geotecnia nos projectos ferroviários

8
> 34 desvios entre os custos previstos no projecto e os custos finais de execução. Este facto não pode, em si mesmo, ser encarado como uma inevitabilidade, pelo que a aposta na formação interna de quadros técnicos especializados em geotecnia e hidráulica corresponde a uma opção estratégica no sentido de contrariar esta tendência, permitindo a identificação de forma pró-activa das interferências desta especialidade com as restantes no sentido de fornecer informações em fases muito iniciais de projecto que permitam a sua optimização. Corresponde, em suma, à persecução de um objectivo de rigor técnico dos projectos que só a multidisciplinaridade permite. A FERBRITAS realizou com recurso a meios próprios os projectos de terraplenagem e drenagem assim como coordenação de estudos geotécnicos, recorrendo-se ocasionalmente a colaborações externas na área do cálculo estrutural e Estudos Geotécnicos. Relativamente aos Estudos Geotécnicos, embora no passado se tenha recorrido, casuisticamente, a colaborações de empresas externas à FERBRITAS, actualmente o Gabinete de Geotecnia possui recursos humanos e materiais suficientes, nomeadamente software de cálculo geotécnico, para execução dos estudos de componente geotécnica com recursos próprios, recorrendo a sub-contratação apenas para os trabalhos de prospecção e ensaios geotécnicos. Neste artigo serão abordadas algumas das questões técnicas relevantes ao nível dos projectos no âmbito da Geologia e Geotecnia, Terraplenagens e Drenagens, procurando dar exemplos práticos de trabalhos executados pela FERBRITAS, recorrendo-se para isso maioritariamente a exemplos do Projecto Lisboa - Algarve, porquanto pela sua extensão e importância no contexto ferroviário nacional permitiu abarcar um sem número de situações de projecto distintas. 1. Introdução O Gabinete de Geotecnia, inserido na Direcção de Projecto da FERBRITAS, possui capacidade para a realização de projectos no âmbito da especialidade de Geotecnia, compreendendo a execução/coordenação de estudos geotécnicos e projectos de terraplenagens e drenagens. Este gabinete tem a responsabilidade de participar na realização de projectos multidisciplinares numa perspectiva integrada, potenciada pela existência de uma experiência consolidada dos técnicos da área de geotecnia em termos de projecto ferroviário, permitindo não apenas a execução de soluções tecnicamente correctas e racionais no âmbito do projecto de especialidade, como também a constante interacção desta especialidade com as restantes, nomeadamente de traçado de via, na perspectiva de optimização do projecto. Por outro lado embora a especialidade de Geotecnia não seja estritamente ferroviária, contém especificidades associadas à componente ferroviária, que merecem especial atenção e especialização permanente. De entre estas são particularmente importantes os aspectos relacionados com a substrutura de via, nomeadamente com as exigências ao nível da plataforma de via, quer em vias novas, quer em modernizações. Finalmente, existe ainda um aspecto adicional de enorme importância e que constitui argumento decisivo na aposta desta especialidade como nuclear no projecto ferroviário. Em grande medida são, frequentemente, as questões relacionadas com a geotecnia, as terraplenagens e drenagens que podem introduzir maiores incertezas, e portanto maiores Jorge Lavaredas Resp. do Gabinete de Geotecnia A Geotecnia no Projecto Ferroviário Fátima Mateus Técnica do Gab. Geotecnia Luís Ferreira Técnico do Gab. Geotecnia Troço de via em escavação (Vp=220km/h) Troço de via em escavação (Vp=220km/h) Troço de via em aterro (Vp=220km/h) Troço de via em aterro (Vp=220km/h)

Upload: jorge-lavaredas

Post on 30-Jul-2015

1.054 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: Geotecnia nos Projectos ferroviários

>3

4

desvios entre os custos previstos no projecto e os custos finais de

execução. Este facto não pode, em si mesmo, ser encarado como uma

inevitabilidade, pelo que a aposta na formação interna de quadros

técnicos especializados em geotecnia e hidráulica corresponde a uma

opção estratégica no sentido de contrariar esta tendência, permitindo a

identificação de forma pró-activa das interferências desta especialidade

com as restantes no sentido de fornecer informações em fases muito

iniciais de projecto que permitam a sua optimização. Corresponde, em

suma, à persecução de um objectivo de rigor técnico dos projectos que só

amultidisciplinaridadepermite.

