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1 O desafio da geotecnia frente às questões ambientais Izzo, R. L. S. Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil, [email protected] Nagalli, A. Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil, [email protected] Resumo: A geotecnia, enquanto ciência ligada à engenharia e à geologia, se ocupa de questões ligadas às construções e sua relação com os solos e rochas que as cercam. Em sendo atividades modificadoras do meio ambiente, os empreendimentos geotécnicos podem representar alterações importantes nos aspectos ambientais locais, regionais e globais. Um dos temas onde esta relação é mais evidente é na área dos resíduos sólidos. Assim, a geotecnia dita ambiental busca, ao investigar o comportamento espaço-temporal dos resíduos sólidos frente às solicitações naturais ou antrópicas, dar subsídios às atividades humanas de modo sustentável. Neste sentido, este capítulo busca apresentar e discutir alguns conflitos e soluções técnicos que são objeto da geotecnia ambiental no âmbito dos resíduos sólidos urbanos e dos resíduos de construção e demolição. Abstract: The Geotechnics, as a science linked to engineering and geology, deals with issues related to constructions and its relation with soil and rocks that surround it. In being modifier activities on the environment, the Geotechnical enterprises can represent important changes in local, regional and global environmental aspects. One of the topics where this relationship is most evident is in the area of solid waste. The Environmental Geotechnics intends to investigate the spatio-temporal behavior of solid waste under natural or anthropogenic requests, giving subsidies to human activities in a sustainable way. In this sense, this chapter intends to present and discuss some conflicts and technical solutions that are object of Environmental Geotechnics in urban solid waste and construction and demolition waste. 1. A GEOTECNIA AMBIENTAL Com a Revolução Industrial, que começou na primeira parte do século XIX, o ser humano passou a ter acesso cada vez mais a produtos mais elaborados e com um grau crescente de tecnologia associado a estes produtos. Com isso, a vida nas cidades foi se tornando cada vez mais fácil e confortável, permitindo que as cidades abrigassem cada vez mais pessoas. A geotecnia como é conhecida atualmente, nasceu na segunda metade da década de 1920 com os trabalhos de Terzaghi. No Brasil, durante a década de 1950, iniciaram-se os estudos sobre os solos brasileiros (ABMS, 2010). Com o avanço da industrialização, mais e mais problemas ambientais associados à área geotécnica foram surgindo. Como exemplos, temos as contaminações de solo por substâncias químicas, a necessidade crescente de áreas apropriadas para disposição dos mais diversos tipos de resíduos e a disposição de rejeitos de mineração. No entanto, nem todas as respostas e soluções foram encontradas nos conhecimentos clássicos da engenharia geotécnica, havendo a necessidade da pesquisa e desenvolvimento de novas técnicas, apoiadas na geotecnia, para fazer frente aos novos desafios, surgindo assim, a geotecnia ambiental. Nas últimas décadas, esse novo ramo da ciência geotécnica vem sendo desafiado a responder questões que afetam a vida moderna. Exemplo disso é a questão da destinação final dos resíduos sólidos urbanos, cuja geração aumenta cada vez mais, o que cria a necessidade de soluções cada vez mais pautadas em técnicas refinadas, visando causar o menor impacto ambiental possível, preservar a saúde pública e reduzir custos associados. 1 O ESTUDO DO RESÍDUO SÓLIDO URBANO (RSU) NO CONTEXTO AMBIENTAL O modo de vida urbano tem sido um fator determinante quanto aos impactos ambientais e no prejuízo crescente da qualidade de vida das populações. Para Mucelin e Bellini (2008) a criação das cidades e a crescente ampliação das áreas urbanas têm contribuído para o crescimento de impactos

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O desafio da geotecnia frente às questões ambientais Izzo, R. L. S. Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil, [email protected] Nagalli, A. Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil, [email protected] Resumo: A geotecnia, enquanto ciência ligada à engenharia e à geologia, se ocupa de questões ligadas às construções e sua relação com os solos e rochas que as cercam. Em sendo atividades modificadoras do meio ambiente, os empreendimentos geotécnicos podem representar alterações importantes nos aspectos ambientais locais, regionais e globais. Um dos temas onde esta relação é mais evidente é na área dos resíduos sólidos. Assim, a geotecnia dita ambiental busca, ao investigar o comportamento espaço-temporal dos resíduos sólidos frente às solicitações naturais ou antrópicas, dar subsídios às atividades humanas de modo sustentável. Neste sentido, este capítulo busca apresentar e discutir alguns conflitos e soluções técnicos que são objeto da geotecnia ambiental no âmbito dos resíduos sólidos urbanos e dos resíduos de construção e demolição. Abstract: The Geotechnics, as a science linked to engineering and geology, deals with issues related to constructions and its relation with soil and rocks that surround it. In being modifier activities on the environment, the Geotechnical enterprises can represent important changes in local, regional and global environmental aspects. One of the topics where this relationship is most evident is in the area of solid waste. The Environmental Geotechnics intends to investigate the spatio-temporal behavior of solid waste under natural or anthropogenic requests, giving subsidies to human activities in a sustainable way. In this sense, this chapter intends to present and discuss some conflicts and technical solutions that are object of Environmental Geotechnics in urban solid waste and construction and demolition waste.

1. A GEOTECNIA AMBIENTAL Com a Revolução Industrial, que começou na primeira parte do século XIX, o ser humano passou a ter acesso cada vez mais a produtos mais elaborados e com um grau crescente de tecnologia associado a estes produtos. Com isso, a vida nas cidades foi se tornando cada vez mais fácil e confortável, permitindo que as cidades abrigassem cada vez mais pessoas.

A geotecnia como é conhecida atualmente, nasceu na segunda metade da década de 1920 com os trabalhos de Terzaghi. No Brasil, durante a década de 1950, iniciaram-se os estudos sobre os solos brasileiros (ABMS, 2010). Com o avanço da industrialização, mais e mais problemas ambientais associados à área geotécnica foram surgindo. Como exemplos, temos as contaminações de solo por substâncias químicas, a necessidade crescente de áreas apropriadas para disposição dos mais diversos tipos de resíduos e a disposição de rejeitos de mineração.

No entanto, nem todas as respostas e soluções foram encontradas nos conhecimentos clássicos da

engenharia geotécnica, havendo a necessidade da pesquisa e desenvolvimento de novas técnicas, apoiadas na geotecnia, para fazer frente aos novos desafios, surgindo assim, a geotecnia ambiental.

Nas últimas décadas, esse novo ramo da ciência geotécnica vem sendo desafiado a responder questões que afetam a vida moderna. Exemplo disso é a questão da destinação final dos resíduos sólidos urbanos, cuja geração aumenta cada vez mais, o que cria a necessidade de soluções cada vez mais pautadas em técnicas refinadas, visando causar o menor impacto ambiental possível, preservar a saúde pública e reduzir custos associados.

1 O ESTUDO DO RESÍDUO SÓLIDO URBANO (RSU) NO CONTEXTO

AMBIENTAL

O modo de vida urbano tem sido um fator determinante quanto aos impactos ambientais e no prejuízo crescente da qualidade de vida das populações.

Para Mucelin e Bellini (2008) a criação das cidades e a crescente ampliação das áreas urbanas têm contribuído para o crescimento de impactos

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ambientais negativos. No ambiente urbano, determinados aspectos culturais como o consumo de produtos industrializados e a necessidade da água como recurso natural vital revelam o potencial de transformação do ambiente pela modificação do comportamento humano. Os costumes e hábitos no uso da água e a produção de resíduos pelo exacerbado consumo, são responsáveis por parte das alterações e impactos ambientais.

Segundo Fernandez (2004) as alterações ambientais ocorrem por inumeráveis causas, muitas denominadas naturais e outras oriundas de intervenções antropológicas, consideradas não naturais. É fato que o desenvolvimento tecnológico contemporâneo e as culturas das comunidades têm contribuído para que essas alterações no e do ambiente se intensifiquem, especialmente no ambiente urbano.

A questão dos resíduos sólidos é um dos problemas ambientais urbanos prioritários no início do século XXI. Na atualidade, 3,4 bilhões de pessoas, metade da população mundial, vive em áreas urbanas e até a metade deste século todas as regiões serão predominantemente urbanas (UN-HABITAT, 2010).

Esta expansão demográfica das cidades, aliada ao consumo crescente de produtos menos duráveis e/ou descartáveis, provoca sensível aumento do volume, diversificação do lixo gerado e sua concentração espacial. No Brasil, em um período de 20 anos, entre 1989 e 2008, enquanto a população aumentou cerca de 30%, a massa de lixo coletada cresceu 90%, de 35,1 para 66,8 milhões de toneladas anuais (IBGE, 1989; IBGE, 2008).

As alterações ambientais provocadas devido ao modo de vida nas grandes cidades caracterizam-se principalmente pela geração maciça de resíduos. Obtendo-se, na verdade, um confronto entre meio-ambiente e desenvolvimento, ao não se estabelecer patamares sustentáveis de produção e consumo.

Com a saturação e fechamento dos aterros de lixo surge a demanda por novas áreas, cada vez maiores e inevitavelmente próximas aos centros urbanos. Este fato gera conflito, pois a população tende a resistir à instalação de aterros, ou outras construções do gênero, próximas do local onde moram.

