o conhecimento biolÓgico e as construÇÕes sociais do “ser humano”

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A Teoria das Representações Sociais de Moscovici e colaboradores tem defendido que o conhecimento repousa em um conjunto de símbolos possibilitadores do pensamento e da comunicação social. Este saber prático explicita, nos sentidos e significados que carrega, o processo coletivo que o estabelece, pois resulta de um conflito de interesses; opiniões, atitudes e ações de um grupo. Assim, atualiza e defende uma identidade social, promove a dupla construção da ipseidade/alteridade deste conjunto frente a outros. Busca-se discutir se a constituição do conceito “ser humano”, para a sociedade contemporânea, segue padrões análogos frente a fenômenos e organismos não-humanos. Para isto, pretende-se apresentar argumentos que fundamentam esta questão, bem como a possibilidade do uso da Teoria das Representações Sociais em trabalhos empíricos que identifiquem e investiguem essa possível relação. Primeiramente, pretende-se entender este processo na formação de professores de Biologia, pois os currículos dos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas apresentam possibilidades intensas de reflexão sobre tal questão, principalmente pelo confronto entre teorias evolucionistas e saberes cotidianos acerca das origens, identidade e futuro dos grupos humanos. Acredita-se que o conhecimento científico e os produtos tecnológicos tenham participado de boa parte da constante (re)formulação do que se representa como identidade humana, seja pela naturalização do artificial, por exemplo à manipulação da vida, ou pelo confronto entre o que se sabe sobre o homem e os demais organismos vivos. Esta discussão pode ser frutífera no sentido de evidenciar relações dinâmicas entre os pensamentos biológico e cotidiano, bem como pensar o ensino de ciências sob um enfoque multicultural que valorize e promova o diálogo entre ambos.

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PAGAN, A.; Bizzo, N. & El‐hani, C. (2007) O conhecimento biológico e as construções sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.  

 

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tipificação desvalorizante e estereotipada do diferente (JODELET, 1998, p. 50 – 51). 

Tal  discussão  sobre  o  duplo  processo  de  definição  dos  espaços  da alteridade/ipseidade,  pouco  interessou  à  psicologia  social,  que  tratava principalmente das  formas  concretas de  sua  exposição,  como as  relações  raciais. Esta  postura  foi  insuficiente  para  compreender  a  alteridade  como  produto  e processo  psicossocial.  Contudo,  a  abordagem  empregada  pela  Teoria  das Representações Sociais permitiu um melhor entendimento da influência simbólica sobre a construção/exclusão social que é subjacente à esta noção (JODELET, 1998). 

A Teoria  das Representações  Sociais,  inaugurada por Moscovici, mostra  que  a construção  simbólica  coletiva  propicia  a  manutenção  de  uma  identidade  social, consequentemente, de critérios para definição de um outro.  

Moscovici  (1978,  p.  41),  percebeu  que  as  pessoas  organizam  suas  ações cotidianas partindo de opiniões elaboradas segundo experiências empíricas suas e dos que estão diretamente relacionados consigo. Estas experiências são difundidas pela  comunicação  intersubjetiva  ou  por mecanismos  de  comunicação  em massa, tais como, a  tv, o rádio, os  livros, as revistas, e atuam na  formação de “entidades quase  tangíveis  que  [...]  cruzam‐se  e  se  cristalizam  incessantemente  através  de uma fala, um gesto, um encontro em nosso universo cotidiano” – As representações sociais. 

Segundo  ele,  o  conhecimento  é  constituído  pelo  pensamento  simbólico,  que significa a possibilidade de representar um objeto através de outro, bem como um objeto significar vários outros. 

Este  pensamento  teria  sua  gênese  na  comunicação  social.  Os  símbolos  recém introduzidos,  ou  edificados  no  grupo,  são  agrupados  a  outros,  que  os contextualizam,  que  explicitam  seus  sentidos.  Uns, mais  arraigados  a  valores  do grupo, servem de base para ancoragem dos novos. Este esquema de concatenação de símbolos define um grupo de conceitos. 