A FERBRITAS realizou com recurso a meios próprios os projectos de

terraplenagem e drenagem assim como coordenação de estudos

geotécnicos, recorrendo-se ocasionalmente a colaborações externas

na área do cálculo estrutural e Estudos Geotécnicos.

Relativamente aos Estudos Geotécnicos, embora no passado se tenha

recorrido, casuisticamente, a colaborações de empresas externas à

FERBRITAS, actualmente o Gabinete de Geotecnia possui recursos

humanos e materiais suficientes, nomeadamente software de cálculo

geotécnico, para execução dos estudos de componente geotécnica

com recursos próprios, recorrendo a sub-contratação apenas para os

trabalhos de prospecção e ensaios geotécnicos.

Neste artigo serão abordadas algumas das questões técnicas

relevantes ao nível dos projectos no âmbito da Geologia e Geotecnia,

Terraplenagens e Drenagens, procurando dar exemplos práticos de

trabalhos executados pela FERBRITAS, recorrendo-se para isso

maioritariamente a exemplos do Projecto Lisboa - Algarve, porquanto

pela sua extensão e importância no contexto ferroviário nacional

permitiu abarcar um sem número de situações de projecto distintas.

1. Introdução

O Gabinete de Geotecnia, inserido na Direcção de Projecto da

FERBRITAS, possui capacidade para a realização de projectos no

âmbito da especialidade de Geotecnia, compreendendo a

execução/coordenação de estudos geotécnicos e projectos de

terraplenagens e drenagens.

Este gabinete tem a responsabilidade de participar na realização de

projectos multidisciplinares numa perspectiva integrada, potenciada

pela existência de uma experiência consolidada dos técnicos da área

de geotecnia em termos de projecto ferroviário, permitindo não

apenas a execução de soluções tecnicamente correctas e racionais no

âmbito do projecto de especialidade, como também a constante

interacção desta especialidade com as restantes, nomeadamente de

traçado de via, na perspectiva de optimização do projecto.

Por outro lado embora a especialidade de Geotecnia não seja

estritamente ferroviária, contém especificidades associadas à

componente ferroviária, que merecem especial atenção e

especialização permanente. De entre estas são particularmente

importantes os aspectos relacionados com a substrutura de via,

nomeadamente com as exigências ao nível da plataforma de via, quer

em vias novas, quer em modernizações.

Finalmente, existe ainda um aspecto adicional de enorme importância e

que constitui argumento decisivo na aposta desta especialidade como

nuclear no projecto ferroviário. Em grande medida são, frequentemente,

as questões relacionadas com a geotecnia, as terraplenagens e

drenagens que podem introduzir maiores incertezas, e portanto maiores

Jorge Lavaredas

Resp. do Gabinete

de Geotecnia

A Geotecnia no Projecto Ferroviário

Fátima Mateus

Técnica do Gab.

Geotecnia

Luís Ferreira

Técnico do Gab.

Geotecnia

Troço de via em escavação (Vp=220km/h)Troço de via em escavação (Vp=220km/h) Troço de via em aterro (Vp=220km/h)Troço de via em aterro (Vp=220km/h)

Page 2: Geotecnia nos Projectos ferroviários

>3

5

2. O papel do Gabinete de Geotecnia no projecto ferroviário

O Gabinete de Geotecnia tem a responsabilidade de realização de

estudos e projectos, nomeadamente:

-Estudos Geológicos e Geotécnicos;

-Estudos Hidrológicos;

-Projectos de Terraplenagens;

-Projectos de Dimensionamento da Plataforma Ferroviária;

-Projectos de Drenagens;

-Projectos de Vedações;

-Assistência técnica aos projectos executados.

