o delegado de polícia - garantidor dos direitos fundamentais (doutrina e prática)

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1

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Autor: Rafael Faria Domingos

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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ÍNDICE

A POLÍCIA JUDICIÁRIA E O DELEGADO DE POLÍCIA NA

CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA........................................... 4

LEI 12.830/2013: A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

CONDUZIDA PELO DELEGADO DE POLÍCIA................. 7

O INDICIAMENTO E A PRESIDÊNCIA DO AUTO DE

PRISÃO EM FLAGRANTE: ATOS PRIVATIVOS DO

DELEGADO DE POLÍCIA.................................................16

O INVESTIGADO COMO SUJEITO DE DIREITOS.........22

CONCLUSÃO................................................................. 28

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................... 28

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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O DELEGADO DE POLÍCIA NA GARANTIA DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS: PEÇAS PRÁTICAS............ 29

DESPACHO DE NÃO-LAVRATURA DE FLAGRANTE EM

DECORRÊNCIA DO PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA.......................................................... 29

REPRESENTAÇÃO PELA CONCESSÃO DE MEDIDAS

CAUTELARES................................................................... 33

RELATÓRIO FINAL DE INQUÉRITO POLICIAL............ 36

SOBRE O AUTOR.................................................... 40

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS. DOUTRINA E PRÁTICA.

A POLÍCIA JUDICIÁRIA E O DELEGADO DE POLÍCIA NA

CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

Conforme ensina Mirabete (2006, p. 57), “a Polícia,

instrumento da Administração, é uma instituição de direito público,

destinada a manter e a recobrar, junto à sociedade e na medida dos

recursos que dispõe, a paz pública ou a segurança individual”.

Tradicionalmente, a doutrina

majoritária atribui à Polícia duas funções

precípuas, quais sejam, a de Polícia

Administrativa e a de Polícia Judiciária.

Enquanto a primeira se relaciona à

atividade de cunho preventivo e

ostensivo, a qual objetiva evitar a prática de infrações penais, a Polícia

Judiciária, no escólio de Brasileiro (2014, p. 110):

(...) cuida-se de função de caráter repressivo, auxiliando o Poder Judiciário. Sua atuação ocorre depois da prática de uma infração penal e tem como objetivo precípuo colher elementos de informação relativos à materialidade e à autoria do delito, propiciando que o titular da ação penal possa dar início à persecução penal em juízo. Nessa linha, dispõe o art. 4º, caput, do CPP, que a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas

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respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

Ressalte-se que, a despeito desta definição, Feitoza (2011,

pp. 202-203), em posição adotada por este trabalho, entende que a

Constituição Federal faz distinção entre as funções de Polícia

Investigativa e de Polícia Judiciária. Isto porque, ao fazer referência às

atribuições da Polícia Federal, a Carta Magna, no art. 144, §1º, I e II,

outorga ao mencionado órgão atribuições para apurar infrações penais

contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e

interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas

públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão

interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se

dispuser na lei, bem como prevenir e reprimir o tráfico ilícito de

entorpecentes e drogas afins, o contrabando e descaminho. De outro

lado, o inciso IV do mesmo dispositivo, estabelece que a Polícia Federal

destina-se a exercer, com exclusividade, as funções de Polícia Judiciária

da União.

De igual modo, quando a Carta Magna se refere à Polícia

Civil, atribui a esta as funções de polícia judiciária e de apuração de

infrações penais, nos termos de seu art. 144, §4º. Analisando esta

diferenciação, Brasileiro arremata (2014, p. 111):

Como se percebe, a própria Constituição Federal estabelece uma distinção entre as funções de polícia judiciária e as funções de polícia investigativa. Destarte, por funções de polícia investigativa devem ser compreendidas as atribuições ligadas à colheita de elementos informativos quanto à autoria e materialidade das infrações penais. A expressão polícia judiciária está relacionada às atribuições de auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo as ordens judiciárias relativas à

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execução de mandados de prisão, busca e apreensão, condução coercitiva de testemunhas, etc. Por se tratar de norma hierarquicamente superior, deve, então, a Constituição Federal, prevalecer sobre o teor do Código de Processo Penal (art. 4º, caput).

Extrai-se, pois, do texto constitucional, que as funções de

polícia judiciária no Brasil são exercidas, em regra, pela Polícia Federal

e pelas Polícias Civis dos Estados, estando as atribuições de cada uma

delas bem delineadas pela Carta Magna, em seu artigo 144. Em relação

às Polícias Civis, a Constituição exclui, expressamente, do âmbito de

infrações por ela apuradas, as de natureza militar, nos termos do §4 do

já mencionado dispositivo.

Do mesmo dispositivo constitucional, por fim, se conclui que

as Polícias Civis dos Estados devem ser dirigidas por delegados de

polícia de carreira, ou seja, que tenham ingressado na carreira de

delegado de polícia por intermédio de concurso público de provas e

títulos, tornando-se ocupantes de cargo efetivo.

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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LEI 12.830/2013: A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

CONDUZIDA PELO DELEGADO DE POLÍCIA

Em 20 de Junho de 2013, após aprovação pelo Congresso

Nacional, a Presidente da República Dilma Rousseff sancionou a Lei

12.830, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo

Delegado de Polícia. O referido diploma trouxe importantes dispositivos

para o aperfeiçoamento da investigação criminal, os quais passaremos

a analisar a seguir.

O art. 2º da mencionada Lei estabelece o seguinte:

Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

Como se vê, o dispositivo em comento repete a distinção

feita pela Constituição Federal em funções de polícia judiciária (polícia

judiciária stricto sensu) e de apuração de infrações penais (polícia

investigativa). Para aprofundamento do tema, remetemos o leitor ao

tópico anterior, no qual analisamos a mencionada diferenciação.

Ainda, verifica-se que o legislador reconhece a natureza

jurídica das atividades capitaneadas pelo Delegado de Polícia, sejam

elas no exercício de suas funções de polícia judiciária ou na apuração

de infrações penais. No escólio de Sannini Neto (2014, p. 45), “em

outras palavras, o legislador reconhece que a autoridade de polícia

judiciária é essencial para a Justiça, assim como os juízes, promotores e

advogados/defensores públicos”.