A fixação de um conceito é reflexo de um conflito de interesses que se estabelece no  interior  do  grupo.  Promove  o  debate  e  a  demarcação  das  prioridades  do conjunto, do que há em comum aos seus membros. No processo de comunicação e construção simbólica, os grupos afirmam ou re‐elaboram os próprios contornos. E o processo de pensamento reflete, portanto, uma organização social. 

Moscovici  (1978,  p.  41)  afirma  que  “as  representações  sociais  correspondem, por um lado, à substância simbólica que entra na elaboração e, por outro, à prática que produz a dita substância, tal como a ciência ou os mitos correspondem a uma prática científica ou mítica”.   

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PAGAN, A.; Bizzo, N. & El‐hani, C. (2007) O conhecimento biológico e as construções sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. 

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Deste modo, 

uma  representação  fala  tanto  quanto mostra,  comunica  tanto  quanto exprime. No final das contas, ela produz e determina os comportamentos, pois define simultaneamente a natureza dos estímulos que nos cercam e nos  provocam,  e  o  significado  das  respostas  a  dar­lhes.  Em  poucas palavras,  a  representação  social  é  uma  modalidade  de  conhecimento particular  que  tem  por  função  a  elaboração  de  comportamentos  e  a comunicação entre indivíduos (MOSCOVICI, 1978, p. 26). 

Este saber prático explicita, nos sentidos e significados que carrega, o processo coletivo  que  o  estabelece,  pois  resulta  de  um  conflito  de  interesses;  opiniões, atitudes  e  ações  de  um  grupo.  Assim,  atualiza  e  defende  uma  identidade  social, promove  a  dupla  construção  da  ipseidade/alteridade  deste  conjunto  frente  a outros.  Neste  sentido,  constituição  do  conceito  “ser  humano”,  para  a  sociedade contemporânea  ocidental,  seguiria  padrões  análogos  frente  a  fenômenos  e organismos não‐humanos? 

Acredita‐se  que  o  conhecimento  científico  e  os  produtos  tecnológicos  tenham participado de boa parte da constante (re)formulação do que se representa como identidade  humana,  seja  pela  naturalização  do  artificial,  por  exemplo  à manipulação da vida, ou pelo confronto entre o que se sabe sobre o homem e os demais  organismos  vivos.  Esta  discussão  pode  ser  frutífera  no  sentido  de evidenciar  relações  dinâmicas  entre  os  pensamentos  biológico  e  cotidiano,  bem como  pensar  o  ensino  de  ciências  sob  um  enfoque  multicultural  que  valorize  e promova o diálogo entre ambos. 

O CONHECIMENTO BIOLÓGICO E O “SER – HUMANO”

Ainda  na  pré‐história,  o  homem  conhecia  inúmeros  organismos  vivos, imortalizados na arte rupestre, usados na obtenção de instrumentos de exploração, ou  alimento.  Desde  as  primeiras  incursões  no  entendimento  do  meio  ambiente, com a  tomada de  consciência da própria  identidade,  ele  começa a  traçar os  seus primeiros passos como naturalista. Principia‐se uma cisão. Ao tornar‐se naturalista o humano, passo a passo, distancia‐se da sua condição natural. 

Paulatinamente,  a  sociedade,  sob  o  argumento,  dentre  outros,  dos  “bons modos”, parte de uma ruptura entre o animal e o humano. Este, que se distancia da desordem,  do  invariável,  torna‐se  imperfeito,  ao  contrário  dos  animais,  tão  bem adaptados  ao  seu  meio.  Por  outro  lado,  o  homem  se  aperfeiçoa,  se  desenvolve usando de próteses sociais, em busca da sua perfeição. “Aperfeiçoar o homem, eis a missão da sociedade e do conhecimento” (MOSCOVICI, 1974). 

