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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM O CONFLITO NO EXERCÍCIO GERENCIAL DO ENFERMEIRO NO CONTEXTO HOSPITALAR DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Soeli Teresinha Guerra Santa Maria, RS, Brasil 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

O CONFLITO NO EXERCÍCIO GERENCIAL DO ENFERMEIRO NO CONTEXTO HOSPITALAR

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Soeli Teresinha Guerra

Santa Maria, RS, Brasil

2008

1

O CONFLITO NO EXERCÍCIO GERENCIAL DO

ENFERMEIRO NO CONTEXTO HOSPITALAR

por

Soeli Teresinha Guerra

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria como requisito para a obtenção do título de Mestre em

Enfermagem.

Orientadora: Profa. Dra. Adelina Giacomelli Prochnow

Santa Maria, RS, Brasil

2008

2

3

4

AGRADECIMENTOS

Expresso meu reconhecimento em breves e sinceras palavras.

Na figura da minha mãe, agradeço a todos os meus familiares e íntimos do

dia-a-dia, pela oportunidade da vida em família.

Na pessoa da professora Adelina, declaro minha gratidão a todos os

professores, colegas e colaboradores por oportunizarem que me aventurasse,

fazendo-me acreditar que não estaria só, mesmo se tivesse que abrir caminhos

onde não há.

Na lembrança da Irmã Gesualda, abraço com afeto a todas as pessoas que,

ao contribuírem para o meu crescimento, enquanto ser humano assumiram de fato a

imagem e semelhança de Deus na minha vida. Saibam todos que me esforço

constantemente em sê-lo da mesma forma para vocês.

De tudo, quero que fique o que de bom fomos ontem, o nosso melhor de hoje,

para que possamos mirar o futuro com a certeza contida nas palavras do poeta.

“Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar

além”.

Paulo Leminski

5

RESUMO

Dissertação de Mestrado

Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Universidade Federal de Santa Maria

O CONFLITO NO EXERCÍCIO GERENCIAL DO ENFERMEIRO NO

CONTEXTO HOSPITALAR

AUTORA: SOELI TERESINHA GUERRA

ORIENTADORA: ADELINA GIACOMELLI PROCHNOW Data e Local da Defesa: Santa Maria, 04 de dezembro de 2008.

Trata-se de uma dissertação com abordagem qualitativa tendo como objeto de estudo o conflito no exercício gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar. Objetiva analisar a concepção que os enfermeiros têm do conflito, inferir estratégias utilizadas na resolução dos mesmos e interpretar o fenômeno a partir das nuances que ele assume no âmbito da gerência. O referencial teórico tem como base os conceitos de habitus e campo de Bourdieu e das disciplinas de Administração e Enfermagem. Para a coleta dos dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada, os procedimentos de pesquisa seguiram a Resolução 196/96. Participaram do estudo 13 enfermeiras gerentes de hospitais com mais de cinqüenta leitos. Para a interpretação dos resultados utilizou-se a técnica de análise de conteúdo (Minayo, 2007) emergindo cinco categorias: 1) as enfermeiras gerentes e sua prática; 2) percepção das enfermeiras gerentes e o conflito; 3) enfermeiras gerentes e suas sentenças; 4) na presença do conflito combater com altivez é preciso; 5) o conflito no campo de luta de todos os dias. Entre as evidências destaca-se: 11 das 13 enfermeiras estão na função de gerente mais de 80% do período de graduadas e expressam que não tinham idéia sobre o papel do gerente antes de assumir a função. A totalidade compreende que os conflitos são imanentes à organização tendo o enfermeiro que conviver e interagir diante dele. Revelam que conflitos internos são os mais marcantes para as gerentes. É preciso compreender a origem dos conflitos; fatores que favorecem sua instalação e reconhecer a importância de abordá-lo interdisciplinarmente.

Descritores: Conflito; Enfermagem; Supervisão de Enfermagem; Administração Hospitalar.

6

ABSTRACT

Dissertation Masters The Postgraduate Program in Nursing Universidade Federal de Santa Maria

THE CONFLICT IN NURSE’S MANAGEMENT PRACTICE IN HOSPITAL

CONTEXT AUTHOR: SOELI TERESINHA GUERRA

ADVISOR: ADELINA GIACOMELLI PROCHNOW Place and Date of Defense: Santa Maria, 04 December 2008.

