o consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado? (relatório)

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O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado? Cláudio Carvalho; Leandra Neto Tendências do Consumo Alimentar Mestrado em Ciências do Consumo e Nutrição Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP) Junho de 2014

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Economy & Finance


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Junho de 2014 | "O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado?", no âmbito da unidade curricular de Tendências de Consumo Alimentar do Mestrado em Ciências do Consumo e Nutrição da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP). Autores: Cláudio Carvalho; Leandra Neto. Avaliação: 17 em 20 valores.

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Page 1: O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado? (relatório)

O consumo alimentar e

a economia: um

regresso ao passado?

Cláudio Carvalho; Leandra Neto Tendências do Consumo Alimentar Mestrado em Ciências do Consumo e Nutrição Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP)

Junho de 2014

Page 2: O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado? (relatório)

Resumo

Neste trabalho será apresentada uma breve análise ao capítulo “Consumo Alimentar: um

regresso ao passado?”, desenvolvendo um ensaio crítico quanto

às principais temáticas nele apresentadas. Nas relações inerentes à cadeia agroalimentar,

verifica-se o desenvolvimento das indústrias alimentares e o crescimento das marcas de

distribuidor acentuam o poder de mercado da grande distribuição face aos

produtores/fornecedores. É aqui apresentada, também, a balança comercial de produtos

agroalimentares e como esta tem sofrido alterações, apesar de deficitária. Analisou-se,

igualmente e de forma sumária, a associação entre economia e os determinantes e tendências do

consumo alimentar. Neste capítulo do desenvolvimento económico e o consumo alimentar,

atentaram-se para os desafios da sociedade do hiperconsumo, nomeadamente os potencialmente

proporcionados por crises ecológicas e económicas. Abordaram-se, ainda, e a disponibilidade

alimentar em território nacional. É, também, mencionada a disponibilidade alimentar no nosso

país relativa aos mais variados produtos e como esta se alterou nos últimos anos. Por fim

abordamos também a crise socioeconómica e financeira e o seu impacto no consumo alimentar.

Perante a informação disponível, consideramos que os dados e a interpretação efetuada no

capítulo em estudo merecem reservas. Concomitantemente, não nos parece que, no que ao

consumo alimentar diz respeito, haverá um regresso ao passado.

i

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Índice

Resumo ........................................................................................................................................... i

Índice ............................................................................................................................................. ii

Introdução ..................................................................................................................................... 1

A oferta alimentar e as relações na cadeia agroalimentar ............................................................. 1

Relações entre produtores/fornecedores e distribuidores .......................................................... 1

Balança comercial nacional de produtos agroalimentares......................................................... 3

Determinantes e tendências do consumo alimentar ...................................................................... 4

Desenvolvimento económico e consumo alimentar .................................................................. 4

Sociedade do Hiperconsumo, a crise e o desafio da sustentabilidade global ............................ 5

A disponibilidade alimentar em território nacional ................................................................... 6

Alterações no atual contexto de crise ............................................................................................ 8

Consumo: análise agregada ....................................................................................................... 9

Consumo alimentar: análise segmentada ................................................................................ 10

Conclusões e considerações finais .............................................................................................. 13

Referências bibliográficas ........................................................................................................... 14

Anexos......................................................................................................................................... 16

Anexo 1 ................................................................................................................................... 16

ii

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Introdução

Este trabalho académico denominado «O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado?» foi

realizado no âmbito da unidade curricular de Tendências do Consumo Alimentar do Mestrado em Ciências do

Consumo e Nutrição da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e da Faculdade de Ciências

da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP).

O objetivo do trabalho académico aqui exposto é o de realizar uma análise crítica e sintética ao exposto ao

capítulo “Consumo Alimentar: um regresso ao passado?” da publicação “O futuro da alimentação - ambiente,

saúde e economia” (i.e. Duarte (2013)).

Para o efeito, o trabalho encontra-se estruturado em três secções principais, sendo a primeira relativa à

oferta alimentar e as relações na cadeia agroalimentar entre produtores/fornecedores e distribuidores; a

segunda secção debruçar-se-á sobre os determinantes e as tendências do consumo alimentar; por fim, analisar-

se-á as alterações do consumo no atual contexto nacional de crise socioeconómica e financeira.

A oferta alimentar e as relações na cadeia agroalimentar

Relações entre produtores/fornecedores e distribuidores

Duarte (2013) realça que muito poucos produtos consumidos nos países desenvolvidos são diretamente

provenientes da agricultura, sendo que a despesa das famílias portuguesas, em alimentos provenientes

diretamente da agricultura, era de apenas 16% (em 2009) e 7% das pescas e aquacultura. A grande maioria,

i.e. 77%, são despesas em produtos processados pela indústria alimentar. A autora alerta, ainda, para o facto

de 61% dos produtos da agricultura serem usados para o efeito de consumos intermédios (i.e. matérias-primas

para outros produtos) e destes, 63% são usados pela indústria alimentar. Concomitantemente, a autora assinala

que a indústria alimentar é o principal setor de atividade industrial em Portugal, com 15% das vendas de todo

o "aparelho industrial" (correspondente a 8,4 mil milhões de euros, segundo dados do Instituto Nacional de

Estatística difundidos em 2012).