Há  uma  luta  da  sociedade  contra  a  natureza.  Um  inimigo,  ligado  ao  ambiente externo  e  outro  ao  interno  ao  humano,  que  deve  ser  analisado,  compreendido  e 

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controlado.  Conhecer  e  dominar  o  selvagem  é  questão  de  sobrevivência (MOSCOVICI, 1974; 1975). 

A relação proposta entre os homens, os animais, e os demais organismos vivos, apresentada  pelas  teorias  evolucionistas,  ou  mesmo  pelos  primeiros  estudos anatômicos,  que  datam  de muito  antes,  implicaram  na  produção  de  argumentos para pensar esta dupla oposição selvagem/doméstico. 

Hoje em dia, coloca‐se como possibilidade, por exemplo, pensar a vida humana intra‐uterina  ainda  no  zigoto.  Também,  a  própria manipulação  da  vida  que  tem levantado  controvérsias,  começa  a  naturalizar‐se.  Fertilização  in­vitro  é  um conceito  bastante  popular,  em  breve,  provavelmente  também,  o  serão  os transgênicos e a clonagem. 

O artificial é  incorporado à construção do que se diz condição humana. Parece possível  pensar,  nesta  perspectiva,  a  construção  de  um humano  artificializado,  a exemplo  do  produto  cibernético  apresentado  na  ficção  em  analogia  à  imagem ecográfica de um feto. 

Estes  instrumentos  e  conceitos  artificiais  que  têm  sido  ajuntados  à  noção contemporânea de humano, sejam fornecidos pelos conhecimentos biológicos, ou pela  tecnologia  que  os  suporta,  parecem  há  muitos  anos,  fazerem  parte  do processo  de  construção  do  conceito  de  organismo  domesticado,  que  incorpora objetos artificiais. 

As teorias evolutivas colocam este processo em questão quando apresentam o homem no mesmo patamar biológico que os demais organismos vivos, entretanto, tal representação parece esquecida ou desestimulada por um processo social mais amplo,  sobre a própria essência do humano  frente à  sociedade que se coloca em luta contra a natureza selvagem do ser. 

O que  faz com que o humano seja humano? Perguntou Moscovici  (1974). Esta questão está na base dos questionamentos de diversas culturas. O homem ‐ cultura e/ou  natureza,  é  uma  questão  universal,  um  temata  que  embasa  boa  parte  das construções simbólicas emergentes. 

Segundo Moscovici, os novos símbolos são alicerçados em outros pré‐existentes, formando conceitos. Alguns destes, de proporção maior, presentes em diferentes grupos  culturais,  tendem  a  permanecer,  são  pouco mutáveis,  e  estão  na  base  da própria  idéia  de  vida  coletiva,  estes  conceitos  são  definidos  como  tematas.  Um deles, refere‐se à relação entre natureza e cultura na base da construção social do “ser humano”. 

Além da  cisão,  que  se  fundamenta  neste  temata,  foi  construída  uma  gradação entre o homem selvagem e o domesticado. Cada época cria aquele que melhor se enquadra no papel do selvagem. 

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A causa que desencadeou a erupção do gênero humano  separando­o do mundo animal e material e a diferença que permite ao homem erguer­se acima  das  outras  espécies  –  ou  de  outras  frações  da  humanidade, primitivos,  mulheres,  crianças,  etc.,  consideradas  mais  próximas  da animalidade – são as facetas deste problema. A emergência da natureza, a  formação  de  uma  ordem  à  parte,  artificial,  representa  agora  a substância  de  sua  solução,  que  se  procura  demonstrar  de  mil  formas (MOSCOVICI, 1975). 

Uma grande oposição se coloca, atualmente, na relação entre o saber científico, “domesticado”, e o saber popular, cotidianamente construído (MOSCOVICI, 1974). Esta  dissensão,  que  aposta  em  um  conhecimento  científico  neutro  e  analítico, permeia ainda hoje a produção científica e tecnológica, principalmente dos países ocidentais,  e  se  mostra  como  construtora  e  definidora  do  que  se  entende  por conhecimento. 

