marilena chauí e a democracia em perigo: o neoliberalismo

12
Marilena Chauí e a democracia em perigo: O neoliberalismo (de Bolsonaro) é a nova forma de totalitarismo; vídeo com transcrição - Viomundo Diário da Resistência Denúncias Marilena Chauí e a democracia em perigo: O neoliberalismo (de Bolsonaro) é a nova forma de totalitarismo; vídeo com transcrição

Upload: others

Post on 25-Oct-2021

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Marilena Chauí e a democraciaem perigo: O neoliberalismo (deBolsonaro) é a nova forma detotalitarismo; vídeo comtranscrição - Viomundo

Diário da Resistência

Denúncias

Marilena Chauí e a democracia em perigo:O neoliberalismo (de Bolsonaro) é a novaforma de totalitarismo; vídeo comtranscrição

18/09/2018 - 14h07

Transcrição Vinicius Felix

Bom, eu expliquei ao Celso [Amorim, ex-chanceler, um dos organizadoresdo evento] que eu não podia estar em uma mesa sobre multilateralismoporque eu não entendo nada de multilateralismo.

Mas ele disse que [o seminário] era relacionado com a defesa dademocracia e salientando os perigos para a democracia. Falei, então, bomessa é minha praia e vamos lá.

Nós sabemos que o Brasil passa um momento que não é apenas sombrio,mas trágico, não é um momento dramático, é um momento trágico.

E que, entre as várias maneiras desse momento aparecer, ele aparece naforma da desinstitucionalização da República e de desmontagem dademocracia.

E isso se dá sob o poderio às vezes explícito, às vezes disfarçado daeconomia política neoliberal.

Eu gostaria de propor aqui que para nós entendermos isso que se passa, doponto-de-vista, vamos dizer, da estruturação da sociedade e da políticabrasileira, não do ponto-de-vista das lutas, valeria a pena marcar diferençaentre instituição e organização.

O que é uma instituição?

Uma instituição social é uma ação social, ela é uma prática social que éfundada no reconhecimento público da sua legitimidade e das suasatribuições, num princípio de diferenciação que lhe permite se relacionarcom as outras instituições, mas manter a sua autonomia.

E uma instituição é estruturada por ordenamentos internos, por regras,por normas, por valores de reconhecimento, de legitimidade, internos eexternos.

Institucionalmente uma sociedade é constituída, portanto, pelamultiplicidade e heterogeneidade de uma rede de instituições, é isso queela é.

Qual é a diferença entre a instituição e a organização?

O que é uma organização?

Uma organização difere de uma instituição social porque ela se define poruma outra prática, ela se define pela prática da sua instrumentalidade, elaestá referida a um conjunto de meios particulares para obtenção de umobjetivo particular.

Ela não está, como a instituição, referida a ações articuladas, às ideias dereconhecimento externo, interno, legitimidade interna e externa, mas ela

está vinculada à ideia de operação.

Isto é, ela se realiza através de meios que são determinados para alcançarum objetivo particular, que é o que a define.

Ela é, portanto, um regime no qual imperam as ideias de gestão,planejamento, previsão, controle e êxito.

A marca da instituição, pela rede que ela forma com as outras, é a busca doreconhecimento e da legitimidade continuas, é uma temporalidade aberta,a instituição é sempre histórica.

A marca da organização é que ela opera num tempo e num espaço pré-determinados e delimitados.

Ela tem um tempo efêmero, ela não tem relação com a temporalidade dahistória, ela realiza uma operação e, terminada essa operação, ela termina— e a organização propõe uma nova operação, sem conexão com a anterior.

A instituição é, portanto, o lugar das relações e da continuidade datransformação; a organização é o lugar da fragmentação, daparticularização, da não-relação e do efêmero.

Ora, o neoliberalismo opera com a organização, ele opera pela destruiçãodas instituições, e é por isso que nós estamos assistindo àdesinstitucionalização do Brasil.

