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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO O conhecimento fonológico de crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e Distúrbio Específico de Linguagem: uma análise multirrepresentacional da linguagem Clara Oliveira Esteves 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

O conhecimento fonológico de crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e Distúrbio Específico de Linguagem: uma análise multirrepresentacional

da linguagem

Clara Oliveira Esteves

2013

ii

O conhecimento fonológico de crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e Distúrbio Específico de Linguagem: uma análise multirrepresentacional

da linguagem

Clara Oliveira Esteves

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do título de Doutor em Linguística

Orientadora: Prof.a Dr.a Christina Abreu Gomes.

Rio de Janeiro Fevereiro de 2013

iii

O conhecimento fonológico de crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e Distúrbio Específico de Linguagem: uma análise multirrepresentacional da

linguagem

Clara Oliveira Esteves

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Christina Abreu Gomes

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em

Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística. Examinada por:

Presidente, Professora Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ

Professora Doutora Thaïs Cristófaro Silva - UFMG

Professora Doutora Jane Correia – UFRJ

Professora Doutora Renata Mousinho Pereira da Silva – UFRJ

Professora Doutora Myrian Azevedo de Freitas – UFRJ

Professora Doutora Márcia Cavadas – UFRJ, Suplente

Professora Doutora Kristine Stenzel – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2013

iv

DEDICATÓRIAS

Aos meus pais amados, Mônica e Altamiro, meus maiores incentivadores, que com todo o seu amor, me fizeram chegar até aqui! Ao meu avô amado, Antônio Carlos, que junto com Manoel de Barros, me permitiu voltar à infância, “desinventando” as memórias da vida!

Dedico esta tese com todo o meu carinho.

v

A todas as crianças que, por qualquer razão, entram no mundo da linguagem de uma forma tão única, me fascinando e me fazendo buscar a compreensão a todo instante desses singulares devires humanos,

dedico essa tese que busca desvendar algumas universalidades,

pois também é preciso entender essas generalizações para entrar no mundo das singularidades.

vi

AGRADECIMENTOS

Ao meu amigo e companheiro amado, André, que com toda a sua sensibilidade e amor incondicional me ofertou um porto seguro de paz e serenidade tão necessário neste momento de vida. Aos meus irmãos amados, Paula e Pedro, por todo o carinho, companheirismo e apoio, que nesse momento de vida vieram à distância, mas que deram sentido a tudo. À Paula, em especial, por todas as nossas discussões científicas interdisciplinares tão fundamentais para a construção do nosso conhecimento acadêmico. Às minhas avós amadas, Zeza e Marieta (in memoriam), por terem sempre me acolhido em seus “colos de vó”, por todo amor e carinho que me sustentaram ao longo da minha vida! A toda minha família e amigos queridos, tanto cariocas como baianos, por entenderem a minha ausência em diversos momentos e me incentivarem com tanto amor, carinho e amizade. À minha querida e eterna Mestre, Monica Rocha, que nunca me deixou esquecer de olhar para além dos “erros” de linguagem, para aquilo que escapa da regularidade das classificações, e que, assim, me faz refletir a todo instante sobre o lugar da clínica da linguagem. À minha querida orientadora, Christina Gomes, que, para além de cumprir seu papel com toda a maestria e profissionalismo, também me apoiou ao longo desses quatro anos com a sua enorme sensibilidade humana. Aos professores Gastão Coelho e Marcos Emanoel por se mostrarem tão disponíveis a ajudar com as “terríveis” análises estatísticas. Às fonoaudiólogas queridas Flávia Mendonça, Ana Paula Botelho, Carolina Magalhães, Gladis dos Santos, Tayane Almeida e Michele Santana por todas as discussões clínicas que contribuíram enormemente com a parte experimental deste projeto. À direção e às professoras das instituições educacionais, assim como a todos os pais e crianças que se disponibilizaram a contribuir com a parte experimental deste projeto. A todos os professores e funcionários da Pós-graduação em Linguística que acompanharam a evolução deste projeto e à FAPERJ pelo fomento à pesquisa, que proporcionou a bolsa de doutorado, sem a qual, este projeto não seria viável.

vii

“Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore. Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho. No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de Sol, de céu e de lua mais do que aprendeu na escola. No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo Mais do que os padres lhes ensinavam no internato. Aprendeu com a natureza o perfume de Deus Seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul E descobriu que uma casa vazia de cigarra esquecida No tronco das árvores só serve pra poesia. No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas. Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara, envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros e tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos. Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore porque fez amizade com muitas borboletas.”

“Repetir, repetir... até fazer diferente.”

(Manoel de Barros)

viii

Esteves, Clara Oliveira. O conhecimento fonológico de crianças com Dislexia, Desvio

Fonológico e Distúrbio Específico de Linguagem: uma análise multirrepresentacional da linguagem/ Clara Oliveira Esteves. – Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2013.

xiv, 131f.: il; 31cm. Orientador: Christina Abreu Gomes Tese de Doutorado – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-graduação em

Linguística, 2013. Referências Bibliográficas: f. 114-119 1. Transtornos de Linguagem 2. Conhecimento Fonológico 3.

Modelos Multirrepresentacionais de Linguagem I. Gomes, Christina Abreu. II. UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-graduação em Linguística. III. Título.

ix

RESUMO

O conhecimento fonológico de crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e Distúrbio Específico de Linguagem: uma análise multirrepresentacional da

linguagem

Clara Oliveira Esteves Orientadora: Prof.ª Dr.ª Christina Abreu Gomes

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística.

Essa tese analisou o desempenho de 18 crianças com transtornos de linguagem (7 com Dislexia (DIS), 7 com Desvio Fonológico (DF) e 4 com Distúrbio Específico da Linguagem (DEL)) e 18 crianças com desenvolvimento típico (DT - 7 pareadas com o grupo DIS, 7 pareadas com o grupo DF e 4 pareadas com o grupo DEL pela idade) em um teste de Repetição de Pseudopalavras, a fim de investigar o conhecimento fonológico das mesmas. Medidas de memória sequencial auditiva, vocabulário receptivo e acuracidade de palavras reais foram utilizadas comparativamente. Assumiram-se os pressupostos dos Modelos Multirrepresentacionais (MMR), que preconizam a abstração da linguagem de forma gradual, constituindo diferentes tipos de conhecimento fonológico, a partir de um léxico adquirido através do uso da linguagem na interação com o outro e organizado em redes de conexão.

A comparação entre os desempenhos das crianças nos 4 testes mostrou que o principal preditor para o desempenho no teste de Repetição de Pseudopalavras foi vocabulário receptivo. Como consequência, neste teste, os grupos DT e DIS (com vocabulário dentro do esperado para a idade) obtiveram melhores desempenhos que o grupo DF (vocabulário 21% abaixo do esperado), que por sua vez, apresentou melhores desempenhos que o grupo DEL (vocabulário 65% abaixo do esperado). Os grupos DT, DIS e DF não foram sensíveis ao efeito de frequência silábica dos estímulos, diferindo do grupo DEL. Por fim, grupo DF acessou informações fonológicas abstratas, mas falhou na organização do detalhamento fonético, enquanto o grupo DEL apresentou dificuldades com os padrões fonológicos abstratos.

Estes resultados localizam os déficits fonológicos das crianças com diferentes transtornos de linguagem em tipos de conhecimento fonológico também diferentes, caracterizando a sua natureza distinta, além de reiterar os pressupostos dos MMR de linguagem, de que o léxico dá suporte à organização dos padrões fonológicos abstratos. Palavras-chave: transtornos de linguagem, conhecimento fonológico, léxico, gramática, modelos multirrepresentacionais de linguagem.

Rio de Janeiro Fevereiro de 2013

x

ABSTRACT

Phonological knowledge in children with dyslexia, phonological disorder and specific language impairment: a usage-based analysis.

Clara Oliveira Esteves

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Christina Abreu Gomes

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística.

This study examined the performance of 18 children with language disorders

(7 with dyslexia (DYS), 7 with phonological disorder (PD) and 4 with specific language impairment (SLI)) and 18 typically developing children (TD – 7 pared with DYS, 7 pared with DF and 4 pared with DEL, by age) in a pseudoword repeat test in order to investigate the phonological knowledge of the children, setting similarities and differences. Measurements of sequential auditory memory, receptive vocabulary and accuracy of naming real words were also used comparatively. It was assumed the usage-based models (UBM), which assumes the abstraction of language gradually, forming different types of phonological knowledge, from a lexicon acquired by using language in interaction with the adult and organized into networks of connections.

The comparison between the performances of children in those four tests demonstrated that, in general, a measurement of receptive vocabulary is the main predictor for the test pseudoword repetition. As a result, TD and DYS groups (with vocabulary as expected for age) showed better results than the PD group (vocabulary 21% lower than expected), which in turn showed better performances than the SLI group (vocabulary 65% lower than expected). Still, TD, DYS and PD groups were not sensitive to the effect of syllabic frequency, differing of the SLI group. The PD group access abstract phonological information, but failed in the organization of phonetic detail, while the SLI group presented difficulties with phonological abstract patterns.

These results localize the phonological deficits of children with different language disorders in different types of phonological knowledge, characterizing their distinct nature, while corroborate with the assumptions of UBM, in witch lexicon supports the organization of phonological abstract patterns.

Key words: Language disorders, phonological knowledge, lexicon, grammar, usage-based models

Rio de Janeiro Fevereiro de 2013.

xi

SUMÁRIO

i. Lista de Tabelas ------------------------------------------------------------------- xii  ii. Lista de Figuras, Quadros e Gráficos ---------------------------------------- xiii  iii. Lista de Siglas --------------------------------------------------------------------- xiv  

 I. INTRODUÇÃO --------------------------------------------------------------------------- 15  

 II. O CONHECIMENTO LINGUÍSTICO ----------------------------------------------- 22  2.1 Como pensar o conhecimento linguístico? --------------------------- 22  2.2 A aquisição do conhecimento fonológico ----------------------------- 26  

2.2.1 As primeiras propostas ------------------------------------------- 26  2.2.2 Caracterização dos Modelos Multirrepresentacionais --- 29  

2.3 O conhecimento fonológico em adultos ------------------------------- 34    III. DISLEXIA, DESVIO FONOLÓGICO E DEL ------------------------------------- 40  3.1 Dislexia ------------------------------------------------------------------------- 40  3.2 Desvio Fonológico ----------------------------------------------------------- 46  3.3 Distúrbio Específico de Linguagem ------------------------------------- 53  3.4 Diferenças e semelhanças entre DIS, DF e DEL -------------------- 61  

 IV. OBJETIVOS, HIPÓTESES E MÉTODO DE TRABALHO -------------------- 65  4.1Objetivos e hipóteses de trabalho --------------------------------------------- 65  

4.1.1. Objetivo geral ------------------------------------------------------- 65  4.1.2. Objetivo específico ------------------------------------------------ 66  4.1.3. Hipóteses ------------------------------------------------------------ 66  

4.2 Método de trabalho ------------------------------------------------------------ 67  4.2.1. Participantes -------------------------------------------------------- 67  4.2.2. Procedimentos ----------------------------------------------------- 68  4.2.3. Instrumentos -------------------------------------------------------- 70  4.2.4. Modelos Estatísticos ---------------------------------------------- 79  

 V. RESULTADOS E DISCUSSÃO ----------------------------------------------------- 81  5.1 Caracterização dos grupos ----------------------------------------------- 81  5.2 Comparação dos grupos -------------------------------------------------- 87  

5.1.1. Testes Padronizados --------------------------------------------- 87  5.1.2. Teste de Nomeação de Figuras ------------------------------- 89  5.1.3. Teste de Repetição de Pseudopalavras -------------------- 91  

i. Desempenho dos grupos -------------------------------- 91  ii. Fatores preditores de desempenho ------------------ 93  iii. Efeitos de frequência -------------------------------------- 94  iv. Natureza das substituições fonológicas ------------- 98  

5.3 Discussão --------------------------------------------------------------------- 103    VI. CONCLUSÕES ------------------------------------------------------------------------- 108  

 VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ----------------------------------------------- 114    VIII. ANEXOS --------------------------------------------------------------------------------- 120  

xii

LISTA DE TABELAS

TABELA 01: Distribuição das crianças quanto à idade (meses) e gênero -------------- 81  

TABELA 02: Medidas descritivas da distribuição por idade e por grupo ---------------- 82  

TABELA 03: Medidas descritivas dos Escores de Memória Sequencial Auditiva ----- 84  

TABELA 04: Medidas descritivas dos Escores de Vocabulário Receptivo -------------- 85  

TABELA 05: Medidas descritivas dos Escores de Nomeação de Figuras -------------- 85  

TABELA 06: Medidas descritivas dos Escores de Repetição de Pseudopalavras---- 86  

TABELA 07: Médias dos escores obtidos e esperados nos testes de Memória Sequencial Auditiva e Vocabulário Receptivo, Proporção da diferença entre tais escores e medidas estatísticas --------------------------------------------------------------------- 87  

TABELA 08: Teste de Mann Whitney – Teste de Nomeação de Figuras --------------- 90  

TABELA 09: Efeito de Frequência – itens frequentes X não frequentes ---------------- 95  

TABELA 10: Produção de criança com DEL – 11 anos e 6 meses ----------------------- 98  

TABELA 11: Produção de criança com DEL – 5 anos e 4 meses ------------------------- 99  

TABELA 12: Produção de criança com Desvio Fonológico --------------------------------- 100  

TABELA 13: Produção de criança com Dislexia ----------------------------------------------- 101  

TABELA 14: Produção de criança com Desenvolvimento Típico ------------------------- 101  

 

 

 

 

 

 

 

 

xiii

LISTA DE FIGURAS, QUADROS E GRÁFICOS

FIGURA 1: Prancha Utilizada no Teste de Vocabulário Receptivo --------------- 69  

 GRÁFICO 01 – Distribuição dos escores do Teste de Repetição de Pseudopalavras por grupo ------------------------------------------------------------------ 92    GRÁFICO 02: Curva de Tendência para a média dos escores dos itens frequentes e não frequentes do teste de repetição de pseudopalavras em função do léxico – grupo DT ---------------------------------------------------------------- 97  

QUADRO 01: Comparativo de Desempenho – Memória Sequencial Auditiva e Vocabulário Receptivo --------------------------------------------------------------------- 88  

QUADRO 02: Comparativo de Desempenho – Nomeação de Figuras ---------- 90  

QUADRO 03: Comparativo de Desempenho – Repetição de Pseudopalavras 92  

QUADRO 04: Comparativo de Desempenhos – Resumo dos Testes ----------- 93  

QUADRO 05: Comparativo de Características – Memória de Trabalho, Tamanho de Léxico e Representação Fonológica ------------------------------------ 103  

xiv

LISTA DE SIGLAS

MMR = Modelos Multirrepresentacionais de Linguagem

GU = Gramática Universal

GS = Grau de Semelhança

TOT = “Tip Of the Tong”; estado de estar com a palavra “na ponta da língua”

ASPA = Avaliação Sonora do Português Atual; projeto de estudos linguísticos vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais.

PB = Português Brasileiro

AF = alta frequência

BF = baixa frequência

GCl = Grupos Clínicos

DIS = Dislexia

DF = Desvio Fonológico

DEL = Distúrbio Específico de Linguagem

GCo = Grupos de Controle

DTdis = Subgrupo dos grupos de controle com crianças de desenvolvimento típico pareado com as crianças com dislexia.

DTdf = Subgrupo dos grupos de controle com crianças de desenvolvimento típico pareado com as crianças com desvio fonológico.

DTdel = Subgrupo dos grupos de controle com crianças de desenvolvimento típico pareado com as crianças com distúrbio específico de linguagem.

DT = Desenvolvimento típico

SPAM = Teste de memória sequencial auditiva

PBDY = Teste de vocabulário receptivo

REP_FG = média de escores dos itens de alta frequência do teste de pseudopalavras

REP_NFG = média de escores dos itens de baixa frequência do teste de pseudopalavras

 

I INTRODUÇÃO

Por volta das décadas de 50 e 60, a Fonoaudiologia se constituía como um

saber técnico, voltado para a reabilitação comportamental dos distúrbios que

acometiam os mecanismos anatomofuncionais do aparelho fonoarticulatório. Dessa

forma, suas intervenções estavam pautadas muito mais no treinamento da fala do

que na intervenção sobre os processos de linguagem. A partir das décadas de 70 e

80, há uma aproximação da Fonoaudiologia com os saberes da Linguística Gerativa1

e, assim, as práticas fonoaudiológicas passam a se voltar para a caracterização e

compreensão de um objeto de estudo diferente do aparato vocal. Este novo objeto

de estudo se constitui pelos diferentes Distúrbios da Linguagem, que passam a ser

analisados sob a luz das teorias linguísticas de base gerativa (Rocha, 2007). Nesse

sentido, as práticas fonoaudiológicas se voltam, então, para o ensino da estrutura da

língua àquele que não a produz corretamente. Finalmente, em torno das décadas de

80 e 90, passa a haver também, nos discursos fonoaudiológicos, uma compreensão

da clínica a partir de uma concepção sócio-interacionista2, na qual se entende a

interação com o outro mediada pela linguagem como um fator constituinte do sujeito

humano (Freire, 2002).

Contudo, a Linguística Gerativa parte do pressuposto de que as crianças

seriam dotadas de um dispositivo e conhecimento linguístico inatos, que as

capacitaria para a aquisição da linguagem, tendo, o ambiente, um papel secundário

neste processo. Esse pressuposto não é compatível epistemologicamente com uma

concepção de clínica sócio-interacionista, que parte da dialética para explicar os

processos de aquisição de linguagem e, na qual a mediação do outro tem papel

fundamental. Nesse sentido, é necessário fazer uma aproximação da

Fonoaudiologia com trabalhos recentes da própria Linguística, que trazem

evidências empíricas refutando alguns dos postulados das teorias de base gerativa.

Essas novas concepções linguísticas formam o conjunto de teorias que se intitulam

Modelos Baseados no Uso (Usage-Based Models) ou Modelos Multirrepresenta- 1 No âmbito da Linguística, pode-se traçar a sua trajetória a partir dos postulados de Noam Chomsky, um pesquisador de grande importância para a literatura que, a partir da década de 50, sistematizou e conferiu o status de ciência cognitiva à Linguística. Em função disto, durante muito tempo, a Teoria Gerativa – de sua autoria – predominou nos estudos linguísticos e, consequentemente, também na literatura fonoaudiológica (cf. Ingram, 1976 para exemplo de uma aproximação da prática clínica com os modelos gerativistas). 2 Baseada na obra de Lev Vygotsky, psicólogo russo que inaugura os estudos da Psicologia Sócio-histórica.

I.  Introdução   16  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

cionais de linguagem, e que postulam a existência de propriedades gerais inatas da

cognição humana, mas também e principalmente, o uso da linguagem na interação

com o outro como fundamentais para o processo de aquisição de linguagem. Tais

modelos pressupõem que a representação abstrata da linguagem emerge de forma

gradual, ao longo do desenvolvimento da criança, somente a partir de um léxico

adquirido com o uso da linguagem na interação com o outro. E ainda, tal léxico

emergente estaria organizado em redes de conexões e não de forma estática como

proposto pelos modelos gerativistas. Dessa forma, é possível estabelecer uma

ligação entre as intervenções terapêuticas pautadas na interação e as análises

cognitivas – também necessárias na clínica da linguagem – acerca das

representações linguísticas estabelecidas pela criança com algum distúrbio.

Assim, a fim de contribuir com este diálogo entre a Fonoaudiologia e essas

novas concepções da Linguística, o presente trabalho possui como objeto de estudo

o conhecimento fonológico de crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e Distúrbio

Específico de Linguagem, que serão analisados e discutidos sob a ótica dos

Modelos Multirrepresentacionais de linguagem (MMR) (Goldberg, 1995; Johnson,

1997; Tomasello, 2003; Vihman e Croft, 2007; Bybee, 2001 e 2010; Pierrehumbert,

2001, 2003 e 2012; Croft, in press). Tais patologias, apesar de suas diferenças

clínicas, foram escolhidas para este estudo em função de uma característica em

comum, que é apontada pela literatura fonoaudiológica como sendo um déficit

fonológico (Yavas et al., 1991; Santos e Navas, 2002; Befi-Lopes, 2004).

Analisar as características do conhecimento fonológico adquirido e

representado por crianças com esses diferentes distúrbios pode, portanto, trazer

contribuições importantes tanto para a literatura fonoaudiológica como para a

literatura linguística. Ou seja, os postulados dos MMR podem trazer contribuições

para a compreensão e caracterização dos diferentes distúrbios de linguagem que se

constituem como objetos de estudo da Fonoaudiologia; da mesma forma, a

comparação dos desempenhos dessas diferentes populações clínicas pode trazer

evidências importantes que refutem ou reiterem os postulados dos diferentes

modelos teóricos.

Especificamente, no que concerne à análise cognitiva, os MMR preconizam a

organização de um léxico mental em redes de similaridade fonética e semântica, e o

conhecimento fonológico constituindo uma escala de abstrações a partir da

I.  Introdução   17  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

representação das formas das palavras no léxico. De acordo com a Fonologia

Probabilística (Pierrehumbert, 2003), a gramática do falante conteria os seguintes

tipos de conhecimento fonológico: a) fonético paramétrico, que é o mapa quantitativo

do espaço articulatório e acústico. Na percepção, descreve a codificação perceptual

do sinal de fala para cada ocasião. Na produção, descreve cada gesto articulatório

que se desenvolve/ocorre no tempo e no espaço; b) codificação fonética, que é

abstraída sobre o espaço fonético paramétrico, definindo o inventário disponível na

língua para a codificação da forma das palavras. Corresponde à fonologia nos

modelos clássicos; c) representação da forma sonora das palavras no léxico; d)

gramática fonológica que inclui a fonotática e descreve o conjunto de itens lexicais

possíveis na língua; e e) correspondências morfofonológicas, que são as

correspondências entre formas fonológicas e morfológicas, pois, de acordo com

Pierrehumbert, nem todas as alternâncias morfológicas se dão com base em um

padrão fonológico geral. Muitas dessas correspondências precisam ser aprendidas

com base na relação específica entre as palavras.

Interessa-nos, particularmente, os seguintes tipos de conhecimento

fonológico: a representação das formas fonéticas possíveis de realização dos itens

lexicais, que fazem parte da experiência auditiva e de produção do falante, e que

constituem abstrações sobre a fala; e o conhecimento mais abstrato a respeito de

categorias fonológicas e relações fonotáticas, que emergem das representações das

formas das palavras no léxico.

Já no âmbito da fonoaudiologia, o que se tem descrito sobre os distúrbios é

que a dislexia se caracteriza por um significativo déficit no reconhecimento de

palavras escritas na presença de habilidades cognitivas e instruções formais

adequadas. Na literatura, essa dificuldade na decodificação de palavras escritas tem

sido atribuída, por diversos autores, a um déficit de processamento da informação

fonológica (Siegel, 1993; Stanovich & Siegel, 1994; Manis et. al., 1997; Capovilla e

Capovilla, 2002; Fowlert & Swainson, 2004; Rispens, 2004; Bowey et. al., 2005). Tal

fator etiológico da dislexia pode ser identificado por dificuldades apresentadas em

testes que objetivam avaliar a conscientização fonológica, memória fonológica,

discriminação fonológica, nomeação de figuras; no entanto, não é observado nessas

crianças nenhum impedimento no que diz respeito à produção oral dos sons da

língua.

I.  Introdução   18  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Ao contrário da dislexia, o desvio fonológico se constitui como uma desordem

da linguagem oral, cuja principal alteração linguística é exatamente a produção dos

sons da língua. De acordo com Wertzner (2004), tal alteração se dá em função de

uma representação diferenciada do sistema fonológico que essas crianças possuem.

O déficit fonológico encontra-se presente nessas crianças de forma isolada, não

sendo portanto resultado de alterações cognitivas e/ou motoras globais, assim como

na dislexia. Ainda, é critério diagnóstico que tal déficit fonológico se manifeste

também na ausência de outras alterações linguísticas, como sintáticas, semânticas

ou pragmáticas.

Por fim, distúrbio específico de linguagem também se constitui como um

distúrbio de linguagem oral, no entanto, se diferenciando do desvio fonológico por

possuir déficits linguísticos mais amplos como semânticos, sintáticos e narrativos,

além do déficit fonológico (Catts et. al., 2005). Esse impedimento linguístico, assim

como na dislexia e no desvio fonológico, aparece isoladamente na ausência de

dificuldades cognitivas gerais e não-verbais. De acordo com Befi-Lopes (2004),

distúrbio específico de linguagem seria definido como um acometimento da

linguagem oral na ausência de perda auditiva, alteração no desenvolvimento

cognitivo, alteração no desenvolvimento motor global e fino, síndromes, distúrbios

abrangentes do desenvolvimento, alterações neurossensoriais, lesões neurológicas

adquiridas ou qualquer outra patologia que justifique essa dificuldade. Em relação ao

déficit fonológico, além da grande dificuldade na produção da fala, é comum a

associação entre distúrbio específico de linguagem e dificuldades de consciência

fonológica e memória fonológica, especialmente em testes de repetição de

pseudopalavras (Bishop, 2006). Essa dificuldade fonológica apresentada por

crianças com distúrbio específico de linguagem nos leva a crer que futuramente,

essas crianças apresentarão também dificuldades na leitura, o que de fato ocorre

em alguns casos (Catts et. al., 2005).

Essa sobreposição de sintomas fonológicos que resultam em dificuldades na

escrita tem levado alguns autores a questionarem se dislexia e distúrbio específico

de linguagem fazem parte de um continuum de um mesmo distúrbio, sendo a

dislexia o caso mais leve, enquanto distúrbio específico de linguagem seria o mais

severo (Tallal et. al., 1997; Bishop e Snowling, 2004; De Bree et al., 2007). No

entanto, comparando trabalhos que estudaram as produções de crianças com

I.  Introdução   19  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

dislexia, desvio fonológico e/ou distúrbio específico de linguagem, pode-se levantar

a hipótese de que as dificuldades fonológicas apresentadas em cada uma dessas

patologias sejam de naturezas distintas.

Esteves (2009) estudou a natureza da inabilidade para recuperação de

palavras apresentada por crianças com dislexia, através de um teste de nomeação

de figuras. Além das respostas espontâneas, também foram analisados os tipos de

facilitação com os quais as crianças mais se beneficiaram. Os resultados indicaram

que apesar de ocorrer ineficiência na recuperação da palavra num primeiro

momento, a forma sonora da palavra está disponível no léxico mental, uma vez que

houve um aumento significativo no número correto de respostas após pistas

semânticas e, principalmente, fonológicas fornecidas pelo avaliador. Além disso, as

substituições fonológicas realizadas pelas crianças com dislexia no teste (como a

palavra “harpa”, que tem como alvo ʹahpəә, mas foi produzida como ʹahkəә, ou a

palavra “iglu”, que tem como alvo iʹglu mas foi produzida como iʹblu3) indicam que a

informação dos padrões fonológicos abstratos, assim como boa parte da informação

da forma sonora da palavra se encontra preservada, apesar de a forma da palavra

não ser acessada corretamente, dada a semelhança entre a produção da criança e a

palavra alvo.

Já Beckman et. al. (2007) realizaram uma série de testes em crianças

diagnosticadas com distúrbio específico de linguagem e desvio fonológico, e em

crianças mais novas e com a mesma idade que as populações clínicas, mas com

desenvolvimento típico. Os testes visavam avaliar, em cada população diferente,

dois tipos de conhecimento fonológico: a representação fonética fina e a

representação mais abstrata que envolve as relações fonotáticas. Os resultados

mostraram, entre outras coisas, que crianças com distúrbio específico de linguagem

apresentam vocabulário empobrecido e maior dificuldade na repetição de

pseudopalavras formadas por difones com baixa probabilidade de ocorrência,

evidenciando um possível prejuízo no nível de representação dos padrões

fonológicos mais abstratos da língua, o qual permite ao falante a aquisição de novas

palavras. Já as crianças com desvio fonológico apresentaram desempenho

3 Em conformidade com os Modelos Multirrepresentacionais, que assumem que também há representação mental para a informação fonética tanto quanto há para as informações da gramática fonológica, optou-se pela não utilização dos colchetes ou barras cuja convenção está fortemente associada a outra concepção de representação.

I.  Introdução   20  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

semelhante ao das crianças com desenvolvimento típico nesse teste de repetição de

pseudopalavras, mas se assemelharam a crianças mais novas com

desenvolvimento típico em relação à robustez das representações fonéticas

paramétricas (representação das características percepto-acústicas e articulatórias)

em testes de percepção e produção.

Como é possível perceber, cada uma dessas três patologias, apesar de

possuírem dificuldades fonológicas, possivelmente se distinguem entre si de forma

significativa no que diz respeito à natureza de tal dificuldade. E os MMR podem

auxiliar a compreender essas diferenças, uma vez que postulam diferentes tipos de

conhecimento fonológico.

É diante deste modelo teórico e em função das evidências de diferentes

trabalhos apresentadas acima que esta tese tem como objeto de estudo o

conhecimento fonológico de crianças com dislexia, desvio fonológico e distúrbio

específico de linguagem. Uma análise do desempenho fonológico dessas crianças

em diferentes testes será realizada de acordo com os pressupostos dos MMR,

identificando qual(is) tipo(s) de conhecimento fonológico estaria(m) afetado(s) em

cada uma dessas patologias. Em função do pressuposto teórico de que a gramática

fonológica é emergente e deriva das abstrações realizadas a partir do léxico mental

adquirido com o uso da linguagem, neste estudo espera-se encontrar uma relação

entre o desenvolvimento dos diferentes tipos de conhecimento fonológico e o

tamanho do léxico nessas crianças. Ou seja, espera-se que crianças com tamanho

de léxico maior apresentem uma maior consistência em seus padrões fonológicos

abstratos.

Este tipo de análise pode vir a trazer evidências a respeito da natureza do

déficit fonológico de cada um desses grupos, corroborando ou refutando a ideia de

continuum de uma mesma patologia com graus de severidade distintos. Isso possui

implicações clínicas, uma vez que, dependendo dos resultados, deve-se pensar em

abordagens terapêuticas diferenciadas. Além disso, essas análises também podem

trazer evidências empíricas que refutem ou validem o modelo teórico em questão,

uma vez que a existência de diferentes tipos de representação das informações

fonológicas e também a diferença entre os processos de representação e acesso a

essas informações pode ser pesquisado.

I.  Introdução   21  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Para averiguar essas hipóteses, foram elaborados dois testes distintos com

objetivo de avaliar tipos de conhecimento fonológico também diferentes.