No âmbito do Gabinete de Geotecnia destacam-se alguns dos

projectos e actividades desenvolvidos:

-Projecto de Modernização da Ligação Lisboa-Algarve,

salientando-se os troços da Variante entre Pinheiro - Km 94, Km

94 - Ermidas e Ermidas - Funcheira (para velocidades elevadas, na

ordem dos 200-220 km/h), assim como troços entre Funcheira e

Faro onde o objectivo fundamental da intervenção consistiu na

instalação de sistemas de drenagem adequados, assim como

obras de estabilização de taludes;

-Quadruplicação da Linha de Sintra correspondendo a dois troços:

entre o PK 13+750 e PK 16+200 e PK 16+200 e PK 18+250;

-Projecto de Modernização da Linha da Beira-Baixa, troços Vale

Prazeres - Fundão e Fundão - Covilhã;

-Estudo Prévio da Ligação de Alta Velocidade entre Lisboa e o Porto

- Lote D, Lisboa - Ota;

-Remodelação de Estações Ferroviárias em diversas Linhas da Rede

Ferroviária Nacional, com relevo para a Linha do Norte, Linha da

Beira Baixa, Linha do Sul, Linha de Sintra, Linha de Cascais;.

-Realização de Projectos de ramais ferroviários, como seja o Ramal

da Siderurgia Nacional;

-Participação activa em aspectos relacionados com a normalização

no âmbito da Comissão Técnica CT 154 - Agregados e da Sub-

comissão SC3 - Agregados não ligados; destaca-se, ainda, a

colaboração com a REFER na execução de Instruções Técnicas na

área da Geotecnia;

-Prestação de apoio técnico a outras áreas da empresa,

nomeadamente a área de estudos de transportes, a área de

produção de agregados e a área de gestão de empreendimentos.

Não serão tecidas grandes considerações sobre as metodologias e

faseamentos dos estudos no âmbito da geotecnia, terraplenagens e

drenagens, porquanto correspondem a fórmulas sobejamente

conhecidas. Procurar-se-á, ao invés, relevar aspectos mais

particulares ou soluções técnicas que permitam evidenciar o trabalho

desenvolvido no âmbito destas especialidades, devidamente

enquadradas numa equipa pluridisciplinar de projecto ferroviário.

No âmbito do Projecto de Modernização Lisboa-Algarve, o troço entre

o Pinheiro e a Funcheira era aquele que do ponto de vista da sua

inserção no território se mostrava mais favorável para a rectificação de

traçado com introdução de variantes para aumentar as velocidades até

aos 220 Km/h. Evidenciam-se de seguida algumas situações em que a

existência de um corpo técnico da área de geotecnia com experiência

de projecto ferroviário permitiu contribuir para a escolha de opções

técnicas, nomeadamente de traçado de via, de entre as quais se

destacam:

1. A decisão de realizar a grande variante entre o Pinheiro e o km 94,

que decorreu, em grande medida, do facto dos estudos realizados

confirmarem a existência de grandes condicionalismos geotécnicos

que exigiriam intervenções muito profundas ao nível da fundação da

plataforma de via e dos aterros, com medidas de reforço e

melhoramentode solos aqueestavamassociados custos elevados,

2. A localização das variantes de traçado executadas nos troços Km

94 - Ermidas e Ermidas - Funcheira foi, em grande medida

condicionada pela incorporação de critérios geotécnicos nos

estágios iniciais dos estudos;

3. No troço Ermidas - Funcheira foi executada a duplicação de via

numa extensão de 20 Km. A duplicação da via para poente foi

claramente influenciada por critérios geotécnicos, porquanto em

grande medida, diminuía os custos com ela relacionados;

4. Ainda no troço Ermidas - Funcheira, mais concretamente entre a

Estação de Alvalade do Sado e Torre Vã a duplicação far-se-ia sobre

3. O Projecto de Modernização da Ligação Lisboa - Algarve

Extracto de uma plantade projecto de terraplenagens e drenagens.