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Destaque-se, também, que o dispositivo legal em tela

estabelece que as funções exercidas pelo Delegado de Polícia são

exclusivas de Estado. De acordo com Sannini Neto (2014, p. 45):

Isso significa que o Estado chamou para si a responsabilidade pela investigação de infrações penais. Nada mais lógico e oportuno, afinal, a investigação criminal, por vezes, acaba restringindo direitos fundamentais, o que demanda a atuação de agentes estatais, que pautam suas ações pelo princípio da legalidade pública, só podendo fazer aquilo que está previsto em lei. Dessa forma, investigações realizadas por particulares são absolutamente ilegais, não podendo ser toleradas em nosso ordenamento jurídico, principalmente por não contarem com qualquer previsão legal. Reforçando esse entendimento, consignamos que procedimentos investigativos que não possuem perfeita regulamentação podem acarretar em abusos e violações aos direitos do investigado, prejudicando, inclusive, a correta apuração do crime.

O §1º do art. 2º do diploma analisado estabelece o que se

segue:

§ 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

Verifica-se, da

interpretação deste dispositivo,

que a expressão “autoridade

policial” se refere ao delegado de

polícia. Para Cabette (2013), o

parágrafo em tela “reforça esse

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entendimento, impedindo que o Inquérito Policial ou o Termo

Circunstanciado sejam presididos por outros policiais como, por

exemplo, as Polícias Militares, Rodoviárias etc”.

Interpretando o dispositivo, Sannini Neto (2014, pp. 46-47)

assevera:

[...] podemos afirmar que cabe ao delegado de polícia a condução da investigação criminal, que, via de regra, se materializa por meio do inquérito policial, que, por sua vez, é o único procedimento de investigação criminal com regulamentação legal.

E arremata:

[...] insistimos que em se tratando de procedimento cujo objetivo exclusivo seja a apuração de infrações penais, essa atividade deve, por força de lei, ser conduzida por delegado de polícia. Desse modo, numa interpretação a contrario sensu, seria ilegal a investigação criminal conduzida pelo Ministério Público. A uma, porque ela é desenvolvida sem participação do delegado de polícia. A duas, porque essa investigação não possui qualquer previsão legal.

Da mesma forma, considerando que interceptações telefônicas e mandados de busca e apreensão têm por objetivo a apuração das circunstâncias, materialidade e autoria de infrações penais, tais procedimento, que são essencialmente investigativos, não podem ser conduzidos pela polícia militar, salvo em se tratando de crimes militares.

O dispositivo seguinte versa sobre o poder requisitório do

delegado de polícia, como se vê, in verbis:

§ 2o Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.

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Este dispositivo autoriza que o delegado de polícia, na

condição de presidente da investigação criminal determine as

providências necessárias para cabal elucidação dos fatos. Como bem

explica Cabette (2013):

Esse § 2º. não traz nenhuma grande novidade ao mundo jurídico, pois que trata da atividade de investigação já comumente e tradicionalmente deferida às Autoridades Policiais, inclusive nos termos dos artigos 6º. e 7º., CPP até mais detalhadamente. O dispositivo, por óbvio, não vem a excepcionar as chamadas reservas de jurisdição constitucional e legalmente previstas. Por exemplo, continua o Delegado necessitando de ordem judicial para a realização de busca e apreensão domiciliar fora das exceções constitucionalmente previstas; o mesmo se pode dizer das interceptações telefônicas, quebras de sigilos bancário e fiscal etc.

Segundo Sannini Neto (2014, p.

48), ainda sobre o dispositivo, este possibilita

às autoridades policiais a requisição de

informações, por exemplo, às operadoras

telefônicas, instituições financeiras, provedoras

de internet e administração de cartão de

crédito, desde que o conteúdo verse sobre a

qualificação pessoal do investigado, filiação ou endereço. Entretanto,

conforme o doutrinador, as informações protegidas pela cláusula de

reserva de jurisdição continuam dependendo de autorização judicial,

tais como quebra de sigilos bancários ou telefônicos.

O §3º do diploma legal estudado recebeu veto presidencial,

sendo que dispunha, no projeto de lei, da seguinte redação:

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§ 3o - O delegado de polícia conduzirá a investigação criminal de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade.

As “razões do veto” foram expostas na Mensagem

Presidencial nº 251/2013, in verbis:

Da forma como o dispositivo foi redigido, a referência ao convencimento técnico – jurídico poderia sugerir um conflito com as atribuições investigativas de outras instituições, previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Dessa forma, é preciso buscar uma solução redacional que assegure as prerrogativas funcionais dos delegados de polícia e a convivência harmoniosa entre as instituições responsáveis pela persecução penal.

No entanto, em nossa visão, tal argumentação não merecia

prosperar, já que o dispositivo em comento apenas consolidaria a tão

necessária imparcialidade que deve reger o trabalho da autoridade

policial, baseada em seu livre convencimento jurídico, sem que existam

influxos e ingerências políticas nas decisões do delegado de polícia.

Como bem explica, mais uma vez, Sannini Neto (2014, p. 49):

Considerando que o Delegado de Polícia possui uma formação essencialmente jurídica, devendo ser bacharel em Direito, sendo submetido a concursos públicos extremamente rígidos, assim como Juízes, Promotores, Defensores Públicos etc., é dever da Autoridade de Polícia Judiciária analisar o fato criminoso sob todos os aspectos jurídicos. Mais do que isso, na condução da investigação, que objetiva a perfeita elucidação dos fatos, o Delegado de Polícia pode coordenar as diligências de maneira discricionária, de acordo com a necessidade para a formação do seu convencimento sobre o caso. No mesmo sentido e reforçando o exposto nesse ponto, lembramos que a Constituição do Estado de São Paulo garante em seu artigo 140, §3°, que “aos Delegados de

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Polícia é assegurada independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária”.

Isso não significa, todavia, que a Autoridade Policial possa se eximir de atender uma requisição feita pelo Ministério Público. Muito pelo contrário. Como titular da ação penal, o Ministério Público pode requisitar diligências que sejam imprescindíveis para o exercício desse mister. O Delegado de Polícia, por sua vez, deve acatá-las não por subordinação ao Ministério Público, mas por respeito ao princípio da legalidade, que deve pautar toda a investigação criminal.

O §4º representa importante garantia ao trabalho do

delegado de polícia, como se pode depreender da literalidade do texto

legal:

§4º. O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.