Primeiramente, um teste de Nomeação de Figuras adaptado da dissertação de

mestrado (Esteves, 2009), constituído por 36 figuras que se diferenciam entre si em

função da frequência de uso das palavras (alta e baixa) e do tamanho das palavras

(dissílabos e polissílabos). Este teste foi pensado a fim de avaliar a acuracidade

fonético-articulatória de palavras reais, assim como a capacidade de acesso lexical

das crianças. O segundo teste é de Repetição de Pseudopalavras e se constitui por

30 pseudopalavras que se diferenciam entre si em função da frequência de cada

sílaba que compõe o item (itens compostos somente por sílabas de alta frequência e

itens compostos somente por sílabas de baixa frequência) e o tamanho do item

(dissílabos, trissílabos e polissílabos de 4 sílabas). Esse teste foi elaborado a fim de

avaliar a robustez do conhecimento fonológico abstrato representado pelas crianças

dos diferentes grupos.

Esta tese será organizada da seguinte forma: no capítulo II será apresentado

um panorama geral sobre as discussões acerca do conhecimento linguístico, e mais

especificamente, do conhecimento fonológico tratados no âmbito da linguística em

geral, com ênfase nos MMR; no capítulo III será discutido o que a literatura

fonoaudiológica tem oferecido a respeito das principais características clínicas e

linguísticas de cada uma das patologias da linguagem estudadas neste trabalho, a

saber: dislexia, desvio fonológico e distúrbio específico de linguagem; no capítulo IV

estarão descritos todos os processos metodológicos utilizados para recrutamento

dos sujeitos participantes desta pesquisa, para a elaboração dos testes utilizados e

para a análise estatística empregada, além de explicitar os objetivos e hipóteses do

trabalho; no capítulo V serão expostos detalhadamente todos os resultados obtidos,

assim como a análise quantitativa e qualitativa realizada e a discussão elaborada a

partir dos resultados; e finalmente, no capítulo VI estarão as conclusões tiradas a

partir dos achados deste trabalho, assim como as perspectivas futuras.

   

II. O CONHECIMENTO LINGUÍSTICO

ste capítulo apresenta a descrição dos pressupostos teóricos que

sustentam a análise dessa pesquisa, a saber, os Modelos

Multirrepresentacionais (MMR) de aquisição e de organização da

linguagem, também chamados Modelos Baseados no Uso

(Goldberg, 1995; Bybee, 2001 e 2010; Pierrehumbert, 2001, 2003 e

2012; Tomasello, 2003; Vihman e Croft, 2007; Croft, in press).

Inicialmente, coloca-se uma reflexão sobre as principais correntes

teóricas sobre aquisição e representação de linguagem de forma geral, e, em

seguida, são abordados os pressupostos teóricos dos MMR.

2.1 COMO PENSAR O CONHECIMENTO LINGUÍSTICO

Ao estudar a linguagem infantil – e as suas patologias – algumas questões

imediatamente vêm à tona: qual a origem do conhecimento linguístico? Como esse

conhecimento linguístico se organiza ao longo do desenvolvimento até chegar à

organização do adulto? Para responder a essas questões, atualmente, duas

principais correntes teóricas se fazem presentes na literatura da Linguística

Cognitiva, sejam elas: a corrente gerativista e a multirrepresentacional. De uma

forma geral, pode-se dizer que a primeira adota uma perspectiva representacional

categórica e discreta da linguagem, apresentando uma concepção mais

determinística; enquanto que em contrapartida, a segunda argumenta sobre uma

natureza gradiente, multirepresentacional e dinâmica das representações

linguísticas.

As abordagens gerativistas preconizam a existência de uma Gramática

Universal (GU) inata, de onde provêm os princípios estruturais do conhecimento

linguístico, sendo necessários alguns disparadores advindos do input linguístico para

que a criança organize toda a estrutura da língua a qual está exposta. Ou seja, o

contexto sócio-cultural no qual a criança se encontra inserida possui um papel

secundário no processo de aquisição de linguagem, enquanto é o dispositivo de

aquisição de linguagem inato (a Gramática Universal - GU) que direciona todo o

processo.

E

II.  O  Conhecimento  Linguístico   23  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Para esses modelos formais de aquisição de linguagem, as línguas naturais

se caracterizam como (i) um conjunto de regras abstratas sintáticas inatas, a

princípio, desprovidas de significado e que serão interpretadas a partir da interface

com a semântica; e (ii) um léxico contendo os elementos linguísticos que vêm

carregados de significado e que serão combinados a partir dessas regras sintáticas

(Chomsky, 1988). Os princípios que regem essas regras abstratas constituem a

Gramática Universal – o centro da competência linguística – que não seria adquirido,

mas sim inato em todos os seres humanos. A periferia linguística seria constituída

pelo léxico, o sistema conceptual, as construções irregulares, expressões

idiomáticas, uso pragmático da língua, e deveria ser adquirida através de processos

normais de aprendizagem. Ainda, nessa visão tradicional, o léxico – área de

armazenamento para todas as palavras e morfemas da língua – é comparado a um

dicionário, no qual itens lexicais são apenas itens passivos numa lista, que esperam

para serem recrutados para estruturas sintáticas. Este léxico seria relativamente

estático, se comparado à gramática que gera infinitas sentenças, e seus itens não

teriam nenhuma relação entre eles (Chomsky, 1988). Ainda, este léxico seria

armazenado na memória para material linguístico, enquanto a gramática não

ocuparia espaço na memória já que se trata de estruturas abstratas. Vihman e

Kunnari (2006) comentam que esta visão gerativista implica no seguinte

questionamento: Como a criança reconhece os dados críticos do input que vão

tornar possível mapear os parâmetros apropriados ou rearranjar as restrições de

uma forma apropriada?

Já nas abordagens multirrepresentacionais, não é apenas a aquisição dos

principais padrões sintáticos capazes de gerar infinitas construções que está no foco

dos estudos, mas sim a aquisição de todos os padrões de uso da linguagem,

incluindo aqueles com pouca produtividade, as construções irregulares, as

construções mistas, expressões idiomáticas, metafóricas, e tudo o mais que estaria

na periferia da gramática para outras teorias. Ainda nesses Modelos

Multirrepresentacionais (MMR), a dimensão gramatical da linguagem é produto de

um conjunto de processos históricos e ontogênicos, chamados de gramaticalização,

e assim, a gramática individual seria um inventário de construções simbólicas

linguísticas com significado estruturado ao longo da ontogenia (Tomasello, 2003).

II.  O  Conhecimento  Linguístico   24  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

De uma forma geral, numa visão que nega a existência da GU, a proposta é

de que, ao invés desse aparato inato específico para linguagem, as crianças

nasceriam com um aparato específico da espécie sim, mas que se configuraria

como um aparato cognitivo geral que as capacitaria a construir, ao longo de todo o

seu desenvolvimento e a partir da interação com o outro, qualquer sistema

simbólico, inclusive o conjunto das convenções linguísticas usadas pelas pessoas a

sua volta; e essa construção da linguagem da forma como os seres humanos o

fazem é que seria específico da espécie. Nesse sentido, a gramática emergiria de

forma gradual, a partir de um léxico adquirido no contexto de uso e organizado em

redes de conexões, dinâmico – e não estático como é proposto pelos modelos

inatistas – de forma que o uso da linguagem na interação com o outro afetaria e

poderia modificar significativamente as representações dessa gramática para cada

indivíduo. Portanto, o papel do contexto sócio-histórico no qual a criança se encontra

inserida se torna fundamental para o processo de aquisição e representação da

linguagem.

Ainda, este léxico não seria composto apenas por palavras (formas básicas),

mas também por unidades maiores como expressões e construções, o que leva a

pensar em uma relação muito mais estreita e interdependente entre léxico e

gramática (Goldberg, 1995). Os morfemas seriam abstrações feitas a partir do

léxico. As construções são vistas como um par indissociável entre estrutura sintática

e semântica, possuindo forma e significado e sendo, portanto, signos ou unidades

simbólicas (Croft, 2013). Cada palavra do léxico, além de expressar sua forma

sonora e significado, é também uma entrada para o detalhamento fonético, as

propriedades sócio-contextuais (Pierrehumbert, 2010). Ou seja, diferentemente da

visão gerativista de que a gramática é composta fundamentalmente pelo módulo

sintático, na visão dos MMR há um distanciamento dessa visão modular da

linguagem, pressupondo que existem redes de conexões, não só entre as diferentes

dimensões da linguagem (fonético-fonológica, morfossintática, semântica e

pragmática), mas sobretudo, entre a linguagem e os outros domínios da cognição,

como raciocínio matemático, percepção, etc. Dessa forma, ela se constitui como um

reflexo da construção cognitiva que cada indivíduo realiza a partir da sua experiência

interativa com o mundo e as pessoas ao seu redor, e seus padrões estruturais

II.  O  Conhecimento  Linguístico   25  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

morfossintáticos e/ou fonológicos emergem baseados nas experiências relacionais,

sociais, culturais de cada sujeito.

Outro ponto importante é que, para os MMR, a memória de longo prazo que

armazena essas representações não é apenas a declarativa, passível de ser

descrita, mas também e, principalmente, uma memória de procedimento, que só é

manifestada durante a realização de uma determinada habilidade – no caso

específico, habilidade linguística (Bybee, 2001). Essa memória de procedimento é

altamente afetada pela repetição, sendo que quanto mais recorrente for uma

sequência de ações, mais fortemente ela será representada e mais fluente ela se

tornará. Nesse sentido, as unidades linguísticas armazenadas na memória de longo

prazo não estão sendo processadas em unidades estáticas e descritíveis apenas,

mas também como unidades de planejamento, produção e percepção (Tomasello,

2003). Para essa visão, as questões postas, de acordo com Vihman e Kunnari

(2006), seriam: Com qual conhecimento, se é que algum, a criança nasce? e Como

a criança obtém/constrói conhecimento da estrutura ou sistema linguístico?

De forma mais específica, no que diz respeito ao conhecimento fonológico, os

MMR têm conjugado uma série de evidências baseadas em dados empíricos para

discutir e propor uma organização fonológica que difere em alguns aspectos da

proposta gerativista. Tais estudos são a respeito da produção e respostas

perceptuais a estímulos linguísticos de crianças em processo de aquisição; dados

sobre desempenho linguístico de crianças com diferentes patologias cujos sintomas

sejam déficits especificamente linguísticos (dislexia, distúrbios especifico de

linguagem, desvio fonológico, etc.); estudos sobre processamento de

pseudopalavras e palavras reais em adultos, dentre outros. E são alguns desses

estudos sobre conhecimento fonológico que serão apresentados de forma

sintetizada a partir de agora, a fim de defender os pressupostos teóricos das

abordagens multirrepresentacionais sobre conhecimento fonológico, que são a base

teórica deste presente trabalho.

II.  O  Conhecimento  Linguístico   26  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

2.2 A AQUISIÇÃO DO CONHECIMENTO FONOLÓGICO:

2.2.1 As primeiras propostas

Jakobson (1968) foi responsável pela primeira, e bem conhecida, teoria sobre

o desenvolvimento fonológico. Ele propôs uma explicação estruturalista para a forma

como as crianças adquirem a estrutura sonora da sua língua nativa, distinguindo

dois períodos para tal desenvolvimento: balbucio, que a seu ver seria um período

pré-linguístico; e a real aquisição da estrutura sonora da língua. Jakobson ainda

reforçou a ideia de que, durante o estágio pré-linguístico, a criança produziria uma

ampla variedade de sons que não são encontrados juntos em uma língua só, o que

possibilitou, mais tarde, reforçar a proposta teórica dos princípios e parâmetros. De

acordo com tal proposta, a criança nasceria capaz de mapear todos os traços

fonológicos, de qualquer língua e, consequentemente, aprender a produzir todos os

sons das línguas naturais no mundo, no entanto, em função do input recebido da

sua língua nativa, ela passaria a produzir apenas os sons da sua língua (Jusczyk,

1997).

Outro ponto da proposta de Jakobson diz respeito aos Universais

Linguísticos. Segundo ele, seriam tais princípios (presentes em todas as línguas do

mundo) que permitiriam às crianças a aquisição da língua materna. Apesar de

algumas diferenças entre as produções das crianças, de uma forma geral, elas

passariam por determinados estágios, nos quais as crianças iriam percebendo os

contrastes fonêmicos da sua língua e organizando dessa forma o seu sistema

fonológico. Foram propostos diferentes níveis (camadas) para o sistema fonológico,

níveis esses que seriam universais para todas as línguas e, dessa forma,

invariáveis. Essa sequência de níveis evoluiria do menos complexo e indiferenciado

para o mais complexo e diferenciado. Ou seja, as crianças começariam produzindo

uma vogal ótima (por exemplo, uma vogal média) e uma consoante ótima (como

uma consoante labial plosiva), sendo a junção desses dois segmentos a estrutura

silábica básica CV. A partir daí, haveria a produção sucessiva de outras sílabas com

essa mesma estrutura (papa, baba, mama...), que se diferenciariam através de

determinados traços distintivos, como sonoridade, nasalidade, etc. Traços esses

definidos pelos modos e pontos de articulação e pelas características de

ressonância da cavidade oral. Dessa forma, a criança passaria a produzir e

discriminar sequências cada vez mais complexas, seguindo uma determinada ordem

II.  O  Conhecimento  Linguístico   27  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

de surgimento dos segmentos (por exemplo, plosivas labiais são adquiridas antes

das plosivas dento-alveolares) (Jusczyk, 1997).

Essa teoria de Jakobson foi fundamental para estimular outros estudos sobre

aquisição da fonologia, e ainda hoje serve de base para muitos estudiosos

interessados em descobrir como as crianças percebem os padrões sonoros da sua

língua materna e desenvolvem o seu sistema fonológico. No entanto, alguns

trabalhos realizados a partir da década de 70 com o objetivo de observar a relação

entre balbucio e início da fase linguística trazem evidências empíricas que não

corroboram estas ideias de Jakobson de (i) descontinuidade entre balbucio e

primeiras palavras e (ii) uma ordem sequencial e invariável de aquisição dos

padrões sonoros da língua. E essa discussão pode também trazer contribuições

para a proposição de novos modelos teóricos.

Por exemplo, a postulação de uma continuidade entre o período do balbucio e

a produção das primeiras palavras tem sido demonstrada por diversos autores.

Vihman et al. (2009) afirmam que o repertório sonoro encontrado no balbucio e as

combinações sonoras das primeiras palavras da criança são formados pelos

mesmos conjuntos de sons. Petitto e Marentette (1991) trazem evidências de um

“balbucio manual”: crianças que são expostas a língua de sinais, além de

usualmente produzirem gestos não linguísticos, produzem também gestos que se

assemelham aos sinais da língua. Outras evidências com língua de sinais também

podem ser encontradas no trabalho de Cheek et al. (2001). Vihman (2009) chega a

afirmar que “cada primeira palavra da criança pode ser ‘rastreada’ até o balbucio

dessa determinada criança” e exemplifica essa continuidade também com o trabalho

de outros autores como o de Oller et al. (1976).

Ainda, além de trabalhos que mostram essa continuidade de produção entre o

balbucio e as primeiras palavras, há também trabalhos que mostram a importante

relação entre balbucio e a exposição ao input sonoro. Nesse sentido, Oller e Eliers

(1988) trazem evidências de seu trabalho com bebês surdos, mostrando que esses

bebês, além de iniciarem o balbucio muito tardiamente (com aproximadamente 5

meses de diferença para aqueles com audição normal), também não produziram

vocalizações semelhantes as dos bebês com audição normal, concluindo que o

balbucio não se desenvolve normalmente na ausência de input auditivo. Além disso,

a fase final do balbucio tem forte relação com os sons linguísticos do input a que a

II.  O  Conhecimento  Linguístico   28  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

criança está submetida, como demonstrado por Vihman, em vários de seus

trabalhos (Vihman e Croft, 2007; Vihman, 2009; Menn e Vihman, 2011).

Sobre a ideia de uma ordem sequencial e invariável de aquisição dos

fonemas da língua há estudos recentes que demonstram que a ordem de

emergência dos segmentos pode ser modificada em função dos padrões advindos

do ambiente linguístico no qual a criança se encontra inserida. Isso, somado ao fato

da variabilidade encontrada de criança para criança durante a aquisição das

primeiras palavras, pode sugerir que a proposta de Jakobson talvez não se sustente

(Menn e Vihman, 2011). Estudos de análise acústica de vocalizações de bebês,

comparativos entre diferentes línguas, podem revelar diferenças no repertório

fonético que são relacionadas ao ambiente linguístico no qual a criança está inserida

(Jusczyk, 1997). E como já visto anteriormente, os sons produzidos no balbucio

servem de treino articulatório motor que vai direcionando a produção das primeiras

palavras das crianças.

Outra proposta que vem sendo questionada por estudos sobre Fonologia

Articulatória e também, mais recentemente, em relação à aquisição de linguagem, é

a própria ideia de traços distintivos. Por exemplo, Menn e Vihman (2011) trazem a

discussão de que talvez os traços possam ser úteis na descrição das gramáticas dos

adultos e ajudar num estágio posterior do desenvolvimento infantil; mas para

caracterizar as primeiras palavras das crianças eles não teriam validade, uma vez

que não é possível determinar com certeza que a criança já possui um traço

distintivo abstraído simplesmente porque ela produz um segmento com aquele traço

em sua fala. Além disso, o fato de que, somente com o tempo, as crianças se

tornam gradualmente mais sistemáticas e mais similares com outras crianças,

embasa a hipótese de estudos atuais de que a fonologia emergiria com base na

experiência linguística e não que seria um resultado de universais inatos.

A partir dessas evidências empíricas que questionam as propostas de

Jakobson – assim como evidencias advindas de estudos psicolinguísticos e da

sociolinguística – novos modelos teóricos vêm sendo propostos para explicar a

aquisição da fonologia e, sendo assim, na próxima sessão, serão explicitadas as

principais características desses modelos, denominados Modelos

Multirrepresentacionais (MMR).

II.  O  Conhecimento  Linguístico   29  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

2.2.2 Caracterização dos Modelos Multirrepresentacionais

Como já dito anteriormente, as abordagens multirrepresentacionais postulam

não haver um mecanismo inato especificamente linguístico como a GU, mas sim

mecanismos cognitivos gerais inatos que possibilitam a aprendizagem de sistemas

simbólicos, incluindo o sistema linguístico. Tomasello (2003) descreve esse aparato

cognitivo geral como, principalmente, dois conjuntos de habilidades: (i) “leitura de

intenções” e (ii) “busca de padrões”.

O primeiro grupo consistiria nas habilidades necessárias para que a criança

possa adquirir o uso apropriado dos símbolos linguísticos, e que emergem por volta

dos 9-12 meses de idade, como: compartilhar atenção com outras pessoas sobre

objetos e eventos de interesse mútuo; seguir a atenção e gestos de outras pessoas

sobre objetos distantes e eventos que não participem da interação imediata; dirigir,

ativamente, a atenção de outras pessoas a objetos distantes através de gestos não-

linguísticos; aprender, imitativamente, ações intencionais do outro, incluindo seus

atos comunicativos intencionais. O segundo conjunto incluiria as habilidades

necessárias para aquisição do padrão do modo como os adultos utilizam os

símbolos linguísticos em diferentes elocuções, construindo, assim, a representação

da gramática abstrata que é da competência linguística humana. São elas: formar

categorias perceptuais e conceituais de objetos e eventos similares; formar

esquemas sensório-motores a partir de padrões recorrentes; criar analogias entre

duas ou mais estruturas complexas, baseado nas funções de cada elemento nessas

estruturas diferentes.

Especificamente, no que concerne ao conhecimento fonológico, Vihman

(2009) aborda os mecanismos de aprendizagem, dividindo-os em (i) aprendizagem

lexical ou simbólica e (ii) aprendizagem distribucional ou estatística. O primeiro

mecanismo estaria relacionado à aprendizagem das palavras, do referencial

concreto ao qual cada palavra está relacionada. De fato, para aprender uma palavra,

a criança necessita estar inserida num momento de atenção compartilhada com o

outro, onde tanto a forma sonora como o uso de determinada palavra estejam

suficientemente salientes para que a criança possa aprender a palavra de forma

efetiva. Tal aprendizagem necessita de uma atenção direcionada, explícita da

criança, e por isso, está relacionada ao conhecimento explícito, armazenado na

memória declarativa.

II.  O  Conhecimento  Linguístico   30  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Já o segundo mecanismo – a aprendizagem estatística – seria um

conhecimento implícito, probabilístico, armazenado na memória de procedimento.

Nos últimos anos, achados experimentais têm demonstrado que crianças e adultos,

automaticamente, percebem as regularidades distribucionais das estruturas às quais

eles são expostos enquanto respondem a diferentes testes (Saffran et al., 1997). De

acordo com Vihman (2009), esses achados somados aos estudos experimentais

descritos por Jusczyk (1997) sobre as respostas pré-linguísticas dos bebês à fala

demonstram uma aprendizagem muito mais probabilística do que categórica, e

permitem concluir que:

“as crianças, gradualmente, vão abstraindo os padrões do

input linguístico no nível dos segmentos, sílabas, padrões

acentuais, palavras e frases, sem nenhuma intenção em

aprender”. (Vihman, 2009, pp. 02)4

E ainda, parece que essa habilidade de perceber as regularidades não se

restringe às informações linguísticas, e sim, se aplica a qualquer sequência de

regularidades, seja de informação auditiva, seja de informação visual, tátil, etc,

advinda do ambiente em que se encontra a criança (Kirkham et al., 2002). Nesse

sentido, este mecanismo de aprendizagem estatística não seria algum mecanismo

especificamente linguístico como a GU, mas sim, um mecanismo cognitivo geral,

que permite a abstração de qualquer padrão de forma probabilística.

Em 2006, Vihman e Kunnari já haviam proposto um modelo de aquisição/

aprendizagem do conhecimento fonológico que integrasse ambos os mecanismos

de aprendizagem (implícito e explícito). Para as autoras, o início da aquisição da

linguagem passaria por três estágios: dois sendo produto do processo implícito de

aprendizagem (memória de procedimento) e outro como produto do sistema de

memória declarativa. Esses estágios aconteceriam da seguinte forma:

(i) Conhecimento implícito (memória de procedimento) a respeito das

regularidades percebidas nas informações sensoriais que chegam de 4 “infants gradually gain a sense of the patterns in the ambient input language at the level of segments, syllables, accentual patterns, words, phrases, and clauses, without any intention to learn.” (Vihman, 2009, pp. 02)

II.  O  Conhecimento  Linguístico   31  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

qualquer tipo (frequência de ocorrência, sequenciamento, padrões

rítmicos, etc.)

(ii) Registro simbólico (memória declarativa) das associações arbitrárias entre

forma e significado, o que diz respeito a um léxico mental.

(iii) Conhecimento implícito secundário a respeito das regularidades inerentes

aos itens linguísticos registrados no léxico mental – o que as autoras

afirmam ser a “base para os componentes puramente linguísticos que são

a fonologia e a morfossintaxe”.

Ou seja, elas postulam que as crianças, a partir de habilidades cognitivas que

permitem uma aprendizagem estatística a respeito das regularidades encontradas

no ambiente, conseguem abstrair gradualmente o conhecimento fonológico a partir

de um léxico mental adquirido a partir da interação com o outro. Elas não adquirem

cada som da língua de forma independentemente, mas sim aprendem as

sequências fonológicas como partes integrantes das palavras ou sequências

sonoras maiores, que fazem sentido em suas interações.

Vihman e Kunnari (2006) também descreveram dados sobre as produções

iniciais de crianças adquirindo Inglês, Francês, Finlandês e Galês. As crianças

tiveram suas produções gravadas desde o balbucio até atingirem um léxico de

aproximadamente 50 palavras ou mais. Elas dividiram as produções das crianças

em (i) “Early Words” (Primeiras Palavras), (ii) “Selected Later Words” (Palavras

Selecionadas) e (iii) “Adapted Later Words” (Palavras Adaptadas). No primeiro

conjunto, estariam as 4 primeiras palavras produzidas inicialmente por cada criança.

As características dessas palavras seriam: se assemelharem com os padrões

motores produzidos no balbucio, terem algo de comum com as palavras-alvo dos

adultos, serem palavras de alta frequência de ocorrência na língua, terem estruturas

fonológicas relativamente mais simples (por exemplo, uma ou duas sílabas, poucos

ditongos ou encontros consonantais, conterem predominantemente consoantes

plosivas e nasais). No segundo e no terceiro conjunto, estariam as palavras

produzidas alguns meses depois, atingindo o ponto de 25 palavras em diante. As

palavras do segundo conjunto (“selecionadas”) parecem evidenciar tanto uma maior

aproximação com as formas produzidas pelo adulto como uma ou mais

características fonológicas semelhantes entre si, sugerindo a existência de um

processo implícito de organização fonológica. No último conjunto de palavras

II.  O  Conhecimento  Linguístico   32  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

(“adaptadas”), as palavras parecem apresentar uma certa “regressão” na forma

fonológica, uma vez que começam a se diferenciar dos alvos dos adultos. No

entanto, uma análise mais apurada permite perceber uma maior organização e

coerência interna entre as produções da criança, evidenciando, nesse momento de

“regressão”, o marco de início de uma organização fonológica na criança.

Em outro trabalho, Vihman e Croft (2007) propõem o que eles chamam de

“Radical Templatic Phonology”, um modelo fonológico que, baseado nesse processo

de interação entre conhecimento implícito e explícito, propõe a ideia de templates

(moldes lexicais) para as primeiras estruturas produzidas pelas crianças e para a

organização do conhecimento fonológico do adulto. Os autores propõem que as

primeiras palavras das crianças seriam esses moldes lexicais resultantes de uma

associação implícita que as crianças fariam entre os modelos do adulto advindos do

ambiente linguístico e as suas próprias práticas vocais realizadas durante o

balbucio. Inicialmente, a criança desenvolveria um primeiro molde ou um pequeno

conjunto de moldes, a partir da fase palavras adaptadas, e a partir de então ela iria

introduzindo uma série de outras estruturas e categorias fonológicas nas suas

produções. Esses moldes lexicais se caracterizariam por um padrão fonológico

consistente dentro de um conjunto de primeiras palavras que envolvem estrutura

silábica e ocorrência dos mesmos segmentos sonoros, ou seja, há coerência interna

nas formas dos itens das crianças. No entanto, neste primeiro momento, é possível

que estas formas lexicais estejam mais distantes das formas do alvo do adulto, uma

vez que – dentre outros fatores – ainda se faz necessário, neste momento do

desenvolvimento, uma prática articulatória maior.

Vihman e Croft (2007) propõem três critérios para identificação desses

moldes lexicais: (i) um padrão consistente em um número substancial de formas de

palavras produzidas pela criança em uma ou mais sessões ou em um período de

semanas ou meses; (ii) ocorrência de correspondências fonológicas não usuais

entre a forma da criança e a forma do adulto, isto é regras, processos ou estratégias

de reparo, sobre a influência de um padrão dominante; (iii) frequentemente, um

rápido aumento na produção de palavras que se encaixam nesse padrão. E para

esses autores, a identificação desses moldes seria o indício da emergência de um

conhecimento fonológico abstrato inicial nas crianças. A partir daí, à medida que a

criança vai ampliando seu léxico, vai estabelecendo novos moldes, ampliando a sua

II.  O  Conhecimento  Linguístico   33  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

gama de possibilidades fonológicas. Dessa forma, a diferença entre crianças e

adultos estaria, portanto, na restrita quantidade de tipos de moldes presentes nas

diferentes fases aquisitivas, que gradualmente aumentariam com o desenvolvimento

e estabelecimento da gramática.

Sendo assim, é importante enfatizar que para os MMR, a gramática das

crianças e dos adultos é organizada da mesma forma, sendo a diferença apenas em

termos da quantidade de material linguístico representado e abstraído em função da

crescente experiência linguística acumulada ao longo do tempo. Munson et al.

(2005b), ao falarem a respeito dos tipos de conhecimento fonológico que são

abstraídos, trazem evidências sobre essa continuidade entre gramática de crianças

e de adultos.

Por exemplo, eles mostram que crianças não possuem o mesmo

desempenho apresentado por adultos em alguns testes de percepção,

demonstrando que a capacidade das crianças em abstrair as informações

perceptuais acústicas mais robustas (como estrutura categórica) e também as mais

refinadas (como diferenças entre falantes) ainda encontra-se em desenvolvimento.

Sobre o amadurecimento das representações dos detalhes articulatórios nas

crianças, os autores trazem o exemplo do “contraste encoberto”, primeiramente

descrito por Macken e Barton (1980), que evidencia a tentativa das crianças em

produzir corretamente as diferenças entre os sons, apesar da imprecisão

articulatória. Ainda, para demonstrar que o desenvolvimento do conhecimento a

respeito da estrutura segmental fonológica e das regras fonotáticas de cada língua

também acontecem de forma gradual nas crianças, os autores explicitam os

resultados de Munson e Babel (2005), demonstrando que a influência da densidade

de vizinhança fonológica – conhecimento abstrato a respeito da similaridade entre as

palavras do léxico – sobre os tempos de respostas em testes de repetição de

palavras aumentam durante o desenvolvimento. Por fim, eles trazem evidências

tanto de que as variações sociofonéticas estão presentes nas produções das

crianças como também que elas são sensíveis à percepção acústica dessas

variações.

Portanto, em concordância com a proposta de Vihman e Croft (2007), Munson

et al. (2005b) propõem que as representações fonológicas abstratas que adultos

apresentam como conhecimento implícito vão emergindo gradualmente ao longo de

II.  O  Conhecimento  Linguístico   34  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

todo o desenvolvimento da criança/ adolescente a partir da sua experiência

linguística.

2.3 O CONHECIMENTO FONOLÓGICO EM ADULTOS

Como já dito anteriormente, os MMR pressupõem a aquisição da gramática

de forma gradual e também em diferentes tipos de conhecimento. Mas quais seriam

estes tipos? Que tipo de conhecimento fonológico estaria sendo abstraído pelos

falantes da língua?

Munson et al. (2005b) descreveram quatro tipos de representação do

conhecimento fonológico abstrato que adultos possuem de forma implícita, sejam

eles: (i) conhecimento perceptual sobre as características acústicas dos sons; (ii)

conhecimento articulatório das características sonoras; (iii) conhecimento de

categorias fonológicas; (iv) conhecimento sobre as variações sociofonéticas da

língua.