Ele [neoliberalismo] opera por destruição das instituições e a substituiçãodas instituições por organizações. Mas ele tem uma particularidade, oneoliberalismo.

O neoliberalismo não é uma mutação histórica do capitalismo, com apassagem da hegemonia econômica do capital produtivo ao capitalfinanceiro, o neoliberalismo é uma mutação sociopolítica e eu voudenominá-lo a nova forma do totalitarismo.

Por quê?

Porque o que caracteriza o totalitarismo não é a figura do chefe autocrata,como Hollywood gosta de mostrar, o que caracteriza o totalitarismo não é apresença do racismo, do nacionalismo, do patriotismo, tudo isso sãoefeitos, a roda do totalitarismo.

O que caracteriza o totalitarismo é que ele transforma todas as instituiçõessociais em uma única instituição homogênea.

Ele homogeiniza a sociedade inteira.

Ela se torna, portanto, internamente, indiferenciada, ele totaliza asociedade inteira.

Qual é a maneira pela qual o neoliberalismo totaliza a sociedadecontemporânea inteira?

Através de um tipo determinado de organização: essa organização é aempresa.

Então, a escola é uma empresa, o centro cultural é uma empresa, o hospitalé uma empresa, a cultura é uma empresa e, evidentemente, o estado é umaempresa.

O que nós temos, portanto, é o bloqueio da diferenciação interna dasinstituições, das práticas pelas quais elas se realizam em conflito ou emharmonia, em reconhecimento ou não reconhecimento, e portanto, aquiloque é fundamental na existência da democracia, que é a necessidade e alegitimidade da diferença e do conflito, isso é apagado sob ahomogeneidade da sociedade, da política como empresas.

É isso, passar da instituição à organização, e no caso, a uma organizaçãoque é de tipo totalitário, porque a sociedade inteira e a política inteira sãopensadas como empresas.

Isso aparece também não apenas no nível das instituições, mas ela apareceno surgimento de uma ideologia muito peculiar e que vai de algumamaneira nos ajudar a entender porque aparece o ódio, porque aparece o

ressentimento, porque aparece o medo, que é a figura do indivíduo comorealidade primeira e última — não há classes sociais, não há grupos sociais,não há associações sociais — existe o indivíduo, e esse indivíduo é oempresário de si mesmo.

Portanto, o que surge é aquilo que eu batizei, o neocalvinismo, é oindivíduo lançado como o empresário de si mesmo, destinado comoqualquer empresa a uma competição mortal em todas as organizações,dominando portanto o princípio universal da concorrência, da competição,da luta mortal, que é disfarçada com o nome de meritocracia.

E portanto, o neocalvinismo que se disfarça — eu chamo deneocalvinismo — porque o primeiro foi assim também, né.

Eu chamo de neo porque essa figura do indivíduo como empresário de simesmo estava no núcleo do primeiro calvinismo também.

Como consequência disso, do ponto-de-vista dos indivíduos, e que vaiexplicar o modo como eles se comportam nas redes sociais.

Por que você tem a pós-verdade?

Por que você tem as fake news?

Por que você tem o que nós temos nas redes sociais? O que acontece?

Qual é a consequência da figura dessa individualidade como empresária desi mesmo, como capital humano?

Vai surgir de um lado uma subjetividade narcisista e, por isso, propensa aaquilo que é próprio do narcisismo, propensa à depressão.

De outro lado, a inculcação da culpa naqueles que não vencem acompetição, desencadeando ódios, ressentimentos e violências de todo otipo.

Particulamente contra os imigrantes, os migrantes, os sindicalizados, osnegros, as mulheres, os índios, os mendigos, LGBT e a lista pode

continuar.

Mas não começa aí, isso é um efeito, a nossa tendência é tomar isso comocausa de alguma coisa.

Não, isso é o efeito da estruturação organizacional da sociedade, e depoisnós vamos ver, da política.

É isso que está acontecendo no Brasil.

