o controle a de qualidade na industria...

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A O CONTROLE DE QUALIDADE , NA INDUSTRIA PAULISTA CLAUDE MACHLlNE o contrôle dte qualidade não é mais um «luxo» administrativo: é, sim, uma necessidade imperiosa para a maior produtividade e lucratividade da emprêsa. Até que ponto adotou nossa indústria os princípios e as téc- nicas mais recomendadas no terreno do contrôle de quali- dade ? A fim de verificar qual a repercussão dos conceitos e dos métodos administrativos modernos no setor em foco, em nossas emprêsas, conduzimos uma pesquisa (1) junto a 35 indústrias paulistas, no ano de 1960. Apresentamos aqui os resultados essenciais obtidos naquele inquérito, com o fito, sobretudo, de comparar a teoria elaborada pelos especia- listas no ramo com a prática seguida pelas firmas locais. Após algumas palavras introdutórias sôbre o contrôle de qua- lidade e um breve relato do método seguido na pesquisa, examinaremos os problemas mais prementes de qualidade em nosso parque manufatureiro;· compararemos, a seguir, as soluções dadas por nossas emprêsas com os preceitos e mé- todos mais avançados no assunto e apresentaremos, final- mente, algumas sugestões sôbre o que talvez possa ser feito para melhorar a administração do contrôle de qualidade na indústria paulista. CLAUDE MACHUNE - Professor-Adjunto da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, Departamento de Administração da Produção. (1) «O Contrôle de Qualidade da Indústria Paulista», Claude Maehline, Monografia a ser publicada pela Fundação Getúlio Vargas.

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A

O CONTROLE DE QUALIDADE,NA INDUSTRIA PAULISTA

CLAUDE MACHLlNE

o contrôle dte qualidade não é mais um «luxo»administrativo: é, sim, uma necessidade imperiosapara a maior produtividade e lucratividade daemprêsa.

Até que ponto adotou nossa indústria os princípios e as téc-nicas mais recomendadas no terreno do contrôle de quali-dade ? A fim de verificar qual a repercussão dos conceitos edos métodos administrativos modernos no setor em foco,em nossas emprêsas, conduzimos uma pesquisa (1) junto a35 indústrias paulistas, no ano de 1960. Apresentamos aquios resultados essenciais obtidos naquele inquérito, com ofito, sobretudo, de comparar a teoria elaborada pelos especia-listas no ramo com a prática seguida pelas firmas locais.

Após algumas palavras introdutórias sôbre o contrôle de qua-lidade e um breve relato do método seguido na pesquisa,examinaremos os problemas mais prementes de qualidade emnosso parque manufatureiro;· compararemos, a seguir, assoluções dadas por nossas emprêsas com os preceitos e mé-todos mais avançados no assunto e apresentaremos, final-mente, algumas sugestões sôbre o que talvez possa ser feitopara melhorar a administração do contrôle de qualidade naindústria paulista.

CLAUDE MACHUNE - Professor-Adjunto da Escola de Administraçãode Emprêsas de São Paulo, Departamento de Administração daProdução.

(1) «O Contrôle de Qualidade da Indústria Paulista», Claude Maehline,Monografia a ser publicada pela Fundação Getúlio Vargas.

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44 CONTRÔLE DE QUALIDADE R.A.E_

o que é Contrôle de Qualidade

o contrôle de qualidade reúne tôdas as atividades que visama prevenção dos defeitos de fabricação e não se restringesõmente à função de inspeção. Além da verificação das ma-térias-primas, do produto em fabricação e acabado, das fer--ramentas e dos calibradores, inclui a investigação das cau-sas dos defeitos, a escolha dos métodos e dos planos de ins--peção, a análise dos dados relativos às perdas e às reclama-ções, a determinação do nível de qualidade desejado no mer-cado. a recuperação do refugo e o estabelecimento das es-pecificações de compra, além de outras funções necessáriasà coordenação dos esforços produtivos, de modo que, no ní-vel mais econômico, seja possível proporcionar ao freguês-inteira satisfação.

É conveniente frisar que o contrôle de qualidade não detémas responsabilidades diretas pela percentagem do refugo, nempor um padrão insatisfatório de qualidade. Essas responsa-bilidades são da produção. Mas o contrôle de qualidadedeve estar apto a inspecionar um número sempre maior de-peças, sempre mais ràpidamente, com menor mão-de-obra;menos erros e menos atritos humanos.

Amostra e Método Usados na Pesquisa

Os estabelecimentos que participaram dêste inquérito foramescolhidos subjetivamente. Não tentamos obter uma amos-tra "ao acaso", por meio de algum processo probabilísticode seleção. Egforçamo-nos por incluir em nossa pesquisa as.indústrias que, a nosso ver, poderiam possuir um programabem elaborado de contrôle de qualidade. Assim, construímos-nossa amostra com nomes de entidades prestigiosas, "líde-res" nos seus ramos, cuja reputação deriva da excelênciados produtos, da dominação no mercado ou da pujançaeconômica. Procuramos as firmas significativas, não asrepresentativas.