Do exposto decorre a importância da indústria de processamento alimentar (indústria não concentrada,

dominada por empresas com menos de dez trabalhadores) e da distribuição (pelo contrário, indústria bastante

concentrada, sendo que os nove grupos de retalhistas nacionais representam 72,4% do mercado da oferta

alimentar e 83,5% do mercado do comércio retalhista, com particular destaque para dois grupos empresariais

que dominam quase metade do mercado1). Tal concentração é destacada pela autora do trabalho que nos

incumbe analisar e corroborada por Lindon et al. (2013) que realça os crescimentos acentuados da Sonae,

Auchan, Os Mosqueteiros, Dia e Lidl – estes por estratégias de crescimento orgânico – e do Grupo Jerónimo

Martins (por estratégias de crescimento por aquisição).

1 Os grupos empresariais são a Sonae e o Grupo Jerónimo Martins.

1

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Destaque-se, também, o elencado por Duarte (2013) que refere que o crescimento das marcas de

distribuidor (vulgo, marcas próprias) cresceram 20,5 pontos percentuais (p.p.), entre 2000 e 2012, no setor

alimentar e 11,7 p.p. no setor das bebidas (tal acentuou-se com a crise, estando tal “fenómeno” ao último

ponto abordado neste trabalho).

Perante o exposto, acentua-se efetivamente o poder de mercado da grande distribuição e retalho face à

restante cadeia agroalimentar - devidamente relatado por Duarte (2013) - e daqui decorrem potenciais preços

elevados para consumidores e pagamentos mais baixos a produtores como realçam, por exemplo, Schaffner et

al. (2003). Neste capítulo das relações entre produtores e distribuidores há que atentar para as causas de

conflitos entre estes grupos. Assim, importa observar as causas sistematizadas por Lindon et al. (2013): "(i)

condições comerciais (descontos e prazos de pagamento); (ii) acesso ao linear (referenciamento e

merchandising); (iii) política de marcas (marcas de distribuidor, sobretudo produtos me-too dos produtos líder

dos produtores); (iv) política de preços (preço abaixo do preço de compra em marcas líder, o que provoca

instabilidade com outros distribuidores); (v) desejo de obter a exclusividade em marcas não líderes, para

conseguirem maiores margens; (vi) recusa de venda dos produtores em relação a certos distribuidores, por

uma questão de imagem; (vii) práticas discriminatórias. A existência de práticas discriminatórias resulta,

geralmente, da pressão de alguns fornecedores. A repercussão das condições comerciais, obtidas nos preços de

venda ao público ou mudança de compradores entre as empresas vem despoletar o problema com outros

distribuidores.” Um caso, à escala nacional, recentemente noticiado é o relativo ao decreto-lei n.º 166/2013, de

27 de dezembro, que aprovou o regime aplicável às práticas individuais restritivas do comércio. Segundo

Lopes (2014), os retalhistas criticam, por exemplo, a proibição das vendas com prejuízo (vd. art. 5.º do supra

referido decreto-lei), que julgam colocar em causa as políticas promocionais; por outro lado, do lado dos

representantes dos fornecedores saúda-se a iniciativa.

Assim há necessidade de mitigar as causas dos conflitos existentes, sendo que, segundo Lindon et al.

(2013), são recomendadas parcerias que procurem otimizar os ganhos mútuos, nomeadamente em áreas como

a logística (possibilitando a diminuição de custos e a melhoria de rotação dos stocks), em publicidade e

promoção aos produtores (potenciando o número de vendas) e, também, em merchandising (esforços

conjuntos no aumento da rendibilidade do espaço da loja). Por outro lado é realçada a filosofia de gestão

"resposta eficiente ao consumidor"2, que visa procurar que “o enfoque do negócio não esteja nas relações

entre produtores e distribuidores, mas no denominador comum - o consumidor" (Lindon et al. 2013). Neste

sentido, as empresas produtoras e as de distribuição cooperam de forma não contratualizada mas numa

perspetiva de longo prazo para obter vantagens mútuas, nomeadamente ao nível da eficiência e da melhoria da

qualidade dos produtos (Tijskens et al. 2001). A Figura 1 sumaria alguns dos aspetos desta filosofia.

2 Em literatura de gestão é vulgarmente usada a designação em inglês, efficient consumer response (ECR).

2

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Figura 1: Aspetos da efficient consumer response (ECR), segundo Tijskens et al. (2001).

Assim, e de forma sumária, no nosso entender, quanto à relação entre o consumo alimentar e a

economia, na perspetiva da cadeia de abastecimento e de comercialização, não só não parece haver um

regresso ao passado, como parece existir efetivamente uma preocupação crescente e global com os efeitos

desta espécie de oligopólios (no nosso ponto de vista) criados na cadeia agroalimentar. Aliás, como destaca a

OCDE (2013), a concentração empresarial em comercialização, transformação, fabrico e retalho aumenta a

preocupação com distorções de mercado proporcionada pela ausência de mercados competitivos. A título

conclusivo desta subtemática e em jeito de reflexão provocatória face a este cariz tendencialmente oligopolista

do setor, questiona-se: (i) Será que Karl Marx teria razão quando inferia que a concentração capitalista é uma

tendência inerente ao capitalismo (ou pelo menos que tal se verifica no setor agroalimentar)? (ii) Que papel

terão as “autoridades” públicas nacionais e transnacionais na diminuição das assimetrias de poder entre

retalho/distribuição e produção e na diminuição da concentração empresarial na cadeia agroalimentar?