No escólio de Cabette (2013), o parágrafo em questão,

além de representar uma garantia ao delegado de polícia, também “é

uma garantia da sociedade, contra eventuais manipulações na fase

investigatória”. Para o doutrinador, o dispositivo consolida o “princípio

do delegado natural”, nos mesmos termos do “princípio do juiz natural”.

E continua:

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A partir de agora a avocação ou redistribuição discricionária, sem qualquer justificativa, não pode ser levada a efeito pela hierarquia superior da Polícia Civil ou Federal. A avocação ocorre quando uma Autoridade Policial hierarquicamente superior àquela que dá andamento ao feito por atribuição natural, chama para si o Inquérito ou outro procedimento (v.g. Termo Circunstanciado) e ela mesma (autoridade superior) passa presidi-lo. Na redistribuição essa autoridade superior irá retirar do Delegado Natural o procedimento e repassá-lo a outro Delegado designado para prosseguir nas apurações. Tudo isso, a partir de agora, somente pode ser levado a termo mediante a devida fundamentação, ou seja, a indicação transparente dos motivos que levam a essa alteração da atribuição natural.

Prosseguindo na interpretação dos dispositivos da Lei

12.830/2013, passaremos à análise do §5º do mesmo artigo, que

estabelece o seguinte:

§ 5o A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.

O parágrafo em tela também traz importante garantia ao

delegado de polícia, a qual Sannini Neto (2014, p. 51) nomina de

“inamovibilidade relativa”. De acordo com a redação, a autoridade

policial não poderá ser removida de sua lotação sem prévia justificativa.

Tal medida visa, mais uma vez, proporcionar isenção ao trabalho do

delegado de polícia, evitando interferências externas e remoções

políticas, que objetivem, por exemplo, tão-somente prejudicar o

andamento de alguma investigação presidida por aquela autoridade.

O último parágrafo do dispositivo em testilha versa sobre o

formal indiciamento. Vejamos:

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§ 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

Na lição de Cabette (2013), o indiciamento é a

exteriorização da convicção da autoridade policial quanto às suas

suspeitas em relação à autoria delitiva. Segundo o professor, o

mencionado ato não possui qualquer carga acusatória, já que nem o

Ministério Público e muitos menos o Judiciário estão atrelados à

convicção do delegado de polícia.

Examinando especificamente o dispositivo em tela, Sannini

Neto (2014, p. 51) declara:

Com a inovação legislativa, o indiciamento deve, necessariamente, ser precedido de um despacho fundamentado em que o delegado de polícia exponha todos os aspectos jurídicos utilizados na formação de seu convencimento. Demais disso, a autoridade policial deverá indicar a autoria, os indícios de materialidade do crime e todas as suas circunstâncias.

Verifica-se também que o indiciamento se torna, expressa e

legalmente, ato privativo do delegado de polícia. Isso significa dizer que

nem o membro do Ministério Público nem o magistrado podem

determinar o formal indiciamento de determinado investigado, sob

pena de interferência no convencimento técnico-jurídico da autoridade

policial. Acerca do indiciamento, analisaremos o instituto mais

detidamente no tópico subseqüente, ao qual remetemos o leitor.

Por fim, o art. 3º do novel diploma estabelece o seguinte:

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Art. 3o O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.

Como se conclui deste dispositivo, a lei 12.830/2013 exige

que o ocupante do cargo de delegado de polícia seja bacharel em

Direito, em consonância com o art. 2º do mesmo diploma, o qual prevê

que as atividades exercidas pelo delegado possuem “natureza jurídica”.

Ademais, tal requisito para ingresso do cargo vem ao encontro dos

dispositivos já analisados na Constituição do Estado de São Paulo, que

exigem, além de o delegado de polícia ser bacharel em Direito, que

possua dois anos de atividades jurídicas.

No que concerne ao “tratamento protocolar”, apesar de

desnecessária a previsão, por não trazer qualquer melhoria à eficiência

da atividade policial, essa visa a corrigir antiga distorção, uma vez que,

todas as demais carreiras jurídicas eram tratadas com o pronome

“Excelência”, o que não se dava com o delegado de polícia.

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O INDICIAMENTO E A PRESIDÊNCIA DO AUTO DE PRISÃO

EM FLAGRANTE: ATOS PRIVATIVOS DO DELEGADO DE

POLÍCIA

Como vimos no tópico anterior, a recente Lei 12.830/2013

trouxe tímida regulamentação acerca do instituto do indiciamento, como

se repete a seguir:

Art. 2º, §6º - O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

Conforme se nota, a lei em questão não trouxe qualquer

definição do ato indiciamento, cabendo a sua conceituação à doutrina

processual penal. Neste sentido, Távora e Alencar (2013, p. 126),

entendem que o indiciamento:

[...] é a informação ao suposto autor de um fato objeto das investigações. É a cientificação ao suspeito de que ele passar a ser o principal foco do inquérito. Saímos do juízo de possibilidade para o de probabilidade e as investigações são centradas em pessoa determinada. Logo, só cabe falar em indiciamento se houver um lastro mínimo de prova vinculando o suspeito à prática delitiva. Deve a autoridade policial deixar clara a situação do indivíduo, informando-lhe a condição de indiciado sempre que existam elementos para tanto.

Trata-se, pois, de um ato de atribuição privativa da

autoridade policial, por ela formalizado quando, ao longo da

investigação, se convence no sentido de que há indícios mínimos de que

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um suspeito tenha praticado determinado crime (SANNINI NETO, 2014,

p. 92). Constitui também garantia ao investigado, de modo que possa

se defender das suspeitas que sobre ele recaem. Ainda, segundo este

doutrinador, analisando o instituto do ponto de vista pragmático:

[...] durante a persecução penal, a certeza sobre a autoria de um crime varia de acordo com suas fases. Para que seja instaurado o inquérito policial, basta que se vislumbre a possibilidade de ter havido um fato punível, independentemente do conhecimento de sua autoria, já que uma das funções da investigação preliminar é descobrir seu autor.

O inquérito policial, portanto, nasce da possibilidade de autoria, mas busca a probabilidade. Constatada essa probabilidade, deve ser efetivado o formal indiciamento. A partir desse momento, o status do sujeito passivo da investigação criminal passa de suspeito/investigado para indiciado. Notem que nesse instante a certeza em relação à autoria já é maior que no início da persecução penal.