Escolhemos as companhias de modo a obter certa varieda-de de atividades fabris, concentrando-nos, entretanto, em se-tores nos quais a natureza do produto e o rigor das tolerân-

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R.A.E. CONTRÔLE DE QUALIDADE 45

cias justificariam um contrôle bem montado. Demos, assim,certa preponderância às indústrias mecânica e automobilís-tica, em relação às outras classes de atividades manufatureiras.

Nossa amostra incluiu o seguinte número de emprêsas decada ramo:

Transformação de minerais não metálicos(Vidraria e Cerâmica) 5

Metalurgia . . . 2Mecânica . 11Material Elétrico e de Comunicações 3Material de Transporte (Construção e Montagem).. 6Mobiliário . . .Borracha.Química e Farmacêutica 3Têxtil . 1Serviços industriais de Utilidade Pública 1Transportes Aéreos . 1

Total 35

'Quanto ao tamanho, eis como se subdividiam as companhiasentrevistadas :

Mais de 1000 funcionários .De 200 a 1000 funcionários .

13148Menos de 200 funcionários

"Total . 35

Para conseguirmos as informações desejadas, entrevistamospessoalmente funcionários que ocupavam cargos de chefia docontrôle de qualidade ou da inspeção, ou tinham posição dedestaque no setor em aprêço. A fim de facilitar e uniformi-zar as entrevistas, valemo-nos de um questionário impresso.Muitas das perguntas que fizemos eram "não dirigidas", istoé, deixavam ao entrevistado ampla liberdade na formulação daresposta.

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46 CONTRÔLE DE QUALIDADE R.A.E.

Os Problemas de Qualidade das Nossas Indústrias

Examinemos primeiro alguns problemas de qualidade men-cionados pelos dirigentes e técnicos com os quais conversa-mos. A lista que segue cobre, na ordem de importância,as dificuldades mais freqüentemente relatadas.

A - Carência de Inspetores Qualificados

Recrutar e manter o pessoal de inspeção qualificado consti-tuem as maiores preocupações dos responsáveis pelo con-trôle de qualidade nas indústrias mecânicas e, em geral, nosramos de desenvolvimento recente em nosso país. No ramoautomobilístico, por exemplo, não se encontrando às vêzesem um único indivíduo todos os talentos necessários ao de-sempenho de certas inspeções delicadas (como ajustagem dacarroçaria), lança-se mão de duas pessoas para perfazê-las.Após o custoso treino na própria indústria, os inspetores es-pecializados são fàcilmente perdidos para os concorrentes,que lhes acenam com ofertas tentadoras, seja em cargos pro-dutivos, melhor remunerados, seja em postos de supervisão.

B - Falta de Constância nas Matérias-Primas enos Suprimentos

A variabilidade na qualidade das matérias-primas e dos su-primentos, quer se trate de minérios, chapas metálicas, com-ponentes ou embalagens, representa um percalço constanteà obtenção de uma qualidade uniforme. Não é possível con-fiar no fornecedor, qualquer que seja; perde-se muito tempona inspeção das remessas de materiais comprados.

Um fabricante de lavadeiras automáticas declarou-nos quedesmonta e examina cuidadosamente um certo número derelés, reostatos e motores de cada partida adquirida, aindaque as remessas anteriores da mesma fonte tenham sidotôdas satisfatórias. Não se trata de falta de confiança naidoneidade do fornecedor, mas suspeita de que o mesmopos-sa ter usado, inadvertidamente, na montagem do relé, cons-tituintes de qualidade inferior, a êle supridos por um sub-fornecedor.

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c - Falta de Apoio por Parte da Direção

A maioria de nossas emprêsas cresceu muito ràpidamente.O volume de produção, mais do que a qualidade e o volume do-refugo, tem sido a preocupação principal dos dirigentes. O de-partamento de contrôle de qualidade, criado, mais de uma vez,tardiamente, é considerado, pela linha de produção, um in-truso, para não dizer um estôrvo. Os controladores não são-prestigiados, sua importância para a supressão do refugo eo aumento da produção não é reconhecida.

Uma fábrica de mobiliários já possuiu um departamento decontrôle de qualidade, porém extinguiu-o por medida de eco-nomía; considera, no momento, de tôda conveniência o seurestabelecimento, mormente pelo fato de que parte substan-cial de suas vendas se efetua agora à indústria automobilís-tica, mais rigorosa em suas exigências do que os demais con-sumidores. Em muitas firmas, o departamento de contrô-le de qualidade tem que lutar àrduamente para se ver insti-tuído de tôdas as atribuições que constituem seu apanágio-natural e provido de todos os meios necessários ao bom de-sempenho de sua missão.