Baixa aluvionar do SadoBaixa aluvionar do Sado

Page 3: Geotecnia nos Projectos ferroviários

a. numa primeira fase realizar a via descendente a 6,30 m da

existente, subindo a rasante em cerca de 1,20 m, sem

interferências significativas com a exploração da via em serviço

(Figura 1 - B);

b. numa segunda fase passar a exploração para a via descendente,

realizando o aterro e plataforma da via ascendente em condições

de segurança (Figura 1 - C).

Esta solução de projecto permitiu a construção de uma plataforma de

via com qualidade para circulações com velocidades elevadas, com

custos controlados e menores impactos na exploração ferroviária.

Outros exemplos existem da importância da incorporação de aspectos

geotécnicos em todas as fases do projecto ferroviário, nomeadamente

no projecto de vias novas. De acordo com a concepção de projecto

integrada da Ferbritas as opções de traçado, em planimetria e

altimetria, são sucessivamente optimizadas. São clássicos os exemplos

que poderão ser dados:

-A adaptação de traçados em planta de forma a evitar áreas com

maciços de características geotécnicas desfavoráveis;

-A concepção e cálculo de rasantes de forma a permitir optimizar as

obras de cariz geotécnico como seja:

•A mitigação dos efeitos das vibrações sobre solos com

características geotécnicas deficientes, constituindo, por vezes,

um objectivo atingido à custa de compromissos entre soluções

de sentidos contrários. É o caso dos aterros sobre solos brandos

onde, por um lado se considera adequado a existência de

aterros com 2 a 3 metros de altura, permitindo o

estabelecimento de substruturas com rigidez adequada e assim

mitigar os efeitos das vibrações; por outro lado a existência de

solos muito moles na fundação inibem a execução de aterros

com altura considerável, porquanto estes podem evidenciar

problemas de estabilidade, sendo necessário recorrer a técnicas

dispendiosas de reforço e melhoramento dos solos de fundação;

•No caso de escavações, a rasante deverá ser optimizada de

forma a diminuir o impacto daquelas e no caso de túneis a

mesma deverá ser estudada de forma a facilitar a implantação

do túnel, tendo em atenção as formações atravessadas e o

recobrimento, entre outros aspectos.

A qualidade da subestrutura de via, para que se obtenha uma

plataforma com valor de rigidez adequado, corresponde,

actualmente, a um aspecto decisivo na qualidade do projecto

ferroviário. Efectivamente todos os esforços para a execução de

projectos de via, de catenária e outros com qualidade serão

frustrados, no caso do projecto da substrutura de via não

acompanhar a qualidade dos demais.

Considerando as vias balastradas como pano de fundo, os

elementos constituintes da superestrutura de via estão

relativamente estabilizados e são mais facilmente caracterizáveis

4. Substrutura de via

terrenos aluvionares de natureza fundamentalmente granular.

Ainda assim, e uma vez que a rasante da via existente estaria

muito próxima do terreno natural, a execução da via futura,

mantendo essa rasante, poderia trazer problemas futuros de

estabilidade e nivelamento da via, em resultado da coexistência

das vibrações resultantes da circulação de comboios de

velocidades elevadas (220 Km/h) com terrenos muito

descomprimidos, granulares e saturados, configurando um

contexto geotécnico indesejável. Assim, considerou-se adequado

a subida da rasante, de forma a permitir realizar uma altura

mínima de aterro devidamente compactado, associado a uma

adequada estrutura da plataforma de via. Obter-se-ia, assim, uma

substrutura de via com maior rigidez, mitigando, assim, o efeito

indesejável das vibrações geradas pelas circulações de alta

velocidade. Tratando-se de uma via existente, essa subida de

rasante foi realizada de forma a compatibilizar os critérios

técnicos referidos com outros de natureza económica e de

faseamento construtivo que favorecessem a construção, com

impactes mínimos na exploração. Deste modo, ao invés de se

realizar a subida de rasante de cerca de 1,20 m, tendo a nova via a

construir a 4,30m do existente (Figura 1 - A), facto que traria

custos e problemas técnicos acrescidos, realizou-se a intervenção

tendo em conta a solução de faseamento construtivo abaixo

explicitado:

>3

6

Figura 1 - Faseameno da Duplicação de via e subida da rasante.