O primeiro e o segundo tipo de conhecimento são descritos como mais

superficiais ou menos abstratos de conhecimento fonológico, que dizem respeito à

identificação e à produção das características físicas dos sons. Ou seja, o primeiro

estaria relacionado à capacidade de identificar todo o espectro de variedade das

características acústicas presentes na fala, tanto no que diz respeito às variações

fonéticas presentes nas produções intra- e inter- sujeitos, quanto em relação às

categorias sonoras existentes na língua. E o segundo tipo de conhecimento seriam

os planejamentos motores necessários à produção de cada som, de forma precisa.

No entanto, se faz importante salientar que a variabilidade e gradiência das

propriedades acústicas da fala, apesar de serem representadas em níveis mais

superficiais, ainda assim compõem um conhecimento intrínseco à organização

fonológica abstrata do falante/ouvinte. Já o terceiro tipo é descrito como o

conhecimento fonológico mais abstrato que seria concernente às relações

fonotáticas da língua e às relações dessas combinações de sons com os seus

significados. E finalmente, o conhecimento sobre as variações sociofonéticas da

língua diria respeito ao processamento de como a variação linguística é usada para

identificar e transmitir informações de pertencimento a diferentes grupos sociais.

II.  O  Conhecimento  Linguístico   35  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Cada tipo de conhecimento não seria estático, mas sim estaria conectado e

integrado entre si e entre outros conhecimentos linguísticos não-fonológicos.

Há também outro modelo que faz parte do “guarda-chuva” dos MMR que

descreve a representação múltipla do conhecimento fonológico em adultos: a

Fonologia Probabilística, proposta por Pierrehumbert (2003). Esse modelo também

traz a noção de inferências probabilísticas (resultado da aprendizagem estatística)

acerca do material linguístico que o falante possui. Este mecanismo possibilitaria

aos falantes, por exemplo, a representação do detalhe fonético, não como algo

separado da gramática, mas sim como parte integrante da gramática do falante,

como já dito anteriormente. Nesse sentido, o modelo proposto por Pierrehumbert

(2003) descreve pelo menos cinco diferentes níveis 5 de representação que

envolveriam generalizações e abstrações de acordo com distribuições

probabilísticas, sejam eles: (i) representação fonética paramétrica; (ii) representação

da codificação fonética; (iii) representação das formas das palavras no léxico; (iv)

gramática fonológica; (v) e, finalmente, correspondências morfofonológicas.

De uma forma sintetizada, o primeiro nível corresponderia à representação da

codificação perceptual do sinal acústico de fala em cada ocasião particular, e

também, dos gestos articulatórios necessários para a produção no fluxo do discurso.

A partir deste espaço fonético paramétrico representado no primeiro nível, o

falante/ouvinte abstrairia o segundo nível, que seria, portanto, o inventário fonético

disponível na língua para a codificação da forma das palavras que o falante abstrai a

partir da experiência de perceber e produzir sinais acústicos. Importante ressaltar

que esses códigos fonéticos seriam menos abstratos do que a noção clássica de

fonema, uma vez que estariam incluídos nesses códigos fonéticos não só os

segmentos de fala, mas também aspectos prosódicos e entonacionais, além de toda

a informação redundante advinda da distribuição fonética total de uma língua, como

alofones, por exemplo. Já o terceiro nível seria a representação da estrutura sonora

de cada palavra no léxico, que se configura como abstrações do nível paramétrico,

mas também serviria para “alimentar” o nível paramétrico. A representação da forma

da palavra permitiria ao falante reconhecer determinada palavra apesar da variação 5 Neste trabalho de 2003, a autora utiliza o termo “nível” (em inglês, “level”) para designar os diferentes tipos de conhecimento fonológico. No entanto, este termo não está sendo mais utilizado atualmente em função da noção de hierarquia que o mesmo pode oferecer e que não é proposta pelos Modelos Baseados no Uso de forma geral e nem pela própria autora. No entanto, aqui, o termo será mantido para respeitar o que foi escrito pela autora à época.

II.  O  Conhecimento  Linguístico   36  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

fonética resultante da diferença entre falantes e contextos. Essa mesma

representação seria a mediação entre percepção e produção, o que permitiria ao

falante a repetição de palavras já adquiridas. Esse nível de representação seria

fortemente influenciado pela frequência de ocorrência de cada palavra para aquele

determinado indivíduo.

O quarto e o quinto níveis seriam níveis mais abstratos e corresponderiam,

respectivamente, à representação de padrões fonológicos, como a estrutura

prosódica e fonotática da língua, e à representação das relações morfofonológicas.

Esses padrões mais abstratos emergiriam a partir das abstrações sobre as formas

das palavras no léxico e não diretamente a partir do sinal acústico da fala, e

permitiriam ao falante a aquisição de novas palavras. Esses níveis de representação

podem ser evidenciados por julgamentos de boa-formação de palavras, assim como

por neologismos e estrangeirismos.

Existem estudos que trazem evidências para as hipóteses de organização

sonora das línguas de acordo com os MMR, como por exemplo, a representação do

detalhe fonético. Johnson (2005) analisou o aspecto de gênero na variação

sociofonética6, variação essa, que, geralmente, é atribuída apenas às diferenças nos

tratos vocais entre homens e mulheres. No entanto, comparando dados de diversas

línguas sobre a variação fonética entre gêneros diferentes e analisando dados sobre

a aquisição de diferenças fonéticas de gênero, o autor sugere que essas diferenças

entre homens e mulheres não se deve apenas à anatomia diferenciada do trato

vocal, mas também às diferenças entre as línguas. O autor realizou um experimento

de reconhecimento de palavras, no qual foi possível observar que os ouvintes

repetiram/reconheceram as palavras mais rapidamente quando elas eram faladas

por vozes prototípicas de homens ou prototípicas de mulheres, em comparação a

vozes que fugiam do padrão. Segundo o autor, esse dado demonstra que os

ouvintes apresentam uma expectativa a respeito do gênero do falante e que quando

a voz do falante não se encaixa nessa expectativa, ela não é processada tão

rapidamente. Esse conjunto de dados parece evidenciar que o detalhamento

fonético a respeito do gênero do falante é informação linguística relevante para o

6 Variação sociofonética, como já dito anteriormente, diz respeito ao processamento de como a variação linguística é usada para identificar e transmitir informações de pertencimento a diferentes grupos sociais.

II.  O  Conhecimento  Linguístico   37  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

processamento linguístico e não é descartada como sugere o processo de

normalização preconizado por alguns modelos de linguagem.

Outro estudo que traz evidências neste sentido é o de Goldinger et al. (1991),

com uma série de experimentos de reconhecimento de palavras, nos quais a

variabilidade do input ia aumentando em cada teste. Dentre outras coisas, os

autores analisaram a influência da voz do falante no reconhecimento de palavras, e

observaram que quando uma lista de palavras era falada por uma única pessoa,

essa lista era mais facilmente recuperada em comparação a uma lista onde cada

palavra era falada por uma pessoa diferente. Segundo os autores, esse resultado

evidencia que os ouvintes processaram a informação a respeito das diferentes

vozes, sobrecarregando, assim, a memória de curto prazo, tornando mais difícil a

recuperação de tanta informação. Eles ainda mostraram que, depois de treinados e

acostumados com uma determinada voz, os ouvintes reconheciam as palavras de

forma mais acurada se as ouviam faladas pelas vozes com as quais se

acostumaram do que se as ouviam faladas por vozes desconhecidas, evidenciando

novamente o processamento dessa nova informação de forma a aumentar a

demanda da memória de curto prazo.

Outras evidências que corroboram essa proposta, de diferentes níveis/tipos

de conhecimento linguístico organizados em redes de conexões, são estudos

psicolinguísticos que demonstram a existência de alguns fatores estruturais que

interferem no desempenho dos falantes/ouvintes em testes desse tipo. A presença

desse tipo de interferência parece corroborar a ideia dessa organização em redes de

conexão. Tais fatores seriam: frequência de ocorrência, frequência de tipo,

frequência da vizinhança, densidade de vizinhança, configuração fonotática, entre

outras.

Em estudos de julgamento de aceitabilidade de pseudopalavras, por exemplo,

pelo menos dois fatores são levados em consideração: a densidade de vizinhança

lexical e a frequência de tipo das sequências fonotáticas. O primeiro fator diz

respeito à semelhança fonológica de uma pseudopalavra com uma palavra real. Ou

seja, quanto mais vizinhos reais e semelhantes fonologicamente uma pseudopalavra

possuir, mais facilmente ela será aceita como sendo possível na língua. O segundo

fator diz respeito à frequência de ocorrência de cada padrão fonológico existente na

II.  O  Conhecimento  Linguístico   38  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

língua. Ou seja, quanto mais frequente for uma sequência fonológica mais

facilmente aceita será a pseudopalavra que contiver esta sequência.

O estudo de Coleman & Pierrehumbert (1997) trouxe evidências nesse

sentido. Os autores elaboraram pares de pseudopalavras que eram formadas por

sequências que respeitavam (“glislas”) ou não (“mlislas”) os padrões fonotáticos do

Inglês e pediram a 6 sujeitos que fizessem um teste de julgamento de aceitabilidade

com essas pseudopalavras. Os resultados mostraram que, de fato, dois grupos bem

distintos foram estabelecidos: as formas que eram designadas para serem julgadas

como “bad” receberam escores significativamente piores do que aquelas que

deveriam ser julgadas como “good”. No entanto, pseudopalavras formadas com

sequências inexistentes e uma subparte existente (pertencentes ao grupo “bad”)

foram aceitas da mesma maneira que as sequências existentes de baixa frequência

(pertencentes ao grupo “good”) e não completamente rejeitadas, como se poderia

imaginar. Isso ocorreu, provavelmente, porque uma única subparte com

probabilidade de ocorrência igual a zero não é suficiente para eliminar a

possibilidade de existência de uma forma, principalmente se essa subparte estiver

associada à outra subparte com alta frequência de ocorrência, indicando que os

falantes têm uma percepção gradiente dessas relações sobre a frequência de

ocorrência das sequências fonológicas.

Em estudos sobre reconhecimento de palavras, Luce e Pisoni (1998)

demonstraram que quanto mais esparsa a densidade de vizinhança da palavra alvo,

menos competidores lexicais são ativados e, dessa forma, mais rápido é o seu

reconhecimento, enquanto palavras com uma densa vizinhança são reconhecidas

mais lentamente. Vitevitch (2002) observou um processo semelhante ao descrito

acima, analisando um corpus que continha erros de percepção da fala. Esses erros

são conhecidos como “slips of the ear” e foram coletados espontaneamente. Neste

trabalho, o autor encontrou que esses “slips of the ear” – por exemplo, entender

“cadeira” como “madeira” – tendem a acontecer em palavras com densa vizinhança,

novamente sugerindo a múltipla ativação de competidores durante o reconhecimento

da palavra.

Esse mesmo autor ainda cita alguns de seus trabalhos anteriores, nos quais a

realização de diferentes testes – a saber, análise de erros de fala espontâneos e

elicitados, teste nomeação de figuras e “tip-of-the-tongue elicitation task” – também

II.  O  Conhecimento  Linguístico   39  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

levou a resultados que demonstraram a influência da densidade de vizinhança

também na produção de palavras faladas no Inglês. No entanto, na produção de

palavras esse efeito se mostrou invertido, ou seja, palavras com vizinhança densa

foram produzidas com mais rapidez e precisão do que palavras com vizinhança

esparsa, indicando que a similaridade entre as palavras facilita a produção das

mesmas.

Em resumo, são muitos os trabalhos recentes que demonstram a validade dos

MMR, os quais propõem que o conhecimento fonológico representado não seria algo

categórico, invariável e estático, mas sim uma representação probabilística e

dinâmica a respeito de todo o espectro de variações fonéticas existentes no fluxo de

fala, assim como a respeito das relações mais abstratas que podem emergir a partir

daí.

Além disso, existem também trabalhos realizados com crianças que possuem

patologias da linguagem que corroboram estes MMR. No que diz respeito a

patologias que são descritas na literatura como apresentando déficits fonológicos,

pode-se citar três principais, que serão estudadas nesta tese, a saber: (i) dislexia,

que se caracteriza por um transtorno específico de leitura (linguagem escrita) cuja

etiologia preconizada atualmente é de um déficit no processamento fonológico que

impediria a aprendizagem de um segundo sistema linguístico como o da língua

escrita; (ii) desvio fonológico, que se apresenta como um déficit especificamente

fonológico, sendo manifestado também na linguagem oral; e, finalmente, (iii)

distúrbio específico de linguagem, que é uma patologia que se caracteriza por

alterações da linguagem oral principalmente no que diz respeito à organização e

representação fonológica e morfossintática. Sendo assim, no próximo capítulo, cada

uma dessas diferentes patologias serão descritas mais detalhadamente, assim como

as discussões presentes na literatura a respeito dos seus respectivos déficits

fonológicos.

   

III. DISLEXIA, DESVIO FONOLÓGICO E DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM

omo já dito anteriormente, existem algumas patologias da linguagem

que são descritas na literatura por se caracterizarem por déficits

fonológicos. Neste trabalho, serão estudadas três dessas patologias

distintas, a saber: (i) dislexia, (ii) desvio fonológico e (iii) distúrbio

específico de linguagem, com o intuito de refletir sobre a natureza de

tais déficits fonológicos em cada uma delas. Portanto, neste capítulo,

serão apresentadas as diferentes características linguísticas dessas três patologias

estabelecidas pela literatura, assim como as respectivas discussões a respeito de

cada uma delas. Ao final, uma última seção contendo as discussões da literatura

acerca das semelhanças entre os três quadros clínicos será apresentada.

3.1 DISLEXIA

A Dislexia – atualmente chamada dislexia do desenvolvimento (ou no inglês,

developmental dyslexia) – é caracterizada pela literatura como um transtorno

específico de leitura que acomete o percurso natural de aprendizagem da leitura no

desenvolvimento infantil. Essa dificuldade específica para aprender a ler ocorre,

geralmente, na ausência de outras alterações cognitivas e linguísticas (mais

amplas), neurológicas, motoras, ambientais, emocionais, sociais. A criança possui

um desenvolvimento adequado, porém com uma dificuldade específica para ler, que

se manterá ao longo de sua vida, apesar de intervenções adequadas. Como muitas

outras alterações relacionadas à linguagem, é mais comum acometer meninos do

que meninas, sendo a prevalência na população geral estimada em torno de 3 a

10% (Bishop & Snowling, 2004).

Os primeiros relatos a seu respeito começaram a surgir há pouco mais de 100

anos, acompanhando o processo de alfabetização universal que as sociedades

ocidentais passaram a adotar. Em 1896, James Kerr e Pringle Morgan (apud Ellis,

1995) publicaram no British Medical Journal o primeiro relato sistemático dessa

dificuldade de leitura em crianças, empregando o termo “cegueira congênita”. Este

termo foi utilizado em razão de descrições realizadas anteriormente por Hinshelwood

(1895, apud Santos e Navas, 2002) a respeito das dificuldades de leitura

C

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   41  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

apresentadas por um jovem em decorrência de lesão cerebral. Em 1917,

Hinshelwood (apud Shaywitz, 2006), que era um oftalmologista escocês, publicou o

trabalho Congenital Word-blindness, e durante muitos anos a dislexia do

desenvolvimento foi relacionada a deficiências no processamento visual, atraindo a

atenção de muitos outros oftalmologistas (Ellis, 1995; Santos e Navas, 2002;

Shaywitz, 2006). Até meados da década de 1950, o interesse de neurologistas por

esses indivíduos com alterações na leitura também era grande, marcando uma

abordagem hegemonicamente médica para os transtornos da leitura (Salles et al.,

2004).

Já em 1937, com o trabalho de Samuel T. Orton, Reading, Writing and

Speech Problems in Children (apud Santos e Navas, 2002), começou-se a atribuir

déficits psicomotores – como lateralidade, organização espaço-temporal,

motricidade geral e fina – como a causa das dificuldades de leitura. Orton

argumentou que uma falha no desenvolvimento da dominância do hemisfério

esquerdo para a linguagem seria responsável pelos erros de espelhamento e de

sequências das letras observados em indivíduos disléxicos. Esta teoria foi refutada

pelo próprio autor, posteriormente (Nóbrega, 2006), e atualmente, entende-se que

alterações psicomotoras podem estar associadas como co-morbidades, mas não

como fator etiológico da dislexia (Salles et al., 2004).

Foi no final da década de 1960 que os primeiros trabalhos relacionando

déficits fonológicos com os distúrbios de leitura começaram a surgir, dando lugar a

uma abordagem cognitivista (Salles, 2004). Johnson & Myklebust (1967, apud

Santos e Navas, 2002) descreveram dificuldades em certas habilidades fonológicas

presentes em crianças com dislexia auditiva (classificação sugerida por eles), tais

como: perceber similaridades entre sons iniciais e finais das palavras, problemas

para dividir as palavras em sílabas e fonemas, evocar nomes de letras e palavras,

lembrar-se de informações verbais e pronunciar palavras fonologicamente

complexas. A partir de então, diversos outros trabalhos foram publicados

defendendo a hipótese de que os déficits fonológicos são os fatores etiológicos

funcionais da dislexia do desenvolvimento (Liberman et. al., 1974; Bradley & Bryant,

1981; Snowling, 1981; Stanovich & Siegel, 1994; Bowey, 1996; Manis et. al., 1997;

Capovilla e Capovilla, 2000; Rispens, 2004; Desroches et. al., 2005). Atualmente,

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   42  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

esta é a hipótese mais aceita na literatura no que diz respeito à abordagem que

investiga os fatores cognitivos da dislexia.

Ainda mais recentemente, uma abordagem neurobiológica a respeito da

causa da dislexia tem sido difundida, uma vez que, com o avanço da tecnologia,

estudos com neuroimagem funcional têm se tornado cada vez mais comuns. De

acordo com Shaywitz (2006), em um leitor competente, as áreas posteriores do

cérebro (parietotemporal e occipitotemporal) são aquelas mais ativadas durante a

leitura, enquanto que as áreas frontais (giro frontal inferior) são pouco ativadas. No

entanto, o que ocorre com os disléxicos é justamente o contrário: as áreas frontais

encontram-se superativadas, aparentemente, a fim de compensar a subativação das

áreas posteriores. Assim, a autora concluiu que esse padrão apresentado pelos

disléxicos seria uma espécie de “assinatura neural” para as dificuldades fonológicas

que caracterizam a dislexia. Outros trabalhos nessa vertente neurobiológica,

utilizando técnicas neuroanatômicas e citoarquitetônicas, trazem resultados

similares, no entanto, embora haja consenso de que há disfunções cerebrais

subjacentes à dislexia, até o momento não é consagrada na literatura nenhuma

relação de causa-e-efeito entre esses achados neurobiológicos e dislexia (Salles,

2004).

Portanto, no que que diz respeito à etiologia da dislexia, atualmente se

encontra presente na literatura principalmente duas vertentes de investigação: (i) a

dos fatores neurobiológicos, conduzida principalmente por médicos e

neuropsicólogos que se propõem a investigar as disfunções cerebrais que estariam

subjacentes à inabilidade na aprendizagem da linguagem escrita; e (ii) a dos fatores

funcionais, que lida com a caracterização dos déficits cognitivos relacionados aos

processos de leitura e escrita (Salles, 2004). Esta última, tradicionalmente conduzida

pela Psicologia Cognitiva e, recentemente, incorporando trabalhos da

Psicolinguística.

Com relação às classificações, as mais tradicionais se baseiam nas rotas de

leitura preferencialmente utilizadas por cada subtipo de dislexia (Ellis, 1995). De uma

forma geral, há aqueles leitores com dislexia cuja principal dificuldade é com

habilidades fonológicas, prejudicando a utilização da rota fonológica de leitura; este

perfil é posto em oposição àquele cujos leitores possuem dificuldades de

processamento visual, e consequentemente, com a rota lexical de leitura; há ainda

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   43  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

descrito um terceiro perfil cujas dificuldades englobariam tanto habilidades auditivas

como visuais, sendo este o grupo mais comprometido.

No entanto, alguns autores (Stanovich, Siegel e Gottardo, 1997; Manis et. al,

1996) argumentam que a dislexia relacionada com o processamento da rota lexical

estaria muito mais próxima de um atraso no desenvolvimento da leitura do que de

um distúrbio propriamente dito, uma vez que, quando comparadas a crianças com

mesmo nível de leitura, as crianças do grupo de dislexia visual (ou de superfície)

apresentam desempenho bastante semelhante em outras medidas, enquanto que os

de dislexia fonológica evidenciam várias diferenças significativas. Os autores ainda

acrescentam que poderia ser a falta de exposição à linguagem escrita o fator causal

do aparecimento da dislexia visual e que, ao invés de pensar que essas crianças

possuem um mecanismo lexical de reconhecimento de palavras alterado, deve-se

pensar que elas não possuem a forma lexical das palavras escritas, que é

normalmente adquirido pelo ato de ler. Nesse sentido, nesta tese, serão estudadas

crianças com dislexia fonológica do desenvolvimento.

Importante também é diferenciar a dislexia, também chamada de distúrbio

específico de leitura, com outras dificuldades que as crianças possam vir a

apresentar em seus processos de alfabetização e que culminem também no

fracasso da aprendizagem da leitura. Isso diz respeito a fatores ambientais, sociais,

emocionais, ou ainda a dificuldades linguísticas mais amplas, que extrapolem a

dimensão fonológica da linguagem. A dislexia é, portanto, um transtorno que

acomete especificamente habilidades fonológicas que permitirão à criança a

aprender a ler e a escrever.

Atualmente, uma definição bem conhecida e difundida a respeito da dislexia é

a do Orton Dyslexia Society Research Committee (www.interdys.org), que determina

que a dislexia é um distúrbio específico da linguagem de origem constitucional,

caracterizada por dificuldades na decodificação grafo-fonológica de palavras

isoladas, causada por uma ineficiência no processamento da informação fonológica.

Tais dificuldades na decodificação de palavras são, geralmente, inesperadas em

relação à idade e às outras habilidades cognitivas e acadêmicas; elas não são

resultado de um distúrbio geral do desenvolvimento ou de qualquer impedimento

sensorial.

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   44  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Apesar dessa definição se pautar no processamento da informação

fonológica, na literatura em geral, parece não haver clareza com relação à natureza

desse déficit fonológico. Alguns autores acreditam que o déficit é decorrente de

representações fonológicas alteradas, como Santos e Navas (2002), que após

extenso levantamento bibliográfico, concluem que “a dificuldade de estabelecimento

de representações fonológicas de boa qualidade é a principal causa dos déficits de

processamento fonológico encontrados nos disléxicos”. E também Fowlert &

Swainson (2004) que demonstraram que “a imprecisão no conhecimento fonológico,

especialmente sobre palavras longas, contribui para as dificuldades tanto na leitura

como na nomeação de figuras apresentadas pelas crianças disléxicas”.

Outros defendem que a questão é de processamento fonológico, como Siegel

(1993) que afirmou, a partir de testes de leitura, spelling e QI, que as habilidades de

processamento fonológico estão largamente relacionadas com as habilidades de

leitura, sendo este o principal déficit das crianças com dislexia. Manis et. al. (1997)

também defendem a hipótese do processamento a partir dos resultados obtidos na

aplicação de testes de consciência fonológica e identificação de fonemas em

crianças disléxicas, em crianças da mesma idade cronológica e em crianças com

mesmo nível de leitura. Os autores afirmam que o desempenho das crianças

disléxicas foi pior do que o desempenho das crianças com mesma idade

cronológica, mas não diferenciou das crianças com mesmo nível de leitura, e assim,

concluíram que os disléxicos podem possuir um déficit perceptual que estaria

interferindo no processamento da informação fonológica, apesar do fato de que esse

déficit perceptual provavelmente possa afetar também a representação fonológica.

Outros não definem exatamente como é essa dicotomia entre representação

e acesso, como Snowling (1981), que demonstrou que disléxicos são afetados pela

complexidade fonológica do estímulo, tanto num teste de leitura de pseudopalavras

como num teste de repetição de palavras reais e pseudopalavras. A autora conclui

que esses resultados sugerem um déficit fonêmico, e não explicita nada em relação

à representação e/ou ao acesso às informações fonológicas. E em um trabalho mais

recente, Bishop e Snowling (2004) afirmam ser crescente o número de estudos

apontando que “a maioria das crianças com dislexia tem maiores dificuldades no

processamento fonológico, ou seja, categorizar os sons da fala e relacioná-los à

ortografia” (pp. 858). E também Stanovich & Siegel (1994), que após realizarem

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   45  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

teste de leitura e repetição de pseudopalavras, e diferentes tarefas de consciência

fonológica, concluíram que o déficit que prejudica o reconhecimento da palavra na

leitura de pessoas com dislexia reside no domínio fonológico, porém não

especificam a natureza desse domínio.

Ainda há aqueles que delegam toda a natureza do déficit encontrado nos

disléxicos à consciência fonológica, como Rispens (2004) que afirma que crianças

disléxicas têm dificuldades na consciência fonológica, e conclui que essa dificuldade

pode indicar que dislexia tem relação com a qualidade das representações

fonológicas estabelecidas por elas. Enquanto outros preconizam uma alteração no

processamento de forma mais geral, resultando em diferentes manifestações, como

dificuldades na consciência fonológica, em nomeação, em memória fonológica, na

repetição de não-palavras, na percepção e discriminação de fonemas (Morton e

Frith, 1995; Bowey et. al., 2005).

De uma maneira geral, parece que mesmo sem definir exatamente a questão

representação/processamento, a grande maioria dos trabalhos atribui todas essas

diferentes manifestações (dificuldade em consciência fonológica, nomeação,

memória fonológica, etc...) a um déficit fonológico apresentado pelos disléxicos. Em

função disso, Esteves (2009) estudou a representação do conhecimento fonológico

e o acesso à tais informações fonológicas no léxico mental em crianças com dislexia

a partir de um teste de nomeação de figuras. Em tal dissertação, concluiu-se que a

dificuldade dos disléxicos parece residir muito mais no acesso à forma fonológica da

palavra no léxico, ou seja no processamento fonológico, do que na sua

representação propriamente dita. Essa conclusão se deve ao fato de que as

crianças disléxicas apresentaram escores compatíveis com a idade em medidas de

vocabulário, contudo, mostraram dificuldades no acesso às palavras no teste de

nomeação de figuras. Neste trabalho, verificou-se também que o teste de nomeação

de figuras foi importante para estudar o acesso lexical, mas não tão adequado para

averiguar a representação do conhecimento fonológico. Em função disso, nesta

tese, dentre outras coisas, se dará também a continuidade desse projeto de

mestrado, a partir de um teste de repetição de pseudopalavras, que será explicado

posteriormente.

Portanto, de forma resumida, o que se entende por dislexia atualmente é que

se trata de um transtorno específico de leitura, que se apresenta na ausência de

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   46  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

quaisquer fatores orgânicos, neurológicos, cognitivo-linguísticos gerais, emocionais,

sociais ou motores. A etiologia orgânica ainda não foi definida, apesar dos estudos

apostarem em determinadas disfunções neurofisiológicas e neuroanatômicas

determinadas geneticamente, que acarretam em dificuldades no processamento (ou

representação) fonológico. Não são descritos déficits linguísticos mais amplos, como

lexicais, sintáticos, entre outros. Somente as dificuldades fonológicas, que são

evidenciadas por diversas inabilidades, como: dificuldades de decisão lexical

auditiva (Esteves e Maia, no prelo) dificuldades de repetição de pseudopalavras (de

Bree et al., 2007); dificuldades de nomeação automatizada rápida (Wolf & Bowers,

1999) e nomeação de figuras (Esteves, 2009); dificuldades de consciência

fonológica (Rispens, 2004), dentre outros.

3.2 DESVIO FONOLÓGICO

O segundo transtorno da linguagem estudado nesta tese é o Desvio

Fonológico (ou Distúrbio Fonológico) – em inglês, phonological disorder (ou

phonological impairment) – caracterizado atualmente como um comprometimento da

linguagem oral, que se manifesta na forma de alterações fonológicas na fala não

mais esperadas para a faixa etária. As alterações encontradas nessas crianças não

são, geralmente, persistentes e com intervenção adequada é possível que elas

atinjam produções semelhantes ou iguais aos alvos dos adultos (dessa forma, o

termo “distúrbio” não é tão adequado para nomear esse quadro clínico). Assim como

nos casos de dislexia, as crianças com desvio fonológico também não apresentam

nenhuma alteração neurológica, motora, auditiva, nenhum comprometimento

intelectual ou social ou qualquer síndrome de base que possa justificar o déficit

fonológico. Não é descrito na literatura nenhuma alteração morfossintática, lexical ou

pragmática, tanto de produção como de compreensão (Mota, 2001). A única

característica que marca esta patologia é a fala ininteligível em função de todas as

alterações fonológicas, que podem aparecer na forma de omissões, acréscimos,

substituições, distorções, tanto no que diz respeito à estrutura fonêmica quanto à

estrutura silábica (Mota, 2001). É como se a fala das crianças com desvio fonológico

se assemelhasse à de crianças mais novas, havendo, no entanto, discrepância entre

as habilidades fonológicas e outros domínios da linguagem. Estima-se sua

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   47  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

prevalência em torno de 4% na população de 6 anos de idade, também acometendo

mais meninos do que meninas (Munson, 2010).

O desvio fonológico teve, nos seus primórdios, uma abordagem estritamente

articulatória. Os termos “desordem articulatória funcional”, “dislalia funcional” ou

“distúrbio articulatório” eram empregados pelos terapeutas da fala (ou

fonoaudiólogos 7 ) para designar todas as dificuldades de crianças que não

conseguiam “aprender” corretamente os sons da língua. Os estudos da época a

esse respeito consideravam que as limitações motoras e perceptuais eram a causa

do problema, que acarretavam em gestos articulatórios imprecisos e persistentes

(Mota, 2001). Nesse sentido, a terapia para tais distúrbios articulatórios consistia em

avaliar quais sons a criança não conseguia produzir, para então, ensinar o gesto

motor para a produção do som, um a um, de forma isolada, uma vez que os erros

eram considerados assistemáticos e sem relação uns com os outros. Ou seja, tanto

a avaliação quanto a terapia se centravam nos aspectos mecânicos da pronúncia

dos sons da fala.