Então, o que nós temos é algo que destroça a percepção de si comomembro ou parte de um grupo, de uma classe, de um conjunto.

E destruindo, portanto, todas as formas possíveis de solidariedade.

Não é por acaso, portanto, que nós vamos ver o processo de deterioraçãoda democracia.

Por quê? Politicamente a consequência da passagem da instituição àorganização significa que o Estado deixa de ser considerado umainstituição pública, regida pelos princípios e valores democráticos erepublicanos, ele passa a ser considerado uma empresa.

Ocorre assim o encolhimento do espaço público da República e dademocracia e o alargamento do espaço privado, do mercado e dosinteresses com a transformação da política em uma questão técnico-administrativa, que deve ficar na mão de especialistas competentes, isso é,o governante que define a si mesmo como gestor.

Doriana em festa.

A política neoliberal é a decisão, como mostrou Chico de Oliveira, dedestinar os fundos públicos aos investimentos do capital e cortar osinvestimentos destinados aos direitos civis e sociais.

Isto explica por que a política neoliberal se define pela eliminação dosdireitos econômicos, sociais e políticos — isto é, todas as reformastemerianas [de Michel Temer], todas.

Não é? Garantidos pelo poder público, em proveito dos interessesprivados, transformando os direitos em serviços definidos pela lógica domercado.

Ou seja, ocorre a privatização dos direitos, que são transformados emserviços comprados ou vendidos no mercado, aumentando com isso todasas formas de desigualdade, injustiça e de exclusão.

Assim, a política que está em operação no Brasil corrói e destrói o coraçãoda democracia.

Ela apunhala não apenas a República, mas apunhala a democracia, porqueela destrói os dois elementos definidores da democracia: o conflito e acriação de direitos.

Quais são as consequências? Para nós, e eu acho que para os outros e parao mundo, basta ver o Trump falando.

A primeira, evidentemente é o fim de democracia social, com aprivatização dos direitos; a segunda é o fim da democracia representativa,ou seja, na medida em que a política é vista como gestão, ela deixe de serencarada como uma prática na qual os indivíduos vindos do próprio sociale escolhidos pelo social têm a competência para discutir os destinos erumos da sociedade.

Essa política, que é o núcleo da ideia da representação, desaparece, porquea política é pensada como gestão.

A partir do momento que ela é pensada como gestão, a figura doParlamento perde sua finalidade, seu sentido, ele se torna aquela coisamenor, que tem como função policiar aqui e ali os interesses de fulano e debeltrano — e os seus próprios.

Mas a função legislativa, tal como ela significa em uma repúblicademocrática, de democracia representativa, desapareceu ou está em viasde desaparição no Brasil.

Como consequência, eu gostaria de dizer que a judicialização da política,que nós discutimos já há um certo tempo, nós tomamos a judicializaçãocomo se ela fosse a causa de alguma coisa e produzisse determinadosefeitos.

Não, a judicialização é o efeito da concepção neoliberal da política.

Na medida em que a política é pensada de maneira empresarial e como umjogo de interesse privados, como é que no mundo empresarial um conflitoé resolvido?

Um conflito dentro da empresa, um conflito entre empresas?

Ele é resolvido pela via jurídica. Isso é o mundo do interesse econômico,que resolve todas os seus problemas de duas maneiras e só duas: pelaguerra — mata o outro mesmo, simplesmente — ou pelo universo jurídicoda lei.

Então, a judicialização a que nós estamos assistindo no Brasil não é umdestempero de um bando de ignorantes, loucos, malucos, completamenteservis, não essa coisa desmoralizante.

Não é. Ela é a maneira mesma do funcionamento da política neoliberal,judicializar é fazer o quê?

Neutralizar qualquer possibilidade de dar voz, legitimidade, ao conflito edeixá-lo se desdobrar politicamente na sociedade.

E é por isso que as eleições estão da maneira que estão.

