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ANTÔNIO CARLOS GOMES FERREIRA O DESAFIO DA EFICIÊNCIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NO CENÁRIO DA GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA MESTRADO EM DIREITO UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO / São Paulo 2015

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Page 1: O DESAFIO DA EFICIÊNCIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE … · sociedade determinadas garante seus interesses e sua dominação sobre o todo social´. Marilena Chauí . RESUMO ... lançamos

ANTÔNIO CARLOS GOMES FERREIRA

O DESAFIO DA EFICIÊNCIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

NO CENÁRIO DA GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA

MESTRADO EM DIREITO

UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO / São Paulo

2015

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ANTONIO CARLOS GOMES FERREIRA

O DESAFIO DA EFICIÊNCIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NO

CENÁRIO DA GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA

Dissertação apresentada à Universidade

Nove de Julho – São Paulo, para obtenção do

Título de Mestre em Direito.

Orientadora: Professora Dra. Irene Patrícia

Nohara.

SÃO PAULO

2015

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Ferreira, Antonio Carlos Gomes.

O desafio da eficiência do estado democrático de direito no cenário

da globalização econômica./ Antonio Carlos Gomes Ferreira. 2015.

114f.

Dissertação (mestrado) – Universidade Nove de Julho -

UNINOVE, São Paulo, 2015.

Orientador (a): Profa. Dra. Irene Patrícia Nohara.

1. Estado. 2. Globalização. 3. Pós-modernidade. 4. Eficiência.

I. Nohara, Irene Patrícia. II. Titulo

CDU 34

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Data da Aprovação ____/___/____

Orientadora:

_________________________________

Professora Doutora Irene Patrícia Nohara

Examinadores:

_________________________________

Professor (a)

_________________________________

Professor (a)

_________________________________

Professor (a)

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Dedico este trabalho à minha mãe Maria Helena Lopes, maior exemplo de

perseverança e luta pela vida, que infelizmente partiu no meio desta pesquisa, não podendo

assistir a conclusão do trabalho, mas deixou seu legado de dignidade e ideal de justiça e que

apesar das dificuldades impostas pela vida, soube transmitir toda sabedoria e apoio constante.

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AGRADECIMENTOS

À orientadora Professora Irene Patrícia Nohara, por seu espírito inovador e

empreendedor na tarefa de multiplicar seus conhecimentos, por sua vocação inequívoca, por

não poupar esforços como educadora, pela sua disciplina ao me ensinar a importância da

pesquisa acadêmica, pelo incentivo, simpatia e presteza no auxilio às atividades e discussões

sobre o andamento desta Dissertação.

Ao professor Álvaro Gonçalves Antunes Andreucci, pelo suporte na orientação deste

trabalho nо tempo que lhe coube, pelas suas correções, pontuais esclarecimentos e incentivos.

Aos idealizadores, coordenadores e funcionários da Universidade Nove de Julho -

UNINOVE.

À professora Adriana Silva Maillart, que com sua delicadeza e inteligência ajudou-

me a compreender melhor os temas que envolvem a minha pesquisa.

Agradeço igualmente às professoras Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches e

Mônica Bonetti Couto, que com as palavras certas nos momentos mais tortuosos auxiliaram

na estrutura e organização deste trabalho.

Ao diretor do Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho, professor Vladmir

Oliveira da Silveira, que conduz com esmero e dedicação o programa de pós-graduação – sem

esse amparo, muitas conquistas não teriam ocorrido.

Aos colegas de classe, pela espontaneidade e alegria na troca de informações e

materiais numa demonstração de amizade e solidariedade.

Ao meu amigo e parceiro Sérgio de Carvalho Gegers, pelo irrestrito apoio e

confiança.

A toda a minha família, pela paciência e tolerância, principalmente a meus filhos,

Ravenna e Antônio, que sofreram a ausência do pai, e à minha esposa, Priscila, que, além de

me incentivar e apoiar nesta jornada, me ajudou a superar obstáculos indizíveis, estando

sempre ao meu lado.

Finalmente, a Jesus Cristo, que se mostrou criador e foi criativo nesta tarefa. Seu

fôlego de vida em mim foi sustento е deu-me a coragem para questionar realidades е propor

sempre um novo mundo de possibilidades; e por ser essencial em minha vida, autor de meu

destino e socorro bem presente na hora da angústia.

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“O Estado não é uma imposição divina aos homens nem é o resultado de um pacto ou

contrato social, mas é a maneira pela qual a classe dominante de uma época e de uma

sociedade determinadas garante seus interesses e sua dominação sobre o todo social”.

Marilena Chauí

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RESUMO

A presente dissertação objetiva refletir acerca do desafio da eficiência do Estado

Democrático de Direito no cenário da globalização econômica. Problematiza a crise

paradigmática e institucional do Estado com foco na sua cooptação por grupos hegemônicos

que exercem pressão regulatória. Este movimento acaba tendo reflexos no avanço da justiça

social, sendo o princípio da eficiência, no contexto pós-moderno, relacionado, portanto, com

aspectos de exclusão social. Além dos referenciais teóricos que refletem a pós-modernidade,

há o cotejo das funções do Estado em relação à sua estruturação na modernidade, bem como

uma reflexão crítica sobre seu papel do ponto de vista da dominação. Espera-se, assim, refletir

acerca da mudança do papel do Estado, que, de instrumento de sustentação do capitalismo na

sua gênese, passou a importante instância de resistência às forças desregulamentadoras que

causam fragmentação e exclusão social na contemporaneidade. A abordagem relaciona o

Estado com o paradigma da eficiência, sendo a justiça social vista como um dos objetivos

incorporados pelo Estado Democrático e Social de Direito.

Palavras-chave: Estado, globalização, pós-modernidade, eficiência, democracia.

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ABSTRACT

This dissertation aims to reflect on the challenge of democratic rule of law in the

efficiency scenario of economic globalization. Questions the paradigm and institutional crisis

of the state focused on its cooptation by hegemonic groups that exert regulatory pressure. This

movement ends with reflections in the advancement of social justice, and the principle of

efficiency in the post-modern context, related, therefore, aspects of social exclusion. In

addition to the theoretical frameworks that reflect post-modernity, there is the comparison of

state functions in relation to its structure in modernity as well as a critical reflection on its role

from the standpoint of domination. It is expected, therefore, to reflect on the changing role of

the state, which, of capitalism support instrument in its genesis, passed the important

resistance instance to deregulation forces that cause fragmentation and social exclusion in

contemporary times. The approach relates the state with the paradigm of efficiency and social

justice seen as one of the corporate goals by the Democratic and Social State of Law.

Keywords: State, globalization, post-modernity, efficiency, democracy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10

1. O SURGIMENTO DO ESTADO E SUA EVOLUÇÃO DE ACORDO COM AS

COMPREENSÕES SOCIAIS E POLÍTICAS DO MUNDO OCIDENTAL .......................... 14

1.1. O conceito de Estado ......................................................................................................... 14

1.2. As primeiras organizações e o surgimento do Estado Moderno ....................................... 17

1.3. Estado: uma imposição divina, resultado de um contrato social ou da vitória de um

projeto econômico?................................................................................................................... 23

1.4. A ameaça ao capitalismo e o surgimento do Estado Social .............................................. 32

2. O ESTADO CAPITALISTA NO CENÁRIO DE CRISE INSTITUCIONAL .................... 42

2.1. O Estado Neoliberal........................................................................................................... 42

2.2. Neoliberalismo e exclusão social ...................................................................................... 50

2.3. A crise paradigmática e institucional................................................................................. 56

2.4. Neoliberalismo e democracia: a manipulação ideológica da classe dominante .............. 633

3. OLIGARQUIAS PÓS-MODERNAS: A COOPTAÇÃO DO ESTADO POR GRUPOS

HEGEMÔNICOS ..................................................................................................................... 71

3.1. Grupos Hegemônicos e a nova configuração da luta de classes ........................................ 71

3.2. Dominação econômica e pressão regulatória .................................................................... 75

3.3. Desafios do Estado Democrático de Direito na Pós-Modernidade ................................... 80

3.3.1. O Princípio da eficiência e a administração gerencial .................................................... 87

3.4. Proibição do retrocesso social ........................................................................................... 93

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 99

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 104

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação pretende examinar o Estado fundado no cerne do pensamento

moderno e suas transformações ao longo dos acontecimentos históricos, políticos e sociais,

buscando compreender a possibilidade da concepção de um Estado eficiente no cenário da

economia globalizada. Traçando um escorço histórico sobre a formação do Estado, a partir do

século XV, passando pelo movimento absolutista e pelo liberalismo, até se alcançar o

conceito de Estado Democrático de Direito, observamos a relação do Estado com as classes

sociais de cada período histórico e percebemos que seu processo de formação, consolidação e

evolução está intimamente ligado ao próprio processo de consolidação e evolução do sistema

capitalista.

Desde as primeiras organizações políticas da sociedade, observamos o crescimento e o

fortalecimento de grupos econômicos juntamente com o avanço do capitalismo. Assim, como

meio de assegurar a garantia dos interesses desses grupos, estabeleceu-se um poder político

soberano: o Estado que, por sua vez, passou por significativas transformações a par das

transformações econômicas e sociais deste mundo capitalista.

Entendemos que as normas e os ordenamentos jurídicos e os atos normativos editados

pelo poder do Estado traduzem explicitamente em seu conteúdo as características, os

interesses e a ideologia dos grupos legisladores. Assim, ao ser posicionado o homem no

centro das relações sociais, é preciso conceber o Direito como fenômeno parcial, apenas

comprometido com as maiorias, ou seja, uma disciplina que serve à classe dominante como

elemento mantenedor do Estado na defesa de seus interesses e na perpetuação da dominação

dos ricos em detrimento dos pobres.

Aprendemos com a história que o homem não foi, necessariamente, a finalidade inicial

do Estado. Ressalvadas as conquistas das lutas sociais dos trabalhadores, incorporadas pelo

Estado Democrático e Social, esse ente político não se preocupou, efetivamente, com ações

que visavam melhorar a qualidade de vida dos seres humanos, mas, antes, sustentou um

modelo de desigualdade social e serviu como instrumento de manutenção dos interesses de

uma classe potencialmente dominante recém-surgida e a seu projeto econômico: o

capitalismo.

A partir desta perspectiva, desenvolvemos uma pesquisa acerca da relação do Estado

com a classe dominante e os desafios deste Estado no cenário de transformações sociais e

econômicas. Para isso, na primeira parte do trabalho é considerada a delimitação do Estado a

partir da noção de Estado Moderno e de seu gradual desenvolvimento institucional, algo que

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culmina com a ascensão do capitalismo, até o conceito de Estado na contemporaneidade, com

a consolidação do modelo de Estado burguês.

Se concebermos, por exemplo, o Estado a partir do liberalismo, o qual foi influenciado

pelos interesses da burguesia do século XVIII, estampados nas revoluções burguesas,

sobretudo na Revolução Francesa e na Revolução Industrial, é possível observarmos, como

consequência, a crise daquele modelo de “Estado mínimo” e a necessidade de adequação de

um modelo de Estado que propiciasse maior intervenção do poder público na economia.

Com o advento da Segunda Guerra Mundial e inevitavelmente com seu impacto sobre

os rumos da humanidade, questionou-se o paradigma do Estado, prática que deu azo ao

surgimento das teorias do Estado Democrático de Direito e, posteriormente, do Estado do

Bem-Estar Social em meio à Revolução da Informação e do neoliberalismo, que enfraquece

novamente a soberania deste Estado e proporciona significativas mudanças em suas

características. Assim, objetivando tornar a economia a principal instância reguladora da

sociedade, os efeitos colaterais são latentes, entre eles, o aumento das desigualdades e a

inevitável exclusão social.

Na segunda parte do trabalho, é abordado o papel do Estado capitalista no cenário de

crise das instituições modernas, entre elas a do próprio Estado, considerando-se que um novo

paradigma de regulação social surgiu em meio às transformações do mundo pós-moderno.

As transformações transcenderam a um novo modelo econômico, erigindo-se a

contemporaneidade sobre novos marcos na convivência social. Em meio a esse fenômeno e

por estar diante de fortes interesses globais, o Estado sofreu drástico abalo, tendo sido

aplacada sua soberania e seu poder de decisão.

Na terceira e última parte, retomamos a temática central para analisarmos a existência

de oligarquias pós-modernas e a cooptação do Estado por grupos hegemônicos, ao

abordarmos o princípio da eficiência e concebermos o Estado, hoje, juntamente com a

sociedade privada organizada e com grupos transacionais, como instrumento de resistência à

globalização, no sentido de garantidor de direitos sociais.

Nessa crise paradigmática, por notarmos o recuo da soberania estatal em prol dos

interesses econômicos de grupos específicos, lançamos um olhar sobre o papel do Estado na

sociedade contemporânea, com a reflexão sobre como a ingerência desses grupos tem

desvirtuado o objetivo político estatal de combate às desigualdades sociais e de ampliação de

direitos, para garantir a todos, e não somente a alguns, o acesso a bens e serviços que

possibilitem a plena cidadania.

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Buscamos compreender se em algum momento do processo de formação do Estado

houve um projeto de inclusão e de busca do bem-estar de todos os seres humanos ou se o

Estado foi tão somente a maneira pela qual uma possível classe dominante garantiu seus

interesses e sua dominação, o que nos leva a refletir também sobre as consequências do

neoliberalismo e da flexibilização da soberania estatal em prol de interesses econômicos e

políticos que desviam o Estado de seu fim sobre o todo social.

O Estado Liberal que outrora fora instrumento fundamental para a sustentação ao

capitalismo, tornou-se hoje, nos moldes do Estado Democrático de Direito, sobretudo nos

países periféricos, obstáculo ao avanço desenfreado do capitalismo na globalização neoliberal,

mormente quando se afasta do modelo de Administração Pública Gerencial, voltando-se

precipuamente a garantir o papel regulador do Estado, sua capacidade financeira e

administrativa e sua “governabilidade”, ou seja, voltando-se à gestão pública eficiente que

busca todos os meios necessários e adequados para a efetivação dos direitos sociais e para a

construção de uma sociedade justa, livre e solidária.

O método empregado nesta pesquisa é o dedutivo, com análise do material de pesquisa

e leitura exploratória de obras pertinentes ao tema, tomando como marco teórico o conceito de

eficiência trazido por Irene Nohara, o diagnóstico da pós-modernidade traçado por Zygmunt

Bauman e principalmente a visão crítica do papel do Estado com base na obra de Karl Marx.

Enfatizamos que a influência do pensamento marxista norteia as reflexões e articulações das

ideias encadeadas nesta pesquisa científica.

A partir do caminho metodológico traçado e do processo reflexivo que a elaboração

desta dissertação proporcionou, foi possível aprimorar as discussões acerca da relação entre o

Estado e a sociedade, sobretudo em relação às classes dominantes. Este aprimoramento está

no sentido tanto de ampliação das discussões, quanto também de vislumbre dos desafios que

estão postos diante de uma hegemonia neoliberal e para as possibilidades de visão crítica em

favor de um projeto democratizante, que ratifique, inclusive, as propostas constitucionais.

Embora se tenha claro que reverter os processos político-ideológicos hegemônicos

requer muito mais do que vontades individuais, é preciso levar em conta que o mundo

capitalista passa por transformações, causadas muito em função da crise estrutural que se

arrasta e que chega a contornos inéditos e com consequências também inéditas, portanto o

momento é mais do que propício para um convite à discussão crítica acerca de um projeto

neoliberal hegemônico, que tem desfigurado as potencialidades democratizantes de uma

possível relação entre Estado e organizações da sociedade civil.

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Assim, espera-se contribuir para o debate que se trava na linha 1 do Programa de

Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho, designada Justiça e o Paradigma da

Eficiência, e que esperamos que se estenda à sociedade, pois, primeiramente, a Justiça faz

parte do Estado, depois, este se encontra desafiado com permanentes crises em relação ao seu

papel na efetivação dos direitos fundamentais. Em suma, a ideia é refletir acerca da eficiência

do Estado Democrático de Direito no cenário da globalização econômica, como contributo

para uma análise sobre o impacto dos influxos desregulamentadores da pós-modernidade na

promoção da justiça social.

Desta forma, a presente dissertação não pretende esgotar tal discussão, mas, ao

contrário disso, ela tem o intuito de instigar a investida em estudos neste campo, por ampliar

os debates e fortalecer uma discussão mais crítica da realidade e – quem sabe? – ampliar as

possibilidades de aproximação real a um projeto emancipatório, ou seja, pretende-se que este

trabalho se torne, ainda que como contribuição mínima, um instrumento de socialização de

informações e questionamento da realidade.

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1. O SURGIMENTO DO ESTADO E SUA EVOLUÇÃO DE ACORDO COM AS

COMPREENSÕES SOCIAIS E POLÍTICAS DO MUNDO OCIDENTAL

1.1. O conceito de Estado

Certamente o contorno da ideia de Estado é fruto do aumento da complexidade da vida

em sociedade e do conflito entre as divisões de poderes existentes que exigem a concentração

do poder nas mãos de uma só pessoa e/ou grupo de pessoas. Com isso, emergem três aspectos

inerentes a essa nova forma de agrupamento humano e que irão servir de parâmetro para todos

os conceitos de Estado a serem desenvolvidos posteriormente, quais sejam: a feição política, a

jurídica e a social1.

Para compreendermos o Estado, não podemos desconsiderar esses três aspectos

conceituais. Destarte, Álvaro Azevedo Gonzaga e Cláudio De Cicco conceituaram assim o

Estado:

Uma definição abrangente de Estado seria ‘uma instituição organizada política,

social e juridicamente, ocupa um território definido e, na maioria das vezes, sua lei

maior é uma Constituição escrita. É dirigido por um governo soberano reconhecido

interna e externamente, sendo responsável pela organização e pelo controle social,

pois detém o monopólio legítimo do uso da força e da coerção’2.

Sob o aspecto político, o Estado tornou-se o centro do poder. Com isso, o poder

político passou a ter sua expressão máxima no ente estatal, estando o poder político e o Estado

intrinsecamente ligados, tornando-se o Estado o poder institucionalizado. Assim, o aspecto

político do Estado baseia-se na função de coordenar os grupos e os indivíduos de acordo com

os fins a serem atingidos e no fato de que ele, Estado, impõe a escolha dos meios apropriados.

Segundo Darcy Azambuja:

O Estado Moderno é uma sociedade à base territorial, dividida em governantes e

governados, e que pretende, nos limites do território que lhe é reconhecido, a

supremacia, sobre todas as demais instituições. De fato, é o supremo e legal

depositário da vontade social e fixa a situação de todas as outras organizações3.

1 Para muitos doutrinadores, a ideia de Estado Moderno surge em 1648 com a chamada Paz de Vestfália,

consubstanciada em dois tratados: Tratado de Münster e de Onsbrück. Com a assinatura desses dois tratados,

foram fixados os limites territoriais resultantes das guerras religiosas bem como da Guerra dos Trinta Anos,

movida pela França e seus aliados contra a hegemonia dos Habsburgos no Sacro-Império Romano-Germânico,

de nítida influência católica. Superando, em parte, as questões religiosas, estabeleceram-se as questões políticas

dos Estados como elemento principal das suas relações. Este novo enfoque, por sua vez, não significa o descarte

das questões religiosas que, aliás, ainda se encontram presentes em alguns contextos. (Cf. Mário Megale da

Silveira Filho, A tutela dos direitos coletivos em face do modelo de Estado Social Brasileiro, passim). 2 Cláudio de Cicco e Álvaro de Azevedo Gonzaga, Teoria Geral do Estado e Ciência Política, p. 43.

3 Darcy Azambuja, Teoria Geral do Estado, p. 6.

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O Estado seria uma organização social, dotada de poder e com autoridade para

determinar o comportamento de todo o grupo4, ou nos dizeres de Kelsen: “o Estado é uma

sociedade politicamente organizada porque é uma comunidade constituída por uma ordem

coercitiva.”5.

Sahid Maluf considera o Estado como fato social6. Para Clóvis Beviláqua,” o Estado é

um agrupamento humano, estabelecido em determinado território e submetido a um poder

soberano que lhe dá unidade orgânica.”7.

Sob a feição jurídica, o ente estatal torna-se uma organização destinada a manter as

condições universais de ordem social pela aplicação do direito, tornando-se produtor de

direito, objeto do direito e sujeito de direito8. Sendo uma ordem jurídica, o Estado vive nela e

a ela se submete, fazendo com que seja respeitado por todos os indivíduos e sociedades,

inclusive pelos demais Estados.

Segundo Dalmo de Abreu Dallari9:

Aí está um dos grandes problemas do Estado contemporâneo: ele existe em função

dos interesses de todos os indivíduos que o compõem, e para o atendimento desses

interesses busca a consecução de fins gerais; visando atingir esses objetivos, ele

exerce um poder que pretende alcançar o máximo de eficácia, sobrepondo-se a todos

os demais poderes e submetendo até aqueles que lhe dão existência; ao mesmo

tempo, é a expressão suprema da ordem jurídica, assegurando a plena eficácia das

normas jurídicas, mesmo contra si próprio.

A força decisiva do Direito na formação do Estado consiste em fazer, por meio de um

regramento universal, com que as pessoas que coexistem naquele determinado território

(comunidade) passem a viver em coesão ou simplesmente direcionadas por um ideal,

transformando o poder de situação fática à sua institucionalização10

. Para Queiroz de Lima, é

a “Nação encarada sob o ponto de vista de sua organização política, ou simplesmente, a nação

politicamente organizada”11

.

Roberto Aguiar ressalta que “as normas jurídicas e os ordenamentos jurídicos, como

todos os atos normativos editados pelo poder de um dado Estado, traduzem de forma

4 SILVA, Enio Moraes da. O estado democrático de direito. Brasília: Revista de Informação Legislativa, a.42

n. 167, 2005, p. 216. 5 Hans Kelsen, Teoria geral do direito e do estado, p. 273.

6 Sahid Maluf, Teoria Geral do Estado, p. 35.

7 Clóvis Beviláqua, apud Sahid Maluf, Teoria Geral do Estado, p. 21.

8 Mário Megale da Silveira Filho, A tutela dos direitos coletivos em face do modelo de Estado Social

Brasileiro, passim. 9 Dalmo de Abreu Dallari, O futuro do Estado, p. 48-49.

10 Para Georges Burdeau, o Estado se forma quando o poder se torna uma instituição, mediante o fenômeno da

“institucionalização do poder” (Georges Burdeau, Traité de Science Politique, t. 2, p. 128). 11

Queiroz de Lima, apud Sahid Maluf, Teoria Geral do Estado, p. 37.

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explícita, seja em seu conteúdo, seja pelas práticas que o sustentam, as características,

interesses e ideologia dos grupos que legislam.”12

. Afinal: “ninguém legisla contra si

mesmo.”13

.

Sob o caráter sociológico, o Estado representa a convergência das forças sociais

existentes no território, buscando a segurança e a promoção do interesse comum dos homens

por meio da reunião das forças individuais. Assim sendo, o Estado seria a síntese dos ideais

de comunhão que ele traz dentro de si e, por isso, se apresenta à sociedade como poder de

mando, governo e dominação. Ou seja, o Estado é a organização das forças coativas sociais.

Para Marcelo Alexandrino e Paulo Vicente, o Estado é “pessoa jurídica territorial

soberana, formada pelos elementos povo, território e governo soberano”. Esses três elementos

são indissociáveis e indispensáveis para a noção de um Estado independente: “o povo, em um

dado território, organizado segundo sua livre e soberana vontade”14

.

Na análise que propusemos, o direito germânico é oportuno de ser resgatado porque

nos permite observar a articulação entre direito e cultura. Como bem diz Jellinek: “... a

princípio, o Estado germânico é uma associação de povos a quem falta a relação constante

com um território fixo, o enlace permanente do território com o povo só muito lentamente se

levou a cabo em sua história.”15

.

É possível, ainda, a compreensão do Estado como uma forma moderna de

agrupamento político, caracterizado pelo fato de deter o monopólio da violência16

e do

constrangimento físico legítimo sobre um determinado território17

.

Adotaremos ao longo deste trabalho a concepção de Estado que surge a partir da

propriedade privada e da divisão social do trabalho; a visão marxista de que o Estado cria as

condições necessárias para o desenvolvimento das relações capitalistas18

, ou seja, o Estado

como o ente que gere os interesses da classe dominante, portanto não admitimos a

12

Roberto A. R. Aguiar, O que é Justiça: uma abordagem dialética, p.115. 13

Aguiar, Idem, p. 116. 14

Marcelo Alexandrino e Paulo Vicente, Direito administrativo descomplicado, p. 13. 15

Geor Jellinek, Teoria General del Estado, p. 307. 16

“Monopólio da violência” refere-se à definição de Estado exposta por Max Weber em “Política como

vocação“, ensaio em que Weber fundamenta uma definição de Estado que se tornou clássica para o pensamento

político ocidental, atribuindo-lhe o ”monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado

território”, para impor sua ordem (Max Weber, “Política como vocação”. In, Ensaios de Sociologia, p. 97.). 17

Franz Oppenheimer situa a origem do estado na violência imposta por um grupo social a outro, definindo-o

como a “instituição social que um grupo vitorioso impôs a um grupo vencido, com objetivo de organizar o

domínio do primeiro sobre o segundo e resguardar-se contra rebeliões intestinas e agressões estrangeiras” (Der

staat, p. 5, apud Paulo Bonavides, Ciência Política, p. 53). 18

Norberto Bobbio, “Existe uma doutrina marxista do Estado?”, In O Marxismo e o Estado, 1979.

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17

possibilidade de existência de autonomia do Estado em relação às oligarquias que o

cooptam19

.

Em suma, o papel da unidade do Estado capitalista é o de legitimar a hegemonia

social do bloco burguês no poder, fazendo com que a ação do poder político

institucionalizado seja encarada como sendo executada em benefício dos interesses

do conjunto das classes sociais, e não em defesa dos interesses do bloco burguês no

poder. Isto é viabilizado pelo fato de o caráter de classe estar ausente das instituições

estatais, neutralizando, em seu interior, as clivagens sociais.

No entanto, o Estado não é apenas um aparelho de repressão e violência, mas um

aparato político-jurídico em que a intervenção e a organização variam de acordo com a

organização da sociedade, considerando aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais,

conciliados pelas ligações de forças entre as parcelas das classes vigentes20

.

1.2. As primeiras organizações e o surgimento do Estado Moderno

Observando a trajetória do ser humano no planeta é possível apreendermos que os

indivíduos são gregários por natureza, nascem “para a agregação dos homens e para a

sociedade (societas) e a comunidade do gênero humano”21

ou, segundo Aristóteles, são

animais sociais22

.

Ainda, segundo Aristóteles23:

(...) a cidade é uma criação natural, e que o homem é por natureza um animal social,

e que é por natureza e não por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma,

seria desprezível ou estaria acima da humanidade […] Agora é evidente que o

homem, muito mais que a abelha ou outro animal gregário, é um animal social.

Como costumamos dizer, a natureza não faz nada sem um propósito, e o homem é o

único entre os animais que tem o dom da fala. Na verdade, a simples voz pode

indicar a dor e o prazer, os outros animais a possuem (sua natureza foi desenvolvida

somente até o ponto de ter sensações do que é doloroso ou agradável e externá-las

entre si), mas a fala tem a finalidade de indicar o conveniente e o nocivo, e portanto

também o justo e o injusto; a característica especifica do homem em comparação

com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do

19

Nicos Poulantzas, Poder Político e Classes Sociais, p. 274. 20

Extraído da ideia do “Estado ampliado” de Gramsci, na leitura de José Willington Germano, “Gramsci: igreja

e intelectuais (acerca da formação do estado burguês na Itália)”, Educação em Questão, v.4, n.1/2, p. 125. 21

Cícero, De Finibus, IV, 2,4, apud Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia, p. 602. 22

O animal político, ou “zoon politikon”, é a expressão que Aristóteles utilizou para descrever a natureza do

homem, em sua interação necessária na pólis. Este conceito aristotélico é um dos argumentos fundamentais para

a organização social e política do homem. Para Aristóteles, a união entre os homens é natural, porque o homem

é um ser que naturalmente necessita de coisas e de outras pessoas para alcançar a sua plenitude. Afirma ele: “As

primeiras uniões entre pessoas, oriundas de uma necessidade natural, são aquelas entre seres incapazes de existir

um sem o outro, ou seja, a união da mulher e do homem para perpetuação da espécie (isto não é resultado de

uma escolha, mas nas criaturas humanas, tal como no outros animais e nas plantas, há um impulso natural no

sentido de querer deixar depois de indivíduo um outro ser da mesma espécie.” (Aristóteles, A política, p. 13). 23

Aristóteles, Idem, p. 15.

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justo e do injusto e de outras qualidades morais, e é a comunidade de seres com tal

sentimento que constitui a família e a cidade.

Na mesma ordem de ideias da disposição natural dos homens para a vida associativa e,

certamente por influência de Aristóteles, encontramos em Roma, no século I A.C., a

afirmação de Cícero de que

(...) a primeira causa de agregação de uns homens a outros é menos a sua debilidade

do que um certo instinto de sociabilidade em todos inato; a espécie humana não

nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição que,

mesmo na abundância de todos os bens, a leva a procurar o apoio comum24.

Na Idade Média, São Tomás de Aquino, expressivo seguidor de Aristóteles, também

considera que o homem é naturalmente sociável: “O homem é, por natureza, animal social e

político, vivendo em multidão, ainda mais que todos os outros animais, o que evidencia pela

natural necessidade”25

. Destarte, “a natureza social do homem se manifesta na linguagem, no

dizer ou no logos (...) O homem é o único animal que fala, e o falar é função social.”26

.

Assim, o homem poderá realizar a sua potência mais elevada: a vida política em sociedade.

Registros antropológicos dão conta de que nas regiões de planícies formadas pelos

grandes rios Nilo, Tigre e Eufrates surgiram as primeiras organizações sociais complexas. O

Ocidente conheceu as primeiras manifestações da organização social do homem na

Antiguidade, em que pesem os registros das sociedades mesopotâmicas, dos reis egípcios,

persas, sumérios, africanos e asiáticos. Assim, adotaremos como organização política a Grécia

Antiga, considerada a primeira referência de organização social nos moldes das chamadas

cidades-estados27

, apesar da existência, ainda na Antiguidade, do Estado Oriental ou Estado

Teocrático, que, via de regra, tinha na figura do chefe religioso a concentração do poder

político28

. Significa, de maneira geral, que há uma estreita relação entre o Estado e a

divindade29

.

24

Cícero, Da República, livro primeiro, XXV, p. 30. 25

Tomás de Aquino, Suma Teológica, v. I, p. 96. 26

Julian Marías, “Aristóteles”, In História da filosofia, p. 91. 27

Este termo aplica-se a toda cidade que se autogoverna, sem o auxílio ou intervenção de um ente baseado em

outro centro político e administrativo. A estrutura de governo da cidade-estado foi muito utilizada na

antiguidade, onde a população humana sedentária ainda era reduzida, e a noção de governo e composição para a

formação de um Estado ainda eram noções bastante abstratas. O ideal visado era a autossuficiência, a autarquia,

dizendo Aristóteles que “a sociedade constituída por diversos pequenos burgos forma uma cidade completa,

com todos os meios de estabelecer por si, tendo atingido, por assim dizer, o fim a que se propôs” (Aristóteles, A

política, p. 8). 28

Hélcio de Abreu Dallari Júnior, Teoria Geral do Estado Contemporâneo, p. 27. 29

Há uma convivência de dois poderes, um humano e um divino, variando a influência deste segundo

circunstâncias de tempo e lugar (Georg Jellinek, Teoria General del Estado, p. 217).

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Nas cidades-estados ou pólis, a chefia religiosa não interferia nos comandos da chefia

de Estado, e é já nesta sociedade que observamos a marca de profundas desigualdades sociais,

uma vez que a sociedade era dividida entre homens livres e estrangeiros, além dos escravos,

que constituíam a grande maioria da sociedade30

.

Os homens livres formavam a aristocracia, eram os proprietários de terras e os únicos

que possuíam direitos políticos. As mulheres e crianças não eram consideradas cidadãs e não

participavam das decisões políticas. Os estrangeiros eram, geralmente, artesões e

comerciantes, também não possuíam direitos políticos e não podiam ser proprietários de

terras.

A utilidade do escravo é semelhante à do animal. Ambos prestam serviços corporais

para atender às necessidades da vida. A natureza faz o corpo do escravo e do homem

livre de forma diferente. O escravo tem corpo forte, adaptado naturalmente ao

trabalho servil. Já o homem livre tem corpo ereto, inadequado ao trabalho braçal,

porem apto para a vida do cidadão31

.

Os escravos, que eram a base da mão de obra, executavam todo tipo de trabalho, o

doméstico, na agricultura e até o trabalho na extração de minérios. Tinham uma vida marcada

por sofrimento, pobreza e desrespeito. Em função dessas condições, ocorreram várias revoltas

sociais envolvendo os escravos gregos32

.

A cidade-estado romana se organiza basicamente como as cidades gregas e, devido a

questões culturais próprias, eram fortificadas como civitas33

, sendo construídas com forte

senso de urbanização. O Estado, então, era uma nação organizada que fundamentava e

unificava sua vontade por meio do direito34

.

Tal introito fez-se necessário para compreendermos que, seja na polis grega, seja na

res publica em Roma, tais sociedades já eram marcadas por diferenças de classes, ou seja,

nenhum modelo clássico rompeu com a desigualdade social.

Na Idade Média, não tínhamos Estados com poder centralizado sob o comando de um

soberano, mas diversos reinos com o poder político dividido entre os senhores feudais e as

comunas35

. O mundo naquela época era fracionado em diversos feudos independentes, até

30

Dallari Júnior, Ob. cit., p. 28. 31

Aristóteles, Política, cap. II, 1243b. 32

Dallari Júnior, Ob. cit., p. 28. 33

Alude à ideia de cidadão/cidadania. 34

Daí a importância do Direito Romano, que serviu de berço para boa parte do direito ocidental. 35

As raízes do movimento comunal encontram-se nas aspirações dos burgueses das cidades, que

queriam liberdade, segurança, isenção de impostos feudais e justiça própria; estas exigências resultavam do

desenvolvimento comercial, que era afetado pela rigidez das estruturas feudais. Fonte: Norberto Bobbio, Nicola

Matteucci e Gianfranco Pasquino, Dicionário de Política, p. 199.

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que, no final da Idade Média, uma série de fatos ligados à crise do sistema feudal concorreu

para a formação das monarquias nacionais, com o fortalecimento do poder real, tais como o

desenvolvimento do comércio e as revoltas camponesas.