Somente em meados da década de 1970, é que começaram a surgir os

primeiros trabalhos demonstrando que, apesar de não ocorrer da forma esperada

para a faixa etária, a aquisição do sistema fonológico de crianças com a fala

ininteligível parecia seguir uma organização e sistematização equivalentes ao de

uma criança com desenvolvimento típico. Ou seja, embora menor, o inventário de

sons dessas crianças representava uma aquisição ordenada (Mota, 2001). E ainda,

caso fosse somente uma questão de articulação, seria mais provável encontrar, na

fala dessas crianças, mais distorções e imprecisões articulatórias do que omissões e

substituições, quando na realidade, o padrão que se encontra é o inverso (Leonard,

1995).

Sendo assim, com a ascensão dos estudos da área da Linguística, os

terapeutas da fala começaram a compreender tais patologias através do viés da

fonologia e, sendo assim, a avaliação e a terapia passaram a ter um novo enfoque a

partir de modelos linguísticos. O trabalho que marcou essa diferença foi o de Ingram

(1976), no qual o autor sugeriu uma interpretação dos transtornos da articulação

como transtornos que comprometiam o nível da organização mental do sistema de 7 O termo “terapeutas da fala ou da linguagem” é usado, ainda hoje, principalmente, em países europeus. No Brasil, este termo era usado antigamente, sendo sinônimo de “logoterapeutas”, profissão que mais tarde veio a ser regulamentada como Fonoaudiologia.

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   48  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

sons da fala. E, atualmente, há um consenso geral na literatura, de que essas

dificuldades tenham, em sua etiologia funcional, alguma alteração no domínio

fonológico da linguagem. Por isso, novos termos surgiram para designar tal

patologia que passou a ser considerada como uma patologia da linguagem: “desvio

fonológico”, “distúrbio fonológico”, “desordem fonológica” ou “inabilidade fonológica”.

A etiologia orgânica ainda é desconhecida.

Importante salientar que o desvio fonológico, tal como é entendido

atualmente, se diferencia do distúrbio articulatório puro, no qual são encontradas

somente distorções e imprecisões articulatórias em função de alguma alteração

orgânica nos órgãos fonoarticulatórios – embora compreenda-se que mesmo tais

distúrbios articulatórios de natureza orgânica também podem acabar por acarretar

em alguma alteração fonológica leve (Mota, 2001).

De acordo com Wertzner (2004), existem descritas na literatura diferentes

tentativas de classificação para o desvio fonológico, no entanto, nenhuma delas é

utilizada em ampla escala, com total consenso na literatura. De acordo com a

autora, isso se deve ao fato da grande variabilidade de fatores que caracterizam o

desvio fonológico, como a descrição da fonologia das crianças e a sua interação

com outros domínios linguísticos, a severidade do distúrbio, o comprometimento da

inteligibilidade da fala, a sua causa.

Assim, de acordo com as causas do desvio fonológico, Shriberg e

Kwiatkowski (1982) propuseram 5 subtipos: (i) com comprometimento genético; (ii)

com otite média de repetição (que pode levar a perda auditiva leve); (iii)

acompanhado de dispraxia verbal; (iv) com alterações psicossociais. No entanto,

essa classificação pode ser questionada em termos do que se considera atualmente

como critérios de inclusão no diagnóstico de desvio fonológico, como: audição

normal, inexistência de anormalidade anatômicas e/ou fisiológicas, ausência de

disfunção neurológica e/ou psicossocial relevante, capacidades intelectuais

adequadas para a faixa etária e linguagem expressiva, vocabulário e extensão

média do enunciado também adequados (Wertzner, 2004).

Já no que diz respeito às características linguísticas da criança, Ingram (1976)

propõe três subtipos de desvio fonológico: (i) atraso: a criança possui somente um

atraso na aquisição da fonologia, porém compatível com as etapas do

desenvolvimento típico; (ii) desviante 1: há a presença dos mesmos processos

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   49  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

fonológicos presentes no desenvolvimento típico, porém não respeitando as suas

etapas; (iii) desviante 2: há a presença de processos fonológicos típicos do

desenvolvimento em conjunto com processos fonológicos idiossincráticos. E há

também uma classificação mais atual proposta por Oliveira e Wertzner (2000): (i)

PFD: processos fonológicos do desenvolvimento não mais esperados para a idade;

(ii) PFND: processos fonológicos não observados no desenvolvimento; e (iii)

PFDND: processos mistos, ou seja, processos fonológicos do desenvolvimento não

esperados para a idade e processos fonológicos não observados no

desenvolvimento.

Outros critérios para a classificação dos desvio fonológico seriam os quesitos

inteligibilidade de fala e severidade do distúrbio. O primeiro poderia ser mensurado

através de escalas de porcentagem de palavras inteligíveis, como proposto por

Wertzner (2004), as quais resultam em (i) boa, quando a inteligibilidade está entre

80% e 100%, (ii) regular, quando a média é de 79% a 60%, e (iii) insuficiente, sendo

abaixo de 59%. Já em relação ao grau de severidade, existem trabalhos diferentes

que propõem diversos testes resultantes em medidas de grau de severidade.

Geralmente, são índices calculados em função da acuracidade da palavra nos testes

que resultam em graus do tipo leve, moderado e severo (Wertzner, 2004).

Os principais trabalhos sobre desvio fonológico adotam, histórica e

atualmente, a perspectiva linguística predominante, ou seja, a da fonologia gerativa

clássica e seus desdobramentos, como a fonologia natural, fonologia

autossegmental, fonologia métrica e a teoria da optimalidade (Ingram, 1976; Yavas,

Hernandorena e Lamprecht, 1991; Bernhartd & Stoel-Gammon, 1996; Gierut, 1998;

Mota, 2001; Wertzner, 2004). De uma forma geral, essas teorias de base gerativa

preconizam que a fonologia é adquirida através de processos fonológicos, restrições

ou regras derivacionais que vão guiando a organização do sistema fonológico da

criança. Diz-se que tal sistema fonológico está totalmente organizado quando todos

os traços distintivos da língua são adquiridos, e assim, as distinções de significado

também são possíveis de serem estabelecidas.

Baseados nesta perspectiva, muitos autores definem o desvio fonológico

como uma patologia que afeta a produção e/ou representação mental dos sons da

língua materna e que é manifestado pelo uso inadequado das regras fonológicas

características do sistema usado pelos falantes adultos dessa determinada língua

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   50  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

(Gierut, 1998). Ainda, de acordo com esta visão, existiriam dois componentes de

alteração: (i) fonético, no qual é possível identificar maiores comprometimentos no

nível do planejamento motor da fala; e (ii) fonêmico, que afetaria o modo pelo qual a

informação sonora seria armazenada e representada no léxico mental ou acessada

e recuperada cognitivamente (Wertzner, 2004).

Ainda nessa perspectiva, podem ser encontradas algumas descrições das

diferenças e semelhanças entre crianças com desenvolvimento típico e com desvio

fonológico no que diz respeito a aquisição das classes de fonemas a partir dos

traços distintivos e dos processos fonológicos. Mota (2001), por exemplo, diz que

crianças com desvio fonológico se assemelham a crianças com desenvolvimento

típico no que diz respeito: (i) ao aparecimento de sons e traços distintivos

respeitando o desenvolvimento típico; (ii) aos tipos de processos fonológicos mais

frequentes presentes em ambos os grupos; (iii) à presença de leis implicacionais

semelhantes em ambos os grupos; (iv) à presença de distinções subfonêmicas (ou

contraste encoberto) na fala de ambos os grupos; e (v) à sensibilidade que ambos

os grupos têm à língua ambiente, ou seja, ao fato de que os erros presentes nas

falas de crianças com desenvolvimento típico e com desvio fonológico se baseiam

em sons presentes nas línguas maternas.

A autora relata também algumas diferenças em relação a: (i) vozeamento,

que, segundo a autora, as crianças com desvio fonológico não seriam tão

proficientes na produção de contrastes de vozeamento; (ii) presença de “erros

incomuns” na fala de crianças com desvio fonológico, que a autora descreve como

“sons de aparecimento mais tardios substituindo sons mais iniciais” ou “produção de

consoantes não encontradas na língua ambiente”; (iii) uso assistemático, ou seja, as

crianças com desvio fonológico apresentam maior variabilidade do que crianças com

desenvolvimento típico; (iv) relação fonologia/léxico/memória de trabalho, que

segundo a autora, as crianças com desvio fonológico geralmente apresentam léxicos

iguais ou levemente inferiores aos seus pares cronológicos, apesar das suas

habilidades fonológicas apresentarem-se sensivelmente abaixo do esperado para

idade, com a consequente inabilidade também para a memória de trabalho

fonológica.

Portanto, ao centrarem o déficit das crianças com desvio fonológico na

dificuldade na aquisição dos traços distintivos, as teorias de base gerativa enfatizam

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   51  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

o déficit na organização das regras fonológicas da língua que culminam na

representação das categorias fonológicas, ou seja, da gramática fonológica. No

entanto, trabalhos recentes trouxeram evidências de que talvez o tipo de

conhecimento afetado nas crianças com desvio fonológico não seja esse da

gramática fonológica, mas sim das representações fonéticas paramétricas. Esses

trabalhos analisam as produções das crianças com desvio fonológico sob a ótica dos

Modelos Multirrepresentacionais de linguagem (MMR).

Por exemplo, Beckman et al. (2007) realizaram uma série de testes em

crianças diagnosticadas com distúrbio específico de linguagem e com desvio

fonológico e em crianças mais novas e com a mesma idade que as populações

clínicas – populações com desenvolvimento típico. Os testes visavam avaliar os

diferentes níveis de representação fonológica em cada população diferente. Os

resultados mostraram que, para o teste de repetição de pseudopalavras, as crianças

com desvio fonológico não apresentaram discrepância em relação às crianças com

desenvolvimento típico no efeito de probabilidade fonotática – ao contrário do que

aconteceu com as crianças com distúrbio específico de linguagem – e em um teste

que mensurava a acuidade perceptual auditiva, elas apresentaram um desempenho

semelhante ao da população mais nova com desenvolvimento típico e

significativamente pior do que o desempenho da população mais velha também com

desenvolvimento típico. Isso evidenciou que as crianças com desvio fonológico

possuem representações menos robustas da codificação perceptual do sinal

acústico de fala, e consequentemente, dos gestos articulatórios, e com significativo

atraso em relação às crianças da mesma idade com desenvolvimento típico, mas

apontam para uma preservação das informações fonológicas mais abstratas. A

“produção de consoantes não encontradas na língua ambiente”, tal como descrita

por Mota (2001) pode ser entendida como um resultado dessa dificuldade com a

codificação perceptual do sinal acústico de fala.

Munson et al. (2005a), ao falarem dos tipos de conhecimento afetados nas

crianças com desvio fonológico, reúnem trabalhos que evidenciam as dificuldades

com o conhecimento perceptual e articulatório – por exemplo, discriminar os sons

iniciais /s/ e /ʃ/ nas palavras ou apresentar gestos motores indiferenciados para

diferentes plosivas como /t/ e /k/ – assim como dificuldades com o conhecimento

sobre as variações sociofonéticas da língua. No entanto, segundo os autores,

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   52  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

também não há nenhuma evidência de que crianças com desvio fonológico possuam

dificuldades com as categorias fonológicas mais abstratas. Essa conclusão foi tirada

a partir dos resultados de diferentes testes padronizados, que visam medir tamanho

de vocabulário, conhecimento perceptual e articulatório, além do teste de repetição

de pseudopalavras, utilizado em Edwards et al. (2004). Os resultados mostraram

que as crianças com desvio fonológico obtiveram desempenho pior do que as

crianças com desenvolvimento típico no teste de repetição de palavras em função da

sua fala menos acurada, no entanto, o efeito da frequência de ocorrência das

sequências de fonemas foi o mesmo para ambos os grupos. Além disso, foi possível

estabelecer a influência do tamanho do vocabulário no efeito de frequência de

ocorrência das sequências de fonemas – quanto maior o vocabulário, menor o efeito

– e dissociar as medidas de conhecimento perceptual e articulatório desse efeito de

frequência.

Posteriormente, Munson et al. (2010) descrevem três experimentos distintos

elaborados com o intuito de avaliar os diferentes tipos de conhecimento fonológico

de crianças com desvio fonológico em comparação com seus pares cronológicos.

Eles encontraram que as crianças com desvio fonológico não se diferenciaram das

crianças com desenvolvimento típico em termos da velocidade de acesso lexical e

da capacidade de codificação fonológica, no entanto, se mostraram com habilidades

reduzidas para aprender as representações perceptuais de novas palavras. Ou seja,

as dificuldades das crianças com desvio fonológico parecem se centrar muito mais

nas representações paramétricas do que nas informações abstratas da gramática

fonológica.

Ainda, Giacchini et al. (2011), traz evidências de que algumas crianças com

desvio fonológico realizam, em suas falas, contrastes que, apesar de não serem

perceptíveis a “ouvido nu”, podem ser detectados através de análise acústica – são

os chamados contrastes encobertos. As autoras analisam esta evidência de acordo

com a perspectiva gerativista, afirmando que tais crianças possuiriam, em sua

estrutura fonológica subjacente, a forma sonora do alvo, mas não conseguiriam

produzi-la na fala. No entanto, é possível também analisar tal evidência sob a luz

dos MMR. De acordo com tal teoria, o contraste encoberto evidenciaria que as

crianças de fato possuem as habilidades de categorizar estruturas fonológicas

abstratas a partir de seu léxico, que parece permanecer de acordo com o esperado

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   53  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

para a faixa etária. No entanto, elas possuem dificuldades com a precisão das

características acústicas dos sons das palavras, acarretando em gestos motores

diferenciados.

Em suma, o que se tem na literatura atual a respeito do desvio fonológico é

que o mesmo se caracteriza por uma dificuldade específica na produção da fala e,

tal como na dislexia, se apresenta na ausência de quaisquer fatores orgânicos,

neurológicos, cognitivo-linguístico gerais, emocionais, sociais, motores. Sua etiologia

orgânica também é desconhecida ainda e o que se tem são as evidências de

alterações fonológicas expressas na fala. Não são relatadas outras dificuldades

linguísticas mais amplas. No entanto, ainda se coloca como uma questão para a

literatura qual(is) tipo(s) de conhecimento fonológico estaria(m) afetado(s) nessas

crianças: as representações da gramática fonológica ou das informações

paramétricas finas.

3.3 DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM

O terceiro e último transtorno de linguagem estudado nesta tese é o Distúrbio

Específico de Linguagem – em inglês, specific language impairment. Tal patologia se

caracteriza pela presença de alterações linguísticas (fonológicas, semânticas,

sintáticas e narrativas, em sua maioria), na ausência de qualquer outro transtorno

que justifique tal dificuldade. Assim como na dislexia e no desvio fonológico, de uma

forma geral, é consenso entre pesquisadores que a dificuldade no desenvolvimento

das habilidades linguísticas apresentadas por crianças com distúrbio específico de

linguagem se dá na ausência de deficiências auditivas e/ou mentais, alterações

neurológicas, comprometimentos motores, distúrbios globais do desenvolvimento,

danos cerebrais adquiridos, inadequações sociais ou qualquer distúrbio do

comportamento e emocional significativos. Ou seja, a única manifestação aparente

se concentra no distúrbio de linguagem sendo a etiologia também não definida.

Alguns estudos de neuroimagem parecem apontar para uma influência genética

neste distúrbio, em função das diferenças neuroanatômicas e neurofuncionais

encontradas nas crianças com distúrbio específico de linguagem, no entanto, estes

achados ainda não são conclusivos para serem identificados como possível etiologia

(Hage, 2001; Bishop, 2006). De acordo com Bishop & Snowling (2004), a taxa de

prevalência desse distúrbio na população em geral gira em torno de 3 a 10% – taxas

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   54  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

similares às de dislexia – acometendo mais meninos do que meninas, como a

maioria dos transtornos de linguagem.

O distúrbio específico de linguagem têm sido estudado tradicionalmente por

terapeutas da fala e da linguagem (ou fonoaudiólogos, no Brasil) (Bishop &

Snowling, 2004), embora desperte o interesse de uma gama variável de

profissionais como psicólogos, linguistas, pediatras, neurologistas (Law, 2001). Os

primeiros estudos sobre distúrbio específico de linguagem foram realizados pelo

Instituto da Criança Afásica, nos Estados Unidos, por volta da década de 1960 (Befi-

Lopes, 2004), coincidindo com a época em que os estudos da Linguística passaram

a fazer parte do arcabouço teórico da Fonoaudiologia. O Instituto da Criança Afásica

definiu o distúrbio específico de linguagem como um retardo na aquisição da

linguagem, ocorrendo na presença de funcionamento intelectual, socioeconômico e

auditivos normais (Befi-Lopes, 2004). O instituto utilizava termos como “afasia

desenvolvimental”, “afasia congênita” ou “disfasia” que foram, durante muito tempo,

utilizados para se referir ao distúrbio específico de linguagem. No entanto, com a

evolução do conhecimento, observou-se que o termo “afasia” – designação para

quadros nos quais há perda das habilidades linguísticas após o processo de

desenvolvimento de linguagem já ter sido completado – não poderia ser adequado

para um quadro que não é adquirido, mas sim, que possui um caráter congênito.

Dessa forma, termos como “distúrbio grave da expressão verbal”, “transtorno da

linguagem expressiva” passaram a ser utilizados, também em função da

nomenclatura dos manuais diagnósticos.

Contudo, a expressão que melhor caracteriza essa patologia é “Distúrbio

Específico de Linguagem”, uma vez que “distúrbio” traz a ideia de ter um caráter

persistente, ou seja, o indivíduo com distúrbio específico de linguagem levará

marcas da patologia ao longo de sua vida, mesmo com intervenção adequada; e

“específico” pois expressa o carácter de uma certa independência, ou pelo menos,

discrepância entre as demais habilidades cognitivas (Grivol, 2011).

A proposta mais conhecida de classificação do distúrbio específico de

linguagem é a de Rappin e Allen (1988), que, tomando por base a alteração de

níveis linguísticos e suas interfaces, subdividiram o distúrbio em 3 subgrupos: (i)

distúrbio expressivo (que engloba o distúrbio da programação fonológica e a

dispraxia verbal); (ii) distúrbio expressivo e de compreensão (que envolve o distúrbio

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   55  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

fonológico-sintático e a agnosia auditivo-verbal); e (iii) o distúrbio do processo de

formulação central (que inclui o distúrbio léxico-semântico e o distúrbio semântico-

pragmático. A seguir, uma breve descrição de cada um deles:

• Distúrbio de programação fonológica: Compreensão normal ou próxima do

normal; o aparecimento da fala é normal ou com leve atraso; a estrutura dos

enunciados é compatível com a faixa etária; a fala é ininteligível devido as alterações

fonológicas, fluência preservada.

• Dispraxia verbal: Compreensão normal ou próxima do normal; linguagem

oral se manifestando com atraso; o enunciado de restringe a uma ou duas palavras;

a fluência pode estar comprometida.

• Distúrbio fonológico-sintático: compreensão prejudicada quando o enunciado

é longo ou emitido com rapidez; linguagem oral se manifesta com atraso; alterações

de morfossintaxe (frases simples, telegráficas, erros de flexão verbal e nominal;

dificuldade de organização sintática; presença de varias alterações fonológicas.

• Agnosia verbal auditiva: compreensão da linguagem oral muito prejudicada

ou ausente, estando normal a compreensão de gestos; fala ausente ou muito restrita

(apenas palavras isoladas com articulação prejudicada).

• Distúrbio léxico-sintático: dificuldade de evocação e fixação do léxico; podem

ocorrer alterações fonológicas, mas sem afetar a inteligibilidade da fala; fluência

pode estar prejudica devido às dificuldades de evocação lexical; alteração na

compreensão de frases; dificuldade de manter a sequência dos elementos na frase

ou de usar palavras com sentido gramatical.

• Distúrbio semântico-pragmático: o aparecimento da fala pode estar normal;

enunciados e articulação desenvolvem-se normalmente ou com ligeiras dificuldades;

fala fluente; as dificuldades estão relacionadas ao nível pragmático (inadequação da

linguagem ao contexto, coerência temática instável, ecolalias; dificuldade na

compreensão de enunciados longos e entendimento literal da palavra exagerado).

Embora essa classificação seja utilizada até hoje, na prática clínica observa-

se que os subtipos mais prevalentes são o “fonológico-sintático” e o “léxico-

sintático”, assim como a mistura entre eles, ou seja, crianças que apresentam

déficits sintáticos, fonológicos e lexicais (Befi-Lopes, 2009). Atualmente, os manuais

diagnósticos disponíveis classificam as alterações de linguagem como “puramente

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   56  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

expressivas” ou “mistas” (com compreensão e expressão comprometidas) (Befi-

Lopes et al., 2012).

De uma forma geral, dentre as características linguísticas mais comumente

descritas, encontram-se alterações fonológicas, que tornam a fala ininteligível;

vocabulário restrito, com uso demasiado de dêiticos e gestos representativos,

dificuldade em adquirir novas palavras; estrutura frasal simplificada, com pouca

variação e, em alguns casos, com ordenação de palavras não usual; e dificuldades

de compreensão de sentenças (Hage e Guerreiro, 2004).

Especificamente no tocante às alterações morfossintáticas, estas têm sido

descritas pela literatura como o maior marcador clínico para o distúrbio específico de

linguagem. São descritas alterações na produção morfológica, na utilização

quantitativa e qualitativa de substantivos, verbos e adjetivos, usos inadequados de

pronomes, conjunções e preposições, medidas de extensão média de enunciados

reduzidas (Befi-Lopes, 2004). Araújo (2007) realiza um amplo levantamento

bibliográfico a respeito dessas alterações e aponta para a utilização de estruturas

frasais mais curtas e com menor complexidade, uso limitado de estruturas de

subordinação e omissão ou uso inadequado de elementos gramaticais obrigatórios e

funcionais.

Com relação às habilidades semântico-lexicais, Grivol (2011) descreve uma

série de trabalhos que apontam para as dificuldades neste domínio linguístico em

crianças com distúrbio específico de linguagem. Segundo a autora, essas

dificuldades se expressam, principalmente, em termos de conhecimentos

semânticos limitados a respeito das palavras, dificuldades na organização

semântico-lexical, dificuldades na recuperação das palavras no léxico, dificuldade na

aprendizagem de novas palavras, acarretando em vocabulário empobrecido,

diferenças em relação aos seus pares cronológicos tanto de vocabulário expressivo

como receptivo – embora haja a mesma diferença entre expressão e recepção que

há em crianças com desenvolvimento típico. Araújo (2007) também demonstra que

as crianças com distúrbio específico de linguagem apresentam atraso de,

aproximadamente, 1 ano para o aparecimento das primeiras palavras, falham na

grande expansão vocabular que ocorre, geralmente, entre os 18 e 24 meses de

idade, demonstram dificuldades em adquirir determinados conceitos, principalmente,

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   57  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

aqueles mais abstratos e figurativos, e apresentam limitações ao combinar os

significado das palavras para formar sentenças.

Ainda, são descritas na literatura alterações fonológicas que tornam a fala de

crianças com distúrbio específico de linguagem altamente ininteligível. De acordo

com Befi-Lopes (2004), crianças com tal patologia apresentam alterações referentes

às vogais e à omissão frequente das consoantes iniciais; dificuldades na percepção

de unidades subsilábicas e na representação de estruturas silábicas complexas;

utilização de processos fonológicos idiossincráticos de maneira predominante em

comparação àqueles presentes no desenvolvimento, além da ocorrência de um alto

índice de segmentos ininteligíveis, substituições e omissões em geral. A autora

ainda ressalta que essas alterações fonológicas parecem resultar de alterações

específicas e não como consequência de um simples retardo no desenvolvimento.

Em trabalho posterior, Befi-Lopes et al. (2010) concluíram, a partir de um teste de

decisão lexical auditivo, que as crianças com distúrbio específico de linguagem

apresentaram déficits na representação fonológica em função de diferenças na

formação e retenção das representações fonológicas na memória de trabalho,

discriminação auditiva e planejamento e execução motoras.

E, de fato, diversos trabalhos têm tentado demonstrar relações entre as

dificuldades fonológicas e lexicais e dificuldades na memória de trabalho de crianças

com distúrbio específico de linguagem (Gathercole e Baddeley, 1989; McGregor et

al., 2002; Gathercole, 2006; de Bree et al., 2007; Hoff et al., 2008). Tal dificuldade na

memória de trabalho é, geralmente, evidenciada a partir de testes de repetição de

pseudopalavras, nos quais crianças com distúrbio específico de linguagem não

apresentam desempenho favorável, sendo inclusive, tal desempenho ruim um

preditor para o diagnóstico dessa patologia (de Bree et al., 2007). No entanto, a

definição de qual tipo de habilidade de fato estaria exercendo alguma influência na

tarefa de repetição de pseudopalavras não é bem estabelecido.

Por exemplo, Gathercole (2006) apresenta um quadro teórico para explicar a

relação entre repetição de pseudopalavras e aprendizagem de novas palavras,

concluindo que ambos os processos se baseiam centralmente no armazenamento

fonológico temporário, e que um déficit nesta memória de trabalho poderia ocasionar

uma dificuldade tanto na repetição de pseudopalavras como na aprendizagem de

novas palavras. Ou seja, baseando-se nesta hipótese da memória de trabalho,

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   58  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

entende-se um vocabulário empobrecido como uma consequência da dificuldade de

repetição de pseudopalavras (daí a ideia de este ser um fator diagnóstico para casos

de distúrbio específico de linguagem). No entanto, a autora, neste mesmo trabalho,

também coloca que apenas um déficit de memória de trabalho pode não ser

suficiente para explicar as dificuldades encontradas em crianças com distúrbio

específico de linguagem. Archibald e Gathercole (2007) corroboram esta última

afirmação, ao investigarem o papel da memória de trabalho fonológica na repetição

de pseudopalavras em crianças com distúrbio específico de linguagem a partir da

comparação de dois testes: memória sequencial auditiva e repetição de

pseudopalavras. Os resultados mostraram que a dificuldade na repetição de

pseudopalavras persistiu mesmo quando as medidas de memória foram controladas

e, assim, mais uma vez, os autores concluíram que essa dificuldade das crianças

com distúrbio específico de linguagem não se deve apenas à memória de trabalho

fonológica.

Ainda, Archibald e Gathercole (2006) já haviam comparado dois testes de

repetição de pseudopalavras amplamente utilizados na literatura de estudos da

língua inglesa, Children´s Test of Nonword Repetition (CNRep) e Nonword

Repetition Test (NRT). A diferença entre esses dois testes encontra-se na

composição dos itens utilizados como estímulos para as tarefas. No CNRep, as

pseudopalavras são compostas por 2 a 5 sílabas, alguns itens possuem onsets

complexos e muitos itens possuem palavras ou morfemas como subpartes da

pseudopalavra. Ou seja, além da memória, esse teste exige controle motor para

produção dos onsets complexos e a tarefa pode ser facilitada pelo léxico e suas

relações morfofonológicas, em função da semelhança entre a pseudopalavra e

palavras reais. Já no NRT, o comprimento dos itens varia de 2 a 4 sílabas, todos

eles são formados por sílabas CV e nenhuma das pseudopalavras possui sílabas

correspondentes a itens lexicais reais. Os autores aplicaram esses testes em

crianças com distúrbio específico de linguagem e em dois grupos controles, um de

pares com mesma idade cronológica e outro com pares de mesma habilidade

linguística. Os resultados mostraram que, em todos os grupos, os escores médios

foram melhores para o CNRep do que para NRT, evidenciando talvez que a tarefa

tenha sido mediada pelo léxico, em função do grau de semelhança entre as

pseudopalavras e as palavras reais da língua, e não só pela memória de trabalho.

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   59  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Além disso, os autores encontraram também que as crianças com distúrbio

específico de linguagem obtiveram um desempenho significativamente pior em

ambos os testes, quando comparadas às crianças com mesma idade cronológica

(que possuem abstrações fonológicas e lexicais mais robustas) mas em relação às

crianças com mesmo desempenho linguístico, porém mais novas (que, a princípio,

deveriam ter tamanho de léxico e representações das informações fonológicas

abstratas equivalentes) as crianças com distúrbio específico de linguagem só

tiveram pior desempenho no CNRep, teste que é altamente mediado pelo léxico, e

não no NRT. Esta última evidencia, pode indicar que crianças com distúrbio

específico de linguagem possuem uma dificuldade em organizar as informações de

seus léxicos para generalizar e categorizar as informações fonológicas abstratas a

partir deles.

Parece, assim, que a hipótese da memória de trabalho como único fator

central para a repetição de pseudopalavra não é sustentada por completo. Além

disso, se analisamos esses resultados a partir das explicações dos MMR de

linguagem, podemos chegar a conclusões adicionais. Como já visto, para esses

modelos, as informações fonológicas abstratas emergem a partir das relações que

vão se estabelecendo entre as palavras no léxico, e quanto maior este léxico, mais

robustas as representações fonológicas; dessa forma, uma dificuldade em repetir

pseudopalavras é interpretada nesses modelos muito mais como uma consequência

de um vocabulário empobrecido do que como um fator causal (como o é na hipótese

da memória de trabalho).

Nesse sentido, Munson et al. (2005a) investigaram a influência do tamanho

do vocabulário, da probabilidade fonotática e do grau de semelhança entre

pseudopalavras e palavras reais na repetição de pseudopalavras em crianças com

distúrbio específico de linguagem e em seus pares de idade cronológica e de

desempenho linguístico. Eles observaram que em todos os grupos a probabilidade

fonotática afetou a acuracidade de repetição dos itens – ou seja, itens com

sequências de fonemas mais frequentes foram repetidos com mais acuracidade do

que sequências de fonemas menos frequentes. No entanto, no grupo de crianças

com distúrbio específico de linguagem e no grupo controle para desempenho

linguístico, cujos tamanhos de léxicos eram menores, esse efeito foi muito mais

significativo do que no grupo controle de idade cronológica, que possuíam léxicos

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   60  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

mais robustos. Ainda, as medidas de vocabulário foram melhores preditores para o

efeito de probabilidade fonotática, mesmo quando as idades foram controladas e

que esse efeito foi independente do grau de semelhança dos itens do teste. Os

autores concluem que o tamanho do vocabulário é um preditor para a influência da

probabilidade fonotática na repetição de pseudopalavras, talvez em função da sua

influência no refinamento contínuo das categorias fonológicas.

Outro trabalho que corrobora esta hipótese do léxico mental é de Frisch et. al.

