o cortiço

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O cortiço, Aluísio Azevedo

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Livro O Cortiço , Aluísio Azevedo

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Page 1: O Cortiço

O cortiço, Aluísio Azevedo

Page 2: O Cortiço

Augusto Malta – Interior de um cortiço – Rio de Janeiro (1906)

Page 3: O Cortiço

Cortiço na Rua Visconde do Rio Branco – Rio de Janeiro (1906)

Page 4: O Cortiço

Cortiço – Rio de Janeiro (1904)

Page 5: O Cortiço

Rua São Clemente, Botafogo (1970) – Cenário que teria inspirado O cortiço

Page 6: O Cortiço

Rua São Clemente, Botafogo (2007) – Cenário que teria inspirado O cortiço

Page 7: O Cortiço

O cortiço, de Aluísio Azevedo, publicado em 1890, é uma obra naturalista que se inspirou:

em leis naturais enunciadas por Darwin (Seleção Natural e Evolucionismo);

nas descobertas da medicina experimental de Claude Bernard (experimentalismo hipotético-dedutivo: observação-hipótese-experiência-resultado-interpretação-conclusão) ;

nas ideias do filósofo e historiador francês Hippolyte Taine (Determinismo);

nos princípios do Positivismo de Augusto Comte (cientificismo e materialismo).

Page 8: O Cortiço

Foco Narrativo: o narrador é onisciente: além de comportar-se como se estivesse observando e registrando a verdade dos fatos, demonstra conhecimento sobre intenções e sentimentos das personagens.

Page 9: O Cortiço

Espaço: A narrativa se desenvolve em dois espaçosdistintos/dois conjuntos que sofrerãotransformações, como se pudessem ser representativosde dois organismos que estabelecem trocas e estão emevolução.

Conjunto A: O cortiço São Romão

Conjunto B: O sobrado de Miranda.

Page 10: O Cortiço

O cortiço São Romão O cortiço São Romão (onde vivem os carapicus)

Origem “João Romão não saía nunca a passeio, nem ia à missa

aos domingos; tudo que rendia sua venda e mais a quitanda seguia direitinho para a caixa econômica e daí então para o banco. Tanto assim que, um ano depois da aquisição da crioula [Bertoleza], indo em hasta pública algumas braças de terra situadas ao fundo da taverna, arrematou-as logo e tratou, sem perda de tempo, de construir três casinhas de porta e janela.” (p.17)

Page 11: O Cortiço

“E o fato é que aquelas três casinhas, tão engenhosamente construídas, foram o ponto de partida do grande cortiço de São Romão.Hoje quatro braças de terra, amanhã seis, depois mais outras, ia o vendeiro conquistando todo o terreno que se estendia pelos fundos da sua bodega; e, à proporção que o conquistava, reproduziam-se os quartos e o número de moradores.” (p.18)

Page 12: O Cortiço

Desenvolvimento

“Durante dois anos o cortiço prosperou de dia para dia, ganhando forças, socando-se de gente. E ao lado o Miranda assustava-se (...).” (p.26)

Page 13: O Cortiço

Extinção

“Houve nas duas maltas [carapicus e cabeças-de-gato] um súbito espasmo de terror. Abaixaram-se os ferros e calou-se o hino de morte. Um clarão tremendo ensanguentou o ar, que se fechou logo de fumaça fulva.A Bruxa conseguira afinal realizar o seu sonho de louca: o cortiço ia arder; não haveria meio de reprimir aquele cruento devorar de labaredas. Os cabeças-de-gato, leais nas suas justas de partido, abandonaram o campo, sem voltar o rosto, desdenhosos de aceitar o auxílio de um sinistro e dispostos até a socorrer o inimigo, se assim fosse preciso.” (p.165)

Page 14: O Cortiço

Reconstrução do cortiço

“Daí a dias, com efeito, a estalagem metia-se em obras. À desordem do desentulho do incêndio sucedia a do trabalho dos pedreiros (...).” (p.171)