Page 4: Geotecnia nos Projectos ferroviários

Adicionalmente, foi dada dada especial atenção à variação longitudinal

de rigidez, normalmente associada a existência de elementos estruturais

sob a superestrutura de via, como sejam obras de arte, passagens

hidráulicas ou inferiores ou outras infra-estruturas enterradas, tendo

sido estudadas soluções de transição (“Blocos Técnicos”), que

permitiram obviar um fenómeno associado à diferença de reologia dos

materiais, assim como aos contrastes de rigidez potenciados pelo

aumento da velocidade de circulação. Para a eficácia destes elementos

de transição em muito contribui, para além de correctas opções de

projecto, questões de execução, uma vez que se tratam de zonas em que

aqualidadedosmateriais enível de compactaçãodeve ser oadequado.

De seguida dar-se-ão alguns exemplos de intervenção ao nível da

substrutura de via:

-Na Estação de Alvalade, perante a existência de areias incoerentes,

monogranulares, permanentemente saturadas, e com potencial de

liquefacção comprovado, optou-se por uma técnica de

melhoramento de solos - vibrosubstituição. Esta passou pela

execução de colunas de brita, uma camada de reforço da fundação e

geogrelhas minorando o potencial de liquefacção, quer por acção

sísmica quer por acção das vibrações associadas a comboios de alta

velocidade, porquanto não era possível subir a rasante e construir

um aterro com uma velocidade critica aceitável para uma zona onde

avelocidadede circulaçãoaassegurar erade220km/.

em termos das suas características mecânicas. Os elementos que

maior variabilidade introduzem ao nível da superestrutura são o

balastro e a palmilha resiliente existente entre o carril e a travessa.

Quanto ao primeiro, as características deste estão claramente

descritas na IT.GEO.001.02, sendo que apenas a sua espessura e

grau de compactação sob a travessa podem introduzir alguma

variabilidade na rigidez da via.

O segundo elemento, a palmilha, poderá apresentar alguma

variabilidade no que se refere às suas características de elasticidade,

influenciando de alguma forma a rigidez vertical da via.

No entanto é ao nível da subestrutura da via, mais concretamente ao

nível da plataforma e das camadas de fundação desta, que grande

parte das incertezas ocorrem, sendo grande preocupação do

projecto contribuir para eliminar essas incertezas. Neste ponto

apresentar-se-ão alguns exemplos de opção de projecto realizadas

tendo em atenção a execução de aterros e plataformas ferroviárias

de qualidade.

No Projecto Lisboa-Algarve a Ferbritas projectou cerca de 90 km de

plataforma do tipo P3 (Classificação UIC 719R) para alta

velocidade, na ordem dos 200km/h.

Um dos objectivos do projecto foi a correcta definição de uma

estrutura de plataforma de via que permitisse não só a obtenção de

uma rigidez de via adequada, como também eliminar a sua

variabilidade longitudinal.

A rigidez vertical da via corresponde a um parâmetro importante na

optimização dos custos de conservação e de exploração. De facto, a

tendência de se sobredimensionar as plataformas de via, ainda que

do ponto de vista de segurança possa ser vista como adequada,

pode conduzir a vias com excessiva rigidez e com consequentes

custos de conservação muito acrescidos em virtude de:

-Introduzir maior desgaste ao nível do carril, contacto travessa-

balastro e no seio do próprio balastro;

-Incrementar as acções das circulações sobre a infra-estrutura

ferroviária, incluindo a subestrutura, induzindo maiores

esforços e por essa via assentamentos adicionais, assim como

maiores custos de exploração, nomeadamente energéticos com

a tracção.

Por outro lado, uma plataforma de via com deficit de rigidez poderá

conduzir a problemas de conforto e de segurança, em virtude da

dificuldade de manutenção do nivelamento longitudinal e, por

consequência, originar custos de conservação elevados.