A sociedade estava dividida em classes sociais fixas: o clero (membros da Igreja

Católica, detentores do controle religioso e de terras); a nobreza (a realeza e seus membros,

detentores do poder bélico e de terras) e os camponeses (detentores da força de trabalho nas

terras)36

.

As bases da cultura estavam relacionadas à educação imposta pelo clero. Saliente-se

que a educação era elitizada, sendo permitido apenas a alguns nobres terem acesso a ela. A

grande maioria, constituída pela massa social camponesa, era mantida longe do ensino,

ficando sua formação restrita aos dogmas estabelecidos pela própria Igreja Católica.

Em 1531, em sua obra O Príncipe, Niccolò Machiavelli (ou Nicolau Maquiavel,

aportuguesadamente) faz uso, pela primeira vez nos escritos sobre política, da palavra Estado

com seu significado contemporâneo: “todos os Estados, todos os domínios que tiveram e têm

poder sobre os homens, são Estados e são ou repúblicas ou principados”37

. Em William

Shakespeare (1564-1616), nas pegadas de Maquiavel, também encontraremos a palavra

“Estado”, indicativa da sociedade política – na tragédia Hamlet, pela boca da personagem

Marcelo é dito: “Something is rotten in the State of Denmark” [grifo nosso] (tradução: Há

algo de podre no Reino da Dinamarca)38

.

O fato é que Maquiavel ensina que o governo civil é aquele que é obtido através do

favor dos concidadãos39

. Tal conceito é o que mais se aproxima do ideal de democracia da

atualidade. Nele, o príncipe deve manter a estima do povo em troca de sua continuidade no

poder. É inegável a associação desse princípio com a ideia moderna de legitimidade40

.

Maquiavel é responsável pela autonomia da ciência política, desligada das

preocupações predominantemente filosóficas da política normativa dos gregos e desvinculada

da fé e da moral cristã41

.

Inegavelmente, Maquiavel norteia sua obra na figura do Estado, visto que sua

preocupação era elaborar a melhor forma de o Estado ser capaz de impor a ordem, com base

no mundo real, tendo como ponto de partida e chegada a realidade concreta, o mundo do ser.

36

Dallari Júnior, Ob. cit., p. 28. 37

Nicolau Maquiavel, O Príncipe, p. 7. 38

Marcus Cláudio Acquaviva, Teoria Geral do Estado, p. 4. 39

Maquiavel, Idem, p. 68. 40

Lairton Moacir Winter, “A concepção de Estado e de poder político em Maquiavel”, In Revista Tempo da

Ciência, Vol. 13, número 25, p. 123. 41

Maria Lucia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, Temas de Filosofia, p.155.

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Seu objetivo, como pensador político, era impor um Estado estável em resposta ao caos e à

instabilidade daquela sociedade42

.

A ideia de Estado moderno surge com o fim do império Romano, a partir do

enfraquecimento do Estado imperial e da convulsão do feudalismo, pois, com a crise do

sistema feudal, os cargos mais elevados passaram a ser ocupados pela nobreza e pelos

burgueses mais ricos que compravam títulos de nobreza. Ocorre, então, o fortalecimento desta

nova classe, a burguesia mercantilista43

, a qual, visando a expansão de “seus negócios”,

investe na unidade entre os povos, o que faz surgir, mais tarde, o fenômeno da

nacionalidade44

.

Como era constituída a burguesia nascente? Dela faziam parte os escritores, os

doutores, os professores, os advogados, os juízes, os funcionários (as classes educadas), bem

como os mercadores, os fabricantes, os banqueiros (as classes abastadas), que já tinham

direitos e queriam mais. Acima de tudo queriam (precisavam) lançar fora o jugo da lei feudal

numa sociedade que realmente já não era feudal. Precisavam deitar fora o apertado gibão

feudal e substituí-lo pelo folgado paletó capitalista45

.

Uma vez alterada a ordem vigente e o poder constituído sofrendo mudanças em suas

bases ideológicas, surge a imediata necessidade de alteração dos instrumentos de legitimação

do poder. Assim surge o Estado, com a criação de uma estrutura burocrática administrativa,

42

Francisco Weffort (org.), Os Clássicos da Política, passim. 43

Em que pesem versões contrárias sobre a origem do capitalismo, como a de Ellen Wood, que entende que o

feudalismo produziu uma variedade de formas e resultados em toda a Europa, e um desses resultados foi o

capitalismo, mais especificamente na Inglaterra, em que a base material em que se fundamentava a economia

nacional emergente era a agricultura, tendo, então, o capitalismo surgido da exploração da classe dominante

agrícola na Inglaterra (Ellen Wood, A origem do capitalismo, passim). Adotamos a origem “tradicional”, que

nos remete à origem do sistema capitalista na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, com o

renascimento urbano e comercial dos séculos XIII e XIV, época do surgimento da burguesia, que buscava o

lucro por meio de atividades comerciais. Com base nos estudos históricos, identificamos na burguesia, nos

banqueiros e cambistas, os ideais embrionários do sistema capitalista: lucro, acúmulo de riquezas, controle dos

sistemas de produção e expansão dos negócios. Sendo o capitalismo dividido basicamente em três fases:

Capitalismo Comercial, entre os séculos XVI e XVIII, que teve início com as Grandes Navegações e Expansões

Marítimas Europeias, quando a burguesia começa a buscar riquezas em outras terras fora da Europa;

Capitalismo Industrial, com a significativa mudança no sistema de produção na Europa, tendo na Revolução

Industrial o fortalecimento do sistema e solidificação de suas raízes na Europa e em outras regiões do mundo; e,

por fim, o Capitalismo Financeiro, iniciado no século XX até a atualidade, tendo no sistema bancário, nas

grandes corporações financeiras e no mercado globalizado as molas mestras de desenvolvimento. (Síntese

extraída da obra: Michael Beaud, A História do Capitalismo: de 1500 até nossos dias, passim). Importante

salientar que, independentemente da versão adotada, seja a origem agrária ou a do renascimento urbano e

comercial, o fato é que, onde há o capitalismo, estão presentes também a luta de classes e a exploração do

homem pelo homem por meio de uma classe dominante. 44

Ressalte-se que a nação é considerada o pré-estágio do Estado. A ideia de nação é uma pura criação artificial,

largamente explorada no século XVIII para levar a burguesia, economicamente poderosa, à conquista do poder

político (Dalmo de Abreu Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, p. 132). 45

Leo Huberman, História da riqueza do homem, p. 149.

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leis gerais, um sistema tributário, idioma nacional, moeda unificada e força militar para

proteger e manter a soberania nacional e a ordem.

O desenvolvimento do comércio acirrou a divisão social do trabalho, que até então

estava limitada “a um prolongamento da divisão natural do trabalho existente na família”.

Esse antagonismo já não cabia no “regime gentílico”, apenas um tipo de sociedade

poderia comportá-lo para sua própria sobrevivência: esta se caracterizaria pela contradição

entre as classes. Segundo Engels,

(...) acabava de surgir uma sociedade que, por força das condições econômicas

gerais de sua existência, tivera que se dividir em homens livres e escravos, em

exploradores ricos e explorados pobres; uma sociedade em que os referidos

antagonismos não só não podiam ser conciliados como ainda tinham que ser levados

a seus limites extremos. Uma sociedade desse gênero não podia subsistir senão em

meio a uma luta aberta e incessante das classes entre si, ou sob o domínio de um

terceiro poder que, situado aparentemente por cima das classes em luta, suprimisse

os conflitos abertos destas e só permitisse a luta de classes no campo econômico,

numa forma dita legal. O regime gentílico já estava caduco. Foi destruído pela

divisão do trabalho que dividiu a sociedade em classes, e substituído pelo Estado46.

O Estado emerge de dentro da sociedade em um determinado estágio de

desenvolvimento econômico que intensificava as contradições entre as classes. De acordo

com Lênin, “O Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de classes não

podem objetivamente ser conciliados.”47

, contradizendo a concepção difundida do Estado

como conciliador das classes colidentes e de consenso social.

E, como o Estado também institui a propriedade privada, esses mecanismos levam

cada vez mais a que o Estado defenda os interesses da burguesia e a ajude a se consolidar,

conforme o pensamento marxista que vai afirmar mais tarde que o Estado é o comitê dos

negócios da burguesia48

.

Acirram-se a luta de classes e o conflito entre “capital e trabalho”. As grandes

organizações e empresas capitalistas e as massas trabalhadoras já não se entendem e entram

em conflito na tentativa de assegurar seus próprios interesses – veremos sumariamente essas

questões no capítulo a seguir.

46

Friederich Engels, A origem da família, da propriedade privada e do Estado p. 190. 47

Vladimir Ilich Lênin, O Estado e a revolução, p. 9. 48

“(...) a burguesia, desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente,

a soberania política exclusiva do Estado representativo moderno. O governo do estado moderno não é senão um

comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa.”. (Karl Marx e Friedrich Engels, O Manifesto

do Partido Comunista, p. 69).

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1.3. Estado: uma imposição divina, resultado de um contrato social ou da vitória

de um projeto econômico?

Para Hegel, o Estado é a “realidade da ideia moral, a substância ética consciente de si

mesma, a manifestação visível da divindade”49

, ou seja, algo que é absoluto e que tem como

função harmonizar a contradição família e sociedade.

Nas justificativas teóricas para o absolutismo, temos o conceito do poder divino dos

reis do jurista francês Jean Bodin50:

Nada havendo de maior sobre a terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e

sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para governarem os outros

homens, e necessário lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e

reverenciar-lhes a majestade com toda a obediência, a fim de sentir e falar deles com

toda a honra, pois quem despreza seu príncipe soberano despreza a Deus, de Quem

ele é a imagem na terra.

No livro De Lá Republique, de 1576, Bodin publica importante obra política trazendo

os conceitos de soberania e do direito divino dos reis. Nesse período, a Europa passava pelo

caos das guerras de Religião do século XVI51 e, como forma de unificação política e de

pacificação social, temendo a anarquia, o autor sustenta a existência de uma vontade suprema

soberana.

Para o autor, a soberania era o poder absoluto do chefe de Estado de legislar para os

súditos, sem necessidade de se sujeitar às leis, visto que “não pode dar ordens a si mesmo”52

.

Jacques Bossuet, com a obra Política segundo as Escrituras Sagradas, do final do

século XVII, afirmou que houve um estado de natureza e que os homens se organizaram

politicamente e conferiram poder supremo a um rei e aos seus descendentes (um poder

soberano) para poderem viver em segurança. Essa seria, então, a legitimação da mais antiga

forma de governo: a monarquia.

49

George W. F. Hegel apud Paulo Bonavides, Ciência Política, p. 75. 50

Jean Bodin, “A República”, citado por Jean-Jacques Chevalier, As grandes obras políticas de Maquiavel a

nossos dias, p. 58. 51

As Guerras travadas entre católicos e protestantes (huguenotes) na França, na segunda metade do século XVI

(entre 1562 e 1598) ficaram conhecidas como “Guerras de Religião”. Elas são o desdobramento das diversas

consequências da Reforma Protestante iniciada em 1517 por Martinho Lutero. No entanto, na França, a

intolerância e a violência não tinham apenas motivações religiosas, mas também (e principalmente) políticas

(Frank Viana Carvalho, O Pensamento Político Monarcômaco: da limitação do poder real ao contratualismo,

tese de doutorado, p. 191-196). 52

Norberto Bobbio, A teoria das formas de governo, p. 96.

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Considerai o príncipe em seu gabinete. Dali partem as ordens graças as quais

procedem harmonicamente os magistrados e os capitães, os cidadãos e os soldados,

as províncias e os exércitos, por mar e por terra. Eis a imagem de Deus, que,

assentado em seu trono no mais alto dos céus, governa a natureza inteira... Enfim,

reuni tudo quanto dissemos de grande e augusto sobre a autoridade real. Vede um

povo imenso reunido numa só pessoa, considerai esse poder sagrado, paternal e

absoluto; considerai a razão secreta, que governa todo o corpo do Estado, encerrada

numa só cabeça: vereis a imagem de Deus nos reis, e tereis ideia da majestade real53

.

Para o autor, a monarquia seria sagrada, vez que os príncipes são como ministros de

Deus e seus representantes na Terra, de forma que não devem prestar contas a ninguém54

.

Ainda no século XVII, temos o fortalecimento da ideia de Estado Absoluto, sendo

Thomas Hobbes um dos seus grandes representantes teóricos. Ao investigar as origens do

Estado e sua razão, Hobbes rompeu com a visão antropológica de Aristóteles, segundo a qual

o homem seria um animal social por natureza, defendeu um suposto estado de natureza em

que os indivíduos viveriam em liberdade e igualdade segundo seus instintos. Contudo, em tal

“estado de natureza”, teríamos a “guerra de todos contra todos” que, nas palavras do

pensador:

Portanto tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em que todo homem é

inimigo de todo homem, o mesmo é válido também para o tempo durante o qual os

homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua

própria força e sua própria invenção. Numa tal situação não há lugar para a

indústria, pois seu fruto é incerto; consequentemente não há cultivo da terra, nem

navegação, nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar; não há

construções confortáveis, nem instrumentos para mover e remover as coisas que

precisam de grande força; não há conhecimento da face da Terra, nem cômputo do

tempo, nem artes, nem letras; não há sociedade; e o que é pior do que tudo, um

constante temor e perigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária, pobre,

sórdida, embrutecida e curta55

.

O Estado hobbesiano tiraria os homens do estado de natureza para garantir o

cumprimento e obediência às leis de natureza. Ou seja, leis naturais são base para direitos

naturais que perfazem o estatuto do homem antes de qualquer outra institucionalização

jurídico-política.

Para que as leis de natureza tenham vigência, é necessário um poder suficientemente

grande para que sejam respeitadas. E, para tanto, o passo seguinte é conferir toda força a um

53

Jacques-Bénigne Bossuet, Política segundo as Escrituras Sagradas, citado por Jean-Jaques Chevalier, As

Grandes Obras Políticas de Maquiavel aos nossos dias, p. 88. 54

Faz-se um contraponto com o pensamento marxista que, por meio do Materialismo Histórico, propõe que os

homens não são meros seres contemplativos do mundo (produto do meio), mas são também produtores da

História: “a sociedade, o Estado e o Direito não surgem de decretos divinos, mas dependem da ação concreta

dos homens na História” (Marilena Chauí, Convite à Filosofia, p. 112). 55

Thomas Hobbes (Thomas de Malmesbury), Leviatã ou Matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e

civil, p. 76.

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homem ou a uma assembleia de homens – esse é o caminho da instituição do Estado. Somente

a ingerência política de um Estado que se sobreponha às individualidades seria capaz de

garantir segurança a todos. Assim, o Estado soberano significaria a realização máxima de uma

sociedade civilizada e racional.

A ascensão do Estado estava relacionada a mudanças nos pensamentos políticos, na

compreensão e na legitimação da mudança estatal. Defensores do Estado tradicional seguiam

as linhas do direito divino dos reis, baseado na crença de que o soberano tem o direito de

reinar pela vontade de Deus e não dos homens.

Um dos objetivos que Hobbes via no acordo que viabilizasse o Estado era a

manutenção da paz, não qualquer paz, mas a paz que a burguesia em consolidação necessitava

para desenvolver seus negócios e afirmar-se como a classe que detinha os meios de

produção56

.

Hobbes pretende dar uma justificativa racional e universal para a existência do Estado

e para as razões pelas quais os seus comandos devem ser seguidos. Assim, traçou

detalhadamente todo um sistema em volta da sua proposta de Estado, em consonância com as

exigências e o espírito de seu tempo, ou seja, o ideal de uma classe social revolucionária que

se estabelecia e necessitava fundar um Estado em harmonia com seus interesses.

Certamente a ideia de poder concentrado e absoluto não interessava mais à classe

emergente da época, que buscava a expansão do poder econômico, e, logo no século XVIII,

em meio às reivindicações políticas da burguesia, na França e na Inglaterra, surgiram fortes

correntes de pensamento contrárias ao absolutismo monárquico.

Com a evolução do pensamento humanista, sustentado pelo Iluminismo, há o

aparecimento do Estado Liberal, sendo o pensador John Locke seu maior expoente,

publicando, ainda no final do século XVII, a obra Dois tratados do governo civil, onde

critica o poder absolutista do rei, poder que é fundamentado na “escolha divina” e traz,

também, ensaios sobre a ideia do governo civil.

Segundo Locke, neste suposto “estado natural” (assim como Hobbes entende, de

perfeita liberdade e igualdade), o homem possui direitos naturais independentes de sua

vontade, entre eles, o direito à propriedade: “o Homem era naturalmente livre e proprietário

de sua pessoa e de seu trabalho57

”. Os homens saem do “estado de natureza” e ingressam

56

Elson Rezende Mello, Considerações sobre o Estado em Hobbes, Revista de Ciências Humanas, v. 12, n. 1,

p. 217-234. 57

Francisco C. Weffort, Formação do pensamento político brasileiro: ideias e personagens, p. 85.

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na “sociedade civil” por meio de um contrato social (consenso), essa é a base das teorias de

Hobbes e Locke.

Em sentido muito amplo, o Contratualismo compreende todas aquelas teorias

políticas que veem a origem da sociedade e o fundamento do poder político

(chamado, quando em quando, potestas, imperium, Governo, soberania, Estado)

num contrato, isto é, num acordo tácito ou expresso entre a maioria dos indivíduos,

acordo que assinalaria o fim do estado natural e o início do estado social e político58

.

Immanuel Kant assinala, na mesma linha de raciocínio, que:

O ato pelo qual um povo se constitui num Estado é o contrato original. A se

expressar rigorosamente, o contrato original é somente a ideia desse ato, com

referência ao qual exclusivamente podemos pensar na legitimidade de um Estado.

De acordo com o contrato original, todos (omnes et singuli) no seio de um povo

renunciam à sua liberdade externa para reassumi-la imediatamente como membros

de uma coisa pública, ou seja, de um povo considerado como um Estado (universi).

E não se pode dizer: o ser humano num Estado sacrificou uma parte de sua liberdade

externa inata a favor de um fim, mas, ao contrário, que ele renunciou inteiramente à

sua liberdade selvagem e sem lei para se ver com sua liberdade toda não reduzida

numa dependência às leis, ou seja, numa condição jurídica, uma vez que esta

dependência surge de sua própria vontade legisladora59

.

Assim, aceitando-se a autoridade da vontade geral, o cidadão não só passa a pertencer

a um corpo moral coletivo, bem como adquire liberdade ao obedecer a uma lei que prescreve

para si mesmo.

Apesar das diferenças, o que existe em comum nas teorias contratualistas é a ênfase do

caráter racional e laico (não religioso) da origem do poder. É o próprio homem que dá o

consentimento para instauração do poder, reafirmando assim o valor do indivíduo e do

cidadão60

.

Nessa linha, pelo contrato social, o homem deixa de ter a liberdade natural, instintiva

e, portanto, sem limites, para ganhar a liberdade civil, a qual tem como limitação a vontade

geral, tornando-se, pois, um ser racionalmente moral. Assim, é celebrado entre os homens um

contrato social para que o governo civil preserve os direitos naturais dos indivíduos em face

do próprio Estado que, diferentemente do contato social hobbesiano em que há a sujeição

absoluta dos súditos ao Estado, no contrato social de John Locke, é concebido como um

consentimento coletivo em prol da instauração de um corpo político tendente a garantir a

inviolabilidade dos direitos naturais.

58

Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, Dicionário de Política, p. 272. 59

Immanuel Kant, A metafísica dos costumes, p.158. 60

Maria Lucia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, Temas de Filosofia, p.157.

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Pois, sendo ele apenas o poder conjunto de cada membro da sociedade, concedido à

pessoa ou assembleia que legisla, não pode exceder o poder que tinham essas

pessoas no estado de natureza, antes de entrarem em sociedade e cederem-no à

comunidade. Pois ninguém pode transferir a outrem mais poder do que ele próprio

possui; e ninguém dispõe de um poder arbitrário absoluto sobre si mesmo, ou sobre

quem quer que seja, para destruir sua própria vida ou tomar a vida ou a propriedade

de outrem61

.

O Estado deve preservar o direito à liberdade62

e à propriedade privada. As leis devem

ser expressão da vontade da assembleia e não fruto da vontade de um soberano, ou seja,

quando trata dos limites do poder instituído pelo pacto social, Locke entende que a defesa da

propriedade privada é uma das principais finalidades do governo.

Desponta, portanto, uma preocupação no pensamento burguês: que as leis não fossem

produzidas por quem tivesse o poder de aplicá-las, percebendo-se a importância que o

controle do poder dos juízes já possuía na estrutura do Estado Moderno. Assim, para fazer

frente ao poder absoluto do Estado, outro pensador, Montesquieu, assegurava que

(...) o poder naturalmente abusará da liberdade, isto é, o poder naturalmente

corrompe e que o governante tendo meios e necessidade agirá sem considerar as

liberdades dos súditos. (...) Ao poder deve-se opor o poder. Apenas o poder

correspondente pode controlar o poder. Com isso, proclama que o governante deve

ser considerado como potencialmente mau e assim uma engenharia institucional

deve evitar a ação maléfica, mesmo quando não tentada63

.

A solução de Montesquieu, portanto, é que o poder deve necessariamente ser dividido

para ser controlado64

. Montesquieu “opta claramente pelos interesses da nobreza, quando põe

a aristocracia a salvo tanto do rei quanto da burguesia”65

.

(...) Por outro lado, como autêntico aristocrata, desagrada-lhe a ideia de o povo todo

possuir poder. Por isso estabeleceu a necessidade de uma Câmara Alta no

Legislativo, composta por nobres. A nobreza, além de contrabalançar o poder da

burguesia (estamento social em rápida ascensão social e econômica na França dos

séculos XVII e XVIII), era vista por ele como capacitada, por sua superioridade

natural, a ensinar ao povo que as grandezas são respeitáveis e que monarquia

moderada é o melhor regime político66

.

61

John Locke, Segundo tratado sobre o governo, p. 504. 62

Daí decorre que essa liberdade concedida a cada indivíduo era indispensável para que a burguesia mantivesse

“o domínio do poder político”, que não se estendia às outras classes sociais (Paulo Bonavides, Do Estado

Liberal ao Estado Social, p. 44). 63

Charles de Secondat, Baron de Montesquieu, Do espírito das leis, p. 13. 64

Ressalvem-se os poderes de prerrogativa já previstos por Locke: “muito assunto há que a lei não pode prover

por meio algum, e estes devem necessariamente ser entregues à discrição daquele que tem nas mãos o poder

executivo, para que regule conforme o exigirem o bem público” (John Locke, Segundo tratado sobre o

governo, p. 98). 65

José Américo Motta Pessanha e Bolívar Lamounier, “Montesquieu (1689-1755): Vida e Obra”, In

Montesquieu, Do Espírito das leis, p. 23. 66

Pessanha e Lamounier, Idem, Ibidem.

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Além da influência de Montesquieu, outro pensador se destacava no pensamento

político do qual se apropriaria a classe burguesa, no combate ao Absolutismo: trata-se de

Jean-Jacques Rousseau, que não rompeu com a ideia de um contrato social, contudo fez

algumas críticas aos modelos de contrato trazidos por Hobbes e Locke.

Para Rousseau, a legitimidade só está assegurada mediante a realização efetiva dos

interesses do soberano, e a soberania está localizada no povo67

. O Estado deveria ser limitado

e agir em função do povo (soberano), sendo a soberania do povo inalienável68

. Defende,

ainda, a necessidade de representantes políticos em constante rotatividade, algo que

minimizaria os riscos de degeneração dos governos e a usurpação da soberania da sociedade

civil.

Uma associação de cidadãos produz um corpo coletivo e moral, sendo que de sua

unidade se extrai a vontade. Essa “coletividade de cidadãos” unidos é o que Rousseau chamou

de povo.

Assim como a natureza deu a cada homem um poder absoluto sobre todos os seus

membros, o pacto social deu ao corpo político um poder absoluto sobre todos os

seus; e é esse mesmo poder que, dirigido pela vontade geral, carrega, como eu já

disse, o nome de soberania69

.

A manifestação da vontade do povo representa a vontade geral, capaz de guiar o poder

do Estado e impor limites à liberdade civil. Essa vontade soberana é manifesta por meio da

lei. Contudo, o desejo do soberano só atinge a qualidade de lei se buscar atingir o “bem

comum”, que passa a ser o fim do Estado70

.

Rousseau não atribui à propriedade a categoria de direito natural, como o direito à

liberdade e à igualdade. Pelo contrário, entende que o estabelecimento da propriedade ocorre

como um ato unilateral do primeiro ocupante no estado de natureza, assim, antes da lei civil.

Afirma ele que:

O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e

encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da

sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria

poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os

67

Jean-Jacques Rousseau, Do contrato social, p. 39. 68

Rousseau, Ob. Cit., p. 38. 69

Rousseau, Ob. Cit., p. 253. 70

Prova da influência dos pensamentos de Montesquieu e Rousseau no ideário da Revolução Francesa é o

dispositivo dos artigos 6º e 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

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buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: “Livrai-vos de escutar esse impostor;

estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém!”71

.

Assim, diferentemente de Locke, que estabelece a propriedade como fruto do trabalho,

dando mais sustentação às ideias de acúmulo de propriedade, Rousseau a considera como

degeneração do gênero humano e atribui o direito de propriedade legítimo após o contrato

social72

. Caberia apenas à vontade geral impedir a excessiva desigualdade de patrimônio73

.

As teorias políticas desse período contribuíram de forma marcante para abalar as

estruturas do Antigo Regime. As noções de soberania da sociedade civil, de um Estado a

serviço da comunidade, da rotatividade representativa e da participação popular na elaboração

da legislação fizeram com que Rousseau fosse aclamado pela burguesia e influenciasse a

Revolução Burguesa, na França, em 1789.

Segundo Malberg74

, os franceses foram influenciados pela noção de Montesquieu de

ser a lei a regra geral que subjuga as regras individuais, alcançando todos os cidadãos para

restituir a igualdade subtraída pela vida em sociedade75

.

Por meio do famoso trinômio da liberdade, igualdade e fraternidade76

, a Revolução

buscou a ascensão do homem-súdito ao status de homem-cidadão77

. O ideal burguês

associado à leitura de Rousseau traz-nos a ideia de que o Estado é coparticipante da união da

igualdade e da liberdade entre os homens, sendo o fomentador de uma sociedade capaz de

71

Jean-Jacques Rousseau, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, p.

222. 72

“O direito de primeiro ocupante, ainda que mais real que o do mais forte, só se converte em verdadeiro

direito depois de estabelecido o de propriedade. Todo o homem tem naturalmente direito a tudo que o lhe é

necessário; mas o ato positivo que o torna proprietário de algum bem o exclui de todo o resto; estando feita a

sua parte, a ela se deve limitar, e não tem mais direito à comunidade. Eis por que o direito de primeiro ocupante,

assaz débil no estado de natureza, é para todo homem civil, respeitável” (Rousseau, Ob. cit., p. 62). 73

Ernst Bloch, Derecho natural y dignidad humana, p. 65. 74

A autor ressalta que a noção da lei enquanto regra geral foi ainda mais alargada sob a influência da teoria de

Rousseau da “vontade geral do povo”. Fonte: R. Carré de Malberg, Contribution à la Théorie Générale de

l´État, p. 5-6. 75

Marcus Castro destaca que, apesar de Montesquieu ter postulado a “existência de relações naturais entre os

homens”, nascidos “naturalmente iguais e dotados da faculdade do conhecimento”, esse pensador francês não

pode ser considerado um jusnaturalista, como Hobbes, Locke e Rousseau, visto que, segundo o autor,

Montesquieu afirma que é com o surgimento da sociedade que desaparece a “igualdade natural entre os

indivíduos”, instaurando-se um “estado de guerra”. Nesse contexto é que se revelaria o papel das leis positivas

em Montesquieu, destinadas a restabelecer a liberdade política dos indivíduos. Indubitável a importância de

Montesquieu às instituições, em substituição à ética do bem, que se torna o fundamento da ordem: “No estado

da natureza, os homens nascem em situação de igualdade; mas eles assim não persistem. A sociedade os faz

perder essa condição, e eles não retornam ao estado de igualdade senão por meio das leis”. (Montesquieu, 1834,

p. 245). Fonte: Marcus Faro de Castro, “Violência, Medo e Confiança: do Governo Misto à Separação de

Poderes.”, In Revista Forense, vol. 382, p. 157-180. 76

Segundo Irene Nohara, “embora o lema da Revolução tivesse sido liberdade, igualdade e fraternidade, apenas

o primeiro princípio foi efetivamente perseguido na etapa de consolidação da Revolução” (Irene P. Nohara,

Direito Administrativo, p. 20). 77

Paulo Bonavides, Do Estado Liberal ao Estado Social, p. 30.

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conduzir seus cidadãos à plena felicidade. Contudo, a história nos mostra que a liberdade e a

igualdade não caminham juntas.

Nas palavras de Rousseau:

Se indagarmos em que consiste precisamente o maior bem de todos, que deve ser o

fim de todo o sistema de legislação, achar-se-á que se reduz a estes dois objetivos

principais: liberdade e igualdade. A liberdade, porque toda a dependência particular

é outro tanto de força tirada ao corpo do Estado; a igualdade, porque a liberdade não

pode existir sem ela. Já disse o que é a liberdade civil; a respeito da igualdade (...)

que nenhum cidadão seja bastante opulento para poder comprar a outro, e nenhum

tão paupérrimo para necessitar vender-se, o que supõe. Por parte dos grandes,

moderação de bens e de crédito; dos pequenos, moderação de ânsia e cobiça. Mas os

fins gerais de toda instituição devem modificar-se em cada país pelas circunstâncias

que nascem, tanto da situação local, como a do caráter dos habitantes. E

considerando estas circunstâncias, deve dar-se a cada povo um sistema de

instituição, que seja o melhor, embora não por si, mas para o Estado a que se

destina78

.

Os burgueses ansiavam por um modelo de Estado que alcançasse os seus objetivos

capitalistas. Daí, temos uma série de acontecimentos impulsionados por uma classe

desafiadora que derrubaram a Bastilha em 14 de julho de 1789. Caem os privilégios

medievais, e é elaborada a Declaração dos Direitos. O Antigo Regime é substituído por um

novo modelo de Estado79

. Nasce um novo tempo, uma nova ordem burguesa e capitalista, que

transformaria o mundo para sempre, porém, a inclusão social não se consolida, a liberdade e a

igualdade de Rousseau foram esquecidas pelos revolucionários80

. Uma vez conquistado o

poder, a burguesia se ocupou de garantir também a hegemonia ideológica, e a igualdade

restringiu-se ao direito à generalidade da lei formal e abstrata, tendo sido abandonada a busca

efetiva pela distribuição de condições materiais e de oportunidades iguais para todas as

pessoas81

.

No plano institucional, “o liberalismo significou a construção de um Estado em que o

poder se fazia função do consenso, e em que a divisão de poderes se tornava princípio

obrigatório; o direito prevalecia em seu sentido formal, e a ética social repudiava as

intervenções governamentais”82

. Nesse passo, o Estado liberal assumiu “essencialmente

78

Jean-Jacques Rousseau, Do contrato social, p. 87-88. 79

Os burgueses conseguiram: romperam “com a velha aristocracia ociosa e protegida, que vivia à sombra dos

tronos, desdenhando a burguesia e sendo por esta desdenhada” (Bonavides, 2001, p. 68). 80

No liberalismo houve um acúmulo de riqueza que trouxe por consequência o poder econômico, porém este

poder cresceu de tal forma que se transformou num abuso do poder econômico, que fez com que a igualdade do

liberalismo virasse uma “piada” (Rodrigo Santos Neves, “O Estado regulador”, In Revista de direito

constitucional e internacional, n. 44, p. 211). 81

Irene P. Nohara, Direito Administrativo, p. 20. 82

Nelson Saldanha, O Estado Moderno e o Constitucionalismo, p. 51.

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características de abstenção: não atuar na ordem econômica nem afrontar os direitos e as

liberdades individuais”83

.

A burguesia, que em um primeiro momento precisou de um Estado forte e unificado

para garantia de seus direitos, agora impõe um Estado mínimo, com a ausência de direitos

sociais e a não intervenção na economia, pois “sem individualismo, não há liberalismo”84

, e,

com certeza, o desenvolvimento desta ideologia e deste modelo estatal foi essencial para o

desenvolvimento do capitalismo85

e do sistema político e jurídico da sociedade ocidental.

Embora Ellen Wood defenda que o capitalismo tenha surgido na Inglaterra como uma

necessidade de expansão do mercado agrícola inglês, como lógica de mercado para a

produção de excedentes da aristocracia rural, ou seja, a origem do capitalismo como lógica de

desenvolvimento de lucro desse mercado não guarda relação com o movimento iluminista

francês86

, e, embora seja possível a concepção do Estado simplesmente como uma instituição

personificada, para o qual são constituídas funções pela sociedade que historicamente o criou,

entendemos que o Estado surge para a consolidação do ideal burguês, que mais tarde vai

resultar na solidificação do sistema capitalista.

Entendemos, dessa forma, que o Estado é um ente político idealizado pelo pensamento

burguês, que reproduz o capitalismo e está, então, comprometido com os ideais econômicos

dessa classe87

, visto que as constituições liberais consolidam a vitória do projeto econômico

burguês, garantindo fundamentalmente os direitos individuais, ou seja, a liberdade para

estabelecer contratos e a garantia da propriedade.

Uma passagem da obra de Friedman ilustra bem a concepção de Estado liberal do

autor:

Um governo que mantenha a lei e a ordem; defina os direitos de propriedade; sirva

de meio para a modificação dos direitos de propriedade e de outras regras do jogo

econômico; julgue disputas sobre a interpretação das regras; reforce contratos;

promova a competição; forneça uma estrutura monetária; se envolva em atividades

com relação ao monopólio técnico e evite os efeitos laterais considerados como

83

Jorge Reis Novais, Contributo para uma teoria do Estado de Direito: do Estado de Direito liberal ao

Estado social e democrático de Direito, Dissertação de Pós Graduação à Faculdade de Direito da Universidade

de Coimbra, p 73. 84

Norberto Bobbio, Positivismo jurídico - lições de filosofia do direito, p. 16. 85

Para fins didáticos, adotaremos o conceito de capitalismo dado por Ellen Wood: “o capitalismo é um sistema

em que os bens e serviços, inclusive as necessidades mais básicas da vida, são produzidas para fins de troca

lucrativa; em que até a capacidade humana de trabalho é uma mercadoria à venda no mercado; e em que todos

os agentes econômicos dependem do mercado, os requisitos da competição e da maximização do lucro são as

regras fundamentais da vida (...). Acima de tudo, é um sistema em que o grosso do trabalho da sociedade é feito

por trabalhadores sem posses, obrigados a vender sua mão de obra por um salário, a fim de obter acesso aos

meios de subsistência” (E. M. Woods, As origens do capitalismo, p. 12). 86

E. M. Wood, As origens do capitalismo, passim. 87

Karl Marx e Friedrich Engels, O Manifesto do Partido Comunista, p. 69.