Balança comercial nacional de produtos agroalimentares

Noutro nível, importa atentar para a grande dependência de mercados externos para fornecimento de bens

alimentares referida por Duarte (2013). Contudo, segundo Marques (2014), apesar da balança comercial

nacional do agrupamento de produtos agroalimentares ser deficitária, o rácio exportações/importações tem

vindo a aumentar (+ 7,8 p.p. nos primeiros onze meses de 2013, face ao mesmo período de 2011), o que é

marcadamente positivo. O mesmo autor destaca que as exportações de produtos agroalimentares aumentaram

em 351 milhões nos primeiros onze meses de 2013 face ao mesmo período do ano transato, o que corresponde

ao segundo maior aumento (o primeiro é respeitante aos produtos de cariz energético).

O mercado espanhol mantém-se como o mercado geográfico preferencial (36,7% do total das

exportações), sendo que o mercado interno da UE28 tem maior preponderância (67,0% do total das

exportações) face aos mercados externos à UE (33,0%). Entre 2012 e 2013, os mercados geográficos que mais

se expandiram em termos de exportações de produtos agroalimentares foram, por ordem decrescente, o

espanhol (+134 milhões de euros, no período 2012-2013 e considerando os primeiros onze meses do ano), o

3

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angolano (+55 milhões de euros), o russo (+26 milhões de euros), o sul-africano (+25 milhões de euros) e o

brasileiro (+23 milhões de euros).

Quanto aos produtos exportados, os que registaram variações mais positivas foram: gorduras e óleos

(+97,2 milhões de euros, para o mesmo período que temos vindo a referenciar); tabaco e sucedâneos

manufaturados (+48,4 milhões de euros); açúcar e produtos de confeitaria (+44,3 milhões de euros),

preparações de carne, peixe, crustáceos e moluscos (+44,2 milhões de euros); preparações à base de cereais ou

de leite e produtos de pastelaria (+37 milhões de euros); resíduos das indústrias alimentares e alimentos para

animais (+32,7 milhões de euros). Por outro lado, verificou-se um decréscimo substantivo de 9,9 milhões de

euros nas exportações de peixe, crustáceos e moluscos; nas exportações de leite, laticínios e ovos, na ordem

dos -9,7 milhões de euros; nas exportações de sementes e frutos de oleaginosas (-5,9 milhões de euros); e,

ainda, nas exportações de "plantas e produtos de floricultura" e nos "cereais" (ambas as categorias, com

decréscimos de 5,7 milhões de euros).

Determinantes e tendências do consumo alimentar

Desenvolvimento económico e consumo alimentar

Os determinantes de consumo alimentar são variados e a sua importância para explicar o consumo

alimentar ao longo do tempo e no espaço está a mudar rapidamente, sendo que os determinantes que mais se

destacam são os fisiológicos, socioculturais, demográficos, económicos, psicológicos, associados à

operacionalização de políticas e estratégias de marketing, assim como as políticas públicas.

Como salienta Duarte (2013), à medida que o rendimento dos agregados familiares aumenta, a procura

por produtos alimentares também aumenta ligeiramente, não obstante o facto do peso relativo diminuir.

Adicionalmente, segundo WHO/FAO (2002), o desenvolvimento económico é normalmente acompanhado

por melhorias no setor alimentar de um país e pela eliminação gradual das deficiências nutricionais,

melhorando o estado geral de nutrição da população. Além disso, também traz mudanças qualitativas nos

alimentos, ao nível da produção, processamento, distribuição e comercialização o que provoca alterações nos

padrões de consumo.

Kearney (2010) dá um excelente contributo no sentido de perceber os determinantes e as consequências

ao nível do consumo alimentar suscitadas pelo desenvolvimento económico. Segundo o autor, os fatores que

influenciam a convergência ou ocidentalização dos hábitos alimentares a nível global (i.e. países em que

ocorre o aumento do consumo de carne, lípidos, alimentos processados, açúcares e sal) são: (i) ambiente

socioeconómico; (ii) urbanização; (iii) políticas comerciais; (iv) liberalização dos mercados; (v) aumento dos

rendimentos; (vi) empregabilidade feminina; (vii) atitudes dos consumidores); (viii) oferta alimentar; (ix)

alterações no retalho com o aumento dos supermercados; (x) atividade contínua ao longo do ano (year round);

(xi) disponibilidade alimentar; (xii) maior "tempo de vida de prateleira" dos produtos; (xiii) a existência de

métodos de produção alimentar intensivos; (xiv) o marketing da indústria alimentar. Tal resulta em

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consequências a diversos níveis, nomeadamente nos seguintes: (i) saúde dos indivíduos; (ii) doenças

associadas a urbanização e aumento das doenças não-transmissíveis; (iii) aumento da desigualdade social.

Importa destacar, ainda, que existe uma relação biunívoca entre a ocidentalização dos padrões do consumo

supra referida e os seguintes vetores: (i) produção agroalimentar; (ii) perda de biodiversidade; (iii) efeitos no

ambiente (uso de terra, uso de água, emissões de gases de efeito de estufa ou "pegada de carbono"); (iv)

sustentabilidade dos stocks populacionais de peixes selvagens.