D - Falta Generalizada de Mentalidade de Qualidade

Os encarregados do contrôle de qualidade, em nossas indús-trias, ressentem-se da falta geral de "mentalidade" de quali--dade, tanto por parte da direção da emprêsa, quanto dos ho-mens de produção, dos fornecedores e, paradoxalmente, dos-próprios fregueses. "Mentalidade" de qualidade somente tema direção que se organiza para um contrôle preventivo com-pleto, que planeja e administra eficazmente um programa to-tal de contrôle de qualidade.

A qualidade não é ainda um caso de li consciência profissio-nal" para certo número de dirigentes, nem é concebível queo seja para os que fizeram súbita fortuna num mercado tãofavorável ao fornecedor como o que prevaleceu longos anosentre nós; à medida que a concorrência aumenta, os indus-

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48 CONTRÔLE DE QUALIDADE R.A.E.

triais convencem-se da necessidade de estabelecer um contrôleparcial, mas sempre permanecem muitos pontos sem oontrôlealgum, pelos quais se processará uma evasão à qualidade.

Típica desta ideologia é a atitude de certo fabricante de ma-terial sanitário (2). Em determinada época, suas banheirase pias, depois de instaladas nas residências, rachavam espon-tâneamente. O industrial contratou tardiamente um consul-tor. Porém, como o defeito desapareceu tão ràpidamentecomo surgira, êle deixou de se preocupar com a ocorrência,conquanto fôsse de fundamental importância para sobrevivên-cia de sua emprêsa.

Nas indústrias pequenas, o chefe de fabricação é quase sempreo maior entendido em assuntos de qualidade e sua práticaem usar o tato, a vista, o olfato, no exame do produto, érespeitada e invejada por todos os subordinados. Superviso-res dêste tipo têm inevitável desconfiança de complicados ecustosos aparelhos de inspeção e tendem a desprestigiar osinspetores que os usam.

Outro exemplo da falta de interêsse pela qualidade é forneci-do por uma firma de produtos cosméticos que elabora consi-derável variedade de produtos; a mesma dispõe de três quí-micos para supervisionar a fabricação das remessas dos pro-dutos, mas não é feito nenhum contrôle sistemático das pro-priedades dos mesmos; nenhuma inspeção de qualquer espé-cie é efetuada, tampouco, sôbre as unidades embaladas; cadaseis meses, conforme consta dos contratos, uma amostra éenviada para análise aos laboratórios das firmas estrangeirasque detêm as marcas ou as patentes dos seus produtos. Essaemprêsa originou-se há um quarto de século, no fundo deum quintal. Hoje é uma potência no ramo de produtos detoucador!

Os subterfúgios usados pelos fornecedores para fazer "passar"lotes de peças defeituosas foram denunciados por elevado nú-

(2) Esta indústria não pertence à nossa amostra.

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R.A.E. CONTRÔLE DE QUALIDADE 49

mero de entrevistados. Atrasam-se as remessas, obrigando ofreguês a escolher entre parar sua linha de fabricação ou acei-tar algum refugo; entregam-se remessas pequenas, pois estastêm maior probabilidade de ser' aceitas, para uma mesma pro-porção de peças defeituosas, do que partidas grandes.

Muitos fregueses industriais foram também acusados de nãopossuir "mentalidade" de qualidade. Tem ocorrido a miúdo adevolução de remessas inteiras, devido à presença de uma úni-ca peça defeituosa, na amostra que o inspetor de recepção ex-traiu do lote recebido. Ouvimos a queixa de que as peças são,às vêzes, rejeitadas por defeitos "insignificantes" ou "inevitá-veis", que "passariam" no estrangeiro. Os compradores foramculpados de recusar remessas por mero capricho, sempre quemudam suas diretrizes de inspeção ou de compras, de sub-meter desenhos com tolerâncias "impossíveis" e, finalmente,de esquecer, às vêzes, dados essenciais nas especificações.

Observância dos Princípios de Contrôle de Qualidade

Tentaremos agora verificar se determinadas normas de orga-nização encontraram boa acolhida em nossas indústrias. Nãoexistem dogmas em assuntos de administração; todos os pre-ceitos devem ser adaptados às condições particulares vigen-tes na emprêsa. A observação de que nossas indústrias in-fringem certas normas teoricamente recomendadas não deve,portanto, ser interpretada como uma crítica.

A - Princípio de Definição de Cargos

Uma descrição pormenorizada das funções e das atividadesde cada indivíduo poderá ser feita vantajosamente, a fim deevitar atritos e evasão a responsabilidades. As atribuiçõesdos elementos de cúpula serão especificadas num "manual decargos" ou "livro de funções".

Apenas cinco emprêsas, dentre as companhias visitadas, pos-suíam um caderno de funções, o que evidencia a existênciade um alto grau de "informalismo" em nossas organizações.

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50 CONTRÔLE DE QUALIDADE R.A.E.