Entretanto, o formal indiciamento não vincula quaisquer das

demais autoridades envolvidas na persecução penal, uma vez que deve

ser respeitado o livre convencimento técnico-jurídico de cada um destes.

Nada impede, por exemplo, que o membro do Ministério Público

proponha o arquivamento de inquérito policial em que haja sujeito

indiciado. De igual modo, se denunciado, o magistrado pode absolvê-

lo ou condená-lo. Consoante ensinamento de Sannini Neto (2014, p.

94), “nenhum desses atos viola o princípio da presunção de inocência”,

já que nessas fases vigora o princípio do in dubio pro societates.

Do art. 6º, §2º, da Lei 12.830/2013, se inferem três

premissas básicas. A primeira delas se refere ao fato de que o

indiciamento é ato privativo do delegado de polícia. Deste modo, em

consonância com decisões dos Tribunais Superiores, não se revela

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possível que o membro do Ministério Público ou autoridade judiciária

requisitem ao delegado de polícia o formal indiciamento do investigado,

caso a autoridade policial não o tenha realizado, sob pena de

interferência indevida no convencimento e nas atribuições deste. Nesse

sentido, opinam Távora e Alencar (2013, p. 126):

[...] não é adequado que o ato de indiciar seja requisitado pelo juiz ou pelo Ministério Público. Tais autoridades podem determinar a instauração da investigação. Todavia, a definição subjetiva do foco investigativo é de atribuição do titular do inquérito.

Em segundo plano, o ato de indiciamento deve ser

precedido de despacho fundamentado da autoridade policial. Esta

exigência praticamente repete normativa interna da Polícia Civil do

Estado de São Paulo (Portaria DGP nº 18/1998) e da Polícia Federal

(Instrução Normativa nº 11/2011). Ademais, revela consonância com o

princípio da publicidade, que deve reger todos os atos administrativos,

previsto no art. 37 da Constituição Federal.

Por fim, ao determinar o indiciamento, o delegado de

polícia deve apontar as razões jurídicas de seu convencimento, bem

como indicar a suposta autoria, a materialidade e as circunstâncias do

ocorrido.

De igual modo, a prisão em flagrante é regulamentada pelo

Código de Processo Penal nos artigos 301 e seguintes, o qual impõe,

sem qualquer sombra de dúvida, a necessidade de apresentação de

qualquer indivíduo surpreendido em situação de suposto flagrante delito

à autoridade policial. Sannini Neto (2014, p. 160), analisando a

natureza jurídica da prisão em flagrante, entende que:

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Trata-se de um ato jurídico-administrativo efetivado pelo delegado de polícia, que, analisando o caso concreto, ouvindo as testemunhas, a vítima e o conduzido (imputado), forma seu convencimento jurídico e, de maneira fundamentada, determina a formalização da prisão em flagrante ou não.

A jurisprudência também é remansosa no sentido de que a

lavratura do auto de prisão em flagrante não deve ocorrer de forma

automática, possuindo o delegado de polícia certo grau de

discricionariedade. Deste modo, analisará os elementos que lhe são

trazidos, sem prejuízo de outras diligências investigatórias que julgar

necessárias e decidirá, fundamentadamente, pela lavratura ou não do

auto flagrancial. Abaixo, algumas decisões sobre o tema, as quais,

inclusive, afastam eventual incidência do crime de prevaricação quando

a autoridade policial decide, de forma justificada, pela não lavratura do

auto:

A determinação da lavratura do auto de prisão em flagrante pelo delegado de polícia não se constitui em um ato automático, a ser por ele praticado diante da simples notícia do ilícito penal pelo condutor. Em face do sistema processual vigente, o Delegado de Polícia tem o poder de decidir da oportunidade ou não de lavrar o flagrante. (RT, 679/351).

A autoridade policial goza de poder discricionário de avaliar se efetivamente está diante de notícia procedente, ainda que em tese e que avaliados perfunctoriamente os dados de que dispõe, não operando como mero agente de protocolo, que ordena, sem avaliação alguma, flagrantes e boletins indiscriminadamente. (RJTACRIM, 39/341).

Compete privativamente ao delegado de polícia discernir, dentre todas as versões que lhe sejam oferecidas por testemunhas ou envolvidos em ocorrência de conflito, qual a

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mais verossímil e, então, decidir contra quem adotar as providências de instauração de inquérito ou atuação em flagrante. Somente pode ser acusado de se deixar levar por sentimentos pessoais quando a verdade transparecer cristalina em favor do autuado ou indiciado e, ao mesmo tempo, em desfavor daquele que possa ter razões para ser beneficiado pelos sentimentos pessoais da autoridade. (RT, 622/296-7; RJTACRIM, 91/192).

Para configuração do crime previsto no art. 319 do CP é indispensável que o ato retardado ou omitido se revele contra disposição expressa de lei. Inexistindo norma que obrigue o Delegado de Policia autuar em flagrante todo cidadão apresentado como autor de ilícito penal, considerando seu poder discricionário não há se falar em prevaricação. (RT 728/540).

Inocorre o delito do art. 319 do CP, na conduta de Delegado de Polícia que deixou de lavrar auto de prisão em flagrante de acusado que nessa situação se encontrava, iniciando somente o Inquérito Policial, pois a regra da lavratura do auto de prisão em flagrante em situações que o exijam, não é rígida, sendo possível certa discricionariedade no ato da Autoridade Policial, que pode deixar de fazê-lo em conformidade com as circunstâncias que envolvem cada caso. (RDJTACRIM, 51/193).

O Delegado de Polícia não tem função robotizada. É bacharel em Direito. Submete-se a concurso público. Realiza, na própria Instituição, cursos específicos. Tem, na estrutura de sua função, chefias hierárquicas e órgão correcional superior. Não se pode, pois, colocar seu agir sempre sob a suspeita de cometimento de crime de prevaricação, caso não lavre o flagrante, principalmente quando esse seu agir pressupõe decisão de caráter técnico-jurídico, como o é no caso do auto de flagrante. Está na hora, pois, mormente neste momento em que se procura alterar o Código de Processo Penal, de se conferir ao Delegado de Polícia regras claras e precisas para que o exercício de sua função não seja um ato mecânico, burocrático, carimbativo, dependente, amedrontado ou heróico, enfim, não condizente com a alta responsabilidade e dever que a função exige, até para que se possa cobrar plenamente essa responsabilidade que lhe é conferida e puni-lo pelos desvios praticados. (TJSP, HC 370.792).