2 ATERROS DE RSU

Apesar dos avanços tecnológicos e do surgimento de várias opções de disposição final do RSU, apesar da escassez de espaços disponíveis e da vida útil limitada, os aterros sanitários constituem, atualmente, a alternativa mais difundida e empregada no mundo para a disposição final de resíduos sólidos (GIUSTI, 2009)

No Brasil a disposição de RSU em aterros sanitários é cada vez maior, contudo, ainda é comum a disposição de RSU em vazadouros a céu

aberto e em aterros controlados. O aterro controlado foi a solução dada para minimizar o impacto causado pelos vazadouros a céu aberto, os lixões.

Um exemplo de aterro controlado, que obteve relativo sucesso, foi o aterro de Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro (Figura 1), que foi encerrado em junho de 2012. A intervenção, utilizando técnicas adequadas, conseguiu conter o impacto causado pela disposição descontrolada de RSU.

Figura 1: Vista de uma “praça de despejo” do aterro de Gramacho, Rio de Janeiro, em 2008.

O panorama da destinação final do RSU no Brasil vem melhorando (Tabela 1). Cada vez mais o RSU vem sendo depositado em aterros sanitários, em detrimento aos lixões. Porém, a disposição em lixões ainda é um sério problema, sem contar o passivo ambiental deixado pelos lixões e aterros controlados encerrados.

A quantidade média de RSU gerada per capita por dia no Brasil, segundo a ABRELPE (2012) é de 1,097 kg/hab/dia. Na Tabela 3 é possível observar que a quantidade média de RSU gerada per capita por dia no Estado do Paraná está abaixo da média nacional.

Ainda, na Tabela 4, é possível observar que a destinação de RSU em aterros sanitários (69,80%) é maior do que a média nacional (57,98% - Tabela 1).

Tabela 1: Panorama da destinação final do RSU no Brasil nos últimos 23 anos.

Destino final dos resíduos sólidos, por unidade de destino dos resíduos (%) Fonte /

Ano Vazadouros a céu aberto

Aterro Controlado

Aterro sanitário

IBGE, 1989

88,2 9,6 1,1

IBGE, 2000

72,3 22,3 17,3

IBGE, 2008

50,8 22,5 27,7

ABRELPE, 2011

41,94 58,06

ABRELPE, 2012

42,02 57,98

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A composição gravimétrica do RSU coletado no

Brasil no ano de 2012 pode ser observada na Tabela 2.

Tabela 2: Participação dos principais materiais no total de RSU coletado no Brasil em 2012 (ABRELPE, 2012).

Material Participação

(%) Quantidade

(t/ano)

Metais 2,9 1.640.294

Papel, Papelão e TetraPak

13,1 7.409.603

Plástico 13,5 7.635.851

Vidro 2,4 1.357.484

Matéria Orgânica 51,4 29.072.794

Outros 16,7 9.445.830

TOTAL 100,0 56.561.856

Observa-se que a matéria orgânica ainda

corresponde por mais da metade do RSU. Ainda, nota-se que a quantidade de plástico

presente no RSU corresponde a mais de 10% do total do RSU, assim como a quantidade de papel, papelão e tetrapac.

Tabela 3: Coleta e geração de RSU no Estado do Paraná (ABRELPE, 2012).

2011 8.974.350 População Urbana

2012 9.035.534

2011 0,855 (kg/hab/dia)

2012 0,86

2011 7.672 RSU

Coletado (t/dia)

2012 7.771

2011 8.401 RSU Gerado

(t/dia) 2012 8.507

Tabela 4: Destinação Final de RSU no Estado do Paraná (ABRELPE, 2012).

2011 (t/dia) 2012 (t/dia) Aterro

Sanitário 69.80% 5355 70.00% 5433

Aterro Controlado

19.60% 1501 19.50% 1520

Lixão 10.60% 816 10.50% 818 A presença destes tipos de materiais em

abundância na massa de RSU influencia na permeabilidade, compressibilidade e na resistência ao cisalhamento deste material.

3 O RESÍDUO SÓLIDO URBANO

Para permitr o projeto e execução de aterros sanitários com cada vez mais capacidade de armazenamento, cada vez mais seguros e cada vez mais eficientes no tratamento da lixiviado e das emissões gasosas, certos aspectos geotécnicos do RSU que influenciam no funcionamento do aterro sanitário são investigados com afinco. Estes aspectos são a hidráulica, a compressibilidade e a resistência ao cisalhamento. 3.1 HIDRÁULICA DO RSU

Em função de sua composição heterogênea, da forma de disposição e da cobertura diária com solo, a permeabilidade é anisotrópica em RSU.

O coeficiente de permeabilidade do resíduo é um importante parâmetro de projeto e operação de aterros sanitários, principalmente no que diz respeito a problemas de estabilidade e migração não controlada de líquido percolado. A permeabilidade é influenciada pela sua composição gravimétrica e também pelo grau de compactação da massa de resíduo.

No RSU o coeficiente de permeabilidade varia da ordem de 10-2 m/s a 10-11 m/s. Os principais fatores que influenciam na variação do coeficiente de permeabilidade em RSU são a sua composição gravimétrica, o seu peso específico seco e a idade do resíduo, valendo observar que a permeabilidade horizontal é maior do que a permeabilidade vertical em RSU, sendo de 1 a 2 ordens de grandeza maior (Munnich et al., 2005).

Ainda, segundo Munnich et al. (2005), com o aumento na densidade do RSU há uma redução na diferença entre a permeabilidade horizontal e a permeabilidade vertical.

De fato, Hudson et al. (2009) afirma que vários pesquisadores têm assumido que em aterros sanitários o RSU apresentará um maior coeficiente de permeabilidade no plano horizontal do que no plano vertical (kh > kv). Porém, os resultados observados na literatura são variados e imprecisos. Consequentemente, a adoção de valores diferentes para o coeficiente de permeabilidade horizontal e vertical, ou ainda, considerar valores isotrópicos quando da utilização de modelos de movimento e transporte de lixiviado pode resultar em erros consideráveis.

Esta dificuldade em se obter valores confiáveis para o coeficiente de permeabilidade (horizontal e vertical) se deve à dificuldade em se reproduzir em laboratório as condições de campo e, além disso, da heterogeneidade do RSU, de sua variação composicional em função da população que o produz, da velocidade de alteamento do aterro sanitário, do material com que a cobertura diária do RSU é feita, da execução ou não de recirculação de

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chorume e da alteração do RSU com o tempo em função da degradação.

O estudo da hidráulica em RSU é complexo e ainda representa um grande desafio. Em virtude deste fato, pesquisas sobre este assunto são importantes e devem continuar a serem feitas. 3.2 COMPRESSIBILIDADE DO RSU

De acordo com Cardim (2008), a compressibilidade do RSU se constitui num importante fator a ser considerado para a previsão das movimentações dos maciços compactados. A previsão de recalques das massas de lixo permite uma melhor avaliação de desempenho dos elementos que fazem parte da estrutura de um aterro (camadas de cobertura, sistemas de coleta de gases e fluidos, reforço drenagem superficial, caixas de passagem, poços de inspeção). Ademais, a quantificação da deformabilidade das massas de lixo auxilia num importante aspecto do gerenciamento dos resíduos sólidos, que é a melhoria das estimativas de vida útil dos aterros, uma vez que permite calcular a capacidade volumétrica adicional de armazenamento que os recalques geram.

Os aterros sanitários sofrem reduções significativas durante sua vida útil devido à alta compressibilidade dos resíduos sólidos urbanos. Os principais mecanismos que condicionam os recalques observados podem ser resumidos como:

• Ações mecânicas (peso próprio, sobrecargas, etc.);

• Reorientação de partículas menores, devido à percolação de líquidos;

• Transformações dos resíduos, por reações físico-químicas (colapsos tais como corrosão, oxidação, etc.) e

• Decomposição bioquímica, com consequente perda de massa através do escape de gases, percolados, etc.

Os recalques em RSU são resultado da superposição de efeitos de uma parcela instantânea, uma primária e uma secundária.

O recalque instantâneo ocorre com a aplicação da carga, sendo derivado dos seguintes mecanismos:

• compressão volumétrica do esqueleto e gás

• deformação por cisalhamento do esqueleto

• deformações volumétricas e de cisalhamento de elementos sólidos

• deformação e deslocamento de elementos sólidos finos e fibrosos

• esmagamento de elementos sólidos frágeis.

A natureza deste tipo de recalque é puramente mecânica e independente do tempo, a sua previsão pode ser muito difícil para o RSU.

O recalque primário está ligado a uma compressibilidade que ocorre com atraso devido à

presença de fluido e de gás nos espaços vazios da massa de RSU.

O recalque secundário acontece sob tensão efetiva constante. Trata-se do fenômeno de fluência que é bem conhecido, típico em um meio particulado, é também associado a alguns fenômenos biológicos que ocorrem no RSU, devido à transformação da matéria orgânica em lixiviado e biogás. O componente biológico é uma causa importante de recalques, que pode levar muito tempo até se estabilizar.

Assim, de forma geral, a magnitude e a velocidade dos recalques estão associados aos seguintes fatores:

• Densidade ou índice de vazios inicial; • Porcentagem de materiais degradáveis; • Altura do aterro; • Trajetória de tensões; • Nível e flutuação de chorume; • Parâmetros físicos (umidade,

temperatura, presença de gases, etc.). O resíduo depositado se transforma devido à

ação integrada de processos físico-químicos e biológicos. As modificações biológicas desempenham papel importante, atuando sobre os resíduos degradáveis, tais como restos de comida, folhas, e, em certa medida, sobre os resíduos de celulose, tais como papéis, cartões, papelões e madeira.