Elas se transformaram em um problema, porque não se esperava quedepois de tudo que foi feito, a ideia de que houvesse um vigor político nasociedade brasileira…

E a suspeita de que esse vigor político da sociedade brasileira é um vigorque vem da esquerda.

Então, é a ruína completa, porque o caminho está prontinho para que isso

não aconteça, tá tudo pronto.

Por que eu tô falando nisso?

Porque nós não devemos acreditar nem em leis históricas inexoráveis, nemno destino, nem na providência divina inexorável.

Nós podemos mudar as coisas e a prova é essa.

Queria também, como última consequência — tô encerrando, Amorim –falar uma palavrinha sobre o multilateralismo, fica meio indecente eu vir auma mesa de multilateralismo e não dizer uma única palavra, então eu voudizer.

Provavelmente o que eu vou dizer “tá tudo errado”, mas vou falar porque énoblesse oblige.

Eu penso que nós estamos assistindo ao fim do multilateralismo comoconsequência da nova forma assumida pelo imperialismo.

Ou seja, em um primeiro momento se passou do mundo bipolar ao mundomultipolar, da globalização, para finalmente nós irmos a um novoimperialismo.

Por que ele é novo?

Em primeiro lugar, porque o paradigma desse imperialismo não é mais ocapital produtivo, que exige uma ocupação de territórios no nível daprópria infraestrutura: ele tem como paradigma o capital financeiro, quenão precisa de infraestrutura.

Então, como opera o novo imperialismo, que destrói o multilateralismo?

Ele não é mais a ocupação político-econômica de um país, operando noplano da sua infraestrutura, do seu estado e da ideologia, mas ele operaagora como uma ocupação — ele é uma organização — então, ele ocupa umterritório delimitado por um tempo delimitado, para a exploração desseterritório.

Ele não precisa de um país inteiro, não precisa da ocupação militar dessepaís, não precisa da ocupação política desse país, não precisa da ocupaçãoreligiosa, cultural, ideológica desse país, ele não precisa fazer mais nadadisso.

Ele delimita um trecho, uma porção do território que ele vem e ocupa, àsvezes ele ocupa através das suas empresas, às vezes ele ocupamilitarmente.

Mas é uma ocupação de um território delimitado, por um tempo limitado.

Terminada a exploração, feita a espoliação e feita a devastação desseterritório, ele vai embora.

Como a bolha financeira vai, o capital também vai.

Ele vai embora e deixa a devastação no seu lugar.

Então, ora, é interessante que esse procedimento do novo imperialismoreceba um nome, ele se chama operação.

E é por isso que há tanta operação no Brasil.

Operação de todo tipo, para marcar que é por um tempo determinado, comum objetivo delimitado, e que ao terminar esse tempo, ao terminar esseobjetivo, a operação termina, ela não constitui uma história.

Ela simplesmente delimita sua eficácia, o seu êxito ou o seu fracasso.

E é isso o modelo neoliberal da sociedade, da política, do pensamento e daoperação da justiça e de todas as operações que existem.

Então, no caso do Brasil, o que nós temos, essa desinstitucionalização deque eu lhes falei, a desinstitucionalização da República e a destruição dademocracia, mas nós temos também a espoliação imperialista — o pré-sal,a Embraer, a Embratel, o que vai acontecer na região amazônica.

E esse novo imperialismo explica porque os Estados Unidos não precisam

ter um plano para o mundo.

Porque o mundo era alguma coisa que interessava ao antigoimperialismo… o novo imperialismo é pontual.

E o Trump precisa apenas manter o poder dos Estados Unidos, não precisamais invadir outros países, ele opera, ele tem operações locais que fazemesse serviço, e a adoção do neoliberalismo pelo países da periferia… somosnós, mas a gente vai lutar.

Noam Chomsky: Governos de esquerda pegaram leve com amídia inimiga; nos EUA seria diferente

Blogs & Colunas

Mais conteúdo especial para leitura

Últimas matérias