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

21

Ressalte-se que, de forma excepcional, permite-se que

outras autoridades, que não o delegado de polícia, lavrem autos de

prisão em flagrante. Sannini Neto (2014, p. 240) aponta quatro dessas

hipóteses especiais, a saber: a) a mesa diretora da Câmara dos

Deputados ou do Senado Federal ou o parlamentar previamente

indicado conforme o regimento

interno, nos crimes praticados nas

dependências destas Casas, nos

termos da Súmula 397 do STF; b) as

comissões parlamentares de

inquérito nos crimes praticados

durante suas sessões; c) o oficial

militar indicado para função, quando se tratar de crime militar; d) a

autoridade judiciária, quando o crime for cometido em sua presença ou

contra sua pessoa, desde que esteja no exercício de suas funções, nos

moldes do art. 307, CPP.

Arrematando este raciocínio, deve-se ter em conta que, ao

dar voz de prisão em flagrante a determinado ou ratificar voz de prisão

anteriormente dada por outro agente da autoridade ou qualquer do

povo, o delegado de polícia, além de determinar a lavratura do auto de

prisão respectivo, determinará o formal indiciamento do investigado,

uma vez que, se há elementos que possibilitem o encarceramento do

sujeito, presentes estão, ao menos, elementos mínimos de sua autoria,

o que ensejará o seu indiciamento.

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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O INVESTIGADO COMO SUJEITO DE DIREITOS

Como bem acentua Sannini Neto (2014, p. 74), os tipos

penais objetivam proteger os diversos direitos fundamentais previstos na

Constituição da República. Considerando que a autoridade policial,

centrada na figura do delegado de polícia, é quem comanda, no sistema

processual brasileiro, as investigações preliminares que visam à

apuração da ocorrência destes tipos penais, ele deve atuar como o

garantidor dos direitos do investigado durante essa frase pré-

processual.

De forma brilhante, ao tratar sobre o tema, Cabette (2013)

expõe o que se segue:

[...] a figura do delegado de polícia como bacharel em Direito, constituindo-se em uma vantagem qualitativa da polícia brasileira em relação às alienígenas. O delegado de polícia com formação jurídica, além de possibilitar uma competente investigação no aspecto jurídico, pode funcionar como uma autoridade capaz de possibilitar uma “paridade de armas” entre acusação e defesa, pois que não será necessária a intervenção do órgão estatal acusador nessa fase, ao contrário de outros sistemas de direito comparado.

Deste modo, as investigações levadas a

efeito pelo delegado de polícia não podem mais ser

vistas como instrumento a ser utilizado apenas para a

condenação do suspeito. Pelo contrário, a autoridade

policial deve atuar de maneira imparcial, buscando

elementos que possam auxiliar tanto na defesa quanto na acusação,

sempre com o fito de que a apuração pré-processual chegue o mais

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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próximo possível da verdade dos fatos, garantindo-se os direitos de

todos os envolvidos na investigação.

Não em outro sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal,

nos ED. Caut. MS 25.617-6/DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello:

[...] a unilateralidade desse procedimento investigatório não confere ao Estado o poder de agir arbitrariamente em relação ao indiciado e às testemunhas, negando-lhes, abusivamente, determinados direitos e certas garantias – como a prerrogativa contra a auto-incriminação – que derivam do texto constitucional ou de preceitos inscritos em diplomas legais: (...) O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.

Além disso, os tratados e convenções internacionais que

versam sobre direitos humanos dispõem, como garantia do cidadão,

que quando de sua detenção, este deva ser levado, de imediato, a

presença de um juiz ou outra autoridade habilitada por lei a exercer

funções judiciais, o que, no ordenamento jurídico brasileiro, equivale ao

Delegado de Polícia. Isto é o que dispõe, o Pacto Internacional dos

Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 9º, §3º:

Art. 9º

§3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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da pessoa em questão à audiência e a todos os atos do processo, se necessário for, para a execução da sentença. (grifo nosso).

De igual modo, estabelece o artigo 7.5 da Convenção

Americana dos Direitos (Pacto de San Jose da Costa Rica), in verbis:

Artigo 7º

5. "Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo." (grifo nosso)

Raciocinando sobre o tema, Ruchester Marreiros Barbosa

(2014) assevera que caso os tratados não reconhecessem a legitimidade

de órgãos não jurisdicionais de exercerem a função jurídica de prender

ou soltar, não iriam dispor sobre o direito dos presos de se socorrerem

a juízes ou tribunais se as decisões daqueles órgãos em não soltar

fossem arbitrárias, conforme estabelece o artigo seguinte do Pacto de

San Jose da Costa Rica:

Artigo 7º

6. "Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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outra pessoa." (grifo nosso)

O mesmo autor cita ainda o “Conjunto de Princípios para

Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção

ou Prisão – 1988” das Nações Unidas apresenta interpretação acerca

do alcance da expressão “ou outra autoridade autorizada por lei a

exercer funções judiciais”, como se transcreve, respectivamente, de seu

anexo e de seu princípio 11.3, in verbis:

Para los fines del Conjunto de Principios:

a) Por "arresto" se entiende el acto de aprehender a una persona con motivo de la supuesta comisión de un delito o por acto de autoridad; b) Por "persona detenida" se entiende toda persona privada de la libertad personal, salvo cuando ello haya resultado de una condena por razón de un delito; c) Por "persona presa" se entiende toda persona privada de la libertad personal como resultado de la condena por razón de un delito; d) Por "detención" se entiende la condición de las personas detenidas tal como se define supra; e) Por "prisión" se entiende la condición de las personas presas tal como se define supra; f) Por "un juez u otra autoridad" se entiende una autoridad judicial u otra autoridad establecida por ley cuya condición y mandato ofrezcan las mayores garantías posibles de competencia, imparcialidad e independencia." (grifo nosso)

Princípio 11

1. Ninguém será mantido em detenção sem ter a possibilidade efetiva de ser ouvido prontamente por uma autoridade judiciária ou outra autoridade. A pessoa detida tem o direito de se defender ou de ser assistida por um advogado nos termos da lei.