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suficientemente importantes para justificar a intervenção do governo; suplemente a

caridade privada e a família na proteção do irresponsável, quer se trate de um insano

ou de um louco; - um tal governo teria evidentemente, importantes funções a

desempenhar88

.

Por outro lado, este modelo de Estado, não foi capaz de trazer igualdade e

desenvolvimento humano. Ao contrário, mostrou-se um Estado opressor89

e mantenedor de

uma ordem de separação de classes, privilegiando como cidadão aquele que é proprietário90

,

tanto que a ideia de Estado Mínimo se mostrou ineficaz no controle social, pois a economia de

“livre-mercado”, com a omissão do Estado, acirrou esse conflito de classes.

Segundo Irene Nohara, “a defesa da máxima liberdade individual criava um Estado

que nada fazia para refrear a ação opressora dos economicamente poderosos nas relações

privada”91

. Em outras palavras, o Estado se firmava como um “grupo humano estabelecido

em determinado território, onde os mais fortes impõem suas vontades aos mais fracos”92

.

1.4. A ameaça ao capitalismo e o surgimento do Estado Social

Com a Revolução Francesa, a burguesia falava “ilusoriamente em nome de toda a

Sociedade, com os direitos que ela proclamara, os quais, em seu conjunto, se apresentavam,

do ponto de vista teórico, válidos para toda a comunidade humana, embora, na realidade,

tivesse bom número deles vigência tão somente parcial, e em proveito da classe que

efetivamente os podia fruir.”93

.

Com a consolidação do modelo liberal, o projeto capitalista se espalha e solidifica-se

pelo mundo. Assim, o desenvolvimento contínuo das forças produtivas faz com que a

88

Milton Friedmann, Capitalismo e liberdade, p. 38. 89

“Com o predomínio da doutrina do liberalismo, que se ajustava bem aos desígnios de expansão econômica e

de ampliação das trocas comerciais da burguesia, o Estado foi tido como ‘o fantasma que atemorizou o

indivíduo’, Esta expressão, lapidada por Paulo Bonavides, ilustra uma mentalidade que concentrava no

‘espectro’ estatal toda a pressão do ser humano” (Irene P. Nohara, Direito Administrativo, p. 20). 90

Locke, ao trabalhar o conceito de propriedade e de cidadania no Segundo Tratado sobre o Governo,

desenvolve que o cidadão é aquele que é proprietário de seu próprio corpo, mas não apenas do corpo como

matéria, mas, sim, dono de tudo que o seu corpo produz. Desta forma, o trabalhador explorado, que não tem o

direito de consumir os bens que produz, pois estes são pertencentes ao seu patrão, seria considerado um sujeito

de segunda classe, isto é, um não cidadão. Locke, ao defender seu ideário, conclui como natural a desigualdade,

sendo a cidadania um direito restrito. (Everton Bandeira Martins, O papel da disciplina de história na

construção de cidadãos plenos a partir de um olhar histórico reflexivo, .Dissertação de Mestrado, à

Universidade Federal de Santa Maria, passim). Num período de ebulição de ideias e de definição de padrões,

encontramos em Rousseau a defesa de um aspecto diferente de Locke: neste ponto, “nenhum homem tem

autoridade natural sobre seu semelhante”, argumenta Rousseau; “a força não produz nenhum direito” (Maria

Covre, O que é cidadania?, p.27). 91

Nohara, Ob. cit., p. 21. 92

Léon Duguiy, Manuel de Droit Constitutionnel, p. 14-15. 93

Paulo Bonavides, Do Estado Liberal ao Estado Social, p. 44.

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produtividade do trabalho atinja seu ápice94

. A burguesia, por deter a propriedade privada dos

meios de produção – e por isso é a classe dominante –, subtrai o excedente do trabalho da

classe dominada95

, suficiente para sua autossustentação e sustentação do aparato institucional

necessário para reproduzir esse modo de produção, no seio do qual se encontra o Estado de

Direito.

O pensamento de Karl Marx traz um novo referencial teórico acerca da relação entre a

sociedade civil e o Estado, fazendo dura crítica aos valores burgueses edificados nas

Revoluções Burguesas, sobretudo a Revolução Francesa de 1789, que, para ele, é um

“momento histórico” de emancipação política e de garantia de direitos da burguesia.

Resumidamente,

(...) o poder político sempre foi a maneira legal e jurídica pela qual a classe

economicamente dominante de uma sociedade manteve seu domínio. O aparato legal

e jurídico apenas dissimula o essencial: que o poder político existe como poderio dos

economicamente poderosos, para servir seus interesses e privilégios e garantir-lhes a

dominação social96

.

Na obra de Marx é descartada a herança contratualista, que implicava na existência de

um fictício “estado de natureza”. Ao invés disso, temos que as relações humanas são

construídas historicamente97

. O Estado, então, está sempre a favor das classes dominantes

para garantir a sua dominação sobre o todo social e em desfavor dos trabalhadores, uma vez

que não rompe com a estrutura de exploração do trabalho pelo capital, mas tem o papel de

regular tal relação, perpetrando-a98

.

94

“O sistema capitalista surge sobre um terreno econômico que é o resultado de um longo processo de

desenvolvimento. A produtividade do trabalho que encontra e que lhe serve de ponto de partida é uma dádiva

não da natureza, mas de uma história que abrange milhares de séculos.” (Karl Marx, O capital, p. 587). 95

Mais-valia: nome dado por Karl Marx à diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao

trabalhador, que seria a base do lucro no sistema capitalista. “O capitalista, finalmente, força os operários a

prolongar o mais possível a duração do processo de trabalho, para além dos limites do tempo de trabalho

necessário para a reprodução do salário, já que é precisamente este excedente de trabalho que proporciona a

mais-valia” (Karl Marx, Capítulo VI inédito de O capital, p. 109). 96

Marilena Chauí, Convite à Filosofia, p. 411. 97

“tanto as relações jurídicas quanto as formas de Estado não podem ser compreendidas nem por si mesmas,

nem pela chamada revolução geral do espírito humano, mas antes têm suas raízes nas condições materiais de

existência” (Marx e Engels, apud N. Bobbio, O conceito de sociedade civil, p. 129). 98

As classes sociais constituem a base do pensamento de Marx. Elas são determinadas pela posição que um

grupo de indivíduos possui nas relações sociais de produção. Essa posição seria determinada pela propriedade

ou não de bens. O grupo que os possuísse seria a classe dominante, que por sua vez, exerceria a dominação

sobre a classe dominada (os não detentores do capital). As relações entre essas classes nascem na infraestrutura,

sendo afirmadas, mantidas e reproduzidas pela esfera superestrutural (que também tem o papel de reprimir

ataques ao status quo). Em última instância, Marx considera que as relações econômicas (infraestrutura)

determinam o corpo superestrutural (Augustin Cueva, “A concepção marxista das classes sociais”, In Debate e

Crítica, n° 3, p. 87).

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Com a implementação da ideologia liberal, a burguesia, então, deixou de ser apenas a

classe economicamente dominante e passou a articular também o poder político, instaurando

por meio das instituições do Estado de Direito uma hegemonia ideológica. Percebe-se que o

Estado tem suas funções atreladas aos interesses do mercado, mantendo sua estabilidade e

garantindo a propriedade privada dos meios de produção e da terra.

Nesse processo de ampliação de mercado e crescimento da burguesia, há um

aniquilamento das formas de relações de produção anteriores, instalando em toda parte

do globo terrestre configurações cosmopolitas, tanto no modo de produção como no

modo de consumo da sociedade capitalista.

Nessa nova perspectiva, na mesma medida em que a burguesia e o capital se

desenvolvem, na “mesma medida desenvolve-se o proletariado (...), os quais só vivem

enquanto encontram trabalho e só encontram trabalho enquanto o seu trabalho aumenta o

capital”99

.

O Estado não rompeu com a estrutura de organização do processo de trabalho, por isso

possui uma origem na desigualdade e no conflito de classes; constitui-se como uma instituição

acima de todas, com a função de assegurar e conservar a dominação e a exploração de classe e

assumir certa margem de independência em relação às classes, especialmente em conjunturas

de intenso conflito social. Firma-se, então, como instrumento indispensável à manutenção do

sistema capitalista, intervindo de forma direta, inclusive por meio da força, se necessário, na

luta de classes, a favor da classe capitalista dominante.

As novas configurações sociais surgidas na transição provocada pela Revolução

Industrial tornaram ainda mais evidentes o contraste entre os interesses das classes

dominantes e dominadas, ou simplesmente, entre o capital e o trabalho, sendo que o

proletariado protagonizou uma série de reivindicações em prol da realização de efetiva justiça

social100

.

Observamos que os momentos mais favoráveis ao trabalho ocorreram nos anos

dourados do capitalismo101

. Nesse período, os trabalhadores, em especial os da Europa

Ocidental, obtiveram melhores condições de reprodução e até mesmo a formação de pecúlios.

99

Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto do Partido Comunista, p. 34. 100

Irene P. Nohara, Direito Administrativo, p. 21. 101

Depois da Segunda Grande Guerra, a economia mundial passou a desfrutar de um longo período de

prosperidade, alcançando, durante as décadas de 1950-1960, taxas recordes de crescimento. Nesse período, o

PIB mundial cresceu 4,9% ao ano, taxa que adquire toda a sua relevância se a compararmos ao crescimento do

período de 1896-1951, quando o PIB aumentou 2,21% ao ano (Jaime Graciano Trintin e Sandra dos Reis M

Rossoni, “Os anos dourados do capitalismo”, In Akrópolis - Revista de Ciências Humanas da UNIPAR, V. 7,

N, 27).

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Não conseguiram, entretanto, mesmo nos Estados comandados pelos partidos

socialdemocratas, mudanças no caráter do modo de produção capitalista102

.

A concentração de renda do sistema capitalista produz a concentração das riquezas nas

mãos de poucos e consequentemente contribui para o crescimento da miséria, da

marginalidade e da violência103

. As revoltas sociais são combatidas e controladas, então, pelo

aparato policial do Estado.

Em meados do século XIX, as consequências danosas desse modelo de Estado e a

eclosão das desigualdades sociais e dos conflitos gerados pelos abismos sociais104

ocasionaram reações contrárias.

No entanto, apesar da repressão estatal para conter a revolta dos dominados, o Estado

não é capaz de solucionar a crise social que eclode, agravada pela primeira guerra de

proporção mundial em 1914. Até que, em 1917, temos a primeira Constituição Social, no

México, e dois anos mais tarde na Alemanha, com a ampliação de direitos fundamentais

relativos à previdência, à educação e à saúde, além da previsão de maior intervenção do

Estado na economia.

Certamente, tais acontecimentos, além da crescente marcha do Estado Soviético

recém-formado após a Revolução Socialista de 1917, representavam grave ameaça aos

interesses dos grupos econômicos ocidentais. O Estado, então, na defesa dos interesses dos

grupos econômicos dominantes, adapta-se à nova realidade, incorporando gradativamente

valores sociais, no entanto, continua a assegurar o ideal capitalista.

102

João Maria Figueiredo, A configuração econômica do Estado na sociedade capitalista contemporânea,

Tese de Doutorado em Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Paraná. 103

O ser humano não é a finalidade do Estado de Direito, o que contribui para que a violência atinja índices

insuportáveis. Na década de 1990, o Brasil apresentava taxa de 26,3% homicídios por 100 mil habitantes,

ocupando a segunda posição entre os 60 países mais violentos do mundo (P. S. Pinheiro e G. A. de

Almeida, Violência urbana, p. 18.). Em 2012, o Brasil registrou a maior taxa de homicídios desde 1980: nada

menos do que 56.337 pessoas foram mortas naquele ano, num acréscimo de 7,9% frente a 2011. A taxa de

homicídios que leva em conta o crescimento da população também aumentou 7%, totalizando 29 vítimas fatais

para cada 100 mil habitantes (o levantamento é baseado no Sistema de Informações de Mortalidade – SIM –, do

Ministério da Saúde, que tem como fonte os atestados de óbito emitidos em todo o país. O autor do mapa, o

sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, diz que o sistema do Ministério da Saúde foi criado em 1979 e que produz

dados confiáveis desde 1980. As estatísticas referentes a homicídios em 2012, portanto, são recordes dentro da

série histórica do SIM. Fonte: Demetrio Weber e Odilon Rios, “Número de assassinatos cresceu 7,9% no país

entre 2011 e 2012”, O Globo, 27/05/2014, disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/mapa-da-violencia-

2014-taxa-de-homicidios-a-maior-desde-1980-12613765

765#ixzz38wgG2Af7>, acesso em 12/jun./ 2014. 104

Nunca houve, para um povo, maior dependência do que a enfermidade, a fome, a miséria, o analfabetismo e

a prostituição. Quem libertar a sociedade desses flagelos terá feito uma revolução (Paulo

Bonavides, Do estado liberal ao estado social, p. 211).

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Paulo Bonavides afirma que não haveria Estado Social de Direito sem a Revolução

Russa, já que a Revolução de 1917 apresentou ao mundo uma nova possibilidade de relações

sociais105

.

O liberalismo não estava estruturado para as transformações geradas pelas revoluções

burguesas, sobretudo o desenvolvimento industrial, que trouxe profundo impacto nas

sociedades ocidentais a partir do século XVIII.

O fracasso econômico do modelo liberal levou à descrença na autorregulação do

mercado, o que fez com que o Estado deixasse de ter uma atuação mínima e negativa. A

desigualdade que surgiu desencadeou reações contra o Estado Liberal e, em meio à pressão

social e para fazer frente aos ideais socialistas, surge a ideia de um Estado mais amplo que

passa a intervir na economia e na promoção de uma igualdade material (e não só formal),

promovendo o bem-estar social de seus cidadãos.

Em 1929, o crack da bolsa de Nova York e a Grande Depressão conduziram os

economistas à substituição das ideias econômicas ortodoxas (livre-mercado), surgindo a

necessidade de implantação de um “capitalismo de mercado”106

.

Não podemos deixar de citar aqui o período entre guerras, pois se trata de um período

importante de fortalecimento estatal que infelizmente descortinou ao mundo a face dos

sistemas autoritários conjugada à ascensão de extremismos ideológicos que culminou no

totalitarismo107

.

É desse período histórico, também, a Guerra Civil Espanhola, ocorrida entre 1936 e

1939, que resultou no confronto entre grupos de tendência esquerdista, que defendiam um

Governo Republicano, apoiados por sindicatos, partidos políticos de esquerda e defensores da

105

Paulo Bonavides, Do estado liberal ao estado social, p. 183. 106

Teoria de Jonh Maynard Keynes (1883-1946). Segundo o keynesianismo, que propunha a intervenção estatal

na vida econômica com o objetivo de conduzir a um regime de pleno emprego, o sistema capitalista tem um

caráter intrinsecamente instável. Significa dizer que, ao contrário do que sustentam os economistas de inclinação

mais ortodoxa, a operação da “mão invisível” (sugerida por Adam Smith) não produz a harmonia apregoada

entre o bem-estar global e o interesse egoístico dos agentes econômicos (consumidores, produtores e

assalariados), visto que, em busca de seu ganho máximo, o comportamento individual e racional destes agentes,

pode gerar crises a despeito do bom funcionamento das poderosas forças automáticas dos mercados livres. E

essas crises advêm de insuficiências de demanda efetiva. Nisso se aproxima de Marx, mas se afasta

radicalmente dele quanto ao método de análise e quanto ao futuro do sistema capitalista (síntese extraída da

leitura da obra John Maynard Keynes, Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda). 107

“A palavra totalitarismo refere-se a uma concepção política que se mostra em franca oposição à doutrina do

cidadão abstrato e do homem soberano, criada pelo liberalismo. Enquanto este se fundamentava na plena

autonomia individual, colocando a liberdade individual no ápice da escala de valores a ser respeitada pelo

Estado e atribuindo ao poder político apenas e tão somente a manutenção da origem pública, as duas doutrinas

totalitárias do século XX, fascismo e nacional-socialismo, vão mostrar poderosas reações a tal concepção”.

(Marcus Cláudio Acquaviva, Teoria Geral do Estado, p. 215). O Estado totalitário da esquerda é representado

pelo comunismo, e o de direita, pelo nazifascismo, ambos autoritários, com a aparência de Estados de Direito,

em que a ordem jurídica é vinculada e imposta por uma ideia total inegável. (Anderson de Menezes, Teoria

geral do Estado, p. 129).

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democracia e que contavam, ainda, com o apoio da União Soviética, em confronto com os

defensores do nazifascismo108

, que comandados pelo general Francisco Franco, tinham como

objetivo eliminar o crescente movimento comunista na Espanha e contavam com o apoio dos

setores conservadores e tradicionais da sociedade (Igreja, grandes latifundiários e o Exército)

e com a ajuda militar da Alemanha nazista e da Itália fascista, no intuito da implantação de

um governo autoritário, que acabou acontecendo quando Francisco Franco assumiu o poder

em abril de 1939, implantando um regime ditatorial de direita na Espanha109

.

A Guerra Civil Espanhola foi um dos últimos gritos da proposta de ascensão do

socialismo antes da Segunda Guerra Mundial pelas vias democráticas, um projeto de governo

de status social que deu certo.

O advento da Segunda Guerra e a lamentável experiência do Holocausto

representaram outro marco da história mundial, já que exigiram a necessidade de mudanças

de vários paradigmas, entre eles o da legalidade, já que, sob o pretexto da legalidade, o Estado

perpetrou verdadeiro extermínio legal de seres humanos.

Evoca-se, então, a necessidade do resgate da dimensão valorativa da estrutura jurídica

do Estado, uma vez que este passa a ser visto como protetor da dignidade humana. Destarte, o

Estado pós-guerra busca novos contornos para a sociedade. Nesse contexto, os Estados

Unidos da América, nova potência mundial, mantêm os interesses capitalistas com influência

em todo o mundo ocidental. Nos países capitalistas periféricos, apesar da existência de

Constituições Sociais, os Estados Unidos patrocinam ditaduras militares e governos

autoritários aptos a evitar a proliferação do ideal comunista, enquanto que na Europa

oferecem apoio financeiro para a construção de um novo modelo de Estado.

As transformações sociais, o acirramento das desigualdades e das mazelas da

exploração de classes ocasionou uma transformação também no modelo de atuação do Estado,

que, de braço da economia burguesa, agora, ainda que para manter o modo de produção

capitalista, passa ao estágio de Estado Social, assumindo o papel de garantidor de direitos

108

O fascismo surgiu na Itália em 1922, com a “marcha sobre Roma” que Mussolini empreendeu com seus

milicianos de “camisas negras”, impressionando o poder italiano, como chefe do governo, sob o reinado de

Vittorio Emmanuele III. O “Duce”, como se denominou, realizou reformas básicas e gradativas e inaugurou a

era do Estado totalitário fascista. O nazismo apareceu em 1933, quando Hitler, por meio de vitória eleitoral,

ascendeu ao poder na Alemanha, então sobre a república parlamentar de que era presidente o marechal

Hindenburg. Intitulou-se Führer e mobilizou seus “camisas pardas”, manejando o governo como chanceler do

Terceiro Reich. Também legislou gradativamente até dominar a sociedade alemã, mormente depois da morte de

Hindenburg. Difundiu-se o nazifascismo, e outros Estados fortes copiaram tal modelo, com diversos aspectos e

roupagens: em 1926, a Polônia do marechal Jozef Pilsudski; em 1933, Portugal de Salazar; em 1936, a Espanha

do general Francisco Franco; em 1937, o Brasil de Getúlio Vargas; em 1949, a Argentina de Perón. (Anderson

de Menezes, Teoria geral do Estado, p. 130). 109

Síntese extraída da leitura de Eric J. Hobsbawn, 1917- Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991.

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sociais, com o aumento da intervenção do poder público na economia. Emerge-se, então, o

Welfare State como alternativa para romper com a ordem econômica vigente e reestruturar as

economias fracassadas regidas pelos princípios liberais110

.

Para Paulo Bonavides, o Estado Social foi a grande revolução que se verificou nos

últimos tempos, vez que é a possibilidade de combate às mazelas sociais produzidas pelo

próprio capitalismo. Assim, traz uma proposta de concepção do Estado tanto como produto da

Revolução Francesa quanto da Revolução Socialista, vez que essas revoluções inauguraram

uma nova visão do homem – o homem “cidadão do universo”, haja vista os direitos

conquistados111

.

O autor ainda descreve as características desta nova concepção de Estado:

Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a

impaciência do quarto estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional

ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na

economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços,

combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa

própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede

o crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais,

enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita

dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende sua

influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área

da iniciativa individual, nesse instante o Estado pode com justiça receber a

denominação de Estado Social112

.

Com a ideia de Estado Social de Direito, há a humanização do interesse público e

surge a preocupação com a cidadania e com a dignidade da pessoa humana e não apenas com

os bens materiais. Surge a necessidade de o Estado reduzir as desigualdades sociais e

propiciar o bem-estar social da coletividade

Conforme Irene Nohara assevera:

(...) foi exigido do Estado um papel essencialmente positivo, ou seja, ele deixa de ser

'guarda-noturno', isto é, protetor da propriedade e da ordem pública, e passa a ser,

além de garantidor da segurança, prestador de serviços públicos, como saúde e

educação113

.

110

Luiz Carlos Bresser Pereira (org.), A Reforma do Estado nos Anos 90: Lógica e Mecanismos de Controle. 111

Segundo Bonavides, a Revolução Francesa deu origem ao Estado de Direito, e a Revolução Russa serviu de

inspiração para o mundo ocidental, para um Estado comprometido com a justiça social: “Não fora a Revolução

Socialista do século XX, o mundo estaria ainda atado à cruel liberdade individualista do capitalismo selvagem

do século XIX, da mesma forma que, sem a Revolução Francesa, continuaria o gênero humano vivendo debaixo

do cetro daqueles reis e rainhas, diante de cujo despotismo o povo se prostrava, coisificado e genuflexo, sem

direitos, sem liberdade, sem participação” (Paulo Bonavides, Do estado liberal ao estado social, p. 211). 112

Paulo Bonavides, Do estado liberal ao estado social, p. 208. 113

Irene P. Nohara, Direito Administrativo, p. 22.

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O Estado objetiva garantir a isonomia entre os seres humanos, intervindo na ordem

econômica e social na defesa de classes desfavorecidas, assumindo a responsabilidade na

execução de finalidades sociais e na promoção do bem-estar coletivo. Dessa forma, O Estado

é o detentor das prerrogativas, do poder para o cumprimento do dever que vem como

atividade premente de satisfação das necessidades públicas para promoção do bem comum.

A nova orientação proposta pela Administração Pública promove o desenvolvimento

dos direitos sociais, aumentando as responsabilidades do Estado e fazendo com que a

sociedade se torne gradativamente mais dependente da Administração Pública.

Com o crescimento dos chamados direitos sociais e econômicos, este ampliou

desmesuradamente o rol de suas atribuições, adotando diferentes atitudes: (...)

serviços públicos, entrando na categoria de serviços públicos comerciais, industriais

e sociais (...) intervenção no domínio econômico (...) o fomento como uma atividade

administrativa de incentivo à iniciativa privada de interesse público114

.

Certamente tal modelo estatal foi um avanço, mormente na garantia de direitos

individuais e na promoção dos direitos humanos, todavia, a ampliação da atuação em todos os

âmbitos sociais e a centralização dos serviços comprometeram a possibilidade de realização

desses serviços aos cidadãos, principalmente por causa da burocratização e da escassez de

recursos nos países em via de desenvolvimento115

.

A oferta de direitos sociais representa a possibilidade de a população ter acesso à

saúde, à educação e, assim, a mecanismos de organização para cobrar do Estado a efetivação

de políticas que garantam a sua inclusão no sistema social e econômico.

A classe dominante foi obrigada a fazer concessões para garantir a legitimidade do

capitalismo, incorporando gradativamente as reivindicações dos trabalhadores frente aos

ideais socialistas116

, atenuando, assim, os conflitos sociais oriundos do abismo social entre

ricos e pobres, e deste modo, garantir, ainda que minimamente, direitos sociais aos

trabalhadores.

114

Maria Sylvia Zanella di Pietro, Parcerias na Administração Pública: Concessão, Permissão Franquia,

Terceirização, Parceria Público Privada e Outras Formas, p. 56. 115

A ineficiência do Estado em cumprir seu dever é aumentada pela crise financeira dos países mais pobres.

Aqui são incluídos os países da América Latina, entre eles, o Brasil – ideia extraída de “Políticas sociais para o

desenvolvimento: superar a pobreza e promover a inclusão; Simpósio Internacional sobre Desenvolvimento

Social”. Organizadoras: Maria Francisca Pinheiro Coelho, Luziele Maria de Souza Tapajós e Mônica Rodrigues.

Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, UNESCO, 2010. 116

“À medida que o capitalismo se espraia por regiões mais vastas e penetra mais fundo em todos os aspectos da

vida social e do meio ambiente natural, suas contradições vão escapando mais e mais a nossos esforços de

controlá-las. A esperança de atingir um capitalismo humano, verdadeiramente democrático e ecologicamente

sustentável via se tornando transparentemente irrealista. Mas, conquanto esta alternativa não esteja disponível,

resta ainda a alternativa verdadeira do socialismo” (E. M. Wood, As origens do capitalismo, p. 129).

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As ações sociais do Estado são uma forma de legitimar o sistema capitalista, mas os

limites dessa ação são estabelecidos pela função básica do Estado: “garantir a manutenção do

trabalho como mercadoria”117

.

Dando ênfase ao lado social da passagem do liberalismo para o intervencionismo,

percebemos que esse momento se destaca pela luta dos movimentos dos trabalhadores na

busca de uma regulação, de uma promoção das questões sociais, tais como as relações de

produção e seus reflexos, a assistência e a previdência social, entre outras reivindicações

sociais que o Estado buscou assumir.

Realmente, trata-se de concessões da classe dominante que coincidem com os ciclos

de expansão e crise do capital e do resultado das lutas de classe. Esse raciocínio nos permite

concluir que, na forma de Estado de Bem-Estar, os trabalhadores obtiveram maiores êxitos em

suas lutas.

O Estado gradativamente vai sendo transformado de uma estrutura de manutenção da

exclusão social em um Estado sustentável, tendente ao combate das desigualdades, que deve

oferecer os meios para que os indivíduos sejam livres, ou seja, liberdade é ter acesso a direitos

sociais como educação, cidadania, trabalho justo, saúde, previdência e participação política. A

liberdade está atrelada à ideia de dignidade. O Estado, numa análise teórica, tem por bem o

homem, buscando a promoção de igualdade e liberdade com inclusão e desenvolvimento118

humano e social.

Este modelo de Estado foi o modelo predominante nos países ocidentais na segunda

metade do século XX, defendendo o desenvolvimento do mercado, contudo, acompanhado de

políticas públicas e da interferência do Estado na economia para corrigir os erros e proteger,

sobretudo, o ser humano, ou seja, o Estado é o organizador da política e da economia,

encarregando-se da promoção e da defesa social: atua ao lado de sindicatos e da sociedade

privada para garantir serviços públicos e proteção à população: trata-se da incorporação dos

valores sociais pelo Estado Democrático de Direito119

.

Surge, aqui, o dever do Estado em realizar serviços com escopo na satisfação das

necessidades públicas, intervindo na economia por meio de sociedades de economia mista,

117

Offe, Ob. cit., p. 139. 118

Trabalhando no campo da Teoria Econômica, Amartya Sen apresenta uma interpretação revolucionária do

conceito de “desenvolvimento”, promovendo uma reaproximação entre a ética e a economia e, com isso,

possibilitando a reumanização da segunda (Amartya Sen, Desenvolvimento como liberdade).

119 Com esta busca a um modelo intermediário entre o Estado Liberal e o Estado Socialista, passa-se da

Democracia Política para a Democracia Social, ou seja, da Ideologia Constitucional Liberal à Ideologia

Constitucional Social (Ivo Datas, Teoria do estado contemporâneo, p. 55).

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fundações e empresas públicas, ampliando, ainda, seu poder (prerrogativas para alcançar a

satisfação dessas necessidades).

Observamos a figura do Estado Social de Direito com o papel de promover e garantir a

justiça e os direitos sociais e, com o acréscimo de princípios democráticos às funções do

Estado Social, temos, então, a figura do Estado Democrático de Direito. Contudo, há uma

contradição básica neste modelo de Estado: está explicitamente orientado à maior proteção

aos trabalhadores e às minorias, mas é essencialmente uma instituição de uma sociedade

dominada pelo capital120

.

Nos países industrializados ocidentais, porém, foram observados os primeiros sinais da

crise do Welfare State, relacionada à crise fiscal provocada pela dificuldade cada vez maior de

harmonizar os gastos públicos com o crescimento da economia capitalista. Nessas condições,

retoma-se a luta de classes e o conflito entre “capital e trabalho”. As grandes organizações e

empresas capitalistas e as massas trabalhadoras já não se entendem e entram em conflito na

tentativa de assegurar seus próprios interesses, o que estudaremos no capítulo a seguir.

120

Claus Offe, Legitimacy versus Efficiency, p.138.

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2. O ESTADO CAPITALISTA NO CENÁRIO DE CRISE INSTITUCIONAL

2.1. O Estado Neoliberal

Quase dois séculos depois da Revolução Francesa, o mundo passou por um processo

de avanço tecnológico e aumento exacerbado do consumo. Este mundo é marcado pela

globalização da economia, uma vez que se faz necessária a fluidez de capitais, produtos e

serviços. Neste cenário econômico, a política é guiada pelo ideal neoliberal.

A propósito da palavra globalização, trata-se de uma “palavra que não estava em parte

alguma (mas que) passou a estar em toda parte”121

. A globalização surpreende, encanta,

assusta122

. Surpreende-nos com a velocidade com que rearticula as realidades, encanta com as

novidades e promessas, que anuncia um mundo panglossiano123

e ilusoriamente melhor124

e

que assusta ao evidenciar a fragmentação social, realizando várias formas de alienação,

percebidas como naturais no processo civilizatório125

; que mata a noção de solidariedade,

devolve o homem à condição primitiva do cada um por si e, como se voltássemos a ser

animais da selva, reduz as noções de moralidade pública e particular a um quase nada126

.

Assim, conceituamos a globalização como um dos processos de aprofundamento da

integração econômica, social, cultural127

e política dos Estados em escala mundial128

, ao passo

em que também ficam evidentes problemas estruturais, como o aprofundamento das

desigualdades sociais.

O horizonte mundializado129

da acumulação capitalista, denunciado por Marx e Engels

no Manifesto do Partido Comunista, ainda em 1848, tornou-se uma realidade incontestável,

e desta vez publicamente legitimado pelos gestores da nova ordem, visto que as empresas

organizaram-se de forma global e transnacionalmente, por meio da utilização dos sistemas de

comunicação telemática130

.

121

Anthony Giddens, A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-

democracia, p. 38. 122

Octavio Ianni, Teorias da globalização, p. 14. 123

Refere-se ao doutor Pangloss, personagem do romance Cândido, de Voltaire, definido pelo exagero de

otimismo, pela tendência em ver as coisas pelo melhor lado, mesmo com muitas adversidades. (Antônio Houaiss

e Mauro Sales Villar, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). 124

Mílton Santos, Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal, p. 18. 125

Octávio Ianni, Ob. cit., p. 197. 126

Mílton Santos, Ob. cit., p. 65. 127

P. Bernardin, Maquiavel Pedagogo: Ou o Ministério da Reforma Pedagógica, p. 68-69. 128

A. M. Slaughter, A new world order, p. 41-45. 129

“Mundialização” é um termo alternativo usado mormente na França, sendo classificada como um processo

de mutação tecnológica do capitalismo, de hipertrofia dos mercados financeiros e da crise do keynesianismo

(François Chesnais, A mundialização do capital, 1996). 130

Richard Sennet, A Corrosão do Caráter, 2004.

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A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de

produção e, por conseguinte, as relações de produção, portanto todo o conjunto das

relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção era, ao

contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores.

O contínuo revolucionamento da produção, o abalo constante de todas as condições

sociais, a incerteza e a agitação eternas distinguem a época burguesa de todas as

precedentes131

.

Novas hierarquias são formadas, as classes dominantes, fortalecidas, e a antiga classe

operária, responsável pelas reivindicações sociais e de resistência à exploração do capital,

além de perder espaço no cenário político para os novos movimentos sociais, assumiu ares de

“classe média” altamente diversificada e fragmentada132

.

Esse movimento de globalização do capital pode ser compreendido como um

movimento expansionista da economia para além das fronteiras das nações ante à necessidade

da retomada de crescimento do capitalismo e da taxa de lucratividade das classes homogêneas

em busca de novos campos de exploração por meio da criação de um mercado global.

Segundo Boaventura de Sousa Santos, a globalização neoliberal:

(...) corresponde a um novo regime de acumulação de capital, um regime mais

intensamente globalizado que os anteriores, que visa, por um lado, a dessocializar o

capital, libertando-o dos vínculos sociais, e políticos que no passado garantiram

alguma distribuição social e, por outro lado, submeter a sociedade no seu todo à lei

do valor, no pressuposto de que toda atividade social se organiza melhor quando se

organiza sob a forma de mercado. A consequência principal desta dupla

transformação é a distribuição extremamente desigual dos custos e das

oportunidades produzidos pela globalização neoliberal no interior do sistema

mundial, residindo aí a razão do aumento exponencial das desigualdades sociais

entre países ricos e países pobres e entre ricos e pobres no interior do mesmo país133

.

Trata-se, portanto, de uma “nova configuração do capitalismo mundial”134

em que o

Estado garante liberdade ao capital especulativo, transferindo lucros para sua economia.

Assim, para tornar o Estado mais atraente aos investimentos e ao “capital estrangeiro”, a

política neoliberal propõe o fim da intervenção estatal na economia, fazendo do mercado o

principal regulador da sociedade135

.

131

Karl Marx e Friedrich Engels, O Manifesto do Partido Comunista, p. 69. 132

Krishan Kumar, Da Sociedade pós-industrial à pós-moderna, 2006. 133

Boaventura de Sousa Santos, Trabalhar o mundo: os caminhos do novo internacionalismo operário, p. 11. 134

François Chesnais, A mundialização do capital, p. 13. 135

A resposta do capitalismo à crise foi a adaptação e o aproveitamento para consumo das suas mercadorias, por

um regime de “acumulação flexível” (David Harvey, Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens

da mudança cultural, 2005).

