de uma segunda jornada detrabalhodocolononasuaprópriaculturadesubsistênciaounasuaroça,comosedizia."Seéprecisoplantaromilhonumcamposeparado,édobrarapenasemdobraroresultado",diziaDenis.131Daídecorriauminteressemaior dos colonos pelos cafezais das zonas novas, havendo quem osrecriminasse severamente porque os considerava responsáveis únicospelaexpansãodoscafezais,semexpansãoproporcionaldoconsumoedosmercados, levando à superprodução, cujos primeiros sinais surgiram em1896 e que levaram à tácita proibição do plantio de novos cafezais em1903,impedimentoque,aliás,durouváriosanos.132

A alimentação do colono provinha em grande parte dessas culturasacessórias. Trabalhando fora do cafezal para prover sua subsistência e adafamília,duplicavaajornadadetrabalho.Aintensi icaçãodoprocessodeexploração do trabalhador nessa variante do regime de colonato deixavanítidaapeculiareocultaexploraçãodo trabalhoquenelahavia.O tempode trabalho necessário à reprodução da força de trabalho e o tempo detrabalho excedente, de que o fazendeiro se apropriava no fruto desseverdadeiro e complexo sistema de produção, que era o café, não seefetivavam num único processo de trabalho. Nesse caso, ao trabalhar nocafezal,no tratoenacolheita,oprodutor tinhaconsciênciadequeestavatrabalhando para o outro, o fazendeiro, pois se defrontava objetivamente

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comoinstrumentodesuasujeiçãocomocoisaalheia.

Naszonasnovas,emqueoprocessodetrabalhoeraúnico,naproduçãocomercial e naproduçãode subsistência, o tempode trabalhonecessáriosematerializava,semdúvida,emobjetosdistintosdaqueleemqueassumiaforma o tempo de trabalho excedente, que era o café. Mas a culturaconsorciada de alimentos e de café, o que era do colono e o que era dodono, embaralhava o processo de trabalho nele atenuando as objetivascondiçõesdeconsciênciadoqueseparavaeantepunhaumeoutro.Éclaroqueocolonopodiavenderosexcedentesdosgênerosqueproduzisseedefatoofazia.Masessesgênerosnãotinhamcusto133eeramvendidosporqualquer preço, para completar o rendimento em dinheiro necessário àaquisição de uma ou outra mercadoria não produzida diretamente pelocolono. Não era raro que os excedentes fossem consignados a umcomerciantepróximo,paraqueo colono retirasseoutrasmercadorias, namedidadesuasnecessidades,ouentãoqueentregasseosprodutos jáempagamentode aquisições a crédito. Poroutro lado, é claro tambémqueocolono recebia pagamentos em dinheiro pelo café colhido e entregue aofazendeiro. Mas esses pagamentos estavam muito aquém dos saláriosurbanos.Oqueumoperárioganhavaemummêserageralmenteoqueocolonorecebiaemumanoparacuidardemilpésdecafé.Écerto,porém,que havia outros rendimentos monetários para o colono, pois em geralpodiaelecuidardedoismilpésdecafé,alémdosganhosproporcionaisàcolheitaquefizessecomsuafamília.

Em 1911, a produção direta dos gêneros de subsistência era avaliada,emtermosmonetários,em37%doativodeumafamíliacompostadocasale quatro ilhos em condições de trabalhar.Mas, no passivo da família, noefetivo dispêndio de recursos com os meios de vida, essa parcelacorrespondia a 46,4% das despesas. Numa família menor, a parcelaalcançava 32,8% 134 A diferença era coberta com ganhos diretamentemonetários.

Eramvariadasasfontesderendimentodeumafamíliadecolonos,masoprincipalprocediadacolheitadecafé,queseestendiageralmenteporumperíododeatécincomeses,de insdemaioatésetembro,nomáximo,edotrato do cafezal. Na caderneta de um colono, relativa ao ano de 1906,

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observa-seque54,9%dosseusganhoscorresponderamàcolheita,37,6%aotrato,3,8%a32diasdetrabalhoavulsoemjornadasde10horas,1,7%de14diasemeiodecarpadetalhõesdeoutroscolonos,1,4%de12diasde trabalho na limpeza de terrenos e 0,6% da venda de feijão aofazendeiro.135

Comosevê,o colonopodiaainda trabalharcomodiaristana fazenda,aque estava, aliás, obrigado por contrato desde que fosse solicitado,especialmenteparatrabalhosnoterreiro,nasecagemdocafé.

Além disso, estava geralmente sujeito a determinadas modalidades detrabalho gratuito. Um autor registrou, na época de sua referência, trêsdessasmodalidades:consertodaestradadafazendaàestaçãoferroviária;limpeza do pasto da fazenda e reparos periódicos na cerca do pasto.Estimava-sequeparacadaumadessastarefasseriamdestinadosdoisdiasdetrabalho,totalizandoseisdiasporano.136

Esse elenco de vínculos monetários, não monetários e gratuitos e ocaráter familiar do trabalho do colono não permitem que se de ina asrelações de produção do regime de colonato como relaçõesespeci icamente capitalistas de produção ou mesmo como relaçõescapitalistas de produção, na diferenciação dessas relações proposta porMarx.137 A presença do dinheiro nessas relações obscureceu para ospesquisadoresoseucaráter real.Aoproduzirumapartesigni icativadosseusmeiosdevida,emregimedetrabalhofamiliar,ocolonosubtraíaoseutrabalho às leis do mercado e, de certo modo, impossibilitava que essesmeios de vida fossem de inidos de conformidade com os requisitos demultiplicação do capital. É certo que o índice de exploração da força detrabalhonaeconomiacafeeira, sobo regimedo trabalho livre, foi sempreestabelecido mediante o controle do tempo do trabalhador, na suadistribuição entre a cultura do fazendeiro e a cultura do colono. Umaintensi icaçãodo trabalhona lavourada fazenda,medianteo aumentodonúmero de pés de café que o colono deveria cuidar, foi recurso usado emuito, como já ocorrera, aliás, sob a escravatura, para incrementar oproduto do fazendeiro com menor número de trabalhadores. Com isso,subtraía-se ao colono tempo para que se dedicasse à lavoura desubsistênciaquandoelafoideslocadaparaforadoscafezais.

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Quando não se retém a especi icidade das relações de produção noregime de colonato, ica impossível entender os mecanismos ideológicosquede iniamasingularidadedoprocessodevalorizaçãodocapitalnessascondições, isto é, do processo de acumulação. É que a modalidade deextração da mais-valia tinha que assumir uma forma congruente com amodalidade de exploração da força de trabalho na fazenda de café. Aproduçãodiretadosmeiosdevidapelotrabalhadorindicavaapenasqueocapital não se assenhoreara diretamente do processo de produção, masfazia-o indiretamente, convertendo o seu produto em mercadoria. Adeterminação capitalista dessas relações não capitalistas de produção sedavaessencialmentenofatodequeotrabalhadorproduziadiretamenteosseusmeiosdevidaparaproduzirumexcedente, o café, que, por estar jásubjugado pelo capital comercial, surgia das mãos do colono comopropriedade alheia, como mercadoria do fazendeiro. Enquanto,regularmente,supõe-sequeaatividadeinicialdotrabalhadorcorrespondea tempo de trabalho necessário à sua reprodução como trabalhador e orestantea tempodetrabalhoexcedente,aserapropriadopelocapitalista,nafazendaocorriaoinverso.Ofazendeiroextraíaprimeiramenteotempode trabalho excedente, de inindo a prioridade do cafezal como objeto detrabalho do colono. Somente depois da extração do trabalho excedente équecabiaaocolonodedicar-seresidualmenteaotrabalhonecessárioàsuareproduçãocomo trabalhador, sobaaparênciadeque trabalhavapara simesmo.Aindaassimestava trabalhandoparao fazendeiro, garantindoascondições de sua própria reprodução como produtor de trabalhoexcedente.

Tal ordenamento intensi icava a exploração do trabalho, ao mesmotempo que a obscurecia. A produção de gêneros pelo colono estrangeiro,para si mesmo, trazia fartura a sua casa, fartura que ele imediatamentecontrapunha à fome e à miséria que padecera no país de origem,submetidoadurasregrasdeparceria.13'Quantomaisocolonotrabalhavapara simesmo - duplicando a jornadade trabalho, subtraindoos ilhos àescola, antecipando a exploração do trabalho infantil, intensi icando otrabalho da mulher por sua absorção nas tarefas do cafezal - mais eletrabalhava para o fazendeiro. É que os rendimentos monetários dotrabalho apareciam para o colono revestidos de uma qualidade quederivavadaprópriaseparaçãosubjetivaeobjetivaentrelavouradocolono

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elavouradofazendeiro;apareciamcomoosupér luo,osecundário,oquevemdepois da reprodução da vida.139Nesse caso, as pressões por umaremuneraçãomonetáriamaiordotrabalho,emfacedeumaelevaçãogeraldospreços,parecequeexistiramapenasescassamente.140Atéporqueaelevação dos preços dos alimentos bene iciava o colono pois era eleprodutor desses gêneros e vendedor de seus excedentes, raramentecomprador.

A carestia que atormentava a classe operária urbana, como se viu nasgrandesgrevesdaprimeirametadedoséculoxx,chegavaaocolonocomosinal invertido, bene iciando-o. Enquanto entre 1895 e 1905, entre asvésperas da primeira crise de superprodução de café e as vésperas doprograma de valorização proposto no Convênio de Taubaté, houveacentuada queda nos preços do café, os pagamentos monetários doscolonos quase não tiveram variação. Isso provavelmente porque já erampagamentosmuito inferiores ao valor da riqueza criada pelo trabalho nocafezal, abaixo do qual o colonato seria inviável. Denis registra que opagamento

pelotratodemilpésdecaféera,em1895,de90milréisede600réis pela colheita de cinquenta litros de frutos. Numa pesquisaagrícola feitaem1907[...]orelatordácomocifrasmédiasde60a100milréispormilpésdecaféede500a600réisporcinquentalitroscolhidos.141

Quinzeanosdepois,ospreçostinhamsofridoreduzidaalteração.142

Na medida em que a existência do colono não era inteiramentedeterminada pelas condições domercado, pelo preço dosmeios de vida,sua remuneraçãomonetáriapodiamanter-sebaixa, quase semoscilaçõesmesmonumperíododecrisequecomeçavaaafetarsigni icativamenteascondições de existência do operariado urbano. Entre o rendimentomonetário e a cultura intercalar, preferia o colono, aliás, as vantagensdestaúltima.Denisregistrouumdiálogotidocomumgrupodecolonosquedecidira retirar-se de uma fazenda para trabalhar em outra, que éelucidativo:

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É verdade que vocês vão trabalhar na fazenda de ... no anoquevem?-Sim.-Porquemotivovocêsvãomudardefazenda?Vãoganharmaisnaoutra?Vocêsnãorecebemaqui80milréispormilpés?-Sim.-Quantolhesoferecemlá?-Somente60milréis.-Então,por que vão sair? - É que lá pode-se plantar milho entre oscafeeiros.143

Portanto, o número reduzido de greves de colonos, que seriamindicativas das características do processo de valorização do capital nafazenda de café, não deve ser imputado à dispersão dos colonos "porfazendasisoladas, impossibilitandocontatosquereforçassematomadadeconsciência de uma condição comum e o esboço de uma açãoreivindicatória".1`4Naverdade,dentreasváriasdi iculdadesparaqueostrabalhadoresruraisseexprimissemcomoosoperáriosurbanosestavamas próprias relações de produção completamente distintas. É preciso terem conta que se os colonos estavam dispersos por várias fazendas,constituíam, entretanto, grandes aglomerados dentro da mesma fazenda.Enquantoamaiorfábricadoestado,em1918,aTecelagemMariângela,dafamíliaMatarazzo,tinha1.830operários,115fazendashavianocomeçodoséculo que tinham 8 mil trabalhadores, distribuídos em colônias. Não sóvivenciavam uma mesma situação social, como conviviam no espaçocotidiano da vizinhança, num relacionamento face a facemais intenso doque o da situação fabril, sem que daí resultassem manifestações ereivindicaçõessignificativos.