This research is a qualitative approach investigation that has the aim of studying the conflict in nurse’s management practice in hospital context. Its objective is to analyze the conception nurses have of conflict, to infer the strategies used to solve it and to interpret the phenomenon from the variables it assumes in management ambit. The theoretical references are based on the concepts of habitus and Bourdieu’s field and on the disciplines of Nursing and Management. For the data collection, a semi-structured interview was used, according to Resolution 196/96. Thirteen nurses, hospital managers of hospitals with more then fifty beds, were the informants of this research. In order to interpret the results, one made use of the technique of content analysis (Minayo, 2007), from which emerged five categories: 1) the manager nurses and their practice; 2) the manager nurses perception and the conflict; 3) manager nurses and their sentences; 4) in presence of conflict, to combat it strictly is needed; 5) the conflict in every day fighting camp. Among the evidences, one highlight: 11 from the 13 nurses are in management function most of 80% of their time as graduated and express they have no Idea about the role of a manager before assuming this function. The whole of them understands that conflicts are inherent to organization and the nurse has to acquaint and interact with it. They reveal that inside conflicts are the most impacting to the managers. One concludes that: it is necessary to understand the origin of conflicts; factors which favor their installation and to recognize the importance to approach them in an interdisciplinary way.

Descriptors: Conflict; Nursing; Nursing Supervision; Hospital Management.

7

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Categorias e ano de publicação ................................................. 23

QUADRO 2 – Síntese dos trabalhos que focalizam o conflito no exercício da

gerência do enfermeiro ..................................................................................... 27

QUADRO 3 – Perfil sócio-profissional das enfermeiras gerentes ..................... 47

8

ANEXO

ANEXO A – Carta de aprovação do Projeto de Pesquisa ................................ 92

9

LISTA DE APÊNDICES

APÊNDICE A – Roteiro para entrevista semi-estruturada ................................ 94

APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ........................ 95

APÊNDICE C – Termo de Confidencialidade ................................................... 97

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11

2 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................. 14

2.1 Conceito ......................................................................................................... 14

2.2 Principais tipos de conflitos descritos pela Administração ...................... 16

2.3 O processo do conflito .................................................................................. 18

2.4 O conflito e a enfermagem ............................................................................ 21

2.5 Pierre Bourdieu: alguns destaques sobre o autor e sua obra ................... 31

3 METODOLOGIA .................................................................................................... 36

3.1 Tipo de estudo ............................................................................................... 36

3.2 Cenário do estudo ......................................................................................... 37

3.3 Sujeitos do estudo ......................................................................................... 38

3.4 Coleta e análise dos dados ........................................................................... 40

3.5 Considerações éticas .................................................................................... 43

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS ...................................................... 44

4.1 As enfermeiras gerentes e a sua prática ..................................................... 46

4.2. Percepção das enfermeiras gerentes e o conflito: limites e

possibilidades de superação .............................................................................. 54

4.3 Enfermeiras gerentes e suas sentenças: conflitos imanentes,

insuperáveis ou essenciais? .............................................................................. 61

4.4 Na presença do conflito é preciso combater com altivez .......................... 68

4.5 O conflito no campo de lutas de todos os dias .......................................... 72

5 INQUIETAÇÕES CONTINUADAS ......................................................................... 77

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 84

ANEXO ..................................................................................................................... 91

APÊNDICES ............................................................................................................. 93

11

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho de Dissertação de Mestrado está inserido na linha de

pesquisa Gestão em Enfermagem e Saúde, vinculado ao Grupo de Pesquisa:

Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem do Departamento de Enfermagem da

Universidade Federal de Santa Maria – UFSM e tem como objeto de investigação o

conflito no exercício gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar.

A motivação deste estudo está relacionada às inquietações que fazem parte

da natureza do homem como a defesa dos seus propósitos, o qual para alcançá-los

utiliza-se de mecanismos que possibilitam o controle do ambiente físico e das

relações que o envolve, mesmo presumindo que isso possa resultar no inesperado.

É com a sensação de viver em permanente estado de combate e com a disposição

de jamais titubear frente a situações ou circunstâncias adversas do cotidiano que me

apresento para explorar este tema ardiloso e disfarçado e, da mesma forma,

provocativo e determinante.

Segundo Ferreira (1993), conflito significa luta, combate, guerra, desavença,

discórdia. Muito mais do que isto, conflito é definido como tudo aquilo que pode

interferir na conquista dos desejos, vontades, metas ou objetivos. Nesse sentido, o

conflito configura-se, em especial, com a perda do controle sobre determinada

situação, que compromete o domínio instituído ou almejado e que contrarie os

interesses dos indivíduos, grupos ou instituições.