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Diante ao agravamento da crise do capital no final do século XX, os detentores do

capital136

reorganizaram as estratégias de dominação ideológica e de intervenção política e

econômica. Assim, há uma desconstrução do modelo anterior (produção em massa) e da

configuração do Welfare State nos países centrais, enquanto que nos países periféricos temos

a implementação de uma “estratégia de abertura e desregulação econômica com vistas a uma

transnacionalização radical dos centros de decisão e das estruturas econômicas”137

.

O modelo de Estado Neoliberal firma suas bases no período após a Segunda Guerra

Mundial, inicialmente na Europa e na América do Norte, porém, o grande impulso do modelo

de Estado Neoliberal aconteceu em meio às crises do modelo econômico do pós-guerra e com

a primeira crise do petróleo de 1973. Podemos apontar como texto marco da concepção

neoliberal a obra Caminhos da servidão, de 1944, escrita por Friedrich Hayek138

, e que seu

avanço se deu, principalmente, após a derrocada do comunismo na União Soviética e na

Europa Oriental, ocorrida entre 1989 e 1991, que representou uma reação política contra as

conquistas dos trabalhadores ocorridas no Estado do Bem-Estar Social.

Para os neoliberais, a diminuição do Estado era necessária, vez que o modelo do

Welfare State estaria superado139

, já que se tornou demasiadamente caro ao erário público.

Assim, deveriam ser deixadas para os entes privados as questões sociais e econômicas do

136

“Detentores do capital”: a burguesia que inicialmente se articulou para derrubar a antiga ordem vigente e

impôs as transformações econômicas, sociais e políticas a partir do fim do feudalismo, exerceu domínio sobre a

história, justamente por serem os detentores do capital. Visto que, uma vez conquistado o poder, a burguesia se

ocupou de garantir também a hegemonia ideológica; portanto, embora a nomenclatura “burguesia” possa estar

em desuso de acordo com as novas configurações do capitalismo, entendemos que os grupos hegemônicos e as

oligarquias pós-modernas guardam relação com essa elite dominante. A Professora Miriam Limoeiro Cardoso,

afirma: “Amparado nessas concepções, Florestan não atribui a dependência exclusivamente à dominação

externa. Pensa que o capitalismo possui a sua própria lógica econômica, que consiste exatamente na articulação

entre os mecanismos ‘de fora para dentro’ (dos centros capitalistas hegemônicos para as economias capitalistas

dependentes) e ‘de dentro para fora’ (da periferia para os centros hegemônicos). Quanto a esses dois fatores, o

externo e o interno, diz que ‘um não se fortalece sem ou contra o outro’. As burguesias locais tomam parte

importante nessa articulação. É por meio delas que a articulação se realiza. Por isso Florestan as identifica como

parceiras das burguesias hegemônicas. A dominação externa se duplica na dominação interna, e os setores

sociais dominantes internamente superexploram e, consequentemente, superdominam a massa da população

(população trabalhadora e população excluída) para garantir seus próprios privilégios e a partilha do excedente

econômico com as burguesias das economias hegemônicas. (Miriam Limoeiro Cardoso, “Capitalismo

dependente, autocracia burguesa e revolução social em Florestan Fernandes”, artigo do Instituto de Pesquisas

Avançadas da Universidade de São Paulo, disponível em:<http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos>, acesso

em 04/out./2015). 137

José Luís Fiori, 60 lições dos 90. Uma década de neoliberalismo, p. 11. 138

A obra de Hayek, escrita já em 1944, trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos

mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciados como uma ameaça letal à liberdade, não somente

econômica, mas também política. O alvo imediato de Hayek, naquele momento, era o Partido Trabalhista inglês,

às vésperas de vencer a eleição de 1945. Segundo o autor, apesar de suas boas intenções, a social-democracia

conduz ao mesmo desastre que o nazismo alemão (uma servidão moderna). Perry Anderson, “Balanço do

neoliberalismo”, In Emir Sader e Pablo Hentili (org.), Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado

democrático, p. 9-23. 139

“o apelo por justiça social vai de encontro com as normas básicas de uma sociedade de homens livres”

(Friedrich Hayek, O Caminho da servidão, p. 97).

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Estado, ou seja, propunham um retorno ao antigo modelo liberal140

, diferenciando-se apenas

no sentido de que o modelo neoliberal busca liberdades econômicas enquanto o Estado liberal

buscou liberdades políticas.

A grande doutrina do neoliberalismo é a repulsa à política intervencionista do Welfare

State. Por isso, os movimentos dos trabalhadores são eleitos pelos neoliberais como os

grandes vilões e responsáveis pela crise econômica, devido às pressões reivindicatórias

exercidas pela classe operária por melhores salários e condições de trabalho, ou seja, a

ampliação de direitos sociais que inevitavelmente estremecem as bases do capitalismo no

tocante à acumulação de capital.

Teóricos do neoliberalismo sustentam que as conquistas operárias, tais como a

previdência social, o subsídio de emprego, o salário mínimo e outras intervenções do Estado

para a garantia de direitos sociais, postuladas no Estado de Bem-Estar, bem como as

reivindicações da classe trabalhadora para a redução da jornada de trabalho, aumento salarial

e seguro-desemprego, representam verdadeiro perigo para a estabilidade do sistema

capitalista: seriam “imperfeições” introduzidas no mercado.

A proposta neoliberal surge como pretensa forma de correção dessas “distorções” e

expurgo das imperfeições do sistema; significa voltar a favorecer o crescimento da economia

capitalista, ao flexibilizar e fragmentar o trabalho. Em suma, o mercado deve servir como

base para a organização da sociedade, contudo, os direitos sociais e trabalhistas tornam

inviáveis a economia de livre empresa; assim, surge a necessidade de uma política que

viabilize a implementação de um Estado mínimo: eis o neoliberalismo141

.

Nas palavras de Antonio José Avelãs:

Os neoliberais voltam, assim, as costas à cultura democrática e igualitária da época

contemporânea, caracterizada, não só pela afirmação da igualdade civil e política

para todos, mas também pela busca da redução das desigualdades entre os

indivíduos no plano econômico e social, no âmbito de um objetivo mais amplo de

140

“Daí por que um novo liberalismo, propugnando por uma fórmula (neo)conservadora que resultava em

menos Estado e mais Mercado. O pensamento neoliberal era contraposto às práticas keynesianas adotadas na

época do regime militar” (Irene P. Nohara, Reforma administrativa e burocracia: impacto da eficiência na

configuração do direito administrativo brasileiro, p. 65).

141 Surgindo efetivamente na Europa e Estados Unidos, foi aplicado radicalmente por Margareth Tatcher na

Inglaterra e por Reagan nos E.U.A., com o objetivo de realizar a “estabilidade econômica”, que, por sua vez,

gerou grande corte social; inclusive, nos E.U.A., houve uma elevação do número de pessoas vivendo abaixo da

linha de pobreza, pela supressão das garantias de emprego, pelo bombardeamento da organização sindical, entre

outros fatos. (Nélson Paulo Lima, Como não privatizar: uma proposta para o Brasil, p. 35). Segundo Irene P.

Nohara: “foi do Latin American Adjustemente: how much has happened?, em 1989, a convite da entidade de

caráter privado denominada Institute for International Economics, que surgiu o receituário adotado

posteriormente como paradigma pelo FMI e pelo Banco Mundial de condição para a renegociação da dívida ou

a concessão de créditos países latino-americanos” (Nohara, 2012, p. 69).

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libertar a sociedade e os seus membros da necessidade e do risco, objetivo que está

na base dos sistemas públicos de segurança social142

.

A proposta neoliberal pode ser cotejada com a ideia de Estado de Marx, para quem “o

executivo do Estado moderno é um comitê para administrar os negócios de toda a

burguesia”143

.

Da mesma forma o neoliberalismo visa converter o Estado em uma agência de

ajustamento das práticas políticas da economia nacional. Alguns dos seus ideais mais

específicos e mais gerais expressam-se em metáforas como a “nova ordem mundial” e “aldeia

global”. Os principais guardiões dos seus ideais e práticas têm sido o FMI, o Banco Mundial,

o BIRD e a OMC:

Há um processo transacional de formação de consenso entre os guardiões oficiais da

economia global. Este processo gera diretrizes consensuais, escoradas por uma

ideologia da globalização, que são transmitidas aos canais de formulação de

políticas de governos nacionais e grandes corporações. Parte deste processo de

formação de consenso desenvolve-se em foros não oficiais, como a Comissão

Trilateral, as conferências de Bildeberg ou a mais exotérica Sociedade Mont Pélerin.

Parte dele caminha através de organismos oficiais como a Cooperação Econômica e

o Desenvolvimento (OECD), o Banco Internacional de Pagamentos, o Fundo

Monetário Internacional (FMI) e o Grupo dos 7 (G7). Eles são forma ao discurso no

qual as políticas são definidas, assim como os termos e os conceitos que

circunscrevem o que pode ser pensado e feito. Também articulam as redes

transacionais que vinculam formuladores de políticas de país em país. O impacto

estrutural desta centralização de influências nas políticas de governos nacionais pode

ser denominado de internacionalização do estado. A sua influência mais comum é

converter o Estado em uma agência para ajustamento das práticas e políticas da

economia nacional às exigências estabelecidas pela economia global. O Estado

torna-se uma correia de transmissão da economia global à economia nacional, a

despeito de ter sido formado para atuar como bastião da defesa do bem-estar

doméstico em face dos distúrbios de origem extrema. Dentro do estado, o poder se

concentra nas agências mais diretamente ligadas à economia global: escritórios do

presidente, do primeiro ministro, do ministro da fazenda e do diretor do Banco

Central. As agências mais diretamente identificadas com a clientela doméstica, tais

como os ministérios da indústria, do trabalho e outros são subordinados144

.

O Neoliberalismo pretende transformar o Estado em uma agência de ajustamento

político da economia dos países às exigências da economia global. Assim, a economia, agora

em escala globalizada, continuará sendo regida pelo mercado organizado em grandes

conglomerados econômicos, reduzindo o governo a uma posição meramente arbitral.

Para esta visão política, o Estado deve empreender esforços para propiciar segurança

negocial e investir recursos na criação de infraestrutura, de forma que políticas sociais são

tidas como sobrecarga em seu orçamento. Contudo, a não intervenção do Estado na economia

142

António Avelãs Nunes, O Estado capitalista e as suas máscaras, 2013. 143

Karl Marx e Friedrich Engels, Ob. Cit., p. 69. 144

Otávio Ianni, A sociedade global, p. 8-9.

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resultaria no esfacelamento de suas instituições e diluição de sua soberania, posto que o

controle político do mercado estaria entregue à privilegiada e homogênea elite formada por

poderosos capitalistas.

Sobre o assunto, afirma Bauman: “devido à total e inexorável disseminação das regras

de livre mercado e, sobretudo, ao livre movimento do capital e das finanças, a ‘economia’ é

progressivamente isentada do controle político”145

.

O neoliberalismo atual retrata a reafirmação da hegemonia de países ricos como os

Estados Unidos da América na economia mundial, principalmente após o declínio da oposição

do socialismo liderado pela antiga União Soviética. Compartilham deste entendimento

economistas como Giovanni Arrigui que afirma:

Graças a sua transterritorialidade e a sua especialização funcional, o número de

empresas multinacionais que prosperaram sob a hegemonia norte-americana tem

sido incomparavelmente maior. Uma estimativa de 1980 situou o número de

companhias transnacionais em mais de 10 mil, e o número de suas afiliadas

estrangeiras em 90 mil (Sropford e Dunning, 1983, p.3). No início da década de

1990, segundo outra estimativa, essas cifras haviam se elevado para 35 mil e 175

mil, respectivamente (The Economist, 27 de março de 1993, p. 5, citado em Ikeda,

1993)146

.

O falso sucesso da experiência socialista, que, principalmente entre as décadas de

1950 a 1970, alavancou, aparentemente, estrondoso crescimento econômico na União

Soviética e também na China, declinou-se gradativamente com o processo de abertura chinesa

em 1979 e, posteriormente, com a própria crise soviética na década de 1980. Ao que tudo

indica, revelou-se como o estopim para a inauguração de um novo processo em que, em

grande parte, a alternativa do socialismo liberalizante cedeu espaço para um capitalismo

social, com novas feições resultantes do retorno da liderança hegemônica dos Estados Unidos

e, por efeito, de seu sistema econômico neoliberal147

.

Com o fim da bipolarização do mundo, foi estabelecida a “Nova Ordem Mundial”.

Esse termo foi utilizado pela primeira vez pelo então presidente dos Estados Unidos, Ronald

Reagan, fazendo menção ao processo de dissolução da antiga União Soviética148

, que

demandava uma reengenharia mundial quanto às relações internacionais entre todos os

Estados. Na visão dos Estados Unidos, uma vez que não tinham mais um concorrente direto

145

Zygmunt Baumann, Globalização: as consequências humanas, p. 73.

146 Giovanni Arrigui, O longo século XX, p.74.

147 Reis Friede. Curso de ciência política e Teoria Geral do Estado - Teoria Constitucional e Relações

Internacionais, p. 362. 148

Segundo Sun Tzu, “a glória suprema consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar”. (Sun Tzu, A

arte da guerra, p. 25), e o capitalismo sempre se articulou para evitar a expansão de qualquer ideologia ligada à

lógica do acúmulo de capital e da exploração do trabalho.

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na busca da dominação econômica e política no globo, os demais Estados mundiais deveriam

se acostumar com a ideia de liderança norte-americana para o desenvolvimento mundial.

O neoliberalismo como política dominante nos países capitalistas ocidentais, liderados

pelos Estados Unidos, contribuiu de certa forma para o alcance da “exaustão econômica” da

União Soviética. Assim, os Estados Unidos (principalmente as empresas e bancos que dirigem

o país) expandiram seu sistema econômico por todo o mundo149

.

O desmantelamento da União Soviética150

e a capitulação da China Comunista

promoveu a líder mundial a única superpotência que restou: os Estados Unidos da América,

transformados numa hiperpotência desses novos tempos do pós-Guerra Fria. O

desaparecimento das fronteiras ideológicas e econômicas, com a subsequente absorção das

antigas potências comunistas pelo mercado internacional, promoveu Washington como a sede

da hegemonia dos norte-americanos sobre o mundo inteiro.

Importante mencionar que neste período a indústria da guerra sustentou a economia e

a própria legitimidade do Estado ao longo do século XX151

. Foi um período em que ocorreram

grande número de mortes152

, por guerras internas, inclusive inúmeros genocídios, que

acompanharam a ascensão comercial dos EUA, que promove até hoje conflitos entre as

nações153

. Assim, a globalização traz uma nova reflexão sobre a soberania e sobre as

fronteiras transnacionais.

149

Gabriel Augusto Miranda Setti, “A hegemonia neoliberal e o capitalismo contemporâneo”, In Revista

Urutágua, 2012. 150

“A implosão do bloco soviético iniciou-se com o governo de Gorbachov, quando este anunciou que não mais

interferiria nos Estados do Pacto de Varsóvia. Vários Estados foram desvinculando-se da União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas – URSS –, o que levou à criação da Comunidade dos Estados Independentes – CEI –,

composta de algumas das antigas repúblicas soviéticas”. In Roberto Luiz Silva, Direito internacional

resumido, p. 24. 151

Poucas companhias no mundo desfrutam de uma situação tão privilegiada quanto as empresas da indústria

bélica americana. Em 2003, as vendas do setor alcançaram a estrondosa cifra de 150 bilhões de dólares (maior

que o PIB da Argentina, por exemplo), o que é um assombro para qualquer negócio. O grande momento da

indústria bélica americana foi a Segunda Guerra Mundial. Foi a partir dali que empresas até então civis

passaram a produzir para o setor (Carolina Meyuer, “A indústria de 150 bilhões”, Revista Exame, 06/07/2004,

disponível em <http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/821/noticias/a-industria-de-150-bilhoes-

m0051720>, acesso em 10/jul./2015). 152

Albert Einstein, em carta dirigida a Freud, datada de 30 de julho de 1932, diante da proposta da Liga das

Nações, demonstra a preocupação da comunidade científica com a destruição que é produzida pela guerra e se

apavora com o lado mercenário de uma pequena casta: “Essa fome de poder político está acostumada a medrar

nas atividades de um outro grupo, cujas aspirações são de caráter econômico, puramente mercenário. Refiro-me

especialmente a esse grupo reduzido, porém decidido, existente em cada nação, composto de indivíduos que,

indiferentes às condições e aos controles sociais, consideram a guerra, a fabricação e a venda de armas

simplesmente como uma oportunidade de expandir seus interesses pessoais e ampliar a sua autoridade pessoal”

– Sigmund Freud, Por que a guerra?, p. 237-259 (Edição Standard Brasileira, 1977, p. 241). 153

Os Estados Unidos fomentaram no Oriente Médio a maioria dos conflitos hoje existentes. Israel é a nação

que recebe maior ajuda financeira norte-americana, apesar de ter atualmente o 4º Exército Mundial. Osama Bin

Laden foi recrutado, treinado e financiado para lutar contra a invasão soviética no Afeganistão. Sadam Hussein

foi da mesma forma financiado para combater e deter o avanço do Estado iraniano pós-Reza Pahlevi. (Valdênio

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Sob essa ótica, podemos sustentar que, da mesma forma que o liberalismo serviu para

confirmar a ascensão e o domínio comercial da Inglaterra, o neoliberalismo confirma a

ascensão dos Estados Unidos e sua dominação no comércio mundial, propiciando a intenção

de penetração em todos os mercados nacionais.

Para o neoliberalismo, o Estado Social provoca o desajuste do mercado, o que

significa restrição à expansão da iniciativa privada. Portanto, temos a reutilização da

expressão de Adam Smith “mão invisível”154

do mercado, isto é, o Estado Neoliberal não quer

se preocupar com políticas sociais, portanto, um Estado submisso às leis do mercado; os

neoliberais não concordam com os movimentos dos trabalhadores155

, defendem a

desregulamentação geral da economia, buscam a eliminação do controle de preços, o fim da

rede pública de proteção social, a privatização de empresas públicas; defendem a existência

de uma taxa natural de desemprego; buscam a disciplina orçamentária do Estado e a

estabilidade da moeda, através de cortes de gastos públicos, prioritariamente os gastos

sociais156

.

É possível, portanto, apontarmos a modificação do papel do Estado a partir do

paradigma do estado Liberal de Direito, inaugurado com a Revolução Francesa sob a

influência econômica do pensamento de Adam Smith (laissez-faire, laissez-passer), tendo o

Estado um papel abstencionista e potencial violador das garantias individuais. Com as

reivindicações sociais pós-Revolução Industrial, temos a figura do Estado Social de Direito

com papel positivo, promotor e garantidor da justiça e de direitos sociais e, em um terceiro

momento, com o acréscimo de princípios democráticos às funções do Estado Social, temos o

A. Caminha, “A nova ordem mundial“, Revista Jus Navigandi, ano 8, n. 66, 1/jun./ 2003, disponível

em <http://jus.com.br/artigos/4123>, acesso em 19/out./2015). 154

Adam Smith considera que a economia deva funcionar baseada em ações de indivíduos que busquem os

próprios interesses privados guiados pela racionalidade instrumental. Não se trata de uma ordem econômica

benevolente, pelo contrário, guia-se por fins egoísticos e individualistas, mas gratifica a sociedade, já que,

segundo ele, se encontra coordenada anonimamente pela “mão invisível” do mercado: “já que cada indivíduo

procura, na medida do possível, empregar o seu capital em fomentar a atividade (...) e dirigir de tal maneira essa

atividade que seu produto tenha o máximo valor possível, cada indivíduo necessariamente se esforça por

aumentar ao máximo possível a renda anual da sociedade. Geralmente, na realidade, ele não tenciona promover

o interesse público nem sabe até que ponto o está promovendo (...) [Ao empregar o seu capital] ele tem em vista

apenas sua própria segurança; ao orientar sua atividade de tal maneira que sua produção possa ser de maior

valor, visa apenas o seu próprio ganho e, neste, como em muitos outros casos, é levado como que por uma mão

invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções. Aliás, nem sempre é pior para a

sociedade que esse seu objetivo não faça parte das intenções do indivíduo. Ao perseguir seus próprios objetivos,

o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quanto tenciona

realmente promovê-lo”. (Adam Smith, A riqueza das nações - Investigação sobre sua natureza e suas

causas, p.379). 155

“A desregulação e a tentativa de flexibilização do regime trabalhista, num cenário de crise, têm potencial de

fazer com que as pessoas não exerçam controle sobre suas vidas profissionais. Sem segurança no emprego, elas

acabam não tendo voz ativa nas instituições às quais pertencem” (Nohara, 2002, p. 68).

156 Gregório Iriarte, Neoliberalismo sim ou não? Manual destinado a comunidades, grupos e organizações

populares, p. 34.

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Estado Democrático de Direito, cuja crise do modelo exige ações globais da economia, que,

por meio de uma política neoliberal e sob a pressão dos organismos de financiamento

internacionais, afasta novamente o Estado das decisões políticas, para promover a abertura do

mercado econômico157

.

Ao manter o Estado privado de seu poder em razão dessa nova ordem mundial, temos,

além da perda da capacidade do controle estatal, crescentes déficits de legitimação no

processo decisório e a progressiva incapacidade de provar ações de comando e de

organização158

, reacendendo as antigas intolerâncias relacionadas à crise econômica e social e

a progressiva ausência de perspectiva de inclusão de parcela substancial da população

mundial159

.

2.2. Neoliberalismo e exclusão social

Como vimos, o liberalismo clássico foi a mola propulsora da economia capitalista,

tornando-se uma corrente doutrinária e ideológica fundamental tanto para a economia quanto

para a política dos Estados modernos. Com as bases do liberalismo clássico erigiu-se o projeto

hegemônico burguês para suplantar as estruturas feudais que atravancavam o livre

desenvolvimento e se opunham ao jogo das forças econômicas.

Foi no liberalismo clássico que foram firmadas as bases do sistema capitalista com o

respeito à livre iniciativa e à livre concorrência, a proteção ao direito da propriedade privada,

da liberdade individual, da regulação do trabalho e da segurança jurídica para produção e

circulação de produtos.

Para Norberto Bobbio, “o liberalismo é, como teoria econômica, defensor da economia

de mercado; como teoria política, é defensor do Estado que governe o menos possível ou,

como se diz hoje, do Estado mínimo (isto é, reduzido ao mínimo necessário)”160

.

O neoliberalismo submete o Estado aos interesses do mercado e de grupos

hegemônicos transnacionais, assim, a força financeira desses grupos sobrepuja a própria

soberania estatal. Destarte, “os atores não estatais desdenham da soberania dos Estados-Nação

e trabalham com afinco na corrosão de determinadas funções do Estado”161

.

157

Irene P. Nohara, Direito Administrativo, p. 28-29. 158

Jürgen Habermas, “Nos limites do Estado”, Folha de S. Paulo, 19/ jul./ 2002, p. 4-7. 159

Nohara, 2015, p. 25. 160

Norberto Bobbio, O Futuro da Democracia, p. 128. 161

Nicolao Dino de Castro Costa, “Direito e Neoliberalismo”, Revista de Informação Legislativa, Brasília,

2003, disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/914>, acesso em 10/abr./ 2014.

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O novo cenário político e econômico da pós-modernidade mantém velado, sob nova

roupagem, a luta de classes surgida desde o aparecimento do binômio capital-trabalho, sendo

a desigualdade entre classes cada vez mais latente, pois, buscando enfrentar a crise estrutural

do capitalismo no final do século XX e impor a retomada de sua lucratividade, as novas

oligarquias162

promovem o enfraquecimento do Estado e o retrocesso dos direitos sociais dos

trabalhadores.

O capital como demonstrou Marx nos Grundrisse, tende necessariamente ao limite

mais externo de um mercado global, que representa também a sua situação de

máxima crise (visto que não é possível maior expansão): essa doutrina é para nós,

hoje, muito menos abstrata do que era no período moderno; ela designa uma

realidade conceitual que nem a teoria nem a cultura podem postergar para um tempo

futuro163

.

A proposta neoliberal que busca favorecer o crescimento da economia capitalista

flexibiliza e fragmenta o trabalho aumentando o desemprego e acirrando as desigualdades

sociais, pois os detentores do poderio econômico, na busca pela expansão do mercado e

aumento de seus dividendos164

, são alheios aos interesses nacionais e, portanto, insensíveis à

fração da população excluída deste processo pelo aprofundamento do abismo entre ricos e

pobres165

.

O Estado, por sua vez, submisso aos interesses dominantes, impõe a privatização e

descentralização de suas políticas sociais. Com o enfraquecimento do Estado, assistimos à

gradativa falência dos serviços sociais públicos, pois, ao favorecer a sustentação do capital, há

uma distribuição desigual do fundo público.

Com a economia desatrelada do controle político, os grupos hegemônicos que

cooptam o Estado forjam sua “desresponsabilização”166

no que concerne à garantia dos

162

“Grupo de algumas pessoas poderosas que dominam uma parte dos interesses de um país. / Figurativamente:

Autoridade, preponderância ou influência de pequeno número de pessoas. / Forma de governo na qual um

pequeno grupo de pessoas detém o poder” (Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, Dicionário Aurélio Básico

da Língua Portuguesa, 1988).

163 F. Jameson, As sementes do tempo, p. 41.

164 Nesse sistema, como apontou Immanuel Wallerstein, “acumula-se capital a fim de se acumular mais capital.

Os capitalistas são como camundongos numa roda, correndo sempre mais depressa a fim de correrem ainda

mais depressa” (Immanuel Wallerstein, O capitalismo histórico, civilização capitalista, p. 34). 165

A contribuição da economia capitalista ao desenvolvimento das nações pobres da América Latina e África

são cada vez menores a cada década, em contrapartida, os malefícios do sistema como: depredação do meio

ambiente e dos recursos naturais, destruição da vida no planeta, e a consequente disseminação da fome,

desastres naturais e epidemias, não param de aumentar. Sem mencionar a piora sistemática da distribuição da

riqueza no planeta, pois resta evidente que o “movimento atual do capitalismo é cada vez mais excludente”

(CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996, p.33). 166

“As políticas sociais entram neste cenário caracterizadas por meio de um discurso nitidamente ideológico.

Elas são: paternalistas, geradoras de desequilíbrio, custo excessivo do trabalho, e devem ser acessadas via

mercado. Evidentemente, nessa perspectiva, deixam de ser direito social. Daí as tendências de

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direitos sociais, deixando a população nacional à margem de sua própria sorte, desencadeando

um movimento de regressão dos direitos e das políticas públicas, agravando a questão social

com o empobrecimento dos trabalhadores e a marginalização dos excluídos.

Segundo Vicente de Paula Faleiros:

a exclusão é um processo dialético e histórico decorrente da exploração e da

dominação com vantagens para uns e desvantagens para outros com impactos de

disparidade, desigualdade, distanciamento, inferiorização, perda de laços sociais,

políticos e familiares com desqualificação, inacessibilidade a serviços,

insustentabilidade e insegurança167

.

O modelo neoliberal de organização política e econômica retira dos Estados sua

função de zelar pelo bem de todas as pessoas e representa um retrocesso social, gerando

benefícios apenas a uma pequena parte da população. Em contrapartida, causa efeitos no

campo social, agravando os índices de desemprego e miséria.

O avanço tecnológico e o elevado corte de gastos em busca de competitividade

internacional ocasionam índices de desemprego alarmantes, com a criação de uma grande

massa de trabalhadores “desqualificados” (ou com baixa qualificação) excluídos do mercado

de trabalho.

Esta política de exclusão social compromete os princípios fundamentais do Estado do

Bem-Estar Social, como o da dignidade da pessoa, do valor social do trabalho, a erradicação

da pobreza e a redução das desigualdades sociais.

Para Emmanuel Teófilo Furtado:

o neoliberalismo não pode se manter e se desenvolver em cenário no qual esteja

aberta a instância de aquisição de direitos, o exercício da cidadania e a busca de

ampliação de direitos. O neoliberalismo vai propagar que o aumento de direitos tem

uma dimensão antieconômica168

.

As políticas antissociais do neoliberalismo aumentam as desigualdades cada vez mais

acentuadas da distribuição da riqueza produzida, o que nos faz pensar no papel do Estado na

era da sociedade de massas.

Dentro de um contexto histórico, o liberalismo promoveu graves equívocos no campo

do desenvolvimento da humanidade, influenciou a vida em sociedade por meio de uma

desresponsabilização e desfinanciamento da proteção social pelo Estado, o que, aos poucos – já que há

resistências e sujeitos em conflito nesse processo eminentemente político – vai configurando um Estado mínimo

para os trabalhadores e um Estado máximo para o capital” (Elaine Rosseti Behring, Brasil em contrarreforma:

desestruturação do Estado e perda de direitos, p. 64).

167 V.P. Faleiros, “Inclusão Social e Cidadania”, In Debates Sociais, n°65/66, ano XLI, p. 109.

168 Emmanuel Teófilo Furtado, Preconceito no trabalho e a discriminação por idade, p. 290.

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revolução política e econômica, a qual introduziu a ética capitalista individualista,

contribuinte dos processos de exclusão social.

Marx e Engels169

afirmavam que, ainda que o capitalismo pregue a igualdade e a

ascensão social com base no trabalho, a consolidação do modelo burguês com o avanço da

industrialização, por meio da propriedade privada dos meios de produção, teria agravado a

desigualdade política e econômica com a instituição da “mais valia” e a manutenção dessa

inerte divisão de classes. Desse modo, cada sociedade legitimaria o tipo de desigualdade

social a ela inerente, ou seja, a desigualdade é derivada de uma ideologia.

Para Hannah Arendt, “o processo de acúmulo de riqueza, tal qual o conhecemos,

somente seria possível se o mundo e a própria humanidade fossem sacrificados”170

. Em um

primeiro momento, essa alienação teria se evidenciado pela miséria e pela pobreza material de

muitos trabalhadores, destituídos de direitos fundamentais, em benefício do enriquecimento

de poucos.

Maria Luiza Feitosa, citada pelo Professor Vladmir Silveira171

, afirma que a exclusão

social não obrigatoriamente pressupõe exploração, vez que o incluído não precisa do excluído

(à margem do sistema produtivo), diferentemente do explorador, que precisa do explorado.

Ou seja, a exclusão pode transcender a pobreza e a desigualdade social, por abranger mais do

que aspectos econômicos e sociais, mas, sobretudo, oportunidades sociais e capacidades

individuais que são privilégios de poucos, principalmente nos países pobres marcados pelo

subdesenvolvimento e pela dependência econômica.

O fato é que a globalização trouxe profundos impactos nas relações sociais,

concentrando ainda mais a riqueza gerada no sistema e aumentando a marginalização e a

exclusão social. Os 20% mais ricos da população mundial dispõem de uma renda 82 vezes

maior que a dos 20% mais pobres, sendo que dos seis bilhões de habitantes do planeta, apenas

500 milhões vivem na fartura, enquanto 5,5 bilhões continuam a passar necessidades172

.

A globalização agrava as desigualdades sociais. Para Boaventura Santos, a iniquidade

da distribuição da riqueza mundial se agravou nas últimas décadas. Visto que entre os países,

“a diferença de rendimento entre o quinto mais rico e o quinto mais pobre era, em 1960, de 30

169

Karl Marx e Friedrich Engels, O Manifesto do Partido Comunista, 1996. 170

Hannah Arendt, A condição humana, p. 102. 171

Maria Luiza Alencar Mayer Feitosa, “Exclusão social e pobreza nas interfaces entre o direito econômico do

desenvolvimento e o direito humano ao desenvolvimento”, In Vladmir Oliveira da Silveira; Samyra Haydêe Dal

Farra Naspolini Sanches; e Mônica Benetti Couto (org.), Direito e Desenvolvimento no Brasil do Século XXI,

pp. 103-121. 172

Ignácio Ramonet, Propagandas silenciosas: massas, televisão, cinema, 2002, apud Adriane de Sousa

Camargo, Globalização e Hegemonia nas Relações Internacionais: o caso da Via Campesina por uma

perspectiva gramsciana, p. 41.

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para 1, em 1990 de 60 para 1 e em 1997 de 74 para 1173

“. De acordo com o Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 20% da população mundial (países ricos)

detinham em 1997, 86% do produto bruto mundial, enquanto os 20% mais pobres detinham

apenas 1%174

. Em 2005, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou dados que

demonstraram o grande abismo entre ricos e pobres: “os 500 indivíduos mais ricos do mundo

têm um rendimento conjunto maior do que o rendimento dos 416 milhões de pessoas mais

pobres.”175

.

Por conta da intensificação da implantação do projeto neoliberal, com crescente

redução de custos do Estado e aumento de lucro das empresas capitalistas, tem havido

inúmeras demissões de trabalhadores, terceirização e inferiorização de outros por meio da

diminuição dos salários. As empresas nacionais se tornam transnacionais, e as economias dos

Estados locais também caminham para sua consolidação com o projeto capitalista global

aprofundando as desigualdades e a exclusão nos Estados nacionais e aumentando a pobreza

das classes subordinadas.

Dentro de um contexto de diminuição do poder do Estado é que constatamos a

intensificação das desigualdades sociais, desigualdades constatadas tanto entre as nações,

como interna e individualmente nos Estados, onde o abismo entre ricos e pobres, ou seja, a

manutenção e a ampliação da luta de classes são cada vez maiores. “As riquezas são globais, a

miséria é local – mas não há ligação causal entre elas, pelo menos não no espetáculo dos

alimentados e dos que alimentam”176

.

A globalização aumentou a diferença entre países ricos e pobres no mundo. Entre os

números, estão os seguintes: 185 milhões de pessoas estão desempregadas no planeta (6,2%

da força de trabalho), um recorde; a diferença entre países ricos e pobres aumentou desde o

começo dos anos 1990s, com um grupo minoritário de nações (que representa 14% da

população mundial) dominando metade do comércio mundial177

.

173

Boaventura de Sousa Santos, “Os processos de globalização”, In: Boaventura de Sousa Santos (Org.),

Globalização: fatalidade ou utopia?, p. 40. 174

Boaventura de Sousa Santos, “Os processos de globalização”, In: Boaventura de Sousa Santos (Org.),

Globalização: fatalidade ou utopia?, p. 39. 175

Boaventura de Sousa Santos, A gramática do tempo: para uma nova cultura política, p. 333. 176

Zygmunt Bauman, Globalização: as consequências humanas, p. 82. 177

Aponta estudo da ONU (Organização das Nações Unidas), divulgado em 2004: o levantamento “A Fair

Globalization” (“Uma Globalização Justa”) foi realizado em parceria com a OIT (Organização Internacional do

Trabalho) e conduzido por 26 pessoas, incluindo políticos, economistas, representantes de empresas, sindicatos

e da sociedade civil, além de acadêmicos. Entre os membros do grupo estavam Joseph Stiglitz (Nobel de

Economia) e a antropóloga Ruth Cardoso, ex-primeira-dama brasileira. Os autores reconhecem que a

globalização propiciou sociedades e economias abertas, assim como maior liberdade para o intercâmbio de bens,

ideias e conhecimentos, mas que a pobreza (quem vive com US$ 1 ou menos por dia) cresceu em praticamente

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A aceleração do capitalismo globalizado por meio de investimentos e ajustes

estruturais nas políticas econômicas dos países pobres produziu também o aumento, em escala

jamais vista, da desigualdade econômica e social no mundo. Diversos dados apontam para o

abismo existente entre os centrais e os periféricos no globo178

.