O  ser  humano,  neste  movimento,  experimenta  algo  que  Moscovici  chama  de pensar  por  procuração.  O  especialista  é  quem  atesta  sobre  coisas  e  questões intrínsecas  da  pessoa  comum.  Por  exemplo,  o  médico  é  quem  está  habilitado  a dizer  se alguém sente‐se bem ou mal.  Independente, do estado manifestado pelo próprio ator social. 

As  ciências  inventam  e  propõe  a  maior  parte  dos  objetos,  conceitos, analogias  e  formas  lógicas a que  recorremos para  fazer  face às nossas tarefas  econômicas,  políticas  ou  intelectuais.  O  que  se  impõe,  a  longo prazo, como dado imediato de nossos sentidos, de nosso entendimento, é, na  verdade,  um  produto  secundário,  reelaborado,  das  pesquisas científicas.  Esse  estado  de  coisas  é  irreversível.  Corresponde  a  um imperativo  prático.  Por  que?  Porque,  deixamos  de  esperar  exercer domínio sobre a maioria dos conhecimentos que nos afetam. Pressupõe­se que grupos ou indivíduos competentes devam obtê­los e fornecê­los para nós.  [...]  Nessas  condições,  pensamos  e  vemos  por  procuração, interpretamos  fenômenos  sociais  e  naturais  que  não  observamos  e observamos  fenômenos  que  nos  dizem  poder  ser  interpretados  [...]  por outros, entenda­se. (MOSCOVICI, 1978, p. 21) 

As  especialidades,  entretanto,  aparecem  de  modo  geral  vinculadas  à  idéia mecanicista  de  mundo  e  de  ciência  que  fundamenta‐se  na  posição  analítica,  de modo que o conhecimento é produzido quando se decompõe determinados objetos em pormenores profundamente estudados e explicitados.  Infelizmente, por vezes perde‐se a noção do todo decomposto. Essa postura tem sido questionada e novos paradigmas emergem neste contexto. 

A realidade é dinâmica, o pensar é intrínseco ao homem comum, que apresenta suas lógicas próprias, diferentes do pensamento científico positivista, mas que são tidos em mesmo grau de importância. Não são melhores ou piores, mas diferentes. 

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A  Teoria  das  Representações  Sociais,  de  Moscovici,  aparece  em  sintonia  com este movimento. Propõe a valorização do  conhecimento cotidiano,  e preocupa‐se por entender como o conhecimento é transferido de um contexto social para outro, bem como sua difusão dentro de determinado grupo. 

Neste caso, um primeiro passo rumo ao entendimento das construções sociais do  “ser  humano”  e  as  influências  dos  conhecimentos  biológicos  nesta  questão, busca‐se descrever uma proposta de pesquisa empírica que tem sido desenvolvida no contexto brasileiro. 

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA E A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SER HUMANO: UMA PROPOSTA DE PESQUISA EMPÍRICA

A  origem  do  universo,  da  vida,  do  homem;  a  relação  ser  humano  cultural  e natural;  as  concepções  de  vivo,  não‐vivo  e  morto;  e  assuntos  pertinentes  à evolução dos seres vivos, são enfaticamente debatidos nos cursos de formação de biólogos  e  professores  de  biologia.  Parece  comum  que  tais  discussões  tragam implícitas algumas questões existenciais. O que, muitas vezes, contribui para que o aluno  sinta‐se  aflito  e  busque  conciliar  a  nova  informação  ao  seu  mundo conceitual.  Identidades  culturais  são  frequentemente  revistas  e  comportamentos alterados. 

Os conteúdos sobre origem da vida e do universo, apresentam constantemente a questão  de  onde  viemos.  Na  temática  ambiental,  ecológica,  da  relação  homem  e natureza; homem e cultura, quem somos. Por fim, na discussão sobre a vida (vivo, não  vivo  e  morto),  fluxo  de  energia  e  ciclagem  de  nutrientes,  parecem  emergir reflexões sobre para onde vamos. 