2. A pessoa detida e o seu advogado, se o houver, devem receber notificação, pronta e completa da ordem de detenção, bem como dos seus fundamentos. (Grifo nosso)

3. A autoridade judiciária ou outra autoridade devem ter poderes para apreciar, se tal se justificar, a manutenção da detenção. (grifo nosso)

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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Ora, que autoridade é essa, no ordenamento jurídico

brasileiro, se não o delegado de polícia, que reúne as características da

imparcialidade e independência e que tem poderes para manter ou não

alguém no cárcere, quando este sujeito lhe é apresentado após a sua

detenção, apresentando-lhe, se for o caso, notificação com os

fundamentos de sua prisão (nota de culpa)?

Por fim, Ruchester Marreiros Barbosa analisa o Caso Vélez

Loor Vs. Panamá, julgado pela Corte Interamericana de Direitos

Humanos, objetivando demonstrar que a interpretação aqui exposta

tem consonância com a hermenêutica

daquela Corte. Aqui, transcreve-se

trecho da sentença, em que o Estado

do Panamá foi condenado por violação

a direitos humanos:

"108. Este Tribunal considera que, para satisfacer la garantía establecida en el artículo 7.5 de la Convención en materia migratoria, la legislación interna debe asegurar que el funcionario autorizado por la ley para ejercer funciones jurisdiccionales cumpla con las características de imparcialidad e independencia que deben regir a todo órgano encargado de determinar derechos y obligaciones de las personas. En este sentido, el Tribunal ya ha establecido que dichas características no solo deben corresponder a los órganos estrictamente jurisdiccionales, sino que las disposiciones del artículo 8.1 de la Convención se aplican también a las decisiones de órganos administrativos. Toda vez que en relación con esta garantía corresponde al funcionario la tarea de prevenir o hacer cesar las detenciones ilegales o arbitrarias, es imprescindible que dicho funcionario esté facultado para poner en libertad a la persona si su detención es ilegal o arbitraria." (grifo nosso)

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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Conforme o autor, o caso tratava de um imigrante

equatoriano, que havia ingressado ilegalmente no Panamá, onde foi

preso pela “Polícia Nacional de la Zona”. Ocorre, entretanto, que a

autoridade administrativa competente para verificar a legalidade da

prisão, com funções análogas a do delegado de polícia brasileiro,

ratificou a condução do preso apenas 25 (vinte e cinco) dias depois, sem

nenhuma fundamentação, nem comunicação ao juiz ou defensor

público no período em que ficou encarcerado.

Arremata Barbosa que a Corte, ressaltou, conforme o trecho

transcrito acima, “a importância da autoridade administrativa exercer a

função materialmente jurisdicional de forma imediata para que o

judiciário e a defensoria pudessem atuar, bem como sua prisão pelo

Diretor (Delegado) fosse necessariamente fundamentada”.

Assim, verifica-se, no cotejo da legislação pátria já

analisada e dos tratados e convenções internacionais, que o Delegado

de Polícia é a autoridade incumbida pelo Estado para ter o primeiro

contato com os fatos eventualmente delituosos, analisando-os sob a

ótica jurídica, com respeito às garantias fundamentais do suspeito,

possibilitando a este o seu exercício e tratando-lhe como verdadeiro

sujeito de direitos.

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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CONCLUSÃO

Como visto, o trabalho do Delegado de Polícia deve estar

longe de ser mecânico, de mero chancelador de ocorrências. Trata-se

de um trabalho que demanda a utilização de raciocínio e, em especial,

de seus conhecimentos jurídicos em prol do cidadão e de toda a

coletividade. Se assim não o fosse, o Estado poderia economizar

substanciais recursos financeiros substituindo os delegados de polícia

por computadores.

Deste modo, o Delegado de Polícia deve ser visto como o

primeiro garantidor dos direitos do cidadão. Isso porque se trata da

autoridade estatal que primeiro tem contato com o crime e, por possuir

formação jurídica, pode analisar todos os contornos do Direito

relacionados ao fato que lhe é apresentado. Deve o Delegado de

Polícia, assim, possibilitar a observância dos direitos e garantias

fundamentais de todos envolvidos na investigação, independentemente

do pólo em que atuam (vítimas, investigados, testemunhas, advogados,

etc.).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

As referências bibliográficas completas se encontram em:

http://migre.me/sRnv4

Page 29: O Delegado de Polícia - Garantidor dos Direitos Fundamentais (Doutrina e Prática)

O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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O DELEGADO DE POLÍCIA NA GARANTIA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS: PEÇAS PRÁTICAS.

DESPACHO DE NÃO-LAVRATURA DE FLAGRANTE EM DECORRÊNCIA

DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Comparecem os policiais militares condutor e testemunhas,

informando que estavam em patrulhamento de rotina pelo centro da

cidade quando foram solicitados por um popular que lhes informou ter

ouvido três mulheres combinando subtraírem itens da Perfumaria

XXXXX. Em seguida, os policiais se deslocaram até aquele

estabelecimento, visualizando as referidas saírem do estabelecimento,

procedendo à abordagem e revista em suas bolsas. Com as

testemunhas, YYYY e ZZZZ, nada foi encontrado. De outra ponta, com

a averiguada WWWW, a princípio nada foi encontrado, mas após breve

diálogo, esta confessou ter subtraído do estabelecimento um “reparador

de pontas pós química XING-LING", retirando referido item de suas

vestes e entregando de imediato aos policiais. Aos militares, esta disse

que cometera a subtração uma vez que estava precisando de dinheiro.

A representante da vítima, funcionária da empresa aqui

presente, informou ter visualizado WWWW com o referido item na mão,

sem, contudo, vê-la guardando-o. Informa também ter questionado

WWWW se esta teria furtado algum item, o que foi por ela

negativamente respondido. Também diz que referido item é vendido na

loja por R$ 6,60 (seis reais e sessenta centavos).

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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A res furtiva foi exibida e apreendida e imediatamente

devolvida à representante da empresa vítima.

Despacho da autoridade policial:

À primeira vista, a averiguada parece ter incorrido no delito

previsto no art. 155, caput, do Código Penal (furto simples).

Entretanto, este não é o melhor juízo. Sabe-se que, o

Delegado de Polícia, é o primeiro a ter contato com os fatos e a deliberar

acerca deles. Aos integrantes desta carreira, bachareis de Direito

conforme reza a Lei 12.830/2013, a Constituição Estadual do Estado de

São Paulo assegura independência funcional pela livre convicção nos

atos de polícia judiciária, conforme estabelece o art. 140, 3º, do referido

diploma.