Outra di iculdade era a da natureza familiar do trabalho, sem que ostrabalhadores se individualizassem na situação de trabalho e sereconhecessemdonosdesiedasuaconsciência.Ochefeda famíliaeraodepositário da consciência familiar, ao mesmo tempo que o trabalho sedeterminava pelo familismo que propendia ao patriarcal, vinculandogerações a um projeto de família, o que tornava o confronto laboralpraticamenteimpossívelou,nomínimo,otornavasecundárioemrelaçãoaoutrasprecedênciasnavidadocolono.Aomesmotempo,ochefedefamíliaeraagentediretoemediadordaexploraçãoqueafazendaexerciasobreafamília de colonos, uma espécie de capataz na ordenação e execução dotrabalho.Adisciplinadotrabalhoeraintegradanoexercíciodaautoridadedopaide família,oquedi icultavaqueosverdadeirosagentesdarelação

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laboralsepropusessemobjetivamente,comcaraprópriaenãocomacarade outras relações sociais vividas pelos colonos. Não que o colonoconsiderasse a porção da fazenda sob seu cuidado, os talhões de café deseu trato, como propriedade sua. Não se conhece nenhumamanifestaçãonessesentido,oslimitesentreopróprioeoalheiobemdefinidos.

Ocolonotinhapresenteoqueeratrabalhoparasieoqueeratrabalhoparaofazendeiro.Paraele,opagamentoemdinheironãotinhafunçãodesalário, não tinha o atributo de uma contrapartida igual por determinadotempo de trabalho. Mas, legitimava a relação desigual porque para ele otrabalho para si mesmo, o trabalho necessário, aparecia como trabalhosobrante e o trabalho sobrante, o trabalho para o fazendeiro, é que serevestia da aparência de trabalho necessário. Porque o trato do cafezalaparecia como tributo, como variante da renda em trabalho, paga aofazendeiropelodireitodecultivointercalardaagriculturadesubsistênciaoupelo direito ao lote de roça fora do cafezal. O essencial aparecia comosecundárioevice-versa.

Se a cultura de subsistência era cultura intercalar, como preferia amaioria dos colonos, em que a distinção entre trabalho necessário etrabalho excedente só se objetivava porque coexistiamnomesmo espaçode terraplantas subjetivamentede inidas comoplantadocolonoeplantado fazendeiro, a justi icativa legitimadora era acentuada aindamais pelofato de que aparentemente o colono só trabalhava para si (da mesmaformaquenamentedofazendeirosedavaoinverso).

No produto entregue ao fazendeiro, na colheita, se materializava otrabalho sobrante que o colono entendia ser o trabalho necessário.Independentemente da sua vontade, trabalhar para o fazendeiro era atoque se materializava no número de pés de café a seu cuidado e,principalmente, na quantidade de alqueires de café que entregava nocarreador durante osmeses da colheita. Nesse ato, o colono entregava oseu trabalho objetivamente ao dono do cafezal sob a forma de café, caféquenão eraprodutode trabalho coletivode todos os trabalhadores,masera produto do trabalho familiar, trabalho de sua família. Não estando aexistência do colono fundamentada no salário, não estando socializado otrabalhoeofrutodotrabalho,oresultadodaatividadefamiliarnãopodia

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deixar de se apresentar como entrega direta de valores de uso aofazendeiro. Isto é, o café produzido nessas condições sociais não setransformavaemprodutosocialnopróprioprocessodetrabalhoagrícola.Nissonãosediferençava,emprincípio,daproduçãoalimentardaroçadocolonooudaagricultura intercalar,quechegavaao inaldesuaproduçãodeterminada por sua utilidade, por seu uso. O excedente, eventualmentecomercializado, era sobra de valores de uso que só na venda adquiria aqualidade social que da troca resulta. O trabalho sobrante, a mais-valiaabsoluta, era, a rigor, na fazendade café, comoque entregue emmãodofazendeiro,materialmente.

Emboraaexploraçãodotrabalho,noregimedecolonatosecon igurassena produção de subsistência, na sobrejornada, ela não podia serapreendidae compreendidaaí,protegidaeacobertadapelaaparênciadeque o trabalhador trabalhava para si mesmo, quando de fato estavatrabalhandoparaofazendeiro,parasereproduzircomoforçadetrabalhodofazendeiro.Sendoalavouradofazendeirodistintadalavouradocolono,tendoesteempregadonaquelaoseutrabalho,eranosresultadosdelaqueaexploraçãopodiamanifestar-se.

Assim sendo, somente na colheita do café, no inal do ano agrícola,quandoocolono jásabiaemquemedidaaproduçãodesubsistência foraouseriasu icienteparacobrirsuasnecessidadesdemeiosdevida,équeaexploração se lhe propunha objetivamente. Porém, nos termos de suacompreensãoinvertidadaduplicidadedoprocessodetrabalhonocafezal,nobalançoentreoquantosuaprópriaproduçãoalimentar lhepouparaousodecréditosemdinheiroaseremdescontadosdopagamentopelotratoe pela colheita do café e pelos dias de trabalho avulso na fazenda. Eracomplexaaconsciênciaqueresultavadessaeconomiadupla,poisexprimiao balanço entre fartura e ganho, expresso no saldo. Complexo porque afarturadiziarespeitoaodiaadiaeosaldodiziarespeitoapossibilidadesde vida que podiam até mesmo estar fora do cafezal, como acabariaacontecendo para muitos, especialmente com a Crise de 1929, quandomuitos colonos de tornaram proprietários de sítios desmembrados defazendasarruinadas.146Aoentregaroprodutodoseutrabalho,ocafé,aofazendeiro,équepodiaocolono,então, julgaremquemedidaera justoopreçopre ixadoporarrobadecafécolhidoepormilheirodecafétratado.

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Mas aí já era tarde, restando-lhe apenas a alternativa de demitir-se eprocurartrabalhoemoutrafazenda,oquedeveteracontecidoemuitoaoim de cada safra de café. Nem sempre procurando o colono melhorremuneração em dinheiro por seu trabalho e sim vantagens relativas àsculturaspróprias,antecipaçãoprovisóriadaaspiraçãodaautonomiacomoproprietário de terra, busca que marcou a imigração estrangeira para oBrasil.

Por essas razões, os pouco numerosos casos conhecidos de greves nasfazendasde café,na fase aqui estudada, sãonamaioria relativos à épocadacolheitaeaospreçosa serempagosaocolonoporquantidadedecafécolhido,quandoàvistadocombinadoedasvariaçõesdospreçosdoanojápassado, podiam os colonos antecipar alguma inquietação quanto aosrendimentosmonetáriosdeseutrabalho.147Paraofazendeiro,acolheitaera o momento mais importante da vida da fazenda. Deslocavam-se osabsenteístas, ou os donos de várias fazendas, desde grandes distânciaspara acompanhar e supervisionar os trabalhos.148 A colheita era omomento em que se consumava a conversão do trabalho em produtocomercializávelepreâmbulodaconversãodocaféemmercadoria.Nãosóna realidade dos pagamentos acertados, mas também no imaginário deincertezasque era a culturado café, desde as geadas inesperadas até asvariações alternadas de ano para ano da produtividade dos cafeeiros,sobretudoemdecorrênciadapráticadaderriçados frutosnopanosobasaia da planta ou mesmo na coroa nua de terra. Era a última etapa dotrabalhoparaocolono,aquelaemqueoseu trabalhosematerializavanoobjetoaserentregueaofazendeirosobformadecafé,eraomomentoemque o fazendeiro convertia o produto em dinheiro para pagar o seutrabalhador. Ele não pagava diretamente o trabalho, mas o fruto dotrabalho. Por isso, a greve do colono, quando não versava sobre ascondiçõesdevidanafazenda,incidiageralmentesobreaépocadacolheita.Era a recusa em oferecer ao fazendeiro o trabalho sob a forma que lheinteressava: sob a forma de café no antemomento de sua conversão emmercadoriaedinheiro.Agrevetransformava-senumarecusadotrabalhoatravésdarecusadamercadoriapotencial,docafénaiminênciadetornar-se mercadoria, pois somente colhido o café tinha condições de sermercadoria.

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Éimportante,poroutrolado,teremcontaque,noprocessodetrabalho,o café aparecia como produto da propriedade, isto é, produto de umaforma especí ica de existência do capital, que é a forma de rendacapitalizada. No processo capitalista de produção, a mais-valia aparececomoprodutodocapital,comovalorquesevalorizaasimesmo,porqueosalário aparentemente remunera todo o trabalho do trabalhador. Noregimedecolonato,aausênciadosalário,comoformasocialdominantedarelação entre o fazendeiro e o colono, impedia que ambos vivessemintegralmente a icção necessária da igualdade engendrada pela trocaaparentemente igual, equivalente, de dinheiro por tempo de trabalho.Nesseprocesso,otrabalhadornãoaparece, istoé,nãosevênemsedeixaver, como explorado, embora o seja. No colonato, o café surgia comoproduto da propriedade, na medida em que a renda territorial era acondição da sujeição do trabalho, em que o capitalista se propunha, amaior parte do tempo, como rentista e o trabalhador, também a maiorparte do tempo, como rendeiro. A relação entre o colono e o fazendeirotinha muita semelhança formal com a relação entre o arrendatário e oproprietário, não obstante de modo algum o fosse. Era nesse disfarce,socialmente necessário à legitimação da relação laboral, naquelacircunstânciahistórica,queocapitalsevalorizava, istoé,semultiplicavaese acumulava, se reproduzia e se propunha como a determinaçãofundamentaldoprocessodeprodução.