Conflitos  de  ordem  cognitiva  e  afetiva  apresentavam‐se  com  maior  vigor  ao serem  confrontados  conteúdos  sobre  os  antepassados  humanos,  a  valores culturais.  As  questões,  de  onde  viemos,  quem  somos  e  para  onde  vamos, por  fim, emergem de um sistema complexo de interação entre as diferentes disciplinas de cunho evolucionista, cuja confluência  incitaria um possível entendimento sobre o humano e o desumano. 

Esta  relação,  entre  o  processo  evolutivo  e  a  história  da  humanidade,  volta‐se, portanto  a  conceitos  tangentes  à  teoria da descendência  comum  (Meyer;  El‐Hani, 2001). É estabelecida uma relação de alteridade na construção do “eu” humano e o alter,  vivo  e  não‐humano.  Trata‐se  de  um  contexto  educacional,  no  qual  os discentes refletem sobre suas  incompletudes. As características dos demais seres vivos  são  discutidas  e  comparadas  com  as  próprias  condições  biopsicossociais humanas.  

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PAGAN, A.; Bizzo, N. & El‐hani, C. (2007) O conhecimento biológico e as construções sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. 

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Portanto,  busca‐se  neste  trabalho  compreender  como  as  questões  existenciais “quem somos, de onde viemos e para onde vamos”  se colocam no senso comum, sob  o  ponto  de  vista  de  um  grupo  de  discentes  universitários  do  Programa  de Ciências  Agro‐ambientais  (Biologia)  da  Universidade  do  Estado  de  Mato  Grosso (UNEMAT),  campus  de  Tangará  da  Serra.  Especificamente,  os  possíveis  enlaces entre  saberes  religiosos  e  científicos,  manifestados  por  tais  discentes  ao constituírem  uma  representação  social  emergente  à  estas  questões,  a  noção  de humano. 

A  contribuição  da  educação  científica  e  religiosa  na  formação  do  conceito  de humano  relaciona‐se  à  construção  dos  limites  do  que  se  entende  por  cultura  e natureza.  A  estrutura  desta  noção  possivelmente  produz  implicações  para  as discussões, dentre outras, sobre ética, quando são colocados em pauta argumentos sobre pesquisas com seres vivos; meio ambiente, na adoção de atitudes de respeito ou desrespeito ao meio natural e, cidadania, na construção de normas e regimentos de proteção da vida e da promoção da qualidade de vida. A opção por imprimir um enfoque educacional a este trabalho vincula‐se ao fato de que nestes três campos a educação tem sido fecunda na formação da consciência crítica dos cidadãos. 

O ensino de evolução tem sido reconhecido, tanto como parte relevante para a compreensão da biologia moderna, quanto da própria ciência. Nos últimos 2 anos diferentes  publicações  de  alguns  periódicos  especializados  retratam  pesquisas sobre concepções de estudantes, imprecisões conceituais e influências ideológicas em  livros  didáticos.  Muitos  artigos  partem  da  preocupação  com  relações  entre evolucionismo e criacionismo, dentre eles Tidon e Lewontin (2004); Brem; Ben‐Ari (2004); Hofman; Weber (2003); Ranney e Schindel (2003). 

Nesta  pesquisa,  propõe‐se  a  descrição  de  determinado  objeto  sob  o  ponto  de vista de um grupo social dinâmico envolvido pelas questões globais da sociedade, levando‐se em conta suas histórias pessoais e grupais. Sá (1998), considerando tal perspectiva, destacou que a delimitação do objeto de estudos em representações sociais leva em conta o elemento representado e os sujeitos que o representam. 

A  abordagem  da  noção  “humano”,  neste  caso,  enquadra‐se  na  análise  de conexões  psicossociais  estabelecidas  entre  os  saberes  científicos  e  religiosos dentro de um curso da área biológica. 