Nos últimos trinta anos a desigualdade na distribuição dos rendimentos entre países

aumentou dramaticamente. A diferença de rendimento entre o quinto mais rico e o

quinto mais pobre era, em 1960, de 30 para 1, em 1990, de 60 para 1 e, em 1997, de

74 para 1. As 200 pessoas mais ricas do mundo aumentaram para mais do dobro a

sua riqueza entre 1994 e 1998. A riqueza dos três mais ricos bilionários do mundo

excede a soma do produto interno bruto dos 48 países menos desenvolvidos do

mundo179

.

Segundo Boaventura Santos, com base nos Relatório do Programa para o

Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD, 2001), mais de 1,2 bilhões de pessoas, pouco

menos que 25% dos habitantes do planeta, vivem na pobreza absoluta (com um rendimento

inferior a um dólar por dia). Além disso, o grupo dos países pobres, onde vive 85,2% da

população global, detém apenas 21,5% do rendimento mundial, enquanto o grupo dos países

ricos, com pouco mais de 14% da população global, detém 78,5% do rendimento produzido

no mundo180

.

As desigualdades e mazelas perpetradas pelo modelo burguês de condução do mundo

estão expostas, os excluídos pelo sistema não exigem a observância dos seus direitos, muitos

sequer conhecem os direitos assegurados pelo ordenamento jurídico, o que se torna

interessante para conter gastos na política neoliberal, pois, quanto menos se exige do Estado,

menor a sua atuação como provedor dos direitos sociais181.

Destarte, é preciso uma reflexão acerca da problemática social neste processo de

globalização econômica que não fomenta o desenvolvimento da sociedade, mas, tão somente,

todo o mundo, notoriamente na América Latina, na Europa Oriental e na África (Gilberto Dimenstein,

“Globalização aumenta a desigualdade, diz ONU”, Folha de São Paulo, 25/02/2004, disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/noticias/gd250204.htm>, acesso em 19/05/2015). 178

Gustavo Corrêa Matta, A medida política da vida: a invenção do WHOQOL e a construção de políticas

de saúde globais, Tese de doutorado para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina

Social, 2005. 179

Boaventura de Souza Santos, “Os processos da globalização”, In B. Santos (org.), A globalização e as

ciências sociais, p. 32. 180

“Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano do PNUD relativo a 1999, os 20% da população

mundial a viver nos países mais ricos detinham, em 1997, 86% do produto bruto mundial, enquanto os 20%

mais pobres detinham apenas 1%” (Boaventura de Souza Santos, “Os processos da globalização”, In: B. Santos

(org.), A globalização e as ciências sociais, p. 32-36). 181

Priscilia Sparapani, “O modelo de estado brasileiro contemporâneo: um enfoque crítico”, In Âmbito

Jurídico, XV, n. 98, disponível em:<http://www.ambito‐juridico.com.br/site/>, acesso em 10/mai./2014.

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a acumulação de lucros para os detentores do grande capital182

, distribuindo a riqueza

socialmente produzida de forma desigual, promovendo, assim, a exclusão social e a

fragmentação da sociedade civil, promovendo um neocolonialismo183

ligado à expansão dos

países capitalistas centrais sob a égide dos EUA e de órgãos multilaterais e de organizações

internacionais, como: FMI, OMC, Banco Mundial, OCDE, ONU.

A globalização, enquanto neocolonialismo, representa verdadeiro golpe na estrutura

do Estado Democrático de Direito, que, por sua vez, enfrenta desafios institucionais em meio

a uma crise paradigmática, já que a modernidade não cumpriu seus desafios184

e a pós-

modernidade oferece à humanidade problemas difíceis de serem equacionados185

. Tal crise

merece um espaço de debate e reflexão próprio em nosso trabalho, para entendermos esse

novo cenário de desafios do Estado Democrático de Direito.

2.3. A crise paradigmática e institucional

Ouve-se muito falar em uma suposta crise do Estado, nos deparamos com diversas

abordagens sobre o tema apontando as principais causas desta crise e até trazendo possíveis

soluções. Nossa proposta é tratar a crise do ente estatal, enquanto instituição social, de uma

forma diferente, qual seja: não a compreendendo de forma isolada e ocasional, mas inserta em

um contexto amplo de uma crise paradigmática que afeta o Estado Democrático de Direito e

as principais instituições do nosso tempo, inclusive a família, a escola, a igreja e a sociedade

em geral.

Entendemos que a crise institucional é fruto de uma crise paradigmática que afeta a

visão de mundo186

do ser humano no planeta, o que significa dizer que o mundo está passando

182

Marx já denunciava que a “condição mais essencial para a existência e a dominação da classe burguesa é a

acumulação da riqueza nas mãos de particulares, a formação e o aumento do capital; a condição do capital é o

trabalho assalariado” (Karl Marx e Friedrich Engels, O Manifesto do Partido Comunista, p. 77). 183

Para Bonavides, a globalização representa um neocolonialismo, um verdadeiro golpe de Estado desferido

contra o Estado Democrático de Direito (Paulo Bonavides, Do Estado Liberal ao Estado Social, p. 183). 184

Boaventura de Souza Santos, Pela Mão de Alice. O Social e o Político na Pós-modernidade, p. 35. 185

Irene P. Nohara, Direito Administrativo, p. 25. 186

Cosmovisão ou mundividência: é a orientação cognitiva fundamental de um indivíduo ou de toda uma

sociedade. Essa orientação abrange sua filosofia natural, seus valores fundamentais, existenciais, normativos,

seus postulados ou temas, suas emoções e sua ética.Outro sentido do termo é o de uma imagem do mundo

imposta ao povo de uma nação ou comunidade, isto é, uma ideologia. O termo é um calco linguístico da palavra

de origem alemã que significa literalmente “visão de mundo” ou “cosmovisão”. Essa palavra alemã é adotada

regularmente em diversas línguas para expressar esses significados. Suas origens etimológicas remetem ao

século XVIII. Ela é um conceito fundamental na filosofia e epistemologia alemã e se refere a uma “percepção

de mundo ampla”. Adicionalmente, ela se refere ao quadro de ideias e crenças pelas quais um indivíduo

interpreta o mundo e interage com ele (A. B. H. Ferreira, Novo dicionário da língua portuguesa, p. 1.794).

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por transformações substanciais. Assim, analisar a crise do Estado isoladamente nos limitaria

a compreensão do próprio tempo e da sociedade contemporânea.

Para tanto, abordamos o embate de paradigmas estabelecido pela transformação do

mundo através do movimento pós-moderno, trazendo esclarecimentos acerca da modernidade

e da pós-modernidade e dos desafios que se revelam nesse tempo. Para diferenciarmos os

marcos paradigmáticos e compreender as análises desses pensamentos, utilizaremos a

concepção do sociólogo polonês Zygmunt Bauman e faremos a distinção entre períodos da

modernidade e da pós-modernidade em modernidade sólida e modernidade líquida.

A modernidade sólida é justamente a modernidade que inicia com a descoberta do

Novo Mundo, o Renascimento e a Reforma (século XV e XVI), atinge seu auge político nas

revoluções do século XVIII e desenvolve suas implicações gerais após a Revolução Industrial

do século XIX187

. Surge neste período a construção de uma nova imagem do homem no

mundo, rompendo com o paradigma do sistema feudal e colocando o homem no centro do

Universo188

. Na modernidade sólida, há o fim da crença em uma ordem mantida por Deus189

e, em contrapartida, a assunção do projeto moderno, qual seja: a ideia de controle do mundo

pela razão190

.

O Estado e a ciência foram figuras de suma importância para a execução do projeto da

modernidade sólida, visto que o Estado mantinha o controle social e a ciência servia para a

eliminação de ambivalências e para a classificação do mundo previsível, eliminando todas as

incertezas, ou seja, tudo era conhecido e categorizado para, então, ser controlado191

. O Estado,

através de seu projeto, fornecia os critérios para avaliar a realidade do dia presente. Esses

critérios dividiam a população em plantas úteis a serem estimuladas e cuidadosamente

cultivadas e ervas daninhas a serem removidas ou arrancadas192

.

187

A. Touraine, Crítica da Modernidade, p. 11. 188

Jucelia Bispo Santos, “Bauman: modernidade e consequências da globalização”, Revista Internacional de

Direito e Cidadania, n. 11, p. 155-164. 189

O homem abandona a visão de que Deus seria o centro do Universo (Teocentrismo) e os olhares se voltam

agora para o ser humano (Antropocentrismo). Nesta concepção, considera-se que o universo deve ser avaliado

de acordo com a sua relação com o Homem, sendo que as demais espécies, bem como tudo mais, existem para

servi-los, postulando que tudo o que existe foi concebido e desenvolvido para a satisfação humana. Marca a

descrença baseada na Fé e o culto da razão humana, da ciência e da racionalidade. (Gilberto

Cotrim, Fundamentos da Filosofia – História e Grandes Temas, passim). 190

O conceito de modernização refere-se a um conjunto de processos cumulativos e de reforço mútuo: à

formação de capital e mobilização de recursos; ao desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da

produtividade do trabalho; ao estabelecimento do poder político centralizado e à formação de identidades

nacionais; à expansão dos direitos de participação política, das formas urbanas de vida e da formação escolar

formal e à secularização de valores e normas (J. Habermas, O discurso filosófico da Modernidade, p. 5). 191

Jucelia Bispo Santos, “Bauman: modernidade e consequências da globalização”, Revista Internacional de

Direito e Cidadania, n. 11, p. 155-164. 192

Zygmunt Bauman, Modernidade Líquida, p. 29.

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Nas palavras de Eduardo Bittar, “pode-se dizer que a modernidade envolve aspectos

do ideário intelectual (científico e filosófico) associados a outros aspectos econômicos

(Revolução Industrial e ascensão da burguesia) e políticos (soberania, governo central,

legislação) conjunturalmente relevantes”193

.

Para Anthony Giddens, a modernidade refere-se às instituições e a modos de

comportamento estabelecidos que se globalizaram194

. Ele destaca “a dialética do local e do

global” e as características da “alta modernidade”, considerando a modernidade uma ordem

pós-tradicional, a tentativa de emancipação do homem (do pensamento dogmático) por meio

da razão humana e da ciência195

.

As ideias forjadas na visão de mundo do homem moderno influenciaram para sempre

a humanidade, tanto no campo econômico, com a forte industrialização e desenvolvimento do

capitalismo, quanto no campo social, com o impacto destas transformações na história e no

pensamento filosófico até os dias atuais. As principais formas de ação racional foram

encontradas no Estado-Nação e no industrialismo capitalista – e em suas práticas políticas e

econômicas – e passaram a dominar e a moldar todas as outras áreas da vida humana196

.

Para analisar o processo de individualização da sociedade, é preciso observar o projeto

da modernidade no Ocidente, que pode ser entendido como um ideário relacionado ao projeto

de mundo e visão de sociedade empreendido em diversos momentos ao longo da Idade

Moderna, sobretudo a partir da Revolução Industrial. Em suma, trata-se de uma investigação

sobre as origens e o desenvolvimento do capitalismo197

.

Já a modernidade líquida é o termo utilizado por Zygmunt Bauman como metáfora da

fluidez para traçar um diagnóstico das transformações sociais na sociedade contemporânea

que a fragmenta. Segundo o autor, a “fluidez” é a principal metáfora para o estágio presente

da era moderna, já que os fluidos não fixam o espaço nem se prendem no tempo198

.

Segundo Bauman (2001), as inúmeras esferas da sociedade contemporânea (vida

pública, vida privada, relacionamentos humanos) passam por uma série de

transformações cujas consequências esgarçam o tecido social. Tais alterações, de

acordo com o sociólogo polonês, faz com que as instituições sociais percam a

solidez e se liquefaçam, tornando-se amorfas, paradoxalmente, como os líquidos. A

193

Eduardo. C. B. Bittar, O direito na pós-modernidade, p. 42.

194 Não no sentido da globalização abordada na pós-modernidade, mas no sentido de que se iniciou na Europa e

depois se espalhou para o resto do mundo, conforme a leitura de Antony Giddens, “Os contornos da alta

modernidade”, In Modernidade e Identidade, p. 27.

195 Gilberto Cotrim, Fundamentos da Filosofia – História e Grandes Temas, p. 132.

196 M. Berman, Tudo o que é sólido desmancha no ar, 1996.

197 Jucelia Bispo Santos, “Bauman: modernidade e consequências da globalização”. Revista Internacional de

Direito e Cidadania, n. 11, p. 155-164. 198

Zygmunt Bauman, Modernidade líquida, p. 8.

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modernidade líquida, assim, é tempo do desapego, provisoriedade e do processo da

individualização; tempo de liberdade ao mesmo tempo em que é o da insegurança.

Como resposta a esta possibilidade de liberdade (Bauman, 1998, 2000, 2001), os

homens deste tempo, no anonimato das metrópoles, têm a sensação de impotência

sem precedentes, já que, no anseio por esta liberdade, os mesmos encontram-se por

sua própria conta e risco em meio ao concreto. A responsabilidade é deixada às

energias individuais, favorecendo a solução biográfica das contradições sistêmicas.

Desta forma, como todos estão sem tempo, e preocupados com inúmeras atividades

assumidas, poucos são aqueles que têm tempo e disponibilidade para dar o ombro

amigo para o próximo; o vizinho é um desconhecido199

.

Bauman conceituou a pós-modernidade como “modernidade líquida”. Para Irene

Nohara200

, a pós-modernidade é um conceito em construção. Existem, portanto, várias

interpretações dadas à expressão, desde os que entendem que ela representa uma elevação dos

ideais modernos de desempenho e valorização do indivíduo autônomo, até os que enxergam

nela uma significativa ruptura com a modernidade.

Na contemporaneidade, percebemos profundas e significativas mudanças que

caracterizam a transição para uma pós-modernidade, ou modernidade líquida, pois a forma do

poder mudou. Este não é mais visível e concentrado, é poder em rede mundial e

multifacetado201

. O capitalismo se expandiu em múltiplas formas de relação social, por meio

da biopolítica, e a multidão é o novo sujeito social decisivo para a transformação mundial202

.

Jair Ferreira dos Santos conceitua:

Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e

nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o

modernismo (1900-1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50.

Toma corpo com a arte Pop nos anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia, durante os

anos 70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na

moda, no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência, (...) sem

que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural203

.

Mais do que um movimento filosófico, a pós-modernidade representa um novo

paradigma cultural e social, uma nova leitura do mundo baseada em premissas como a

conquista do espaço, o aumento descomedido do consumo no mundo capitalista, a velocidade

199

Fabio Elias Verdiani Tfouni e Nilce da Silva, “A modernidade liquida: o sujeito e a interface com o

fantasma”, Revista Mal-Estar e Subjetividade, v.8, n.1.

200 Irene P. Nohara, Reforma administrativa e burocracia: impacto da eficiência na configuração do direito

administrativo brasileiro, p. 101. 201

Utilizamos a reflexão de Boaventura Santos, para quem a globalização é um fenômeno multifacetado com

dimensões econômicas, sociais, políticas e culturais complexas. “A globalização é o processo pelo qual

determinada condição ou entidade local consegue estender a sua influência a todos do globo e, ao fazê-lo,

desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival” (Boaventura de Souza

Santos, “Uma Concepção Multicultural de Direitos Humanos”, in Lua Nova, Revista de Cultura e Política nº

39, p. 108). 202

M. Hardt e A. Negri, Império, p. 23. 203

Jair Ferreira dos Santos, O Que é Pós-Moderno, p. 7-8.

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da informação, os avanços tecnológicos (como da biologia molecular, com a descoberta do

DNA), o individualismo acentuado, a liberação feminina, o niilismo204

nas artes em geral205

.

Em termos históricos, a pós-modernidade surge da chamada crise do pós-guerra, com

a extinção dos modelos socialistas e com o avanço avassalador do sistema capitalista no

modelo neoliberal e de forma globalizada. O cenário é de explosão da densidade demográfica

nos centros urbanos e uma inevitável crise de valores que se sucede.

Aquela busca moderna de um saber totalizador, uno, estruturado, contínuo e

sistemático não tem validade em um mundo marcado pela fragmentação cultural, pela

contradição e pluralidade de pontos de vista, pela heterogeneidade social e impossibilidade de

consenso cultural. A única substância capaz de definir a sociedade contemporânea seria,

então, a diferença206

.

Na modernidade líquida, todas as relações passam a ser reduzidas a relações de

consumo207

e, como o consumo, são passageiras e se esvaem com o fim do desejo, tornando o

indivíduo algo líquido, efêmero:

Para a grande maioria dos habitantes do líquido mundo moderno, atitudes como

cuidar da coesão, apegar-se às regras, agir de acordo com precedentes e manter-se

fiel à lógica da continuidade, em vez de flutuar na onda das oportunidades mutáveis

e de curta duração, não constituem opções promissoras208

.

Com efeito, o dinheiro não é propriamente o centro, mas sim gastá-lo, ou seja, o ato de

consumir:

Numa sociedade de consumo, compartilhar a dependência de consumidor a

dependência universal das compras é a condição sine qua non de toda liberdade

individual; acima de tudo da liberdade de ser diferente, de ter identidade209

.

A nova configuração mundial é vista assim por Castells:

204

Concebemos por Niilismo (do latim nihil, nada) um conceito filosófico que afeta diferentes áreas do mundo

contemporâneo. É a desvalorização do sentido, a ausência de finalidade e de resposta, a ideia de dissolução de

princípios absolutos. Esse conceito é extraído do pensamento de Nietzsche, conforme leitura de Deleuze: “As

etapas precedentes do niilismo correspondem, segundo Nietzsche, à religião judaica, depois à cristã. Mas esta

foi preparada pela filosofia na Grécia (...). Mas o niilismo não para aí e prossegue um caminho que faz toda a

nossa história” (G. Deleuze, Nietzsche, p. 25). 205

Julia Eugenia Gonçalves, “A Pós-Modernidade e os Desafios da Educação na Atualidade”, Revista

Científica Aprender, 2008. 206

Jean-François Lyotard, A condição pós-moderna, 2000. 207

As relações humanas dos indivíduos que se constroem pelo consumo acabam sendo, como eles próprios,

imagem do consumo e acabam por gerar uma fluidez, uma fragilidade cada vez mais acentuada nos

relacionamentos humanos (Zygmunt Bauman, Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, 2004).

208 Zygmunt Bauman, Modernidade líquida, p. 60.

209 Bauman, Ob. cit., p. 98.

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Um novo mundo está tomando forma neste fim de milênio. Originou-se mais ou

menos no fim dos anos 60 e meados da década de 70 na coincidência histórica de

três processos independentes: revolução da tecnologia da informação; crise

econômica do capitalismo e do estatismo e a consequente reestruturação de ambos; e

apogeu de movimentos sociais culturais, tais como libertarismo, direitos humanos,

feminismo e ambientalismo. A interação entre esses processos e as reações por eles

desencadeadas fizeram surgir uma nova estrutura social dominante, a sociedade em

rede; uma nova economia, a economia informacional/global; e uma nova cultura, a

cultura da virtualidade real. A lógica inserida nessa economia, nessa sociedade e

nessa cultura está subjacente à ação e às instituições sociais em um mundo

interdependente210

.

A crise institucional acontece pela falta de estrutura organizacional, de autonomia e de

identidade no mundo que torna cada vez mais problemática a afirmação da crise do Estado

Social e a desaceleração da produtividade industrial nos países centrais211

.

Este período de transição entre a modernidade e a pós-modernidade é marcado por

conflitos paradigmáticos212

que resultam em uma crise de valores. O homem na modernidade

sólida tinha um projeto de emancipação baseado na razão e na ciência, tentando estabelecer

um mundo justo e equilibrado, contudo, as antigas certezas foram abaladas após as duas

grandes guerras de proporções mundiais, o surgimento de doenças diversas, o embate de

ideologias, o capitalismo selvagem, a alienação e o crescimento do abismo social entre ricos e

pobres.

Por conta dos avanços da própria ciência e da tecnologia, temos, hoje, a capacidade

bélica de destruição do planeta, mas não conseguimos encontrar uma solução para salvá-lo. A

crise mundial é um fato consolidado.

A globalização da economia, enfim, chega à crise global: são 180 milhões de

desempregados no mundo, número nunca antes alcançado, revela a OIT. Um

aumento de 20 milhões em dois anos, ‘em decorrência da recessão global’. No ano

de 2000, a taxa mundial de desemprego era de 5,9%, passando no final de 2002 para

6,5% da população economicamente ativa. Subempregados (aqueles que recebem

menos de US$ 1,00 por dia) subiram para 550 milhões, de sorte que o total de

pessoas sem trabalho ou em subempregos, chegou a 730 milhões. O desemprego

cresceu mais acentuadamente na América Latina, nada menos do que dez por cento.

Segundo Juan Somavia, diretor geral da OIT, no prazo de dez anos, deverão

habilitar-se para ingressar no mercado de trabalho 500 milhões de pessoas, de modo

que se estima ser necessária a criação de 1 bilhão de novos postos de trabalho nesta

década, para que seja atingido o objetivo de reduzir à metade o número de pessoas

que vivem na extrema pobreza213

.

210

M. Castells, Fim de milênio, p. 412. 211

Boaventura de Souza Santos, Pela Mão de Alice. O Social e o Político na Pós-modernidade, p. 214. 212

Para Kuhn, um paradigma refere-se ao modelo de pesquisa científica: “Os paradigmas adquirem seu status

porque são mais bem-sucedidos que seus competidores na resolução de alguns problemas que o grupo de

cientistas reconhece como graves”. (Thomas S. Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, p. 44). 213

José Carlos Arouca, O Sindicato em um mundo globalizado, p. 927.

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Este novo mundo proposto é o da fome, pobreza e miséria absoluta, “onde 800

milhões de pessoas estão em condições de subnutridas e 4 bilhões de pessoas vivendo na

miséria”214

. Tem-se a ideia de que a pobreza é só a fome, mas à pobreza estão ligadas, ainda,

a miséria, as péssimas condições de vida, as famílias destruídas, a falta de perspectiva, o

analfabetismo e a exclusão social, e toda tentativa de mudança desse quadro encontra

barreiras nos interesses econômicos do sistema de produção capitalista.

A globalização, como vimos, deu mais oportunidade aos extremamente ricos de

ganhar dinheiro mais rápido. Esses indivíduos utilizam a mais recente tecnologia para

movimentar largas somas de dinheiro mundo afora com extrema rapidez e especular com

eficiência cada vez maior215

.

O avanço da tecnologia digital na era virtual e a velocidade da informação no mundo

globalizado passam a exigir instituições com sistemas abertos a uma nova concepção de

tempo em que o sujeito perde o poder da decisão. Essa tecnologia não causa impacto na vida

dos mais pobres, sendo a globalização um paradoxo: é muito benéfica para muito poucos, mas

deixa de fora ou marginaliza dois terços da população mundial216

.

Segundo Bauman:

O mundo construído de objetos duráveis foi substituído pelo de produtos disponíveis

projetados para imediata obsolescência. Num mundo como esse, as identidades

podem ser adotadas e descartadas como uma troca de roupa. O horror da nova

situação é que todo diligente trabalho de construção pode mostrar-se inútil; e o

fascínio da nova situação, por outro lado, se acha no fato de não estar comprometida

por experiências passadas, de nunca ser irrevogavelmente anulada, sempre mantendo

as opções abertas217

.

Se na modernidade sólida o Estado é uma instituição forte e intervencionista, na

modernidade líquida, são os grandes conglomerados econômicos (megaempresas) que

desfrutam da liberdade econômica que torna o Estado um mero e inerte espectador da

incerteza do mercado.

Certamente, das mudanças trazidas pelo fenômeno da globalização218

, entre as mais

marcantes estão a perda de poder do Estado e o enxugamento dos gastos públicos, que

214

Bauman, Ob. cit., p.81. 215

Zygmunt Bauman, Modernidade e Ambivalência, p. 79. 216

Bauman, Ob. cit., p. 79. 217

Zygmunt Bauman, Modernidade líquida, p. 112-113. 218

A globalização, para expressar a sua vertente mais aparente, pode ter iniciado em diversos momentos

históricos: com o iluminismo, com as revoluções industriais e científicas ou com as grandes navegações. Mas o

certo é que as transformações enfrentadas pela sociedade no período entre o final da década de sessenta com a

crise do Welfare State e a década de noventa com a queda do regime comunista no leste europeu promoveram

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refletiram de forma substancial na intervenção do Estado com prestações sociais.

Observamos, assim, um Estado enfraquecido perante a nova ordem internacional, restando-

lhe, entre outras poucas funções, a de “controlar” a pobreza e a massa de excluídos para a

fruição do capital.

Com o enfraquecimento do Estado, esperava-se, na promessa do livre comércio e no

desenvolvimento econômico, a diminuição das desigualdades sociais. Contudo, cresce cada

vez mais o abismo social entre ricos e pobres, ou seja, a globalização trouxe o aumento da

riqueza dos mais ricos e o aumento da pobreza dos mais pobres. Analisando o fenômeno sob o

ponto de vista jurídico, a globalização representa o “deslocamento da capacidade de

formulação de definição e de execução de políticas públicas, antes radicada no Estado-nação,

para arenas transnacionais ou supranacionais, decorrentes da globalização econômica e de

seus efeitos sobre o poder soberano”219

.

2.4. Neoliberalismo e democracia: a manipulação ideológica da classe dominante

Observamos que o Estado não é um ente imparcial220

e independente, alheio aos

interesses econômicos, mas uma forma necessária da reprodução capitalista.

O conceito de Estado aparece formulado inicialmente na literatura marxista como um aparelho de

dominação de classe, ou seja, um executor fiel dos interesses dominantes, sem importância particular.

Atualmente, dentro do próprio campo marxista, o conceito de Estado é apresentado como um sujeito

primordial dentro do jogo político-econômico, como pode ser observado nos conceitos de “capitalismo

monopolista de Estado”, “capitalismo de Estado” e “Estado burocrático autoritário” (MARTINS, 1977)221

.

Nico Poulantzas assim vê a autonomia relativa do Estado:

uma profunda mudança nas formas de pensar e interpretar o mundo, motivo pelo qual se tornou possível falar

em uma mudança paradigmática, ”numa superação da modernidade por uma pós-modernidade ainda não

traduzida de forma definitiva” (Elmar Altvater, “Os desafios da globalização e da crise ecológica para o

discurso da democracia e dos direitos humanos”, In Agner Heller (org.), A crise de paradigmas em Ciências

Sociais e os desafios para o século XXI, p 109-151. 219

Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, “Os direitos sociais como direitos humanos num cenário de

globalização econômica e de integração regional”, In Flávia Piovesan (coord.), Direitos humanos, globalização

econômica e integração regional, p. 214. 220

Marx considera a luta de classes em termos de um simples confronto entre dois opositores, com um número

declinante de burgueses e uma explosão no tamanho do proletariado, ou seja, o Estado é qualificado como mero

comitê gestor dos interesses da classe dominante, a burguesia. Os adeptos desta análise não admitem a

possibilidade de existência de algum tipo de autonomia do Estado em relação à classe dominante. George

Taylor, In David Marsch e Gerry Stoker, Theory and methods in political science, p. 249.

221 Ronaldo Baltar, “Discussões sobre a relação Estado e classes dominantes”, In Revista Mediações, v.1. n.1. p

.18-23, jan-jun. 1996, p. 20.

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64

Entendo, aqui, não diretamente a relação das suas estruturas com as relações de

produção, mas a relação do Estado com o campo da luta de classes, em particular a

sua autonomia em relação às classes ou frações de bloco no poder e, por extensão,

aos seus aliados ou suportes. (...). Espero, por isso mesmo, marcar nitidamente a

distância que separa esta concepção do Estado de uma concepção simplista e

vulgarizada, que vê no Estado o utensílio ou o instrumento da classe dominante.

Trata-se pois de (...) demonstrar que a concepção do Estado em geral como simples

utensílio da classe dominante, errônea na sua própria generalidade, se revela

particularmente inapta para apreender o funcionamento do Estado capitalista222

.

Disso decorre que sua ação está profundamente ligada à sustentação do capitalismo,

mesmo quando faz concessões à classe trabalhadora ou ampara os dominados com direitos

sociais, pois está sempre cumprindo a sua função de mediação dos conflitos entre as classes e

grupos.

O Estado capitalista fornece o quadro para as lutas entre frações da classe dominante

e reintegra a classe operária, como indivíduos separados dos meios de produção e de

sua classe, numa nação e num conjunto unificado de regras e instituições. Ao mesmo

tempo, o Estado fornece o espaço político para a luta de classes. É ele que reintegra

os trabalhadores e os burgueses num todo unificado que será reproduzido como

sociedade capitalista – como uma estrutura de classes – através do tempo223

.

Sobre esse jogo institucional, Poulantzas escreve:

O caráter paradoxal dessa relação reside no fato de esse Estado assumir uma

autonomia relativa face a essas classes precisamente na medida em que constitui um

poder unívoco e exclusivo daquelas. Por outras palavras, essa autonomia em relação

às classes politicamente dominantes, inscrita no jogo institucional do Estado

capitalista, de forma alguma autoriza uma participação efetiva das classes

dominadas no poder político, ou uma cessão a essas classes de “parcelas” de poder

institucionalizado224

.

Ou seja, o Estado em sua forma social ou em sua forma política é necessário para que

a própria dinâmica do capitalismo se estabeleça. Assim, a política estatal está subordinada à

economia desde a sua gênese, visto que o Estado garante a ordem social e a manutenção da

estrutura burguesa de divisão de classes, assegurando as garantias do livre mercado e

mantendo o aparelho repressivo225

, contendo os efeitos da exclusão social.

222

Nicos Poulantzas, Poder político e classes sociais, p. 274. 223

José Antônio Fernandes Magalhães, Ciência Política, p. 109.

224 Poulantzas, Ob. cit., p.284.

225 Adotamos o conceito de Marx de que o Estado consiste numa superestrutura de alienação do proletariado em

favor da manutenção da exploração da classe dominante em detrimento da classe subalterna, porém avançamos

no conceito de Gramsci, que procurou perpassar o conceito marxista de Estado, compreendendo que o Estado já

não governa apenas com base na força, na opressão da classe trabalhadora, conforme fez no século XIX,

impedindo a organização proletária, já que hoje contamos com a ampliação dos direitos políticos e sociais,

porém adotamos a ideia de que a classe dominante exerce seu poder por meio da dominação ideológica do

controle de ideias, de posições e de convencimento das classes subalternas a se submeterem ao seu domínio.

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Para Kelsen, por exemplo, o absolutismo político tende a se utilizar do absolutismo

filosófico como instrumento ideológico, com a apresentação do governo como único

representante possível da tradução de uma vontade superior, autorizado a conduzir uma massa

de comuns. Assim, a democracia só é verdadeira quando pressupõe uma sociedade de iguais,

capazes de debater e decidir sobre os rumos de sua liberdade, visto que “democracia é

discussão”226

, e o conteúdo de uma ordem jurídica deve ser necessariamente o resultado de

consensos estabelecidos entre maioria e minoria, que deve se utilizar de todos os meios

possíveis para o diálogo democrático227

.

Kelsen pressupôs um participante capaz de manter sua autonomia política, intelectual

e dirigir sua participação a partir da razão. Mas, para Poulantzas, o Estado é ativamente

envolvido na construção tanto da unidade quanto da separação. Ele reproduz indivíduos

atomizados como sujeitos jurídicos (prevenindo a unidade que emerge em relações de

produção baseadas em classe) e reconstrói a unidade sob a égide do conceito de Estado-

nação228

.

Nietzsche, concentrando-se na necessidade de autossuperação do homem, faz duras

criticas ao Estado:

Estado? Que é isso? Pois seja! Abri bem os ouvidos, porque, agora, vou dizer-vos a

minha palavra sobre a morte dos povos. Chama-se Estado, o mais frio de todos os

monstros frios. E, com toda frieza, também mente; e esta mentira sai rastejando da

sua boca: 'Eu, o Estado, sou o Povo!'229

.

A crítica é pertinente porque Nietzsche contribui para que seja feito um contraponto

acerca da totalidade do povo e sua forma de organização política, uma crítica, então, à noção

do Estado como representação da unidade do povo.

Partindo-se da premissa da existência de uma relação direta entre os interesses da

classe dominante e a ação política do Estado e a conformação desse Estado à sociedade civil,

Para que os grupos dominantes obtenham o consenso na sociedade, eles permitem que os grupos subalternos se

organizem e expressem seus projetos sociais e políticos. Com isso, vão-se constituindo mediações entre a

economia e o Estado, que se expressam na sociedade civil: o partido político, o sindicato, a imprensa, a escola.

É um movimento próximo daquilo que Gramsci, certamente inspirado na reflexão de Hegel, entendeu como

“trama privada”, chamando a sociedade civil de “aparelho 'privado' de hegemonia” (Cf. em A. Gramsci,

Quaderni del carcere, p. 801). 226

Hans Kelsen, A Democracia, p. 183. 227

“A vontade da comunidade, numa democracia, é sempre criada através da discussão contínua entre maioria e

minoria, através da livre consideração de argumentos a favor e contra certa regulamentação de uma matéria.

Essa discussão tem lugar não apenas no parlamento, mas também, e em primeiro lugar, em encontros políticos,

jornais, livros e outros veículos de opinião” (Hans Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, p. 411). 228

“Nesta estrutura teórica, a legislação burguesa desempenha uma dupla função de legitimar a separação do

trabalhador dos meios de produção e reunificar sistematicamente o sujeito sob a égide do Estado-nação”

(Poulantzas, Ob. cit., p.284).

229 Friedrich Nietzche, Assim falava Zaratustra (um livro para todo e para ninguém!), p. 75.

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concebemos a relação do neoliberalismo com a democracia como um paradoxo, visto que os

neoliberais propalam e difundem a ideia de que a liberdade concedida ao setor econômico faz

prosperar a democracia e que o mercado é favorável a esta – como se livre mercado e

democracia andassem juntos.

Essa visão é, a nosso ver, equivocada, pois acreditamos que o neoliberalismo propicia

o surgimento de atores sociais (grupos hegemônicos) que dominam a sociedade não apenas no

campo econômico, mas também no político. Esses atores cooptam a mídia para difundir

análises que condicionam a opinião dos cidadãos, funcionando como uma forma de

dominação ideológica. Aqueles que divergem do pensamento dominante são considerados

antiquados, retrógrados e quase heréticos.