Nessa relação, a propriedade fundiária surgia como fundamento dadesigualdadeeconômicaentreofazendeiroeocolono.Aomesmotempo,orendimento monetário que dela derivava era mero complemento dosmeios de vida já produzidos pelo próprio trabalhador, não cobria oessencial, mas o supér luo, relativamente à reprodução da família dotrabalhador e de sua força de trabalho. O colono sabia que era desigual,pois além de a desigualdade se antepor a ele já no próprio processo detrabalho, ela se lhe antepunha de diferentes modos e em diferentesmomentos no relacionamento com o fazendeiro. A postura senhorial dofazendeiroesuafamíliaemrelaçãoaotrabalhadoreemrelaçãoaocenáriodetrabalhonafazenda,documentadaemváriasfotogra iasantigas,ébemindicativa de uma mentalidade pré-capitalista persistente e de umimaginário pré-moderno presidindo a forma singular como se deu odesenvolvimentocapitalistadaeconomiadocafé.149

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Nos próprios contratos essa desigualdade estava consignada. Grossianotaracontratoemqueocolono,pararetirar-sedafazenda,deveriafazeravisopréviode60dias;masoseupatrão,parademiti-lo,deverialimitar-sea dar aviso prévio de apenas 30 dias."' Se não izesse a prestação detrabalho gratuito, nos casos previstos e já mencionados, o colono estariasujeito à multa de 2$000 réis por dia, o equivalente ao salário de umtrabalhador avulso. Quando o fazendeiro precisava desse tipo detrabalhador pagava até 2$500 réis. Entretanto, se o colono atrasasse oiníciodosserviçosmarcadospelafazenda, icavasujeitoàmultade2$000a 5$000 réis. 15' Em suma, sob a desigualdade de critérios, icavatransparente que tinha valor para o proprietário aquilo que não tinhapreço para o colono - o seu trabalho. Aliás, até a República, segundoobserva Warren Dean, as leis de locação de serviços agravavam essadesigualdade, pois, paradoxalmente, não garantiam "a igualdade decontrato,umavezquedosdoiscontratantes,sóotrabalhadorerasujeitoàpenadeprisãosenãoocumprisse".'52

Dessemodo,paraocolono,apropriedadeeraacondiçãodaigualdadee,aomesmotempo,da liberdade.Para livrar-sedasujeiçãodapropriedadealheiateriaquetornar-seproprietário.Esseeraumprocessopenoso.Deanestimaqueseriamnecessáriosuns12anosdetrabalhofamiliarparaqueocolonosetornasseproprietáriodeterra.'s3Mesmoassim,nadaindicaqueisso fosse fácil. No censo agrícola realizado em São Paulo, relativo a1904/1905, constatou-se que apenas 14,8% das propriedades ruraispertenciam a imigrantes estrangeiros, às quais correspondiam somente9,5% da área titulada. De mais de ummilhão e duzentos mil imigrantesentrados em São Paulo até então, 8.392 haviam se tornado proprietáriosdeterra.154Pesquisafeitanumúnicomunicípiocafeicultordiminuiaindamais a escassa importância desse número, pois os imigrantes que setornaramproprietáriosnãoeramantigoscolonos,massimcomercianteseprofissionaisdacidade."'

O cerco que os fazendeiros-capitalistas haviam imposto ao colono,através da radical formalização da renda territorial capitalizada, domonopóliodeclassesobreaterra,parasujeitareexploraroseutrabalho,produziu,mesmoassim, os resultados esperados.A obsessãodo trabalhoindependente no campo ou na cidade foi reproduzida e reinterpretada

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através das relações de produção do colonato, como fruto do trabalhoobstinado.Porissotudo,oimigrantequefoitrabalharcomocolononãoeraumconformadocomosganhosmonetáriosreduzidos.Estavadepassagempelafazenda.Elaeraapenasumaetapanomovimentopelaautonomiaqueoprópriocapital lhehavia tiradonopaísdeorigem,nocasodos italianosao tornar extorsivas das condições da mezzadria. Ao migrar, não estavaindo de um lugar a outro pura e simplesmente. Estava dando direção aessemovimentonorumodotrabalhoautônomo,umaorientaçãosocialpré-capitalistaederesistênciadecamponeseseartesãosinconformadoscomadesagregação da sociedade tradicional e dela expulsos. No Brasil, essainquietaçãotornou-seabasedonossoconformismosocialpós-escravista.Amobilidade de busca, na emigração, teve contrapartida na economia docafé: a contínua oferta de mão de obra subvencionada pelo governo,condiçãoda tambémcontínuaocupaçãode terrasnovas, quealimentouaaspiraçãodaindependênciaedapropriedade.Areposiçãocíclicadaforçade trabalho icavavinculadaà reproduçãoextensivadocapital cafeeiro,oempreendimento dependente não só do capital propriamente dito, masdependente tambémdaabundânciade terrasedaexpansãoespacialdoscultivos.

A fazenda de café transformou-se num empreendimento de conversãode trabalho em mercadorias a partir de relações não capitalistas deprodução.Relaçõesdeterminadaspelareproduçãocapitalistaampliadadocapital e por um elenco de mediações sociais, culturais e simbólicas quefaziam da herança do pré-capitalismo um capital social do capitalismoagrário nascente no Brasil. A mais-valia absoluta incorporada ao caféentregue no mercado, constituída numa imensa massa de trabalho nãopago, realizava-se predominantemente fora da economia cafeeira. Longe,portanto,das relaçõeseconômicassingularesqueocorriamno interiordafazenda,emqueotrabalhonãopagoocultavasenocaráterderecompensadas retribuições recebidas pelo trabalhador,materializadas sobretudonafarturaque,nogeral,haviaemsuacasa.

A brecha de "vazamento" desse capital para fora da agricultura era aprópriamercadoriabifronte,comumacaraparaaeconomiareguladapeloimaginário pré-moderno, a do trabalho do colono, e outra cara para alógica capitalista moderna, a do fazendeiro. A ela a mais-valia absoluta

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estavaincorporadacomotrabalhopretéritonãopagoporqueaconcepçãode pagamento se reduzia aos termos da lógica do tributo, da renda emtrabalho, que predominava sobre o salariato incipiente e meramentecomplementar.

Aproduçãodecafésebaseavanumaaparentealtacomposiçãoorgânicado capital, com acentuada proporção de investimentos nas máquinas einstalações de bene iciamento relativamente aos dispêndios monetáriossoba formadecapitalvariável.De fato,porém,acomposiçãoorgânicadocapital era baixa, já que o peso da atividade da fazenda não estava nobeneficiamentodocafé,masnotratoe,principalmente,nacolheita.Atravésdo trabalho pretérito incorporado à mercadoria, a produção agrícolaremunerava o capital imobilizadono tratamento industrial do café.Dessemodo, a reprodução do capital teria que ocorrer, na cafeicultura,predominantemente sob a forma de reprodução extensiva e territorial,baseada amplamente na exploração da mão de obra sob relações nãocapitalistas deprodução. É claro que entre 1880 e 1930 se observaumaprogressivaincorporaçãodemáquinasetecnologiamodernanotrato,massobretudonobene iciamentodocafé,oquerepresentouumaelevaçãonacomposição orgânica do capital do conjunto da fazenda pelo crescimentodo capital constante em relação ao capital variável.Mas é claro, também,que os fazendeiros rapidamente saíram dos limites territoriais de suasfazendas, na reprodução capitalista de seu capital obtido por meio derelações não capitalistas de produção, nas ferrovias, nos bancos, naexportação de café e na indústria, seja como investidores diretos, sejacomo acionistas, como se pode observar tanto nos almanaques anuais doséculo xix quanto nos documentos arquivados na junta Comercial doEstadodeSãoPaulodepoisdaproclamaçãodaRepública.

Não importa desvendar apenas os mecanismos da acumulação docapital. Essa acumulação não seria possível se o trabalhador nãolegitimasse a exploração baseada em relações não capitalistas deprodução.Aquestãonãoéestritamenteeconômica.Aextorsãoderiquezasoboregimeescravistanãoprecisavadeoutrofundamentoquenãofosseavontadedosenhordeescravosedolátegoque,emseunome,manejavao feitor. No regime capitalista de produção, sabemos, essa extorsão seapoia na aparência e na suposição do senso comum de que o salário,

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cobrindoosmeiosdevidanecessáriosàreproduçãodotrabalhadoresuafamília, cobre de fato o valor de sua força de trabalho. Nenhumdos doismecanismosoperavanoregimedecolonato,comojulgoterdemonstrado.Ocolono icou nomeio do caminho entre a transparência da exploração, jáqueotrabalhoexcedentesematerializavaemobjetosdistintosdotrabalhonecessário, e a ilusãodequeoque recebia correspondia aovalorde seutrabalho.0colonoviveuumailusãoespecí icaquenãoeraproduzidapelaresidualrelaçãocapitalistadosalárioemdinheiro.Ocolonoviveua ilusãode que o que entregava ao fazendeiro sob a forma de café tratado ecolhido era o tributo que pagava para trabalhar para si. O colono não seconsideravaproprietáriodosmeiosdeproduçãonemmesmoproprietárioda terra de seu trabalho. Ele se considerava proprietário do seu própriotrabalho, do trabalho materializado nos produtos da agricultura desubsistência,mesmoquecomisso,naverdade,estivesseentregandooseutrabalho a outrem, ao fazendeiro, na concepção de trabalho que para ofazendeiroeseucapitaldavasentidoaoengajamentoprodutivodocolononocafezal.Portanto,tambémaíhaviaumaduplaconcepçãodetrabalho,jáqueasubsistênciaresultavadotrabalhoprópriodocolonoenãodosalárioquetornariaaaquisiçãodosmeiosdevidadependentedamediaçãoedalógicadomercado.

Por outro lado, a contradição da produção capitalista de relações nãocapitalistas de produção não podia se resolver no próprio interior daeconomia cafeeira. Como a agricultura da fazenda não absorvia capitalsenão limitadamente, pois ela própria produzia a parcela básica do seucapital, pela transformação da renda em trabalho em capital constante, ocafezal.A oposição entrepráticas capitalistas e relaçõesdeproduçãonãocapitalistasseresolverianareproduçãocapitalistadocapital,foradocafé,na indústria, como se deu, quase ao mesmo tempo que o trabalho livresubstituiuotrabalhoescravo.