>3

7

Aspecto da execução de pormenor de um “Bloco Técnico”

Aspecto da execução de pormenor de um “Bloco Técnico”Aspecto da execução de pormenor de um “Bloco Técnico”

Perfil longitudinal geotécnico e Esquemada solução projectada na Estação de Alvalade

Page 5: Geotecnia nos Projectos ferroviários

Coluna

de Brita

Camada deSub - balastro

GeogrelhaBidireccional

igualmente garantido a estabilidade e o controlo dos

assentamentos do terrapleno ao nível da fundação;

•Recompactação de aterros existentes com cerca de 2 a 3 metros,

aumentando a sua rigidez e por esta via a velocidade critica,

mitigando os efeitos das vibrações decorrentes do aumento de

velocidade.

Realizaram-se igualmente soluções de reforço da fundação da

plataforma de via ou da fundação de aterros, tais como:

-Tratamento da fundação de aterros com cerca de seis metros de altura

com colunas de brita, permitindo reforçar a fundação, constituída por

materiais lodosos,eaceleraroprocessodeconsolidação;

-Realização de pré-carga, com monitorização dos assentamentos,

permitindo acelerar o processo de consolidação primária, e

mitigar parcialmente o efeito da consolidação secundária dos

solos coesivos moles, tendo-se realizado este processo em

conjugação com o anterior;

-Execução de trincheiras drenantes na fundação de aterros;

-Execução de camadas drenantes na fundação de aterros;

-Reforço da fundação de aterros sobre solos moles com geotêxteis;

-Saneamentoesubstituiçãodesolosnafundaçãodaplataformadevia.

>3

8

Aspecto de coluna de brita após a sua execuçãoAspecto de coluna de brita após a sua execução

Aspecto de colunade brita após a sua execuçãoAspecto de colunade brita após a sua execução

Saneamento desolos na fundação da plataforma de viaSaneamento desolos na fundação da plataforma de via

Execução de colunasde brita na fundaçãodo aterro - encontrosul do Viaduto de Alvalade

Execução de colunasde brita na fundaçãodo aterro - encontrosul do Viaduto de Alvalade

-Melhoria das características dos aterros existentes, tradicionalmente

muito descomprimidos e sem características adequadas para

comportarem aumento da velocidade de circulação, porquanto

apresentavam velocidades criticas baixas, em função da sua elevada

descompressão, razoavelmente adequados para as velocidades

praticadasantesdamodernização (pouco superioresa100km/h),mas

totalmente desadequados para velocidades da ordem dos 220 km/h.

Nestescasos,procedeu-sedediversas formas,consoanteasituação:

•promoveram-se subidas de rasante, tal como exposto na Figura

1, quando os aterros eram muito baixos (alturas inferiores a 1m)

com execução de aterros bem compactados, com incremento da

velocidade critica, mitigiando o efeito das vibrações ao nível

das fundações dos aterros (solos aluvionares), tendo-se

Page 6: Geotecnia nos Projectos ferroviários

-Máscaras drenantes e/ou esporões drenantes, associados a taludes

com produtividade hidrogeológica, promovendo a sua drenagem

e estabilização;

-Prismas drenantes, em situações de contactos geológicos entre

formações com permeabilidades distintas, de forma a captar as

exsurgências;

Na figura seguinte, podem observar-se um conjunto de esporões

drenantes, associado a um prisma drenante, que acompanha o

contacto litológico entre uma unidade arenosa e uma unidade

argilosa, onde ocorriam exsurgências de águas.

Para sul da Funcheira as intervenções ao nível dos taludes, resultaram

da necessidade de se alargar a plataforma de via de forma a instalar

sistemas de drenagem adequados, assim como de melhoria das

condições de estabilidade dos taludes existentes. Estas intervenções

basearam-se em:

-Reperfilamento dos taludes existentes, com melhoria dos

coeficientes de segurança, instalação de sistemas de drenagem e

de banquetas estabilizadoras intermédias;

-Realização de estruturas de contenção, nomeadamente muros de

gabiões;

-Execução de pregagens e de betão projectado.

5. Estabilização de taludes

Entre o Pinheiro e Faro a Ferbritas esteve envolvida nos projectos de

terraplenagem e drenagem dos diferentes troços.