Deve-se salientar que a degradação por ação biológica ocorre sob duas condições: a aeróbia e a anaeróbia, ou seja, com presença ou não de oxigênio. A transformação aeróbia (com presença de oxigênio) é mais rápida, ao passo que a degradação anaeróbia (sem presença de oxigênio) é mais lenta. Fatos verificados por Tapahuasco (2005) que, ao avaliar os recalques de células experimentais construídas no Aterro do Jockey Clube de Brasília com diferentes materiais para camada de cobertura (argila compactada e entulho de construção), constatou que as células cobertas com entulho de construção, que possibilitavam a aeração do resíduo confinado, apresentavam maiores deslocamentos verticais que os observados nas células cobertas com material argiloso compactado.

Em muitos países da Europa, tais como Alemanha, Inglaterra, França e Itália, os resíduos sólidos urbanos (RSU) devem ser processados antes de ir para o aterro para reduzir sua biodegradabilidade e potencial poluidor através de emissões de gás e chorume. Uma forma comum de tratamento que está sendo adotada no Reino Unido é genericamente chamada de tratamento mecânico-biológico (TMB). O processo envolve tipicamente a separação trituração, e biodegradação (digestão aeróbica ou anaeróbica, ou ambos). Em um aterro com RSU TMB, as fases de degradação de resíduos sofrem alterações significativas. A modificação principal é a redução das etapas anteriores à fase metanogênica (Molleda e Lobo, 2011). A fase

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aeróbia e a fase ácida anaeróbica, em resíduos pré-tratados terminam durante a etapa de tratamento biológico, assim reações anaeróbicas irão ocorrer quase imediatamente após a deposição em aterro.

Este processo de TMB reduz drasticamente as emissões gasosas e de lixiviado dos aterros sanitários, porém pode alterar significativamente as propriedades mecânicas do resíduo, através da redução do tamanho de partícula e a remoção dos elementos, que reforçam resíduos transformados e aumentam a sua força no maciço do aterro. Esta mudança de características dos resíduos pode acarretar em impactos significativos sobre o comportamento mecânico da massa de RSU. 3.3 RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO

DO RSU A estabilidade de um aterro depende da

resistência ao cisalhamento e de seus elementos. No que se refere ao material depositado, são fatores diversos que influenciam as características de resistência, tais como a composição do lixo, a idade do aterro, a pressão confinante, detalhes da operação de aterro (drenagem compactação, lixiviados e sistemas de evacuação de gás), a existência de camadas de solo, como a cobertura celular de resíduos, etc.. Em qualquer caso, a resistência ao corte dos resíduos determina a inclinação a ser dada às camadas de aterros, o que por sua vez, regula a capacidade de deposição no aterro. A necessidade de estabelecer bermas a meia altura das camadas tem também um papel importante na capacidade dos aterros. Resíduos sólidos urbanos (RSU) têm algumas características especiais que os distinguem dos solos em termos de comportamento. No entanto, as análises de estabilidade do maciço de RSU são geralmente feitas com base nos modelos tradicionamente utilizados para solos, tal como o critério de ruptura de Mohr-Coulomb, governado pela coesão e pelo ângulo de atrito interno.

Koelsch (1995) propôs um modelo que considera o plástico mole que compõe o RSU como sendo reforço que trabalharia de forma similar a um reforço fibroso em um solo.

O plástico, considerado como uma fibra de reforço, mobiliza esforços de tração e promove um ganho em resistência ao cisalhamento da massa de RSU como um todo. Essa contribuição depende da ancoragem das fibras plásticas e, consequentemente, da tensão normal.

Na Figura 2 é possível observar o modelo da contribuição do reforço das fibras plásticas a resistência ao cisalhamento do RSU. Na Fase 1, as fibras plásticas não se encontram tensionadas no meio da massa de RSU, sendo, neste primeiro momento, toda resistência ao cisalhamento atribuída ao atrito entre os elementos presentes no RSU. Com o aumento da deformação da massa de RSU na Fase 2, as fibras que estão devidamente ancoradas

passam a ser tracionadas e contribuem efetivamente para a resistência ao cisalhamento. Com o aumento da deformação, e consequente aumento da solicitação à tração do plástico, na Fase 3 as fibras plásticas começam a se romper ou a perder sua ancoragem e a contribuição à resistência ao cisalhamento começa a decair. Na Fase 4, com o avanço da deformação, a contribuição à resistência ao cisalhamento das fibras plásticas cessam e, novamente, somente o atrito passa a responder pela resistência ao cislhamento.

Na Figura 3, Koelsch (1995), ressalta a influência da tensão normal na contribuição do plástico a resistência ao cisalhamento do RSU. Para baixas tensões normais, somente baixas forças de tração são desenvolvidas, em virtude da baixa ancoragem das “fibras” plásticas. Para tensões normais maiores, os esforços de tração nas “fibras” aumentam em virtude da melhora da ancoragem, fazendo com que a contribuição do reforço a resistência ao cisalhamento atinja um valor máximo para estas tensões normais. Para altas tensões normais, a resistência ao cisalhamento volta novamente a ser determinada pelo atrito.

Assim, para uma determinada faixa de tensão normal a envoltória de tensão apresenta uma “quebra”.

Figura 2: Modelo da contribuição do reforço das fibras plásticas a resistência ao cisalhamento do RSU (Koelsch,1995).

Além da contribuição do plástico a resistência ao cisalhamento é governada pela qualidade da ancoragem das “fibras” plásticas, que é função da magnitude da tensão normal atuando no RSU. Outras variáveis como tipo de plástico e velocidade de degradação do plástico pelos elementos químicos e biológicos lixiviados no RSU também influenciam o processo.

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Figura 3: Influência da tensão normal na contribuição do plástico a resistência ao cislhamento do RSU.

Os resultados obtidos por Izzo et al. (2012) em

ensaios de tração feitos com tiras plásticas oriundas de sacolas plásticas comuns de mercado, para diferentes distâncias entre as ancoragens e para as diferentes taxas de deslocamento são apresentados na Figura 4.

Figura 4: Resultados dos ensaios de tração feitos em tiras plásticas com diferentes distâncias entre as ancoragens (Izzo et al., 2012).

Observa-se com os resultados, que uma maior

força de tração é mobilizada quanto menor é a distância entre as ancoragens e quanto maior é a taxa de deslocamento.

Athanasopoulus et al. (2008) fizeram ensaios de cisalhamento direto em corpos de prova de resíduo sintético, cujas partículas menores do que 20mm utilizadas, foram obtidas do aterro Xerolaka, na Grécia, e as partículas maiores do que 20mm foram utilizados papelão, lâminas de madeira e sacolas plásticas. Cada material fibroso foi orientado em

diferentes inclinações em relação ao plano de cisalhamento (0°, 30°, 60° e 90º). O estudo concluiu que a maior resistência ao cisalhamento dos corpos de prova ocorre quando as fibras estão orientadas a 60º em relação ao plano cisalhante. Os autores concluíram também que a tensão de cisalhamento mobilizada é maior para corpos de prova reforçados com fibras de madeira do que os reforçados com plástico, sendo que os reforçados com papel apresentaram valores mais baixos de resistência ao cisalhamento.

Izzo et al. (2012) fizeram ensaios de cisalhamento em corpos de prova de areia, com tiras plásticas oriundas de sacolas plásticas de mercado, orientadas a 30°, 60° e 90º em relação ao plano de cisalhamento. Os resultados da resistência ao cisalhamento obtidos em relação aos resultados obtidos para um corpo de prova sem o reforço do plástico são apresentados na Figura 5.

Os resultados mostram que existe um aumento na resistência ao cisalhamento dos corpos de prova com reforço de tiras plásticas, que foi em média de 15%. Ainda, para tensões normais menores, a adição de tiras plásticas parece contribuir mais com aumento tensão cisalhante.

Figura 5: Efeito da orientação das fibras para os corpos de prova submetidos as tenções normais de 50, 100 e 200 kPa (Izzo et al. 2012).

Machado e Karimpour-Fard (2011) realizaram

ensaios triaxiais CD e CU para avaliar o efeito das fibras no comportamento mecânico de RSU e, além disso, analisaram a influência das fibras no coeficiente de segurança de aterros. As amostras ensaiadas são compostas de material coletado no Aterro Metropolitano Centro, situado a cerca de 20km de Salvador. Foram confeccionados corpos de prova com diferentes porcentagens de fibras (25%, 12,5%, 6,5% e 0%) existentes no próprio resíduo coletado, as quais constituem em sua maioria de plásticos e tecidos. Nesse estudo, elementos planares, como papel e papelão tiveram sua influência no reforço do RSU negligenciada, uma

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vez que os materiais coletados possuíam um alto teor de água, que leva a uma diminuição na resistência à tração de tais resíduos. Os resultados por eles encontrados mostraram que as curvas do gráfico tensão versus deformação axial apresentam concavidade para cima, sem apresentar evidências de um patamar de ruptura.

Além disso, os autores demonstraram que o aumento da porcentagem de fibras, leva a um consequente aumento na resistência ao cisalhamento do RSU. Outro aspecto apontado através de suas análises da estabilidade de aterros é que a redução da porcentagem de material fibroso no RSU leva a um decrescimento no fator de segurança dos aterros.

Trabalhos científicos que investigam os parâmetros que influenciam na estabilidade de taludes de RSU e que analisam a geração, utilização, ou redução do biogás gerado são relevantes, uma vez que a previsão de acidentes em aterros sanitários pode evitar danos ambientais graves e ganhos financeiros significativos através do melhor aproveitamento de áreas destinadas a construção de aterros sanitários e com maior segurança, além de um melhor controle e previsão da quantidade de biogás produzido.