Aomesmo tempo que a economia do café remanejava o colono para otrabalho independente, remanejava o capital por ela engendrado para oempreendimentoemquesedesseareproduçãocapitalistadocapital, istoé,areproduçãobaseadanotrabalhoassalariado.Aoproduziressarelação,ocaféproduziatambémasuaprópriasujeição,asujeiçãodasrelaçõesnãocapitalistasdeproduçãodocolonatoàsrelaçõesdomodoespeci icamente

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capitalistadeproduçãodagrandeindústria.

Notas

1 C£ Caio Prado Júnior, História econômica do Brasil, 6.ed., São Paulo,Brasiliense,1961,p.169-70.

2Idem,p.192.

C£ Florestan Fernandes, A integração do negro na sociedade de classes,SãoPaulo,Dominus/EditoradaUniversidadedeSãoPaulo,1965,v. i,p.20.

4C£ Sergio Silva, Expansão cafeeira e origensda indústria noBrasil, SãoPaulo,Alfa-Omega,1976,p.50.

C£Wilson Cano, Raízes da concentração industrial em São Paulo, Rio deJaneiro/SãoPaulo,Difel,1977,p.23-

6Idem,p.35.

C£ Boris Fausto, Trabalho urbano e con lito social (1890-1920), SãoPaulo/RiodeJaneiro,Difel,1976,p.17.

8Cf.BorisFausto, "Expansãodocaféepolíticacafeeira",emBorisFausto(org.),Históriageraldacivilizaçãobrasileira,SãoPaulo,Difel,1975,t.ti[,v.1,p.199-

9Idem,p.199.

10Cf.WilsonCano,op.cit.,p.38.

Cf. Caio Prado Júnior, "Contribuição para a análise da questão agrária noBrasil", em Revista Brasiliense, n. 28, mar.-abr. 1960, p. 212-6; CaioPradoJúnior,Arevoluçãobrasileira,SãoPaulo,Brasiliense,1966,passim.Apropósitodasanálisesdesseautor,c£BrazJosédeAraújo,"CaioPradoJúnioreaquestãoagrárianoBrasil",emTemasdeCiênciasHumanas,n.1,SãoPaulo,Grijalbo,1977,p.47-89-

12Sobreessedebateeseusaspectosmaisinclusivos,c£CiroFlamarionS.

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CardosoeHéctorPérezBrignoli, Losmétodosde IaHistoria,Barcelona,EditorialCrítica,1976,esp.p.76-8.

13Umautorque,nessesentido, tevegrande in luência foiAndréGunderFrank,esp. "LeCapitalismeet lemythedu feodalismedans l'agriculturebrésilienne", Capitalisme e sons-développement en Amérique Latine,trad. Guillaume Carle e Christos Passadéos, Paris, François Maspero,1963,p.203-52.

14Cf.DireetorioqueseDeveObservarnasPovoaçõesdosIndiosdoPará,eMaranhão, enquanto SuaMagestade nãomandar o contrário, Lisboa,Of icina de Miguel Rodrigues, Impressor do Eminentissimo SenhorCardeal Patriarca, anno MDCCLVIII, reprodução fac-similar em JoséOscar Beozzo, Leis e regimentos das Missões - Política indigenista noBrasil,SãoPaulo,Loyola,1983,p.129ss.C£,também,CaioPradoJúnior,FormaçãodoBrasil contemporâneo,5. ed., SãoPaulo,Brasiliense,1957,p.89.

15 Cf. Padre Manoel da Fonseca, Vida do venerável Padre Belchior dePontes, da Companhia de Jesus da Província do Brasil, Of icina deFrancisco da Silva, Lisboa, anno MD=ti, reeditada pela CompanhiaMelhoramentos,SãoPaulo,s/d,p.233.

16"Agora,nestemomentoquenosocupa,paraseproduzircafé,comonopassadoseproduziraaçúcar,apelava-separaaimigraçãoeuropeiacomodantes se recorria ao trá ico africano. O sistema permaneciafundamentalmente o mesmo, e se perpetuava nos novos territóriosabertos para a cultura do café, pela substituição do trá ico pelaimigração, do escravo africano pelo imigrante europeu." Cf. Caio PradoJúnior,A imigraçãobrasileiranopassadoeno futuro",Evoluçãopolíticado Brasil e outros estudos, 2. ed., São Paulo, Brasiliense, 1957, p. 252."Certamente não é amenor das ironias da história brasileira o fato deque, quando a imigração em massa inalmente chegou, ela não veio acriarumnovoBrasil,comotantosensejavam,porémserviuparaescorara enfraquecida estrutura do velho." C£MichaelM. Hall, "Reformadoresdeclassemédianoimpériobrasileiro:aSociedadeCentraldeImigração",emRevistadeHistória,v.LIII,n.105,jan.-mar.1976,p.169.

"Oconteúdoobjetivodesteprocessodecirculação-avalorizaçãodovalor-

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é o seu (do capitalista) im subjetivo, e só age como capitalista, comocapitalpersoni icado,dotadodeconsciênciaedevontade,namedidaemque as suas operações não têm outromotivo propulsor que não seja aapropriaçãoprogressivaderiquezaabstrata."Cf.CarlosMarx,Elcapital-CríticadeIaeconomiapolítica, trad.WenceslaoRoces,México,FendodeCulturaEconômica,1959,t.[,p.109ss.

A questão das forças motivadoras da expansão do capitalismo modernonão é, em primeira instância, uma questão de origem das somas decapital disponíveis para uso capitalístico, mas principalmente dodesenvolvimento do espírito do capitalismo. Portanto, para dizersumariamente, surgimento de uma mentalidade e de uma vocaçãocapitalistas." Cf. Max Weber, A ética protestante e o espírito docapitalismo, trad. M. Irene de Q. E Szmrecsányi e Tamás J. M. K.Szmrecsányi,SãoPaulo,LivrariaPioneira,1967,p.44.

'9Justamentesobreessepontotemincididoaênfasedediferentesautoresquetrataramdacondiçãocapitalistado fazendeiroemcontrastecomasrelações não capitalistas de produção na fazenda. Cf. FlorestanFernandes, Sociedade de classes e subdesenvolvimento, Rio de Janeiro,Zahar, 1968, p. 65: "Sob o capitalismo dependente, a persistência deformaseconômicasarcaicasnãoéumafunçãosecundáriaesuplementar.A exploração dessas formas e sua combinação com outras, mais oumenos modernas e até ultramodernas, fazem parte do `cálculocapitalista' do agente econômico privilegiado. Por im, a uni icação dotodonãosedá(nempoderiadar-se)aoníveldaprodução.Elaserealizae organiza, economicamente, ao nível da comercialização e, em seguida,do destino do excedente econômico". Adotando outro percurso, MariaSylvia de Carvalho Franco também enfatiza que era no mundo dosnegóciosquesedavamaspráticascapitalistasdofazendeiro.Cf.Homenslivresnaordemescravocrata,SãoPaulo,InstitutodeEstudosBrasileirosda Universidade de São Paulo, 1969, p. 165 ss. Entretanto, essa ênfasenão soluciona nem explica a contraditória combinação entre a posturacapitalista do fazendeiro e a produção não capitalista de sua fazenda.Essa di iculdade decorre, a meu ver, da não expllcitação da forma docapital na cultura do café como renda capitalizada (no escravismo, napessoa do escravo; no colonato, na propriedade da terra),permanecendo-senumaconcepçãogenéricadecapitalista,maispróximadasformulaçõesdeWeberdoquedasdeMarx.

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zoCarlosMarx,op. cit., t. i,p.121: "...converter-sede livreemescravo,depossuidor de uma mercadoria em mercadoria". C£, também, FernandoHenrique Cardoso, Capitalismo e escravidão no Brasil meridional, SãoPaulo,DifusãoEuropeiadoLivro,1962,p.311;"...aescravidãoconstituiamercantilizaçãodoprópriotrabalhador".Ver,ainda,CiroF.S.Cardoso,"Omodo de produção escravista colonial na América", em -héo Santiago(org.),Américacolonial,RiodeJaneiro,s.e.,1975,esp.p.90ss.

21 "... na sociedadeescravista sóé representado realmente comohomemlivre quem não precisa trabalhar para viver." C£ Fernando HenriqueCardoso,op.cit.,p.231."...oidealdepersonalidadedonegroresumia-seà reprodução em si da imagem onipresente do branco." Idem, p. 290.Sobre os efeitos desastrosos desse fato, para o negro, cf. FlorestanFernandes, A integração do negro na sociedade de classes, cit., t. i, esp.cap.ii.

22 ... durante um interregno que alcança algumas décadas, o negrocontinua a ser um ex-escravo..." C£ Octavio lanni, As metamorfoses doescravo, São Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1962, p. 256. "... otrabalhador negro, recém-egresso da escravidão e por ela deformado,nãoestava emcondiçõesde resistir à livre competição como imigranteeuropeu."CfRogerBastideeFlorestanFernandes,BrancosenegrosemSãoPaulo,2.ed.,SãoPaulo,CompanhiaEditoraNacional,1959,p.49.

23LouisCouty,professornaEscolaPolitécnicadoRiodejaneiro,ummistode sociólogo e economista, autor de estudos fundamentais sobre aeconomiadocaféeatransiçãoparaotrabalholivre, tentoudescreverocolonato nascente segundo os parâmetros europeus e chegou àconclusãodequenãotinhaanalogianaEuropa.C£LouisCouty,Etudedebiologie industriellesur lecafé,Riode Janeiro, ImprimerieduMessagerduBrésil,1883,p.129.