Além disso, o interesse por essa temática decorre da minha trajetória

profissional na enfermagem, a qual teve início no ano de 1980 e alcançou seu auge

com o exercício da função de enfermeira a partir de 1990. Desde o início, percebi,

partilhei e aliei-me aos colegas de trabalho na busca diária por alternativas que

pudessem minimizar situações de tensão interna da equipe de enfermagem ou entre

os demais profissionais nas instituições onde trabalhei. Da mesma forma, atentei

para o fato de que o enfermeiro sofre direta ou indiretamente os efeitos das

circunstâncias indesejáveis e de difícil controle, definidas como conflito, com uma

freqüência intensa, diante dos demais profissionais que atuam na organização

hospitalar em razão das suas relações, a maioria delas diretas, com todos os

agentes que se movem naquele campo. Essas experiências animam-me a lançar um

12

olhar sistematizado sobre o saber-fazer cotidiano do enfermeiro em busca da

superação das dificuldades como o enfrentamento do conflito e da proposição de

refletir sobre o seu papel no contexto da temática diante da estrutura organizacional

na qual se insere.

Outra inquietação refere-se a um dos dilemas vividos pelos enfermeiros e diz

respeito à “heterogeneidade da prática de enfermagem, qual seja, a imprecisão do

objeto de trabalho dos enfermeiros, particularmente às múltiplas faces de sua

dimensão gerencial” (PEDUZZI, M; HAUSMANN, M; 2004 p. 28). Aprofundar o

conhecimento dessa questão apresentada pelas autoras é outro intento que me

instiga à realização da presente investigação. Entendo que a percepção clara do

seu papel e o aperfeiçoamento continuado no exercício do mesmo, habilitará o

enfermeiro a gerenciar com segurança situações de difícil condução como o conflito,

aprimorando, assim, seu desempenho profissional.

Busco investigar o tema comungando do conceito de que conflitos são “(...) os

fenômenos, os fatos, os comportamentos que, na vida organizacional, constituem-se

em ‘ruídos’ e são reconhecidos como tais pelos trabalhadores e pela gerência”

(CECÍLIO, 2005, p. 510). Com base nessa afirmação, percebo que a relevância do

estudo, ora proposto, pode estar no detalhamento de uma situação muito freqüente

no cotidiano do trabalho em saúde e, particularmente, no exercício da gerência por

parte do enfermeiro no contexto hospitalar.

Por compreender a complexidade que congrega uma instituição de saúde do

tipo hospitalar e, também, a sua relevância social, tenho convicção da significação

que há em conhecer, aventar e, quiçá, vislumbrar alternativas que melhor aglutinem

as forças envolvidas no universo relacional das diferentes categorias profissionais

que nela coabitam.

Os profissionais da área de enfermagem representam a maioria da força de

trabalho das instituições hospitalares (ALMEIDA, 1986), e exercem, de fato,

atividades que vão desde o cuidado direto ao paciente até aquelas passíveis de eco

no núcleo de decisão (ação indireta), quando informam a direção central sobre todos

os eventos que ocorrem nos espaços da instituição. Isso confere a esse profissional

um caráter singular, permitindo-lhe agir, livremente, junto ao paciente, de forma

direta e indireta, assim como interferir, subliminarmente, na tomada de decisões.

13

No decorrer do estudo, pretendo refletir sobre a forma como o conflito se

manifesta nas relações interpessoais, de um modo geral, e a magnitude que assume

no âmbito do exercício gerencial do enfermeiro diante do universo de uma

organização de saúde do tipo hospitalar. Para tanto, nomeei o profissional

enfermeiro como agente do grupo particular a ser estudado. Suas declarações

servirão de base para sustentar as reflexões da investigação.

Para operacionalização do estudo foi necessário identificar um instrumento

que permitisse o reconhecimento e a enunciação dos conflitos mais freqüentes

vividos por indivíduos ou grupos, e que, na seqüência, auxiliasse na análise dos

mesmos. Visando a esse propósito, a entrevista semi-estruturada foi escolhida por

entender-se adequado o seu uso como técnica aplicável para balizar o processo

investigativo.

Assim sendo, torna-se imperioso perceber o conflito para além do tratamento

usualmente adotado, o qual o considera um elemento de discórdia ou como um

opositor do modelo gerencial instituído. Identificar as fragilidades que possam

emergir na presença deste, certamente, habilitará o enfermeiro a empreender

cuidado distinto ao gerenciamento do processo de trabalho.

É com sustentação nestes pressupostos que apresento como questão

norteadora deste estudo a indagação: Qual a concepção do conflito para os

enfermeiros e como o mesmo é tratado no exercício gerencial?

Nesse sentido, assinalamos os objetivos deste estudo:

– Analisar a concepção do conflito para os enfermeiros no exercício

gerencial no contexto hospitalar.

– Inferir as estratégias utilizadas pelos enfermeiros na resolução dos

conflitos.

– Interpretar o conflito no exercício gerencial do enfermeiro.