No caso da estabilidade de taludes, a disponibilidade de parâmetros confiáveis e precisos é indispensável, uma vez que atualmente a obtenção destes parâmetros é feita de forma empírica tomando como base os parâmetros da geomecânica clássica, que frequentemente não condizem com a realidade, pois o RSU é um material que muda suas características ao longo do tempo devido, basicamente, ao processo de degradação biológica. Segundo Kavazanjian (2008), o impacto da degradação deve ser considerado pelos projetistas de aterros sanitários, já que há uma redução na resistência ao cisalhamento do RSU, na medida em que este está sendo degradado. Além disso, o RSU é um material que possui uma grande variedade de partículas diferentes, tanto orgânicas quanto inorgânicas, de dimensões variadas (Borgatto, 2006).

A utilização de parâmetros que não condizem, por vezes, com a realidade pode levar a situações de muito improviso na escolha dos parâmetros e procedimentos de cálculo, chegando-se a soluções que geram danos ambientais absolutamente desnecessários e completamente evitáveis, caso procedimentos mais adequados estivessem disponíveis e tivessem sido adotados no projeto e na operação.

Apesar de tudo, isto e pelo fato de problemas de geração, gerenciamento e disposição de RSU serem uma preocupação mundial, o estudo de parâmetros de resistência de RSU é um assunto que vem sendo estudado com maior rigor a pouco tempo. Koelsch (1993), estudando o comportamento mecânico de RSU tratados mecânica e biologicamente, preconizou que os materiais presentes no RSU, cuja

largura e comprimento são muito maiores do que a sua espessura, ou seja, em formato de uma folha (ex. plásticos e tecidos), conferem ao RSU uma parcela de resistência mecânica por funcionarem como uma fibra de reforço no meio do RSU, semelhante ao que ocorre em solos reforçados com fibras.

No Brasil, um dos trabalhos pioneiros foi o de Carvalho (1999), que obteve parâmetros de resistência de RSU fresco através de ensaios triaxiais e de cisalhamento direto. Ainda, Neto (2004), realizou ensaios de cisalhamento direto de grandes dimensões com areia reforçada com fibras, procurando correlacionar seu comportamento mecânico com RSU pré-tratado mecânica e biologicamente.

Mais recentemente, Zekkos (2005) investigou as propriedades estáticas e dinâmicas de RSU, através de ensaios de cisalhamento direto, ensaios triaxiais cíclicos e ensaios triaxiais convencionais. Ainda, Zekkos et al. (2007) estudou o efeito da composição do RSU e da velocidade de carregamento no comportamento mecânico do RSU. Além destas variáveis, foi avaliada também a influência da orientação das fibras no RSU. De fato, a orientação das fibras presentes no RSU modifica seu comportamento mecânico, pois a mobilização destas fibras está diretamente ligada à sua posição em relação às tensões solicitantes e à velocidade em que estas tensões aumentam.

O estudo geotécnico do RSU representa um verdadeiro desafio, já que as variáveis envolvidas são muitas. Como exemplo, pode-se citar a composição do RSU, as dimensões de suas partículas, o teor de umidade, a quantidade de material orgânico, a quantidade de material similar a fibras e a idade do RSU.

A dimensão das partículas do RSU representa uma dificuldade em particular para o estudo do comportamento mecânico deste material. No resíduo fresco (recém produzido) encontram-se partículas que variam de tamanhos bem reduzidos (milímetros) a tamanhos bem grandes (metros). A matéria orgânica e as partículas com dimensões pequenas (solo, poeira, pedaços de vidro, etc.) compõem o que se chama de matriz do RSU. Na Figura 6, pode-se observar uma representação simplificada do RSU, onde a matriz, os materiais que agem como fibras (plásticos moles, tecidos, etc.) e materiais tridimensionais (garrafas, latas, etc.) estão destacados. Os materiais com forma tridimensional, ao contrário dos plásticos que conferem um reforço mecânico, tendem a ser um agente instabilizador, já que seriam análogos a vazios no interior do RSU.

Por estes motivos, mudanças de paradigma em relação às dimensões ideais de corpos de prova de RSU para ensaios laboratoriais têm sido observadas, uma vez que as dimensões tradicionalmente usadas para solos na geotecnia clássica são consideradas insuficientes para representar o que ocorre em aterros de RSU. Um estudo pioneiro em relação às

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dimensões dos corpos de prova foi o de Zwanenburg et al. (2007) que propuseram estudar geotecnicamente o RSU através da caracterização, estudo de recalques, utilização de sonda com câmera de vídeo e realização de ensaios triaxiais com corpos de prova de RSU com 45 cm de diâmetro e 80 cm de altura.

Figura 6: Representação simplificada do RSU e dos componentes que influenciam no seu comportamento mecânico.

Na mesma linha, porém estudando a influência

da quantidade de solo no comportamento mecânico do RSU, Papic et al. (2007) realizaram ensaios triaxiais e edométricos com corpos de prova de RSU com 20, 30 e 40% de solo misturado ao RSU obtendo, como esperado, melhora da resistência com o aumento da porcentagem de solo misturado ao RSU. Nos ensaios triaxiais as dimensões dos corpos de prova foram de 10,1 cm de diâmetro e 20,2 cm de altura, enquanto que para os ensaios edométricos as dimensões foram de 10 cm de diâmetro e 4 cm de altura. Nascimento et al. (2008), estudaram a resistência não drenada em RSU da cidade de Salvador (BA), para resíduos novos e resíduos com 4 anos de idade, moldando corpos de prova para ensaios triaxiais com 20 cm de diâmetro e 40 cm de altura. Os resíduos com 4 anos, apresentaram um ângulo de atrito efetivo maior do que os resíduos novos e, ainda, em comparação com ensaios triaxiais drenados, concluiu-se que os parâmetros de resistência são menores para o RSU na condição não drenada, para ambos os casos.

Athanasopoulos et al. (2008), realizaram ensaios de cisalhamento direto em corpos de prova quadrados de 30 x 30 cm e com altura de 18 cm, onde, o material utilizado foi um RSU sintético, moldado com a intenção de se estudar o efeito da orientação das fibras no comportamento mecânico do RSU em analogia direta com um solo reforçado com fibras. Concluiu-se que a orientação das fibras afetava significativamente os parâmetros de resistência nos ensaios realizados.

Koelsch (2009) construiu um equipamento capaz de realizar ensaios de cisalhamento direto retangular com dimensões de 1 m de largura, 1,80 m de comprimento e 1,1 m de profundidade, com capacidade de executar ensaios em RSU com partículas de até 50 cm de tamanho. Na Figura 7, é possível visualizar o equipamento utilizado. O equipamento é transportado de caminhão até o aterro de RSU, onde o corpo de prova é montado com o auxílio de máquinas e, posteriormente, o

equipamento com a amostra de resíduo é transportado de volta ao laboratório, onde o ensaio é, então, realizado.

Figura 7: Equipamento construído por Koelsch (2009), para ensaio de cisalhamento direto de grande porte em RSU (Braunschweig, Alemanha).

Borgatto et al. (2009), fez ensaios de

cisalhamento direto com dimensões de 30 cm de largura, 30 cm de comprimento e 15 cm de profundidade, e estudaram a influência do plástico mole na resistência ao cisalhamento de RSU pré-tratado mecânica e biologicamente, com dimensão máxima de partículas de 6 cm. Apesar de nenhum controle em relação ao posicionamento do plástico mole ter sido feito, concluiu-se que há uma influência, principalmente em relação ao intercepto de coesão, pela simples presença do plástico mole na composição do RSU, representando um aumento da ordem de 20%.

Ensaios triaxiais drenados (CID) e não drenados (CIU), foram feitos por Bauer et al. (2009), com a finalidade de avaliar a resposta de RSU pré-tratados mecânica e biologicamente à compressão triaxial. Os corpos de prova utilizados tinham diâmetro de 47,5 cm e altura de 98 cm, sendo que o equipamento permitia a realização de consolidação isotrópica e anisotrópica da amostra de RSU com uma pressão confinante de até 1000 kPa. Além disso, o equipamento permitia o controle do ensaio através do carregamento axial ou pela deformação axial, que podia ser até maior do que 50%. Na Figura 8, é possível observar o equipamento e a dimensão dos corpos de provas utilizados por Bauer et al. (2009). Para o ensaio, os corpos de prova foram moldados com o auxílio de um molde, fora do equipamento, e posteriormente foram colocados no interior do equipamento com o auxílio de um guindaste.

Bauer et al. (2009) ressaltam que ensaios em escala de laboratório são normalmente realizados com equipamentos disponíveis para ensaios em mecânica dos solos, adaptados para o uso com RSU. Desta forma, há uma restrição do tamanho máximo da partícula de RSU que pode ser ensaiado e uma possibilidade de haver uma deformação insuficiente para obtenção de parâmetros no estado de ruptura. Concluem, ainda, que há uma grande influência do grau de saturação do RSU, da condição do ensaio (CIU ou CID) e da quantidade de fibras no comportamento mecânico do RSU.

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Figura 8: Detalhe do equipamento e corpo de prova utilizados por Bauer (2009) para a realização de ensaios triaxiais CIU e CID em RSU.

Embora a utilização de equipamentos de grande

porte para a realização de ensaios com RSU seja interessante, uma vez que o material ensaiado apresenta características granulométricas mais parecidas com as observadas in situ, também há desvantagens, já que existe um limite prático de tamanho para corpos de provas de RSU quando se trata de ensaios de laboratório. Este limite é imposto por fatores como a praticidade, o tempo de duração do ensaio e o custo para realizar o ensaio.