"Noqueserefereaotrabalhador,suaforçadetrabalhosópodecomeçarafuncionarprodutivamenteapartirdomomentoemque,aoservendida,se põe em contato com os meios de produção. Portanto, antes de suavenda existe separada dosmeios de produção, das condiçõesmateriaisnecessárias para o seu emprego. Neste estado de separação não podeser empregada nem diretamente para a produção de valores de usodestinados ao seu possuidor nem para a produção de mercadorias de

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cujavendaestepossaviver."Arelaçãoentreocompradoreovendedorde força de trabalho "se desenvolve exclusivamente no plano dodinheiro." Cf. CarlosMarx, El capital, cit., t. ti, p. 32. A determinação dosalário depende da determinação dos meios de vida necessários àreprodução da força de trabalho, segundo necessidades historicamentereguladas.No regimede trabalho assalariado, o salário corresponde aotempo de trabalho socialmente necessário à reprodução da força detrabalho. O trabalho necessário, por seu lado, é estabelecido pelamediação do capital no próprio processo de valorização, de criação devalor, de modo a encobrir a distinção entre trabalho necessário etrabalho excedente, demodo a ocultar a exploraçãodo trabalhador e aextraçãodamais-valia.Por isso,o trabalhoexcedentenãopodeemergircomo matéria distinta do trabalho necessário. Em decorrência, só osalário em dinheiro pode revestir de uma aparência de igualdade arelação economicamente desigual entre o capitalista e o trabalhador,acobertando a exploração a ela subjacente. Se o trabalhador produzdiretamente ao menos uma parte dos seus meios de vida, destrói ocaráter salarial da sua remuneração porque entrega ao capitalistadiretamente,emformamaterialdiversa,oseutrabalhoexcedente.Nessecaso, o trabalhador pode ser livre, mas não formalmente igual, o queimpede a classi icação dessa relação, enquanto relação, como relaçãocapitalista real porque desprovida dos mecanismos ideológicos domascaramento igualitário da exploração nela contida. Sobre os váriospontosdestanota,cfCarlosMarx,Elcapital,cit.,t.i,p.448ss.

zsC£CarlosMarx,El capital, cit., t. trt,p.573ss.A formaespeci icamentecapitalista da renda territorial con igura-se na renda absoluta, quereveste de caráter capitalista a propriedade fundiária.Marx é claro aoestabelecer as diferenças entre essa forma de renda e as formas pré-capitalistas, incluídaarendaemdinheiro.Entretanto,essainterpretaçãovem de ser questionada por um autor francês. No seu entender, se aclasse personi ica a modalidade de participação num vínculo deexploração(enãosomentededistribuiçãodamais-valia),entãohaveriaumenganonade iniçãodarendacapitalistacomorendaabsoluta.Nessecaso, as relaçõesde classe sãoduais (p. ex., bur guesia e proletariado),não se podendo pensar o capitalismo como uma sociedade constituídaportrêsclassesfundamentais:burgueses,proletárioseproprietáriosdeterra. Estes últimos personi icariam, na verdade, uma relação dual eantagônica com os camponeses (que, segundo esse autor, teriam sido

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omitidos na análise de Marx) e expressariam, portanto, osremanescentesdomododeproduçãofeudal.Nessecaso,asobrevivênciados proprietários de terra como classe teria lugar em termos de umaaliançadeclassespré-capitalistasecapitalistas,oquerepõecomotarefapolítica principal a luta pelo capitalismo e pela eliminação dos restosfeudais na sociedade contemporânea. Essa tese parece-me em abertocon lito com a análise que Marx faz da renda fundiária, para quem apropriedade territorial, com a instauração do modo capitalista deprodução, só tem existência lógica e histórica através de relaçõescapitalistas.Detalmodoquearendaterritorialsetrans iguracomoumaforma do capital e nessa condição se defronta com o trabalhador.Somente a solução desse con lito poderá, pois, dissolver, ao mesmotempo, a irracionalidade representada no capitalismo pela propriedadedaterra,aqueMarxserefere.OautorquemencionoéPierre-PhilippeRey,LesAlliancesdeclasses,Paris,FrançoisMaspero,1976.

26AlémdasreferênciasfundamentaisàobradeMarxsobreestaquestão,feitas acima,. remeto o leitor à análise que dela faço. Cf. José de SouzaMartins, Os camponeses e a política no Brasil, 5. ed., Petrópolis, Vozes,1995,p.151-77.

27Sobreapeonagem,c£JosédeSouzaMartins,Fronteira-AdegradaçãodoOutronoscon insdohumano,2.ed.,rev.eatual.,SãoPaulo,Contexto,2009, p. 71-99; e José de Souza Martins, A Sociedade Vista do Abismo(Novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais), 2. ed.,Petrópolis,Vozes,2003,esp.p.151-62.

2s "De outro lado, asmesmas circunstâncias que determinam a condiçãofundamental da produção capitalista - a existência de uma classetrabalhadoraassalariada -exigemque todaaproduçãodemercadoriasadquiraformacapitalista.Àmedidaqueestasedesenvolve,decompõeedissolve todas as formas anteriores de produção que, dirigidaspreferencialmente para o consumo direto do produtor, somentetransformam em mercadorias as sobras da produção. A produçãocapitalista de mercadorias faz da venda do produto o interesseprimordial, sem que, no princípio, isso aparentemente afete o própriomodo de produção... [...] Começa generalizando a produção demercadorias e logo vai transformando, pouco a pouco, toda a produçãodemercadoriasemproduçãocapitalista."C£CarlosMarx,Elcapital,cit.,t.

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II,p.37-

'9C£AlvesMorta Sobrinho,A civilizaçãodo café (1820-1920), SãoPaulo,Brasiliense,1967,p.135.

31C£MariaSylviadeCarvalhoFranco,op.cit.,p.11.MariaStellaMartinsBresciani inventariou tendências similares. Cf. "Suprimento de mão deobra para a agricultura: um dos aspectos do fenômeno histórico daAbolição", em Revista de História, v. Lttt, ano xxvtt, n. 106, São Paulo,abr.-jun.1976,esp.p.339ss.

31"Cujapossedeterrasestádentrodasesmariaqueaditasenhoratirou.. ...declarampossuirumsítio(dentro)dasesmariadoCapitãoLuizJoséPereira de Queiroz ...... C£ Carlota Pereira de Queiroz, Um fazendeiropaulistanoséculoxix,SãoPaulo,ConselhoEstadualdeCultura,1965,p.25. No chamado Registro Paroquial, realizado de 4 a 6 anos depois daaprovaçãodaLeideTerras,de1850,nãofoiraroquegrandessesmeirostenhamobtidoemseunomeoregistrodasterrasdemoradaedecultivode trabalhadores livres que viviam no interior de seus domínios, que,pela nova lei, eram delas legítimos proprietários. Apresentaram-nos aopároco encarregado do registro como seus agregados, como se fossemseuscamaradasouempregados.

32 Cf. Djalma Forjaz, O senador Vergueiro - Sua vida e sua época, SãoPaulo,CompanhiaMelhoramentos,1922,v.i,p.17.

33Cf.C.F.VanDeldenLaèrne,LeBrésiletfava.RapportsurIacultureducafé en Amérique, Asie et Afrique, La Haye-Paris, MartinusNijhofflChallamelAiné,1885,p.195.

sa Cf Affonso d'E. Taunay, Pequena história do café no Brasil, Rio deJaneiro,DepartamentoNacionaldoCafé,1945,p.163-4e177.

35C£MiriamLifchitzMoreiraLeite,"Umapequenapropriedadeprodutorade café, em Guaratinguetá, no século xtx', em O café -Anais do nCongressodeHistóriadeSãoPaulo,SãoPaulo,1975,p.220(Coleçãoda"RevistadeHistória",v.LIX).

36 Cf. Maria Isaura Pereira de Queiroz, A estrati icação e a mobilidadesocialnascomunidadesagráriasdoValedoParaíbaentre1850e1888",

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emRevistadeHistória,anoi,n.2,SãoPaulo,abr.-jun.1950,p.196(grifomeu). "Visto que a terra virgem fecundada pelos negros tinhaprimitivamente um valor venal quase nulo, a fazenda, no seu estadoatual, representa, pois, trabalho escravo acumulado". C£ Louis Couty,Etudedebiologieindustriellesurlecafé,cit.,p.83.

37"...umadasmaisimportantesimplicaçõesdaescravidãoéqueosistemamercantilseexpandiucondicionadoaumafonteexternadesuprimentodetrabalhoe istonãoporrazõesdeumaperenecarência interna ..."C£Maria Sylvia de Carvalho Franco, op. cit., p. 12. "Paradoxalmente, é apartir do trá ico negreiro que se pode entender a escravidão africanacolonial,enãoocontrário."C£FernandoA.Novais,Estruturaedinâmicado antigo sistema colonial (séculos XVI-XVII), 2. ed., Cebrap, São Paulo,1975,p.32-

31 "Tal arimportância do aparelhamento braçal das fazendas que, nascláusulas dos empréstimos hipotecários, se atendia, sobretudo, ao valordaescravatura."C£Affonsod'E.Taunay,op.cit.,p.177.

39 C£ Louis Couty, Ebauches sociologiques: Le Brésil en 1884, Rio deJaneiro,Faro&Lino-Éditeurs,1884,p.85ss,183;Affonsod'E.Taunay,op.cit.,p.163e177;C.F.VanDeldenLaèrne,op.cit.,p.187ss.;J.PandiáCalógeras, A políticamonetária do Brasil, trad. ThomasNewlands Neto,São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1960, p. 180; F. A. Veiga deCastro, "Um fazendeiro do século passado", em Revista do ArquivoMunicipal, ano x, v. xcvii, São Paulo, Departamento de Cultura, jul.-ago.1944,p.39.

aoCf.Affonsod'E.Taunay,op.cit.,p.238-9.

41 C£ Visconde de Mauá, Autobiogra ia (Exposição aos credores e aopúblico'), Edições de Ouro, 1964, p. 124; Stanley J. Stein, Grandeza edecadênciadocafénoValedoParaíba,trad.EdgarMagalhães,SãoPaulo,Brasiliense,1961,p.23-4.

42 "Re letindo bem sobre o negócio, e fazendo cálculo da produção quetemtidoa fazenda,edasdespesascomocusteiodamesma,viquenãosepoderiatirarumjurodocapitalquevouempatar,igualaode11/2%que posso obter hoje, dando o dinheiro a prêmio e perfeitamentegarantido [...]" Carta de José Claudiano de Abreu a AntônioMoreira de

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CastroLima.Taubaté,5deoutubrode1896,apudAlvesMortaSobrinho,op.cit.,p.175.

43C£C.EVanDeldenLaèrne,op.cit.,p.195.

Idem,p.80e254-5.

45 C£ Maurício Vinhas de Queiroz, "Notas sobre o processo demodernização no Brasil", em Revista do Instituto de Ciências Sociais,UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,v.3,n.1,jan.-dez.1966,passim.

16 Cf Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República: Momentosdecisivos,cit.,cap.tv:"PolíticadeterrasnoBrasilenosEstadosUnidos",São Paulo, Grijalbo, 1977, p. 146. Este é um dos raros trabalhos depesquisadoresbrasileirosemquesediscuteaLeideTerraseapolíticafundiárianoséculoxix.

47C£C.EVanDeldenLaèrne,op.cit.,p.563-4.

as C£ Sérgio Buarque de Hollanda, "Prefácio", em Maria Teresa SchorerPetrone, O Barão de Iguape (Um empresário da época daIndependência),SãoPaulo,CompanhiaEditoraNacional,1976,p.xx.

49C£WarrenDean,RioClaro,p.33.