(2000). Os autores estudaram os efeitos de comprimento do item e de probabilidade

de ocorrência dos segmentos na língua em relação ao processamento das

pseudopalavras. Os autores pediram aos participantes para classificarem os itens de

acordo com a semelhança entre as pseudopalavras e palavras reais. Eles

encontraram que os itens que obtiveram maior índice de grau de semelhança foram

aqueles cujos segmentos que os compunham tinham maior probabilidade de

ocorrência na língua e cujo número de sílabas era menor. Ainda, os autores

observaram também que os itens cujos índices de grau de semelhança eram altos

propiciaram um melhor desempenho em um outro teste de reconhecimento. Os

autores concluíram que os padrões lexicais dão suporte a uma competência

fonológica emergente que é utilizada no processamento de pseudopalavras. Ou

seja, o conhecimento fonológico do falante que, de acordo com os MMR de

linguagem, emerge a partir do léxico também dá suporte para o processamento

dessas pseudopalavras.

Beckman et al. (2007) também trazem evidências neste sentido. Como já

mencionado anteriormente, os autores realizaram uma série de testes em crianças

diagnosticadas com distúrbio específico de linguagem e desvio fonológico, e em

crianças do grupo controle mais novas e com a mesma idade que as populações

clínicas. Os testes visavam avaliar os diferentes níveis de representação fonológica

em cada população diferente. Os resultados mostraram que crianças com distúrbio

específico de linguagem apresentaram vocabulário empobrecido e maior dificuldade

na repetição de pseudopalavras formadas por difones com baixa probabilidade de

ocorrência, evidenciando um prejuízo num nível de representação menos refinado e

mais abstrato, como o da Gramática Fonológica que, como descrito nas sessões

anteriores, permite ao falante a aquisição de novas palavras.

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   61  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Diante destas evidências, ao propor um teste de repetição de pseudopalavras

para avaliar memória de trabalho, se faz necessário controlar também a estrutura

interna dos itens, de modo a controlar tamanho, o tipo de sílaba, a probabilidade

fonotática dos difones, o grau de semelhança entre pseudopalavras e palavras reais.

Dessa forma, se poderá identificar exatamente qual seria a maior dificuldade das

crianças com distúrbio específico de linguagem, por exemplo. Será que se trata de

uma dificuldade estritamente de memória de trabalho, acarretando em déficits de

vocabulário? Ou há uma dificuldade cognitivo-linguística intrínseca que as impede

de ampliar e organizar seus vocabulários e, assim, abstrair generalizações

fonológicas? Ou ambos? Essas questões ainda permanecem em aberto na

literatura.

Portanto, de forma sucinta, o que se pode concluir a respeito do distúrbio

específico de linguagem é que se trata de um distúrbio que afeta diferentes domínios

da linguagem de forma específica, havendo discrepância entre as habilidades

linguísticas e outras habilidades cognitivas. Assim como em dislexia e desvio

fonológico, essas alterações linguísticas ocorrem na ausência de defasagem

sensorial, motora, intelectual, transtornos psiquiátricos, privação social ou lesão

cerebral evidente. Assim como na dislexia, essas alterações têm caráter duradouro,

podendo persistir ao longo da vida. Sua etiologia também é desconhecida, embora

haja estudos apontando para um caráter genético que determine disfunções

neuroaunatômicas e neurofisiológicas, assim como ocorre na dislexia. E no que

tange aos déficits fonológicos, se faz necessário caracterizar que tipo(s) de

conhecimento(s) fonológico(s) está(ão) alterado(s) nessas crianças, assim como

caracterizar as relações destes com as alterações lexicais descritas.

3.4 DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS ENTRE DISLEXIA, DESVIO FONOLÓGICO E DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM

Como visto anteriormente, os estudos dessas diferentes patologias

percorreram, ao longo da história, caminhos diferentes no que diz respeito aos

saberes que se debruçaram sobre elas. Enquanto os estudos sobre dislexia foram

inicialmente conduzidos pela área médica e, posteriormente, por educadores e

psicólogos, os estudos sobre desvio fonológico têm a tradição de serem realizados

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   62  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

por terapeutas da fala, com a inserção recente da linguística, e os estudos sobre

distúrbio específico de linguagem começaram com terapeutas da linguagem, se

tornando também objeto de estudo de psicólogos e linguistas, com o passar do

tempo.

Portanto, embora no começo tenham sido descritas como patologias

completamente distintas, atualmente há um crescente número de pesquisadores

interessados em investigar as diferenças e semelhanças entre esses distúrbios

(Bishop e Snowling, 2004).

Principalmente entre dislexia e distúrbio específico de linguagem, há uma

série de características descritas na literatura que se sobrepõem. Diversos

pesquisadores tentam descrever marcadores genéticos e/ou neurobiológicos para

ambos os quadros (Hage e Guerreiro, 2004; Shaywitz, 2006); alterações

persistentes e específicas à linguagem também são descritas em ambos os quadros

(Santos e Navas, 2000; Befi-Lopes, 2004). Ainda, alterações fonológicas, sejam elas

de processamento ou de representação, são descritas, não só na dislexia e no

distúrbio específico de linguagem, mas também no desvio fonológico (Santos e

Navas, 2000; Befi-Lopes, 2004; Wertzner, 2004). Por fim, dificuldades relacionadas

à linguagem escrita são apresentadas como as dificuldades específicas da dislexia,

mas também são encontradas alterações desta natureza em crianças com desvio

fonológico (Mota, 2001) e com distúrbio específico de linguagem (Bishop e Snowling,

2004).

Em função dessa sobreposição de caracterísitcas, alguns autores defendem a

ideia de que dislexia e distúrbio específico de linguagem seriam dois extremos do

continuum de um mesmo distúrbio, sendo a dislexia o caso mais leve, enquanto

distúrbio específico de linguagem seria o mais severo (Tallal et. al., 1997). Um outro

trabalho apontando para essa semelhança entre ambos os quadros é o de de Bree

et. al. (2007), no qual os autores aplicaram um teste de repetição de pseudopalavras

e concluíram que esta habilidade é um preditor para ambas as patologias.

Bishop e Snowling (2004) também investigaram a relação entre dislexia e

distúrbio específico de linguagem, indagando se os trabalhos neste campo devem

abandonar a distinção entre tais patologias ou se há necessidade de manter alguma

diferenciação. As autoras argumentam que trabalhos que tentam convergir dislexia e

distúrbio específico de linguagem em um mesmo continuum somente com graus de

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   63  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

severidade diferenciados, subestimam a influência das dificuldades semânticas e

sintáticas presentes nas crianças com distúrbio específico de linguagem e a forma

como essas alterações afetam, de maneiras distintas da dislexia, a leitura

proficiente. Nesse sentido, elas propõem um modelo bidimensional para explicar as

relações entre dislexia e distúrbio específico de linguagem, que leva em

consideração as habilidades fonológicas e não-fonológicas. Deste modelo,

resultariam 4 grupos de crianças: (i) crianças sem alteração: habilidades fonológicas

boas + habilidades não-fonológicas boas; (ii) crianças com dislexia: habilidades

fonológicas ruins + habilidades não-fonológicas boas; (iii) maus leitores: habilidades

fonológicas boas + habilidades não-fonológicas ruins; e, por fim, (iv) crianças com

distúrbio específico de linguagem: habilidades fonológicas ruins + habilidades não-

fonológicas ruins. Dentro deste modelo, as crianças com desvio fonológico seriam

descritas da mesma forma que as crianças com dislexia: habilidades fonológicas

ruins + habilidades não-fonológicas boas. Assim, este critério não parece resolver

por completo a questão.

No entanto, uma análise realizada a partir de um modelo explicativo de

linguagem que pressuponha a existência de diferentes tipos de conhecimento

fonológico – como é o caso dos MMR – pode trazer elucidações a respeito das

diferentes características de cada uma dessas patologias. Ao analisar em conjunto

os trabalhos de Beckman et. al. (2007), Esteves (2009) e Munson et al. (2010), já

descritos anteriormente, pode-se perceber uma dissociação entre diferentes tipos de

conhecimento fonológico alterados: enquanto crianças com dislexia parecem

apresentar apenas um déficit de acesso às informações mais detalhadas da forma

fonética das palavras, crianças com desvio fonológico parecem apresentar

dificuldades na representação dessas informações do detalhamento fonético fino

das palavras, mas não com a gramática fonológica, e por fim, crianças com distúrbio

específico de linguagem parecem apresentar um déficit de representação dos

padrões abstratos fonológicos da língua, caracterizando assim, déficits fonológicos

de naturezas distintas.

Diante desta discussão, o presente estudo tem como objetivo analisar essas

diferenças e semelhanças entre crianças com dislexia, desvio fonológico e distúrbio

específico de linguagem a partir das habilidades fonológicas que as mesmas

apresentam. Essa análise pode trazer contribuições importantes para pensar as

III.  Dislexia,  Desvio  Fonológico  e  DEL   64  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

características clínicas de cada patologia, assim como corroborar ou refutar os

pressupostos dos MMR de linguagem. Espera-se que diferenças no tamanho de

léxico das crianças possam atestar diferenças nos desempenhos fonológicos, tal

como é proposto pelo MMR.

   

IV. OBJETIVOS, HIPÓTESES E MÉTODO DE TRABALHO

presente capítulo apresenta os objetivos e as hipóteses de

trabalho, assim como os grupos de sujeitos participantes da

pesquisa, os testes utilizados para coleta dos dados e o método de

quantificação, análise estatística e análise qualitativa que foram

utilizados a fim de testar as hipóteses levantadas.

4.1 OBJETIVOS E HIPÓTESES DE TRABALHO

O presente trabalho tem como objeto de estudo o conhecimento fonológico de

crianças com dislexia, desvio fonológico e distúrbio específico de linguagem. Como

já descrito no capítulo 3, em função da sobreposição de déficits fonológicos

descritos na literatura que caracterizam a dislexia e o distúrbio específico de

linguagem, alguns autores têm questionado se essas patologias podem fazer parte

de um mesmo continuum. No entanto, conforme já foi explicitado, há trabalhos que

demonstram que, em cada uma dessas patologias, essas alterações fonológicas

teriam uma natureza distinta, estando relacionadas a déficits de processamento e/ou

de representação de diferentes tipos de conhecimento fonológico. Além disso,

comparar também o conhecimento fonológico de crianças com desvio fonológico

pode trazer contribuições importantes para a elucidação dessa questão, uma vez

que este quadro clínico possui como única alteração descrita na literatura o déficit

fonológico.

4.1.1 Objetivo Geral

O objetivo geral desta tese é, portanto, investigar o conhecimento fonológico

de crianças com dislexia, com desvio fonológico e distúrbio específico de linguagem.

Será estabelecida uma comparação entre os desempenhos de crianças com essas

três patologias entre si, assim como entre crianças com desenvolvimento típico.

O

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   66  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

4.1.2 Objetivos específicos:

- Identificar as dificuldades fonológicas específicas tanto de crianças com dislexia

como de crianças com desvio fonológico e distúrbio específico de linguagem;

- Definir a natureza dessas dificuldades fonológicas – se é um déficit de

representação ou de acesso às informações fonológicas – tanto de crianças com

dislexia como de crianças com desvio fonológico e distúrbio específico de

linguagem;

- Caso seja um déficit de representação, definir o tipo de conhecimento fonológico

cuja representação esteja afetada; ou caso seja um déficit de acesso, definir o

tipo de conhecimento fonológico cuja acesso esteja comprometido;

- Identificar as possíveis semelhanças e diferenças entre as crianças com dislexia,

desvio fonológico e distúrbio específico de linguagem, e as crianças com

desenvolvimento típico, no que diz respeito ao conhecimento fonológico.

4.1.3 Hipótese

A análise do conhecimento fonológico dessas crianças será realizada de

acordo com os pressupostos dos MMR de linguagem, que postulam a abstração de

diferentes tipos de conhecimento fonológico de forma gradual, a partir de um léxico

organizado em redes de conexões. Espera-se, portanto, com esta análise identificar

qual(is) tipo(s) de conhecimento fonológico estaria(m) afetado(s) em cada uma

dessas patologias, encontrando uma relação entre o desenvolvimento dos diferentes

tipos de conhecimento fonológico e o tamanho do léxico nessas crianças. Ou seja,

espera-se que crianças com tamanho de léxico maior apresentem uma maior

consistência em seus padrões fonológicos abstratos.

Este tipo de análise pode vir a trazer evidências a respeito da natureza do

déficit fonológico de cada um desses grupos, corroborando ou refutando a ideia de

continuum de uma mesma patologia com graus de severidade distintos. Isso possui

implicações clínicas, uma vez que dependendo dos resultados, deve-se pensar

abordagens terapêuticas diferenciadas. Além disso, essas análises também podem

trazer evidências empíricas que refutem ou validem o modelo teórico em questão,

uma vez que a existência de diferentes tipos de representação das informações

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   67  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

fonológicas e também a diferença entre os processos de representação e acesso a

essas informações pode ser pesquisado.

4.2 MÉTODO DE TRABALHO

4.2.1 Participantes

Neste estudo foram selecionadas 36 crianças, em idade pré-escolar e escolar,

cuja faixa etária variou entre 4:9 (quatro anos e nove meses ou 57 meses) e 11:8

(onze anos e oito meses ou 140 meses), de ambos os gêneros e de classe

socioeconômica média baixa. Desse total, 18 pertenciam aos Grupos Clínicos (GCl),

sendo 7 delas com diagnóstico de dislexia e compondo o subgrupo DIS, 7 com

diagnóstico de desvio fonológico e compondo o subgrupo DF e 4 com diagnóstico de

distúrbio específico de linguagem e compondo o subgrupo DEL; e 18 pertenciam ao

Grupo Controle (GCo), sendo todas elas com desenvolvimento típico e pareadas

pela idade cronológica com as crianças dos GCl, na proporção de uma criança com

transtorno de linguagem para uma com desenvolvimento típico. Esse pareamento

resultou em três subgrupos do GCo: crianças com desenvolvimento típico pareadas

com as crianças do subgrupo DIS (DTdis); crianças com desenvolvimento típico

pareadas com as crianças do subgrupo DF (DTdf); crianças com desenvolvimento

típico pareadas com as crianças do subgrupo DEL (DTdel). O gênero das crianças

não foi controlado para fins de análise.

4.2.1.1 Grupos Clínicos

As crianças dos GCl foram, selecionadas a partir de diferentes instituições

fonoaudiológicas do município de Salvador-BA e do município do Rio de Janeiro-RJ.

Essa coleta em diferentes municípios se deu por razões profissionais da

pesquisadora, que levou à necessidade de concluir a coleta de dados – que já tinha

sido iniciada no município do Rio de Janeiro – no município de Salvador. Em função

disso, alguns testes foram submetidos a procedimentos de análise diferentes

daqueles inicialmente concebidos, conforme será melhor explicitado adiante, na

descrição dos instrumentos. Os critérios de inclusão para esses sujeitos foram:

- Estar em atendimento fonoaudiológico por pelo menos 6 meses;

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   68  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

- Ter sido diagnosticado com dislexia, desvio fonológico ou distúrbio específico de

linguagem, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela literatura específica.

Para o diagnóstico das três patologias, era necessário que se descartasse

qualquer alteração orgânica, motora, sensorial ou cognitiva geral que justificasse

as alterações de linguagem. Especificamente, para o diagnóstico de dislexia, era

necessário, que a criança obtivesse nível de leitura abaixo do esperado para a

idade/escolaridade, apresentasse histórico de letramento compatível com o

esperado, tanto na escola, como em casa e possuísse 2 anos de ensino formal

da língua escrita (Santos e Navas, 2002). Para o diagnóstico de desvio

fonológico, era necessário que a criança obtivesse desempenho adequado nas

avaliações de sintaxe, semântica e pragmática, contudo, apresentasse

alterações nas avaliações fonológicas (Wertzner, 2004). Por fim, para o

diagnóstico de distúrbio específico de linguagem, era necessário que a criança

apresentasse alterações sintáticas e/ou semânticas e fonológicas de caráter

persistente (Befi-lopes, 2004).

4.2.1.2 Grupo Controle

As crianças dos GCo foram selecionadas em escola de educação infantil e

ensino fundamental do município de Salvador-BA. Os critérios de inclusão para

estes sujeitos foram:

- Não apresentar queixa e/ou histórico de alterações no desenvolvimento de

linguagem oral, audição e visão, e ainda, ter desempenho escolar compatível

com a idade e escolaridade;

- Pertencer à faixa etária de 4:9 (quatro anos e nove meses ou 57 meses) e 11:8

(onze anos e oito meses ou 140 meses), de acordo com a faixa etária obtida com

os GCl;

- Apresentar desempenho compatível com a idade cronológica nos testes de

vocabulário receptivo e memória sequencial auditiva.

4.2.2 Procedimentos

Para a seleção das crianças dos GCl, foram realizadas entrevistas junto às

fonoaudiólogas responsáveis pelo atendimento de cada criança, com o intuito de se

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   69  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

certificar a respeito das avaliações realizadas para o diagnóstico das mesmas.

Nessa etapa, a pesquisadora selecionou, junto com as fonoaudiólogas, quais seriam

as crianças que se enquadrariam nos critérios de inclusão. Posteriormente, as

fonoaudiólogas conversaram com os pais das crianças, entregando-lhes os termos

de consentimento 8 . No dia estabelecido para a realização das avaliações, a

pesquisadora conversou com cada responsável antes da avaliação de cada criança,

a fim de realizar quaisquer esclarecimentos aos pais sobre a pesquisa. Ao total,

foram avaliadas 29 crianças, das quais, 18 atenderam a todos os critérios de

diagnóstico.

Para a seleção das crianças do GCo, foi solicitado à coordenadora da escola

que conversasse com as professoras para que elas selecionassem crianças que

possuíssem de 4 a 12 anos e que, de acordo com a avaliação delas, atendesse ao

primeiro critério descrito acima para o GCo. Posteriormente, foi solicitado às

professoras que conversassem com os pais das crianças, entregando-lhes o termo

de consentimento. E finalmente, após esse procedimento, foi marcado um dia no

qual a pesquisadora esteve disponível, durante o dia inteiro, para que os pais

pudessem esclarecer quaisquer dúvidas sobre a pesquisa. Ao todo, foram avaliadas

25 crianças, das quais 18 atenderam a todos os 3 critérios descritos acima para GCo

e cujos dados foram incluídos para análise. As 7 crianças restantes foram excluídas

das análises em função de suas idades.

A aplicação dos testes nas crianças dos GCl foi realizada individualmente, na

própria sala de atendimento fonoaudiológico, no horário de atendimento da criança

(quando permitido pelos pais) ou em horários extras, previamente agendados pela

pesquisadora com o consentimento da fonoaudióloga e dos pais. Já com as crianças

dos GCo, as avaliações ocorreram no período da tarde (fora do horário das

atividades formais da escola), em sala pré-determinada pela direção da escola,

sendo esta silenciosa, na qual foi possível a realização da avaliação de forma

individual.

Para ambos os grupos, a aplicação de todos os testes ocorreu em apenas

uma sessão e a ordem de aplicação dos testes não variou, sendo a seguinte: (i)

teste de memória sequencial auditiva (Bogossian e Santos, 1977); (ii) teste de

vocabulário receptivo (Dunn e Dunn, 1997); (iii) teste experimental de nomeação de 8 O modelo de termo de consentimento livre e esclarecido encontra-se em anexo.

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   70  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

figuras; e, por fim, (iv) teste experimental de repetição de pseudopalavra. A duração

média de cada teste foi de 10 minutos, com pequenas variações entre os diferentes

sujeitos, resultando em sessões médias de 40-50 minutos. Todas as sessões foram

gravadas em aparelho digital SONY NWD-B103F para que as falas das crianças

pudessem ser posteriormente transcritas, quantificadas e analisadas.

Os procedimentos de elaboração dos testes experimentais, assim como a

descrição detalhada dos mesmos e dos testes padronizados serão descritos a

seguir.

4.2.3 Instrumentos

Conforme explicitado nos capítulos teóricos, esta tese se baseia em um

aparato teórico que preconiza a existência de diferentes tipos de representação

fonológica, que vão se desenvolvendo de acordo com a experiência linguística do

falante. Nesse sentido, para avaliar as características do conhecimento fonológico

das populações a serem estudadas, se mostrou necessária a utilização de diferentes

testes e medidas que acessassem esses diferentes tipos de conhecimento.

Primeiramente, portanto, foi elaborado um teste de Nomeação de Figuras

adaptado da dissertação de mestrado (Esteves, 2009), constituído por 36 figuras

que se diferenciam entre si em função da frequência de uso das palavras (alta e

baixa) e do tamanho das palavras (dissílabos e polissílabos). Este teste foi

elaborado com a finalidade de avaliar a acuracidade fonético-articulatória de

palavras reais, assim como a capacidade de acesso lexical das crianças. O segundo

teste elaborado foi o de Repetição de Pseudopalavras e se constituiu por 30

pseudopalavras que se diferenciaram entre si em função (i) da frequência de

ocorrência das sílabas que compuseram o item (itens compostos somente por

sílabas de alta frequência e itens compostos somente por sílabas de baixa

frequência) e (ii) do tamanho do item (dissílabos, trissílabos e polissílabos de 4

sílabas). Este teste foi elaborado a partir da metodologia de Frish et al. (2000) com o

intuito de avaliar a representação dos padrões fonológicos abstratos constituintes

das pseudopalavras e a frequência fonotática dos seus segmentos.

Ainda, além destes testes experimentais, também foram aplicados outros dois

testes padronizados, que são utilizados rotineiramente por fonoaudiólogos e também

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   71  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

em estudos psicolinguísticos, a fim de caracterizar cada grupo em função da

memória de trabalho e do léxico. São eles, respectivamente, Teste Illinois de

Habilidades Psicolinguísticas (ITPA) – subteste 5 Memória Sequencial Auditiva

(Bogossian e Santos, 1977) e Teste de Vocabulário Receptivo Peabody III (Dunn e

Dunn, 1997).

4.2.3.1 Teste Illinois de Habilidades Psicolinguísticas (ITPA) – subteste 5 Memória

Sequencial Auditiva (Bogossian e Santos, 1977)

O Teste Illinois de Habilidades Psicolinguísticas (ITPA) – subteste 5 Memória

Sequencial Auditiva (Bogossian e Santos, 1977) constitui uma subparte de uma

bateria de testes psicolinguísticos que visam a avaliação da criança em relação a

diferentes habilidades psicolinguísticas visuais e auditivas. O Subteste 5 – Memória

Sequencial Auditiva é amplamente utilizado para avaliação de crianças com

patologias da linguagem a fim de se obter uma medida do desempenho da criança

em relação à memória de trabalho auditiva.

O subteste consiste em sequências de números que são apresentadas

auditivamente para a criança, que deve repeti-la na ordem apresentada assim que

ouvir. Essas sequências vão aumentando gradativamente até que se atinja o teto

para aquela determinada criança. Após achar a base e o teto para cada criança,

obtém-se o escore padronizado pelo teste e verifica-se a conformidade ou não do

desempenho da criança com a sua idade. O teste foi administrado conforme as

instruções especificadas no manual. Para obter o teste completo, conferir ANEXO I.

4.2.3.2 Teste de Vocabulário Receptivo Peabody III (Dunn & Dunn, 1997)

O Teste de Vocabulário Receptivo Peabody III (Dunn & Dunn, 1997) é um

teste de compreensão que visa quantificar o conhecimento do vocabulário em

crianças (a partir de 2 anos e meio) e adultos. Este teste ainda não está padronizado

no Brasil, mas existe uma pesquisa sendo realizada por Capovilla (1997) para

padronização para o português brasileiro. Este teste é utilizado como referência para

os trabalhos em linguística sobre aquisição e população clínica infantil (Ferreira,

2007).

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   72  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

O teste de vocabulário receptivo consiste de uma série de pranchas que

especificam um total de 244 vocábulos, cada qual contendo 4 gravuras diferentes.

Para cada prancha, a criança é solicitada a identificar e apontar para a gravura que

melhor representa o significado da palavra enunciada pelo examinador. A FIGURA 1

ilustra uma das pranchas do teste, cuja palavra alvo é “pedal”.

FIG. 1: Exemplo de Prancha Utilizada no Teste de Vocabulário Receptivo

Após achar a base e o teto para cada criança, obtém-se o escore padronizado

pelo teste e verifica-se a conformidade ou não do desempenho da criança com a sua

idade. O teste foi administrado conforme as instruções especificadas no manual,

com as palavras traduzidas para o português. Para obter o teste completo, conferir

ANEXO II.

4.2.3.3 Teste de Nomeação de Figuras

O teste de nomeação de figuras consiste em uma avaliação na qual é

demandada à criança a evocação de um item lexical a partir de um estímulo visual.

O teste que foi utilizado neste projeto foi baseado naquele elaborado para a

dissertação de mestrado (Esteves, 2009), cuja análise das respostas das crianças, à

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   73  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

época, foi feita de acordo com o paradigma de Tip of the Tongue (TOT), proposto

por Swan & Goswami (1997).

Este paradigma, em Esteves (2009) havia sido escolhido em função das suas

características de coleta e análise de dados que, ao invés de medirem a velocidade

de nomeação – fornecendo respostas quantitativas do tipo “tudo-ou-nada” e

disponibilizando pouca informação sobre os processos subjacentes à nomeação –

buscam avaliar qualitativamente o que os falantes podem saber e dizer em relação

ao item lexical quando eles estão vivenciando um breakdown temporário na

recuperação deste item. Neste tipo de tarefa, as informações fonológicas

demandadas são aquelas que se encontram representadas no espaço paramétrico

fino articulatório, que diz respeito à forma fonética fina das palavras, e também às

informações fonológicas da própria representação das palavras no léxico (de acordo

com o modelo de Pierrehumbert, 2003). Portanto, este teste, em Esteves (2009),

visava avaliar a acuracidade fonético-articulatória de palavras reais, assim como a

capacidade de acesso lexical das crianças. E ainda, o público alvo em tal trabalho

eram crianças na faixa etária de 8 a 11 anos, e assim, as figuras selecionadas

coincidiam com palavras esperadas do vocabulário de crianças dessa faixa etária.

Para esta tese, inicialmente, esperava-se encontrar crianças pertencentes aos

GCl – subgrupos DIS, DF e DEL – cuja faixa etária fosse de 8 a 11 anos, e para as

quais as figuras deste teste de nomeação de figuras fossem adequadas. Essa

expectativa se configurou em função das primeiras crianças que participaram do

estudo: 6 no total, 2 de cada subgrupo dos GCl, todas na faixa etária de 8 a 11 anos.

Contudo, com o decorrer da aplicação dos testes no restante dos GCl, foi

encontrada uma maior variedade da faixa etária das crianças, e em função disto, o

teste de nomeação de figuras não se mostrou pertinente para a avaliação do acesso

lexical das crianças. Ou seja, as figuras desse teste nem sempre coincidiram com o

vocabulário esperado dos participantes, uma vez que as idades foram muito

variadas. Além disso, houve também uma variedade sociocultural nas evocações

lexicais, em função dos diferentes municípios aos quais as crianças pertenciam.

Portanto, com o intuito de não excluir do estudo os resultados encontrados

para as primeiras crianças e almejando analisar todos os resultados de uma forma

menos enviesada pela idade e pelas diferenças dialetais, optou-se por utilizar tal

teste somente para avaliar a acuracidade fonético-articulatória das palavras reais,

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   74  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

em comparação à acuracidade de repetição das pseudopalavras. Esta forma de

análise do teste excluiu a análise qualitativa das informações fonológicas e

semânticas que as crianças podiam evocar enquanto experienciavam o estado de

TOT, citado anteriormente, e que foi realizado em Esteves (2009). Contudo,

adicionou a elaboração de um escore que permitiu quantificar a acuracidade

fonético-articulatória da nomeação das figuras – o que não havia sido realizado em

tal trabalho. Sendo assim, o Teste de Nomeação de Figuras, nesta tese, será

utilizado como um Teste de Acuracidade de Nomeação de Palavras Reais (a partir

da nomeação de figuras).

Para esta tese, portanto, esse teste consistiu de 36 figuras correspondentes a

palavras de alta e baixa frequência de uso, e de dissílabos e polissílabos. A

frequência de uso das palavras foi obtida a partir de um corpus de 130 milhões de

palavras coletado pelo Projeto ASPA – Avaliação Sonora do Português Atual. Este

projeto, coordenado pela Profa. Thais Cristófaro Silva, é fruto de um trabalho

desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais, com o intuito de construir

um conhecimento probabilístico sólido a respeito da estrutura do Português

Brasileiro contemporâneo (www.projetoaspa.org). O teste na íntegra encontra-se no

ANEXO III.

As figuras foram mostradas em ordem aleatória, através de programa de

computador de apresentação de imagens Office PowerPoint, da Microsoft. O

examinador mostrava a figura e a criança deveria nomeá-la. Caso não nomeasse de

acordo com o alvo esperado, a criança era encorajada a falar o que sabia sobre a

palavra. Caso a criança não soubesse falar nada, o examinador fornecia pistas,

como a utilidade do objeto ou a forma sonora inicial da palavra. Caso a criança

nomeasse de acordo com o alvo esperado, mas apresentando trocas fonológicas, a

resposta era aceita e outro estímulo era apresentado. Caso houvesse substituições

lexicais devido à variação dialetal, a palavra alvo era pronunciada pelo examinador e

repetida pela criança. Todo este processo foi gravado, conforme explicitado

anteriormente.

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   75  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Quantificação e análise das respostas

A análise das respostas se deu, portanto, a partir de escores. As respostas

diferentes do alvo obtiveram escore final 0 (zero). As respostas iguais aos alvos

foram pontuadas de acordo com o seguinte critério (que foi o mesmo utilizado no

teste de repetição de pseudopalavra, como será descrito adiante): 2 pontos para

cada segmento correto, 1 ponto para cada segmento substituído, -1 ponto para cada

segmento adicionado e 0 ponto para cada segmento omitido. Ao final, somavam-se

todos os pontos e dividia-se pelo total de pontos possíveis para aquela palavra. O

resultado final era um escore entre 0 (zero) e 1 (um) para cada item do teste. Como

exemplo, o item “milho”, cujo alvo esperado era ʹmiʎʊ ou ʹmilyʊ, foi produzido por

uma criança como ʹmiyʊ Sendo assim, este item recebeu a pontuação da seguinte

forma:

O escore final para este item foi, portanto, 0,86. Para uma outra palavra,

polissílaba, por exemplo, “detetive”, cujo alvo esperado era deteʹʧivɪ e a produção da

criança foi eteʹʧifɪ o escore foi calculado assim:

Dessa forma, cada criança obteve 36 escores, um para cada item do teste.