Atente-se, particularmente, ao referido pelo mesmo autor quanto à liberalização dos mercados, que é tido

como um fator com impacto relevante nas alterações do consumo alimentar. O agravamento da assimetria

informacional entre consumidores e fornecedores de produtos alimentares, o aumento da urbanização e as

mudanças nos diferentes estilos de vida são meios pelos quais a liberalização do mercado pode afetar o

consumo de alimentos, especialmente entre as populações mais pobres. Esta liberalização pode afetar a

disponibilidade de certos alimentos, por remoção de barreiras para o investimento estrangeiro na distribuição

de alimentos ou então pode permitir investimento estrangeiro em outros tipos de alimentos.

Concomitantemente, as dietas tradicionais estão-se a transformar crescentemente em refeições mais calóricas

e ricas em gorduras. Também os supermercados, juntamente com os fabricantes de alimentos, em larga escala,

têm transformado profundamente os mercados agroalimentares e o consequente consumo. Neste sentido,

importa destacar também para a visão negativa apresentada por Shiva (2014) face à liberalização e

globalização dos mercados, relatando o sucedido na Índia. A crítica do autor assenta sobretudo no papel

negativo de organizações transnacionais e os programas de ajustamento económico-financeiro aplicados e que

prejudicaram os produtores agrícolas nacionais e trabalhadores, assim como o ambiente, tem sido conduzidos,

inclusive, programas de privatização e liberalização de recursos comuns (e.g. setor das águas).

Por último, segundo Vermeir e Verbeke (2006) e Kearney (2010), os comportamentos do consumidor

como a consciencializaçãoo sobre a sua saúde continuam a crescer, com o aumento da disponibilidade de

informações sobre saúde e a alimentação juntamente com o envelhecimento da população e o aumento do

risco de doenças associadas ao estilo de vida. O interesse público em sustentabilidade continua a aumentar e

as atitudes dos consumidores são sobretudo positivas, no entanto os padrões de comportamento nem sempre

estão de acordo com essas atitudes. Sabe-se hoje que o envolvimento com a sustentabilidade, a segurança e

perceção do consumidor está diretamente relacionada com a atitude positiva e a intenção de comprar produtos

sustentáveis.

Sociedade do Hiperconsumo, a crise e o desafio da sustentabilidade global

Em Duarte (2013), assinala-se ainda o contributo do filósofo Gilles Lipovetsky em que este desenvolveu o

conceito de “sociedade do hiperconsumo” característica dos países desenvolvidos, em que os interesses

individuais por bem-estar, prazer e lazer se sobrepõe às motivações por prestígio ou status. Ainda que a autora

pareça ter dúvidas quanto ao facto da crise socioeconómica e financeira – realçamos nós, crise no panorama

europeu e não tão só em território nacional - colocar, ou não, em causa o hiperconsumismo, no nosso

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entendimento, haverá, num horizonte de longo prazo, fortes condicionalismos para se conciliar o

hiperconsumo com as questões aliadas à sustentabilidade global. Na nossa leitura, torna-se pouco relevante se

haverá uma assunção voluntária dos indivíduos das diferentes sociedades, porque a força das circunstâncias,

nomeadamente as aliadas à escassez de recursos, ditarão a necessidade de um maior equilíbrio entre

hiperconsumo e sustentabilidade, não só à escala nacional, como à escala global. Na abordagem dos novos

desafios globais da alimentação e da agricultura, a título meramente indicativo, recomenda-se a leitura do

relatório “Foresight (2011). The Future of Food and Farming: Challenges and choices for global

sustainability. Londres, The Government Office for Science.”

Curiosamente em "A Felicidade Paradoxal: Ensaio sobre a Sociedade do Hiperconsumo" assinala-se que

apenas “um cataclismo ecológico ou económico” (Lipovetsky 2007) poderá colocar em causa o curso da

sociedade do hiperconsumo (a terceira fase do capitalismo do consumo). Só assim, poderá emergir uma

sociedade do pós-hiperconsumo ou do pós-hedonismo em que os surgem “novas maneiras de avaliar os

prazeres materiais e os prazeres imediatos [e emerge] uma nova forma de pensar a educação” (Lipovetsky

2007). Segundo este filósofo francês, nesta nova sociedade que possa emergir, não se renuncia

necessariamente ao bem-estar e à “organização mercantil dos modos de vida”, mas pressupõe um “novo

pluralismo de valores”, “um novo tipo de consciência” que divirja da centralidade do consumo.

A disponibilidade alimentar em território nacional

No caso nacional, o peso relativo de despesas com alimentação diminuiu de 21,5% (1994/95) para 15,5%

(2005/06). Duarte (2013) realça que existe um grau de saturação ao nível do consumo alimentar, em termos

quantitativos, todavia existem alterações nos padrões de consumo, nomeadamente os consumidores tendem a

exigir produtos mais diferenciados ou com maior valor acrescentado. A este nível destaca-se a maior procura

por conveniência, a procura por novas características organolépticas dos produtos, maior interassociação entre

lazer e alimentação e a maior preocupação com questões associadas a nutrição, saúde, segurança,

sustentabilidade ambiental, comércio justo (fair trade), origem dos produtos alimentares, bem-estar animal,

entre outras. Apesar disso, Duarte (2013) ressalva que existem diferenças entre países quanto a estas

preocupações e no caso particular de Portugal, estas preocupações ainda estão no início, provavelmente pelos

rendimentos genericamente baixos da população.

Através da consulta do INE (2014a) é possível obter as disponibilidades alimentares que constituem uma

forma indireta de caracterização do consumo alimentar. Por conseguinte, aqui a designação de “consumo”

deverá ser interpretada como num sentido lato, visto que, na verdade, nos estamos a referir a disponibilidades

alimentares.