5 Sobre os negócios dos fazendeiros-capitalistas do Vale do Paraíba, c£AlvesMortaSobrinho,op.cit.,passim;CarlotaPereiradeQueiroz,Vidaemortedeumcapitão-mor,SãoPaulo,ConselhoEstadualdeCultura,1969,passim.

51Cf.David Joslin,ACenturyofBankinginLatinAmérica, London,OxfordUniversity Press, 1963, p. 73 ss.; Alves Morta Sobrinho, op. cit., p. 86;Affonso d'E. Taunay, op. cit., p. 174; Carlos Jordão, "A ação doscomissários no comércio do café", emO café no segundo centenário desuaintroduçãonoBrasil,v.1,RiodeJaneiro,DepartamentoNacionaldoCafé,1934,esp.p.339-

51Cf.Affonsod'E.Taunay,op.cit.,p.174.

53CarlosJordão,loc.cit.,p.399.

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54C£LouisCouty,Ebauchessociologiques:LeBrésilen1884,p.130-5;NazarethPrado,AntonioPradonoImpérioenaRepública,RiodeJaneiro,F.Briguiet&Cia.-Editores,1929,p.71ss.

C£LouisCouty,op.cit.,p.90ss.;LouisCouty,Etudedebiologieindustriellesurlecafé,cit.,p.92ss.;MichaelM.Hall,loc.cit.,p.156-7.

56"..desdequeaumenteapopulação,asterrashãodeaumentardevalor,não havendo por consequência, razão para que prevaleça a ideiasocialistadonobre senador, dequeo corpo legislativodeve autorizar aconcessãogratuitade terrasaparticularesparaa cultura."DiscursodeAntonio Prado no Senado, sessão de 31 de maio de 1887, sobre aquestão de como deveria se constituir entre nós a propriedadecapitalistadaterra.C£NazarethPrado,op.cit.,p.170.

17Cf.Affonsod'E.Taunay,op.cit.,p.125e149.

58"...oimigrantedeveriaserpreviamentetrabalhadordagrandefazendae a possibilidade de transformar-se em proprietário dependeria dosganhosqueassimobtivesse,ganhosessescondicionadospelosinteressesdofazendeiro."Cf.JosédeSouzaMartins,AimigraçãoeacrisedoBrasilagrário, São Paulo, Livraria Pioneira, 1973, p. 52. "A ánica maneira deobter trabalho livre, nessas circunstâncias, seria criar obstáculos àpropriedaderural,demodoqueotrabalhadorlivre,incapazdeadquirirterras,fosseforçadoatrabalharnasfazendas."C£EmiliaViottidaCosta,Da Monarquia à República: Momentos decisivos, cit., p. 133. "Como sesabe, um dos fatores considerados como responsáveis pela expansãocafeeira é constituído pela abundância de terras. Em consequência doque vimos até aqui, devemos considerar a abundância de terras comoalgorelativo.Aabundânciadeterrasparaocapitalestáassociadaanãoabundânciaparaaquelesquedevemconstituiromercadode trabalho."C£SergioSilva,ExpansãocafeeiraeorigensdaindústrianoBrasil,cit.,p.73-

59C£AmelladeRezendeMartins,Umidealistarealizador:BarãoGeraldode Rezende, Rio de Janeiro, O icinas Grá icas do Almanak Laemmert,1939,p.325-6.

60 C£ Max Leclerc, Lettres du Brésil, Paris, E. Plon, Nourrit & Cie.,Imprimeurs-Éditeurs, 1890, p. 212-3; Maria Isaura Pereira de Queiroz,

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loc. cit., p. 206. Em sua viagemde setemeses peloBrasil, em1846, emplenoperíododaescravidão,odesenhistaeescritorThomasEwbankfezobservação semelhante: "A tendência inevitável da escravidão por todaparte é tornar o trabalho desonroso... [...] No Brasil predomina aescravidãonegraeosbrasileirosrecuamcomalgosemelhanteaohorrordiante dos serviçosmanuais". C£ Thomas Ewbank, Vida no Brasil, trad.JamilAlmansurHaddad,BeloHorizonte,EditoradaUniversidadedeSãoPaulo/LivrariaItatiaia,1976,p.145.

61C£MaxLeclerc,op.cit.,p.101.

62NofrontispíciodavelhaigrejamatrizdeSãoCaetano,umdosprimeirosnácleos coloniais da província de São Paulo, inaugurado em 1877 epovoado com imigrantes italianos, oriundos do vêneto, foi a ixada em1927 uma placa comemorativa que registra esse imaginário épico dodesbravador, anterior à rede inição da palavra colono, mas aindasobrevivente,comosevê,paraabrangerotrabalhadorimigrantesujeitoàdependênciadocolonato:"Aosdestemidosprecursoresquedasitálicasterras a estas regiões aportados, com indômita pujança abriram ocaminhoaohodiernoprogresso."C£JosédeSouzaMartins,Oimagináriona imigração italiana,SãoCaetanodoSul,FundaçãoPró-Memória,2003,p.56.

63UmadasexceçõeséotrabalhodeSérgioBuarquedeHolanda,"Prefáciodo tradutor", em Thomas Davatz, Memórias de um colono no Brasil(1850), tradução, prefácio e notas de Sérgio Buarque de Holanda, SãoPaulo,LivrariaMartins,1941,p.5-35-

64 "Na verdade, com tal esquema, não se faz mais do que repetir,reformulando-a,embora,ecompretensãocientí ica,aideologiadooestepaulistaqueatribuíaaosfazendeirosdoValeoepítetode`emperrados'.Ora, o papel da análise, a nosso ver, consiste justamente em procurarcompreenderascondiçõesestruturaisque impelirama lavouradaáreamaisnovaabuscarde iniçõeseconômicasdiversasestimulandonosseusfazendeiros um comportamento diferencial e, correlatamente, a`mentalidade'peculiar-agorapercebidacomoresultanteenãomais,deformasimplista,comocausa."C£PaulaBeiguelman,Aformaçãodopovono complexo cafeeiro: Aspectos políticos, São Paulo, Livraria Pioneira,1968,p.72.

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61 C£ Amelia de Rezende Martins, op. cit., p. 155; Carlota Pereira deQueiroz,Um fazendeiropaulistano séculoxrx, cit., p.22 ss.;MariaPaesde Barros, No tempo de dantes, São Paulo, Brasiliense, 1946, p. 68-9;WarrenDean,RioClaro,cit.,p.25ss.

66 Com base num relatório parcial de 1858, do Presidente da Província,Sérgio Buarque de Holanda contou 3.426 colonos em nácleos coloniaisparticulares em Amparo, Campinas, Jundiaí, Limeira, Piracicaba,Piraçununga e Rio Claro, dos quais cerca de 15% eram brasileiros. C£SérgioBuarquedeHolanda,loc.cit.,p.28-9.

67ThomasDavatz,op.cit.,p.72.

68Idem,p.74.

69C£ JoséSebastiãoWitter,UmestabelecimentoagrícolanaProvínciadeSão Paulo nos meados do século xtx, São Paulo, 1974 (Coleção da"Revista de História", v. L). C£, também, José de Souza Martins, AimigraçãoeacrisedoBrasilAgrário,cit.,p.53-

0C£ThomasDavatz,op.cit.,p.235.

71Idem,p.212.

72Idem,p.91.

73Idem.

74Idem,p.116.

75Cf."ExposiçãodosenadorVergueirodirigidaaovice-presidentedaProvínciasobreasocorrênciasdeIbicaba",ViladoRioClaro,10defevereirode1857,apudThomasDavatz,idem,p.265-6.

76Idem,ibidem.

77 Sobre a ética protestante na gênese do capitalismomoderno, cf. MaxWeber,Aéticaprotestanteeoespíritodocapitalismo,cit.,esp.p.110ss.Diferentes estudos sobre a relação entre religião e expansão docapitalismosugeremaimportânciadasuperaçãodosbloqueiosreligiosos

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àsnovasepotenciaisfunçóesdodinheiroedaacumulaçãodecapitaleàformulação de uma racionalização religiosa a elas propícias. Dentreoutros autores, cf. R. H. Tawney, Religion and the Rise of Capitalism,Harmondworth,PenguinBooks,1961.

78 Cf. Pierre Denis, Le Brésil ou xx` Siécle, 7` tirage, Paris, LibrairieArmandColin,1928,p.126.

79 Cf. Visconde de Indaiatuba, Memorandum, apud Odilon Nogueira deMatos,"OViscondedeIndaiatubaeotrabalholivreemSãoPaulo",Anaisdo vi Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História("TrabalhoLivreeTrabalhoEscravo'), SãoPaulo,1973,p.777 (Coleçãoda"RevistadeHistória",v.i);PierreDenis,op.cit.,p.126.

Cf.ViscondedeIndaiatuba,loc.cit.,p.769.

$' Idem,p.769. JoaquimBonifáciodoAmaral (1815-1884),oViscondedeIndaiatuba, fundouumacolôniaalemãnaFazendaSeteQuedas,umadesuaspropriedades.

82Idem,p.770.

83Cf.PierreDenis,op.cit.,p.128.

84 Cf. José César Gnaccarini, Latifúndio e proletariado (Formação daEmpresaeRelaçõesdeTrabalhonoBrasilRural),SãoPaulo,Polis,1980,p.57.

85Cf.NazarethPrado,op.cit.,p.282.

aeIdem,p.26,71ss.

87Cf.WarrenDean,op.cit.,p.158.

88Cf.JosédeSouzaMartins,op.cit.,p.55ss.

89 Cf. Relatório annual do Instituto Agronómico do Estado de S. Paulo(Brazil)emCampinas-1894e1895,v.viteviii,publicadopeloDirectorDr. Phil. F. W. Dafert, M.A., São Paulo, Typographia da CompanhiaIndustrial de S. Paulo, 1896, p. 196-197. José César Gnaccarini observa

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que ainda no contexto da escravidão o cálculo racional era impossívelpelos mesmos motivos: "E por essa razão fundamental, de que aescravidão produz para a subsistência que o cálculo racional está foradaspossibilidadesdasociedadepatrimonialista-escravista".C£Formaçãoda empresa e relações de trabalho no Brasil rural, dissertaçãoapresentadaáCadeiradeSociologiaidaFaculdadedeFiloso ia,CiênciaseLetrasdaUniversidadedeSãoPauloparaobtençãodotítulodemestre,São Paulo, 1966, p. 142 (nota 28), ms. Essa obra fundamental dasociologiadatransiçãodaescravidãoparaotrabalholivrefoi,finalmente,publicadaem1980: JoséCésarGnaccarini,Latifúndioeproletariado,cit.Na publicação do livro, a nota citada foi suprimida e o argumento foiremetidoparaocorpodotexto.