Quanto maiores as dimensões dos corpos de prova, menor será a facilidade de execução de ensaios, uma vez que o uso de equipamentos como guindastes, pontes rolantes e caminhões serão necessários para manusear os corpos de prova e o próprio equipamento de ensaio. Ainda, existe uma relação direta entre as dimensões do corpo de prova e o tempo de duração do ensaio, sendo que, quanto maior for o corpo de prova, maior será a duração do ensaio.

Dependendo do tamanho, e do tipo de ensaio, sua duração pode se estender por meses ou até anos, passando, neste caso, a ser mais vantajosa a execução de ensaios similares em campo. Também há uma relação direta quanto ao custo, já que quanto maior forem os equipamentos utilizados, mais particulares serão as suas especificações e requisitos que, conseqüentemente, resultará em um custo mais elevado. Isso sem levar em conta a necessidade de maior espaço físico, mais pessoas para montagem e execução dos ensaios e transporte especial (ex.: caminhões com grande capacidade de carga) para coleta de amostras e montagem dos corpos de prova.

Sobre outro aspecto, à medida que o RSU envelhece, o material biodegradável é consumido e a distribuição granulométrica, principalmente da chamada “matriz” da massa de resíduos, sofre profunda alteração, isto é, o tamanho das partículas do RSU sofre uma redução, tendo como conseqüência uma mudança no comportamento mecânico do RSU.

Desta forma, por haver uma diminuição das partículas do RSU ao passo que este envelhece, possibilita que se volte a pensar na utilização de corpos de prova menores, sem grande prejuízo de representatividade.

Zhan et al. (2008) realizaram ensaios triaxiais CID utilizando corpos de prova de RSU com 100 mm de diâmetro e 200 mm de altura, e com idades entre 2 a 12 anos. Concluíram que a envoltória de resistência depende do nível de deformações a que o RSU foi submetido e que, para deformações entre 5 e 20%, houve um decréscimo dos valores do intercepto de coesão e um acréscimo dos valor do ângulo de atrito interno, com o envelhecimento do RSU. O mesmo comportamento, foi observado por Reddy et al. (2008), através dos resultados obtidos para ensaios de cisalhamento direto em RSU fresco e RSU com 15-19 meses de idade.

Muitos outros fatores também influenciam no comportamento mecânico do RSU, dentre os quais pode-se destacar o grau de saturação, a permeabilidade, a porosidade e a compacidade. Bauer (2007), através de ensaios de laboratório, salientou que as condições hidráulicas influenciam nas propriedades mecânicas do RSU, uma vez que o aumento no grau de saturação causa uma redução do ângulo de atrito interno e, conseqüentemente, levando a uma redução da resistência ao cisalhamento do RSU.

Assim, quanto menor for o coeficiente de permeabilidade, maior será o risco de haver aumentos da poropressão, o que pode levar a reduções na resistência ao cisalhamento e a eventuais rupturas. Como não poderia deixar de ser, a permeabilidade, em RSU, está ligada diretamente a sua composição. No RSU, a quantidade de plásticos tem grande influência no valor do coeficiente de permeabilidade, em virtude disto, a permeabilidade horizontal é maior do que a permeabilidade vertical em RSU, sendo de 1 a 2 ordens de grandeza maior (Munnich et al., 2005). Desta forma, com a diminuição da quantidade de plásticos, aliado ao aumento do grau de compactação, observa-se que há uma redução na diferença entre a permeabilidade horizontal e a permeabilidade vertical.

Como pode ser observado, o estudo dos parâmetros geomecânicos de RSU é um tema complexo e balizado por diversas variáveis que devem ser levadas em consideração para um melhor entendimento do comportamento mecânico deste tipo de material. Isto é de suma importância, uma vez que aumentará a segurança dos aterros, acarretando em um melhor aproveitamento da área destinada à disposição do RSU.

4 OUTROS TIPOS DE RESÍDUOS

Os resíduos de construção e demolição costumavam ser depositados diretamente em aterros de RSU. Porém, tal prática, além de ocupar parte do espaço disponível para despejo dos RSU, trazia alguns problemas operacionais aos aterros. Assim, tais resíduos começaram a ter tratamento diferenciado.

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4.1 Resíduos de construção/demolição Entende-se por resíduos de construção e

demolição (RCD) àqueles provenientes de obras de engenharia. Incluem-se nesta definição os resíduos provenientes de grandes obras de engenharia tais como rodovias, barragens, túneis, etc. Em razão da grande diversidade de materiais aplicados na construção, tanto civil como militar, são igualmente diversificados os resíduos associados. Destaque-se, por exemplo, a grande quantidade de resíduos que pode estar associada a desastres naturais (terremotos, enchentes, etc.) ou guerras que demanda ações efetivas no gerenciamento dos resíduos para restabelecimento de condições sadias à vida. A geotecnia tem especial interesse na questão dos RCD uma vez que esta pode estar presente tanto no processo de geração quanto do processo de descarte destes resíduos (estabilidade de taludes de aterros, por exemplo).

De acordo com a ABRELPE (2012), estima-se que no Brasil só no ano de 2012, os municípios coletaram mais de 35 milhões de toneladas de RCD, um aumento de 5,3% em relação ao ano anterior, e o que representa cerca de 56% de todo o resíduo sólido urbano coletado naquele ano. Segundo Pinto (2009), o consumo de minerais e minérios na Europa disparou abruptamente nos últimos anos, com um consumo de 15 toneladas/ano/habitante. E, esse material é extraído da Crosta Terrestre e utilizado, em 50% do seu total, na construção civil.

Diversos são os impactos ambientais que podem estar associados, direta ou indiretamente, ao inadequado gerenciamento dos RCD, que trazem à tona o interesse da geotecnia ambiental, tais como:

• Carreamento de sólidos a cursos d’água, podendo acarretar em processos de assoreamento, poluição hídrica ou obstrução de sistemas de drenagem;

• Indução ou aceleração de processos erosivos; • Proliferação de vetores de doenças, tais como

ratos, moscas, mosquitos, baratas, etc.; • Contaminação de solos e águas subterrâneas

ou superficiais, por exemplo, pela lixiviação de resíduos potencialmente perigosos;

• Sobreutilização de recursos naturais, em especial os não-renováveis, em razão de desperdício ou escolha inadequada de materiais;

• Indução de acidentes de trabalho provocados, por exemplo, pela presença de objetos indesejáveis em locais de acúmulo de resíduos, desorganização do canteiro de obras, etc.

• Supressões vegetais em áreas de aterros de resíduos, com potencial perda de biodiversidade;

• Inviabilização da reciclagem de resíduos ocasionada pelo mau gerenciamento destes;

• Ruídos e vibrações associados ao fluxo de máquinas e equipamentos que realizam tanto atividades de demolição, quanto transporte, despejo, tratamento e/ou compactação de resíduos.

A questão vem ganhando importância e destaque no cenário nacional, especialmente pela aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) no ano de 2010, que regulamentou a matéria, impondo aos governantes e às corporações diversas ações, obrigações e responsabilidades.

A gestão dos resíduos da construção civil teve suas diretrizes, critérios e procedimentos estabelecidos pelas Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) Nos 307/02, 348/04, 431/11 e 448/12. Apesar de nem todo resíduo de construção e demolição poder ser entendido fisicamente como um resíduo sólido (por exemplo, os esgotos domésticos, efluentes líquidos e gasosos, etc.), é comum estabelecerem-se práticas análogas às adotadas no gerenciamento dos resíduos sólidos industriais para o setor da construção. Um exemplo marcante disto é o conceito de resíduo sólido trazido pela ABNT NBR 10.004:2004, o qual inclui materiais semi-sólidos na definição de resíduo sólido. Pode-se atribuir tal analogia ao fato de mesmo os materiais líquidos ou semi-sólidos requerem contenedores para seu transporte e manejo.

Ponto não pacífico na doutrina é quanto à aplicabilidade do conceito resíduo da construção para àqueles resíduos não ligados diretamente a processos construtivos, tais como os resíduos de sanitários, refeitórios, escritórios, ambulatórios, etc.. Outrossim, uma vez que tais resíduos inserem-se no contexto espaço-temporal das obras, valendo-se de recursos humanos e materiais coincidentes e subordinados aos requisitos legais e normativos, estes não devem ser dissociados das boas práticas que devem nortear todo o processo de gerenciamento de resíduos.

Outras Resoluções do Conama, embora não tratem especificamente sobre resíduos da construção e de demolição, têm reflexo direto sobre seu gerenciamento. Por exemplo, a Resolução Conama nº 275/01 estabelece o código de cores para os diferentes tipos de resíduos, a ser adotado na identificação de recipientes coletores e/ou transportadores, bem como nas campanhas informativas para a coleta seletiva (educação ambiental).

Paralelamente, a fim de padronizar as informações que precisam ser levadas ao conhecimentos dos órgãos gestores, de modo que permitam um planejamento eficiente das ações, em 18 de dezembro de 2012, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), órgão do poder executivo federal responsável por disciplinar questões ligadas à área ambiental, elaborou uma lista brasileira para

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resíduos sólidos, apresentada na Instrução Normativa nº 13.

A exemplo da Lista Europeia de Resíduos Sólidos (Commission Decision 2000/532/EC), a lista brasileira pretende abarcar não só resíduos sólidos perigosos, como também os não-perigosos. Neste sentido, pretende contribuir com a alimentação da base de dados brasileira, o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR). Uma das justificativas para adoção deste sistema, segundo o IBAMA, é facilitar o intercâmbio de informações no âmbito da Convenção de Basileia, a qual dispõe sobre a movimentação transfronteiriça de resíduos (exportação, importação e trânsito).