Nas emprêsas pequenas, pode-se justificar a ausência de de-finições funcionais, mas, nas firmas de porte, uma "CartaMagna", conhecida e aceita por todos, evitará as "guerrilhas"en\te "camarilhas" e eliminará a "terra de ninguém" admi-nistrativa.

B - Princípio de Definição de Linhas de Comando

As relações de autoridade e subordinação entre os membrosda organização devem ser claramente definidas.

As posições hierárquicas e as linhas de comando direto e "fun-cional" deverão ser esquematizadas num organograma, mesmoque êste não seja capaz de exprimir tôda a complexidade dojôgo entre as funções, nem o cunho particular que cada per-sonalidade imprime à sua posição oficial.

Tôda emprêsa, obviamente, apresenta certa organização epoderia, portanto, possuir um organograma; às vêzes, êstenão existe no papel, por ser considerado desnecessário, emvista da extrema simplicidade da organização; ou acha-seinconveniente exibi-lo, talvez pelo receio de criar melindres.

Das 35 emprêsas visitadas, 28 possuíam um organograma for-mal, afixado em lugar visível ou traçado sem hesitação peloinformante. Porém, em apenas 22 emprêsas, o organogramaera do conhecimento geral, freqüentemente revisto pelos di-rigentes e considerado de grande importância para a deter-minação da hierarquia. Em outras seis, o organograma exis-tia apenas no fundo de uma gaveta e não era tido como umarepresentação fiel da organização. Das sete emprêsas restan-tes, cinco não consideravam um organograma necessário eduas pretendiam criar o seu brevemente; essas cinco emprê-sas contavam tôdas com menos de 200 funcionários.

Parece-nos que a conveniência de se ter um organograma,pelo menos como instrumento de estudo da organização, jáfoi compreendida pela maioria de nossos industriais. Poucosdirigentes sentem-se à vontade quando têm de revelar que

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sua emprêsa não possui um organograma. A existência deum gráfico organizacional não significa que não haja pro-blemas estruturais de tôda a espécie, na firma em aprêço;pode ser uma condição necessária, porém, nunca suficientepara se obter uma boa organização. Mas a inexistência deum organograma poderá sugerir que a firma se descuidou dosproblemas de organização.

., c - Princípio da Adoção de Contrôle de Qualidade

A função de contrôle de qualidade deve existir em tôda em-prêsa. O produto será controlado em tôdas as fases de suafabricação.

Poucas indústrias, dentre as que foram objeto de nossa pes-quisa, desconhecem totalmente êsse lema; mas poucas tam-bém são as que o praticam integralmente. Dos três aspectosfundamentais da inspeção - inspeção de recebimento demateriais, inspeção de saída dos produtos e inspeção dosprodutos em processo de fabricação - as duas primeirasfases são cumpridas por quase todos os nossos informantes,mas a terceira, a inspeção do processo, está sendo negligenci-ada, ou é feita de maneira obsoleta, por aproximadamentemetade das firmas. Um punhado de estabelecimentos, ape-nas, estruturou um sistema integrado de contrôle de qua-lidade.

D - Princípio da Departamentalização do Contrôlede Qualidade

Deve existir, em tôda emprêsa de certo porte, um departa-mento dedicado ao contrôle de qualidade, constituído de pes-soas que se consagrem exclusivamente à fiscalização da qua-lidade.

Vinte e oito emprêsas, dentre as 35 que formavam nos-sa amostra, seguiram êsse ditado, criando um departa-mento, serviço ou setor de contrôle de qualidade ou de ins-

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52 CO;\.j}<ÓLE DE QL\LlD\DE R.\.L

peção . Nas demais sete firmas, tódas as diversas inspeçõessão executadas por indivíduos isolados, sempre subordinadosà produção, ou por responsáveis pela produção.

Entretanto, somente 14 dessas 28 sociedades que acabamosde mencionar delegam ao departamento de contrôle de qua-lidade todas as funções que constituem seu campo natural deação. Nas outras 14, muitas atividades de contróle de qualida-de são desempenhadas por pessoas de produção.

E - Princípio de Autonomia do Controle de Qualidade

o departamento de contrôle de qualidade precisa gozar derazoável independência em relação à produção. A voz daqualidade não pode ser abafada pelos imperativos do fatura-mento. Para que as considerações relativas à quantidadenão sobrepujem as concernentes à qualidade, convém que ainspeção se situe em um nível hierárquico em que suas reco-mendações se façam ouvir. A arquitetura mais propícia aoequilíbrio de posição entre contrôle de qualidade e produçãoserá, talvez, a que está esquematizada na Figura 1, em queo contrôle de qualidade responde diretamente à presidência.

Figura 1: Controle de Qualidade Subordinado Diretamente àPresidência.

A edificação seguinte, em que o contrôle de qualidade é su-bordinado à gerência da fábrica, também é condizente com aautonomia do contróle de qualidade: (vide Figura 2).

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Figura 2: Controle de Qualidade Subordinado à Gerência In-dustrial.