90 "... o problema do abastecimento de mão de obra como que seregenerava,repetindo-seciclicamenteumestadodecarência."Cf.MariaSylviadeCarvalhoFranco,op.cit.,p.195.

9'C£SergioMilliet,Roteirodocaféeoutrosensaios,3.ed.,SãoPaulo,1941(Coleção Departamento de Cultura); Pierre Monbeig, PionniersetplanteursdeSãoPaulo,Paris,LibrairieArmandColin,1952,p.128.

92 Cf. Amador Nogueira Cobra, Em um recanto do sertão paulista, SãoPaulo,Typ.HenniesIrmãos,1923,passim;PierreMonbeig,op.cit.,p.122ss; J. R. de Araújo Filho, "O café, riqueza paulista", Boletim Paulista deGeogra ia, n. 23, Associação dos Geógrafos Brasileiros, São Paulo, jul.1956,p.105.Aetapadeformalizaçãodaapropriaçãocapitalistadaterraera, e continua sendo, objeto de con litos entre posseiros e grileiros,constituindo-se os grileiros na ponta de lança da incorporação da terraaomercado eda conversãodo capital em renda territorial capitalizada.Cf. José de Souza Martins, Capitalismo e tradicionalismo, São Paulo,LivrariaPioneira,1975, esp.p. 43-50; JosédeSouzaMartins, Fronteira,cit.

93"...acafeiculturapropiciouaapropriaçãoprivadadas terrasdevolutasdisponíveisna região.Masessaapropriação, emgeral, foi realizadapormeio da compra das terras." Cf. Octavio Ianni, A classe operária vai aocampo,SãoPaulo,Cebrap,1976,p.7.

9¢Adifundidaideiadequeaexpansãodocaféestáestritamenteligadaao

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trabalhodo imigranteestrangeironão temapoionarealidadedos fatos.Asestatísticasdoperíodoáureodocafé,entre1880e1930,indicamumagrande participação de trabalhadores nacionais não só nas tarefasbrutas do desmatamento (o que foi mais comum no tempo daescravidão),mastambémcomocolonos.GeorgeLittleconstatouque,em1920,grandes fazendeiroscomoNhonhôMagalhães,ocondePrateseoConselheiroAntônioPrado tinhamentendimentos comchefesdepolíciade municípios nordestinos para recrutamento de trabalhadores e suasfamíliasparasuasfazendasdecaféemSãoPaulo.C£GeorgeF.G.Little,FazendaCambuhy:ACaseHistoryof Social andEconomicDevelopmentin the Interior of São Paulo, Brazil, Ann Arbor, Michigan, University ofFlorida, 1960, p. 109. Além disso, desde o começo do século xx, e pormais de meio século, houve um contínuo luxo de moradores do AltoSertãodaBahiaemdireçãoaoscafezaisdeSãoPaulo,especialmentenaregiãodeRibeirãoPreto,vindospelointeriordeMinas,paracolhercafécomo trabalhadores sazonais. C£ E1y Souza Estrela, Os sampauleiros -Cotidiano e representações, São Paulo, Humanitas, 2003, passim.Também antigos escravos foram convertidos em colonos, comotestemunhaAmeliadeRezendeMartinsapropósitodessamodalidadedeintegração do negro liberto na rotina da fazenda de sua família, emCampinas:"EmSantaGenebra,coma libertaçãogradual,muitoantesdaLei13deMaio,nãohaviaumsóescravo, tendo icadona fazendatodososantigosescravosbons.Entãohomens livres, e estandoperfeitamenteorganizada a colonização estrangeira. Tinha ali, cada família, branca oupreta,suacasa,ecadachefedefamília,seusalário,suacadernetaesuaroça". Cf. Amelia de RezendeMartins, op. cit., p. 359. A autora aplica oconceito de salário, neste caso, á parcela recebida pelo colono emdinheiropelotratoepelacolheitadocafé.

95Poucasmudançashouve,desdeentão,nomodocomosedáaexpansãoagropecuária no Brasil. No deslocamento da frente pioneira, na regiãoamazônica, nas últimas décadas, o trabalho de derrubada da mata elimpezado terrenopara formaçãodenovas fazendas temsido feitoporpeões escravizados, em regime de servidão por dívida, trabalhadoresque se deslocam temporariamente em função da sazonalidade agrícoladeoutrasregiões,especialmentedoNordeste.C£JosédeSouzaMartins,Fronteira, cit., esp. p. 71-99. Na década de 1970, o número dessestrabalhadoresfoiestimadoemmaisde400mil.C£SueBranfordeOrielGlock,lheLastFrontier,London,ZedBooks,1985,p.55.

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96Cf.LouisCouty,Étudedebiologieindustriellesurlecafé,cit.,p.7-8.

97C£C.F.VanDeldenLaèrne,op.cit.,p.244.

98Cf.LouisCouty,op.cit.,p.5e119.

99C£J.PandiáCalógeras,ApolíticamonetáriadoBrasil,cit.,p.172;DavidJoslin,op.cit.,esp.P.64-8e78-9.

100C£WarrenDean,op.cit.,p.35.MortaSobrinhotranscrevedocumentosobreaempreitadeantigosplantadoresde fumo,arruinadosem1865,para a formação de cafezais, empregando seus próprios escravos. C£AlvesMortaSobrinho,op.cit.,p.83-4.

101C£C.F.VanDeldenLaèrne,op.cit.,p.185.

102Cf.CarlotaPereiradeQueiroz,op.cit.,p.85.

103C£DarrelE.Levi,A famíliaPrado, trad. JoséEduardoMendonça, SãoPaulo,Cultura70,1977,p.167.C£,também,MyriamElhs(org.),Ocafé-Literaturaehistória,SãoPaulo,Melhoramentos-EditoradaUniversidadedeSãoPaulo,1977,p.37.

104PierreDenis,op.cit.,p.126.

aosCf.DarrelE.Levi,op.cit.,p.332-6.

106Os termos desse contrato não eramos usuais. Geralmente, as safrasde café durante a vigência da empreitada pertenciam ao empreiteiro,alémdassafrasdecereais.

107C£Pierresenis,op.cit.,p.161.

108Nosanossubsequentes,a rentabilidadedas fazendaspaulistascairiadrasticamente. Ukers, que fez extensa, enciclopédica e demoradapesquisa internacional sobre o café, da planta à xícara, entre 1912 e1922, esteve no Brasil, aparentemente nas grandes fazendas da regiãodeRibeirãoPreto,econstatouque"oslucrosdocultivodocafénoBrasil,nosanosrecentes,apresentaramumadecisivaqueda.Em1900,não foiraro uma fazenda ter um lucro anual de 100 a 250%. Dez anos mais

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tarde, a média dos retornos não excedia a 12%". Não obstante, novoscafezaiscontinuavamaserplantados.C£WilliamH.Ukers,M.A.,AllAboutCoffee,NewYork,TheTea andCoffeeTrade JournalCompany,1922,p.205-7.

109Cf.Affonsod'E.Taunay,op.cit.,p.265.

110 C£ Joaquim Silvério da Fonseca Queiroz, Informações úteis sobre acafeicultura,SãoPaulo,EstabelecimentoGraphicoUniversal,1914,p.18.

Cf. Augusto Ramos, O café no Brasil e no estrangeiro, Rio de Janeiro,PapelariaSantaHelena,1923,p.207-8. JoséCésarGnaccariniobservouprocessosimilarnaeconomiaaçucareira:"...essaquantianãohaviasaídodo bolso do capitalista, proprietário do engenho de açúcar nem denenhumaoutrafontedetrabalhoquesecaracterizassecomoumvalor,oqual, como tal, devesse ser realizado. Elas, as condições de trabalho, sehaviamproduzidoemregimedeautossubsistência,oquequeriatambémdizerquenãonecessariamenteprecisariamvoltaraobolsodoprodutordireto, se já não precisavam retornar ao bolso do capitalista. E éprecisamenteporestarazãoquesedizmanteraagricultura,aoutilizarmatéria bruta produzida em regime de autossubsistência, por maiorquantidade de trabalho que esta requeira, uma baixíssima composiçãoorgânica do capital, a qual habilita o capitalista a apropriar-se de umamassademais-valiaexageradaparaoescassodispêndiodecapitaltotalqueeleéobrigadoafazer".Cf.JoséC.Gnaccarini,"Aeconomiadoaçúcar.Processodetrabalhoeprocessodeacumulação",emBorisFausto(org.),Históriageraldacivilizaçãobrasileira,v. iii, t.1, cit.,p.328.C£, também,JoséCésarAprilantiGnaccarini, Estado, ideologia e ação empresarial naagroindústria açucareirado estadode SãoPaulo, tesededoutoramentoapresentada ao Departamento de Ciências Sociais da Faculdade deFiloso ia, Letras eCiênciasHumanasdaUniversidadedeSãoPaulo, SãoPaulo, 1972, p. 246 ss. Mais de cem anos depois da febril abertura denovas fazendas de café, no oeste de São Paulo, com a introdução dotrabalho livre na economia agrícola, o mesmo método de extração doexcedenteeconômicodopeãosujeitotemporariamentepordívida,sobaforma de derrubada da mata e formação de fazendas agropecuárias,repete-senaregiãoamazônicadesdeo inaldosanos1960eseestendepor quase meio século, até os dias atuais. C£ José de Souza Martins,Fronteira,cit.

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C£J.R.deAraújoFilho,loc.cit.,p.85e103;Affonsod'E.Taunay,op.cit.,p.239 ss.; Rodrigo Soares Júnior, Jorge Tibiriçá e sua época, São Paulo,Companhia EditoraNacional, 1958, v. i, p. 188, e v. ii, p. 346-51; JaymeAdour da Câmara, Salvador Piza (O homem e o lavrador), São Paulo,1940,p.39-49e51.

13Cf.Affonsod'E.Taunay,op.cit.,p.173;AlvesMotaSobrinho;op.cit.,p.85.

14C£AlvesMoitaSobrinho,op.cit.,p.135-6.

C£LouisCouty,Étudedebiologieindustriellesurlecafé,cit.,p.135ss.

16 "... só trabalhoparaos outros.O lavradornão ganha, o negociante emcafé enriquece! / O primeiro tem muito trabalho e luta com mildi iculdades! O segundo aproveita-se do nosso suor para se divertir efazer fortuna!" C£ Carta do Barão Geraldo de Rezende, 30 demaio de1882, apud Amelia de Rezende Martins, op. cit., p. 298; "Todos oscomissários são ladrões." C£ Carta do comissário Pedro Lima ao majorMoreiraLimaJúnior,22demaiode1873,apudAlvesMoitaSobrinho,op.cit.,p.88.