Prática corrente em municípios brasileiros é aproveitar resíduos de construção e demolição em áreas de disposição de RSU em solo, tais como lixões, aterros controlados e aterros sanitários. Tais resíduos são usualmente aproveitados como materiais de cobertura do lixo, seja como cobertura provisória ao final de cada jornada de trabalho, ou ainda como material para cobertura final das células de aterro ou materiais para confecção de drenos, como proposto por Affonso (2005). Seu uso pode acarretar em benefícios econômicos e ambientais, não só pelo aproveitamento de materiais com baixo valor agregado, bom desempenho técnico e redução dos volumes associados à extração em jazidas de solos. Contudo, especial atenção deve ser dada à composição química destes resíduos, uma vez que alguns podem ser perigosos.

Assim, é importante destacar que, embora não haja conflito entre a ABNT NBR 10.004:2004 e a Resolução Conama nº 307/02 (e alterações posteriores), estes instrumentos classificatórios possuem objetivos distintos. Enquanto a ABNT NBR 10.004:2004 busca, de um modo geral, apenas diferenciar os resíduos sólidos quanto à sua periculosidade, dividindo-os em perigosos (resíduos Classe I) e não perigosos (resíduos classe IIA – não inertes e IIB - inertes), a Resolução Conama nº 307/02 tem como mote diferenciar os resíduos quanto à sua forma de destino. Nestes termos, a Resolução Conama nº 307/02 (aliada às Resoluções Conama nº 307/02, 348/04 e 431/11), classifica os resíduos de construção e demolição da seguinte forma:

• Classe A: São os resíduos reutilizáveis ou recicláveis como agregados, tais como:

o de construção civil, demolição, reformas ou reparos de pavimentação e de outras obras de infra-estrutura, inclusive solos provenientes de terraplenagem.

o de construção demolição reforma ou reparos de edificações;

o de processos de fabricação e / ou demolição de peças pré-moldadas

em concreto produzidas nos canteiros de obras

• Classe B: São resíduos recicláveis para outras destinações, tais como: plásticos, papel / papelão, metais, vidros, madeiras e gesso;

• Classe C: São os resíduos para os quais não foram desenvolvidas tecnologias ou aplicações economicamente viáveis que permitam a sua reciclagem / recuperação;

• Classe D: São os resíduos perigosos oriundos do processo de construção tais como: tintas, solventes, óleos, outros ou aqueles contaminados oriundos de demolições, reformas ou reparo de clínicas radiológicas, instalações industriais entre outros.

Assim, não se pode deixar de considerar a vontade do legislador/normatizador, quando criou o instrumento classificatório. Isto porque uma má-interpretação de uma classificação de resíduo pode acarretar prejuízos, por exemplo, ambientais. Sabe-se que, grosso modo, resíduos de gesso são resíduos classificados segundo a ABNT NBR 10.004:2004 como resíduos classe IIA, isto é, resíduos não-inertes e, nos termos desta norma, não perigosos. Por outro lado, sabe-se que resíduos de gesso não devem ser utilizados como materiais para confecção de aterros uma vez que estes tanto podem ser lixiviados quanto podem, em contato com a água, acarretar na produção de gases, alguns tóxicos. A rigor, as versões mais recentes das Resoluções do Conama entendem que resíduos de gesso são, no geral, resíduos recicláveis. Todavia, posto este risco ambiental associado, poder-se-ia entendê-lo como um resíduo perigoso, já que a Resolução Conama nº 307/02 não vincula a periculosidade atribuída aos resíduos da classe D à aplicação da ABNT NBR 10.004:2004. Situação similar ocorre com latas de tinta em obras que, segundo a ABNT NBR 10.004:2004 seriam resíduos perigosos (classe I) e segundo a Resolução nº 307/02, poderiam até ser entendidos como classe B (recicláveis), caso fosse esta a destinação preferida pelos geradores.

Gerador é um dos três principais atores do processo de gerenciamento de resíduos da construção. Os outros dois são os transportadores e os destinatários de resíduos. Estes três agentes atuam solidariamente no processo de gerenciamento dos RCD. Paulatinamente as municipalidades brasileiras vêm legislando sobre a matéria visando regular e controlar as atividades destes agentes.

Um dos instrumentos bastante utilizados atualmente pelos municípios como ferramenta de controle do fluxo de resíduos associados às obras é o Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR), também conhecido como Certificado de Transporte de Resíduos (CTR). Este MTR (ou CTR) é basicamente uma ficha de controle do transportador, subordinada periodicamente aos agentes de fiscalização, onde constam informações acerca da carga de resíduos transportada, tais como tipo de

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resíduo transportado, volume, obra geradora do resíduo, empresa transportadora e área de destino do resíduo (recicladora, aterro, unidade de triagem ou transbordo, etc.), assim como informações sobre a regularidades destas áreas (licenças ambientais, alvarás, etc.).

As características dos resíduos de construção e demolição dependem basicamente do processo construtivo que deu origem a este e do material de que este é constituído. Nestes termos, na ausência de processos de segregação destes resíduos é comum se designar estes materiais com o termo genérico caliça (ou entulho ou metralha, dependendo da região do país). A caliça é, portanto, um conjunto de materiais, em geral não segregados e não específicos, cuja principal característica é a generalidade.

A ausência de cultura para o gerenciamento de resíduos, decorrente do baixo grau de comprometimento do homem com a questão ambiental só transgredida nas últimas décadas, propiciou um procedimento padrão no trato com os RCD em obras: coletar sem segregação e dispor em solo, no próprio canteiro de obras ou fora dele (bota-fora). Com o advento da conscientização ambiental coletiva, a necessidade de otimização de processos construtivos visando a maximização do lucro, a valorização imobiliária decorrente do forte crescimento demográfico e ocupação de áreas urbanas, normatização de questões relativas à saúde e segurança do trabalhador, qualidade na construção, atrelada ao controle estatal disposto sob a forma legal, em particular no Brasil, o gerenciamento dos RCD passou a ser encarado como uma necessidade. Desde 2002, o Brasil conta com instrumentos que regulamentam a matéria.

A prática de coletar os resíduos da obra, dispô-los em uma caçamba, que simplesmente desaparecerá do canteiro de obras, já não é mais suficiente para atender os anseios sociais contemporâneos. Se outrora os resíduos dispostos em uma caçamba eram exclusivamente preocupação de um prestador de serviços que promovia o transporte desta a uma área afastada qualquer, hoje esta solução não é mais aceitável, tanto técnica quanto legalmente. Isto porque muitas vezes tais resíduos eram/são dispostos em áreas frágeis, do ponto de vista ambiental, tais como margens de rios, nascentes, áreas alagadas, mangues ou outros ecossistemas. Em se tratando de resíduos não selecionados, tais resíduos poderiam contaminar águas, solos, com prejuízos à qualidade de mananciais de abastecimento, perda de biodiversidade, impermeabilização ou compactação de solos e áreas agricultáveis, entre outros impactos correlatos. Esta realidade não é exclusividade brasileira, repetindo-se no mundo todo.

Em sendo um material heterogêneo é comum ser o RCD também anisotrópico. Ilustrativamente, são mostrados na Tabela 5 os resultados das pesquisas

conduzidas por Pinto (1987), Zordan e Paulon (1997) e Macedo et al. (2009) os quais buscaram caracterizar a composição da fração mineral dos resíduos de construção.

Note-se a grande variação dos percentuais de tipos de resíduos entre os estudos. Esta decorre dos processos originários dos resíduos, processos de triagem, seleção de materiais, fatores de forma da edificação, tipo de obra, fase da obra, entre outros aspectos. Por certo esta distribuição percentual está associada ao sistema construtivo brasileiro que adota, em grande parte das vezes, estruturas em concreto armado, e, na construção civil leve, revestimentos e alvenarias de fechamento assentados sobre argamassas de cimento. Países europeus e o Estados Unidos da América, que costumam adotar outros sistemas construtivos (wood frame, steel frame, etc.), e privilegiam sistemas pré-fabricados, apresentam composição constituinte dos RCD sobremaneira diferentes. Por este motivo, o prognóstico e planejamento para a gestão de resíduos precisam ser adaptados a cada caso.

Tabela 5: Composição da fração mineral de RCD.

Tipo

Pin

to (

1987

) (1

)

Zor

dan

e P

aulo

n (1

997)

(2

)

Mac

edo

et a

l. (2

009)

(3)

Argamassa 64,4% 37,6% 26,5%

Concreto 4,8% 21,2% 42,9%

Material Cerâmico 29,4% 23,4% 8,2%

Rochas / Outros 1,4% 17,8% 22,4%

Locais de realização dos estudos: (1) São Carlos (SP), Ribeirão Preto (SP) e Recife (PE)

Obras geotécnicas costumam ser bastante

peculiares, especialmente no que concerne à geração de resíduos. Por demandarem usualmente tecnologias e soluções técnicas particulares, muitas vezes desenvolvidas ou adaptadas a cada empreendimento, os resíduos de construção de obras geotécnicas costumam suscitar a geração de resíduos classe C, ou seja, aqueles para os quais não foram desenvolvidas (ou pré-concebidas) técnicas para aproveitamento economicamente viáveis. Em razão do volume gerado ou ainda materiais constituintes, podem enquadrar-se nesta categoria geosintéticos, sobras ou recortes de cabos de

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protensão, lamas, materiais para revestimentos de taludes, entre outros.