14

2 REVISÃO DE LITERATURA

Este capítulo do trabalho expõe, de forma breve, alguns conceitos de conflito

para a Sociologia, a Filosofia, a Psicologia e a Administração. Na seqüência,

apresento a descrição do processo do conflito, seção, igualmente, relevante para a

discussão da temática no decurso do trabalho. Ademais, é realizada uma análise

concisa do fenômeno no contexto das organizações, em geral, que inclui aquelas do

tipo hospitalar e, por último, a sua contextualização do fenômeno na atividade da

enfermagem.

2.1 Conceito

Os conflitos fazem parte do processo evolutivo dos seres humanos e existem

desde o início da humanidade. A sua presença na vida dos indivíduos e nos

sistemas familiar, social, político e organizacional é considerada fator de

transformação da realidade.

Conforme o “Aurélio”, dicionário da Língua Portuguesa, (Ferreira,1993), o

termo vem do latim “conflictu” - e significa o embate dos que lutam; discussão

acompanhada de injúrias; desavença; oposição e luta de diferentes forças.

Para a Psicologia, o conflito ocorre quando, para a mesma pessoa, há

incompatibilidade de exigências fazendo com que a satisfação de uma torna

impossível à realização da outra. Uma das maneiras de qualificar e dividir os

conflitos consiste em analisar as exigências inconciliáveis, o que torna possível

determinar as espécies de conflitos. Tais espécies, para alguns autores, são

classificadas da seguinte maneira: os conflitos entre exigências internas e externas;

os conflitos entre duas exigências externas; e, os conflitos entre duas exigências

internas (LIMA, 1975).

Segundo Piaget apud Pacheco e Sisto (2003), o conflito cognitivo é um dos

fatores decisivos para o desenvolvimento da inteligência e para a aprendizagem,

muito embora, seja uma tendência inerente ao ser humano evitar tais conflitos.

15

Em seus estudos, Rosa (1972) expõe o pensamento de um dos mais

destacados teóricos no campo Psicologia Social: Kurt Lewin. Este pensador

classifica os conflitos, a partir da tendência humana para abordar ou evitar estímulos

que a pessoa considera como salutares ou nocivos, quer dizer, abordar ou esquivar-

se não significa, inevitavelmente, movimento físico, pode ser também um fenômeno

genuinamente mental.

Remota à Antiguidade os dilemas e conflitos, naquela que é considerada a

mais antiga de todas as ciências: a Filosofia. Dentre os vários conceitos explorados,

exaustivamente, encontram-se o conflito entre fé e razão, poesia e filosofia, “o ser e

o não ser”, por exemplo.

Para este estudo, é considerado o conceito filosófico de conflito expresso no

dicionário de Filosofia no qual é apresentado como “contradição, oposição ou luta de

princípios, propostas ou atitudes” (ABBAGNANO, 2003, p. 173).

Concernente à Sociologia é preciso compreender a essência de sua

abordagem para melhor entender o conceito do fenômeno conflito. A Sociologia,

para alguns teóricos, é tida como a ciência que busca explicitar sobre quais

condições específicas e características gerais os grupos humanos se formam e se

relacionam e, ainda de que modo se movem permanentemente. Os grupos sociais

ou as ações sociais é que condicionam as situações de interesse da Sociologia. As

causas dessas não são encontradas na natureza ou na vontade dos indivíduos, e

sim, na sociedade (LAKATOS e MARCONI, 1999).

Nesse contexto, destaca-se o conceito de conflito a partir de Touraine (1997),

o qual ressalta que a Sociologia destaca o conflito, como sendo fator essencial das

mudanças sociais, influenciando toda a história dos indivíduos e da sociedade.

Outro foco de abordagem deste estudo é a Administração, que, desde sua

origem, enquanto ciência ocupa-se da organização racional do trabalho.

Objetivamente, possui as funções de: planejamento, organização,

direção/coordenação e controle do processo de trabalho (CHIAVENATO, 2000).

Os autores da Administração consultados acerca do tema conflito, até mesmo

aqueles restritos à área da saúde, dão ares ao mesmo tempo de preocupação e

ânimo quanto ao aprofundamento da compreensão desse fenômeno nas

organizações. Assinalam que o tratamento dado ao tema em voga está longe de

alcançar a freqüência com que o mesmo ocorre. E, não raro, o conflito ainda é

tratado como um vilão, uma presença indesejada, uma situação a ser evitada, a

16

qualquer custo, ainda que se denote uma tendência declarada, após a metade do

século XX, em assumi-lo como fator favorável a mudanças institucionais

(CHIAVENATO, 1999; CECÍLIO, 2002, 2005; VAITSMAN; FARIAS, 2002; ROBBINS,

2007). Nesse contexto, que envolve relações complexas e determinantes, faz-se

mister conceituar o fenômeno do conflito.

O conflito pode ser definido como um processo que se desenvolve somente

“quando uma das partes percebe que a outra parte afeta, ou pode afetar

negativamente alguma coisa que a primeira considera importante” (THOMAS, K.W.

apud ROBBINS, 2007, p. 326).