A teoria das representações sociais proposta por Serge Moscovici em 1961, que tem proporcionado uma visão holística da vinculação entre os processos cognitivos e as  interações sociais, manifesta‐se como um referencial adequado para nortear esta  pesquisa.  Segundo  seus  princípios,  ao  analisar  o  conteúdo  do  objeto representado  é  possível  verificar  nele,  as  características  identitárias  dos  sujeitos que  representam. E permite uma abordagem do  conhecimento do  senso  comum, levando‐se  em  conta  as  suas  informações,  crenças,  atitudes,  ideologias, sentimentos e imagens. 

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PAGAN, A.; Bizzo, N. & El‐hani, C. (2007) O conhecimento biológico e as construções sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.  

 

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As tradições religiosas preponderantes neste grupo reúnem elementos de cunho cristão,  basicamente,  católicos  e  protestantes. Ao  tratar  deste  tema,  destaca‐se  o trabalho  de  Sepúlveda  (2003),  que  identificou,  em  um  estudo  desenvolvido  com alunos protestantes do curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Feira  de  Santana,  na  Bahia,  possíveis  conflitos  entre  valores  religiosos, apresentados  por  tais  estudantes,  e  conceitos  fundamentais  à  noção  de evolucionismo. 

Ao  definir  que  um  saber  prático  elaborado  no  contexto  cotidiano  de  grupos humanos se constitui em uma representação social, Denise Jodelet apresentou três perguntas e respectivas problemáticas que “são  interdependentes e abrangem os temas dos trabalhos teóricos e empíricos”, no campo da teoria de Moscovici: Quem sabe  e  de  onde  sabe,  referindo‐se  às  condições  de  produção  e  de  circulação  das representações sociais; o que sabe e como sabe, a propósito dos processos e estados destas  noções;  e  sobre  o  que  sabe  e  com  que  efeitos,  referente  ao  estatuto epistemológico das representações sociais (JODELET, 2001, p. 28). 

Ao indagar quem sabe e de onde sabe, referindo‐se às condições de produção e circulação das representações sociais 

[...]  identificam­se  três  conjuntos,  designados  pelos  rótulos  genéricos  de ‘cultura’,  ‘linguagem  e  comunicação’  e  ‘sociedade’.  Pesquisam­se  as relações  que  a  emergência  e  a  difusão  das  representações  sociais guardam com fatores tais como: valores, modelos e invariantes culturais; comunicação  interindividual,  institucional  e  de  massa;  contexto ideológico  e  histórico;  inserção  social  dos  sujeitos,  em  termos  de  sua posição  e  filiação  grupal;  dinâmica  das  instituições  e  dos  grupos pertinentes (SÁ, 1998, p. 32). 

Neste  caso,  alunos  universitários,  vinculados  ao  curso  de  Ciências  Agro‐ambientais, que serão formados em Biologia ou em Agronomia, pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) do campus de Tangará da Serra, Mato Grosso (MT).  Esses  discentes  desenvolvem  suas  atividades  acadêmicas  em  um  Estado Federativo que,  em  regra,  é  potencialmente  agrário.  Especificamente,  interatuam em  uma  região  latifundiária,  de  monoculturas  como  a  soja  e  a  cana‐de‐açúcar, entremeadas  por  algumas  pequenas  propriedades  rurais  de  economia  familiar, resultantes do processo de reforma agrária. 

Espera‐se com a aplicação do questionário a todos os alunos do referido curso, estabelecer  um  senso,  dos  subgrupos  de  estudantes  entendidos  dentro  de  um gradiente  que  vai  de  crenças  totalmente  religiosas  com  pouca  influência evolucionista,  até  o  pólo  oposto/complementar  de  concepções  evolucionistas  e ateísmo. Buscando‐se analisar variáveis vinculadas à atividades acadêmicas, bem como culturais que contribuem para tais posicionamentos. 