Se entre o Pinheiro e a Funcheira (no qual se inclui a grande variante

entre o Pinheiro e o km 94) a tipologia da intervenção inclui profundas

intervenções em termos de traçado e da substrutura de via, já no que

se refere aos troços a sul da Funcheira as intervenções basearam-se

apenas no aumento das condições de segurança e de fiabilidade do

sistema ferroviário.

Neste particular, a estabilização de taludes teve particular

importância, porquanto a existência fenómenos de rotura em taludes

poria em causa este desiderato.

Até à Torre Vã os geomateriais ocorrentes correspondem

fundamentalmente a materiais detríticos. Nestes casos de taludes

existentes ou a criar, preconizaram-se geometrias de equilíbrio

suaves, V/H=1/2, sendo que em algumas situações foram

intersectados níveis hidrogeológicamente produtivos, que obrigaram

à adopção de soluções de projecto que passaram pela drenagem

desses taludes e sua estabilização, mediante a utilização de

dispositivos variados, nomeadamente:

>3

9

Aspecto de Geotêxtil de reforço na basede camada drenante numa zona de solos molesAspecto de Geotêxtil de reforço na basede camada drenante numa zona de solos moles

Aspecto de uma máscara drenanteAspecto de uma máscara drenante

Prisma

DrenanteEsporão

Drenante

Aspecto de esporões drenantes(ED) e de um prisma drenante (PD)Aspecto de esporões drenantes(ED) e de um prisma drenante (PD)

Aspecto de instabilidade típica nos xistos,devido à xistosidadeAspecto de instabilidade típica nos xistos,devido à xistosidade

Page 7: Geotecnia nos Projectos ferroviários

Existiram casos concretos em que foram identificados fenómenos de

instabilidade em taludes de xistos, com manifestações de

instabilidade global, que mereceram intervenções mais

aprofundadas, dado o perigo de constituírem acidentes geotécnicos

com consequências graves. Foram os casos do:

-talude existente no emboquilhamento norte do Túnel do Vale das

Iscas. Verificava-se a existência de grandes fendas de tracção que

indicavam a possibilidade de ocorrência de um movimento de

uma massa importante, pondo em perigo a via na zona do

emboquilhamento. Neste caso, após uma análise técnico-

económica, concluiu-se que seria mais seguro e económico

prolongar o túnel em cerca de 100m, aterrando depois a zona

prolongada, constituindo uma barreira física è evolução da

instabilidade.

-talude existente a norte da Estação de Luzianes, onde existiam

indícios muito visíveis de instabilidade profunda. Neste caso foi

adoptada uma solução mista de reperfilamento, saneamento dos

depósitos de vertente e execução de estruturas de contenção

ancoradas, realizando importantes obras de drenagem do talude.

Os estudos de drenagem têm também uma importância fundamental

em qualquer projecto ferroviário, quer de renovação, de

modernização ou construção de linhas novas.

Efectivamente, as condições hídricas dos maciços naturais, ou das

obras geotécnicas construídas, têm um papel decisivo no

comportamento a médio e longo prazo dessas obras.

Não é invulgar verificar que zonas da nossa rede ferroviária

apresentam problemas de instabilidade da plataforma de via e

necessidades constantes de intervenções de conservação devido às

deficientes condições de drenagem das mesmas.

Assim, no âmbito do projecto geotécnico é de crucial importância o

estudo da drenagem, nas suas diversas vertentes, longitudinal,

transversal e profunda.

O Estudo de drenagem transversal foi realizado apenas no troço entre

o Pinheiro e a Funcheira. Estes estudos são importantes porquanto as

obras lineares interferem com as linhas de água naturais existentes,

sendo importante que o fluxo natural seja, tanto quanto possível,

mantido, sob pena de causar impactes ambientais negativos e fazer

perigar a obra linear que se projecta. Assim, no troço referido foram

realizados os estudos hidrológicos e de drenagem, de forma a

dimensionar os órgãos de drenagem transversal para um período de

recorrência de 100 anos.