A existência dos dois arranjos estruturais esquematizadosacima foi notada em 8 ernprêsas, ao passo que a constituiçãorepresentada no Gráfico 3, que segue, prevalecia em 18 orga-nizações:

Figura 3: Cont rôle de Qualidade Subordinado (i Gerência daProdução,

Pudemos observar que os dois primeiros arranjos são os pre-feridos pelas ernprêsas de grande porte, ao passo que as fir-mas médias e pequenas adotam principalmente o último porser mais condizente, talvez, com seus recursos humanos.

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54 CONTRÔLE DE QUALIDADE R.A.E.

Com esta última disposição, em que o contrôle de qualidadeestá subordinado diretamente à produção, a autonomia advo-gada no princípio em aprêço somente poderá manifestar-sequando a personalidade do chefe do contrôle não fôr subser-viente e quando o chefe de produção possuir, ao menos emcerto grau, "mentalidade" de qualidade.

O contrôle de qualidade não deve ser executado por parteinteressada. Em outras palavras, não convém que o compra-dor seja o inspetor dos suprimentos que êle mesmo adquire,nem que o operador seja o juiz das peças que êle própriofabrica. O contrôle feito por uma pessoa parcial é suspeitoe, a rigor, deixa de ser contrôle.Este ponto de vista foi geralmente admitido pelos dirigentesentrevistados, porém o oposto foi sustentado por outros:

"Com a inspeção do produto final a seu cargo, a produção es-tará em melhores condições para saber o que está fazendo",observou o gerente de uma fábrica de aparelhos eletro-domés-ticos, defendendo a organização vigente na sua emprêsa.

Quando a firma fôr pequena, não se justificando, portanto,a contratação de inspetores especializados, quando que osoperadores forem pagos por hora, ou lhes fôr descontadaa produção de peças defeituosas, quando a operação fôr muitoautomatizada e quando, finalmente, a inspeção fôr de técnicasimples e não acarretar interrupção na produção, os axiomasde separação e autonomia do contrôle de qualidade perdemsua fôrça, podendo-se admitir que sua inobservância não sig-nifique, necessàriamente, a violação do seu espírito.

Mencionemos, por exemplo, o caso de uma fábrica de mo-tores Diesel, instalada, aliás, há pouco tempo, entre nós. Ooperador, nessa indústria, é o seu próprio inspetor: a dire-triz da firma é a de contratar operadores caros, com especia-lização e prática muito superiores àquelas exigidas pela ope-ração que executam. Será desnecessário acrescentar que osoperários são pagos por hora. A emprêsa, porém, pretendeinstituir um sistema de incentivos; o freio a uma produçãodescontrolada será a obrigação, sempre que fôr constatadoum defeito, de o operador responsável consertar a peça porconta própria.

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R.A.E. CONTRÔLE DE QUALIDADE 55

F - Princípio de Assessoria do Contrôle de Qualidade

A responsabilidade suprema pela obtenção da qualidade de-sejada é da produção. O contrôle de qualidade é uma funçãode assessoria, sem responsabilidade direta pela qualidade doproduto.

Tôdas as pessoas entrevistadas, qualquer que seja sua posiçãonas firmas, revelaram possuir o ponto de vista ortodoxo acêrcadessa questão; há um consenso geral de que a produção "faz"a qualidade e de que o contrôle de qualidade deve criar osplanos e providenciar os meios para a produção "fazer" aqualidade. A inspeção deve "acompanhar" a produção, sem-pre ajudando-a, nunca interferindo negativamente, seja porum arranjo físico que impeça o fluxo natural dos produtos,seja impondo "papeladas" que dupliquem inutilmente as daprodução, seja ainda obstando às boas relações entre os ho-mens de produção e contrôle.

A única responsabilidade direta outorgada à inspeção, emgrande número das emprêsas visitadas, é a de não deixar"passar" peças defeituosas, quer seja na recepção dos supri-mentos, na transferência do produto de uma seção à seção sub-seqüente, quer na escolha final. Nas palavras de um técnicocom o qual palestramos: "o inspetor deve ser inflexível; so-mente êle deve dizer se a peça é boa ou ruim. Aquilo quedeve ser rejeitado não pode ser tolerado sob nenhuma con-sideração; o inspetor tem a obrigação de ser desconfiado einflexível" .O princípio de assessoria implica em que o contrôle dequalidade deve desfrutar de prestígio, a fim de que seusplanos, métodos e recomendações sejam acatados pela li-nha de produção. Nesse ponto, existem profundas divergên-das entre as pessoas que entrevistamos: na maioria das em-prêsas, a contribuição pedida ao departamento de contrôle-de qualidade é passiva, não indo além da atividade de ins-peção; numa pequena minoria, a participação do contrôle dequalidade é ativa, sendo recebidas de bom grado as suassugestões quanto às causas e às curas dos defeitos; encon-tramos tôda a gama de matizes entre êsses dois extremos.