Explicito que, neste estudo, pretendo investigar o tema a partir do conceito de

que conflitos são “(...) os fenômenos, os fatos, os comportamentos que, na vida

organizacional, constituem-se em ‘ruídos’ e são reconhecidos como tais pelos

trabalhadores e pela gerência” (CECÍLIO, 2005, p. 510). A opção expressa por esse

conceito deve-se ao fato de o mesmo ter sido concebido por um estudioso das

organizações hospitalares e, também, por seu enunciado contemplar de modo

simples e objetivo os elementos constitutivos do espaço social em questão.

2.2 Principais tipos de conflitos descritos pela Administração

É apropriado mencionar as transições na conceituação de conflito através do

tempo. Os autores consultados, Chiavenato (2000), Marquis & Huston (2005);

Cecílio (2005) e Robbins (2007) desenvolvem o tema com muita similitude, sem

divergências basilares, tão somente suprimindo ou acrescentando um ou outro

vocábulo.

Para esses autores, a chamada visão tradicional, que prevaleceu nas

décadas de 1930 e 1940, parte do princípio de que todo o conflito é danoso. Os

pensadores desse período histórico descreviam os conflitos como algo passível de

ser evitado, se aplicada aos empregados uma forma única e entendida como correta

de executar as tarefas, e se, diante de alguma insatisfação, a resposta fosse a

censura imediata. Assim, o conflito era tido como uma disfunção que resultava de

comunicação inapropriada, da desconfiança entre as pessoas e do insucesso dos

17

gerentes em atender às necessidades e expectativas de seus subordinados. Há de

se destacar Robbins (2007, p.327), que ressalta o fato de que “embora as pesquisas

recentes reflitam a idéia de que a redução dos conflitos resulta em melhor

desempenho dos grupos, muitos de nós ainda avaliamos as situações de conflito

utilizando esse modelo ultrapassado”.

A visão das relações humanas, período compreendido entre o final dos anos

40 até a metade da década de 1970, salienta que as organizações passam a

valorizar a satisfação e o feedback dos empregados. O conflito passa a ser

compreendido como normal e esperado nos grupos e organizações. Por ser um

fenômeno inevitável na estrutura organizacional, essa escola defende o seu

acolhimento. Os seguidores desse pensamento elaboram logicamente a existência

do conflito de forma conclusiva: não podendo ser ele eliminado, convém considerar

a possibilidade do mesmo ser benéfico para o desempenho do grupo (MARQUIS &

HUSTON, 2005; ROBBINS, 2007).

Já na visão interacionista, que se iniciou em meados da década de 70, há o

encorajamento, no sentido de que as organizações fomentem o conflito como uma

forma de crescimento. Em seus estudos (Dreu C. D.; Vliert E. V. apud Robbins,

2007, p. 327), expressam que “um grupo harmonioso, pacífico, tranqüilo e

cooperativo está na iminência de tornar-se estático, apático e insensível às

necessidades de mudança e inovação”. Os autores salientam, ainda, que em função

dessa visão não se pretende afirmar que todos os conflitos sejam bons ou

simplesmente ruins, pois isso seria inadequado. Assim, é a sua natureza que torna

um conflito bom ou ruim.

Robbins (2007), apoiado na visão interacionista, entende que alguns conflitos

sustentam os objetivos do grupo e melhoram seu desempenho, caracterizando,

assim, os chamados conflitos funcionais, também reconhecidos como formas

construtivas de conflito. De forma antagônica, existem conflitos que atravancam o

desempenho do grupo, são as chamadas formas destrutivas ou disfuncionais de

conflito. O autor defende, ainda, que a diferenciação entre conflito funcional e

disfuncional é o tipo de conflito.

Para Marquis & Huston (2005), existem três principais categorias de conflitos,

assim dispostos: 1) conflito intrapessoal - é aquele que ocorre com o próprio

indivíduo. Envolve uma luta interna para elucidar valores ou desejos opostos; 2)

conflito interpessoal - é o que ocorre entre duas ou mais pessoas com valores,

18

metas e crenças divergentes; e, 3) conflito intergrupal - é o que se dá entre dois

ou mais grupos de pessoas, setores ou organizações.

Robbins (2007), também classifica em três os tipos de conflito e os apresenta

assim: 1) conflito de tarefa - aquele que está relacionado ao complexo de regras ou

normas e aos objetivos da atividade laboral; 2) conflito de relacionamento – refere-

se às condições das relações interpessoais; 3) conflito de processo – relaciona-se

à maneira como a atividade laboral é executada.