Além disso, foi calculado também um escore global para cada criança, somando-se

os escores de todos os itens diferentes de zero e dividindo pelo total de itens com

escore diferente de zero. O escore global também variou de 0 (zero) a 1 (um). Esse

escore global foi necessário para realizar as comparações de desempenhos nos

diferentes testes padronizados.

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   76  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

4.2.3.4 Teste de Repetição de Pseudopalavras

O teste de repetição de pseudopalavras consiste em uma atividade na qual a

criança é instruída a repetir todas as palavras “engraçadas” que vão sendo ditas a

elas uma a uma. A repetição de pseudopalavras é um teste tradicionalmente

conhecido por avaliar a memória fonológica de curto prazo. No entanto, como já

demonstrado no capítulo 3 desta tese, há na literatura recente, uma discussão sobre

qual habilidade estaria subjacente ao desempenho nestes testes de repetição de

pseudopalavras.

Há aqueles que defendem a ideia de que seria a Memória de Trabalho

Fonológica a principal responsável pelo sucesso nestas tarefas, entendendo que

déficits de memória de trabalho fonológica, uma vez acarretando dificuldades na

repetição de pseudopalavras, acarretariam também em dificuldades na

aprendizagem de novas palavras. Logo, crianças com distúrbio específico de

linguagem, por exemplo, teriam um vocabulário empobrecido em função do déficit de

Memória de Trabalho Fonológica, com consequências para a representação de

longo termo (Gathercole, 2006; Gathercole e Archibald, 2006; Gathercole e

Archibald 2007).

No entanto, outros autores apostam na proposição de que o vocabulário

empobrecido das crianças com distúrbio específico de linguagem estaria muito mais

como um fator etiológico para as dificuldades de repetição de pseudopalavras do

que como uma consequência das mesmas, uma vez que é a partir das palavras no

léxico que as crianças abstraem as informações fonológicas necessárias em um

teste como este (Frisch et al., 2000; Edwards et al., 2004; Munson et al., 2005a).

Esses autores argumentam que fatores como tamanho do item, tipo de sílaba,

probabilidade fonotática dos difones ou das sílabas, grau de semelhança entre

pseudopalavras e palavras reais, são também fortes preditores para o desempenho

das crianças em testes de repetição de pseudopalavras.

Conforme já mencionado no capítulo 2, os resultados obtidos para o inglês

mostraram que o grau de semelhança (GS) entre as pseudopalavras e as palavras

reais, por exemplo, é compreendido de forma que quanto maior o item e menos

frequentes as suas sequências, menor o GS entre a pseudopalavra e uma palavra

real da língua. Dessa forma, quanto menor o GS, menor a influência do tamanho de

léxico da criança. E, ao contrário, quanto menor o item e mais frequentes as suas

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   77  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

sequências, maior o GS e menor a influência da memória de trabalho, uma vez que

o léxico vai prover a robustez necessária para a abstração das relações fonotáticas.

O trabalho de Gomes et al. (2011) traz evidências quanto a isso. Os autores

utilizaram os itens elaborados para o teste de repetição de pseudopalavras desta

tese em um teste de julgamento de grau de semelhança, que foi aplicado em adultos

universitários, falantes do português brasileiro. Os resultados mostraram que tanto o

tamanho dos estímulos quanto a frequência de ocorrência das sílabas CV se

mostraram significativos em relação à resposta apresentada, sendo que os itens

mais aceitos pelos falantes foram as pseudopalavras constituídas por duas sílabas e

de alta frequência.

Diante destas evidências, e pensando a respeito da discussão sobre qual

habilidade estaria subjacente ao desempenho das crianças nestes testes de

repetição de pseudopalavras, se faz necessário controlar a estrutura interna dos

itens do teste, de modo a controlar tais fatores como tamanho do item, tipo de

sílaba, probabilidade fonotática dos difones ou das sílabas, grau de semelhança

entre pseudopalavras e palavras reais.

Como este teste é o primeiro realizado no Português Brasileiro (PB) a partir

dos Modelos Multirrepresentacionais, em sua elaboração, optou-se por incluir

somente dois desses fatores como variáveis independentes do teste, a saber, a

frequência das sílabas que compuseram as pseudopalavras (alta e baixa) e o

comprimento de cada item (dissílabo, trissílabo e polissílabo de 4 sílabas). Assim, a

variável complexidade articulatória do item foi controlada, uma vez que a estrutura

silábica e o acento lexical dos itens não variou, sendo todos eles CV e paroxítonos.

A contagem da frequência de ocorrência das sílabas CV na língua portuguesa

foi obtida a partir do corpus do Projeto ASPA/UFMG, citado anteriormente. Essa

contagem da frequência e da probabilidade de ocorrência de todas as sílabas CVs

de dissílabas, de trissílabas e de palavras de 4 sílabas paroxítonas do PB foi

realizada por Marcela Branco da Silva e Suzana do Couto Mendes, à época,

bolsistas de Iniciação Científica do projeto “Efeito de Wordlikeness no

Processamento de Pseudopalavras em Adultos e Crianças com Desenvolvimento

Típico”, coordenado pela Professora Christina Abreu Gomes. Tal levantamento

resultou nas sílabas que foram utilizadas nesta tese para elaborar os itens do teste.

Estas pseudopalavras foram posteriormente utilizadas no trabalho de Gomes et al.

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   78  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

(2011), para a testagem do julgamento do grau de semelhança, citado

anteriormente; e o teste de repetição de pseudopalavras completo está sendo

aplicado também em sujeitos afásicos (Senna, 2013), crianças com atraso simples

de linguagem (Branco, 2012) e em um amplo número de crianças com

desenvolvimento típico de diversas faixas etárias (Mendes, 2012).

O teste foi composto, portanto, por 30 itens no total, sendo 15 itens

compostos apenas por sílabas de alta frequência, denominados “itens de alta

frequência” (AF); e 15 itens compostos apenas por sílabas de baixa frequência,

denominados “itens de baixa frequência” (BF). Esses grupos ainda foram

subdivididos de forma que cada um possuía 5 itens dissílabos, 5 itens trissílabos e 5

itens polissílabos de 4 sílabas.

Todos os itens foram gravados por aparelho sonoro estéreo por um mesmo

falante do sexo feminino, em ambiente tratado acusticamente, de forma a não

receber interferências na gravação e, consequentemente, na apresentação do

estímulo. Os estímulos sonoros foram apresentados através do programa de

computador Psyscope, desenvolvimento para Macintosh, utilizando-se caixas de

som PHILIPS modelo SPA5210 – Portable Speaker System. A cada estímulo

sonoro, a criança deveria repetir o que conseguisse. Não era permitido repetir a

apresentação do estímulo. Todo o processo foi gravado, conforme explicitado

anteriormente. No ANEXO IV, encontram-se todos os itens utilizados neste teste.

Quantificação e análise das respostas

As respostas de cada criança foram transcritas e analisadas em função da

sua acuracidade, que foi definida em função da quantidade de segmentos corretos

(iguais ao alvo) na produção da criança. O critério de pontuação de acuracidade de

cada item de cada criança foi o mesmo utilizado no teste de nomeação de figuras

(teste de acuracidade de nomeação de palavras reais): (i) 2 (dois) pontos para os

casos nos quais o segmento era igual ao alvo; (ii) 1 (um) ponto para os casos de

substituição de segmentos; (iii) -1 (um negativo) ponto para os casos de acréscimo

de segmentos; e (iv) 0 (zero) ponto para os casos de ausência de segmento. Esses

pontos eram somados, resultando em um escore total para cada item (cuja

quantidade de segmentos diferia de dissílabos, trissílabos e polissílabos de 4

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   79  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

sílabas). Esse escore total foi dividido pelo número máximo da pontuação possível

de ser obtida para aquele determinado item em função da quantidade de segmentos

que o constituía, de maneira a formar um escore padrão para todas as categorias de

itens. Por exemplo, para o item alvo meʹsivəә, se a criança produzisse eʹfifəә, ela teria

a seguinte pontuação para este item:

Assim como no teste de nomeação de figuras, cada criança obteve 30

escores, um para cada item do teste. Além disso, foi calculado também um escore

global para cada criança, somando-se os escores de todos os itens diferentes de

zero e dividindo pelo total de itens com escore diferente de zero. O escore global

também variou de 0 (zero) a 1 (um). Assim como no teste de nomeação de figuras,

esse escore global foi necessário para realizar as comparações de desempenhos

nos diferentes testes padronizados.

Dessa forma, os escores do teste de repetição de pseudopalavras,

juntamente com os escores dos outros testes padronizados (de memória e de

vocabulário) e com as respostas do teste de nomeação de figuras (teste de

acuracidade de nomeação de palavras reais) constituíram o conjunto de dados desta

tese e foram analisados estatisticamente em função das variáveis independentes de

cada teste e também em relação à interação entre os testes em si.

4.2.4 Modelos Estatísticos

Após todo o processo de quantificação dos dados obtidos com os testes, foi

feita uma consulta a um profissional de Estatística a fim de definir qual modelo

estatístico se enquadraria e forneceria uma melhor explicação sobre os dados

obtidos. Dessa forma, optou-se por utilizar os seguintes testes estatísticos: Teste de

Wilcoxon e Teste de Mann-Whitney.

IV.  Objetivos,  hipóteses  e  método  de  trabalho   80  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Primeiramente, o Teste de Wilcoxon se constitui de um método não-

paramétrico para comparação de duas amostras pareadas. Ele foi indicado a ser

utilizado nesta tese em detrimento ao Teste “t” de Student, porque os dados das

amostras obtidas não satisfaziam as exigências deste último. Contudo, para se

realizar o Teste de Wilcoxon é necessário que os pares das amostras sejam

mutuamente independentes, que as diferenças entre as amostras sejam variáveis

contínuas, com distribuição simétrica e que o nível de mensuração tenha sido feito

em escala intervalar. E essas exigências foram atendidas para analisar a presença

ou não de efeitos de frequência nos desempenhos das crianças no teste de

repetição de pseudopalavras. As amostras foram os escores obtidos para os itens

mais frequentes em comparação aos escores dos itens menos frequentes obtidos

por cada criança.

O Teste de Mann-Whitney também é um teste não-paramétrico, utilizado para

a comparação de dois grupos independentes (não pareados) a fim de se verificar se

pertencem ou não à mesma população. Ele foi utilizado nesta tese para analisar

comparativamente os desempenhos dos diferentes grupos clínicos e de controle nas

quatro avaliações realizadas (teste de memória sequencial, de vocabulário receptivo,

de nomeação de figuras e de repetição de pseudopalavras). Este teste foi escolhido

para essa tese em detrimento à Análise de Variância Unilateral (ANOVA) em função

de algumas características dos grupos que compuseram as amostras de análise.

Essas características foram: existência de uma amostra pequena e as variáveis

numéricas que não apresentavam uma variação normal.

Ainda, em todos esses procedimentos estatísticos, o intervalo de confiança

considerado foi de 95%, sendo, portanto, o p-valor considerado significativo quando

era abaixo de 0,05. Os pacotes estatísticos utilizados para rodar as análises foram

“SPSS” e “R”.

   

V. RESULTADOS E DISCUSSÃO

ste capítulo destina-se à descrição e caracterização dos grupos

participantes, assim como ao processo de análise estatística e

qualitativa empregada nos dados obtidos com a aplicação dos

diferentes testes. Por fim, uma discussão acerca de todo o

conjunto de dados será realizada, articulando as questões presentes na literatura, os

objetivos e hipóteses com os achados deste estudo.

5.1 CARACTERIZAÇÃO DOS GRUPOS

A fim de descrever e caracterizar os grupos que foram alvo de análise, serão

apresentadas, a seguir, as TABELAS 01 e 02, contendo: a distribuição das crianças

quanto à idade e gênero em cada grupo e as medidas descritivas (média, valores

mínimos e máximos, e desvio padrão) da distribuição por idade em cada grupo,

respectivamente.

TABELA 01: Distribuição das crianças quanto à idade (meses) e gênero. Sujeito Gênero Idade GCo GCl Idade Gênero Sujeito

1 Masculino 141 DTdis DIS 140 Feminino 19 2 Feminino 133 DTdis DIS 131 Masculino 20 3 Masculino 126 DTdis DIS 126 Feminino 21 4 Masculino 119 DTdis DIS 117 Feminino 22 5 Feminino 111 DTdis DIS 114 Feminino 23 6 Masculino 111 DTdis DIS 110 Masculino 24 7 Feminino 110 DTdis DIS 109 Feminino 25 8 Masculino 140 DTdf DF 138 Masculino 26 9 Feminino 107 DTdf DF 108 Masculino 27

10 Feminino 110 DTdf DF 110 Feminino 28 11 Masculino 97 DTdf DF 105 Masculino 29 12 Feminino 64 DTdf DF 62 Masculino 30 13 Masculino 67 DTdf DF 64 Masculino 31 14 Feminino 62 DTdf DF 57 Masculino 32 15 Masculino 137 DTdel DEL 138 Masculino 33 16 Masculino 100 DTdel DEL 102 Masculino 34 17 Feminino 72 DTdel DEL 70 Masculino 35 18 Masculino 65 DTdel DEL 64 Feminino 36

Legendas: GCo = grupo controle; DTdis = desenvolvimento típico pareado com DIS; DTdf = desenvolvimento típico pareado com DF; DTdel = desenvolvimento típico pareado com DEL; GCl = grupos clínicos; DIS = dislexia; DF = desvio fonológico; DEL = distúrbio específico de linguagem

E

V.  Resultados  e  Discussão   82  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

TABELA 02: Medidas descritivas da distribuição por idade Grupos N Média (meses) Mínimo (meses) Máximo (meses) DP (meses)

Grupos de Controle

- - - - -

DTdis 7 121,57 110 141 12,191

DTdf 7 92,29 62 139 29,130

DTdel 4 93,50 65 137 32,706

Grupos Clínicos

- - - - -

DIS 7 121,00 109 140 11,662

DF 7 92,00 57 138 31,021

DEL 4 93,50 64 138 34,034

Legendas: DTdis = desenvolvimento típico pareado com DIS; DTdf = desenvolvimento típico pareado com DF; DTdel = desenvolvimento típico pareado com DEL; DIS = dislexia; DF = desvio fonológico; DEL = distúrbio específico de linguagem

Quanto à distribuição das crianças pelos grupos, como mostram as TABELAS

01 e 02, de um total de 36 crianças, 18 (50%) apresentavam alguma alteração de

linguagem, pertencendo aos grupos clínicos (GCl); e 18 (50%) apresentavam

desenvolvimento típico (DT), pertencendo aos grupos de controle (GCo). Das 18

crianças dos GCl, 7 (19,4% do total) foram diagnosticadas com dislexia (compondo o

subgrupo DIS), 7 (19,4% do total) foram diagnosticadas com desvio fonológico

(compondo o subgrupo DF) e somente 4 (11,1% do total) foram diagnosticadas com

distúrbio específico de linguagem (compondo o subgrupo DEL). Essa discrepância

entre os GCl se deve à dificuldade de se encontrar crianças com diagnóstico de

distúrbio específico de linguagem nos municípios de Salvador-BA e Rio de Janeiro-

RJ. Os GCo foram compostos de acordo com a distribuição dos GCl, sendo 7

crianças com desenvolvimento típico (19,4% do total) pareadas com o subgrupo

DIS, outras 7 (19,4% do total) pareadas com o subgrupo DF, e 4 (11,1% do total)

pareadas com o subgrupo DEL.

A distribuição por gênero não foi controlada como parâmetro de análise,

conforme mencionado no capítulo anterior, contudo, como mostra a TABELA 01,

acima, nessa amostra obteve-se para os GCo 10 (55%) crianças do sexo masculino

e 8 (45%) do sexo feminino; enquanto para os GCl, obteve-se 11 (61%) crianças do

sexo masculino e 7 (39%) do sexo feminino.

V.  Resultados  e  Discussão   83  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

A faixa etária das crianças dos GCo variou em função da faixa etária dos GCl.

As crianças dos GCo foram selecionadas de forma a serem pareadas pela idade de

cada criança dos GCl, como mostram as TABELAS 01 e 02, acima. Sendo assim,

conforme mostra a TABELA 02, tem-se que nos GCo, a faixa etária do subgrupo

DTdis variou de 110 a 141 meses de idade, com desvio padrão de 12,191; enquanto

o subgrupo DTdf variou de 69 a 139 meses de idade, com desvio padrão de 29,130;

e por fim, o subgrupo DTdel variou de 65 a 137 meses de idade, com desvio padrão

de 32,706. Já para os GCl, a faixa etária das crianças do subgrupo DIS variou de

109 a 140 meses de idade, com desvio padrão de 11,66 (grupo mais homogêneo

dentre os subgrupos dos GCl), enquanto o subgrupo DF variou de 57 a 138 meses

de idade, desvio padrão de 31,02, e o subgrupo DEL variou de 64 a 138 meses de

idade, desvio padrão de 34,03, sendo os dois últimos subgrupos os mais

heterogêneos quanto à idade.

Essa distribuição da faixa etária dos GCl se deve a características próprias de

cada entidade nosológica. O diagnóstico de dislexia, por exemplo, só é confirmado

caso a criança persista com dificuldades no processo de alfabetização mesmo após

2 anos de instrução formal da linguagem escrita. Ou seja, mesmo que as crianças

que apresentem dificuldades escolares sejam encaminhadas pela escola

precocemente para o tratamento, esse diagnóstico, em geral, é dado somente a

partir dos 8-9 anos de idade. Já os diagnósticos de desvio fonológico e distúrbio

específico de linguagem são dados tão logo os pais/escola (em geral) percebam as

dificuldades na fala do filho e procurem por tratamento (apesar de ser critério

diagnóstico para distúrbio específico de linguagem a idade de 5 anos ou mais).

Contudo, essa percepção pode variar em termos sociais e culturais, e assim, a idade

com que as crianças com tais transtornos chegam para tratamento também varia

consideravelmente no Brasil.

Abaixo, encontram-se as TABELAS de 03 a 06, contendo as medidas

descritivas (média, valores mínimos e máximos, e desvio padrão) do desempenho

nos quatro testes aplicados para cada grupo de crianças. Conforme descrito no

capitulo 4 sobre o método de trabalho, o teste de memória sequencial auditiva avalia

a memória de trabalho e resulta em um escore padronizado que varia de 0 a 40. O

teste de vocabulário receptivo avalia o tamanho do léxico e resulta em um escore

padronizado que varia de 0 a 177. Nesses dois testes padronizados, os escores

V.  Resultados  e  Discussão   84  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

variam em função da idade. O teste de nomeação de figuras foi analisado aqui como

um teste de acuracidade de nomeação de palavras reais e resulta em um escore

elaborado experimentalmente que varia de 0,00 a 1,00. Por fim, o teste de repetição

de pseudopalavras também foi analisado em termos da acuracidade e também

resulta em um escore elaborado experimentalmente que varia de 0,00 a 1,00. O

cálculo de obtenção dos escores, tanto do teste de nomeação de figuras como do

teste de repetição de pseudopalavras, se encontra descrito no capítulo 4.

TABELA 03: Medidas descritivas dos Escores de Memória Sequencial

Grupos N Média Mínimo Máximo DP

Grupos de Controle

- - - - -

DTdis 7 27,29 18 37 6,751

DTdf 7 22,43 13 31 7,254

DTdel 4 27,00 21 40 8,756

Grupos Clínicos

- - - - -

DIS 7 22,14 13 30 5,872

DF 7 15,43 13 18 1,618

DEL 4 5,75 4 7 1,258

Legendas: DTdis = desenvolvimento típico pareado com DIS; DTdf = desenvolvimento típico pareado com DF; DTdel = desenvolvimento típico pareado com DEL; DIS = dislexia; DF = desvio fonológico; DEL = distúrbio específico de linguagem

Conforme demonstrado na TABELA 03, acima, no teste de memória

sequencial auditiva, tem-se o seguinte desempenho para os grupos de controle

(GCo): o subgrupo DTdis apresentou uma média de escore 27,29, sendo o mínimo

18 e máximo 37; o subgrupo DTdf apresentou uma média de escore 22,43, sendo o

mínimo 13 e máximo 31; o subgrupo DTdel apresentou uma média de escore 27,00,

sendo o mínimo 21 e máximo 40. Com relação aos grupos clínicos (GCl), tem-se

que: o subgrupo DIS apresentou uma média de escore 22,14, sendo o mínimo 13 e

máximo 30; o subgrupo DF apresentou uma média de escore 15,43, sendo o mínimo

13 e máximo 18; o subgrupo DTdel apresentou uma média de escore 5,75, sendo o

mínimo 4 e máximo 7.

Já a TABELA 04, abaixo, demonstra que no teste de vocabulário receptivo, o

desempenho dos GCo foi: média de 131,14 para o subgrupo DTdis, com mínimo de

V.  Resultados  e  Discussão   85  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

112 e máximo de 153; média de 99,00 para o subgrupo DTdf, com mínimo de 49 e

máximo de 150; e, por fim, média de 104,00 para o subgrupo DTdel, com mínimo de

50 e máximo de 165. Para os GCl, o resultado foi o seguinte: média de 122,00 para

o subgrupo DIS, com mínimo de 109 e máximo de 146; média de 78,86 para o

subgrupo DF, com mínimo de 40 e máximo de 113; e, por fim, média de 34,75 para

o subgrupo DEL, com mínimo de 14 e máximo de 72.

TABELA 04: Medidas descritivas dos Escores de Vocabulário Receptivo

Grupos N Média Mínimo Máximo DP

Grupos de Controle

- - - - -

DTdis 7 131,14 112 153 17,257

DTdf 7 99,00 49 150 31,565

DTdel 4 104,00 50 165 47,420

Grupos Clínicos

- - - - -

DIS 7 122,00 109 146 12,247

DF 7 78,86 40 113 33,958

DEL 4 34,75 14 72 25,682

Legendas: DTdis = desenvolvimento típico pareado com DIS; DTdf = desenvolvimento típico pareado com DF; DTdel = desenvolvimento típico pareado com DEL; DIS = dislexia; DF = desvio fonológico; DEL = distúrbio específico de linguagem

TABELA 05: Medidas descritivas dos Escores de Nomeação de Figuras

Grupos N Média Mínimo Máximo DP

Grupos de Controle

- - - - -

DTdis 7 1,00 1 1 0,004

DTdf 7 1,00 1 1 0,011

DTdel 4 0,99 0,99 1 0,014

Grupos Clínicos

- - - - -

DIS 7 0,99 0,98 1 0,011

DF 7 0,88 0,83 0,93 0,049

DEL 4 0,54 0,35 0,73 0,122

Legendas: DTdis = desenvolvimento típico pareado com DIS; DTdf = desenvolvimento típico pareado com DF; DTdel = desenvolvimento típico pareado com DEL; DIS = dislexia; DF = desvio fonológico; DEL = distúrbio específico de linguagem

V.  Resultados  e  Discussão   86  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Conforme a TABELA 05, acima, os escores de desempenho no teste de

nomeação de figuras (que avaliou a acuracidade de palavras reais) foram: média de

1,00 tanto para o subgrupo DTdis, como para o subgrupo DTdf, não havendo

variação entre os valores mínimos e máximos; e, média de 0,99 para o subgrupo

DTdel, com mínimo de 0,99 e máximo de 1,00. Para os GCl, o resultado foi o

seguinte: média de 0,99 para o subgrupo DIS, com mínimo de 0,98 e máximo de

1,00; média de 0,88 para o subgrupo DF, com mínimo de 0,83 e máximo de 0,93; e,

por fim, média de 0,54 para o subgrupo DEL, com mínimo de 0,35 e máximo de

0,73.

E, finalmente, conforme demonstrado na TABELA 06, abaixo, no teste de

repetição de pseudopalavras, tem-se o seguinte desempenho para os GCo: os

subgrupos DTdis e DTdf apresentaram médias de escore de 0,9886, sendo o

mínimo 0,98 e máximo 1,00 para ambos os grupos; e o subgrupo DTdel apresentou

uma média de escore 0,9850, sendo o mínimo 0,98 e máximo 0,99. Com relação

aos GCl, tem-se que: o subgrupo DIS apresentou uma média de escore 0,9829,

sendo o mínimo 0,97 e máximo 0,99; o subgrupo DF apresentou uma média de

escore 0,8957, sendo o mínimo 0,85 e máximo 0,93; o subgrupo DTdel apresentou

uma média de escore 51,25, sendo o mínimo 0,39 e máximo 0,67.

TABELA 06: Medidas descritivas dos Escores de Repetição de Pseudopalavras

Grupos N Média Mínimo Máximo DP

Grupos de Controle

- - - - -

DTdis 7 0,9886 0,98 1,00 0,00690

DTdf 7 0,9886 0,98 1,00 0,00690

DTdel 4 0,9850 0,98 0,99 0,00577

Grupos Clínicos

- - - - -

DIS 7 0,9829 0,97 0,99 0,00756

DF 7 0,8957 0,85 0,93 0,03259

DEL 4 0,5125 0,39 0,67 0,13961

Legendas: DTdis = desenvolvimento típico pareado com DIS; DTdf = desenvolvimento típico pareado com DF; DTdel = desenvolvimento típico pareado com DEL; DIS = dislexia; DF = desvio fonológico; DEL = distúrbio específico de linguagem

Os resultados de todos esses quatro testes serão analisados

comparativamente entre os grupos na seção a seguir.

V.  Resultados  e  Discussão   87  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

5.2 COMPARAÇÃO ENTRE OS GRUPOS

5.2.1 Testes Padronizados

Os testes de memória sequencial auditiva e de vocabulário receptivo são

testes padronizados e utilizados na literatura em geral. Assim, é possível analisar os

escores obtidos pelas crianças em função dos escores esperados para cada faixa

etária. Tal análise permite obter tanto o desempenho da criança em relação ao teste

em si, como também realizar uma comparação de tais desempenhos entre os

grupos. Dessa forma, a TABELA 07, a seguir, mostra a comparação entre as médias

dos escores obtidos e esperados para cada grupo, nesses dois testes, e também os

resultados estatísticos da comparação realizada. A estatística empregada foi o Teste

de Mann-Whitney para amostras não pareadas.

TABELA 07: Médias dos escores obtidos e esperados nos testes de Memória Sequencial Auditiva e Vocabulário Receptivo, Proporção da diferença entre tais escores e medidas estatísticas.

GRUPO TESTE MEE MEO %DFÇ Valor “Z” p-valor

DTdis SPAM 28,43 27,29 -4,00% -0,650 0,516

PBDY 133,71 131,14 -1,92% -0,384 0,701

DTdf SPAM 24,00 22,43 -6,54% -0,386 0,700

PBDY 99,28 99,00 -0,28% -0,064 0,949

DTdel SPAM 24,00 27,00 +12,50% -0,436 0,663

PBDY 100,00 104,00 +4,00% 0,000 1,000

DIS SPAM 28,42 22,14 -22,10% -2,003 0,045*

PBDY 128,42 122,00 -4,90% -1,217 0,224

DF SPAM 23,42 15,43 -34,11% -2,914 0,004*

PBDY 100,00 78,86 -21,14% -1,597 0,110

DEL SPAM 24,00 5,75 -76,04% -2,323 0,020*

PBDY 99,75 34,75 -65,16% -2,021 0,043*

Legendas: SPAM = escore do teste de memória sequencial auditiva; PBDY = escore do teste de vocabulário receptivo; MEE = média do escore esperado; MEO = média do escore obtido; %DFÇ = proporção da diferença entre os escores obtidos e esperados.

Os valores apresentados na TABELA 07 são indicativos de que as crianças

de todos os GCo, ou seja, crianças com desenvolvimento típico, não mostraram

dificuldade alguma nem na prova de memória sequencial auditiva, nem na de

vocabulário receptivo. Essa análise é feita uma vez que, para os três subgrupos as

diferenças entre as médias de escores obtidos e as médias dos escores esperados

V.  Resultados  e  Discussão   88  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

não foi estatisticamente significativa (DTdis: p=0,516 para memória sequencial e

p=0,701 para vocabulário receptivo; DTdf: p=0,700 para memória sequencial e p=0,949

para vocabulário receptivo; DTdel: p=0,663 para memória sequencial e p=1,000 para

vocabulário receptivo).

Já em todos os GCl, pode-se perceber alguma alteração, tanto em relação ao

léxico, como em relação à memória. O subgrupo DIS apresentou, em média, escore

22,1% abaixo do esperado no teste de memória sequencial auditiva, sendo esta

diferença estatisticamente significativa (p=0,045*), mas somente 4,9% abaixo do

esperado no teste de vocabulário receptivo, o que não representou diferença

estatisticamente significativa (p=0,224). O subgrupo DF obteve um desempenho um

pouco pior: 34,11% abaixo do esperado para memória sequencial auditiva e 21,14%

abaixo do esperado para vocabulário receptivo; no entanto, apenas a diferença no

teste de memória sequencial auditiva foi significativa estatisticamente (p=0,004*). Por

fim, o subgrupo com pior resultado foi o DEL, apresentando desempenho 76,04%

abaixo do esperado para memória sequencial auditiva e 65,16% abaixo do esperado

para vocabulário receptivo, ambos com diferença estatisticamente significativa

(p=0,020* e p=0,040*, respectivamente).

Em suma, pode-se dizer que: (i) nenhuma criança com desenvolvimento

típico mostrou alteração nem de memória de trabalho nem de tamanho de léxico,

estando de acordo com o esperado para a idade; (ii) as crianças com dislexia e

desvio fonológico apresentaram dificuldades principalmente com memória de

trabalho, apesar de apontar uma pequena alteração nos léxicos das crianças com

desvio fonológico; e, por fim, (iii) as crianças com distúrbio específico de linguagem

demonstraram muita dificuldade, tanto de memória de trabalho como de tamanho de

léxico. O QUADRO 01 abaixo, sumariza esses resultados de forma qualitativa.

QUADRO 01: Comparativo de desempenho – Memória Sequencial e Vocabulário Receptivo

Desenvolvimento Típico

Dislexia Desvio Fonológico

DEL

Memória Sequencial

Adequada Levemente Alterada

Levemente Alterada

Muito Alterada

Vocabulário Receptivo

Adequado Adequado Levemente Alterado

Muito Alterado

V.  Resultados  e  Discussão   89  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Esses resultados estão de acordo com a literatura: crianças com dislexia

geralmente apresentam dificuldades com memória de trabalho, mas não com

aquisição de vocabulário (Santos e Navas, 2002; Bishop e Snowling, 2004); crianças

com desvio fonológico podem apresentar alterações leves de vocabulário (Mota,

2001) 9 enquanto crianças com distúrbio específico de linguagem apresentam

dificuldades em ambas as habilidades (Befi-Lopes, 2004; Gathercole, 2006;

Beckman et al., 2007). Esses resultados serão discutidos posteriormente em

conjunto com o desempenho desses grupos no teste de repetição de

pseudopalavras.