A drenagem longitudinal da plataforma tem como objectivo

fundamental a protecção desta contra as águas de escorrência

provenientes dos taludes de escavação assim como recolha de águas

da plataforma em situações de escavação, conduzindo-as de forma

controlada para as linhas de água ou órgãos de drenagem transversal.

Esta função é importante, porquanto impede a acumulação de águas

de precipitação na plataforma, factor que é gerador de degradação do

seu comportamento mecânico.

6. Estudos de Drenagem

>4

0

Zona

Instável

Aspecto de reperfilamentos detaludes e zona de pregagens e betão projectado

Aspecto de reperfilamentos detaludes e zona de pregagens e betão projectado

Execução de Betão ProjectadoExecução de Betão Projectado

Aspecto do Prolongamento do túnel e da zona instávelAspecto do Prolongamento do túnel e da zona instável

Aspecto do Prolongamento dotúnel após a terraplenagem da zona instável.

Aspecto do Prolongamento dotúnel após a terraplenagem da zona instável.

Muro ancoradopara estabilização de vertente.

Muro ancoradopara estabilização de vertente.

Page 8: Geotecnia nos Projectos ferroviários

Em resultado das investigações geotécnicas e das inspecções de

campo realizadas aos troços intervencionados, foram identificadas

zonas onde ocorriam exsurgências de águas ao nível das camadas

superficiais da plataforma de via.

Nestes casos, de forma a garantir um teor de água aceitável nesta

camadas, garantindo um desempenho mecânico próximo ao

considerado no dimensionamento, optou-se pela instalação de

drenagem profunda, com instalação de drenos de PVC ou betão,

envoltos em material drenante e geotêxtil de separação e filtro,

promovendo o rebaixamento dos níveis freáticos ocorrentes.

Foi objectivo deste texto relevar alguns dos aspectos no âmbito dos

projectos de cariz geotécnico na área ferroviária. Genericamente, a

infra-estrutura existente na linha do sul, nomeadamente aquela que

sofreu modificações mais profundas para promover aumentos de

velocidade de exploração para valores na ordem dos 200 km/h, tem

demonstrado, neste período de quase 2 anos de exploração,

comportamento adequado.

Convém, ainda assim salientar, que a qualidade de uma infra-

estrutura resulta de um somatório de actividades que se iniciam no

planeamento da intervenção, passando pelas fases de projecto para

construção, concluindo-se nas fases de construção.

Relativamente a este último estádio considera-se adequado referir a

importância do controlo da execução. Os trabalhos de terraplenagem,

nomeadamente no que se refere à construção da subestrutura, são

realizados, na sua quase totalidade, com materiais naturais, não

sendo estranho que daí resulte alguma heterogeneidade na infra-

estrutura construída. Assim, o controlo das terraplenagens que se tem

realizado com recurso a ensaios de controlo pontuais, deverá dar lugar

a ensaios de controlo em contínuo, existindo várias soluções no

mercado para a sua execução.

Este factor é, comprovadamente, decisivo na qualidade final das obras

de terraplenagem, e consequentemente na qualidade final da infra-

estrutura ferroviária.

7. Notas Finais

Aspecto importante é também a drenagem dos taludes de escavação e

das banquetas intermédias, impedindo que o efeito instabilizador da

água de escorrência se faça sentir.

Outro factor que se verifica periodicamente é a existência de

circulação de águas ao longo das canaletas de cabos. Este facto

constitui-se como uma acção nefasta para o comportamento da

plataforma, tendo-se já verificado alguns fenómenos de instabilidade

de plataforma e de taludes de aterro devido à acumulação de águas no

interior dos canaletes. Este facto Levou a Ferbritas a desenvolver

soluções para promover a drenagem dos caminhos de cabos, de forma

a não existirem acumulações excessivas de águas.

>4

1

CanaleteEnterrado

Caixa deCaixa deLigação

Descidade Talude

Aspecto de um troçode plataforma com drenagem longitudinal

Aspecto de um troçode plataforma com drenagem longitudinal

Troço de via em aterroTroço de via em aterro