“Mas o cortiço já não era o mesmo; estava muito diferente, mal dava ideia do que fora. O pátio, como João Romão havia prometido, estreitara-se com as edificações novas; agora parecia uma rua, todo calçado por igual e iluminado por três lampiões grandes simetricamente dispostos. Fizeram-se seis latrinas, seis torneiras de água e três banheiros. (...) De cento e tantos, a numeração dos cômodos elevou-se a mais de quatrocentos; e tudo caiadinho e pintado de fresco.” (p.181)

Page 15: O Cortiço

“E, como a casa comercial de João Romão, prosperava igualmente a sua avenida. Já lá não se admitia assim qualquer pé-rapado: para entrar era preciso carta de fiança e uma recomendação especial. Os preços dos cômodos subiam (...). (...) a maior parte das casinhas eram ocupadas agora por pequenas famílias de operários, artistas e praticantes de secretaria. O cortiço aristocratizava-se.” (pp.198-199)

Page 16: O Cortiço

Sobrado de João Romão

“João Romão conseguira meter o sobrado do vizinho no chinelo; o seu era mais alto e mais nobre, e então com as cortinas e com a mobília nova impunha respeito. (p.183)

Page 17: O Cortiço

O sobrado do MirandaO sobrado do Miranda

Origem

“Justamente por essa ocasião vendeu-se também um sobrado que ficava à direita da venda (...). Comprou-o um tal Miranda, negociante português (...). Corrida uma limpeza geral no casarão, mudar-se-ia ele para lá com a família (...).” (pp.18-19)

Page 18: O Cortiço

Relações familiares no sobrado

““(...) a verdadeira causa da mudança estava na necessidade, (...) a verdadeira causa da mudança estava na necessidade, que ele reconhecia urgente, de afastar Dona Estela do alcance que ele reconhecia urgente, de afastar Dona Estela do alcance dos seus caixeiros. Dona Estela era uma dos seus caixeiros. Dona Estela era uma mulherzinha levada mulherzinha levada da brecada breca: achava-se casada havia treze anos e durante esse : achava-se casada havia treze anos e durante esse tempo dera ao marido toda sorte de desgostos. Ainda antes tempo dera ao marido toda sorte de desgostos. Ainda antes de terminar o segundo ano de matrimônio, de terminar o segundo ano de matrimônio, o Miranda pilhou-o Miranda pilhou-a em flagrante delito de adultérioa em flagrante delito de adultério; ficou furioso e o seu ; ficou furioso e o seu primeiro impulso foi de mandá-la para o diabo junto com o primeiro impulso foi de mandá-la para o diabo junto com o cúmplice; mas a sua casa comercial garantia-se com o dote cúmplice; mas a sua casa comercial garantia-se com o dote que ela trouxera (...). Além de que, um rompimento brusco que ela trouxera (...). Além de que, um rompimento brusco seria obra para escândalo, e, segundo a sua opinião, qualquer seria obra para escândalo, e, segundo a sua opinião, qualquer escândalo doméstico ficava muito mal a um negociante de escândalo doméstico ficava muito mal a um negociante de certa ordem.” (p.19).certa ordem.” (p.19). – Dona Estela não consegue controlar – Dona Estela não consegue controlar seus desejos lascivos.seus desejos lascivos.

Page 19: O Cortiço

O cortiço miserável e o rico sobrado de Miranda retratam, em pequena escala, a sociedade brasileira do fim do segundo império (segunda metade do século XIX): início discreto da industrialização (surgimento do operariado); crescimento do comércio urbano (capitalistas comerciais, compondo uma classe média – Miranda e João Romão).

O cortiço é o espaço mais importante da obra, abrigando “machos e fêmeas” que lutavam pela sobrevivência.