As disponibilidades alimentares per capita atingiram em média 3963 kcal, em 2008-2012, aumentando

em 2,1% face às apresentadas na balança alimentar portuguesa (BAP) no período de 2003-2008. Tal

representa, o consumo respeitante a 1,6 a 2 adultos, o que significa um intake calórico superior ao médio

recomendado de 2000 a 2500 Kcal.

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Page 10: O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado? (relatório)

Em relação ao consumo de carne, as quantidades totais disponíveis para consumo decresceram a uma taxa

média anual de 1,8% entre 2008 e 2012, sendo que, entre 2009 e 2012 esta acentuou-se, em média, 2,7% ao

ano, correspondendo a uma redução das disponibilidades diárias per capita absolutas em 16,2 g por habitante

e equivalentes a menos 5,9 kg por habitante nestes quatro anos. As carnes que mais contribuíram para este

decréscimo foram as carnes de bovino e de suíno. A carne de animais de capoeira foi a única a apresentar um

aumento das quantidades disponíveis diárias per capita para consumo (+ 6,2 %) reforçando a tendência de

aumento da procura deste tipo de carne nos últimos anos.

Em relação ao consumo de peixe, as disponibilidades diárias per capita de pescado diminuíram 13,0%

entre 2008 e 2012, o que equivale a uma perda de 8,7g/hab nestes cinco anos. Para esta tendência

contribuíram os decréscimos verificados nas disponibilidades absolutas do peixe para consumo (-13,3% para o

período de 2008-2012) e de crustáceos e moluscos (-27,2% para o mesmo período).

As disponibilidades de cereais em Portugal estão fortemente dependentes da importação. Neste período

em média 75,5% das necessidades de cereais foram suportadas pela importação. As disponibilidades diárias

per capita de cereais para consumo aumentaram, de forma progressiva 2,1%. A quantidade de trigo disponível

para consumo continuou a ser a mais importante no total de cereais sendo também a mais estável. Com

tendência contrária, as disponibilidades de raízes e tubérculos para consumo decresceram 5,8% entre 2008 e

2012, reforçando o que tem sido a tendência das últimas décadas.

Em relação aos frutos, a sua disponibilidade para consumo decresceu 10,6 %. A maçã continuou a ser o

fruto com maiores quantidades disponíveis para consumo: cerca de 26,4% da quantidade total de frutos

disponíveis. Nos frutos secos, as disponibilidades diárias per capita para consumo diminuíram cerca de 23,4%

representando estes frutos apenas 3,9% do total de frutos disponíveis. As disponibilidades diárias per capita

de hortícolas apresentaram uma tendência de crescimento entre 2008 e 2012 de 5,8%.

Importa ainda referir que, segundo a balança alimentar portuguesa difundida pelo INE (2014a), depois da

tendência de decréscimo do índice de adesão à dieta mediterrânica, entre 1992 e 2006, tem vindo decorrer

uma recuperação desde aí. Tal alteração dever-se-á ao aumento do consumo de produtos típicos da referida

dieta, nomeadamente cereais, hortícolas e azeite e por uma diminuição do consumo dos restantes produtos,

principalmente dos laticínios, carnes, gorduras animais e bebidas alcoólicas (excetuando-se o vinho). À data

de 2009, Portugal ocupava o grupo de topo dos países da União Europeia com maior índice de adesão à

referida dieta.

Finalmente, importa apresentar o gráfico disposto em INE (2014a) que diferencia o consumo segundo o

recomendado pela "roda dos alimentos" e as disponibilidades alimentares segundo a BAP 2012 (vd. Figura 2).

Como se pode observar, existe um excessivo consumo de carne, pescado e ovos face à "roda dos alimentos"

(15,4% vs. 5,0%), de óleos e gorduras (6,0% vs. 2,0%) e um escasso consumo de hortícolas, frutos e

leguminosas secas.

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Figura 2: Roda dos alimentos vs. BAP 2012. Fonte: INE (2014a).

Alterações no atual contexto de crise

É empiricamente inquestionável, o impacto do processo de ajustamento económico e financeiro

português, dando condições para um ambiente macroeconómico recessivo – i.e. destaca-se aqui as variações

do produto interno bruto (PIB) negativas (vd. Figura 3), sem descurar o elevado desemprego (vd. Figura 4) e a

redução do rendimento disponível, quer por via da afetação pública pelo lado da despesa, quer pelo lado da

receita e inerente funcionamento dos mecanismos de feedback - e que teve um impacto mais substantivo ao

nível do consumo, nomeadamente privado, para lá do investimento (vd. Figura 3).

Figura 3: Evolução do PIB nacional e das suas respetivas componentes (C: consumo privado; G: consumo público; I:

investimento; Ex: exportações; Im: importações)). Fonte: Eurostat (2014a).

-15,0

-10,0

-5,0

0,0

5,0

10,0

15,0

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Evolução nacional das componentes do PIB

PIBpm C G I Ex Im

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Figura 4: Taxa de desemprego (ajustada sazonalmente) para a União Europeia a 28 países (UE28), Zona Euro (ZE) e Portugal

(PT). Fonte: Eurostat (2014b).