Diante disso, tem-se na doutrina e jurisprudência, o

conhecimento consolidado de que a tipicidade penal é a soma da

tipicidade formal com a tipicidade material. Desta forma, ausente

tipicidade material da conduta, restará ausente a tipicidade penal. Por

consequência, não há que se falar em crime e não se falando em crime,

impossível a lavratura do auto de prisão em flagrante delito ou mesmo

a mera instauração de inquérito policial.

Sabe-se que no estudo da tipicidade esta era entendida,

pela teoria tradicional, sob o aspecto meramente formal. Deste modo,

bastava a subsunção do fato à norma para que se caracterizasse a

infração, desde que presentes os demais requisitos. Considerando esta

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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linha de raciocínio, restaria imputado o crime de peculato ao aqui

investigado.

Entretanto, mais modernamente, passou-se a entender que

a tipicidade penal englobaria tanto a tipicidade formal quanto a

material. Assim, a tipicidade deixaria de ser mera subsunção do fato à

norma, passando a abrigar também juízo de valor, consistente na

relevância da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.

Incrementando esta teoria, Eugênio Raul Zaffaroni

desenvolveu a teoria da tipicidade conglobante, na qual a tipicidade

penal é a soma da tipicidade formal e da tipicidade conglobante (esta

última composta pela tipicidade material e pela antinormatividade do

ato - ato não determinado ou não incentivado por lei).

Com a concepção da tipicidade material, surge o princípio

da insignificância. Isto porque, ainda que o legislador crie tipos

incriminadores em observância aos princípios gerais do Direito Penal,

poderá ocorrer situação em que a ofensa concretamente perpetrada

seja diminuta, isto é, que não seja capaz de atingir materialmente e de

forma relevante e intolerável o bem jurídico protegido.

Com a aplicação do princípio da insignificância, afasta-se a

tipicidade material, haja vista a ínfima ou nenhuma lesão ao bem

jurídico protegido, e, consequentemente, o fato típico. Como

decorrência, o crime deixa de existir.

Os Tribunais Superiores exigem para aplicação do princípio

da insignificância ou bagatela quatro requisitos, a saber: a) mínima

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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ofensividade da conduta; b) nenhuma periculosidade social da ação; c)

reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e d)

inexpressividade da lesão jurídica provocada.

No caso em tela, a averiguada, sem utilizar de violência ou

grave ameaça subtraiu um cosmético de uma loja de perfumaria, cujo

valor é estimado em R$ 6,60 (seis reais e sessenta centavos), ou seja,

menos de 2% (dois por cento) do salário mínimo legal vigente no país.

Tem-se, pois, presentes os requisitos aqui mencionados: sua conduta é

minimamente ofensiva, não traz qualquer perigo social, tem reduzido

grau de reprovabilidade pelo homem médio e, por fim, representa lesão

ínfima ao patrimônio da vítima.

Diante disso, no presente caso, esta Autoridade Policial

entendeu ser aplicável o princípio da insignificância, afastando, desta

feita, a tipicidade da conduta. Uma vez tornada atípica a conduta da

averiguada, não há que se falar em crime, impedindo-se a lavratura do

auto de prisão em flagrante e determinando-se o presente registro de

ocorrência com a natureza não criminal, dando de tudo ciência ao

Ilustre Representante do Ministério Público e MM. Juiz de Direito da

Comarca para requisitarem ou requererem eventuais medidas que

julgarem cabíveis ao presente caso, colocando-se imediatamente a

averiguada em liberdade. Ademais, seria desproporcional a segregação

cautelar da averiguada, diante da mínima lesão a bem jurídico por ela

perpetrada.

Nada mais.

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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Cidade/Estado, dia, mês e ano.

Delegado de Polícia.

REPRESENTAÇÃO PELA CONCESSÃO DE MEDIDAS CAUTELARES

Boletim de Ocorrência nº 01/2016

Natureza: AMEAÇA/DANO

Investigada: Fulana de Tal

Vítima: Cicrano de Tal

MM. JUIZ.

A POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO

PAULO, representada neste ato pelo Delegado de Polícia que esta

subscreve, no desempenho de suas atribuições conferidas pelo art. 144,

§ 4º, da Constituição da República, art. 140, § 2º e 3º, da Constituição

Estadual Paulista, art. 4º e seguintes do Código de Processo Penal, art.

12, da Portaria DGP-18/1998, e demais dispositivos legais correlatos,

vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, REPRESENTAR

PELA CONCESSÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA

PRISÃO em desfavor de FULANA DE TAL e o faz com arrimo nos

fundamentos fáticos e jurídicos, bem como as diligências de Polícia

Judiciária adotadas no caso em apreço.

Na data de ontem, compareceu a esta Unidade

Policial, o Sr. CICRANO DE TAL noticiando que sua ex-esposa FULANO

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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DE TAL, com que fora casado dois anos e possui duas filhas em comum,

se dirigiu até sua residência e diante da negativa em lhe dar dinheiro

para uso de drogas, danificou diversos vidros, bem como o ameaçou de

morte.

Registrou-se o boletim de ocorrência nº

01/2016, que segue anexo e que se encontra em tramitação nesta

Delegacia, para elaboração do consequente termo circunstanciado e

posterior encaminhamento à justiça local.

Ocorre que, como se depreende dos

documentos anexos, a investigada tem reiteradamente proferido

ameaças em desfavor de seu ex-marido, bem como cometido uma série

de outras infrações penais em desfavor deste, tais como dano,

perturbação da tranquilidade, vias de fato e violação de domicílio, o que

gerou diversos procedimentos nesta Delegacia, relacionados às partes

em questão.

Possivelmente por se tratarem de infrações de

menor potencial ofensivo, que dificilmente resultarão em privação de

liberdade da investigada, esta, ignorando a atuação da Polícia e do

Judiciário, volta a delinquir de forma repetida.

O art. 282, §3º, do Código de Processo Penal,

possibilita ao juiz de direito a aplicação de medidas cautelares no curso

da investigação criminal, desde que haja representação da autoridade

policial ou requerimento do Parquet.

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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Para tanto, o caput do mesmo dispositivo revela

dois parâmetros para sua aplicação, a saber: 1) a necessidade para

aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e,

nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações

penais e 2) adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias

do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

Em relação ao primeiro requisito, este se

encontra presente no caso em tela, haja vista que a investigada

reiteradamente comete as mesmas infrações penais em desfavor do

vitimado, se furtando a aplicação da lei penal e sabedora de que as

consequências de seus atos serão ínfimas. Ademais, a aplicação de

medidas cautelares poderá evitar a prática de novas infrações.