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56 CONTRÔLE DE QUALIDADE R.A.E.

Adoção das Técnicas Atualizadas de Contrôle de Qualidade

Indaguemos agora da extensão em que se viram aprovadaspela nossa indústria algumas técnicas específicas de contrôlede qualidade propostas por especialistas alienígenas ou aquimesmo desenvolvidas. Agruparemos os métodos examinadosem três categorias:

A - Processos destinados a promover o levantamentode dados relativos à qualidade.

B - Técnicas de desenvolvimento da consciência dequalidade entre os funcionários da emprêsa.

C - Métodos estatísticos de inspeção e de contrôle pre-ventivo da qualidade.

A - Levantamento de Dados Relativos à Qualidade

a) Classificação de Defeitos

A elaboração de uma lista de todos os defeitos quepossam ocorrer no produto representa um valioso.investimento para a descoberta de fontes de pertur-bações na fabricação e constitui um passo prelimi-nar para sua erradicação.

Um "atlas" de defeitos circulará entre os responsá-veis e alertá-los-á sôbre as causas das imperfeiçõese os possíveis remédios. Servirá como valiosíssimorepositório da tradição, na luta contra os males queafetam a qualidade do produto. Cientificamo-nos deque somente uma emprêsa (cerâmica) valeu-se dêssemeio.

Coleções de amostras, evidenciando os vários defeitos,serão, também, de grande valia ao inspetor-chefe,para conservar um padrão constante de escolha. Umaúnica emprêsa (vidraria) utiliza êsse recurso em tôdasua plenitude.

Nem todos os defeitos têm a mesma importância. Aclassificação das falhas em três categorias, conforme

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R.A.E. CONTRÔLE DE QUALIDADE 57

a sua gravidade, e a atribuição de um valor numéricode demérito a cada classe facultarão o cálculo deum "índice de qualidade", permitindo comparar pe-riodicamente o padrão e o nível de qualidade alcança-dos; o mesmo servirá de base a um eventual concursode qualidade entre linhas de fabricação ou entre fá-bricas; proporcionará, ainda, o estabelecimento de umparalelo com os produtos análogos da concorrência, oucom um nôvo produto que se pretende lançar nomercado.

Apesar de sua considerável utilidade, a classificaçãoponderada dos defeitos somente é praticada por quatrodas emprêsas visitadas.

b) Avaliação de Fornecedores

Não se admite que uma firma progressista assuma umaatitude passiva em relação aos fornecedores: procurarnovos mananciais de abastecimento, que prometem me-lhores condições quanto ao preço, à qualidade ou aoprazo de entrega, é um imperativo, máxime em nossomeio, onde tamanhos óbices se antepõem à obtençãode um fluxo regular de chegada dos materiais.

Algumas emprêsas - temos em mente em particularduas companhias montadoras de veículos - têm se-guido uma política agressiva de compras, colocandoseus laboratórios, suas oficinas e seus engenheiros àdisposição dos fornecedores, destarte incitando-or aque se lancem à fabricação de novos produtos e à r pu-ração de sua qualidade. Essas organizações mantêmem dia um fichário de todos os fornecedores ativose potenciais, saudável atitude que não encontrou areceptividade que merecia (3) . Sabemos, também,

(3) Já concluído êste inquérito, soubemos que certa emprêsa do ramoautomobilístico viu-se a braços com uma crise de peças, que determinoua paralização parcial de suas atividades, precisamente por ter negli-genciado o arrolamento de novos abastecedores. Criou ulteriormenteseu serviço de assistência aos fornecedoras, o qual conta hoje com8 engenheiros. As outras emprêsas automobilísticas estão seguindoêsse exemplo.

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que pelo menos três firmas de aparelhoseletro-domés-ticos e algumas companhias que instalam equipamen-to elétrico pesado permutam entre si informaçõesatinentes à qualidade oferecida pelos fornecedoresexistentes na praça.

c) Registro das Reclamações

Pudemos observar que o levantamento sistemático dedados relativos a reclamações e chamadas de serviçoainda é negligenciado em nossas indústrias. Poucas sãoas firmas que realizam êsses estudos e a maioria dasque assim procedem o fazem há pouco tempo. A inér-cia posta pelos departamentos de serviços e de vendasà colheita e ao fornecimento das estatísticas tem sidoum grande obstáculo encontrado pelos departamentosde contrôle de qualidade na regularização de um ser-viço dessa espécie.

As firmas que conservam amostras e fatos relativos acada ordem de fabricação completada, que registramnas peças, por meio de um código apropriado, os dadosessenciais à elucidação de qualquer reclamação even-tual, que catalogam as queixas por territórios, re-vendedores e períodos e que computam o número dechamadas de serviço por milhar de unidades vendidas,bem como o "custo da garantia" por unidade, cons-tituem uma restrita minoria.