5.2.2 Teste de Nomeação de Figuras (Acuracidade de Palavras Reais)

Este teste, como já descrito no capítulo 4, é um teste experimental, adaptado

de Esteves (2009), que será analisado a partir dos escores obtidos pela criança para

a acuracidade de nomeação para palavras reais. Na seção anterior, foi apresentada

a TABELA 05, na página 85, contendo as medidas descritivas dos escores obtidos

pelas crianças de todos os grupos nesse teste de nomeação de figuras. A seguir,

serão demonstrados os resultados obtidos pela análise estatística realizada a fim de

comparar os desempenhos das crianças dos grupos clínicos (GCl) e grupos de

controle (GCo).

Os resultados do Teste de Mann-Whitney mostram que entre o subgrupo DIS

e seus controles (subgrupo DTdis) não houve diferença de desempenho (Z= -1,209,

p= 0,227); enquanto que entre o subgrupo DF e seus controles (subgrupo DTdf) e o

subgrupo DEL e seus controles (subgrupo DTdel) houve diferença estatisticamente

significativa (Z= -3,266*, p= 0,001 e Z= -2,323, p= 0,020*, respectivamente). Ainda,

realizando uma comparação entre os três subgrupos clínicos, observa-se que há

diferença de desempenho entre os três. Ou seja, o desempenho das crianças com

dislexia é diferente do desempenho das crianças com desvio fonológico que é

diferente do desempenho das crianças com distúrbio específico de linguagem (Z= -

3,176, p= 0,001*; Z= -2,714, p= 0,007*; Z= -2,658, p= 0,008*, respectivamente). A

TABELA 08, abaixo, sumariza estes resultados.

9 Contudo, Munson et al. (2005a) e Beckmann et al. (2007) não relatam alterações lexicais nas crianças com desvio fonológico avaliadas nos seus respectivos trabalhos.

V.  Resultados  e  Discussão   90  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

TABELA 08: Teste de Mann-Whitney – Teste de Nomeação de Figuras Comparação com grupos de controle Comparação entre grupos clínicos

DIS X DTdis p= 0,227 sem diferença DIS X DF p= 0,001* com diferença

DF X DTdf p= 0,001* com diferença DIS X DEL p= 0,007* com diferença

DEL X DTdel p= 0,020* com diferença DF X DEL p= 0,008* com diferença

Essa análise estatística em conjunto com uma análise qualitativa acerca das

médias obtidas pelos diferentes subgrupos de crianças (DTdis=1,00; DTdf=1,00;

DTdel=0,99; DIS=0,99; DF=0,88; DEL=0,54), permite chegar à conclusão de que

houve três padrões de desempenho distintos, sendo o desempenho das crianças

dos GCo semelhante ao desempenho das crianças do subgrupo DIS e superior ao

desempenho das crianças do subgrupo DF, que, por sua vez, foi melhor do que o

desempenho das crianças do subgrupo DEL. Ou seja, em relação à acuracidade das

palavras reais, as crianças com dislexia não se diferenciam das crianças com

desenvolvimento típico, apresentando uma acuracidade maior do que as crianças

com desvio fonológico, que por sua vez, possuem maior acuracidade do que as

crianças com distúrbio específico de linguagem. O QUADRO 02 abaixo, apresenta

um quadro comparativo de desempenho, que resume essas conclusões.

QUADRO 02: Comparativo de desempenho – Nomeação de Figuras

Desenvolvimento Típico

Dislexia Desvio Fonológico

DEL

Acuracidade das Palavras

Reais

Alta escore médio:

1,00

Alta escore médio:

0,99

Média escore médio:

0,88

Baixa escore médio:

0,54

Esses resultados estão em conformidade com o esperado, uma vez que não

há descrito na literatura nenhuma dificuldade na expressão verbal de crianças com

dislexia (Santos e Navas, 2002), enquanto que para as crianças com desvio

fonológico e distúrbio específico de linguagem, as alterações fonológicas na fala são

marcas dessas patologias (Mota, 2001; Befi-Lopes, 2010). As diferenças de

desempenho entre os grupos DF e DEL serão discutidas posteriormente no que diz

respeito à natureza das representações afetadas. Ainda, o conjunto desses

V.  Resultados  e  Discussão   91  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

resultados, também será utilizado, adiante, para fins comparativos com os

resultados dos testes padronizados e do teste de repetição de pseudopalavras.

5.2.3 Teste de Repetição de Pseudopalavras

O teste de Repetição de Pseudopalavras é o segundo instrumento de

testagem experimental e que foi elaborado neste projeto de doutorado, como já

descrito no capítulo 04. Sendo assim, ele será analisado de forma mais minuciosa,

fazendo uma comparação desses resultados com os resultados dos demais testes.

Com esta análise, pretende-se entender os padrões de desempenhos dos diferentes

grupos, discutindo a natureza dos déficits representacionais de cada grupo clínico, e

também elucidar os preditores do teste.

5.2.3.1 Desempenho dos grupos

Assim como ocorreu com o teste de nomeação de figuras, também para o

teste de repetição de pseudopalavras foi apresentada, na seção anterior, a TABELA

06, na página 86, contendo as medidas descritivas dos escores obtidos pelas

diferentes crianças neste teste. A seguir, portanto, serão apresentadas as análises

estatísticas realizadas a partir desses dados. Novamente, a estatística empregada

foi o Teste de Mann-Whitney para amostras não pareadas.

Assim como no teste de nomeação de figuras, o resultado indicou que entre o

subgrupo DIS e seus pares de mesma idade não houve diferença estatisticamente

relevante (Z= -1,330, p= 0,184), contudo, entre o subgrupo DF e seus pares e o

subgrupo DEL e seus pares houve diferença (Z= -3,176, p= 0,001*; e Z= -2,337, p=

0,019*, respectivamente). E novamente, ao comparar os subgrupos clínicos entre si,

foram encontradas diferenças significativas: entre DIS e DF (Z= -3,165, p= 0,002*);

entre DIS e DEL (Z= -2,695, p= 0,007*); e entre DF e DEL (Z= -2,658, p= 0,008*). Ou

seja, as crianças com dislexia novamente apresentaram desempenhos equivalentes

aos desempenhos das crianças com desenvolvimento típico e melhores que as

crianças com desvio fonológico que, por sua vez, apresentaram melhores

desempenhos que as crianças com distúrbio específico de linguagem.

V.  Resultados  e  Discussão   92  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Ainda, o GRÁFICO 01, a seguir, demonstra a distribuição dos escores obtidos

por cada subgrupo no teste de repetição de pseudopalavras, explicitando claramente

a distinção nos desempenhos entre os subgrupos, uma vez que o intervalo de

valores para o subgrupo DEL não se sobrepõe ao do subgrupo DF, que também não

se sobrepõe aos do subgrupos DIS e aos dos grupos de controle. Estes dois últimos,

se apresentando muito próximos. Além disso, é possível perceber também a grande

dispersão dos escores do subgrupo DEL em comparação aos demais subgrupos e

controles, que obtiveram escores mais homogêneos. A diferença de dispersão dos

escores nos quatro grupos também pode ser demonstrada pelo resultado para

desvio padrão de cada grupo apresentado na TABELA 06, na página 86.

GRÁFICO 01 – Distribuição dos escores do Teste de Repetição de Pseudopalavras por grupo.

Sumarizando os resultados, o QUADRO 03 abaixo, apresenta um quadro

comparativo de desempenho para o teste de repetição de pseudopalavras.

QUADRO 03: Comparativo de desempenho – Repet. de Pseudopalavras

Desenvolvimento Típico

Dislexia Desvio Fonológico

DEL

Acuracidade das

Pseudopalavras

Alta escore médio:

0,987

Alta escore

médio: 0,982

Média escore médio:

0,896

Baixa escore

médio: 0,513

V.  Resultados  e  Discussão   93  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

5.2.3.2 Fatores preditores de desempenho

Para compreender quais fatores influenciaram nesses desempenhos

discrepantes entre os grupos, foi feita uma análise qualitativa das correlações entre

as variáveis explicativas estabelecidas para a testagem das hipóteses apresentadas

no capítulo 4 – a saber, teste de memória sequencial auditiva, de vocabulário

receptivo e de acuracidade de palavras reais – com os resultados do teste de

repetição de pseudopalavras. Essa análise resultou no QUADRO 04, a seguir:

QUADRO 04: Comparativo de desempenho – Resumo dos Testes

Desenvolvimento Típico

Dislexia Desvio Fonológico

DEL

Memória Sequencial

Auditiva

Adequada Levemente Alterada

Levemente Alterada

Muito Alterada

Vocabulário Receptivo

Adequado Adequado Levemente Alterado

Muito Alterado

Acuracidade de Palavras Reais

Alta Alta Média Baixa

Acuracidade de Pseudopalavras

Alta Alta Média Baixa

Esse quadro comparativo dos desempenhos das crianças nos quatro testes

aplicados pode fornecer alguns indícios de qual seria a habilidade que estaria

influenciando a capacidade de repetir acuradamente as pseudopalavras. As crianças

com distúrbio específico de linguagem apresentaram grandes alterações tanto de

memória sequencial auditiva como de vocabulário receptivo. Além disso, elas ainda

apresentaram habilidades fonológicas bastante afetadas, uma vez que a

acuracidade das palavras reais foi muito baixa. Assim, era de se esperar que elas

apresentassem também baixa acuracidade na repetição de pseudopalavras. Já as

crianças com dislexia, que não apresentaram nenhuma alteração de vocabulário

receptivo e somente uma pequena alteração de memória sequencial auditiva,

tiveram um desempenho equiparado ao desempenho das crianças com

desenvolvimento típico. Assim, parece que a pequena alteração na memória de

trabalho não foi suficiente para afetar o desempenho na repetição de

V.  Resultados  e  Discussão   94  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

pseudopalavras. Soma-se a esse fato, o desempenho das crianças com desvio

fonológico: as mesmas apresentaram a mesma pequena alteração na memória

sequencial auditiva que as crianças com dislexia, contudo apresentaram também

uma alteração no vocabulário receptivo; e ainda as suas habilidades fonológicas se

mostraram também um tanto afetadas, uma vez elas obtiveram uma acuracidade

média das palavras reais. O resultado disso foi um desempenho mediano também

no teste de repetição de pseudopalavras.

Em suma, pode-se concluir que o tamanho do léxico parece ter sido

determinante para a habilidade de repetição de pseudopalavras. Esses resultados

reiteram as conclusões tanto de Munson et al. (2005a) quanto de Beckman et al.

(2007). Em ambos os trabalhos com crianças falantes do inglês, a partir de medidas

de repetição de pseudopalavras controladas pela probabilidade fonotática dos

difones, foi possível concluir que o tamanho do léxico é um preditor melhor do que a

idade para avaliação do conhecimento fonológico abstrato.

5.2.3.3 Efeitos de Frequência

Outra análise realizada para o teste de repetição de pseudopalavras foi com

relação ao efeito de frequência dos itens do teste. Como já descrito no capítulo 2, de

acordo com os pressupostos dos MMR, analisar o efeito de frequência das sílabas

que compõem cada pseudopalavra pode fornecer informações a respeito da relação

entre o tamanho do léxico e a robustez das representações fonológicas abstratas

que dizem respeito aos segmentos e suas relações fonotáticas. Isso porque, espera-

se que o léxico adulto seja suficientemente grande para conferir robustez a qualquer

representação abstrata, independentemente da frequência com que ela apareça no

léxico.

Ao transpor essas hipóteses para o léxico infantil, espera-se que as crianças

atinjam esse nível de robustez das representações fonológicas a partir de um

determinado tamanho de léxico. Essa medida ainda não é conhecida para o

Português Brasileiro (PB), como o é para a língua inglesa, por exemplo. Sendo

assim, caso os resultados obtidos nessa tese confirmem a hipótese de relação entre

tamanho de léxico e acuracidade de repetição de pseudopalavras, irão também

V.  Resultados  e  Discussão   95  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

indicar, para o PB, a partir de que intervalo de tamanho de léxico pode-se esperar a

ausência do efeito de frequência dos estímulos na acuracidade de repetição.

Resumindo, espera-se que crianças com tamanhos de léxico suficientemente

grandes não apresentem problemas em estabelecer abstrações de qualquer

natureza e, assim, não se mostrem sensíveis ao efeito de frequência.

A comparação entre as médias obtidas por cada grupo para os itens

frequentes e não frequentes foi feita a partir do Teste de Wilcoxon com pareamentos

de dois a dois, em cada grupo de crianças. As crianças dos três subgrupos do GCo

foram redistribuídas em somente dois subgrupos, a fim de analisar o efeito de

frequência nas crianças com desenvolvimento típico em função da idade: (i) 13

crianças mais velhas (faixa etária de 9 a 11 anos) e (ii) 5 crianças mais novas (faixa

etária de 5 a 6 anos). No subgrupo DIS não havia nenhuma criança mais nova. Os

dados do subgrupo DF não puderam ser analisados controlando a idade em função

do pequeno número de sujeitos em cada grupo. Os dados do subgrupo de DEL não

puderam ser analisados de forma alguma em função do pequeno número de

crianças. Os resultados gerais para efeito de frequência encontram-se na TABELA

09, logo abaixo.

TABELA 09: Efeito de Frequência – itens frequentes X não frequentes

Grupos N “z” p-valor

DT (mais velho) 13 -0,913 0,361

DT (mais novo) 5 -2,023 0,043*

DIS (geral) 7 -1,690 0,091

DF (geral) 7 -1,826 0,068

Legendas: DT = Desenvolvimento Típico; DIS = dislexia; DF = desvio fonológico; DEL = distúrbio específico de linguagem

A partir da TABELA 09, pode-se perceber que as crianças mais velhas com

desenvolvimento típico, assim como as crianças do subgrupo DIS, cujos léxicos

apresentaram tamanhos esperados para a idade, não se mostraram sensíveis a

esse efeito de frequência. Esse resultado confirma as expectativas de que léxicos

maiores fornecem suporte para o estabelecimento das abstrações mais robustas da

gramática fonológica, deixando, assim, de sofrer efeitos de frequência das sílabas.

V.  Resultados  e  Discussão   96  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Ainda, observa-se, também, que as crianças com desenvolvimento típico

mais novas apresentaram uma tendência para o efeito de frequência. Essa

tendência aparece, provavelmente, em função da menor robustez fonológica

resultante do tamanho de seus vocabulários. Contudo, por ser somente uma

tendência, evidenciada por um p-valor “limítrofe” (p = 0,043), necessita ser checada

com um grupo maior de crianças.

Já as crianças do subgrupo DF, apesar de apresentarem medidas de

vocabulário um pouco abaixo do esperado para a idade, também não se mostraram

sensíveis ao efeito de frequência, evidenciando que, mesmo com o léxico um pouco

abaixo do esperado para a idade, elas não apresentam dificuldades na

categorização das informações fonológicas abstratas. Seria esperado que as

crianças mais novas do subgrupo DF apresentassem efeito de frequência, assim

como as crianças mais novas com desenvolvimento típico. Mas isso não pôde ser

observado em função do pequeno número de sujeitos.

Portanto, a partir do resultado mostrado na TABELA 09 para as crianças dos

GCo, que evidenciou diferenças entre as crianças mais velhas e as mais novas,

tentou-se identificar se havia relação dessa diferença de efeito de frequência com as

diferenças de vocabulário que caracterizam tais grupos. A variabilidade entre as

respostas das crianças dos grupos de controle, tanto mais velhas como mais novas,

foi muito pequena: os escores se concentraram entre 0,97 e 1,0 para os estímulos

de baixa frequência e 0,98 e 1,0 para os de alta frequência. Tal concentração de

escores dificultou uma avaliação estatística porém foi possível identificar, na curva

de tendência, a diferença entre os itens frequentes e os não frequentes em relação

ao tamanho do léxico das crianças com desenvolvimento típico. Esse resultado é

apresentado pelo GRÁFICO 02, abaixo.

V.  Resultados  e  Discussão   97  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

GRÁFICO 02: Curva de Tendência para a média dos escores dos itens frequentes e não frequentes do teste de repetição de pseudopalavras em função do léxico – GCo

Legendas: PBDY = escores de vocabulário receptivo; REP_FQ = média dos escores dos itens frequentes; REP_NFQ = média dos escores dos itens não frequentes.

Pelo gráfico, apesar de todos os escores serem altos (iguais ou próximos de

1), os itens mais frequentes (linha vermelha) não sofreram tanta influência do léxico

como os itens menos frequentes. Como todos os itens eram formados por sílabas

CV (padrão silábico mais frequente do PB, e adquirido muito precocemente) é

plausível supor que as representações desse tipo silábico nos itens mais frequentes

já tenham sido estabelecidas muito precocemente, e que os itens menos frequentes

ainda estejam atingindo robustez representacional à medida que o léxico se amplia

para o intervalo de tamanho de léxico capturado nos sujeitos dessa amostra.

Importante enfatizar que, de fato, essa diferença de efeito de frequência diminui com

a idade e que, como mostrado na TABELA 09 acima, somente para as crianças com

desenvolvimento típico mais novas essa diferença foi estatisticamente significativa.

V.  Resultados  e  Discussão   98  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

5.2.3.4 Natureza das Substituições Fonológicas

Até o momento, a maioria dos dados foram tratados de forma quantitativa,

realizando generalizações a partir de resultados estatísticos. Contudo, em função do

restrito número de sujeitos dos GCl, algumas análises estatísticas ficaram

prejudicadas. Nesse sentido, para complementar tais análises, se faz importante

também realizar uma descrição qualitativa detalhada acerca da natureza das

produções das crianças – principalmente do grupo DEL, cujos resultados estatísticos

ficaram mais prejudicados. Esta análise, em conjunto com a análise dos efeitos de

frequência das sílabas das pseudopalavras podem fornecer subsídios para

identificar a qual tipo de conhecimento fonológico as crianças recorreram ao

realizarem a tarefa solicitada.

Nesse sentido, primeiramente, as TABELAS 10 e 11 a seguir, apresentam

alguns exemplos de pseudopalavras produzidas por duas crianças com distúrbio

específico de linguagem: uma de 11 anos e 6 meses (ou 138 meses) e outra com 5

anos e 4 meses (ou 64 meses) a fim de descrever e comparar essas produções. As

descrições fonéticas em preto correspondem ao alvo esperado, enquanto aquelas

em vermelho, são transcrições das produções das crianças.

TABELA 10: Produção de criança com DEL – 11 anos e 6 meses

V.  Resultados  e  Discussão   99  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

TABELA 11: Produção de criança com DEL – 5 anos e 4 meses

A dificuldade observada na produção da criança com distúrbio específico de

linguagem de 11 anos foi muito grande. Ela não só deixou de produzir corretamente

o detalhe fonético dos itens, substituindo /b/ por /p/ ou /v/ por /f/, por exemplo, mas

também, realizou omissões de estruturas silábicas inteiras, omissões de segmentos,

algumas vezes não manteve o padrão acentual do item. Ou seja, a produção não só

das informações fonético-paramétricas ficou prejudicada, mas também a das

informações fonológicas mais abstratas. Esse padrão de substituições se deve,

provavelmente, aos seus restritos moldes lexicais (tais como propostos por Vihman

e Croft, 2007). Parece que o molde CVCV já está bem estabelecido para essa

criança, uma vez que ela foi capaz de produzir todas as vogais, e substituiu (sem

omitir) ou realizou corretamente todas as consoantes dos estímulos de duas sílabas.

Contudo, quando aumenta o comprimento da palavra, a criança passa a realizar

várias omissões, atestando a não robustez do molde CVCVCV ou acima.

Quando se analisa a produção da criança com 5 anos, a dificuldade só

aumenta. Seus moldes lexicais parecem mais restritos ainda, de forma que sua

produção fica muito comprometida. Em todos os tamanhos de itens, a criança foi

capaz de produzir somente CVC ou VCV. Quando muito, ela parece ter abstraído

um molde que não é comum de aparecer nas primeiras representações infantis de

modo geral, mas que para ela foi muito produtivo: CVCC, onde a realização da

sílaba final não varia, como em tuks, dɔks, ʃeks. Ao analisar individualmente o escore

V.  Resultados  e  Discussão   100  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

de vocabulário receptivo dessa criança (escore = 14), observa-se que o mesmo

corresponde ao vocabulário de uma criança menor do que 1 ano e nove meses.

Para uma criança com essa idade, de fato, é esperado tanto moldes lexicais

restritos, como ausência de efeito de frequência na repetição de pseudopalavras.

Esse dados só atestam para a dificuldade de organização e categorização

das representações fonológicas abstratas, que encontram-se em número bastante

restrito, das crianças com distúrbio específico de linguagem. Assim, mesmo que não

tenha sido possível realizar uma análise estatística a respeito do efeito de frequência

para as crianças com distúrbio específico de linguagem, é plausível supor que o

tamanho de léxico dessas crianças é tão restrito que nem a alta frequência dos

componentes dos itens seria capaz de auxiliar na repetição das pseudopalavras.

Pois, a frequência somente poderia ser um facilitador caso já houvesse um mínimo

de informações abstraídas e categorizadas em função dos padrões abstratos

existentes na língua materna. Mas parece que a dificuldade das crianças com

distúrbio específico de linguagem é justamente nessa categorização de padrões

abstratos, o que significa que ela deve ter poucos padrões abstraídos, que são

estendidos sistematicamente a todas as situações.

As TABELAS 12, 13 e 14, abaixo, mostram alguns exemplos das produções

das crianças com desvio fonológico, dislexia e com desenvolvimento típico,

respectivamente.

TABELA 12: Produção de criança com Desvio Fonológico

V.  Resultados  e  Discussão   101  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

TABELA 13: Produção de criança com Dislexia

TABELA 14: Produção de criança com Desenvolvimento Típico

Como se pode perceber, as crianças com desenvolvimento típico, assim

como as crianças com dislexia e com desvio fonológico apresentaram o mesmo

padrão de substituição fonológica: elas foram capazes de acessar a maioria das

informações abstratas dos itens apresentados, tais como tamanho da palavra,

número de sílabas e de segmentos, acentuação; contudo as substituições se

g ɔ f ʊ z i g e f ə k e t ɔ n i s ʊg ɔ ʃ ʊ z i g i t ə t e t ɔ n i ʃ ɪʒ e f ə m ɔ ʒ e p ɪ g i v ɛ p o f ʊʒ e f ə m ɔ ʒ i p ɪ g i v ɛ p o f ʊʃ e ʎ ʊ g u f o ʃ ʊ v u r ɛ h u p əʃ e y ʊ g u f o ʃ ʊ v u r ɛ h u p ən o ʎ ɪ v u b o h ɪ z e ʃ o f u b ɪn o ʎ ɪ v u b o h ɪ z e f o f u b ɪz u b ɪ g e p ɔ n ə ʒ o p ɛ g e f əz u b ɪ g e p ɔ n ə ʒ o p ɛ g i f ətʃ i b ə k o p i z ə h e l a n i t ʊʃ i b ə k o p i z ə h e l a m i t ʊh a dʒ ɪ t a r e k ʊ k o v i t u n əh a dʒ ɪ t a r e p ʊ k o v i t u n əs ɛ b ə m e s i v ə dʒ i m e r ɔ t əs ɛ b ə m e s i v ə dʒ i m e r ɔ t əm a s ɪ v a b i t ʊ m e k u l i v əm a s ɪ v a b i t ʊ m e k u l i v əm i b ə d e t u k ə m o l i r a t ʊm i b ə d e t u k ə m o l i r a t ʊ

Dissilaba

s  não

 freq

uentes

Trissílaba

s  não

 Frequ

entes:

Polissílab

as  não

 Frequ

entes:

Dissílaba

s  frequ

entes

Trissílaba

s  Frequ

entes:

Polissílab

as  Frequ

entes:

V.  Resultados  e  Discussão   102  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

concentraram no detalhamento fonético. As crianças com dislexia não diferiram

daquelas com desenvolvimento típico nem mesmo na quantidade de substituições

realizadas, que foram muito poucas, como mostrado pelos escores semelhantes

(média de 0,987 para o GCo e 0,983 para o subgrupo DIS). Somente as crianças

com desvio fonológico apresentaram uma maior quantidade de substituições,

ficando a sua produção mais prejudicada do que dos outros dois grupos (a média do

escore para o subgrupo DF foi de 0,896). Contudo, é importante salientar, que tais

aspectos fonéticos que não foram produzidos, foram substituídos pelos mesmos

segmentos na fala espontânea dessas crianças, conforme pôde ser observado

através do teste de produção de palavras reais.

Portanto, sumarizando a natureza das substituições fonológicas realizadas

pelas crianças dos diferentes grupos, observa-se que as crianças com distúrbio

específico de linguagem foram aquelas que mais se diferenciaram das demais,

apresentando substituições que envolviam informações fonológicas abstratas. Todas

as demais, produziram substituições que diziam respeito ao detalhamento fonético-

paramétrico dos itens. Ainda, somente as crianças com desvio fonológico se

diferenciaram das crianças com desenvolvimento típico, apontando para uma

dificuldade específica nessas crianças, em oposição às crianças com dislexia.

Assim, no que diz respeito à representação do conhecimento fonológico, tal

como entendido pelos MMR de linguagem (Pierrehumbert, 2003), pode-se concluir

que as crianças com dislexia não apresentaram alteração alguma, assim como as

crianças com desenvolvimento típico; as crianças com desvio fonológico

apresentaram alterações na representação do tipo de conhecimento que diz respeito

ao detalhamento fonético paramétrico; e, por fim, as crianças com distúrbio

específico de linguagem apresentaram alterações na representação do tipo de

conhecimento fonológico abstrato, que diz respeito à gramática fonológica em si.

Ainda, essas alterações fonológicas podem ser relacionadas com as

características de vocabulário receptivo e memória sequencial auditiva encontradas

nesses grupos de crianças. Essa correlação reitera a influência do léxico nas

habilidades fonológicas das crianças, uma vez que é a diferença de léxico (e não de

memória de trabalho) que coincide com as diferenças de habilidades fonológicas

afetadas. Essa correlação encontra-se no QUADRO 05, a seguir.

V.  Resultados  e  Discussão   103  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

QUADRO 05: Comparativo de Desempenho – Memória Sequencial Auditiva, Vocabulário Receptivo e Representação Fonológica

Desenvolvimento Típico

Dislexia Desvio Fonológico

DEL

Memória Sequencial

Auditiva

Adequada Levemente Alterada

Levemente Alterada

Muito Alterada

Vocabulário Receptivo

Adequado Adequado Levemente Alterado

Muito Alterado

Conhecimento Fonológico

Afetado

Nenhum Nenhum Conhecimento Fonético

Paramétrico

Gramática Fonológica

5.3 DISCUSSÃO

O objetivo deste trabalho foi estudar a natureza dos déficits fonológicos

apresentados tanto por crianças com dislexia como por crianças com desvio

fonológico e distúrbio específico de linguagem, de modo a elucidar as semelhanças

e diferenças concernentes a essas três desordens, tendo como comparativo o

conhecimento fonológico de crianças com desenvolvimento típico.

Esse estudo foi motivado pela discussão da literatura que situa a dislexia e o

distúrbio específico de linguagem dentro de um continuum de um mesmo distúrbio

(Tallal et al., 1997; Bishop e Snowling, 2004; De Bree et al., 2007). Além disso, há

também diferentes discussões na literatura acerca das características específicas do

conhecimento fonológico de cada uma dessas três patologias. No caso da dislexia,

diferentes autores divergem quanto à natureza do déficit fonológico, se seria uma

questão de acesso (Esteves, 2009) ou de representação das informações

fonológicas (Santos e Navas, 2002; Fowlert e Swainson, 2004). Com relação ao

desvio fonológico, a questão que se coloca é em relação ao tipo de conhecimento

fonológico que estaria afetado nesse transtorno, se seriam as representações

fonético-paramétricas (Munson et al., 2010) ou as informações fonológicas abstratas

da gramática fonológica (Yavas et al., 1991). E por fim, no que diz respeito ao

distúrbio específico de linguagem, a discussão na literatura passa pelo

questionamento do papel do conhecimento fonológico armazenado na memória de

V.  Resultados  e  Discussão   104  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

longo prazo (Beckmam, Munson & Edwards, 2007) ou da memória de trabalho

fonológica para o processo de aprendizagem lexical (Gathercole, 2006).

Assim, para investigar o conhecimento fonológico de crianças diagnosticadas

com essas três patologias tomou-se como embasamento teórico os Modelos

Multirrepresentacionais de linguagem (MMR), que pressupõem a abstração da

linguagem de forma gradual ao longo do desenvolvimento, constituindo diferentes

tipos de conhecimento fonológico, a partir de um léxico adquirido com o uso da

linguagem na interação com outro e organizado em redes de conexões. Ou seja,

como pressuposto, o léxico propiciaria robustez à organização das informações

fonológicas abstratas necessárias em um teste de Repetição de Pseudopalavras.

Assim, esperava-se que os desempenhos dos diferentes grupos de crianças neste

teste variasse em função da diferença de tamanho de vocabulário entre eles.

Primeiramente, realizando uma análise comparativa entre os grupos a fim de

verificar um preditor para o desempenho no teste de repetição de pseudopalavras,

observou-se que as crianças com dislexia, mesmo obtendo escores de memória

sequencial auditiva abaixo do esperado para a idade, apresentaram escores de

repetição de pseudopalavras equivalentes aos das crianças de mesma idade com

desenvolvimento típico, provavelmente em função de seus léxicos, que não

apresentaram alteração. Porém, as crianças com desvio fonológico, que obtiveram

tanto escores de memória sequencial auditiva como de vocabulário receptivo abaixo

do esperado para a idade, apresentaram desempenhos no teste de repetição de

pseudopalavras piores do que seus pares de mesma idade com desenvolvimento

típico. Ainda, o efeito de frequência das sílabas constituintes das pseudopalavras

diminuiu em função do aumento do tamanho de léxico nas crianças com

desenvolvimento típico, indicando que o léxico deu suporte para a robustez das

representações fonológicas abstratas e, consequentemente, para a acuracidade do

teste de repetição de pseudopalavras. Nesse sentido, embora se reconheça algum

papel da memória de trabalho para a execução deste tipo de tarefa, pode-se

questionar a sua centralidade, tal como proposta por Gathercole (2006).