O autor, em questão, acrescenta que os estudos sobre o tema revelam que

um nível de baixo a moderado de conflito de tarefa, tem efeito positivo no

desempenho do grupo por estimular o debate de idéias, o que anima o trabalho em

equipe, demonstrando, assim, a sua funcionalidade. Expõe, ainda, que os conflitos

de relacionamento são, na maioria das vezes, disfuncionais por evidenciarem as

desavenças próprias desse fenômeno, particularidades que intensificam os

melindres de personalidades e reduz a compreensão entre as partes, o que

atrapalha ou impede a execução das tarefas organizacionais. Em relação ao conflito

de processo, esse é considerado funcional, quando em níveis reduzidos, entretanto

pode tornar-se disfuncional circunstancialmente. Por exemplo, quando há uma

discussão intensa sobre o papel de cada um na execução das tarefas.

2.3 O processo do conflito

Os estágios que compreendem o processo do conflito são descritos por

diferentes autores de forma muito similar. Tanto para Marquis & Huston (2005)

quanto para Robbins (2007), o processo compreende cinco estágios que são: 1)

conflito latente ou de oposição potencial ou incompatibilidade; 2) conflito percebido

ou de cognição e personalização; 3) conflito sentido ou de intenções; 4) conflito

manifesto ou de comportamento; 5) conseqüências do conflito para ambos. As

primeiras autoras destacam que é importante que os dirigentes conheçam, de forma

precisa, essas fases para que possam tentar interferir em um conflito.

Para este estudo, serão considerados os conceitos dos autores acima citados

sobre o processo do conflito no desenvolvimento do tema.

19

Primeiro estágio: conflito latente - Pressupõe a existência de condições que

o antecedem. Nesse estágio, as condições necessitam apresentarem-se favoráveis

para vir a se dar um conflito, do contrário ele poderá jamais ocorrer (MARQUIS &

HUSTON, 2005).

Para Robbins (2007), que denomina esse estágio de oposição potencial ou

incompatibilidade, o processo de conflito tem início com a presença de, ao menos,

uma das condições que criam as oportunidades para o seu surgimento,

Necessariamente, elas não conduzem ao conflito.

Condições como a comunicação expressa por diferente sentido das palavras,

jargões, precariedade na troca de informações e ruídos nos meios de propagação

são obstáculos e potenciais condições que antecedem os conflitos. O termo

estrutura é utilizado nesse contexto para inserir variáveis como tamanho do grupo,

grau de especialização nas tarefas que cabem a cada membro, compatibilidade

entre os indivíduos e as metas, clareza dos limites de atuação, estilos de liderança,

formas de compensação e o nível de interdependência dos grupos. Os estudos

apontam que o tamanho do grupo e o grau de especialização em suas atividades

são diretamente proporcionais a probabilidade de conflitos. As condições de

variáveis pessoais compreendem o conjunto de valores e as características de

personalidade de cada indivíduo as quais são responsáveis pela forma de perceber,

agir e reagir de cada um.

Segundo estágio: conflito percebido - Tem início, se o conflito evoluir. Aqui o

conflito é racionalizado, habitualmente envolvendo demandas e funções concretas e

reconhecido pelo indivíduo como algo que está acontecendo. A solução do conflito

nesse estágio impede que o mesmo seja internalizado ou sentido (MARQUIS &

HUSTON, 2005).

Já, os estudos de Pondy (1967), descritos por Robbins (2007, p. 329)

reconhecem esse estágio como cognição e personalização e expõe que as

condições antecedentes citadas no primeiro estágio “só levam ao conflito se uma ou

mais partes envolvidas forem afetadas por ele e estiverem conscientes disso”.

Exemplificando: “A pode estar consciente que A e B estão seriamente em

desacordo... mas isso pode não deixar A tenso nem ansioso, e pode não ter nenhum

impacto sobre a afeição de A por B”.

Terceiro estágio: conflito sentido - é também denominado de conflito afetivo

e ocorre a partir do momento em que o indivíduo o expressa de forma emocional

20

que pode ser por meios convencionais (hostilidade, medo, agressividade,

desconfiança, raiva) (MARQUIS & HUSTON, 2005).

Intenções é como denomina esse estágio outro pensador. “As intenções ficam

entre as percepções e emoções e o comportamento explícito das pessoas. Elas são

decisões de agir de uma determinada maneira” (Thomas apud Robbins, 2007. p.

330). Compreender que nem sempre o comportamento condiz fielmente com as

intenções de um indivíduo pode ser uma maneira de evitar determinados conflitos.

Quarto estágio: conflito manifesto – Também cognominado de conflito

explícito, instante em que se dá a ação que pode apresentar-se sob a forma de

retraimento, competição, contenda, desafio ou a busca de um desfecho para o

conflito (MARQUIS & HUSTON, 2005).