117C£CarlosMarx,op.cit.,t.i,passim,esp.p.491e513.

118 Às vésperas da Abolição, o Conselheiro Paula Souza, fazendeiro decafé, escrevia uma carta a um seu conhecido relatando as imensasvantagenseconômicasdotrabalholivredeseusantigosescravos:"Nadalhesdou:tudolhesvendo,inclusiveumvintémdecouveouleite![...]Poisbem: esse vintémde couve e de leite, o gado, quemato, a fazenda quecompro por atacado, e que lhes vendo a retalho, emais barato que nacidade,dãoquaseparaopagamentodotrabalhador".C£AprovínciadeSão Paulo, 8 de abril de 1888, apud Florestan Fernandes, A integraçãodo negro na sociedade de classes, cit., v. i, p. 16. Ou seja, o fazendeirocompreendia a nova relação de trabalho como homem livre como umarelaçãocomercial,decompraevendademercadorias.

19C£CarlosMarx,op.cit.,t.I,p.130ss.

120C£"CondiçõesdotrabalhonalavouracafeeiradoEstadodeS.Paulo",Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, anuo i, n. 1 e 2, São

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Paulo,SecretariadaAgricultura,CommercioeObrasPublicasdoEstadodeSãoPaulo,1912,p.20ss.;MariaSílviaC.BeozzoBassanezi,"Absorçãoe mobilidade da força de trabalho numa propriedade rural paulista(1895-1930)",Ocafé-AnaisdoiiCongressodeHistóriadeSãoPaulo,cit.,p.241-2e249.

1zi Foi nas operações de bene iciamento do café, ainda durante aescravidão, que o regime de trabalho assalariado se implantouplenamente nas fazendas. A ponto de Couty sugerir que, tal como jáocorreracomacana-de-açúcar,coma instalaçãodosengenhoscentrais,o fazendeiro circunscrevesse a sua atividade econômica às operaçõesindustriais de bene ício do café, como capitalista e comerciante. Nessecaso, a terra deveria ser dividida e entregue a pequenos produtorestributários do engenho. C£ Louis Couty, L' Esclavage au Brésil, Paris,LibrairiedeGuillauminetCie.,1881,p.47e147;RodrigoSoaresJúnior,op.cit.,v.1,p.79-80.

122C£MariaSilviaC.BeozzoBassanezi,loc.cit.,p.248-9(nota11).

113C£WarrenDean,RioClaro,cit.,p.171.

124Cf. LouisCouty, Étudedebiologie industrielle sur le café, cit., p. 155;MaxLeclerc,op.cit.,p.101;MariaPaesdeBarros,op.cit.,p.98-9;AugustoRamos,op.cit.,p.206.

125C£LouisCouty,op.cit.,p.130ss.

126Cf.PierreDenis,op.cit.,p.136ss.

127 A área de colheita que cabia ao colono e sua família não eranecessariamente aquela que estivera sob seus cuidados, na limpa,masoutra,escolhidaporsorteio.Comoaprodutividadeeradiferenteentreosdiferentestalhões,osorteioafastavaasuspeitadefavoritismoaunsemdetrimento de outros. Sobre o sorteio, c£Myriam Elas (org.), op. cit., p.121ss.

8 C£ Elias Antonio Pacheco e Chaves et alai, Relatório apresentado aoExmo.Sr.PresidentedaProvínciadeS.PaulopelaCommissãoCentraldeEstatística, São Paulo, Typogra ia King-Leroy King Bookwaler, 1888, p.347;LouisCouty,op.cit.,p.129ss.;A.Lalière,LeCafédansl'EtatdeSaint

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Paul(Brésil),Paris,AugustinChallamel,1909,p.266ss.;B.Beli,Ilcaffé-Il suo paese e Ia sua importanza (S. Paolo del Brasile), Milano, UlricoHoepli, Editore-Libraio delta Real Casa, 1910, p. 112; Pierre Denis, op.cit., p. 136 ss.; Vincenzo Grossi, Storia delta colonizutzione europea alBrasileedeltaemigrazione italiananelloStatodiS.Paulo,Milano-Roma-Napoli, Societá Editrice Dante Alighieri di Albrighi, Segati & C., 1914, p.439ss.;ReginaldLloydetalii, ImpressõesdoBrasilnoSéculoVinte.Suahistória, seo povo, commercio, industrias e recursos, Londres, Lloyd'sGreater Britain Publishing Company, 1913, p. 632; Augusto Ramos, op.cit.,p.205.

'a9 Cf. Elias Antonio Pacheco e Chaves et al., op. cit., p. 247; ManuelBernardez, Le Brésil-Sa vie, son travam sonavenir, BuenosAires, s. e.,1908, p. 223-4; Louis Couty, Ebauchessociologiques: Le Brésilen 1884,cit.,p.185;B.Beli,op.cit.,p.112;VincenzoGrossi,op.cit.,p.445;AugustoRamos, op. cit., p. 205;GuidoMaistrello, "Fazendasde café-costumes (S.Paulo)",emAugustoRamos,op.cit.,p.564.

130C£LouisCouty,Etudedebiologieindustriellesurlecafé,cit.p.130.

131 C£ Pierre Denis, op. cit., p. 151; Guido Maistrello, loc. cit., p. 556; B.Belli, artigo no Correio Paulistano, 2 de julho de 1911, apud PaulaBeiguelman,op.cit.,p.110,nota92.

132C£RodrigoSoaresJúnior,JorgeTibiriçdesuaépoca,cit.,v.2,p.360e429;PaulaBeiguelman,op.cit.,p.115.

133 C£ Relatorio annual do Instituto Agronômico do Estado de S. Paulo(Brazil) em Campinas - 1894 e 1895, v. vii e viii, cit., p. 195: "Onde omilho é cultivado nos cafezais como `cultura intermediária' é quaseimpossívelcalcular-seexatamenteocustodeprodução...".

134Cf.AntonioPiccarolo,L'emigrazioneitaliananelloStatodiS.Paulo,SãoPaulo,LivrariaMagalhães,1911,p.60-2.

135C£A.Laliére,op.cit.,p.270-273.

136C£VincenzoGrossi,op.cit.,p.444.

137 C£ Karl Marx, El capital- Libro i- Capitulo vi (Inédito), trad. Pedro

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Scaron,BuenosAires,EdicionesSignos,1971,p.54ss.

138 C£ Antonio Piccarolo, Um pioneiro das relações ítalo-brasileiras (B.Belli),SãoPaulo,Athena,1946,p.17ss.;MichaelM.Hall,Approaches toImmigration History", em Richard Graham e Peter H. Smith (eds.),NewApproaches to Latin American History, Austin and London,UniversityofTexasPress,1974,p.180ss.

139C£LouisCouty, op. cit., p. 158;EliasAntonioPacheco eChaves et al.,op.cit.,p.247;PierreDenis,op.cit.,p.140ss.

140 O lugar secundário da remuneraçãomonetária do colono de café sere letia na relativamente reduzida importância de suas remessas dedinheiro, no caso dos italianos, para os remanescentes da família quepermaneceramnaItália.Dostrêspaísesquemaisreceberamimigrantesitalianos, EstadosUnidos,Brasil eArgentina, as remessasdoBrasil, nosprimeiros anosdo século xx, foram comparativamentemuito reduzidas,oscilando entre 10% e 20% do que enviaram à Itália os italianosresidentesnosEstadosUnidos.Em1905,asremessasfeitasdaArgentinaforam quase o dobro das feitas do Brasil. Cf. Luigi De Rosa, Emigranti,capitali e Banche (1896-1906), Napoli, Edizione dei Banco di Napoli,1980,p.490e598.

1Cf.PierreDenis,op.cit.,149.

142 C£ PaulWalle, Au Pays de Por rouge - L'Etat de São Paulo (Brésil),Paris,AugustinChallamel,1921,p.82.

143C£PierreDenis,op.cit.,p.140.

144C£BorisFausto,Trabalhourbanoecon litosocial,cit.,p.21.

149C£"CondiçõesgeraesdotrabalhonaindustriatextildoEstadodeSãoPaulo",BoletimdoDepartamentoEstadualdoTrabalho,annoVIII,n.31e32,SãoPaulo,TypographiaLevi,1919,p.202(tabelan.2).

146Cf.SergioMilliet,op.cit.,p.73ss.;CaioPrado júnior,EvoluçãopolíticadoBrasileoutrosestudos,cit.,p.236.

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147C£MarioRamos,Aillusãopaulista,Riodejaneiro,1911,esp.p.37,40e49-50; Edgar Rodrigues, Socialismo e sindicalismo no Brasil, Rio deJaneiro,Laemmert,1960,p.300;EverardoDias,HistóriadaslutassociaisnoBrasil,SãoPaulo,Edaglit,1962,p.260e271;HermínioLinhares,"Asgreves operárias no Brasil durante o primeiro quartel do século xx",Estudos Sociais, n. 2, jul.-ago. 1958, p. 222-3;AugustoRamos, op. cit., p.209; Warren Dean, op. cit., p. 179; Azis Simão, Sindicato e estado, SãoPaulo,Dominus,1966,p.101-2.

148C£MariaPaesdeBarros,op.cit.,p.73ss.;ArreliadeRezendeMartins,op.cit.,p.511.

149 "A aceitaçãoprontade tais trabalhadoresnão signi icava sempre, departe dos grandes proprietários rurais, a admissão igualmente pronta,ousequeracompreensão,detodasasconsequênciasqueessamudançairiaacarretarnosistemaderelaçõesentrepatrõeseserviçais."Cf.SergioBuarquedeHolanda, "Prefáciodo tradutor",emThomasDavatz,op.cit.,p.17.

1soC£VincenzoGrossi,op.cit.,p.443-4.

SiIdem,p.442ss.

152C£WarrenDean,"Apequenapropriedadedentrodocomplexocafeeiro:sitiantesnoMunicípiodeRioClaro(1870-1920)",emRevistadeHistória,v.Lttt,n.106,SãoPaulo,1976,p.488.

153Idem,p.491.

154C£ReginaldLloydetal.,op.cit.,p.630.

155 Cf. Warren Dean, Rio Claro, cit., p. 187-188; Michael M. Hall, lheOrigins ofMasslmmigration inBrazil, 1871-1914, Ph.D. Thesis, ColumbiaUniversity, 1969, passim. Uma otimista contraposição a essasconstatações encontra-se em Thomas H. Holloway, "Condições domercado de trabalho e organização do trabalho nas plantações naeconomia cafeeira de São Paulo, 1885-1915 - Uma análise preliminar",EstudosEconômicos,v.2,n.6,SãoPaulo,IPE-USP,1972.