Assevera Marcelo Silveira:

(...) pode-se abordar a mídia a partir da perspectiva funcionalista para verificar a

maneira mais eficiente de transmitir uma mensagem, mas também se pode adotar um

ponto de vista mais crítico, como o dos adeptos da escola de Frankfurt, e analisar

como essa mensagem é criada para manipular a opinião pública de forma a

maximizar o lucro e o controle social. Ainda uma terceira opção seria analisar a

tecnologia dos meios de comunicação como extensões físicas do homem, como na

teoria cibernética. De uma forma ou de outra, todas as teorias possuem, em comum,

o fato de que os meios de comunicação influenciam comportamentos e atitudes e são

capazes de influenciar ou determinar identidades culturais e sociais (Ferreira, 2001).

Em outras palavras, elas destacam a fragilidade do indivíduo frente aos meios de

comunicação. Em todas as teorias, existe uma assimetria, uma diferença abissal

entre o poder da mídia e a vulnerabilidade do indivíduo, visto como impotente e

incapaz de resistir aos apelos da mídia (FERREIRA, G. M. As Origens Recentes: os

Meios de Comunicação Pelo Viés do Paradigma da Sociedade de Massa. In

Hohlfeldt, A., Martino, L. C., França, V. V. (org.) Teorias da Comunicação:

Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, pp. 99-118)230

.

Silverstone alerta que a mídia opera de maneira significativa, ou seja, o que deve ser

analisado não é a maneira como os eventos são apresentados, mas “a maneira mais sutil, nem

sempre evidente, de como a mídia estabelece referências que influenciam comportamentos e

atitudes no dia-a-dia das pessoas”231

.

O ponto de partida da análise de Silverstone (2002) é que a mídia é onipresente e

diária na sociedade moderna. Nós dependemos da mídia não apenas para lazer,

entretenimento e informações mas também para obtermos uma sensação de conforto

e segurança capazes de criar um sentido na nossa existência cotidiana. Ligar a TV ou

abrir o jornal nos liga a outros que estão fazendo a mesma coisa. A busca de

informações e de entretenimento equivale ao conteúdo manifesto, enquanto a

230

Marcelo Deiro Prates da Silveira, “Efeitos da globalização e da sociedade em rede via Internet na formação

de identidades contemporâneas”, In Revista Psicologia: Ciência e Profissão. vol. 24. no.4.

231 R. Silverstone, Por que Estudar a Mídia?, p. 20.

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obtenção de conforto e segurança são partes do conteúdo latente, inconsciente, na

relação com a mídia e com os outros232

.

Nas palavras de Souza, ao transmitir notícias e imagens, a televisão está “simulando a

participação do sujeito na vida pública”233

. Ademais, os órgãos da mídia difundem

informações de interesse social. Desta forma, a sociedade confia nas informações e fatos

propagados234

, ao que se conclui que a mídia influencia a sociedade, formando ou

manipulando a opinião pública, vez que, na modernidade líquida, a informação também é uma

mercadoria235

. Sobre a hegemonia da mídia e a submissão da opinião pública a ela explana

Andrade:

Os órgãos da mídia distanciaram-se de sua função inicial (reportar, narrar) para,

vagarosamente, destacarem-se como intervenientes e invasores do fato. Com isso,

não mais noticiam, mas opinam. Deixaram de informar para formar opinião. Neste

contexto verificado, a relação entre a mídia e a opinião pública chegou a um

tamanho grau de hegemonia do primeiro e submissão do segundo que, atualmente,

pode-se dizer que, a opinião pública reduziu-se à opinião publicada pelos órgãos da

mídia236

.

Como há evidências de que a mídia pode ser controlada pelos grandes grupos privados

formando assim opiniões, manipulando a sociedade e influenciando o modo coletivo de

pensar, entendemos que a democracia resta comprometida.

Milton Santos, citado por Irene Nohara, observa que esta estrutura aliena, “provocando

o emagrecimento moral e intelectual da pessoa, a redução da personalidade e da visão de

mundo, convidando, também, a esquecer a oposição fundamental entre a figura do

consumidor e a figura do cidadão”237

.

Foucault, que é considerado um filósofo que analisa as estruturas do poder, expõe a

influencia das instituições burguesas diretamente nas atividades e nos pensamentos cotidianos

232

Marcelo Deiro Prates da Silveira, “Efeitos da globalização e da sociedade em rede via Internet na formação

de identidades contemporâneas”, In Revista Psicologia: Ciência e Profissão. vol. 24. no.4.

233 M. Souza, “Televisão, Violência e Efeitos Midiáticos”, In Psicologia: Ciência e Profissão, v. 23, n.4, pp.

82-87. 234

Daniel Cornu relata que “a missão geral da imprensa é informar o cidadão, para que este seja capaz de formar

a sua própria opinião” (Daniel Cornu, Jornalismo e Verdade: para uma ética da informação, apud Fábio

Martins de Andrade, Mídia e Poder Judiciário: a influência dos órgãos da mídia no Processo Penal Brasileiro,

p. 48). 235

Ignácio Ramonet, A tirania da comunicação, apud Andrade, Ob. cit., p. 56. 236

Andrade, Ob. cit., p. 47. 237

Milton Santos, Por uma outra globalização, p. 49, apud Irene P. Nohara, Reforma administrativa e

burocracia: impacto da eficiência na configuração do direito administrativo brasileiro, p. 68.

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do homem238

. A partir de uma análise das instituições burguesas e dos malefícios que elas

trazem à sociedade como estrutura social, radiografou:

Se é verdade que estas pequenas relações de poder são com frequência comandadas,

induzidas do alto pelos grandes poderes de Estado ou pelas grandes dominações de

classe, é preciso ainda dizer que, em sentido inverso, uma dominação de classe ou

uma estrutura de Estado só podem bem funcionar se há, na base, essas pequenas

relações de poder239

.

Os detentores do capital transnacional querem controlar inclusive os serviços que

outrora eram públicos, de forma que o Estado Democrático é visto como concorrente; por isso

há uma pressão para que os países adotem as medidas desestatizantes240

.

A classe dominante local, possuidora do poder econômico, exerce um poder de

pressão por meio do controle dos veículos de comunicação, disseminando uma visão quase

única que domina a discussão política e econômica no senso comum.

Como reflexo destas questões, o cidadão politicamente alienado age instintivamente,

pois está envolto em um sistema comprometido em corroborar a conjuntura existente. A

passividade diante dos acontecimentos histórico-políticos nos faz perceber o quanto a

alienação política condiciona o indivíduo à não participação, pela falta de informação e acesso

ao conhecimento emancipador, afasta-se da preocupação política241

.

Na era da “sociedade de massas”242

, considerando o inconsciente coletivo do senso

comum, é possível afirmar que as pessoas se comportam de maneira mimética243

, passam a

agir todas da mesma forma, com base em uma determinada ideia. As convenções ideológicas

disseminadas na pós-modernidade acerca do modelo de condução do mundo são frágeis e

desprovidas de uma reflexão mais profunda, podendo, inclusive, ser manipuladas. Assim, é

238

“meus livros não são proféticos e tampouco um apelo às armas. Eu ficaria extremamente irritado se eles

pudessem ser vistos sob essa luz. O objetivo a que eles se propõem é o de explicar, do modo mais explícito –

mesmo se, às vezes, o vocabulário é difícil –, essas zonas da cultura burguesa e estas instituições que influem

diretamente nas atividades e nos pensamentos cotidianos do homem” (Michel Foucault, Ditos e escritos:

estratégia, poder-saber, p. 306). 239

Michel Foucault, Ditos e escritos: estratégia, poder-saber, p. 231. 240

Nohara, Ob. cit., p. 73. 241

Como bem lembra Carvalho: “eleitores desprezam políticos, mas continuam votando neles na esperança de

benefícios pessoais” (José Murilo Carvalho, Cidadania no Brasil, p. 224). 242

“Sociedade de massas” é associada a uma forma de desenvolvimento do capitalismo, em que os interesses e

os desejos da vida dos indivíduos são massificados, de forma homogênea. Tal conceito é extraído da indústria

cultural, da Escola de Frankfurt (Cf. Theodor Adorno e Max Horkheimer, Indústria Cultural e Sociedade,

2002). 243

Com base nos estudos do pensador francês René Girard, para quem o desejo humano é fruto da presença de

um mediador, ou seja, é sempre mimético. Não desejamos direta, mas indiretamente, e o alvo do nosso desejo é

determinado menos por nós mesmos do que pelas redes tramadas pelas mediações nas quais nos envolvemos. O

desejo humano é fundamentalmente mimético, imitativo, não desejamos segundo uma subjetividade

autocentrada que impõe suas próprias regras. (René Girard, A violência e o sagrado, 2008).

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possível forjar opiniões e condicionar a psicologia dos mercados para fazer valer alguns

interesses.

Marilena Chauí denuncia a manipulação ideológica da classe dominante ao afirmar

que “os meios de comunicação de massa são empresas privadas, mesmo quando, como é o

caso do Brasil, rádio e televisão são concessões estatais, pois estas são feitas a empresas

privadas; ou seja, os meios de comunicação são uma indústria (a indústria cultural) regida

pelos imperativos do capital”244

.

A televisão adquiriu o poder de definir o que será ou não um acontecimento político,

assim como o âmbito geográfico em que esse acontecimento será conhecido245

, de acordo

com a vontade dos que detêm o monopólio econômico e produtivo. Com isso, o pensamento

dominante molda o comportamento e o entendimento social e regula o plano material

econômico e político, dominando também o campo das ideias, de forma que a dominação de

uma classe sobre as outras faz com que só sejam consideradas válidas, verdadeiras e racionais

as ideias da classe dominante246

.

Discute-se a “função alienadora e de formação da opinião publica, e manipuladora da

televisão, por se aproveitar da natureza emocional, intuitiva e irreflexiva da comunicação por

imagens”247

. Sendo que os limites do possível também é ela quem condiciona sutilmente

impondo, com força da imagem, padrões de comportamento, de identificação, de juízo e até

mesmo um novo padrão estético248

.

A imagem é o resumo visível e indiscutível de uma série de conclusões a que se

chegou através da elaboração cultural; e a elaboração cultural que se vale da palavra

transmitida por escrito é apanágio da elite dirigente, ao passo que a imagem final é

construída para a massa submetida249

.

A ideologia é um processo no qual as ideias, os valores, da classe dominante se

transformam em ideias e valores prevalecentes, ou seja,de todas as classes sociais.

As ideias (Gedanken) da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes;

isto é, a classe que é a força ‘material’ dominante da sociedade é, ao mesmo tempo,

sua força ‘espiritual’ dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de

produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que

244

Marilena Chauí, Simulacro e poder: uma análise da mídia, p. 73.

245 J. Arbex Jr., Showrnalismo: a notícia como espetáculo, p. 32.

246 Marilena Chauí, O que é ideologia, p. 85.

247 Maria Lucia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, Temas de Filosofia, p. 215.

248 “O homem permanentemente insatisfeito cuja participação no processo político do país ficou limitada a

concordar ou com os apelos da AERP ou com as mensagens editoriais do Jornal Nacional”, Maria Rita Kehl,

“Um só povo, uma só cabeça, uma só nação”, In: Anos 70. Televisão, p. 5-29. 249

Umberto Eco, Apocalípticos e integrados, p. 363.

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faz com que elas sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as ideias daqueles

aos quais faltam os meios de produção espiritual.As ideias dominantes nada mais

são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais

dominantes concebidas como ideias;[…].; na medida em que dominam como classe

e determinam todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que o façam em toda

sua extensão e, consequentemente, entre outras coisas dominem também como

pensadores, como produtores de ideias; que regulem a produção e a distribuição das

ideias de seu tempo e que suas ideias sejam, por isso mesmo, as ideias dominantes

da época250

.

Transformar as ideias das classes dominantes em ideias preponderantes em todo o

tecido social é o cerne da ideologia; por isso, ideias dominantes não são sinônimas da

realidade existente, pois a ideologia é justamente a substituição da realidade por uma ideia

que se faz dela, a transformação de ideias particulares em ideias para todos. E um dos seus

papéis “[...] é o de fazer com que os homens creiam que tais ideias representam efetivamente

a realidade”251

.

Portanto, o paradoxo é que, ao modelar e reduzir o Estado, sob a justificativa de

conceder mais liberdade às pessoas, na verdade é concedido poder a grupos sociais

específicos, o que favorece a maior concentração de renda, fragmenta a sociedade civil e cria

um pensamento único. Assim, podemos sustentar, com base nos estudos feitos, que uma

sociedade controlada ideologicamente se assemelha a uma sociedade totalitária, o que é não

se ajusta com o sentido de democracia.

250

Karl Marx e Friedrich Engels, A ideologia alemã (Feuerbach), p. 72. 251

Marilena Chauí, O que é ideologia, p. 87.

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3. OLIGARQUIAS PÓS-MODERNAS: A COOPTAÇÃO DO ESTADO POR GRUPOS

HEGEMÔNICOS

3.1. Grupos Hegemônicos e a nova configuração da luta de classes

Aprendemos que o processo de surgimento e evolução do Estado ocidental esteve

ligado aos dinâmicos processos de estruturação e desenvolvimento do capitalismo no mundo,

de forma que na contemporaneidade não é diferente.

Com as crises do capital no início do século XX, bem como com as revoluções

socialistas e a crescente marcha das reivindicações sociais dos trabalhadores, a classe

dominante reconfigurou as estruturas sociais, fazendo surgir a figura de um Estado forte,

garantidor de direitos sociais.

Ocorre que os Estados Unidos da América, temendo a difusão do comunismo,

principalmente na Europa, enfraquecida pela Segunda Guerra Mundial, e nas Américas, sua

área de controle direto, formulou uma política de contenção252

, contribuindo para a tensão da

Guerra Fria, que se instaura na metade do século XX.

Já no final do mesmo século, com o término da Guerra Fria e da bipolarização253

existente entre as duas superpotências dominantes militarmente e com a derrocada do

socialismo254

, confirmou-se a desarticulação do Estado Social, dissolvendo-se, também, as

utopias das lutas sociais, algo que deu espaço a uma nova ordem geopolítica que adentrou o

século XXI.

O sistema capitalista agora sem oposição e dominante na maior parte dos países

globais, reinventa-se, criando novos centros de poder e obrigando uma mudança também no

papel do Estado contemporâneo. A globalização expressa este novo ciclo de expansão do

capitalismo, pautada no ideário neoliberal. Livre de seus inimigos externos, o capitalismo

inicia um combate consigo mesmo, com suas tensões e contradições255

.

252

Leonel Itaussu Almeida Mello, Quem tem medo de geopolítica?, p. 163. 253

Brzezinski “caracteriza a competição americano-soviético como uma rivalidade histórica travada entre dois

grandes impérios”, rivalidade que caracteriza a competição EUA x União Soviética, sob a ótica econômica,

política ou ideológica, uma luta travada pelo controle da Eurásia como condição para conquistar o mundo

(Leonel Itaussu Almeida Mello, Quem tem medo de geopolítica?, p. 146). 254

“A implosão do bloco soviético iniciou-se com o governo de Gorbachov, quando este anunciou que não mais

interferiria nos Estados do Pacto de Varsóvia. Vários Estados foram desvinculando-se da União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas - URSS criando-se a Comunidade dos Estados Independentes - CEI, composta de algumas

das antigas repúblicas soviéticas” (Roberto Luiz Silva, Direito internacional resumido, p. 24). 255

Janaina Rigo Santin, “As novas fontes de poder no mundo globalizado e a crise de efetividade do direito”,

Revista da SJRJ, n. 25, p. 79-92.

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Com a expansão desenfreada do capitalismo, novos atores surgem, e, com o

fortalecimento da iniciativa privada e das forças de mercado, novas oligarquias256

buscam

diminuir a força do Estado social e lhe atribuir o título de modelo ultrapassado, aquém do que

se espera de um Estado contemporâneo257

. Com isso, sua intervenção se enfraquece,

propiciando maior liberdade para operação do capital, e, em contrapartida, a garantia de

efetivação de direitos fundamentais é ameaçada.

A globalização é o cenário para surgimento de uma nova elite capitalista global que é

evidenciada na pesquisa do ETH (Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica), a Escola

Politécnica Federal de Zurique, que mostra a concentração do poder em nível mundial258

.

A investigação “The network of global corporate control” (rede do controle

corporativo global) demonstra que 1.318 empresas transnacionais possuem direta ou

indiretamente ações de sociedades que representam 60% das receitas mundiais. Mostra ainda

que o núcleo desse grupo trata-se de uma “superentidade”, formada por 147 empresas que

concentram 40% das receitas corporativas mundiais259

.

Diante de tais números, podemos arrazoar que esta elite capitalista mundial, além de

exercer evidente impacto no mercado, já que a tal “estrutura da rede de controle das

corporações transnacionais impacta a competição de mercado mundial e a estabilidade

financeira260

”, detém a concentração de poder econômico e político, visto que “as corporações

atuam no mundo, enquanto as instâncias reguladoras estão fragmentadas em 194 países, sem

contar a colaboração dos paraísos fiscais. Gera-se um imenso espaço desgovernado”261

.

Boaventura Santos já denunciava:

256

Oligarquia: “grupo de pessoas poderosas que dominam uma parte dos interesses de um país”.

(Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa, 1988). Figuram

como atores responsáveis pela reorganização geoeconômica global, as corporações transnacionais que disputam

o controle do espaço econômico global e as poderosas instituições ligadas ao sistema financeiro mundial, como

o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial ou Banco Internacional de Reconstrução e

Desenvolvimento (Bird) e a Organização Mundial de Comércio (OMC). 257

As oligarquias transnacionais criticam o Estado nacional que investe no fortalecimento de políticas públicas

voltadas para o social, denominando-o “nocivo e distorcivo ou limitativo, no que se refere à dinâmica e à

multiplicação dos negócios, das atividades econômicas, do progresso tecnológico, da generalização do bem-

estar” (Octávio Ianni, A Era do Globalismo, p. 264). 258

Estudo realizado por Stefania Vitali, James B. Glattfelder e Stefano Battiston, “The Network, of Global

Corporate Control”. O texto completo foi disponibilizado em arXiv:1107.5728v2 [q-fin.GN] e publicado pelo

PloS One, em 26 de outubro de 2011: matemáticos revelam que uma rede capitalista domina o mundo. Em

termos ideológicos, o estudo está acima de qualquer suspeita, visto que o ETH de Zurique, juntamente com o

Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, faz parte da nata da pesquisa tecnológica,

sendo que seus cientistas já receberam 31 prêmios Nobéis, entre eles: Albert Einstein (Ladislau Dowbor, A rede

de controle das corporações transnacionais. 2013, disponível em <http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-

rede-de-controle-das-corporacoes-transnacionais>, acesso em: 15/nov./2015. 259

William I. Robinson, Global capitalism and the crisis of humanity, p.23. 260

Dowbor, Ob. cit. 261

Dowbor, Ob. cit.

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73

Uma das transformações mais dramáticas produzidas pela globalização econômica

neoliberal reside na enorme concentração de poder econômico por parte das

empresas multinacionais: das 100 maiores economias do mundo, 47 são empresas

multinacionais; 70% do comércio mundial é controlado por 500 empresas

multinacionais; 1% das empresas multinacionais detém 50% do investimento direto

estrangeiro (Clarke, 1996)262

.

Resta evidente que um pequeno consórcio de grandes corporações, entre elas os

grandes bancos, governa o planeta. Segundo reflexão de José Saramago:

Ninguém assume suas responsabilidades, muito menos os governos, porque não

sabem, porque não podem, porque não querem ou porque isso não lhes é permitido

por aqueles que realmente governam o mundo: as grandes empresas multinacionais,

pluricontinentais, que detêm todo o poder263

.

No mundo contemporâneo, marcado pela heterogeneidade social e pela diferença, há

uma dificuldade de identificação das classes sociais, pois temos a impressão de que a

fragmentação do ser pós-moderno se sobrepõe ao velho conceito de classes sociais. No

entanto, ainda que tenhamos dificuldades com a nomenclatura é imprescindível identificarmos

que o embate “capital x trabalho” ainda se perpetua, vez que a luta de classes é uma

característica da sustentação do modelo capitalista.

Segundo Mezarros:

encontramos o antagonismo inconciliável entre capital e trabalho, assumindo sempre

e necessariamente a forma de subordinação estrutural e hierárquica do trabalho ao

capital, não importando o grau de elaboração e mistificação das tentativas de

camuflá-la264

.

Ocorre que a relação de dominação se reajustou e ampliou-se da seguinte forma: de

um lado, uma elite global, composta por empresas multinacionais, dirigentes de instituições

financeiras internacionais265

e a elite capitalista local (surgida das relações entre o setor

administrativo do Estado e da elite empresarial, diretores de grandes empresas, altos

funcionários do Estado, líderes políticos e profissionais influentes), que partilham comumente

262

Boaventura de Souza Santos, “Os processos da globalização”, In: B. Santos (Org.), A globalização e as

ciências sociais, p. 34. 263

Fernando Gómez Aguilera (sel. e org.). As palavras de Saramago: catálogo de reflexões pessoais, literárias

e políticas, p. 373. 264

István Mezárros, O século XXI: socialismo ou barbárie?, p.19. 265

Figuram como atores responsáveis pela reorganização geoeconômica global, as corporações transnacionais

que disputam o controle do espaço econômico global e as poderosas instituições ligadas ao sistema financeiro

mundial, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial ou Banco Internacional de

Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e a Organização Mundial de Comércio (OMC).

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de uma condição socioeconômica privilegiada e detêm comum interesse nas relações do poder

político e do controle social, conforme expõe Boaventura Santos:

Evans foi um dos primeiros a analisar a “tripla aliança” entre as empresas

multinacionais, a elite capitalista local e o que chama “burguesia estatal” enquanto

base da dinâmica de industrialização e do crescimento econômico de um país

semiperiférico como o Brasil (Evans , 1979, 1986). Becker e Sklar, que propõem a

teoria do pós-imperialismo, falam de uma emergente burguesia de executivos, uma

nova classe social saída das relações entre o sector administrativo do Estado e as

grandes empresas privadas ou privatizadas. Esta nova classe é composta por um

ramo local e por um ramo internacional. O ramo local, a burguesia nacional, é uma

categoria socialmente ampla que envolve a elite empresarial, os diretores de

empresas, os altos funcionários do Estado, líderes políticos e profissionais

influentes. Apesar de toda a heterogeneidade, estes diferentes grupos constituem, de

acordo com os autores, uma classe, “porque os seus membros, apesar da diversidade

dos seus interesses setoriais, partilham uma situação comum de privilégio

socioeconômico e um interesse comum de classe nas relações do poder político e do

controlo social que são intrínsecas ao modo de produção capitalista”. O ramo

internacional, a burguesia internacional, é composta pelos gestores das empresas

multinacionais e pelos dirigentes das instituições financeiras internacionais

(1987:7)266

.

De outro lado, enquanto as classes dominantes se superestruturaram, ganhando

amplitudes globais, a antiga classe operária, responsável pela resistência à exploração do

capital, além de perder espaço no cenário político, assumiu ares de “classe média”

desestruturada, diversificada e fragmentada267

. Sem contar os invisíveis, totalmente

excluídos268

deste contexto.

Nesta nova configuração, a unidade do poder é, então, mantida em torno dessa fração

hegemônica, a “nova classe dominante”:

(...), a unidade do poder institucionalizado é mantida pela sua concentração em torno

do lugar dominante, onde se reflete a classe ou fração hegemônica. Os outros

poderes funcionam sobretudo como resistências ao poder dominante: inseridos na

função unitária do Estado, contribuem para a organização da hegemonia da classe ou

fração que se reflete, como força política, no poder dominante.269

Sobre essa nova classe hegemônica dominante, escreveu Gramsci:

266

Boaventura de Souza Santos, “Os processos da globalização”. In: B. Santos (Org.), A globalização e as

ciências sociais, p. 34. 267

Krishan Kumar, Da Sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. 268

Os “vagabundos” de Bauman: “A simples visão do vagabundo faz o turista tremer - não pelo que o

vagabundo é, mas pelo que o turista pode vir a ser” (Zygmunt Bauman, Globalização: As consequências

humanas, p. 106), que, na verdade, a exclusão é uma característica do “espírito do capitalismo”: “Ela força o

indivíduo, a medida que esse esteja envolvido no sistema de relações de mercado, a se conformar às regras de

comportamento capitalistas. (...) um trabalhador que não possa ou não queira se adaptar às regras, será jogado na

rua, sem emprego”. (Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, p. 21-22). 269

Nicos Poulantzas, Poder Político e Classes Sociais, p. 302.

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Podem ser fixados, por enquanto, dois grandes planos superestruturais: o que pode

ser chamado de, sociedade civil, ou seja, o conjunto de organismos habitualmente

ditos privados, e o da sociedade política ou Estado. E eles correspondem à função de

hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a sociedade; e à do domínio

direto ou de comando, que se expressa no Estado e no governo jurídico270

.

O poder real, invisível, por detrás das instituições – o capital internacional e as

empresas transnacionais (formadores da nova classe hegemônica dominante271

) –, é um poder

conservador que promove um Estado intervencionista poderoso, fundamentalmente de

proteção social para os ricos, cujo apoio se dá através de mecanismos fiscais, subsídios e

outros fatores financeiros272

, enquanto destina aos pobres, reformas que visam restringir e/ou

aniquilar direitos sociais.

3.2. Dominação econômica e pressão regulatória

Como vimos, o discurso neoliberal prega as privatizações de empresas estatais para

aliviar o déficit público além de reformas administrativas “urgentes”, mas o que se observa é

o acirramento das desigualdades, com o desvio da utilização de verbas públicas de programas

sociais para os programas econômicos de ajuda ao empresariado. Trata-se, portanto, da

expansão de um sistema político e econômico com base em um “Estado mínimo”, de livre

mercado, para os pobres, e um Estado intervencionista para os ricos.

Em outras palavras, se a concepção de um poder de Estado dividido em parcelas não

é válida para as relações classes dominantes - classes dominadas, (...), também não o

é para as relações entre classes e frações que constituem o bloco no poder. (...)

Unidade política do bloco no poder sob a égide da classe ou fração hegemônica

significa, assim, unidade do poder de Estado, na sua correspondência com os

interesses específicos desta classe ou fração. Esta característica relaciona-se, entre

outras coisas, ao jogo interno das instituições do Estado capitalista, à sua própria

270

A. Gramsci, Obras Escolhidas, p. 119. 271

Para termos uma ideia do poder de dominação dessas empresas, fizemos um recorte em uma situação de

manipulação pela “ilusão de escolha” com dados do setor de Supermercado nos EUA. As grandes empresas do

setor de varejo, alimentos e bebidas lucraram U$ 77 bilhões em 2012. Muitas companhias têm marcas múltiplas

e levam o consumidor a acreditar que estão escolhendo entre concorrentes, quando na verdade estão optando por

produtos feitos pela mesma empresa, nas mesmas fábricas. E isto vale até para as marcas orgânicas, tidas como

independentes, e que estão sendo engolidas por grandes corporações. Em 2012, 53.6% do dinheiro que

americanos gastaram com alimentos foi parar nas mãos de quatro grandes redes: Walmart, Kroger, Target e

Safeway. Isto é um dano para a economia e para o equilíbrio social, uma vez que tais empresas são conhecidas

por suas políticas de baixos salários e sua eliminação de pequenos negócios familiares em todo o país (José

Eduardo Mendonça, “Como supermercados criam a ilusão de que consumidor tem escolha“, 2013, disponível

em:<http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/planeta-urgente/como-supermercados-criam-a-ilusao-de-que-

consumidor-tem-escolha/>, acesso em 15/nov./2015). 272

Jim Cason e David Brooks, “La política en EUA, pararrayos de los ricos contra el odio popular – entrevista a

Noam Chomsky”, La Jornada, La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, p. 69.

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unidade e à sua autonomia relativa consideradas aqui do ponto de vista da função do

Estado com relação ao bloco no poder273

.

Ao Estado, restou apenas a função de organizar uma sociedade de consumidores,

afastando-se dos ideais perseguidos pelo Estado Social, limitando-se a assegurar, a despeito

de uma suposta isonomia, a fruição dos bens de consumo postos à disposição dos

consumidores, ao passo que, promove, concomitantemente, a exclusão social e controla a

pobreza penalmente, criminalizando a miséria.

Segundo Bauman:

A única tarefa econômica permitida ao Estado e que se espera que ele assuma é a de

garantir um “orçamento equilibrado”, policiando e controlando as pressões locais

por intervenções estatais mais vigorosas na direção dos negócios e em defesa da

população face às consequências mais sinistras da anarquia de mercado274

.

Essa classe hegemônica, que reflete a força política do poder dominante, coopta o ente

estatal275

em suas esferas burocráticas, exercendo forte influência nos governos dos Estados

nacionais, por meio da pressão regulatória, fazendo valer a supremacia de seus interesses

econômicos.

A importância dessa classe ou fração em que são recrutadas as '“cúpulas” da

burocracia, assinalaram-na Marx e Engels, através de um conceito específico, o da

classe detentora do Estado. Este conceito pareceu-lhes indispensável a fim de indicar

que essa classe ou fração pode identificar-se, mas também não se identificar, com a

classe ou fração hegemônica do bloco no poder, aquela que habitualmente se

designa, embora impropriamente, como classe ou fração politicamente dominante.

Em suma, essas cúpulas da burocracia podem provir de uma classe ou fração

politicamente dominante, que faz parte do bloco no poder276

.

Benaion Noval Mello afirma que “os mercados não ‘operam no vácuo’, para que eles

possam operar livremente, sem intervenção, é necessária uma forte pressão reguladora, de

acordo com as condições colocadas pelos conglomerados”277

.

273

Nicos Poulantzas, Poder Político e Classes Sociais, p. 294. 274

Zygmunt Bauman, Globalização: As consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. p.

73. 275

“Cabe ao Estado unificar os interesses dos capitalistas individuais, na manutenção do sistema, construindo

um bloco de poder que venha a agregar as diferentes frações da classe dominante em torno de uma ideologia

que legitime o seu domínio. (...) o bloco no poder é a expressão política das diferentes frações da classe

dominante. É através do bloco no poder que essas diferentes frações são unificadas para governar.” (José

Antônio Fernandes Magalhães, Ciência Política, p.110). 276

Poulantzas, Ob. cit., p. 331. 277

Noval Benaion Mello, As ideias neoliberais e o governo brasileiro, in Universidade e Sociedade, ano 1, n º

2, p. 68.

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Com efeito, os grupos econômicos hegemônicos impõem ao Estado a realização de

“reformas278

“ por meio de políticas públicas de destruição de direitos sociais, como corte em

verbas orçamentárias de programas de educação, saúde, seguridade social, habitação, combate

à pobreza e erradicação da fome, e, por outro lado, buscam a promoção da legalização do

controle da política e da economia, propiciando a “autorregulamentação” da economia e,

consequentemente, a dominação do todo social por grupos compromissados com interesses do

capital transnacional.

A terminologia “globalização da economia mundial” está sendo utilizada para

justificar a nova forma de dominação, não só econômica como sociocultural dos

países do “Primeiro Mundo” sobre os países periféricos, impondo outros padrões de

normas, condutas e comportamentos, que dão uma nova roupagem a este antigo tipo

de dominação. [...] O que à primeira vista aparece como uma intensificação das

relações sociais mundiais, na verdade, constitui-se uma nova face do imperialismo

mundial279

.

Como são as detentoras do poder econômico, as novas oligarquias formadas pela elite

econômica nacional, o capital internacional e os conglomerados transnacionais, participam

das decisões políticas do Estado e exercem pressão regulatória no que tange ao afrouxamento

de direitos sociais e proteção de seus interesses por meio dos mecanismos jurídicos, fiscais e

financeiros. Assim, a legislação local vai sendo moldada para o favorecimento do capital

especulativo dos mega investidores, sem fronteiras ou nacionalidade.

A classe hegemônica mundial sempre se articulou para ditar as regras da economia

mundial280

. Após a crise do capitalismo no final dos anos 1970s, o neoliberalismo foi

implantado nos países ricos centrais como meta de retomada de crescimento e lucratividade,

sendo imposto aos países capitalistas periféricos, dependentes economicamente, para que

aplicassem a “cartilha” extraída do Consenso de Washington281

e reorganizassem suas

economias de acordo com os padrões impostos pelos grupos dominantes.

278

Os atuais problemas globais criaram uma profunda crise de governabilidade aos países, especialmente aos

periféricos, que foram agravados com os “ajustes realizados” sob orientação de instituição como o Fundo

Monetário Internacional e o Banco Mundial (Mike Davis, Planeta Favela). 279

Karine de Souza Silva, Os Excluídos da Globalização, In Odete Maria de Oliveira (Org.), Relações

Internacionais & Globalização, p. 280. 280

Na esteira da Conferência Internacional de Bretton Woods, em julho de 1944, por proposta do governo norte

americano, para promoção de uma economia internacional estável e do livre comércio. Teve a participação de

44 países aliados. Entre seus objetivos iniciais, destacam-se: reordenação do sistema econômico internacional,

buscando a estabilidade interna dos Estados e a reestruturação das relações financeiras mundiais, criando um

arcabouço de regras econômico-financeiras para a promoção das garantias necessárias para a promoção da

liquidez internacional (Javier Vadell, “O Banco Mundial: dos empréstimos para o ajuste aos empréstimos para

políticas de desenvolvimento”, Conjuntura Internacional). 281

“Em 1989, no bojo do ‘reaganismo’ e do ‘tatcherismo’, máximas expressões do neoliberalismo em ação,

reuniram-se em Washington, convocados pelo Institute for International Economics, entidade de caráter

privado, diversos economistas latino-americanos de perfil liberal, funcionários do Fundo Monetário

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Dessa feita, a elite capitalista mundial representada pela coalizão desta reunião em

Washington, impôs aos países periféricos medidas que garantiam vantagens às grandes

corporações sobre seus mercados, por isso a necessidade do “afastamento” do Estado.

Entre tais imposições, destacamos a disciplina fiscal (limitação dos gastos do Estado,

sobretudo, com programas sociais); o direcionamento dos gastos públicos (principalmente em

infraestrutura); a liberação financeira (fim de restrições às instituições financeiras

internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e a retirada do Estado do setor); o

incremento do comércio exterior (redução de alíquotas de importação e estímulos á

exportação para impulsionar a globalização da economia); a eliminação de restrições ao

capital externo; privatização das empresas estatais e a desregulação (flexibilização das leis

trabalhistas282

e de controle econômico).