Page 20: O Cortiço

Outras oposições presentes no romanceOutras oposições presentes no romance

A terra brasileira X PortugalA terra brasileira X Portugal

“E [Piedade] maldizia soluçando a hora em que saíra da sua terra; essa boa terra cansada, velha como que enferma; essa boa terra tranquila, sem sobressaltos nem desvarios de juventude. Sim, lá os campos eram frios e melancólicos, de um verde alourado e quieto, e não ardentes e esmeraldinos e afogados em tanto sol e em tanto perfume como o deste inferno (...); lá Jerônimo seria ainda o mesmo esposo casto, silencioso e meigo; seria o mesmo lavrador triste e contemplativo (...).” (p.158) – Determinismo: Adaptação ao meio (Jerônimo) X Inadaptação ao meio /sucumbência ao meio (Piedade)

Page 21: O Cortiço

Portugueses X brasileirosPortugueses X brasileiros::

“(...) E, para individualizar o objeto do seu ódio, [Botelho] voltava-se contra o Brasil, essa terra que, na sua opinião, só tinha uma serventia: enriquecer os portugueses, e que, no entanto, o deixara, a ele, na penúria.” (p.31) – Aspecto da realidade brasileira da segunda metade do século XIX: ódio dos brasileiros por portugueses que aqui enriqueciam.

Page 22: O Cortiço

João Romão X Miranda João Romão X Miranda

“(...) era ainda a prosperidade do vizinho o que lhe obsedava o espírito [de Miranda], enegrecendo-lhe a alma com um feio ressentimento de despeito.Tinha inveja do outro [João Romão], daquele outro português que fizera fortuna, sem precisar roer nenhum chifre (...).” (p.27)

Page 23: O Cortiço

“(...) [João Romão] invejava agora o Miranda, invejava-o deveras, com dobrada amargura do que sofrera o marido de Dona Estela, quando, por sua vez, o invejara a ele. Acompanhara-o desde que o Miranda viera habitar o sobrado com a família; vira-o nas felizes ocasiões da vida, cheio de importância, cercado de amigos e rodeado de aduladores (...); vira-o enfim em todas as suas prosperidades, e nunca lhe tivera inveja. Mas agora, estranho deslumbramento! quando o vendeiro leu no ‘Jornal do Comércio’ que o vizinho estava Barão (...) sentiu tamanho calafrio em todo o corpo, que a vista por um instante se lhe apagou dos olhos.” (pp.102-103)

Page 24: O Cortiço

Arbítrio X sujeição ao meioArbítrio X sujeição ao meio ““Durante o dia paravam agora em frente do armazém carroças e Durante o dia paravam agora em frente do armazém carroças e

carroças com fardos e caixas trazidos da alfândega, em que se carroças com fardos e caixas trazidos da alfândega, em que se liam as iniciais de João Romão; e rodavam-se pipas e mais pipas liam as iniciais de João Romão; e rodavam-se pipas e mais pipas de vinho e de vinagre, e grandes partidas de barricas de cerveja de vinho e de vinagre, e grandes partidas de barricas de cerveja e de barris de manteiga e de sacos de pimenta. E o armazém, e de barris de manteiga e de sacos de pimenta. E o armazém, com as suas portas escancaradas sobre o público, engolia tudo com as suas portas escancaradas sobre o público, engolia tudo de um trago, para depois ir deixando sair de novo, aos poucos, de um trago, para depois ir deixando sair de novo, aos poucos, com um lucro lindíssimo, que no fim do ano causava assombros. com um lucro lindíssimo, que no fim do ano causava assombros. (...)(...)E, como a casa comercial de João Romão, prosperava E, como a casa comercial de João Romão, prosperava igualmente a sua avenida. (...)” (p.198) – igualmente a sua avenida. (...)” (p.198) – A ambição patológica A ambição patológica de João Romão e a inveja de Miranda tornam-no um homem de João Romão e a inveja de Miranda tornam-no um homem obstinado capaz de superar as influências do meio e prosperar.obstinado capaz de superar as influências do meio e prosperar.

Page 25: O Cortiço

“(...) Pombinha abria muito a bolsa, principalmente com a mulher de Jerônimo, a cuja filha, sua protegida predileta, votava agora, por sua vez, uma simpatia toda especial, idêntica à que noutro tempo inspirara ela própria à Léonie. A cadeia continuava e continuaria interminavelmente; o cortiço estava preparando uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada, que se fazia mulher ao lado de uma infeliz mãe ébria.” (p.201) – O meio degradante do cortiço era um ambiente propício para a prostituição. Senhorinha, vivendo no cortiço, com uma mãe que sucumbiu às imposições do meio e degradou-se, tornando-se ébria, inevitavelmente, vai prostituir-se.