B - Desenvolvimento da Consciência de Qualidade

'Osmeios enumerados a seguir começam a ser divulgados entrenós para desenvolver a consciência de qualidade entre os.servidores da emprêsa :

a) Colocação, nos locais de trabalho, de cartazes acen-tuando a importância da qualidade. - Apenas emduas fábricas percebemos a existência de letreirosdêsse gênero.

b) Exibição, em cada seção, de gráficos mostrando atendência do refugo nos últimos períodos; de tabelasindicando a produção diária de peças boas e defeituo-

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sas; de um quadro evidenciando o "índice de qua-lidade" atingido diàriamente por cada linha de fa-bricação. - Seis fábricas têm adotado um ou outrodêsses métodos.

c) Exposição das peças defeituosas, em local de passa-gem obrigatória por parte dos operários. - Uma me-talúrgica procede dessa maneira (4).

d) Criação de uma caixa de sugestões, onde são admiti-das idéias que concernem à qualidade. - Nove den-tre as emprêsas estudadas possuem uma caixa de su-gestões, mas apenas quatro incentivam a colheita decontribuições relativas à qualidade.

e) Publicação, no "jornalzinho", de tópicos relativos àqualidade e aos controladores. - Das emprêsas quepercorremos, 17 publicam um jornal com certa re-gularidade, mas até então tinha agradado a bem poucosa possibilidade de fazer campanha de qualidade porêsse meio.

-e,

f) Publicações de cartas e noticiários relacionados comqualidade. - Nenhuma emprêsa vale-se dêste recurso,mas algumas colocam observações impressas nos for-mulários de contrôle de produção que circulam entreo pessoal da fábrica.

g) Conferências periódicas de qualidade, que podem serefetuadas em nível de gerência ou de chefia. Pràti-camente tôdas as emprêsas realizam reuniões esporá-dicas e mais da metade organiza reuniões regularesde qualidade. Apenas duas promovem reuniões entrechefes e operários.

h) Emissão de relatórios de qualidade. - Algumas fir-mas, dentre as visitadas, fazem circular, nos depar-tamentos interessados, um relatório diário ou sema-nal discriminando a percentagem de peças de cadatipo, refugadas em cada seção (5).

(4) Soubemos que, após nossa visita, uma emprêsa (cerâmica) resolveutambém exibir diàriamente as peças defeituosas.

~5) Uma das emprêsas adotou recentemente êsse sistema, verificando-seuma queda imediata e apreciável do refugo.

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i) Concursos de qualidade. - Um lanifício - não incluí-do na amostra - promove um concurso de qualidade'entre as escolhedoras de lã. Três emprêsas (eletrô-nica, vidro) patrocinam um concurso de qualidade'entre as diversas seções.' Duas fábricas (eletrônica,vidro) participam de um concurso internacional per-manente dessa natureza.

j) Produção de uma fita versando sôbre qualidade. -Ao tempo de nossa pesquisa, nenhuma indústria tinhaproduzido um filme dedicado ao assunto de quali-dade. Apraz-nos assinalar que, desde então, uma com-panhia automobilística realizou uma película de dezminutos de tempo de projeção, focalizando seus la-boratórios e seus aparelhos de contrôle de qualidade.

c - Utilização dos Métodos Estatísticos

Já faz três décadas que as técnicas da estatística são aplica-das, em outros países, ao contrôle de qualidade dos produ-tos manufaturados. Examinaremos sucintamente o grau emque nossas indústrias aceitaram essas inovações.

a) No exame de muitas características do material, ainspeção de uma amostra, conduzida de acôrdo comum plano estatístico perfeitamente estabelecido, subs-titui vantajosamente a inspeção total ou a inspeçãode uma percentagem da partida, por ser mais rápida,mais barata e permitir calcular os riscos de se co-meter um êrro. Na inspeção de recebimento, quatrofirmas de nossa amostra recorreram a planos estatís-ticos. Na inspeção do produto em processo ou aca-bado, cinco são as emprêsas que assim procedem.

b) Os gráficos de contrôle estatístico (também chama-dos gráficos de Shewhart, ou cartões de contrôle ),são usados para seguir, durante a fabricação, as va-riações das características do produto. Esses gráfi-cos estatísticos são usados extensivamente em apenas.três das emprêsas visitadas e, num grau menor, emmais seis fábricas.

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Vemos que são poucas as emprêsas que usam métodos es-tatísticos. Reina certa desconfiança em relação à sua aplica-ção. em nosso meio, justificada, verdade seja dita, pelo nívelde qualidade inconstante e pouco satisfatório de muitas linhasde fabricação. As técnicas estatísticas permitem-nos aplicartrês importantes princípios de contrôle de qualidade:

1) - substituir, na medida do possível, verificações "postmortern" por contrôle corretivo durante o processo;

2) substituir, sempre que possível, verificações do tipoqualitativo "bom ou ruim", "passa ou não passa", porcontrôle quantitativo, que dê informes numéricos;

3) - substituir, sempre que possível, verificações totais porinspeções parciais.