Segundo Robbins (2007), esse é o estágio denominado de comportamento,

instante da visibilidade dos conflitos. É neste momento que ocorrem as reações

explícitas dos indivíduos envolvidos na situação conflitante. Entretanto, os

comportamentos expressos formalmente podem, às vezes, não refletir as intenções

determinantes do conflito em evidência, acarretando conseqüências desastrosas ou

evidenciando a falta de habilidade na condução do embate. No momento em que a

maioria das pessoas pensa em conflito, remete-se a esse estágio.

Quinto estágio: conseqüências do conflito – Para todo conflito sempre há

uma conseqüência, e ela pode ser tanto positiva quanto negativa. Um conflito

quando bem gerenciado faz as pessoas envolvidas suporem que foram ouvidas de

forma justa em seus posicionamentos. Por outro lado, se foi gerenciado

insatisfatoriamente, as questões que o envolvem subsistem e podem ressurgir mais

tarde causando mais conflito ou podendo tornar-se um conflito ainda maior

(MARQUIS & HUSTON, 2005).

Conforme Robbins (2007, p. 333), esse estágio é também denominado de

conseqüências e o autor divide-o em dois, quais sejam: conseqüências funcionais e

conseqüências disfuncionais. O jogo envolvendo situações de ação e reação entre

as partes e que resulta em conseqüências funcionais é aquele que propicia um

melhor rendimento dos indivíduos ou grupos. “O conflito desafia o status quo e, por

isso, estimula a criação de novas idéias, promove a reavaliação das metas e das

atividades do grupo e aumenta a probabilidade de que este responda às mudanças”.

O conflito, aqui percebido com força propulsora ao desenvolvimento de um grupo,

exclui aqueles denominados de relacionamento. Já, os conflitos de conseqüências

21

disfuncionais podem ameaçar a sobrevivência de grupos ou organizações. A

diferença de princípios, a redução da concordância, a subordinação das metas do

grupo a outros interesses ou prioridades que não as de seus membros, são algumas

das evidências destrutivas que podem sinalizar a dissolução por completo de um

grupo ou de uma organização. Perceber situações que paralisam os grupos pode

ser determinante no diagnóstico de conseqüências disfuncionais. É nesse estágio

que se manifestam os reais efeitos dos conflitos.

2.4 O conflito e a enfermagem

Na enfermagem, as preocupações com o fenômeno conflito e a possibilidade

de vê-lo como fator de mudança são, ainda, mais tardias. Somente a partir da

década de 80, período em que, no contexto organizacional, a atuação do enfermeiro

passa a deslocar-se da área operacional para a área estratégica, é que os

elementos característicos desse universo passam a fazer parte do cotidiano de

trabalho dos enfermeiros (BRITO, 2004). Soma-se a isso o advento da implantação

dos cursos de pós-graduação em enfermagem no Brasil, fomentadores da pesquisa,

que possibilitam o desenvolvimento de estudos investigativos de natureza científica,

por meio dos quais os enfermeiros buscam esclarecer suas inquietações

(ANGERAMI, 1993).

À clara percepção da complexidade do tema impõe-se a necessidade de se

conhecer a realidade e delimitar a proposta deste estudo às tendências de sua

abordagem, por parte dos enfermeiros do país. Inicia-se, então, a busca a partir dos

dados de pesquisa organizados pela Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn)

disponíveis no seu banco de teses e dissertações e de livre acesso. O período

compreendido, entre 1979 e 2005, representa quase três décadas de estudos da

enfermagem brasileira (ABEN, 2008).

A tendência da produção científica da enfermagem relativa à temática do

conflito identificada nos estudos desenvolvidos no período pesquisado expõe

reflexões ainda incipientes sobre o fenômeno. Denota-se que existe uma

preocupação crescente com a quantidade e a complexidade dos fatores com os

22

quais o enfermeiro precisa interagir e que podem ocasionar seu alijamento dos

processos decisórios fazendo com que o mesmo se descuide de resguardar

espaços significativos e de reconhecimento para a valorização do seu trabalho.

Neste sentido, construir competências para ação do enfermeiro representa uma das

tarefas para a formação na interface entre o ensino e a gestão na produção do

cuidado em enfermagem (BRAGA, 2004; LEONELLO, 2007).

Cabe destacar que as informações inseridas no quadro 1 foram extraídas dos

resumos encontrados no catálogo de teses do CEPEn (Centro de Estudos e

Pesquisas em Enfermagem) e que poderá não contemplar integralmente a produção

nacional do período por depender dos registros e atualizações feitas na base de

dados da ABEn (Associação Brasileira de Enfermagem), visto que alguns

enfermeiros realizaram cursos strictu sensu em outras áreas de conhecimento e que,

por vezes, não têm registro na base de dados Cepen/Aben. Ciente de que

relevantes estudos sobre o tema poderão não estar incluídos nesta revisão sobre o

tema, entende-se que as reflexões acerca do assunto devam ser retomadas o que

possibilitaria diferentes enfoques e análises.