A partir de então, o FMI, por exemplo, é mero intermediador da transferência de

divisas dos países periféricos para os capitalistas centrais.

O Fundo Monetário Internacional tem basicamente funcionado como a instituição

que garante que os países pobres, muitos deles cada vez mais pobres e endividados,

paguem as suas dívidas aos países ricos (Estados, bancos privados, agências

multilaterais) nas condições (juros, por exemplo) impostas por estes. Mas as

transferências líquidas do Sul para o Norte assumem muitas outras formas como, por

exemplo, a “fuga dos cérebros”: segundo as Nações Unidas, cerca de 100.000

profissionais indianos imigram para os EUA, o que corresponde a uma perda de 2

bilhões de dólares para a Índia (PNUD, 2001:5)283

.

Representantes dos interesses das oligarquias globais, de forma independente, atuam o

FMI, o BIRD e a OMC, organizações multilaterais, com capacidade de atuação junto aos

governos nacionais. Possuem recursos monetários e políticos suficientes para orientar, induzir

ou impor políticas monetárias, fiscais e outras de cunho neoliberal aos países pobres284

.

Acontece que essas organizações multilaterais, a “santíssima trindade do capitalismo

global”, tornaram-se poderosas agências de privatização, desestatização, desregulamentação,

Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-

americano. O tema do encontro, Latin Americ Adjustment: How Much has Happened?, visava a avaliar as

reformas econômicas em curso no âmbito da América Latina. John Willianson, economista inglês e diretor do

instituto promotor do encontro, foi quem alinhavou os dez pontos tidos como consensuais entre os participantes.

E quem cunhou a expressão ‘Consenso de Washington’, através da qual ficaram conhecidas as conclusões

daquele encontro”. (João José Negrão, Para conhecer o Neoliberalismo, p. pág. 41-42). 282

Nos anos 90, a base material da taxa de rendimento de 15% sobre os fundos próprios foi uma taxa de

crescimento dos lucros de 8% a 9%. O rigor salarial e a flexibilização do emprego, assim como o recurso

sistemático ao trabalho barato e pouco protegido, por meio da deslocalização e da subcontratação internacional,

permitiram esse movimento (François Chesnais, “Capitalismo de fim de século”, In: Osvaldo Coggiola (org.),

Globalização e socialismo, p.55). 283

Boaventura de Souza Santos, “Os processos da globalização”, In: B. Santos (org.), A globalização e as

ciências sociais, p. 33. 284

Octávio Ianni, A Era do Globalismo, p. 125.

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modernização ou racionalização, sempre em conformidade com as exigências do mercado,

das classes dominantes e do desenvolvimento capitalista285

.

Aos países capitalistas do sul, periféricos ou pobres, não restou alternativa, pois vivem

em eterna e insanável dependência financeira, com colossais endividamentos, assim, tiveram

que adequar suas economias às imposições dos países dominantes.

Segundo Paulo Nogueira Batista:

(...) apresentado como fórmula de modernização, o modelo de economia de mercado

preconizado no consenso de Washington constitui, na realidade, uma receita de

regressão a um padrão econômico pré-industrial caracterizado por empresas de

pequeno porte e fornecedoras de produtos mais ou menos homogêneos. O modelo é

o proposto por Adam Smith e referendado com ligeiros retoques por David Ricardo

faz dois séculos. Algo que a Inglaterra, pioneira da Revolução Industrial, pregaria

para uso das demais nações mas que ela mesma não seguiria à risca. No Consenso

de Washington prega-se também uma economia de mercado que os próprios Estados

Unidos tampouco praticaram ou praticam (...). O modelo ortodoxo de laissez-faire,

de redução do Estado à função estrita de manutenção da ‘lei e da ordem’ – da

santidade dos contratos e da propriedade privada dos meios de produção – poderia

ser válido no mundo de Adam Smith e David Ricardo, em mercados atomizados de

pequenas e médias empresas gerenciadas por seus proprietários e operando em

condições de competição mais ou menos perfeita; universo em que a mão de obra

era vista como uma mercadoria, a ser engajada e remunerada exclusivamente

segundo as forças da oferta e da demanda; uma receita, portanto, de há muito

superada e que pouco tem a ver com os modelos modernos de livre empresa que se

praticam, ainda que de formas bem diferenciadas, no Primeiro Mundo286

.

Houve verdadeiro desmanche do setor público nos Estados pobres para o avanço do

poderio das oligarquias dominantes e dos conglomerados transnacionais. Assim, as nações

periféricas eram forçadas a cumprir as imposições neoliberais debilitando suas economias

com as “reformas” de afrouxamento da legislação em e favor das grandes corporações.

As grandes empresas transnacionais ligadas ao capital hegemônico estão sediadas nos

países ricos, o que aumenta a pressão para a liberalização de investimento nos países pobres.

A globalização financeira criou, aliás, seu próprio Estado. Um estado supranacional,

dispondo de seus próprios aparatos, redes de influência e meios de ação próprios.

[...] Esse Estado Mundial é um poder sem sociedade, sendo esse papel

desempenhado pelos mercados financeiros e pelas empresas gigantes, das quais ele é

o mandatário, tendo como consequência que as sociedades realmente existentes são

sociedades sem poder. E isso não para de agravar-se287

.

Detentoras dos meios de produção e, logo, do poder econômico, passaram a efetuar

um verdadeiro lobby mundial para obter relações jurídicas mais flexíveis e passíveis de

285

Octávio Ianni, Idem, ibidem. 286

Paulo Nogueira Batista, “O consenso de Washington. A visão neoliberal dos problemas latino-americanos”,

Caderno Divida Externa nº 6, p. 119-120. 287

Ramonet, As guerras do séc. XXI: novos temores e novas ameaças, p.103-104.

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80

precariedade de trabalho. Assim, ao instalarem suas linhas de produção nos Estados que mais

lhes interessa política, jurídica e economicamente, fragmentam o processo produtivo288

.

Beneficiadas pela mobilidade do processo de produção capitalista, as empresas

transnacionais demonstram poder de intervenção mundial provocando a concorrência entre

Estados. Destarte, quando analisam as condições para direcionamento de investimentos, em

uma negociação nitidamente desigual, mantém as sociedades nacionais extremamente

dependentes da sociedade global por ditarem as regras do jogo da política neoliberal289

.

Junto com as instituições financeiras internacionais, estas megaempresas se tornaram

poderosos centros de poder global, maiores, no que concerne a influência nos ditames sociais,

inclusive, que as instituições democráticas dos Estados nacionais, vez que impõem seus

desígnios e exigências às nações, influenciam os rumos da política e provocam a

desestabilização social destes Estados290

.

Com o esfacelamento do Estado e suas instituições há a ação dos grupos hegemônicos

capitalistas que ultrapassa a interferência econômica, passando, também, a controlar a ordem

política dos países dependentes291

, exercendo a função de traduzir a ideologia dominante em

ação concreta. Ou seja, “a função do bloco no poder é organizar a hegemonia burguesa no

interior do Estado capitalista”292

.

3.3. Desafios do Estado Democrático de Direito na Pós-Modernidade

Ao longo do processo de evolução do capitalismo, o Estado passou por diversas

transformações, contudo, independente do momento histórico, desde sua estruturação,

influenciado pelas revoluções burguesas293

, firmou-se como instrumento de grupos

hegemônicos para manter o status quo de dominação de classes294

.

288

Ladislau Dowbor, “Globalização e Tendências Institucionais”, In: Ladislau Dowbor, Octavio Ianni e Paulo-

Edgar A. Resende (org.), Desafios da Globalização, p. 14. 289

Anthony Giddens, As Consequências da Modernidade, p. 75. 290

Octávio Ianni, A Era do Globalismo, p. 266. 291

A. Atilio Boron, Estado, capitalismo e democracia na América Latina, p. 93. 292

José Antônio Fernandes Magalhães, Ciência Política, p.110. 293

As principais Revoluções Burguesas: a Revolução Puritana, em 1642; a Gloriosa, em 1688 (ambas na

Inglaterra),a Revolução (norte) Americana, em 1776; a Revolução Francesa, em 1789 e a Revolução Industrial

iniciada em 1760, serviram de instrumentos de transformação político-institucional que consolidam o poder

econômico da burguesia entre os séculos XVII e XIX, perpetrando o capitalismo e transformando o Estado para

atender seus interesses. Foi a Revolução Inglesa que abriu as condições para a instauração do modo de produção

capitalista, via Revolução Industrial, na medida em que estabeleceu a plena prosperidade privada sobre a terra,

permitiu à marinha inglesa controle sobre os mercados mundiais e, ao intensificar os cercamentos, proletarizou

uma grande massa de pessoas (Modesto Florenzano, As revoluções burguesas). 294

“A história de todas as sociedades que existiram até hoje tem sido a história das lutas de classes” (Karl Marx

e Friedrich Engels, O Manifesto do Partido Comunista, p. 69).

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Considerando que a burguesia desempenhou na história um papel eminentemente

revolucionário, até a sua consolidação no poder político295

e que em:

todos os fenômenos históricos em que uma burguesia foi, se não a protagonista, pelo

menos a beneficiária, do processo que abriu caminho ao capitalismo, quanto para

designar o processo histórico que no Ocidente, entre aproximadamente 1770 e 1850,

transformou a sociedade ocidental de aristocrática e feudal em burguesa e

capitalista296

.

Temos que o poder político sempre foi a maneira legal e jurídica pela qual a classe

economicamente dominante de uma sociedade manteve seu domínio. O aparato legal e

jurídico apenas dissimula o essencial: que o poder político existe como poderio dos

economicamente poderosos, para servir seus interesses e privilégios e garantir-lhes a

dominação social297

.

No inicio do século XX, com o Fordismo, onde havia concentração de trabalhadores,

baixa remuneração; desenvolvimento de tecnologias, criação de estoques de insumos e

matéria-prima298

, padronização da produção, divisão de trabalho entre intelectual e

mecânico299

e a mecanização e não qualificação do trabalho, bem como na ingerência do

taylorismo300

e/ou no sistema fordista-keynesiano301

e, mais tarde, quando “a produção não

ocorre a partir da capacidade produtiva da empresa, mas de acordo com a capacidade de

absorção do produto no mercado”302

, o Estado sempre foi moldado pelos interesses

econômicos, adaptando-se de acordo com as compreensões sociais e políticas do mundo.

Vimos, então, no limiar do século XX, há uma inegável mudança de paradigma social

em relação aos valores epistemológicos anteriores, presentes no projeto da modernidade. Tal

295

Karl Marx e Friedrich Engels, A ideologia alemã (Feuerbach), p. 78. 296

Modesto Florenzano, As Revoluções Burguesas, p.120. 297

Marilena Chauí, Convite à Filosofia, p. 411. 298

Antônio Rodrigues de Freitas Júnior, “Globalização & integração regional: horizontes para o reencantamento

do direito do trabalho num quadro de crise do Estado-Nação”, Revista LTr, v. 61, n. 2, p. 206-207. 299

“Um tipo de homem é necessário para planejar e outro diferente para executar o trabalho. [...] em quase todas

as artes mecânicas, a ciência que rege as operações do trabalho é tão vasta e complexa que o melhor trabalhador

adaptado a sua função é incapaz de entendê-la, quer por falta de estudo, quer por insuficiente capacidade

mental” (F. W. Taylor, Princípios de administração científica, p 43). 300

O modelo de produção em massa fordista foi universalizado e combinado com as técnicas de administração

científica tayloristas, ao passo que foram ampliados diversos direitos sociais, o que suavizou temporariamente o

conflito inerente à relação capital-trabalho até a crise de seu padrão de acumulação (R. Braga, “Luta de classes,

reestruturação produtiva e hegemonia”, In: Novas Tecnologias. Crítica da atual reestruturação produtiva, p.

96). 301

“responsável pelo crescimento mundial nos anos 50 e 60, principalmente nos Estados Unidos e Europa

Ocidental, onde surgiu o Welfare State” (César Augusto Silva da Silva, “Reformas Econômicas da América

Latina no Contexto da Globalização”, In: Odete Maria de Oliveira (org.), Relações Internacionais &

Globalização, p. 209). 302

Alexandre Luiz Ramos, “Acumulação flexível, toyotismo e desregulamentação do Direito do Trabalho”, In:

Alexandre Ramos e Edmundo Lima Arruda Jr. (org.), Globalização, neoliberalismo e o mundo do trabalho,

p. 251.

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transação representa uma ruptura com o modo de organização social, com a passagem da

ciência moderna para uma ciência pós-moderna303

.

O paradigma da modernidade foi constituído antes da total dominação capitalista, e a

transição para a pós-modernidade acontece com espantoso crescimento deste sistema

impulsionado pelas transformações tecnológicas e pelo consumo exacerbado, sendo certo que

o modelo anterior não cumpriu a promessa de emancipação do homem, mas, ao contrário,

conduziu a humanidade a absurdos e atrocidades, com duas grandes guerras de proporções

globais e ameaça à vida do planeta com a exploração indiscriminada de recursos naturais para

atender às necessidades cada vez mais crescentes deste vicioso ciclo de produção e

consumo304

.

Para Boaventura:

a relação entre o moderno e o pós-moderno é uma relação contraditória. Não é de

ruptura total como querem alguns, nem de linear continuidade como querem outros,

é uma situação de transição em que há momentos de ruptura e momentos de

continuidade305

.

O fato é que as transformações são manifestas, e a transição se mostra no processo de

compreensão do espaço e do tempo, cujo intento transcende os aspectos meramente

econômicos, desorientando as práticas político-econômicas, o equilíbrio do poder de classe,

assim como toda a vida social e cultural306

. A sociedade pós-moderna, marcada por

fenômenos econômicos e tecnológicos, pelo consumismo, individualismo, dinâmica do

mercado, ameaça à soberania estatal e inquestionável insegurança quanto ao futuro, exige a

construção de novos marcos para atender às novas exigências sociais.

Para entendermos os desafios do Estado neste cenário pós-moderno, é necessário

entendermos a sua gênese, o que nos remete às revoluções promovidas pela burguesia, os

processos históricos que consolidam seu poder econômico e sua ascensão ao poder político,

pois ao longo dos séculos XVII e XVIII a burguesia se demonstrou ser uma classe social

303

“suas ênfases na descontinuidade, na fragmentação, na ruptura e no deslocamento contêm uma linha em

comum” (Stuart Hall, A identidade cultural da pós-modernidade, p. 18). 304

“Numa sociedade de consumidores, todo mundo precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por

vocação (ou seja, ver e tratar o consumo como vocação). Nessa sociedade, o consumo visto e tratado como

vocação é ao mesmo tempo um direito e um dever humano universal que não conhece exceção”. (Zygmunt

Bauman, Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p.7). 305

Boaventura de Sousa Santos, Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade, p. 103. 306

David Harvey, Condição Pós-Moderna, p. 257.

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revolucionária307

, que destruiu a ordem feudal, consolidou o capitalismo e transformou o

Estado para atender a seus interesses de classe.

Destarte, o Estado passa a ser regulado por um poder soberano, com instituições

amparadas no ordenamento jurídico que, posteriormente, com princípios democráticos, busca

uma harmonização de várias escalas de interesses. O Estado firma-se na ideia de soberania, ou

seja, é detentor de um poder sem igual ou concorrente, no âmbito de um território, capaz de

estabelecer normas e comportamentos para todos os seus habitantes308

.

A sociedade, que tinha a função de oferecer sentido à vida de seus membros,

acolhendo-os na vida adulta como parte de algo maior, que o transcendia309

, dilui-se no

cenário de insegurança, incertezas e dissolução de vínculos sociais, abalando os pressupostos

de democracia e participação política, pois observa-se na pós-modernidade que a capacidade

da autogestão e o exercício independente da soberania estatal são mitigados pelos interesses

extranacionais, sendo que grande parte do poder de ação do Estado agora se afasta na direção

de um espaço globalizado, enquanto a política é incapaz de operar efetivamente na direção

planetária, já que permanece local310

.

Com o surgimento desses novos centros de poder e a nova organização da classe

detentora dos meios de produção, os Estados nacionais perdem cada vez mais as suas

prerrogativas sociais.

Assiste-se, assim, a este espetáculo insólito: a ascensão de firmas planetárias, diante da qual os

contrapoderes tradicionais (Estados, partidos, sindicatos) parecem tornar-se impotentes. O fenômeno

principal de nossa época, a globalização liberal, não é mais pilotado pelos Estados. Diante das firmas

gigantes, estes perdem cada vez mais as suas prerrogativas. Os cidadãos assistem, impotentes, a uma

espécie de golpe de Estado planetário de novo tipo311

.

O Estado é reduzido a mero agente regulatório dos interesses mercadológicos,

comprometido em oferecer segurança apenas para os investidores capitalistas.

No cabaré da globalização, o Estado passa por um strip-tease e no final do

espetáculo é deixado apenas com as necessidades básicas: seu poder de repressão.

Com sua base material destruída, sua soberania e independência anuladas, sua classe

307

Não obstante a visão de Christopher Hill, que entende que as “Revoluções Burguesas”, além de liquidar com

a antiga ordem feudal absolutista, foram revoluções nas quais a burguesia se apropriou das forças populares para

fazer a sua revolução, pois não foi a burguesia que conduziu os processos revolucionários e, sim, o povo. Isso

pode ser identificado nas Revoluções Inglesa do século XVII e Francesa do século XVIII. In: Adhemar Marques

et.al., História Contemporânea através de textos, p.9-10. 308

FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 17. 309

BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 75. 310

BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 08. 311

I. Ramonet, As guerras do séc. XXI: novos temores e novas ameaças, p. 108.

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política apagada, a nação-estado torna-se um mero serviço de segurança para as

megaempresas312

.

Os Estados nacionais não conseguem mais elaborar políticas decisórias independentes,

porque tais políticas passam cada vez mais ao controle das corporações multinacionais

privadas, que decidem os rumos da produção de bens e serviços313

.

O centro das decisões é direcionado para fora das fronteiras dos Estados. A autonomia

dos Estados está sujeita, então, aos mais variados interesses, sobretudo aos interesses do

mercado e das oligarquias314

locais descompromissadas com o bem-estar da população

humana, porque voltadas ao acúmulo desmedido de capital.

Com claro descompasso entre os interesses nacionais e transnacionais, observamos um

processo de descrédito nas instituições públicas e desinteresse do cidadão na participação

democrática, vez que este cidadão tem abalado a sua crença na autonomia do Estado, gerado,

muitas vezes, pela ineficiência de suas instituições315

.

A subordinação do Estado aos interesses do mercado transnacional (e não de seus

mercados nacionais) e a dominação oligárquica por grupos hegemônicos criam um sistema

político de marginalização social e política dos menos favorecidos economicamente, obstando

a construção da cidadania e da participação política.

As nações perderam a maior parte da soberania que possuíam outrora, e os políticos

perderam a maior parte de sua capacidade de influenciar os eventos. Não é de

surpreender que ninguém mais respeite líderes políticos, ou tenha muito interesse no

que eles possam ter a dizer. A era do estado-nação está encerrada316

.

Paralelamente a essa crise de representatividade, entendemos que ocorre cada vez mais

a diminuição da legitimidade de autoridades, de representantes. A vontade popular fica sem

saber a quem recorrer quando reconhece no poder estatal um espaço elitista, em que se

defendem interesses privados e econômicos317

.

312

Zygmunt Bauman, Globalização: As consequências humanas, p. 73. 313

André-Noël Roth, “O Direito em Crise: fim do Estado moderno?”, In: José Eduardo Faria (org.), Direito e

Globalização Econômica: implicações e perspectivas, p. 26. 314

“Grupo de pessoas poderosas que dominam uma parte dos interesses de um país”. (Aurélio Buarque

de Holanda Ferreira, Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa, 1988). 315

“(...) a globalização é irreversível e, em alguns aspectos, independente da atuação governamental. O mesmo

não se dá com a ideologia baseada na globalização, a ideologia neoliberal do livre mercado ou o que foi

chamado de fundamentalismo do mercado livre.” (Eric J. Hobsbawm, O novo século, p. 78). 316

A. Giddens, Mundo em descontrole, p. 18-19. 317

Antônio Carlos Gomes Ferreira, “A desobediência civil na sociedade brasileira: reflexões sobre participação

política e representatividade sob a luz do pensamento de Hannah Arendt“, Jus Navigandi, ano 19, n. 3971,

disponível em: <http://jus.com.br/artigos/28439>, acesso em 18/mai./2014.

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A rapidez de movimento torna o verdadeiro poder extraterritorial. Podemos dizer

que, não conseguindo mais as instituições existentes reduzir a velocidade de

movimentos do capital, os políticos perdem poder cada vez mais – circunstancia

simultaneamente responsável por uma crescente apatia política, um progressivo

desinteresse do eleitorado por tudo que tenha caráter ‘político’, à exceção dos

saborosos escândalos encenados pelas elites à luz dos refletores, e a queda da

expectativa numa possível salvação gerada pelo governo, sejam quais forem seus

atuais ou futuros ocupantes. O que é feito e pode ser feito nos escalões de governo

influi cada vez menos na luta cotidiana dos indivíduos318

.

Não bastasse a diluição da autonomia do Estado, o forte individualismo e o

esvaziamento da participação política, elencamos o abalo à organização do trabalho e a luta

dos trabalhadores como mais uma consequência da globalização e marca da pós-modernidade,

visto que com a transnacionalização do trabalho e sua flexibilização resulta em inevitável

precarização do trabalho humano.

Segundo Boaventura Santos:

A degradação salarial é, no entanto, apenas um aspecto do isolamento político das

classes trabalhadoras. Outro aspecto não menos importante é a degradação dos

salários indiretos e, consequentemente, das prestações e serviços do Estado-

Providência. O retrocesso nas políticas sociais tem assumido varias formas: cortes

nos programas sociais; esquemas de coparticipação nos custos dos serviços

prestados por parte dos utentes; privatização capitalista de certos setores da

providencia estatal no domínio da saúde, da habitação, da educação, dos transportes

e das pensões de reforma; transferência de serviços e prestações para o setor privado

de solidariedade social mediante convênios com o Estado; mobilização da família e

das redes de interconhecimento e de entreajuda – o que em geral podemos designar

por sociedade-providência – para o desempenho de funções de segurança social até

agora desempenhados pelo Estado319

.

O aumento da pobreza e dependência econômica dos países pobres, sobretudo da

África e da América Latina, faz parte da configuração do capitalismo contemporâneo e a força

ideológica e política do neoliberalismo.

Sem intervenção política ativa da oligarquia pós-moderna e dos grupos hegemônicos

que cooptam o Estado, bem como os governos que aceitaram não resistir a eles, e sem a

implementação de políticas de desregularão e de privatização, o capital financeiro

internacional e os grandes grupos multinacionais não teriam destruído “os entraves e freios à

liberdade deles de se expandirem à vontade e de explorarem os recursos econômicos,

humanos e naturais, onde lhes for conveniente”320

. A proliferação das corporações

318

Zygmunt Bauman, Em busca da política, p. 27. 319

Boaventura de Sousa Santos, Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade, p. 254. 320

François Chesnais, A mundialização do capital, p. 34.

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transnacionais, o capital sem rosto, multifacetado321

, estabelece uma cadeia particular de

produção e aproveitam-se das vantagens comparativas oferecidas em cada local do planeta322

.

Assistimos à participação do Estado como ator efetivo do mercado globalizado, visto

que a transnacionalidade das empresas e a dependência do capital externo fazem com que as

políticas do Estado voltem-se a atrair esse capital externo. Assim, controles rígidos de

câmbio, alta carga tributária e a burocracia servem de barreiras para o capital.

E esta mudança atinge sensivelmente nosso modo de gerir os bens públicos, num

mundo que pede rapidez, eficiência, economia, moralidade e responsabilidade para

com tudo o que é público — um mundo onde o Mercado e não o Estado parece ser

o Leviatã tão temido, quase que moldando o atuar das nações conforme suas

conveniências e necessidades323

.

Evidente que o capital, que é circulante, busca “segurança” econômica e maiores

condições de lucro, não possui nacionalidade, mas tão somente ambição de majorar seus

dividendos, o que abala a soberania e o poder político do Estado.

A participação do Estado e sua intervenção regulatória constituem-se em barreira aos

investimentos, assim, somente com a diminuição da atuação do Estado, a economia nacional

torna-se atrativa ao afluxo de capital e investimentos externos, mantendo os índices básicos de

emprego e circulação da produção, tornando o Estado cada vez mais dependente do mercado

internacional e de interesses de grupos específicos.

O discurso global é de defesa ao princípio da liberdade e da igualdade no mercado.

Contudo, observamos os grupos econômicos hegemônicos (empresas transnacionais,

instituições financeiras internacionais e parte da elite dominadora nacional) planejando de

forma excêntrica e rigorosa os rumos da economia mundial, através de “seus mapas do

mundo, as suas geoeconomias, à revelia dos assalariados e governantes; ou subordinando-

os”324

.

O poder está concentrado nas mãos dos detentores do grande capital, ou seja, das

empresas e instituições financeiras multinacionais privadas – a nova classe dominante –, que

321

De acordo com essa tendência, o capital avança para além das barreiras e preconceitos nacionais, para além

da adoração da natureza e da satisfação tradicional, confinada, complacente e incrustada das necessidades

presentes, e das reproduções dos velhos estilos de vida. É destrutivo para com tudo isso, e constantemente o

revoluciona, pondo abaixo todas as barreiras que impeçam o desenvolvimento das forças de produção, a

expansão das necessidades, o desenvolvimento multifacetado da produção e a exploração e o intercâmbio das

forças naturais e mentais (Karl Marx, Grundrisse, p. 408-410) (destaque nosso). 322

René Dreifuss, “Os Códigos do Admirável Mundo Novo”, Revista Rumos do Desenvolvimento,

n. 123, p. 31. 323

Eros Roberto Grau, “O Discurso Neoliberal e a Teoria da Regulação”, In: Desenvolvimento Econômico e

intervenção do Estado na ordem constitucional - Estudos em homenagem ao professor Washington Peloso

Albino de Sousa. 324

Octávio Ianni, A Era do Globalismo, p. 265.

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influenciam os rumos das economias mundiais e excluem do processo decisório o público

externo. Criou-se, então, um sistema antidemocrático e ditatorial, visto que as decisões acerca

da produção, dos investimentos e do comércio são concentradas nessas oligarquias

hegemônicas, à revelia dos cidadãos, dos consumidores e dos trabalhadores. Grande parte do

comércio global já é feito “intraempresas”, que deslocam as etapas produtivas no escopo de

evitar as barreiras socioambientais e os direitos conquistados pelos “trabalhadores mimados

do Ocidente”325

.

São visíveis os resultados causados pela globalização, de forma que o combate ao

aumento das desigualdades sociais, à exclusão social e política, o crescimento do

endividamento público de muitos Estados e a precarização das condições do trabalho humano

surgem como desafios do Estado Democrático, mas o grande desafio do Estado

contemporâneo é a manutenção de sua soberania ante aos ditames imperialistas326

do

neoliberalismo e a salvaguarda das garantias sociais de seus nacionais frente ao poderio e

interesses escusos do capital oligárquico mundial.

3.3.1. O Princípio da eficiência e a administração gerencial

Na ideia de administração do Estado no cenário contemporâneo, temos a

“Administração Pública” como o próprio Estado, grafado com letras maiúsculas, ou a

“administração pública” como exercício da função administrativa, grafado, então, em letras

minúsculas, demonstrando a diferenciação conceitual na grafia.

A função administrativa se traduz na função dever/poder utilizado por Celso Antonio

Bandeira de Melo327

, invertendo a expressão de Renato Alessi e Santi Romano328

, pois com a

expressão dever/poder ressaltamos a ideia de que cabe ao Estado cumprir o dever de

satisfação das necessidades públicas, tendo o poder, as prerrogativas como instrumento para

alcançar a satisfação dessas necessidades. O poder é, destarte, instrumental, ancilar, para o

cumprimento do dever que vem como atividade premente de satisfação das necessidades

públicas para promoção do bem comum329

.

325

Noam Chomsky, Novas e velhas ordens mundiais, p. 233-234. 326

Os novos centros de poder esculpido pelas oligarquias pós-modernas “recriam os nexos de cunho

imperialista; mas em outros níveis, com outra dinâmica.” (Octávio Ianni, A Era do Globalismo. p. 233). 327

Conceito extraído de: Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p. 65. 328

A função vem empregada na doutrina como função e/ou atividade nas clássicas definições de Santi Romano

e Renato Alessi extraída da obra de Santi Romano, apud Franco Modugno, Verbete “Funzione”, In:

Enciclopedia Del Diritto, XVIII, p. 1401 e de Renato Alessi, Principi di Diritto Amministrativo, Vol. I, p. 3. 329

Também utilizado em expressões sinônimas como: “felicidade coletiva” ou “prosperidade pública”

(expressão usada pelo Professor Ataliba Nogueira na obra: O Estado é meio e não fim, de 1945), “bem de

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O aspecto gerencial da administração pública surgiu na Grã-Bretanha e nos Estados

Unidos após da ascensão ao poder de governos conservadores, tais como Margaret Thatcher

em 1979 e Ronald Reagan, no inicio dos anos 1980330

.

Na Grã-Bretanha o modelo de gerencialismo foi imediatamente aplicado ao serviço

publico, levando à uma profunda reforma administrativa que contribuíram para tornar o

serviço publico mais flexível, descentralizado, eficiente e orientado para o cidadão331

.

Diante de uma nova ordem econômica, no fim do século XX, engendrou-se a

necessidade de implantação de medidas para modernizar a administração pública, tendo em

vista as imposições dos países capitalistas centrais que esbarravam nos excessivos entraves

provocados por uma administração burocrática332

.

Sob o neoliberalismo, reforma-se o Estado […]. Realizam-se a desregulamentação

das atividades econômicas pelo Estado, a privatização das empresas produtivas

estatais, a privatização das organizações e instituições governamentais relativas à

habitação, aos transportes, à educação, à saúde e à previdência. O poder estatal é

liberado de todo e qualquer empreendimento econômico ou social que possa

interessar ao capital privado nacional e transnacional. Trata-se de criar o “Estado

mínimo”, que apenas estabelece e fiscaliza as regras do jogo econômico, mas não

joga. Tudo isto baseado no suposto de que a gestão pública ou estatal de atividades

direta e indiretamente econômicas é pouco eficaz, ou simplesmente ineficaz. O que

está em causa é a busca de maior e crescente produtividade, competitividade e

lucratividade, tendo em conta mercados nacionais, regionais e mundiais. Daí a

todos” (Constituição Federal de 1988, artigo 3º.) e melhor definida pela Professora Maria Garcia: “O bem

comum consiste no conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento

integral da personalidade humana.”, extraída da encíclica “Pacem In Terris”, do Papa João XXIII (Maria

Garcia, Desobediência civil: direito fundamental, p. 24). 330

Com a sequência de vitórias dos neoliberais: em 1979, Margaret Thatcher, na Inglaterra; em 1980, Reagan,

nos EUA; em 1982, Helmut Kohl, na Alemanha. Porém, as primeiras experiências de “ajuste” neoliberal haviam

sido ensaiadas na América Latina: em 1973, no Chile, com Pinochet. Nos anos 80, os programas neoliberais de

ajuste econômico foram impostos a países latino-americanos como condição para a renegociação de suas dívidas

galopantes. Daí se passou à vigilância e ao efetivo gerenciamento das economias locais pelo Banco Mundial e

pelo FMI: 1985, Bolívia; 1988, México, com Salinas de Gortari; 1989, na Argentina, com Menem; 1989,

Venezuela, com Carlos Andrés Perez; 1990, Fujimori, no Peru. E, desde 1989, o Brasil, de Collor a FHC. Em

um livro do início dos anos 1990, Anne Krueger, economista-chefe do Banco Mundial durante a fase dos

ajustes, festejava as dezenas de programas aplicados mundo afora: “os países que os ‘acolheram’ deixaram de

governar suas dividas, passaram a ser governados pelas dívidas ou a serem governados através de suas dívidas”.

(Reginaldo C. Moraes, “O legado de Margareth Thatcher”, Conjuntura Internacional, v. 10, n. 2, p. 21). 331

O planejamento e a execução das ações têm pôr fim a qualidade dos serviços, pois o “cidadão é um

consumidor” dos serviços públicos, como observa Bresser Pereira (Luiz Carlos Bresser Pereira e Peter Spink

(org.), “Gestão do setor público: estratégia e estrutura para um novo Estado”, In: Reforma do Estado e

Administração Pública Gerencial, p.33). 332

Da necessidade de um modelo da administração pública que superasse a confusão entre o público do privado,

bem como a confusão entre o político do administrador público, nasceu a administração burocrática, de cunho

legalista e racionalista (Luiz Carlos Bresser Pereira. “Da administração pública burocrática à

gerencial”, Revista do Serviço Público, 47, p. 4). O modelo burocrático foi importante no Estado Liberal para

garantir “a propriedade e os contratos, pois “no Estado Liberal só eram necessários quatro ministérios - o da

Justiça, responsável pela polícia, o da Defesa, incluindo o exército e a marinha, o da Fazenda e das Relações

Exteriores. Nesse tipo de Estado, o serviço público mais importante era o da administração da justiça, que o

poder judiciário realizava” (Luiz Carlos Bresser Pereira, “Estado, sociedade Civil e legitimidade democrática”,

Lua Nova: Revista de cultura e Política, n.36, p. 5).

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impressão de que o mundo se transforma no território de uma vasta e complexa

fábrica global e, ao mesmo tempo, em Shopping Center global e Disneylândia

global333

.

A crise econômica dos anos 1970s era, antes de tudo, uma crise de Estado. David

Harvey definiu essa crise como uma crise de “rigidez”334

, visto que a rigidez do Estado

impedia o livre empreendimento e os investimentos do setor privado. Foi necessária uma

intervenção da classe hegemônica com a intensificação do controle do trabalho e da

racionalidade. As fusões de empresas, a busca de novos mercados e mão de obra barata,

automação e o desenvolvimento tecnológico tornaram-se tendências mundiais. Harvey

chamou essa tendência de uma reestruturação produtiva e reforma do Estado, de “acumulação

flexível”, já que:

[…] se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho,

dos produtos e padrões de consumo. Caracterizam-se pelo surgimento de setores de

produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços

financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de

inovação comercial, tecnológica e organizacional335

.

Segundo Sennet, “as empresas buscaram eliminar camadas de burocracia, tornaram-se

organizações mais planas e flexíveis. Em vez das organizações tipo pirâmide, a administração

quer agora pensar nas organizações como redes”336

.

Com as transformações econômicas mundiais, inevitavelmente acompanhamos

também uma mudança no papel do Estado, que precisou reduzir os entraves para o avanço do

capital. Assim, quando houve o esgotamento do modelo burocrático, a estratégia usada para

redefinir o papel do Estado foi a implementação do modelo gerencial.