Cabe-nos, entretanto, observar que o uso dessas técnicas mo-dernas não permitirá ao contrôle de qualidade fugir à suamaior responsabilidade, que é a de estabelecer um sistema deinformações por meio do qual se saiba, tão ràpidamente-quanto possível, da ocorrência de novos defeitos ou de exces-siva percentagem de defeitos. Assim, o sistema de vigilânciado contrôle de qualidade deve estar equipado para comunicarimediatamente à produção as anomalias que requerem pro-vidências.

Conclusões

Não nos atrevendo, embora, a extrapolar a todo nosso par-que industrial as observações feitas em número tão reduzido deemprêsas, forçoso é concluir que, no assunto em debate, comoem tudo o mais, somos um país de contrastes. Contrastesentre as ernprêsas, pois, se a maior parte de nossas fábricasainda está "engatinhando" nas áreas de planejamento, orga-nização e contrôle, uma honrosa minoria edificou um progra-ma muito satisfatório de contrôle de qualidade. Contrastesinternos, também, pois é freqüente ver-se justapostos, debaixodo mesmo teto fabríl, o melhor e o pior em matéria de homense de equipamentos.

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Fôsse-nos solicitado enunciar algumas recomendações de na-tureza geral para o aprimoramento do contrôle de qualidadeem nossas indústrias, indicaríamos os seguintes pontos comoos mais dignos de reter a atenção dos responsáveis por êssesetor:

1.°) - Diretriz de Qualidade

A direção da emprêsa deve convencer-se da importância sem-pre crescente da qualidade do produto, bem como da neces-sidade de respeitar o público consumidor. É provável quea única orientação compatível com a sobrevivência da em-prêsa consista em adotar uma diretriz positiva de qualidade.Passou a era de "apostar" na produção a baixo preço e vilqualidade. E findou, sobretudo, a época dos enganos ao pú-blico e dos "estelionatos" de qualidade.

2.°) - Organização da Emprêsa

o primeiro passo na adoção dos métodos administrativosatualizados consiste em certificar-se de que as funções básicasde boa administração, isto é, o planejamento, a organização,a direção, o provimento de pessoal e o contrôle são desem-penhadas. A omissão de uma qualquer dessas atividades podeser fatal. Deve-se atentar ao preenchimento de tôdas as fun-ções do contrôle de qualidade; a demarcação das responsabi-lidades e autoridades, o delineamento de encargos, a defi-nição exata das relações entre linha e assessoria precisam serfeitas.

3.°) - Apoio ao Departamento de Contrôle de Qualidade

As funções de assessoria devem ser convenientemente presti-giadas e remuneradas, na organização. O culto pelo feitor,pelo "homem" que manda e paga, precisa ser complemen-tado pelo respeito ao cérebro que calcula e controla. Con-firam-se ao departamento de contrôle de qualidade as fun-ções que lhe competem, atribua-se-lhe uma posição adequa-da dentro da organização e, principalmente, dê-se-lhe o apoionecessário ao cabal desempenho de sua missão.

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4.°) - Uso dos Métodos Estatísticos

A maior vantagem de se valer dos métodos estatísticos decontrôle de qualidade talvez resida na economia da preciosamão-de-obra de inspeção. A desconfiança em relação à esta-tística, ao seu espírito e às suas possibilidades deve ser postade lado; a absoluta necessidade de controlar preventivamen-te, ràpidamente e com segurança - com estatística - nãopode mais ser negligenciada.

5.°) - Treinamento de Especialistas

Quantas emprêsas assinam revistas, constituem bibliotecas?Quantas mandam seus especialistas a congressos, seus técni-cos a cursos de aperfeiçoamento? Quantas operam esco-linhas para seus auxiliares?

É certo que, das 35 emprêsas que visitamos, 29 possuem algu-ma ligação com uma companhia estrangeira, indo desde a afi-liação estreita até o mero intercâmbio de informações técni-cas. Mas a qualidade não pode ser simplesmente compradaou copiada. À vista das inúmeras perplexidades que estran-gulam nossas fábricas, somos levados a pensar que a assistên-cia estrangeira, conquanto imensamente útil, é bem menoseficaz do que se poderia imaginar. A disseminação das so-luções administrativas organizacionais e técnicas comprova-das em outras entidades locais encontra maior receptividadedo que as importadas.

Os sete flagelos lendários que assolam a nacionalidade des-de tempos imemoriais - fome, pobreza, doença, ignorância,isolamento, improvisação e corrupção - acometem tôdas asnossas emprêsas. Para dêles nos livrarmos de um só golpe,o único recurso é educar o homem. É, sobretudo, no trei-namento do operário, no aprimoramento do técnico e no de-senvolvimento do dirigente que reside a solução das momen-tosas vicissitudes, de qualidade e outras, com que nos ha-vemos.