Por outro lado, é também o ramo geotécnico utilizador de grande quantidade de materiais de construção provenientes, por exemplo, de reciclagem de resíduos. Por exemplo, na recuperação de passivos ambientais em trechos rodoviários, na estabilidade de taludes, no reforço de leitos de cursos d’água, etc.. Substratos para hidrossemadura que incluem resíduos como bitucas de cigarros, materiais para revestimentos de taludes elaborados a partir de resíduos e fibras vegetais (biomantas), aproveitamento de resíduos em reforço de solos, geotêxteis elaborados a partir de plásticos de garrafas PET reciclados, são alguns exemplos. Com o advento e consolidação no mercado das certificações e selos ambientais, a procura e aplicação destes materiais “ambientalmente amigáveis” tende a se intensificar. Contudo, alertam Trentini e Vidal (2003), que o emprego destes materiais com resíduos precisa ser criterioso, em especial no que concerne à qualidade da estrutura polimérica quando submetida às condições de campo e ciclos múltiplos de reciclagem.

Ainda no âmbito da proteção do meio ambiente, os órgãos de fiscalização e licenciamento ambiental brasileiros vêm exigindo de empresas de construção postura pró-ativa e controle de seus processos. São exigidos locais adequados para armazenamento de resíduos sólidos perigosos (em recipientes estanques, em local coberto, arejado, com controle de acesso, etc.), controle de drenagem oleosas por meio de sistemas de separação e tratamento, abastecimento, manutenção e lavagem de equipamentos em áreas apropriadas (impermeáveis, com tratamento de águas residuárias, eventualmente cobertas, etc.), caçambas estacionárias providas de tampa e cadeado (Figura 9) de acondicionamento de resíduos, lavagem de caminhões transportadores de concreto (betoneira ou caminhão caçamba - Figura 9) e limpeza de rodado em locais preparados para tal e com tratamento adequado de resíduos e efluentes, entre outras atividades.

Também nesta área, práticas voltadas ao reuso e reaproveitamento de água são bem vindas. Isto se aplica tanto a usos voltados aos sistemas de lavagem quanto a aproveitamento de água para fins de confecção de concretos não-estruturais, aplicação em processos de cura de concreto, etc.

Posta a heterogeneidade e anisotropia usual dos resíduos de construção e demolição é recomendável, antes de seu reaproveitamento / reciclagem, sua caracterização prévia. Conhecer características como teor de umidade, distribuição granulométrica, forma das partículas, índice de vazios, material constituinte, plasticidade, resistência mecânica, inchamento/retração, dureza, permeabilidade, reatividade química, toxicidade, etc. é desejável. Por outro lado, tende-se a ter um material mais homogêneo e uniforme (Affonso, 2005), quando os

RCD são previamente triados, processados e beneficiados em usinas de reciclagem.

Figura 9: Exemplos de sistemas de proteção ambiental - caçamba estacionária provida de tampa e cadeado e sistema de lavagem de caminhão transportador de concreto.

Ademais, como cita Ferreira (2009), a

caracterização química dos RCD aplicados na construção rodoviária adquire bastante importância uma vez que estes materiais estão sujeitos, quer à ação da água proveniente da precipitação, quer à variação dos níveis freáticos. Assim, caso os materiais aplicados na construção de camadas de pavimentos apresentem na sua constituição elementos considerados nocivos, susceptíveis à lixiviação, a água que por eles venha a percolar poderá, ao infiltrar-se nos terrenos adjacentes, dar origem à contaminação desses mesmos terrenos ou dos aquíferos. Em Portugal, por exemplo, há valores limite, constantes de Decisão do Conselho 2003/33/CE para a deposição de resíduos em aterros para resíduos inertes e aterros para resíduos não perigosos.

As propriedades dos RCD tendem a variar bastante. Tessaro et al. (2012) reportam que a massa específica dos RCD é de 1,28 t/m³. Da Conceição (2012), investigando o uso de RCD para uso em misturas betuminosas conclui, por exemplo, que a massa específica seca da fração granulométrica

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0,063 a 4mm é de 2,32, enquanto para fração granulométrica 4 a 31,5mm passa a 2,07 g/cm³. Já Macedo et al. (2009), ao realizarem ensaios de compactação (proctor normal) em RCD reportam ρd igual a 1,75 g/cm³ para uma umidade ótima de 14%, portanto relativamente próximos aos resultados encontrados por Ferreira (2009) em seus estudos (ρd igual a 1,81 para uma umidade ótima de 12,4%).

Certos usos de RCD demandam caracterizações ainda mais específicas. Por exemplo, Macedo et al. (2009) ao investigarem o pH em água destilada de certa amostra de RCD obtiveram o resultado de 9,4, revelando um extrato aquoso alcalino, atribuída à presença de cimento e cal em sua composição. Resultado próximo ao encontrado por Santos (2007), que registrou pH igual a 9,1.

A partir de análise mineralógica dos grãos, Macedo et al. (2011) observaram que a fração de RCD possui grãos mal selecionados, angulosos a subangulosos, em que prevaleceram o quartzo, sendo alguns revestidos por películas de argila. Para certos usos na construção civil, como agregados, por exemplo, estas características são fundamentais.

Considerando a anisotropia dos RCD, diversos autores vêm buscando o aprimoramento destes materiais pelo uso de reforços estruturais. Por exemplo, Macedo et al. (2009) adicionaram fibras de polipropileno de 20mm de comprimento aos RCD e obtiveram melhorias significativas na resistência mecânica do material com potencial para aplicações geotécnicas.

O principal objetivo das obras geotécnicas é impulsionar o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida das populações, onde os hábitos consumistas são cada vez mais impertinentes (Pinto, 2009). Este tipo de obras está presente na extração de minérios para produção de bens de consumo (pedreiras e minas), na construção de infra-estruturas de mobilidade (estradas, túneis, viadutos) e urbanas (parques estacionamento e grandes construções verticais), na retenção e aproveitamento de recursos (barragens, furos) ou com a finalidade do tratamento de fim-de-linha de resíduos urbanos (Pinto, 2009).

Os serviços de execução de fundações e infra-estrutura repercutem na geração de resíduos dos mais diversos, dependendo da técnica construtiva adotada. Por exemplo, soluções em fundações rasas, tipo radier ou sapatas, em geral demandarão materiais como concreto, aço, brita para a confecção de lastros e madeira para confecção de formas, além dos solos extraídos durante os processos de implantação/escavação das estruturas. Estes materiais, sempre que possível necessitam ser segregados segundo sua tipologia (classes A, B, C e D) ou destinação final (aterros, recicladoras, etc.).

Já as fundações tipo profundas (estacas escavadas, tubulões, hélice contínua, etc.), além dos materiais supracitados costumam também empregar lama bentonítica nas escavações. O uso deste

material destina-se a garantir a estabilidade geotécnica dos fustes das estacas (escavadas, tubulões, etc.) durante o processo de escavação, impedindo desmoronamentos ou grandes aportes de material para o interior das estacas, sendo esta lama bentonítica substituída por concreto, ou equivalente, logo após a conclusão escavação (em função dos pesos específicos dos materiais envolvidos). É comum, portanto, esta lama ser “contaminada” por solo durante este processo de substituição, requerendo tratamento específico para seu reuso.

As bentonitas são argilos-minerais que possuem uma ponte catiônica que pode variar entre sódio, cálcio e magnésio, sendo as bentonitas sódicas utilizadas na execução de fundações (estacas escavadas com auxílio de lama, paredes diafragmas e barretes). Na reciclagem, a lama é conduzida por um equipamento denominado “reciclador”, que faz a decantação, e retorna aos silos de armazenamento para reuso, enquanto o material da reciclagem é descartado em caminhões basculantes. Esse processo reduz a quantidade de lama a ser utilizada na obra, pois aumenta significativamente a possibilidade de sua reutilização (Alonso, 2010).

Após esse processo de reciclagem, a lama retorna aos silos de armazenamento para reuso, enquanto o material resultante da reciclagem (solo) é descartado utilizando-se caminhões basculantes da mesma maneira que o material oriundo da escavação. Depois de algum tempo de reuso, a lama precisa ser descartada. Neste caso, ela não pode ser jogada em qualquer aterro, porque mesmo sendo um material inerte, é “impermeabilizante”, não atendendo, portanto, à Classe IIA da ABNT NBR 10004:2004 (Alonso, 2010).

Para resolver esse problema a lama precisa ser tratada, tornando-se própria para ser lançada em aterros normalmente utilizados para descarte, como os da Classe IIA. Este tratamento é feito com a utilização de um “floculador”, que é misturado à lama dentro de um reservatório especial, onde é adicionado um material floculante inorgânico. Após a decantação, a água resultante pode ser utilizada na obra para lavagem de pneus, ruas, equipamentos, etc., reduzindo desta maneira a quantidade de água consumida na obra quando comparada com o processo anterior, em que o floculador não era empregado. O material decantado atende à classificação IIA da ABNT NBR 10.004 e pode ser lançado em aterros normais (Alonso, 2010).

Quando os resíduos se referem a restos de caixaria/formas (madeira), é recomendável que os carpinteiros, no ato da desforma, retirem pregos ou outros pinos metálicos de tábuas, sarrafos ou escoras, a fim de facilitar seu reaproveitamento. Quando das atividades de desforma, os resíduos na medida do possível devem ser coletados e direcionados a áreas de armazenamento ou transbordo (baias, caçambas estacionárias, etc.) de

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modo a facilitar a logística de reutilização deste material.