Consumo: análise agregada

Todavia, no panorama da afetação das medidas de política sobre os padrões de consumo alimentar, a

informação escasseia e a existente não é plenamente fiável – i.e. existem enviesamentos - para inferir

conclusões muito profundas. Duarte (2013) – baseando-se em dados recolhidos por outras instituições -

menciona que, ainda que haja uma potencial afetação sobre o consumo alimentar, a afetação terá sido maior

no consumo de bens duráveis e em bens de lazer e cultura (tendo-se agravado em 2012 relativamente ao ano

transato e com uma ligeira retoma em 2013 face a 2012, de acordo com FFMS (2014a)).

Todavia, há que apontar a necessidade de algumas reservas relativamente aos dados apresentados e quanto

à interpretação dos mesmos. A este nível, pode-se destacar que há que distinguir variações de valor e de

volume e, ainda, o peso relativo de cada componente no consumo global. A título exemplificativo, FFMS

(2014b) e FFMS (2014c) apresentam variações homólogas que se sustentam sobre valores nominais, ao invés

de valores relativos, face ao PIB ou face à população residente. Ou, alternativamente, valores referentes a

variações de volume.

Assim, parece-nos mais adequada a análise dos dados do Eurostat (2014c) que, não obstante as reservas

face ao uso de preços correntes, permite-nos verificar um aumento das despesas familiares per capita em

alimentos e bebidas não-alcoólicas e uma diminuição mais acentuada em outros bens, serviços e em

transportes. Comparando o período 2008 e 2012, verificam-se ainda reduções substantivas nas despesas com

mobiliário, equipamento doméstico e manutenção corrente da habitação e com lazer e cultura. Do ponto de

vista global, a redução terá sido na ordem dos 400€ per capita, entre 2008 e 2012 (vd. Tabela 1).

5,0

7,0

9,0

11,0

13,0

15,0

17,0

19,0

2005M01 2006M01 2007M01 2008M01 2009M01 2010M01 2011M01 2012M01 2013M01 2014M01

Taxa de desemprego (ajustada sazonalmente)

UE28 ZE PT

9

Page 13: O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado? (relatório)

Tabela 1: Evolução da despesa de consumo final das famílias, por finalidade de consumo (€ per capita). Fonte: Eurostat (2014c).

Variação 2008-2012

Variação 2011-2012

Alimentos e bebidas não-alcoólicas 100,0 100,0 Bebidas alcoólicas, tabaco e narcóticos 0,0 -100,0 Vestuário e calçado 0,0 0,0 Habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis 100,0 0,0 Mobiliário, equipamento doméstico e manutenção corrente da habitação -100,0 0,0 Saúde 0,0 0,0 Transporte -300,0 -200,0 Comunicações 0,0 0,0 Lazer e cultura -100,0 0,0 Educação 0,0 0,0 Restaurantes e hotéis 0,0 0,0 Bens e serviços diversos -300,0 -100,0

Total -400,0 -300,0

Os mesmos dados, permitem-nos avaliar a proporção em cada categoria face ao total, verificando-se, entre

2008 e 2012, um aumento relativo das despesas com alimentos e bebidas não-alcoólicas e, ainda em

habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis (vd. Tabela 2).

Tabela 2: Evolução da despesa de consumo final das famílias, por finalidade de consumo (% do total). Fonte: Eurostat (2014c). Variação

2008-2012

Variação 2011-2012

Alimentos e bebidas não-alcoólicas 1,6 1,3 Bebidas alcoólicas, tabaco e narcóticos 0,3 -0,2 Vestuário e calçado 0,3 0,4 Habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis 2,0 0,3 Mobiliário, equipamento doméstico e manutenção corrente da habitação -0,6 0,0 Saúde 0,4 0,1 Transporte -2,5 -1,9 Comunicações 0,1 0,1 Lazer e cultura -0,1 0,2 Educação 0,1 -0,1 Restaurantes e hotéis 0,6 0,0 Bens e serviços diversos -1,9 -0,1

Consumo alimentar: análise segmentada

Os dados apresentados por Duarte (2013) sugerem um aumento maior ou um decréscimo menor dos

produtos mais básicos e baratos como leite e cereais simples, assim como uma diminuição do consumo de

bebidas (incluindo de água, pela primeira vez em 2012 face aos trinta anos anteriores) e, potencialmente, uma

substituição de produtos de carne e de peixe mais caros por mais baratos. Todavia, dados atualizados a 30 de

10

Page 14: O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado? (relatório)

abril de 2014 da FFMS (2014b), dão a entender outra perspetiva relativamente à levantada por Duarte (2013),

com o crescimento (em valor) mais acentuado do consumo de carne ser precisamente na categoria da carne de

bovino (com 10,1% de crescimento em 2012, face ao ano de 2011). Isto, apesar de uma contração do PIB em

2012 superior a 2011 e, especificamente do consumo privado. Os dados de 2013 face a 2012 demonstram um

crescimento no consumo global de 3,0%, com 2,3% na categoria de carne proveniente de suínos, 4,3% na

carne de aves e 2,6% na carne bovina. Nos cereais básicos não se verificou, quer em 2012, quer em 2013, o

que se verificou em 2011: a variação foi mais baixa face aos restantes cereais (FFMS 2014d). No leite, o

consumo (em volume) dos leites básicos terá diminuído, em 2013, mais do que os demais leites, apesar da

manutenção do clima macroeconómico negativo (FFMS 2014e).

Mas atente-se para outros dados disponíveis. Segundo dados do INE (2013), no caso do consumo de leite

e de produtos lácteos, o particular destaque vai para o consumo de manteiga que terá aumentado, face a 2008,

substantivamente (26,7%) (vd. Tabela 3).