Sobre o segundo parâmetro, entendemos que a

aplicação das medidas cautelares previstas no art. 319, incisos II e III,

revela proporcional, para evitar o cometimento de novas infrações por

parte da investigada, bem como considerando suas condições pessoais.

Deste modo, REPRESENTO neste ato pela aplicação

das medidas cautelares do art. 319, II e III do Código de Processo Penal,

para proibir a investigada de acessar ou frequentar o imóvel em que

reside o vitimado e suas filhas, bem como para proibir o seu contato

com estes.

Cidade/Estado, dia, mês e ano.

Delegado de Polícia

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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RELATÓRIO FINAL DE INQUÉRITO POLICIAL

R E L A T Ó R I O

Inquérito Policial nº 01/2014

Natureza: ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A, CP)

Investigado: BELTRANO DE TAL

Vítima: CRIANÇA VÍTIMA

MM. JUIZ.

A POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO

PAULO, representada neste ato pelo Delegado de Polícia que esta

subscreve, no desempenho de suas atribuições conferidas pelo art. 144,

§ 4º, da Constituição da República, art. 140, §§ 2º e 3º, da Constituição

Estadual Paulista, art. 4º e seguintes do Código de Processo Penal, art.

12, da Portaria DGP-18/1998, e demais dispositivos legais correlatos,

consubstanciado no art. 10, § 1º, do Código de Processo Penal, vem,

respeitosamente à presença de Vossa Excelência, apresentar o presente

RELATÓRIO FINAL de Inquérito Policial, e o faz com arrimo nos

fundamentos fáticos e jurídicos, bem como as diligências de Polícia

Judiciária adotadas no caso em apreço:

Trata-se de Inquérito Policial instaurado

mediante Portaria (fls. 02), a partir do boletim de ocorrência de nº

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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496/2014 (fls. 03-04), com o fito de apurar o crime de estupro de

vulnerável cometido, em tese, por BELTRANO DE TAL em desfavor de

CRIANÇA VÍTIMA, em 30 de Junho de 2014, às 11h, na Av. inexistente,

Bairro Fantasioso, nesta urbe.

Consta, em síntese, que na data, horário e local

supramencionados, a vítima, então com 1 (um) ano de idade, fora

encontrado na porta do quarto do amásio de sua avó, o ora investigado,

apresentando marca vermelha de ter sido seguro com força, com cheiro

de esperma em suas mãos e boca.

Requisitou-se exame de corpo de delito na

vítima (fls. 05), o qual concluiu que, se houve atos libidinosos, estes não

deixaram vestígios (fls. 10), bem como não encontrou lesões de interesse

médico-legal na vítima.

Procedeu-se à apreensão de uma fralda (fls.

07), requisitando-se perícia para se verificar se há no objeto apreendido

urina, sangue e esperma, tendo o laudo restado negativo para as três

substâncias (fls. 43-47).

A genitora da vítima, SRA. MÃE, em declarações

(fls. 14), aduziu: morava na Av. Inexistente, Bairro Fantasioso, nesta,

com seu filho CRIANÇA VÍTIMA, de 1 ano, sua mãe, o padrasto

BELTRANO e seus irmãos; que em data que não se recorda, no mês

passado, ouviu a genitora e o padrasto terem relação sexual, pois seu

quarto era do lado de onde ouvia os gemidos; após sua genitora

levantou-se e foi comprar pão, sendo que seu filho CRIANÇA VÍTIMA

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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correu para o quarto dela e começou a brincar com BELTRANO; a

declarante buscou o filho e reparou que BELTRANO estava apenas de

cueca; alega que pegou novamente no sono e o filho CRIANÇA VÍTIMA

novamente foi para o quarto de BELTRANO, sendo que após ouviu um

grito de dor abafado de seu filho CRIANÇA VÍTIMA localizando-o na

porta do quarto de BELTRANO; que CRIANÇA VÍTIMA aparentava ter

marca vermelha nos braços como se tivesse ter sido seguro com força e

na fralda dele havia muita urina que a declarante alega que não

pertencia a seu filho, bem como alega que havia um líquido "melado";

afirma a declarante que seu filho CRIANÇA VÍTIMA também tinha

esperma nas mãos e boca; que CRIANÇA VÍTIMA estava muito irritado

e não queria ficar sentado; a declarante após saiu da casa e foi para

uma amiga, sendo que CRIANÇA VÍTIMA foi retirado da declarante e

entregue para uma família social; que a declarante vai para a casa de

sua tia, endereço acima citado; que sua genitora passou a dizer que a

declarante está usando "crack", o que nega.

Acostou-se certidão de nascimento da vítima às

fls. 15.

Ouviu-se a avó da vítima e companheira do

investigado, que não presenciou o suposto ocorrido (fls. 22-23).

O investigado, em declarações, nega as

imputações (fls. 29-30).

Tendo em vista à ausência de indícios de

cometimento de infração por parte do investigado, pesando apenas as

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O DELEGADO DE POLÍCIA: GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

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declarações da representante da vítima contra ele, tendo todos os

laudos periciais restado negativos, bem como à vista da Lei

12.830/2013, em seu artigo 2º, § 6o, – a qual estabelece ser o

indiciamento ato privativo do Delegado de Polícia – deixei de indiciá-lo.

Estas foram as diligências empreendidas no

transcurso do inquérito policial. E não havendo, neste momento, outras

essenciais à elucidação dos fatos e de suas circunstâncias, é declarado

encerrado o presente Inquérito Policial, o qual é encaminhado a Juízo.

Cidade/Estado, dia, mês e ano.

Delegado de Polícia.

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SOBRE O AUTOR

RAFAEL FARIA DOMINGOS - Delegado de Polícia do Estado

de São Paulo, tendo sido aprovado no concurso com 23 (vinte e três) anos de idade – Titular do 1º Distrito Policial de Guaíra/SP; Graduado em Direito pela Universidade de Uberaba/MG; Especialista em Direito Penal e Processo Penal com Capacitação para Docência no Ensino Superior pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus/SP. Professor de Direito Penal da Graduação em Direito do Centro Universitário Unifafibe, em Bebedouro/SP.