Cumpre salientar que os resíduos de madeira contaminados por outros materiais perigosos, tais como desmoldantes, deverão ser segregados e destinados como resíduos perigosos (Classe I da NBR 10.004 ou D da Res. CONAMA nº 307/02), conforme alerta Lopes et al. (2013). Além da execução de obras há outro nicho em que a geotecnia costuma estar bastante presente, o de desenvolvimento de materiais da construção. Atualmente, há uma tendência a se aproveitar ou incorporar RCD a outros materiais com vistas à otimização de desempenho (térmico, acústico, econômico, mecânico, etc.)

De Souza et al. (2008; 2006) relatam ensaios laboratoriais onde houve aumento de resistência à compressão de blocos constituídos por solo-cimento-RCD com o aumento da quantidade de resíduos para os traços com até 40% de resíduos em relação à massa de solo. E, para os traços com 60% de resíduos de construção os valores de resistência ficaram próximos dos obtidos com 40% de RC, indicando haver estabilização no aumento da resistência para adições entre 40% e 60% de RC.

Já para Ferreira e Thomé (2011), a mistura de solo-RCD pode ser aplicada de modo viável como reforço de um solo residual de basalto, visando a sua aplicação como base de fundações superficiais. Estes verificaram que a mistura de solo-RCD com 50% de resíduo na sua composição apresentou o melhor resultado de resistência e, através de ensaios de placa, notaram um aumento da carga de ruptura em 264% com a adição de resíduo no solo. Houve também aumento nos módulos de elasticidade do solo-RCD quando comparado ao solo natural.

Para De Sá (2006), uma das soluções para a estabilização das encostas é o uso da construção de estrutura de contenção como muro de arrimo cujo parâmetro fundamental para o dimensionamento é o ângulo de atrito solo-muro. A prática atual de projetos considera o valor do ângulo de atrito solo-muro como sendo igual ao ângulo de atrito do solo, uma parcela dele ou mesmo nulo a depender do caso (De Sá, 2006). Desta forma, os projetos de muros de arrimo podem estar sendo dimensionados contra a segurança ou de forma antieconômica (De Sá, 2006). Por meio de ensaios de cisalhamento direto em corpos de prova de solo e de outro material representativo de muros de arrimo (concreto convencional, concreto com agregado de RCD e rocha), De Sá (2006) buscou investigar os ângulos de atrito interno do solo e do contato solo-muro em alguns estudos e caso e concluiu que a relação entre o ângulo de atrito solo-muro e o ângulo de atrito do solo pode variar expressivamente, de 1/3 a 1, dependendo do tipo de solo.

Santos (2007) ao investigar as propriedades geotécnicas de RCD reciclados (RCD-R) e seu uso como material de construção no preenchimento de

estruturas de solo reforçado, conclui, por meio de ensaios de caracterização, de resistência ao cisalhamento e ensaios de arrancamento de geogrelha que é possível sua aplicação.

A engenharia geotécnica tem se valido ultimamente bastante da aplicação de pneus inservíveis e suas carcaças na confecção de estruturas. Baroni et al. (2012) investigaram, com base em ensaios laboratoriais com diferentes tipos de pneumáticos, a altura dos muros, materiais de preenchimento, níveis de água e ângulos de atrito interno de solo. Estes realizaram o pré-dimensionamento de estruturas de contenção arrimadas para 376 diferentes combinações e conduziram análises estatísticas da influência exercida sobre a base das estruturas pré-dimensionadas de cada variável utilizada na análise paramétrica. A questão da drenagem é uma questão fundamental a ser considerada na análise da estabilidade da estrutura. Além da economia, esse tipo de muro apresenta uma solução ambiental para pneus que ficam acumulados nos aterros sanitários, em terrenos baldios ou às margens dos rios, apresentando-se, então, como boa solução de contenção em locais onde haja possibilidade da construção de uma base compatível com a altura do muro a construir (Baroni et al., 2012).

A atuação da engenharia geotécnica em obras portuárias tem demandado cuidados adicionais, especialmente no que concerne ao gerenciamento e à disposição de resíduos. Destaca-se a preocupação dos gestores ambientais para eventuais contaminações de lodos de dragagem ou ainda para o material removido por conta de escavações de fundações de estruturas portuárias, tais como cais. Neste sentido, os órgãos ambientais brasileiros vêm exigindo caracterização destes resíduos e destinação ambientalmente compatível. Castro e Almeida (2012) sinalizam a importância da matéria, especialmente no que concerne aos lodos de dragagem e condução de planejamento estratégico.

Um resíduo inerente às atividades de construção e demolição que costuma ser gerado em obras geotécnicas em quantidade significativa, embora nem sempre considerados em prognósticos de planejamento, são os equipamentos de proteção individual (EPI’s - Figura 10) ou coletiva (EPC’s), que periodicamente ou ao final de cada empreendimento demandam ser descartados. Neste sentido, Arten (2013), buscou identificar os principais EPI’s utilizados na construção civil pesada, avaliando estudos de caso (rodovia, porto e ferrovia). Ao discutir as vias potenciais de contaminação dos equipamentos de proteção, e ao considerar os materiais dos quais cada equipamento de proteção é constituído, a pesquisadora buscou propor destinos finais ambientalmente adequados. O diagnóstico de Arten (2013) revelou amplo potencial para a reciclagem dos resíduos oriundos de equipamentos de proteção individual (EPI’s) que

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atualmente são destinados, via de regra e de maneira conservadora, para aterros industriais, como resíduos contaminados (classe I). Deste modo, perde-se grande parte do material que poderia ser reciclado, diminuindo os impactos e apropriação de recursos naturais associados.

A Figura 10 mostra exemplos de situações onde os resíduos relativos ao descarte de EPI’s são acondicionados e posteriormente destinados preventivamente como resíduos classe I (perigosos). Note-se que parte dos resíduos está impregnada com óleos e graxas enquanto outra, constituída por materiais recicláveis tais como plásticos, não estão contaminados e, portanto, apresentam potencial para reciclagem.

Os engenheiros geotécnicos atualmente vêm enfrentando um mercado de construção em processo de transformação. Estas mudanças se referem à incorporação de práticas voltadas à sustentabilidade (não só ambiental) do setor, reflexo histórico da não preocupação dos envolvidos com questões voltadas, por exemplo, à gestão de resíduos.

Figura 10: Exemplos de descarte preventivo, como resíduo classe I, de EPI’s usados.

Depreende-se que os técnicos e pesquisadores do ramo geotécnico têm se preocupado com a questão, vêm investindo em tecnologia e no desenvolvimento e aprimoramento de materiais que buscam incluir

RCD entre seus componentes. Tanto o setor público quanto privado vem envidando esforços no sentido de não mais destinar RCD a áreas de aterros sanitários como meros integrantes dos RSU e, sim, como materiais de construção, utilizados como coberturas, drenos, etc.

Ao longo da última década, municípios brasileiros vêm intensificando a regulamentação da matéria, buscando fomentar não só a cadeia da reciclagem como também demandando que os responsáveis pelas obras de engenharia se comprometam um gerenciamento de resíduos responsável, que se inicia com a escolha de materiais e a segregação de resíduos na fonte. Em paralelo, o poder público, necessita continuar intensificando as ações de fiscalização e controle buscando quebrar o paradigma histórico do despejo de RCD em áreas ambientalmente inapropriadas. Há, portanto, necessidade de uma nova postura dos engenheiros geotécnicos diante deste recente cenário, que demandará do profissional empenho no aculturamento de sua equipe, planejamento e atuação responsável, sem deixar de considerar os anseios sociais por um desenvolvimento sustentável.

5 CONCLUSÃO

A geotecnia ambiental tal como se apresenta hoje, teve origem na necessidade de responder questões geotécnicas ligada ao meio ambiente.

As questões ambientais, econômicas e sociais, relacionadas à geração e disposição de resíduos sólidos constituem um dos grandes desafios dos profissionais ligados a esta área.

As etapas de projeto, implantação, gerenciamento e encerramento de aterros sanitários, apesar de terem evoluído consideravelmente nos últimos anos, ainda precisam evoluir muito no sentido de ampliar sua vida útil, diminuir e melhor controlar as emissões de lixiviado e gases, reduzir os impactos de tal obra nas áreas circunvizinhas e dar um uso adequado à área do aterro após seu encerramento. Vale lembrar que há também o desafio de se lidar com o passivo ambiental deixado por antigos lixões e aterros controlados.

Assim, um melhor entendimento sobre as características fisicas e do comportamento do RSU ao longo do tempo pode contribuir para o desenvolvimento de modelos mais acurados e que contribuam a melhores soluções.

Face ao exposto, conclui-se que: • O fluxo de lixiviado através do RSU

ainda é de difícil entendimento e previsão, uma vez que se trata de um material muito hetereogeneo e cujas características variam muito em função de diversas variáveis. Assim sendo, fica claro que modelos que visem prever o comportamento hidráulico do RSU devem obrigatoriamente levar em conta

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a sua composição gravimétrica e as variações de sua porosidade.

• A compressibilidade do RSU é um tópico igualmente complexo, cuja compreensão passa por questões tais como a forma com que o RSU é disposto e compactado, a quantidade de matéria orgânica e sua velocidade de degradação.

• A resistência ao cisalhamento do RSU está ligada intrinsecamente com sua composição, com sua idade, com seu teor de umidade e com a quantidade de material que lhe sirva como reforço (ex. plástico mole) e com a forma de disposição e degradação deste material.

• Os resíduos de construção/demolição cada vez mais representam um desafio quanto ao seu reaproveitamento e sua disposição. Isto ocorre em função da crescente geração deste tipo de resíduo, da complexidade de sua composição e da busca pela sustentabilidade na construção civil.

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