Tabela 3: Consumo humano de leite e produtos lácteos per capita (kg/hab.) por tipo de leites e produtos lácteos. Fonte: INE (2013), Balanço de Aprovisionamento de Produtos Animais.

Variação no consumo de leite e produtos lácteos 2008-2012

Leites e produtos lácteos Leite Leites acidificados (incluindo iogurtes) Manteiga

-4,1% -5,8% 5,7% 26,7% Variação no consumo de leite e produtos lácteos 2011-2012

Leites e produtos lácteos Leite Leites acidificados (incluindo iogurtes) Manteiga

-0,8% 0,8% -4,7% 0,0%

Ao nível do consumo de vinho (vd. Figura 5), nota-se um decréscimo muito significativo ao longo das

últimas duas décadas (variação de -34,8%; i.e. de 60,9 litros per capita para 39,7), sendo que entre 2011/12 e

2012/13 o decréscimo foi de 16,2% (i.e. de 47,4 para 39,7 litros per capita).

Figura 5: Consumo humano de vinho per capita (l/ hab.). Fonte: INE (2014b), Balanços de Aprovisionamento de Produtos

Vegetais.

35

40

45

50

55

60

65

1992/

1993

1993/

1994

1994/

1995

1995/

1996

1996/

1997

1997/

1998

1998/

1999

1999/

2000

2000/

2001

2001/

2002

2002/

2003

2003/

2004

2004/

2005

2005/

2006

2006/

2007

2007/

2008

2008/

2009

2009/

2010

2010/

2011

2011/

2012

2012/

2013

Consumo humano de vinho per capita (l/ hab.)

11

Page 15: O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado? (relatório)

Ao nível da carne (vd. Tabela 4), o consumo efetivamente reduziu-se acentuadamente em carne

tendencialmente mais cara (vd. decréscimo de consumo de carne de bovinos na ordem dos 15,3% entre 2008 e

2012). Em oposição, para o mesmo período, a carne de animais de capoeira aumentou em 5,3%.

Tabela 4: Consumo humano de carne per capita (i.e. kg/ hab.) por tipo de carnes. Fonte: INE (2013), Balanço de Aprovisionamento de Produtos Animais.

Variação no consumo de carnes 2008-2012

Total de carnes e miudezas Carne de bovinos Carne de suínos Carne de animais de capoeira Miudezas

-6,2% -15,3% -8,9% 5,3% -14,5% Variação no consumo de carnes 2011-2012

Total de carnes e miudezas Carne de bovinos Carne de suínos Carne de animais de capoeira Miudezas

-5,0% -8,8% -6,7% -0,3% -8,6%

A um outro nível (vd. Tabela 5), verifica-se um ligeiro aumento do consumo de cereais e de azeite (2% e

1%, respetivamente, entre 2007/08 e 2012/13). Destaque, ainda, para a preocupante redução do consumo de

frutos (-18%, entre 2007/08 e 2012/13) e para a diminuição do consumo de açúcar (-12%, entre 2007/08 e

2012/13).

Tabela 5: Consumo humano de várias categorias de produtos alimentares - i.e. frutos; gorduras e óleos vegetais; azeite; margarinas; cereais; batata; açúcar - per capita (i.e. kg/ hab.) por espécie frutícola. Fonte: INE (2014b), Balanços de

Aprovisionamento de Produtos Vegetais.

Frutos

Total de gorduras

e óleos vegetais

Azeite Margarinas Cereais Batata Açúcar

Variação 2007/08-2012/13 -18% 2% -6% -11% Variação 2010/11-2012/13 -14% -1% 1% -12%

Variação 2008-2012 -3% 1% -6%

Em suma, segundo os dados do INE (2013) e do INE (2014b), parece existir uma tendência para a

deterioração das dietas alimentares, com um maior consumo de manteiga e um menor consumo de frutos. Não

obstante, importa alertar que o padrão avaliativo de despesas de consumo usado por Duarte (2013) não parece

ser mais adequado, visto que:

(i) como já foi referido, a variação das despesas de consumo pode ser diferente da variação em

volume/quantidade (vd. exemplo do consumo de carne bovina);

(ii) os dados não contemplam todos os espaços onde os produtos alimentares são adquiridos;

(iii) os dados relativos às despesas com cereais que aparecem dispostos em Duarte (2013) não

parecem estar corretos e alinhados com a evidência disponível em FFMS (2014d);

(iv) como se demonstrou, para algumas categorias de alimentos, dados mais atuais dão um panorama

diferente do exposto por Duarte (2013).

12

Page 16: O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado? (relatório)

Recomenda-se, assim, a leitura do Anexo 1, que contém os indicadores utilizados por Duarte (2013),

quanto às despesas familiares com alimentação, mas com uma atualização mais recente.

Por último, importa fazer referência que no relatório divulgado recentemente pela "The Economist

Intelligence Unit" (2014) que foca o índice global de segurança alimentar (em inglês, GFSI - Global Food

Security Index), em 26 países, Portugal ocupa o 12º lugar no ranking europeu de segurança alimentar. Na

avaliação desagregada, todavia, ocupa o primeiro lugar (ex aequo com França) na componente de qualidade e

segurança; em disponibilidade ocupa o 9º; e, finalmente, em capacidade de suporte financeiro ocupa o 16º.