Page 26: O Cortiço

CARACTERÍSTICAS NATURALISTAS

A força dos instintos; animalização; A força dos instintos; animalização; determinação da raça determinação da raça

“(...) [Rita] Amara-o [Firmo] a princípio por afinidade de temperamento, pela irresistível conexão do instinto luxurioso e canalha que predominava em ambos, depois continuou a estar com ele por hábito, por uma espécie de vício que amaldiçoamos sem poder largá-lo; mas desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinando-a com a sua tranquila seriedade de animal bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior. (...)” (p.151)

Page 27: O Cortiço

As determinações da raçaAs determinações da raça

“(...) Rita, volúvel como toda mestiça, não guardava rancores, e, pois, desfez-se em obséquios com a família do amigo. (...)” (p.179)

Page 28: O Cortiço

As determinações do meioAs determinações do meio

““Ela [Piedade] ergueu-se finalmente, foi lá fora ao Ela [Piedade] ergueu-se finalmente, foi lá fora ao capinzal, pôs-se a andar agitada, falando sozinha, a capinzal, pôs-se a andar agitada, falando sozinha, a gesticular forte. E nos seus movimentos de desespero, gesticular forte. E nos seus movimentos de desespero, quando levantava para o céu os punhos fechados, dir-se-quando levantava para o céu os punhos fechados, dir-se-ia que ia que não era contra o marido que se revoltava, mas não era contra o marido que se revoltava, mas sim contra aquela amaldiçoada luz alucinadora, contra sim contra aquela amaldiçoada luz alucinadora, contra aquele sol crapuloso, que fazia ferver o sangue aos aquele sol crapuloso, que fazia ferver o sangue aos homens e metia-lhes no corpo luxúrias de bode. homens e metia-lhes no corpo luxúrias de bode. (...)” (...)” (p.158)(p.158)

Page 29: O Cortiço

Desfecho da obra

À cena trágica do suicídio de Bertoleza, que se nega a voltar a seus donos, segue uma cena de intensa ironia: um grupo de abolicionistas chega à casa de João Romão para entregar-lhe um diploma de sócio benemérito.

Page 30: O Cortiço

Evidenciam-se, nesse desfecho:1. as bases frágeis em que estava apoiado o abolicionismo

no Brasil – os negros não contariam com uma verdadeira liberdade, pois a estrutura social oligárquica brasileira poderia lhes garantir a liberdade, mas não os verdadeiros direitos de qualquer cidadão;

2. a validade de uma lei natural: os mais fortes sobrevivem, os mais fracos sucumbem e morrem.

Page 31: O Cortiço

PERSONAGENS

A obra é composta por um grande número de personagens que apenas na aparência são diferentes – na essência, formam uma multidão caracterizada pelo trabalho, pela exploração, pela degradação, brutalidade e animalização.

Page 32: O Cortiço

ESTILO Descrições minuciosas e sensoriais

“(...) das portas [do cortiço] surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se as conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. (...).” (p.35)

Page 33: O Cortiço

Linguagem: simples, com presença de gírias, expressões grosseiras e populares e imitação da fala lusitana.

“Quando o ferreiro [Bruno], logo em seguida, chegou perto da mulher, esta ainda não tinha acabado de vestir a saia molhada.- Com quem te esfregavas tu, sua vaca?! bradou ele, a botar os bofes pela boca.” (p.81)

“- Desta vez a coisa foi de esticar, hein?!” (p.58) “- Quem não quer ser lobo não lhe vista a pele!” (p.93) –

(Provérbio, dito popular)

Page 34: O Cortiço

TEMPO

As marcas temporais são muito difusas, no entanto pode-se afirmar que os fatos remetem à segunda metade do século XIX pela menção ao periódico Jornal do comércio, fundado em 1827, pelas referências à “Lei Rio Branco”, aprovada em 1871 e pela presença de operários imigrantes italianos.