Grosso modo, a redefinição do papel do Estado na economia e a tentativa de reduzir

os gastos públicos na área social — tarefa esta nem sempre bem sucedida — foram

as duas saídas mais comuns à crise das dimensões econômica e social do antigo tipo

de Estado. Para responder ao esgotamento do modelo burocrático weberiano, foram

introduzidos, em larga escala, padrões gerenciais na administração pública,

inicialmente e com mais vigor em alguns países do mundo anglo-saxão (Grã-

Bretanha, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia), e depois, gradualmente, na

Europa continental e Canadá337

.

333

Octávio Ianni, “Globalização e Neoliberalismo. São Paulo em perspectiva”, p. 28, disponível em:

<http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/v12n02/v12n02_03.pdf>, acesso em 19/mai./2015. 334

David Harvey, “Do Fordismo à Acumulação Flexível”, in: A condição pós-moderna, p. 135. 335

David Harvey, “Do Fordismo à Acumulação Flexível”, In: A condição pós-moderna, p. 140. 336

Richard Sennet, A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo, p. 23 337

Fernando L. Abrucio, “O impacto do modelo gerencial na administração pública: um breve estudo sobre a

experiência internacional recente”, Cadernos ENAP, N.10, p.7.

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O problema é que, a partir de tal modelo, há significante redução com gastos públicos

na área social338

. No caso do Brasil, surge a reforma administrativa germinada pela Emenda

constitucional n. 19/98, que implementa o modelo de administração publica gerencial na

Administração. Assim, é importante analisarmos o princípio da eficiência neste novo cenário

administrativo.

Buscando um controle de resultados na gestão pública e por trás de uma ideia de

assegurar uma adequada prestação de serviço por parte do Estado, por meio deste princípio, é

inserido o modelo ideológico neoliberal na administração publica brasileira.

Segundo Alexandre de Moraes:

O princípio da eficiência impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus

agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício e suas competências de

forma imparcial, neutra, transparente, participativa eficaz, sem burocracia sempre

em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais

necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a

evitar desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social339

.

Nos dizeres de Hely Lopes Meirelles,

Dever de eficiência é o que impõe a todo agente público de realizar suas atribuições

com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da

função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com

legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório

atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros340

.

Da análise desse conceito, entendemos que tal princípio é pluridimensional e não deve

ser reduzido à simples busca pela eficácia ou economicidade no uso dos recursos públicos,

mas ser entendido e aplicado conjuntamente ao contexto teleológico dos princípios contidos

no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, quais sejam, os da legalidade,

impessoalidade, moralidade e proporcionalidade, pois “a eficiência é princípio que se soma

aos demais princípios impostos à Administração pública, não podendo sobrepor-se a nenhum

deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao

próprio Estado de Direito”341

.

Ainda, segundo Di Pietro:

338

Karine Y.L. Pereira & Solange M. Teixeira, “Redes e intersetorialidade nas políticas sociais: reflexões sobre

sua concepção na política de assistência social”, Textos & Contextos, v. 12, n. 1, p. 114-127. 339

Alexandre de Moraes, Direito constitucional, p. 317. 340

Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo brasileiro, p. 20. 341

Maria S. Zanella di Pietro, Direito Administrativo, p. 84.

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Pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se

espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores

resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a

Administração Publica, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores

resultados na prestação de serviço público342

.

Há a presunção de que o princípio da eficiência tem status de princípio fundamental na

implantação de novo modelo gerencial (em oposição ao modelo burocrático), flexibilizando a

Administração, para uma melhor gestão da coisa pública.

Com efeito, em que pesem os avanços da política social com a Constituição de 1988,

muito em função da reforma democrática do Estado, caracterizada pela luta de movimentos

sociais, faz-se necessário a discussão desta contrarreforma neoliberal ocorrida no Estado e

seus impactos gerados para a política social.

A proposta de um modelo eficiente de Estado, garantidor da expansão do mercado e

da iniciativa privada, dos contratos internacionais firmados pelo Banco Mundial e FMI, e da

garantia da competitividade do país em âmbito internacional, soa como uma estratégia

político-ideológica para busca de consensos e legitimidade, como garantia do projeto

neoliberal, que se resume em uma interação do governo, setor privado e sociedade civil.

A administração pública gerencial emergiu na segunda metade deste século, como

resposta à crise do Estado; como modo de enfrentar a crise fiscal; como estratégia

para reduzir o custo e tornar mais eficiente a administração dos imensos serviços que

cabiam ao Estado; e como instrumento para proteger o patrimônio público [...] é

orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados343

.

A eficiência é um conceito fundamental da nova administração pública. A questão é

tornar o serviço público eficiente, mas eficiente para quem? O capitalismo monopolista, sob a

predominância do capital financeiro especulativo provoca mudanças significativas na relação

Estado/mercado. A reestruturação do processo de trabalho, com ênfase na flexibilização dos

contratos e da legislação que protege o trabalhador e na baixa remuneração da força de

trabalho, no desmonte dos coletivos de trabalho e na captura da subjetividade operária e dos

mecanismos de proteção social, aliados à privatização, vem trazendo sérias consequências

sociais para o mundo, em geral, e para o Brasil, em particular344

.

As mudanças no mundo do trabalho e o novo complexo da reestruturação produtiva

são estruturais, produtos de um processo histórico e sociológico. O Estado brasileiro não

342

Maria S. Zanella di Pietro, Direito Administrativo, p. 84. 343

Luiz Carlos Bresser Pereira, “Os avanços da reforma na Administração Pública”, In: Cadernos MARE da

Reforma do Estado. v. 15, p. 28. 344

Paula Martins Sirelle, Terceirização na esfera pública estatal: estratégia (im) posta à sociedade,

Dissertação (Mestrado em Serviço Social), Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2008, p. 97.

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apenas deu ao “mercado” ampla liberdade para contratar, usar e remunerar os trabalhadores,

como, ao comportar-se, ele próprio, como mais um empregador obcecado pela redução dos

custos de pessoal, deu seu aval à rápida e intensa precarização do mercado de trabalho345

.

Certamente a sociedade pós-moderna traz novos desafios no que concerne ao papel do

Estado e sua relação com as classes sociais (dominantes e dominadas), com a valorização do

tempo e a promoção da “sociedade de risco”346

e a “erosão da eficácia do Estado na gestão

macroeconômica”347

. Contudo, observamos que o princípio da eficiência, que visa melhorar

os serviços públicos para o cidadão, na verdade camufla a imposição dos países ricos, extraída

do teor da cartilha do Consenso de Washington, para implementação das políticas neoliberais

visando “descartar” o Estado outrora tão importante para desenvolvimento do sistema

capitalista, ou seja, por detrás do discurso da Reforma administrativa, com foco no modelo

gerencial, há uma tentativa de mitigação do apelo às questões distributivas e às missões

sociais do Estado democrático348

.

Entendemos que a eficiência da Administração pública há de ser conjugada a valores e

ocupada de “questões éticas e sociais, notadamente de caráter (re) distributivo da riqueza

produzida no país”349

.

A eficiência do Estado só poderá ser averiguada tendo como parâmetro esse

fundamento e não o plano de perspectiva da eficiência sob a ótica da classe dominante, que

além de falha, desconsidera os fatores sociais na instituição dos critérios de avaliação do

sistema econômico350

.

O Estado, embora criação da classe dominante para manter a dominação sobre o todo

social, ao assumir a feição de Estado democrático, passou sim a ser capaz de promover a

redistribuição de riquezas e, revelar-se como idealizador de uma sociedade mais igualitária e

garantidor de direitos fundamentais.

Em conclusão, a eficiência não é inimiga dos direitos fundamentais. Ao

contrário de ser uma forma de substituir critérios de justiça por critérios

puramente financeiros, a eficiência – adequadamente construída – é um

345

A M. C. Borges, “Reforma do estado, emprego público e a precarização do mercado de trabalho”, Caderno

CRH, v. 17, n. 41, p. 267. 346

“o sistema de superespecialização profissional, juntamente com a organização burocrática, fracassa diante

dos riscos desencadeados pelo desenvolvimento da produtividade, não serve à contenção dos perigos” (Ulrich

Beck, Sociedade de risco, p. 82). 347

Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice. O Social e o Político na Pós-modernidade, p. 290. 348

Irene P. Nohara, Reforma administrativa e burocracia: impacto da eficiência na configuração do direito

administrativo brasileiro, p. 161. 349

Flávio Galdino, Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: direitos não nascem em árvores, p. 260. 350

Emerson Gabardo, Legitimidade e Eficiência do Estado: Uma Análise das Estruturas Simbólicas do Direito

Político, p. 122.

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poderoso instrumento de transformação social e proteção dos valores

democrático (sic) e dos direitos fundamentais351

.

Os princípios da moralidade e da eficiência, que direcionam a atuação do Estado, são

imprescindíveis para direcionarem a atuação do Estado a “administrar a escassez de recursos e

otimizar a efetividade dos direitos sociais”352

. Ronald Dworkin também nega a condição de

valor à eficiência econômica, afirmando que a afirmação de que o Direito busca a eficiência

só é verdadeira se for atrelada a algo moralmente legitimo que conduza à felicidade353

; ou

seja, a riqueza deve ser associada à maximização do bem-estar humano, ao que necessário

adotar-se, então, um conceito de eficiência social354

.

É cediço que o grande objetivo da reforma administrativa é a aplicação de métodos

gerenciais tendentes à reestruturação produtiva para melhorar a governança do Estado por

meio da flexibilidade, descentralização e terceirização, causando a “erosão da eficácia do

Estado”355

democrático para expansão dos negócios da classe dominante internacional. Mas o

Estado, no bojo do texto constitucional, deve ter a capacidade de implementar políticas

públicas e cumprir funções de forma eficiente e efetiva, pela interpretação constitucional de

previsão de assistência ao bem-estar do ser humano356

.

3.4. Proibição do retrocesso social

Estamos no limiar do século XXI e acompanhamos que, desde o processo de formação

do Estado moderno, o homem não conseguiu acabar com a desigualdade nem com as

injustiças sociais. Observamos violações aos direitos fundamentais que atentam contra a

dignidade do ser humano, embora tais direitos sejam reconhecidos historicamente, tendo

gradual origem na defesa de novas liberdades contra velhos poderes357

, de forma que os

direitos humanos são reconhecidos, mas não concedidos, pela sociedade política358

.

351

Flávio Galdino, Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: direitos não nascem em árvores, p. 261. 352

Ingo Wolfgang Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 381. 353

Ronald Dworkin, Uma Questão de Princípio, p. 351-398. 354

Humberto Ávila, Sistema Constitucional Tributário, p. 430-437. 355

Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice. O Social e o Político na Pós-modernidade, p. 290. 356

A sua positivação no art. 37 da Constituição deixa transparecer sua condição de princípio jurídico, entendido

este como norma que ordena realizações, a maximização de bem-estar de seus cidadãos (Robert Alexy, Teoria

dos Direitos Fundamentais, p. 86). 357

Norberto Bobbio, A Era dos Direitos, p. 5. 358

João Baptista Herkenhoff, Curso de Direitos Humanos – Volume I (Gênese dos Direitos Humanos), p. 30 e

31.

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Estudamos ao longo do trabalho que, na expansão do sistema de produção capitalista,

o Estado serviu de braço para uma oligarquia hegemônica que exerceu e exerce sua

dominação sobre o todo social.

Considerando a apropriação indevida e usurpação do ideal de necessidade do Estado

por parte da burguesia e retomando a ideia de Aristóteles359

e de Rousseau360

, entendemos que

o Estado contemporâneo, com o preceito democrático, incorporou valores sociais e

reivindicações seculares da classe dominada e dos excluídos, conquistas implementados

através de ações e programas de políticas sociais, não podem ser alvo de retrocesso social.

Na complexa conjuntura de flexibilização da soberania do Estado democrático frente

ao poderio dos grupos hegemônicos que cooptam o Estado para defesa de seus interesses

econômicos, Boaventura Santos sugere-nos um movimento de resistência à globalização,

denominado globalização contra hegemônica:

Defendi, noutro local, que existem duas formas de globalização: a globalização

neoliberal e aquilo a que eu chamo uma globalização contra-hegemônica, que desde

há algum tempo se vem opondo à primeira (Santos, 2002: capítulos 5, 9). Designo

por globalização contra-hegemônica o conjunto vasto de redes, iniciativas,

organizações e movimentos que lutam contra as consequências econômicas, sociais

e políticas da globalização hegemônica e que se opõem às concepções de

desenvolvimento mundial a esta subjacentes, ao mesmo tempo em que propõem

concepções alternativas. A globalização contra-hegemônica centra-se nas lutas

contra a exclusão social. Atendendo a que a exclusão social é sempre produto de

relações de poder desiguais, a globalização contra-hegemônica é animada por um

ethos redistributivo no sentido mais amplo da expressão, o qual implica a redis-

tribuição de recursos materiais, sociais, políticos, culturais e simbólicos.

359

Aristóteles afirma que “o Estado não pode ser definido simplesmente como uma comunidade que vive num

mesmo lugar e protege seus membros dos malfeitores e promove a troca de bens e serviços359

“, mas que “existe

para capacitar os grupos familiares a viver bem, ou seja, a ter uma vida plena e satisfatória e isso só pode ser

alcançado quando os grupos ocupam um único e mesmo território” (Aristóteles, Política, p. 229), ou seja, para

Aristóteles, o Estado “é uma associação de homens livres que utiliza o poder político para alcançar a sua

finalidade: a promoção da justiça política”, sendo a justiça política promovida, então, entre homens que vivem

em comum tendo em vista a autossuficiência, homens que são livres e iguais que visam alcançar o bem comum,

de modo que entre os que não preenchem esta condição não existe justiça política (Aristóteles, Metafísica, p.

130); de modo que a associação política, o poder político e a justiça política são uma decorrência da natural

existência humana, o que significa dizer que “o Estado é uma criação da natureza” (Aristóteles, Política, p.

146), visto que se foi criado pelo homem, é porque “o homem é por natureza um animal político” (Aristóteles,

Política, p. 146). Aristóteles reconhece ainda que “em numerosas ocasiões, a maioria julga melhor do que um só

homem”; e que “é mais difícil corromper ou chegar a um acordo com a maioria”, assim como é mais difícil

“poluir uma grande quantidade de água” do que uma pequena quantidade, e que “o julgamento de um pode ser

deturpado se ele tiver um mau temperamento ou sentimentos demasiado fortes por alguma coisa; mas

dificilmente muitos perderiam a calma deturpando o julgamento” (Aristóteles, Política, p. 244). 360

Para Rousseau, a legitimidade só está assegurada mediante a realização efetiva dos interesses do soberano, e

a soberania está localizada no povo (Jean-Jacques Rousseau, Do contrato social, p. 39). O Estado deveria ser

limitado e agir em função do povo (soberano), sendo a soberania do povo inalienável (Jean-Jacques Rousseau,

Do contrato social, p. 39).

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Algumas das características da governação361

podem ser encontradas no movimento

global de resistência à globalização neoliberal362

(hegemônica) que se firma na luta contra a

exclusão social. No entanto, as práticas democráticas devem “ocorrer em contextos

específicos para dar respostas a problemas concretos”363

, mas como conceber a democracia no

Estado cooptado por interesses de uma classe hegemônica? Boaventura Santos sugere uma

revisão na teoria jurídica do Estado, criticando o monopólio estatal do direito, propõe também

a socialização dos direitos dos cidadãos e das comunidades e critica o conceito de

territorialidade enquanto unidade básica do Estado e do direito364

, evidenciando um

pluralismo jurídico, pelo espaço da cidadania, da comunidade e o espaço mundial365

, em que

serão considerados os “conjuntos mais elementares e mais sedimentados de relações sociais

nas sociedades capitalistas contemporâneas”366

.

Diante da ingerência de grupos hegemônicos na atuação do controle político e

econômico dos Estados, surge como grande desafio a salvaguarda dos direitos fundamentais

sociais conquistados ao longo dos tempos em resistência à política imposta pela classe

dominante, protegendo tais direitos da política neoliberal atual.

Com o enfraquecimento do Estado, há o aumento da ingerência da elite capitalista no

intuito de promover a “desregulação”, por isso é importante evocarmos a garantia de

prevalência do princípio da proibição de retrocesso social para evitar a atividade restritiva dos

direitos fundamentais367

.

Segundo Ingo Sarlet, a proibição do retrocesso social pode ser interpretada como um

subprincípio da segurança jurídica:

A problemática da proibição de retrocesso guarda íntima relação com a noção de

segurança jurídica. (...) a ideia de segurança jurídica encontra-se umbilicalmente

vinculada também à própria noção de dignidade da pessoa humana. Com efeito, a

dignidade não restará suficientemente respeitada e protegida em todo o lugar onde as

361

“A governação é hoje apresentada como um novo paradigma de regulação social que veio suplantar o

paradigma anteriormente em vigor assente no conflito social e no papel privilegiado do Estado, enquanto ente

soberano, para regular esse conflito por via do poder de comando e de coerção ao seu dispor” (Boaventura de

Sousa Santos, “A crítica da governação neoliberal: O Fórum Social Mundial como política e legalidade

cosmopolita subalterna”, Revista Crítica de Ciências Sociais, 72, p. 7). 362

“Que tem hoje a sua melhor expressão no Fórum Social Mundial” (Boaventura Santos, Idem, p. 7). 363

Boaventura de Sousa Santos, Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa, p. 52. 364

Celso Campilongo. Direito e democracia, p. 87. 365

“(...) o espaço mundial é a soma total dos efeitos pertinentes internos das relações sociais por meio das quais

se produz e reproduz uma divisão global do trabalho. (...) O espaço mundial é, por conseguinte, a matriz

organizadora dos efeitos pertinentes das condições e das hierarquias mundiais sobre os espaços doméstico, da

produção, do mercado, da comunidade e da cidadania de uma determinada sociedade” (Boaventura de Sousa

Santos, Crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, p. 278). 366

Boaventura de Sousa Santos, Crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, p. 272. 367

Rodrigo Goldschmidt, “O princípio da proibição do retrocesso social e sua função limitadora dos direitos

fundamentais”, Revista Justiça do Direito, v.14, n.14, p. 33.

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pessoas estejam sendo atingidas por um tal nível de instabilidade jurídica que não

estejam mais em condições de, com um mínimo de segurança e tranquilidade,

confiar nas instituições sociais e estatais (incluindo o Direito) e numa certa

estabilidade das suas próprias posições jurídicas368

.

Com efeito, considerando-se as exigências da segurança jurídica, temos que observar

que a dignidade da pessoa humana não exige apenas a proteção em face de atos de cunho

retroativo do Estado, não prescindindo de uma proteção contra medidas que se apresentam

retrocessivas e devem ser coibidas da mesma forma369

.

Não é possível validar “manobras” tendentes a reduzir ou extinguir direitos sociais,

sob pena de pôr em o risco a dignidade conquistada arduamente em constantes lutas por

direitos a melhores condições de vida humana.

Para Canotilho, uma vez obtido determinado grau de realização, os direitos sociais

passam a constituir uma garantia institucional e um direito subjetivo, tornando-o irreversível

como “direitos adquiridos”, pois violaria, ainda, o princípio da proteção da confiança e da

segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural370

, sendo totalmente

inconstitucional qualquer medida tendente a revogar os direitos sociais já regulamentados,

sem a criação de outros meios alternativos capazes de compensar a anulação desses

benefícios371

.

Robert Alexy destaca que “a concepção apresentada é uma concepção básica ampla e

formal. A seu lado pode coexistir uma concepção básica ampla e substancial. Sob a

Constituição Alemã, essa concepção ampla e substancial é determinada pelo conceito de

dignidade humana”372

.

Os maiores ensinamentos acerca do princípio da proibição de retrocesso social vêm

dos países desenvolvidos como Itália, Alemanha e Portugal. A doutrina brasileira é, portanto,

inspirada nessas doutrinas estrangeiras.

No Brasil, o maior dos obstáculos ao reconhecimento da proibição ao retrocesso social

advém da liberdade de conformação do legislador e do princípio democrático. Porém, o

princípio se revela como instrumento de proteção à eficácia das normas constitucionais, sendo

uma decorrência lógica do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais e da

vinculação do legislador aos direitos fundamentais373

.

368

Ingo Wolfgang Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 436. 369

Ingo Wolfgang Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 437. 370

J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 336. 371

CANOTILHO, Idem, p. 336. 372

Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 446. 373

Artigo 5º, §1º, da Constituição Federal da República, de 1988.

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Destarte, ainda que seja formalmente possível a flexibilização pela autonomia coletiva

imposta pela dinâmica pós-moderna (para atender às exigências neoliberais), deve-se observar

a terminante vedação de hipóteses restritivas de direitos sociais. Inadmissível, portanto,

subjugar direitos sociais em detrimento dos escusos interesses do mercado, mormente se

analisarmos os direitos sociais como fundamentais e, assim, irrenunciáveis e indisponíveis,

com supedâneo nos princípios da segurança jurídica, da vedação de retrocesso social e,

mormente, da dignidade da pessoa.

Compreende-se, assim, que, mesmo havendo hipóteses de flexibilização, isso não

significa a existência de uma “carta em branco” para aniquilar o direito conquistado com

muitas lutas, mesmo porque esbarraríamos no denominado efeito “cliquet”374

.

De fato, a globalização trouxe profundos impactos nas relações humanas e intensas

transformações sociais, contudo, a não flexibilização do principio da proibição do retrocesso

social consiste em importante conquista da civilização, uma vez que favorece e fortalece as

estruturas da assistência social do Estado na sustentação dos direitos fundamentais.

Comentávamos ainda neste capitulo do trabalho acerca dos desafios do Estado

Democrático na pós-modernidade, destacando o combate às desigualdades causadas, em

grande parte, pelo modelo de exploração imposto pela classe dominante ao longo da história.

Assim, é preciso assegurar a soberania do Estado frente à imposição neoliberal e garantir os

direitos sociais fundamentais aos seus nacionais. Neste sentindo, a observância do principio

do “não retrocesso social” se mostra como instrumento de resistência na luta contra a força

dos interesses hegemônicos das oligarquias capitalistas.

Por outro lado, assistimos a uma “globalização contra-hegemônica que procura

radicalizar o conceito e a prática democrática, ampliando-a para todos os espaços, desde as

relações cotidianas entre os indivíduos até as esferas globais, passando pelas lutas locais e

nacionais”375

.

374

A expressão “cliquet” é utilizada pelos alpinistas e define um movimento que só o permite subir, não lhe

sendo possível retroceder, em seu percurso. O efeito “cliquet” dos direitos humanos significa que os direitos não

podem retroagir, só podendo avançar nas proteções dos indivíduos. No Brasil esse efeito é conhecido como

princípio da vedação do retrocesso, ou seja, os direitos humanos só podem avançar, jamais retroceder. “É

importante lembrar que o princípio em tela é, acima de tudo, um avanço na busca de patamares mais justos e

dignos de vida material. A proibição de retrocesso impede que direitos sociais já disciplinados e garantidos pela

legislação infraconstitucional e implementados através de ações e programas de políticas sociais sejam, ao

alvedrio dos Poderes Públicos, extintos, configurando o vácuo do direito...” (Cláudia Maria da Costa Gonçalves,

Direitos Fundamentais Sociais: releitura de uma constituição dirigente, p. 199). 375

Isabella Gonçalves Miranda e Fábio André Diniz Merladet, “Uma apresentação crítica dos conceitos de

globalização hegemônica e contra-hegemônica à luz das novas manifestações populares internacionais”,

Primeiros Estudos, n. 3, p. 7-24.

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É preciso dizer que proibição de retrocesso social não se traduz em mera manutenção

do status quo, antes significando também a obrigação de avanço social376

. Assim, faz-se

imperativo o reconhecimento de que o ser humano deve ser o bem e o fim maior do Estado,

sendo todo cidadão merecedor de respeito de forma isonômica e plena. E perseguir esse ideal

é mais do que um desafio do Estado Democrático e Social: deve ser a sua prioridade.

Devem-se empreender esforços na justificação dos direitos humanos, pois, somente

com a garantia e proteção destes, é possível enfrentar a sociedade excludente e multifacetada

gerada pelo impacto da globalização da economia e pela política neoliberal.

376

Felipe Derbli, O Princípio da Proibição do Retrocesso Social na Constituição de 1988.

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CONCLUSÃO

Maquiavel no século XVI foi o primeiro a compreender o Estado como um conjunto

de instituições políticas. Thomas Hobbes, posteriormente, designou o Estado como um

contrato social, um pacto que os homens estabelecem entre si, postulando que eles abrem mão

de uma parte de sua liberdade para que um governo possa regular as relações entre eles e

manter a paz e a harmonia do todo; justificava-se assim a centralização política nas mãos da

figura de um poder soberano para a existência de uma nação politicamente organizada e com

uma burocracia administrativa.

No paradigma do Estado liberal, desponta a Revolução Industrial, sendo o liberalismo

usado pela burguesia para justificar a acumulação de capital a partir da exploração da força de

trabalho. Temos neste Estado as “ilusões” da Igualdade, Liberdade e Fraternidade da

Revolução Francesa. Usamos o termo “ilusões” porque vimos que o Estado não é o curador

social que tem por finalidade o bem comum da sociedade e a proteção de interesses

universais, mas surge como uma necessidade da classe dominante para manter o status quo de

dominação dos ricos sobre os pobres.

Progredimos, cronologicamente, ao Estado Democrático de Direito, em que o Estado,

ao mesmo tempo em que limita sua ação, dá ao indivíduo a possibilidade de lhe exigir

prestações positivas, sendo reconhecedor de direitos e de garantias humanas fundamentais que

tanto restringem a atuação estatal quanto permitem a exigência de suas prestações para a

realização de algumas garantias.

Os argumentos que ensejaram a criação do Estado foram, ao longo dos anos, perdendo

sua força, desde que consideramos o binômio segurança x liberdade sob um novo paradigma

do Estado e do Direito no mundo contemporâneo globalizado, pois ao Estado restou apenas a

função de organizar uma sociedade de consumidores, afastando-se dos ideais de sua gênese e

limitando-se a assegurar a fruição dos bens de consumo materiais e imateriais postos à

disposição dos consumidores aptos, produzindo exclusão social.

Assim, com o fortalecimento da iniciativa privada e das forças do mercado, a classe

dominante continua buscando a defesa de seus interesses e agora visando suplantar o Estado

social, ao atribuir-lhe o título de modelo arcaico, ultrapassado, com o objetivo de enfraquecer

sua intervenção, criando, assim, uma superpopulação de excluídos.

Abordamos a evolução da organização política do Estado em conformidade com as

transformações sociais impostas pela evolução do sistema capitalista, desde a gênese do

pensamento liberal, enquanto projeto burguês, no século XVII, até a reorganização do sistema

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no final do século XX, com a implementação das metas traçadas pelas oligarquias

internacionais, sobretudo as instituídas no Consenso de Washington em 1989, que impuseram

ao mundo o modelo neoliberal e favoreceram a globalização do capital. Tal fenômeno

ocasionou profundas mudanças no cenário político, econômico e social, das quais certamente

a mais marcante é a flexibilização da soberania do Estado em favorecimento aos interesses

econômicos transnacionais, algo que o desvia de seu fim.

O Estado atenuado e impotente em face da nova ordem internacional, passou tão

somente à assegurar a segurança jurídica para atração do circulante e especulativo capital

estrangeiro, convivendo com o quadro crescente de dependência econômica, falência das

instituições internas e crescimento da exclusão e das mazelas sociais.

Com as transformações sociais impressas pelos avanços industriais e tecnológicos, fez

com que esta nova classe dominante que “impulsiona a historia”, os detentores do capital,

tomam novas faces e se organizaram globalmente, de forma que não possuem forma ou feitio,

não têm rosto, identidade, passaporte ou nacionalidade. São “invisíveis”, mas onipresentes,

não têm endereço fixo, estão “em circulação”, são flutuantes, manifestando-se por meio de

megainvestidores e de conglomerados de empresas transnacionais que são agora as detentoras

do capital especulativo, as quais mantêm seus tentáculos na organização e articulação política

e econômica do mundo atual, ditando as regras do jogo do mercado.

A sociedade globalizada reforça o poder econômico destes grupos hegemônicos,

provocando mudanças drásticas na relação entre o público e o privado, contudo, é

imprescindível o debate da inevitável coexistência destes na economia globalizada, porém

deve-se recuperar o projeto do Estado Democrático e Social, visto que este ente político

representa a instância voltada à proteção dos direitos sociais e ao combate às desigualdades

perpetradas pela reprodução do sistema de exploração do homem pelo homem.

Um diálogo com autores, a maioria de visão marxista, nos proporcionou trazer ao

longo do trabalho, uma abordagem crítica ao processo de evolução histórica do Estado

ocidental desde a modernidade, cotejando a ligação dos propósitos estatais aos interesses

econômicos, sobretudo aos interesses de uma classe economicamente dominante: a burguesia.

O Problema é que, embora a teoria marxista tenha sido um divisor de águas na história

da filosofia política proporcionando um novo olhar sobre a estrutura do Estado, é importante

entender que tal teoria foi escrita no século XIX diante dos problemas postos àquela época.

Marx construiu uma teoria de base até hoje utilizada e válida, mas quando fazemos uma

análise do Estado, temos que chamar a atenção para alguns conceitos. Principalmente no que

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concerne à sociedade de classes na pós-modernidade. Ou seja, o papel do Estado “burguês” na

modernidade líquida com diversas identidades que se recriaram.

Vimos que na nova classe dominante figuram como atores responsáveis pela

reorganização geoeconômica global, as corporações transnacionais que disputam o controle

do espaço econômico global, as poderosas instituições ligadas ao sistema financeiro mundial e

a elite capitalista local, que partilham comumente de uma condição socioeconômica

privilegiada e detém comum interesse nas relações do poder político e do controle social e que

a nova classe de dominados encontra-se desestruturada e fragmentada, escondida na figura da

“classe média”. A dominação agora se retrata na exploração das nações ricas e do capital

transnacional em detrimento das nações pobres do globo, gerando uma multidão de excluídos.

Assim, buscamos problematizar a crise paradigmática e institucional do Estado-nação

com foco na eficiência deste Estado contemporâneo, cooptado por grupos hegemônicos que

exercem pressão regulatória na defesa dos interesses do capital globalizado.

Será que o Estado pode trazer o desenvolvimento inclusivo? Será que o Estado, dentro

do contexto da globalização, pode proporcionar um desenvolvimento horizontal, se

desvinculando dos interesses particulares de grupos específicos?

As desigualdade e mazelas consumadas pelo modelo burguês de condução do mundo

estão aí, os excluídos não exigem a observância dos seus direitos, muitos sequer conhecem os

direitos e garantias que lhes são assegurados pelo ordenamento jurídico, o que se torna

interessante para conter gastos na política neoliberal, pois, quanto menos se exige do Estado,

menor a sua atuação como provedor dos direitos sociais.

Ao mesmo tempo percebemos um movimento tendente a desacreditar e enfraquecer a

figura do Estado Democrático de Direito, retirando sua função reguladora e entregando-a aos

agentes econômicos e ao “mercado”, ou seja, o controle dos rumos dos países, antes

designados aos Estados soberanos, passa gradativamente às mãos de atores não estatais. E

neste processo notamos as sombras da “velha ingerência” da classe dominante propulsora do

liberalismo, travestida em grupos hegemônicos locais, que, por seu turno, são os únicos

beneficiados com a retomada do ideal burguês e a imposição do sistema neoliberal pelas

novas oligarquias pós-modernas.

Na expansão do sistema de produção capitalista, o Estado sempre serviu de braço para

que uma oligarquia hegemônica exercesse sua dominação sobre o todo social. Contudo,

passamos a conceber que o Estado contemporâneo, a partir da incorporação de reivindicações

resultadas de embates históricos, lutas por melhoria de condições do trabalho em face do

capital, conquistas sociais implementadas por ações e programas de políticas sociais, assume,

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então, o aspecto de Estado Democrático de Direito e pode ser visto como instrumento de

resistência ao sistema de exclusão capitalista a consolidar politicamente as vitórias políticas

da classe trabalhadora.

Ironicamente, o Estado que outrora serviu tão somente para gerir os negócios da

burguesia, agora se apresenta como empecilho à expansão do sistema capitalista, visto que,

com instituições democráticas sólidas, com a participação política dos menos favorecidos por

meio de políticas públicas de inclusão e sustentabilidade, a globalização hegemônica começa

a encontrar resistência. Por isso, a fragmentação das instituições públicas pelas ações

ideológicas da classe dominante.

Se este Estado serviu, em um primeiro momento, como dispositivo para o triunfo do

capitalismo e do ideal burguês, hoje se mostra como instrumento de resistência ao avanço

selvagem do mesmo capitalismo sempre sedente por produção e acúmulo de riquezas. Neste

passo, a observância de princípios vitais, como o da proibição de retrocesso social para evitar

a supressão de direitos já conquistados, bem como o da dignidade humana para avançar nesta

direção mostra-se imprescindível para fazer frente à sociedade de massas, multifacetada,

gerada pela política neoliberal.

A figura do Estado hoje justifica-se apenas com a garantia e proteção dos direitos

sociais, e para isso é imprescindível a figura do Estado Democrático de Direito forte e

autônomo para atuar na redução das desigualdades e mazelas sociais e na preservação do

meio ambiente, além de mostrar-se apto a prover dignidade e desenvolvimento humano

sustentável aos seus cidadãos, pois o projeto de Estado-nação, constitucional e soberano, tem

comprometimento com os seres humanos e sua dignidade, diferentemente dos grupos

hegemônicos que o usurparam do Estado durante toda a história da evolução do Estado.

De fato, a globalização trouxe profundos impactos nas relações humanas e intensas

transformações sociais e, com elas, desafios ao Estado Democrático de Direito na pós-

modernidade, com destaque para o combate às desigualdades causadas, em grande parte, pelo

modelo de exploração imposto pela classe dominante ao longo da história. É preciso, pois,

assegurar a soberania do Estado frente à imposição neoliberal e garantir os direitos sociais

fundamentais aos seus nacionais. É imperativo, portanto, o reconhecimento de que o ser

humano deve ser o bem e o fim maior do Estado, sendo todo cidadão merecedor de respeito

de forma isonômica e plena.

Assim, deve-se barrar a desarticulação dos interesses nacionais dos países capitalistas

pobres por meio das tais “reformas” de adequação neoliberal que obstam seu

desenvolvimento interno e, ao contrário delas, promover a consolidação do sistema

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democrático, para retomar os rumos do Estado do Bem-Estar Social que incentive a

globalização contra hegemônica que vise ao desenvolvimento local por meio da participação

direta da sociedade nas decisões, visando ao desenvolvimento sustentável de seu povo.

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