Conclusões e considerações finais

Quanto à questão se o consumo alimentar seguirá um padrão similar ao passado, no nosso entender,

apesar de não existir informações concretas em todas as vertentes que analisamos, consideramos que

dificilmente haverá um "regresso ao passado". Veja-se:

Na vertente da oferta alimentar e das relações na cadeia agroalimentar, a concentração a jusante é cada

vez maior e o assunto necessita de ser atentado pelas autoridades públicas nacionais e transnacionais no

sentido de promover um sistema comercial mais equilibrado. Já ao nível da balança comercial nacional de

produtos agroalimentares, a balança tem vindo a melhorar, apesar de continuar deficitária, o que é cabalmente

positivo.

Ao nível dos determinantes e tendências do consumo alimentar, importa atentar, particularmente, para os

países em fase de ocidentalização dos seus padrões de consumo inerente ao seu desenvolvimento económico

e, ainda, para os processos de liberalização das economias nacionais. Adicionalmente, fortes alterações

climáticas ou económicas podem despertar um "novo tipo de consciência" nos indivíduos, diferente da atual

fase em que o hiperconsumismo é reinante. Finalmente neste nível mas face à disponibilidade alimentar,

Portugal tem vindo a aproximar-se do padrão de dieta mediterrânica mas os níveis de disponibilidades, do

ponto de vista calórico, são ainda elevados.

Na vertente referente à atual crise, há necessidade de mais informação, assim como de informação mais

fiável, sendo que os dados e a interpretação de Duarte (2013) merecem reservas e uma reflexão mais crítica

por vários stakeholders, nomeadamente por agentes de organismos da administração pública, responsáveis por

cargos em órgãos de soberania, comunidade científica nacional, agentes empresariais, órgãos de comunicação

social, consumidores ou associações de consumidores, entre outros.

13

Page 17: O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado? (relatório)

Referências bibliográficas

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14

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15

Page 19: O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado? (relatório)

Anexos

Anexo 1

Despesas das famílias com alimentação (dados atualizados)

Despesas das famílias - despesas com alimentação: carne (em super e hipermercados). Fonte: FFMS (2014b).

Taxa de variação homóloga (valor) 2009 2010 2011 2012 2013

Total carne 4,8 6,3 5,3 6,4 3

Suíno 8,9 12,8 12,1 8,2 2,3

Aves 12,4 9 10,4 8 4,3

Bovino 4,6 10,6 -0,7 10,1 2,6

Despesas das famílias - despesas com alimentação: peixe (em super e hipermercados). Fonte: FFMS (2014c).

Taxa de variação homóloga (valor) 2009 2010 2011 2012 2013

Total peixe 2,2 4,1 3,4 5,6 2,5

Bacalhau -0,2 -0,7 3 10 3,9

Peixe fresco 7,4 10,5 9,2 9,3 8,1

Peixe congelado a granel 4,5 17,5 8,7 11 0

Marisco fresco 3,1 9 -5,9 0,1 -2,1

Despesas das famílias - despesas com alimentação: leite (em mercearias, super e hipermercados). Fonte:

FFMS (2014e).

Taxa de variação homóloga (volume) 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Total leite 0,4 -3,6 -0,7 -2,5 0,1 -5,8

Leites básicos 2 -3,6 -2,2 -2,1 1,3 -5,9

Restantes leites -6,6 -3,8 6,5 -4,5 -5,7 -5,2

Despesas das famílias - despesas com alimentação: cereais (em mercearias, super e hipermercados). Fonte:

16

Page 20: O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado? (relatório)

FFMS (2014d).

Taxa de variação homóloga (volume) 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Total cereais pequeno-almoço 1,9 -1,9 3,4 4,5 1,4 -1,4

Cereais básicos 8,1 0,7 -2 12,9 0,7 -6

Restantes cereais 1,3 -2,2 4 3,6 1,5 -0,9

Despesas das famílias - despesas com alimentação: iogurtes (em mercearias, super e hipermercados). Fonte:

FFMS (2014f).

Taxa de variação homóloga (volume) 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Total iogurtes -1,2 2,6 2,7 -0,7 -5,9 0,2

Iogurtes básicos 1 5,2 7,5 2,8 -7,7 -7,6

Restantes iogurtes -2 1,5 1 -2 -8,2 0,9

Despesas das famílias - despesas com alimentação: bolachas (em mercearias, super e hipermercados). Fonte:

FFMS (2014g).

Taxa de variação homóloga (volume) 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Total bolachas 6,2 0,7 1,6 0,8 0,1 0,9

Bolachas básicas 8,5 -0,3 -0,1 3,7 2,6 -0,6

Restantes bolachas 4,5 1,7 2,9 -1,3 -1,8 1,4

Despesas das famílias - despesas com alimentação: bebidas (em mercearias, super e hipermercados). Fonte:

FFMS (2014h).

Taxa de variação homóloga (volume) 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Total bebidas 6,6 4,7 3,2 -0,3 -5,9 -1,7

Cervejas -1,8 -1,1 -5,5 -2,2 -7,5 9

Vinho 11,4 4,6 -1,3 -1,3 -3,3 -3,4

17

Page 21: O consumo alimentar e a economia: um regresso ao passado? (relatório)

Sumo e refrigerantes 2,3 1,3 3,5 -2 -9,2 -2,1

Água 6,9 6,2 6,5 1,8 -3,5 -3,4

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