Em tal trabalho, a autora apresenta um quadro teórico para explicar a relação

entre repetição de pseudopalavras e aprendizagem de novas palavras, concluindo

que ambos os processos se baseiam centralmente no armazenamento fonológico

temporário, e que um déficit nesta memória de trabalho poderia ocasionar uma

V.  Resultados  e  Discussão   105  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

dificuldade tanto na repetição de pseudopalavras como na aprendizagem de novas

palavras. O efeito de frequência das pseudopalavras, segundo a autora se deveria,

no caso das pseudopalavras com componentes de alta frequência ao léxico, à

memória de longo termo, e o efeito dos estímulos de baixa frequência, à memória de

trabalho. Contudo, os resultados desta tese não corroboram essa afirmação. Assim,

sem negar que déficits na memória de trabalho podem vir a culminar em algumas

dificuldades lexicais, os resultados desta tese demonstram que o léxico exerce maior

influência do que a memória de trabalho na repetição de pseudopalavras de crianças

em idade escolar.

Outra vertente da análise dos dados desta tese diz respeito ao padrão de

desempenho das crianças dos diferentes grupos no teste. Nesse sentido, os

resultados mostraram que o padrão de desempenho no teste de repetição de

pseudopalavras de cada grupo clínico foi bastante discrepante entre si. As crianças

do subgrupo DIS obtiveram escores semelhantes aos seus pares com

desenvolvimento típico, sendo melhores e menos dispersos do que as crianças do

subgrupo DF que por sua vez, foram melhores e menos dispersos ainda do que o

subgrupo DEL. Ainda, os subgrupos clínicos DIS e DF não se mostraram sensíveis

ao efeito de frequência das sílabas constituintes das pseudopalavras, assim como

as crianças mais velhas com desenvolvimento típico; em contrapartida, para o

subgrupo DEL não foi possível tirar conclusões assertivas sobre esse efeito. Se essa

análise quantitativa for somada a uma análise qualitativa da produção das crianças

de cada grupo, essa diferença entre os grupos clínicos se acentua. Crianças dos

grupos de controle, assim como dos subgrupos DIS e DF apresentaram os mesmos

tipos de substituições, que dizem respeito às informações paramétricas do detalhe

fonético. A diferença entre eles foi a quantidade de substituição que, como retratado

pelo escore, foi bem maior somente no subgrupo DF. Já as crianças do subgrupo

DEL apresentaram falhas não só na produção do detalhamento fonético, mas

também e, principalmente, das informações fonológicas abstratas. Esses mesmos

padrões distintos foram encontrados também no teste que mediu a acuracidade para

palavras reais.

Esses resultados, tomados em conjunto, localizam as dificuldades das

crianças dos subgrupos clínicos em tipos de conhecimento fonológico diferentes. As

crianças com dislexia não apresentaram nenhum indício de alteração na

V.  Resultados  e  Discussão   106  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

representação das informações categóricas abstratas, uma vez que elas não foram

sensíveis ao efeito de frequência e nem apresentaram escores diferentes dos

grupos de controle no teste de pseudopalavras e também de palavras reais. Esses

resultados não confirmam os pressupostos de Santos e Navas (2002) que afirmam

que “a dificuldade de estabelecimento de representações fonológicas de boa

qualidade é a principal causa dos déficits de processamento fonológico encontrados

nos disléxicos”. Contudo, eles reiteram o trabalho de Esteves (2009), no qual foi

encontrado que disléxicos apresentaram dificuldades em acessar a forma sonora

das palavras no léxico, mas não pareciam apresentar dificuldades de representação

das mesmas, assim como das informações fonológicas mais abstratas.

Já os resultados das crianças com desvio fonológico parecem apontar para

uma dificuldade diferente das crianças com dislexia. Elas também não se mostraram

sensíveis ao efeito de frequência e foram capazes de acessar a maioria das

informações abstratas dos itens apresentados, apontando para uma integridade da

organização do conhecimento fonológico abstrato. Contudo, suas produções tanto

de palavras reais como de pseudopalavras foram sensivelmente menos acuradas

em termos quantitativos do que as crianças com desenvolvimento típico e com

dislexia, evidenciando uma dificuldade na produção das informações representadas

no espaço paramétrico fino. Esses resultados questionam a concepção tradicional

de que as crianças com desvio fonológico teriam dificuldades com a gramática

fonológica (Yavas et al., 1991; Mota, 2001) e corroboram os trabalhos de Munson et

al. (2010), que mostram a dificuldade das crianças com desvio fonológico em

relação às representações paramétricas. Em tal trabalho, as crianças com desvio

fonológico não se diferenciaram das crianças com desenvolvimento típico em termos

da velocidade de acesso lexical e da capacidade de codificação fonológica abstrata.

No entanto, se mostraram com habilidades reduzidas para aprender as

representações perceptuais de novas palavras.

E por fim, as crianças com distúrbio específico de linguagem obtiveram os

piores resultados, tanto em termos quantitativos, como em termos qualitativos em

todos os quatro testes, parecendo evidenciar uma significativa dificuldade na

representação do conhecimento fonológico abstrato. Esses resultados estão em

conformidade com os trabalhos de Munson et al. (2005a) e Beckman et al. (2007),

que concluem que crianças com distúrbio específico de linguagem apresentaram

V.  Resultados  e  Discussão   107  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

um prejuízo num nível de representação menos refinado e mais abstrato, como o da

Gramática Fonológica que permite ao falante a aquisição de novas palavras.

Localizar, portanto, as dificuldades dessas crianças em conhecimentos

fonológicos distintos traz significativas implicações clínicas tanto para o diagnóstico

em si como para o tratamento. Atualmente, como já descrito no capítulo 2, sobre as

patologias, um dos indicadores diagnósticos para distúrbio específico de linguagem

é a dificuldade na memória de trabalho. Contudo, como visto neste trabalho, tanto

crianças com dislexia, como crianças com desvio fonológico também apresentaram

dificuldades na memória de trabalho. Nesse sentido, parece que os fatores

diferenciadores entre os três grupos foram muito mais com relação ao tamanho de

léxico e ao tipo de conhecimento fonológico afetado do que à memória de trabalho.

Portanto, para fins diagnósticos, parece que identificar as dificuldades lexicais e de

tipo de conhecimento fonológico se traduz em procedimentos mais confiáveis para a

diferenciação entre desvio fonológico e distúrbio específico de linguagem que,

muitas vezes, podem apresentar manifestações linguísticas muito semelhantes. E

certamente, para fins terapêuticos, concentrar as tarefas em termos da percepção

das características acústicas da fala ou em termos das informações fonológicas

abstratas pode fazer toda a diferença no tempo total de terapia a qual a criança se

submete. Tendo sempre o pressuposto de que tais informações sobre os diferentes

tipos de conhecimento fonológico não são percebidas pelas crianças de forma

dissociada do contexto interativo e significativo em que se encontram. Além disso, a

hipótese teórica de que dislexia e distúrbio específico de linguagem fariam parte de

um continuum de um mesmo distúrbio (Tallal et al, 1997) não se sustenta, uma vez

que, apesar dos sintomas que se sobrepõem, crianças com essas patologias

possuem desempenhos completamente distintos que se mostram como resultados

de dificuldades fonológicas também distintas.

Adicionalmente, esses resultados trazem contribuições teóricas significativas,

uma vez que apresentam evidências para atestar a importância de se considerar a

organização sonora das línguas em diferentes tipos de conhecimento fonológico,

que se organizam de forma gradual ao longo do desenvolvimento em função do

léxico da criança, tal como proposto pelos MMR.

   

VI. CONCLUSÕES

ste trabalho se propôs a realizar uma aproximação entre o campo

da Fonoaudiologia e as propostas recentes do campo da

Linguística, analisando o conhecimento fonológico de crianças

com diferentes patologias da linguagem a partir dos pressupostos

teóricos dos Modelos Multirrepresentacionais (MMR) de linguagem (Goldberg, 1995;

Johnson, 1997; Tomasello, 2003; Vihman e Croft, 2007; Bybee, 2001 e 2010;

Pierrehumbert, 2001, 2003 e 2012; Croft, in press).

A ideia de investigar três patologias tão distintas como a dislexia, o desvio

fonológico e o distúrbio específico de linguagem foi impulsionada por uma discussão

da literatura acerca das manifestações linguísticas semelhantes apresentadas pelas

mesmas, a saber, déficits em memória fonológica, em consciência fonológica e no

acesso lexical (Santos e Navas, 2002; Befi-Lopes, 2004; Wertzner, 2004). Há

autores, inclusive, que afirmam a possibilidade de dislexia e distúrbio específico de

linguagem fazerem parte de um continuum do mesmo transtorno, no qual a dislexia

seria a manifestação de grau leve e o distúrbio específico de linguagem a de grau

mais severo (Tallal et al., 1997). No entanto, realizando-se uma análise mais

aprofundada a respeito do déficit fonológico apresentado por cada uma dessas

patologias, constata-se que há especificidades de cada uma que as caracterizam de

forma diferenciada (Munson et al. 2005a; Beckman et al., 2007; Esteves, 2009).

Além disso, trazer dados de diferentes populações clínicas para dentro da discussão

acerca dos modelos explicativos da aquisição/ desenvolvimento/ representação da

linguagem pode trazer contribuições importantes que refutem ou reiterem tais

modelos teóricos.

Os MMR preconizam que a criança não nasce com as categorias fonológicas

abstratas prontas. Ao contrário, ao longo do desenvolvimento da criança diferentes

tipos de conhecimento fonológico vão surgindo a partir de abstrações e

generalizações que vão sendo feitas gradativamente sobre os moldes lexicais

iniciais da criança. Tais moldes lexicais somente são efetivamente adquiridos a partir

da interação com outro em contextos socialmente significativos para a criança. Os

diferentes tipos de conhecimento fonológico que a criança vai organizando em seu

desenvolvimento dizem respeito tanto a categorias abstratas fonológicas e

morfofonológicas que cognitivamente se formam aos poucos, mas também às

E

VI.  Conclusões   109  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

informações mais concretas a respeito das características percepto-acústicas e

articulatórias da fala, com as quais a criança tem experiência direta com o uso

linguístico. Nesse sentido, é necessário que a criança seja inserida em situações

sócio-interativas que lhe confiram significativa experiência linguística, e também que

ela possua capacidades cognitivas íntegras para que, a partir do uso da linguagem e

por meio de processos de generalização e categorização inatos, ela possa

desenvolver o conhecimento linguístico abstrato. Ou seja, no que diz respeito ao

conhecimento especificamente fonológico, quanto maior o seu vocabulário, mais

robustas serão as suas representações acerca das categorias fonológicas abstratas

(Goldberg, 1995; Johnson, 1997; Tomasello, 2003; Vihman e Croft, 2007; Bybee,

2001 e 2010; Pierrehumbert, 2001, 2003 e 2012; Croft, in press).

Na literatura, há uma discussão a respeito de quais habilidades seriam

necessárias para a realização de um teste de pseudopalavra. Alguns autores

preconizam que a memória de trabalho fonológica exerce influência principal, de

forma que para executar tal tarefa usar-se-ia somente tais informações fonológicas

armazenadas temporariamente. Assim, um déficit nesta habilidade de memória de

trabalho prejudicaria a capacidade de repetir pseudopalavras, assim como de

aprender novas palavras, acarretando em um léxico empobrecido (Gathercole,

2006). Outros autores defendem a ideia de que seriam as informações fonológicas

estocadas na memória de longo prazo, ou seja, no léxico, que seriam utilizadas

prioritariamente em um teste como esse. Esses trabalhos demonstram que, ao

controlar algumas variáveis como grau de semelhança, probabilidade fonotática,

densidade de vizinhança, entre outros, o teste de repetição de pseudopalavras se

torna um bom avaliador da integridade das representações fonológicas abstratas. E

assim, um léxico empobrecido seria possivelmente a causa (e não a consequência)

de um desempenho ruim no teste de repetição de pseudopalavras (Frisch et al 2000,

Munson et al. 2005a).

Portanto, tendo como base os trabalhos que corroboram os pressupostos dos

MMR de linguagem e defendem a ideia de que o tamanho do léxico seria o principal

preditor para o desempenho em testes de repetição de pseudopalavras, este

trabalho se propôs a aplicar tal teste em crianças com patologias da linguagem – a

saber, dislexia, desvio fonológico e distúrbio específico de linguagem – e em

crianças com desenvolvimento típico, de modo avaliar o conhecimento fonológico

VI.  Conclusões   110  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

das mesmas. Medidas de memória sequencial auditiva, vocabulário receptivo e

acuracidade de nomeação de palavras reais foram utilizadas de forma comparativa a

fim de identificar os preditores para o desempenho do teste de repetição de

pseudopalavras.

Os resultados mostraram que, de uma forma geral, embora não se possa

descartar a influência da medida de memória sequencial auditiva e da idade, o

principal preditor para o desempenho no teste de repetição de pseudopalavras foi a

medida do vocabulário receptivo. Ainda, o efeito de frequência das sílabas

constituintes das pseudopalavras diminuiu em função do aumento do tamanho de

léxico, nas crianças com desenvolvimento típico, indicando que o léxico deu suporte

para a robustez das representações fonológicas abstratas.

Esses resultados estão em conformidade com os estudos de Munson et al.

(2005a) e Beckman et al. (2007), que também encontraram evidências que reiteram

o papel principal do léxico nesta tarefa. Contudo, questionam o trabalho de

Gathercole (2006), no qual a autora atesta que repetição de pseudopalavras e

aprendizagem de novas palavras se baseiam centralmente no armazenamento

fonológico temporário. Assim, sem negar que déficits na memória de trabalho podem

vir a culminar em algumas dificuldades lexicais, os resultados desta tese

demonstram que o léxico exerce maior influência do que a memória de trabalho na

repetição de pseudopalavras de crianças em idade escolar.

Os resultados mostraram também que as crianças dos diferentes grupos

clínicos apresentaram diferentes características em termos de vocabulário e de tipo

de conhecimento fonológico afetado. As crianças com dislexia, apesar de se

mostrarem com dificuldades na memória de trabalho fonológica, não apresentaram

nenhuma alteração de vocabulário receptivo e nem nenhum indício de alteração na

representação das informações categóricas abstratas, uma vez que elas não foram

sensíveis ao efeito de frequência e nem apresentaram escores diferentes de

crianças com desenvolvimento típico no teste de pseudopalavras e também de

palavras reais. Esses resultados não confirmam os pressupostos de Santos e Navas

(2002) que afirmam que “a dificuldade de estabelecimento de representações

fonológicas de boa qualidade é a principal causa dos déficits de processamento

fonológico encontrados nos disléxicos”. Contudo, eles reiteram o trabalho de

Esteves (2009), no qual foi encontrado que disléxicos apresentaram dificuldades em

VI.  Conclusões   111  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

acessar a forma sonora das palavras no léxico, mas não pareciam apresentar

dificuldades de representação das mesmas, assim como das informações

fonológicas mais abstratas.

Já os resultados das crianças com desvio fonológico apontam para uma

dificuldade diferente das crianças com dislexia. Elas apresentaram déficits de

memória de trabalho e uma pequena defasagem em seus vocabulários. Elas

também não se mostraram sensíveis ao efeito de frequência e foram capazes de

acessar a maioria das informações mais abstratas dos itens apresentados,

apontando para uma integridade da organização do conhecimento fonológico mais

abstrato. Contudo, suas produções tanto de palavras reais como de pseudopalavras

foram sensivelmente menos acuradas em termos quantitativos do que seus pares

com desenvolvimento típico e as crianças com dislexia, evidenciando uma

dificuldade na produção das informações representadas no espaço paramétrico fino.

Esses resultados questionam a concepção tradicional de que as crianças com

desvio fonológico teriam dificuldades com a gramática fonológica (Yavas et al., 1991;

Mota, 2001) e corroboram os trabalhos de Munson et al. (2010), que mostram a

dificuldade das crianças desvio fonológico com as representações paramétricas. Em

tal trabalho, as crianças com desvio fonológico não se diferenciaram das crianças

com desenvolvimento típico em termos da velocidade de acesso lexical e da

capacidade de codificação fonológica abstrata. No entanto, se mostraram com

habilidades reduzidas para aprender as representações perceptuais de novas

palavras.

E por fim, as crianças distúrbio específico de linguagem obtiveram os piores

resultados, tanto em termos quantitativos, como em termos qualitativos em todos os

quatro testes, parecendo evidenciar uma significativa dificuldade na representação

do conhecimento fonológico abstrato. Esses resultados estão em conformidade com

os trabalhos de Munson et al. (2005a) e Beckman et al. (2007), que concluem que

crianças com distúrbio específico de linguagem apresentaram um prejuízo num nível

de representação menos refinado e mais abstrato, como o da Gramática Fonológica

que permite ao falante a aquisição de novas palavras.

Resumindo, as crianças com dislexia não apresentaram nenhuma alteração

na representação das informações fonológicas. As crianças com desvio fonológico

apresentaram dificuldades na representação das informações fonológicas

VI.  Conclusões   112  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

paramétricas, do detalhamento fonético fino, enquanto as crianças com distúrbio

específico de linguagem se mostraram com muitas dificuldades na categorização

dos padrões fonológicos abstratos, que constituem a gramática fonológica.

Esses resultados, além de trazerem implicações clínicas que podem mudar o

direcionamento tradicional tanto dos processos diagnósticos como terapêuticos,

também atestam a importância de se considerar a organização sonora das línguas

em diferentes tipos de conhecimento, que se organizam de forma gradual ao longo

do desenvolvimento em função do léxico da criança, tal como proposto pelos MMR.

A título de considerações finais, é importante ressaltar como que o teste piloto

de repetição de pseudopalavras utilizado nesta tese foi significativo para elucidar

inicialmente algumas questões a respeito do conhecimento fonológico tanto das

crianças com desenvolvimento típico como das crianças com transtornos de

linguagem. No entanto, como dito, este foi um teste piloto, o início das investigações

deste tipo de tarefa analisado sob a ótica dos Modelos Multirrepresentacionais de

linguagem. E como tal, se faz necessário o aprimoramento do mesmo para que

novas investigações possam ser realizadas. Por exemplo, este teste só levou em

consideração o tipo silábico CV e o acento lexical paroxítono. Contudo, seria

importante incluir no teste, outros tipos silábicos e prosódicos que possibilitariam

observar, ao longo do desenvolvimento infantil, como se dá a gradual abstração

dessas diferentes informações a respeito da fonotática do Português Brasileiro. Se

faz necessário, portanto, aprimorar tal teste de repetição de pseudopalavras, para

que essa e muitas outras questões que possam vir a aparecer sejam respondidas.

Alguns outros questionamentos clínicos também se mostram sem respostas a

partir da conclusão deste trabalho, se fazendo necessário aprofundar, em separado,

as discussões clínicas de cada uma das patologias da linguagem investigadas. Por

exemplo, qual será a relação existente entre as dificuldades de memória de trabalho

e acesso lexical (Esteves, 2009) encontradas nas crianças com dislexia? As

dificuldades de crianças com desvio fonológico no que tange às representações

fonético-paramétricas se devem à alterações na percepção acústica do som ou à

retenção dessas informações (tal como proposto por Munson et al., 2005a, uma vez

que nesta tese tais crianças também apresentaram dificuldades de memória de

trabalho)? Será que as dificuldades de categorização das informações fonológicas

abstratas encontradas nas crianças com distúrbio específico de linguagem são

VI.  Conclusões   113  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

extensíveis a outros conhecimentos abstratos? Esses são questionamentos clínicos

importantes que devem ser melhor investigados a fim de que os processos

terapêuticos possam também se aprimorar.

Por fim, se faz importante também refletir acerca dos limites que são impostos

na clínica da linguagem ao se adotar determinado modelo teórico em detrimento de

outro. Em função da própria definição, um modelo teórico é sempre um recorte do

mundo, que lança um olhar sobre o mesmo a partir de um determinado ponto de

vista, delimitando-o. E, quando se fala em clínica, se fala em trabalho vivo em ato,

onde as múltiplas facetas dos processos interativos estão em jogo. Dessa forma, foi

intuito deste trabalho oferecer um olhar específico sobre os distúrbios de linguagem,

que muito contribui para a compreensão e descrição dos mesmos. Contudo, é

necessário não perder de vista a multiplicidade envolvida no agir terapêutico com as

crianças que não entram no mundo da linguagem de forma plena.

   

VII. Referências Bibliográficas

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Anexos   120  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

ANEXO I - Teste de Memória de Sequencial Auditiva (Bogossian e Santos, 1977)

Prova: Memória Sequencial Auditiva – ITPA – Subteste 510

Data:  _____/________/______  

Nome: ____________________________________________________

Idade:  ______________________________________________      D.N.:  ______/________/_______  

Escolaridade:  ____________________________________________________________________  

Examinadores:  __________________________________________________________________  

1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª 1ª 2ª

9-1 8-2-9-3 2-9-6-1-8-3 8-1-6-2-5-9-3

7-9 1-6-9-5 7-4-8-3-5-5 2-7-4-1-8-3-6

6-4-9 4-7-3-9-9 6-9-5-7-2-8 4-9-6-3-5-7-1

8-1-1 6-1-4-2-8 5-2-4-9-3-6 3-1-9-2-7-4-8-8

5-2-8 1-5-2-9-6 4-7-3-8-1-5 8-2-5-9-3-6-4-1

2-7-3-3 7-3-1-8-4 3-6-1-9-2-7-7 4-7-3-1-6-2-9-5

6-3-5-1 5-9-6-2-7 5-3-6-9-7-8-2 9-6-3-8-5-1-7-2

Escore

 

10 Base e Teto – Crianças abaixo de 6 anos: Não há base. O examinador continua a aplicação, item por item, até que 2 itens consecutivos sejam errados em ambas as tentativas (teto). Para crianças com idade igual ou superior a 6 anos se a criança erra a primeira tentativa de qualquer um dos 3 primeiros itens que lhe são apresentados (5, 6 ou 7) o examinador deve administrar a segunda tentativa daquele item e aplicar os itens imediatamente anteriores, até obter 3 acertos consecutivos na primeira tentativa (BASE). Volta, então, ao ponto onde ocorreu o primeiro erro e continua a aplicação até que ocorram 2 erros consecutivos em ambas as tentativas (TETO).

DEMO

a. 2 -2 b. 2 -1

Anexos   121  

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ANEXO II

Teste de Vocabulário Receptivo Peabody III (Dunn & Dunn, 1997)

Anexos   122  

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Anexos   123  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Anexos   124  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

ANEXO III – Figuras Utilizadas no Teste de Nomeação de Figuras

Anexos   125  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Anexos   126  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Anexos   127  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

Anexos   128  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

ANEXO IV – ITENS DO TESTE DE REPETIÇÃO DE PSEUDOPALAVRA

Dissílabas Não-Frequentes 1- gɔfʊ 2- ʒefəә 3- ʃeʎʊ 4- noʎɪ 5- zubɪ Dissílabas Frequentes 1- tʃibəә 2- hadʒɪ 3- sɛbəә 4- masɪ 5- mibəә Trissílabas Não-Frequentes 1- zigefəә 2- mɔʒepɪ 3- gufoʃʊ 4- vubohɪ 5- gepɔnəә Trissílabas Frequentes 1- kopizəә 2- tarekʊ 3- mesivəә 4- vabitʊ 5- detukəә 4 sílabas Não-frequentes 1- ketɔnisʊ 2- givɛpofʊ 3- vurɛhupəә 4- zeʃofubɪ 5- ʒopɛgefəә 4 sílabas Frequentes 1- helanitʊ 2- kovitunəә 3- dʒimerɔtəә 4- mekulivəә 5- moliratʊ

Anexos   129  

 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

ANEXO V – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

!

!

!

"!

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Título do Estudo: O conhecimento fonológico de crianças com dislexia, desvio fonológico e distúrbio específico de linguagem: uma análise multirrepresentacional

Pesquisador Responsável: Clara Oliveira Esteves

Senhor(a) o seu(sua) filho(a) está sendo convidado(a) a participar de uma pesquisa. Por favor, leia este documento com bastante atenção antes de assiná-lo. Caso haja alguma palavra ou frase que o(a) senhor(a) não consiga entender, converse com o pesquisador responsável pelo estudo ou com um membro da equipe desta pesquisa para esclarecê-los.

A proposta deste termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) é explicar tudo sobre o estudo e solicitar a sua permissão para participar do mesmo.

OBSERVAÇÃO: Caso o paciente não tenha condições de ler e/ou compreender este TCLE, o mesmo poderá ser assinado e datado por um membro da família ou responsável legal pelo paciente.

Objetivo do Estudo

O objetivo do estudo é analisar o conhecimento fonológico apresentado por crianças com diferentes transtornos da linguagem, de modo a identificar as possíveis semelhanças e diferenças entre essas desordens. Entendendo a organização do conhecimento fonológico é possível propor melhores formas de terapia para as crianças com transtornos de linguagem.

Duração do Estudo

A duração total do estudo é de 4 anos.

No entanto, a participação de seu(sua) filho(a) no estudo será de apenas 1 sessão de 40 min composta por quatro avaliações.

Descrição do Estudo

Participarão do estudo aproximadamente 50 crianças, distribuídas entre 5 grupos diferentes: (i) grupo clínico de Dislexia; (ii) grupo clínico de Desvio Fonológico; (iii) grupo clínico de Distúrbio Específico de Linguagem; (iv) grupo de controle por idade; (v) grupo controle por nível de linguagem.

Este estudo está sendo realizado junto ao Programa de Pós-graduação em Linguística da UFRJ sob a forma de um projeto de doutorado da pesquisadora.

( ) O(a) seu(sua) filho(a) foi escolhido(a) a participar do estudo compondo um dos grupos de controle porque se encontra na faixa etária das crianças selecionadas e por apresentar bom desempenho escolar, sem a presença de nenhuma alteração de linguagem.

( ) O(a) seu(sua) filho(a) foi escolhido(a) a participar do estudo porque está realizando tratamento fonoaudiológico para transtornos de linguagem e, assim, está sendo convidado a participar do estudo compondo um dos grupos clínicos.

Procedimento do Estudo

A participação de seu(sua) filho(a) consistirá, tão somente, na realização de 4 testes diferentes: um de vocabulário receptivo, um de memória, um de nomeação de figuras e outro de repetição de palavras inventadas.

Todos esses testes são questionários ou tarefas que o(a) seu(sua) filho(a) deverá realizar, não constituindo, assim, em nenhum procedimento invasivo.

Os testes serão aplicados de forma sequencial, respeitando a ordem descrita acima, em apenas

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 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

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uma sessão. A duração de cada teste é de aproximadamente 10 min, sendo necessário, no total, 40 min para a participação completa na pesquisa.

Posteriormente, os resultados dos testes serão analisados em conjunto com os de outras crianças, não sendo possível a realização de análises individuais.

Riscos Potenciais, Efeitos Colaterais e Desconforto

A participação do(a) seu (sua) filho(a) nesta pesquisa é voluntária e esta avaliação clínica resumida não determinará qualquer risco para o mesmo.

Benefícios para o participante

Não há benefício direto para o participante desse estudo. Trata-se de estudo quantitativo testando a hipótese de que os déficits fonológicos apresentados por crianças com o diagnóstico de DISLEXIA, DESVIO FONOLÓGICO ou DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM possuem naturezas subjacentes distintas.

Somente no final do estudo poderemos concluir a presença de algum benefício para a crianças com alterações de linguagem. Porém, os resultados obtidos com este estudo poderão ajudar a pensar em formas de intervenção terapêutica distintas para essas crianças.

Compensação

Seu(sua) filho(a) não receberá nenhuma compensação para participar desta pesquisa e também não terá nenhuma despesa adicional.

Participação Voluntária/Desistência do Estudo

A participação do(a) seu (sua) filho(a) neste estudo é totalmente voluntária, ou seja, ele somente participa se quiser.

A não participação no estudo não implicará em nenhuma consequência para o mesmo.

Novas Informações

Quaisquer novas informações que possam afetar a sua segurança ou influenciar na sua decisão de continuar a participação no estudo serão fornecidas a você por escrito. Se você decidir continuar neste estudo, terá que assinar um novo (revisado) Termo de Consentimento informado para documentar seu conhecimento sobre novas informações.

Em Caso de Danos Relacionados à Pesquisa

Em caso de dano pessoal, diretamente causado pelos procedimentos ou tratamentos propostos neste estudo (nexo causal comprovado), o participante tem direito a tratamento médico na Instituição, bem como às indenizações legalmente estabelecidas.

Utilização de Registros Médicos e Confidencialidade

Todas as informações colhidas e os resultados dos testes serão analisados em caráter estritamente científico, mantendo-se a confidencialidade (segredo) do paciente a todo o momento, ou seja, em nenhum momento os dados que o identifique serão divulgados, a menos que seja exigido por lei. Os registros médicos que trazem a sua identificação e esse termo de consentimento assinado poderão ser inspecionados por agências reguladoras e pelo CEP.

Os resultados desta pesquisa poderão ser apresentados em reuniões ou publicações, contudo, sua identidade não será revelada nessas apresentações.

Quem Devo Entrar em Contato em Caso de Dúvida

Em qualquer etapa do estudo você terá acesso aos profissionais responsáveis pela pesquisa para esclarecimento de eventuais dúvidas. A responsável pelo estudo nesta instituição é a Fga. Clara Oliveira Esteves que poderá ser encontrada na Faculdade de Letras da UFRJ ou no seguinte

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 Conhecimento fonológico em crianças com Dislexia, Desvio Fonológico e DEL: uma análise multirrepresentacional da linguagem

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telefone: (71) 9142-6857

Declaração de Consentimento

Concordo em participar do estudo intitulado "_____". O conhecimento fonológico de crianças com dislexia, desvio fonológico e distúrbio específico de linguagem: uma análise multirrepresentacional

Li e entendi o documento de consentimento e o objetivo do estudo, bem como seus possíveis benefícios e riscos. Tive oportunidade de perguntar sobre o estudo e todas as mminhas dúvidas foram esclarecidas. Entendo que estou livre para decidir não participar desta pesquisa. Entendo que ao assinar este documento, não estou abdicando de nenhum de meus direitos legais.

Eu autorizo a utilização dos meus registros médicos (prontuários médico) pelo pesquisador, autoridades regulatórias e pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição.

Nome do Sujeito de Pesquisa (Letra de Forma ou à Máquina)

Nome do Representante Legal do Sujeito de Pesquisa (Letra de Forma ou à Máquina)

Data

Assinatura do Representante Legal do Sujeito de Pesquisa

Nome do Pesquisador Principal (Letra de Forma ou à Máquina)

Data

Assinatura e Carimbo do Pesquisador Principal

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