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PAGAN, A.; Bizzo, N. & El‐hani, C. (2007) O conhecimento biológico e as construções sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. 

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Ao  referir‐se  aos  processos  e  estados  das  representações  sociais,  Sá  (1998,  p. 32), explicou que devemos nos ocupar 

[...] dos  suportes da  representação  (o discurso ou o  comportamento dos sujeitos, documentos, práticas, etc.), para daí  inferir  seu  conteúdo e  sua estrutura, assim como da análise dos processos de sua  formação, de sua lógica própria e de sua eventual transformação. 

Deste  modo  as  representações  sociais  destes  sujeitos,  enquanto  produto  e processo,  acerca  do  conceito  de  humano,  colocadas  nos  tempos  ou  questões existenciais de onde viemos, quem somos e para onde vamos, serão os elementos de representação abordados na  tentativa de responder ao que sabem e como sabem. Para  isto,  não  apenas  o  questionário,  como  também  e  principalmente,  as entrevistas em grupo parecem fecundas. 

As  questões  referentes  ao  estatuto  epistemológico  das  representações  sociais, sobre o que sabe e com que efeito, referem‐se às 

[...]  relações  que  a  representação  guarda  com  a  ciência  e  com  o  real, remetendo para a pesquisa das relações entre o pensamento natural e o pensamento científico, da difusão dos conhecimentos e da transformação de  um  tipo  de  saber  em  outro,  bem  como  das  decalagens  entre  a representação  e  o  objeto  representado,  em  termos  de  distorções, supressões e suplementações (SÁ, 1998, p. 32). 

As decalagens, traduzidas do francês como defasagens, referem‐se às influências da comunicação na emergência de representações sociais. Segundo Jodelet (2001), o  fato das  representações  sociais  serem reconstruções do objeto,  expressões dos sujeitos podem ocasionar defasagens no conteúdo expresso, devido à influência de valores  e  códigos  coletivos,  das  implicações  pessoais  e  dos  engajamentos  sociais dos  indivíduos.  Isto  produz  três  tipos  de  efeitos  ao  nível  de  conteúdos representativos: distorções, suplementações e subtrações. 

No  caso  das  distorções,  o  objeto  é  apresentado  em  todos  os  seus  aspectos, entretanto alguns são acentuados e outros atenuados. A suplementação define‐se pelo  acréscimo  de  atributos,  que  não  lhe  são  próprios,  ao  objeto  representado (JODELET,  2001).  A  subtração  corresponderia  à  supressão  dos  atributos apresentados pelo objeto. 

Portanto, as questões sobre o que sabe e com que efeitos, tratarão das possíveis defasagens sofridas pela passagem do conhecimento sobre o conceito de humano, do  contexto  científico,  para  o  universo  consensual  das  representações  sociais, analisando‐se, neste caso, também o papel da mediação didática. 

Nesta análise todos os dados coletados serão imprescindíveis para a elaboração da  relação  entre  ciência  e  religião  nas  concepções  dos  universitários.  E principalmente,  as  informações  levantadas  em  suas  histórias  pessoais,  que 

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contribuirão para elucidação de hipóteses relacionadas à variáveis externas à vida universitária. 

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Uma  abordagem  empírica  para  o  entendimento  do  conceito  de  ser  humano, construído por possíveis professores de biologia, apresenta‐se como fecunda para o  (re)pensar  sobre o papel  do biólogo na  construção  e no debate deste  conceito junto aos ao corpo social. Esta possibilidade pode levar à edificação de um ensino de  ciências  que  respeite  as  idéias  cotidianas  apresentadas  pelos  discentes.  Além disso, busca‐se compreender este processo em uma perspectiva multicultural, que coloca a ciência como uma cultura, e o ensino/aprendizagem de ciência,  torna‐se um  processo  de  enculturação  que  prevê  a  aproximação  e  o  diálogo  com  uma cultura  cotidiana,  previamente  construída  pelo  ator  social,  participante  do processo de ensino/aprendizagem. 

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