As pesquisas publicadas nos catálogos do Centro de Estudo e Pesquisa em

Enfermagem, disponíveis no site da Associação Brasileira de Enfermagem e das

informações armazenadas em CD ROM elaborado pela ABEN, são constituídas

pelos resumos das teses e dissertações encontrados e correspondem ao período de

1979 a 2005 como já se expôs anteriormente.

A opção escolhida para acessar os trabalhos foi o rastreamento ano a ano,

progressivamente e utilizando-se como descritor o termo conflito. A opção por utilizar

os catálogos do CEPEn e demais informações disponibilizadas pela ABEn, deve-se

ao fato desse concentrar o maior banco de teses e dissertações na área de

Enfermagem no Brasil. Os dados foram coletados de agosto a novembro de 2007.

Na busca realizada para evidenciar as tendências do conflito nas pesquisas em

enfermagem, foram encontrados 104 trabalhos contendo a palavra conflito no título

ou no corpo do resumo. A leitura dos 104 resumos com propósito de localizar e

selecionar o material que poderia apresentar elementos e/ou dados referentes ao

tema auxiliou a comprovar a existência das informações que respondessem aos

objetivos propostos. E, posteriormente, por meio de uma leitura exploratória, foi

possível categorizar os achados e ordená-los a partir do pressuposto teórico que

destaca a importância de tal procedimento (BARDIN, 1977).

23

A análise das pesquisas encontradas na base de dados do CEPEn, a partir da

reunião dos estudos por foco de investigação, possibilitou identificar três universos

sociais de inter-relações recorrentes que revelam a presença de conflitos no

cotidiano dos enfermeiros. São eles: relacionado ao ensino; à equipe da assistência;

e, relacionado à comunidade usuária. Para este levantamento bibliográfico, o

agrupamento realizado originou três categorias de mesma denominação. No quadro

um apresenta-se a produção anual por categoria que traduz o esquadrinhamento do

período averiguado e evidencia o caminho seguido pelos pesquisadores no que se

refere ao foco das suas pesquisas.

No quadro abaixo, estão representadas as categorias e os respectivos

resultados encontrados em cada uma delas concernente ao ano da publicação.

Quadro 1- Categorias e ano de publicação

Conflito relacionado ao ensino

Conflito relacionado à equipe da assistência

Conflito relacionado à comunidade

usuária

Nº trabalhos Ano

Prof. Alunos Enf. Equipe Enf.

Equipe Mult.

Pacientes Acompanhantes

1 01 / 1994 1 1 1 03 / 1996 1 1 02 / 1997 1 01 / 1998 1 01 / 1999

1 1 3 3 2 11 2 23 / 2000 2 1 3* + 2 1 1 6 10 26 / 2001 1 1 1* + 4 5 2 2 16 / 2002 2 3 2 2 2 11 / 2003 1* + 4 2* 4 2 13 / 2004 1* + 1 1* 2 2 07/ 2005

*Trabalhos que abordam o conflito relativo ao papel de gerente exercido pela enfermeira.

A partir da categorização geral encontrada, buscou-se avaliar o conjunto dos

trabalhos, com base no enfoque dado à temática pelos enfermeiros, nos diferentes

cenários de atuação identificados.

24

A principal evidência percebida no Quadro 1 refere-se ao período histórico em

que iniciam as investigações que enfocam os conflitos na profissão de um modo

geral. É visível o retardo em se buscar refletir sobre questões, como o conflito, que

atravessam a realidade concreta do exercício profissional dos enfermeiros. Percebe-

se, claramente, que as mudanças necessárias apontadas por Trevizan, nos seus

estudos modelares para a Administração em Enfermagem, obedecem a um ritmo

lento no seu processo de incorporação, tanto para pesquisadores quanto para os

enfermeiros da assistência (TREVIZAN, 1978; TREVIZAN, 1986).

Outra evidência a ser considerada conduz a análise para a multiplicidade de

atividades que o enfermeiro realiza e denota a efetiva inserção desse profissional

nos diferentes universos sociais, bem como a relevância crescente do seu papel no

núcleo decisório das instituições (RODRIGUES e LIMA, 2004). Também é possível

observar a enunciação continuada da produção científica relacionada ao enfermeiro

no papel de gerente a partir do ano de 2000.

1- O conflito relacionado ao ensino

Na categoria que agrega o conflito nas atividades de ensino, observa-se que a

produção da enfermagem mantém uma linearidade histórica com ausência de

produção bi e tri anual, com o enfoque no professor e no aluno alternando-se por

vezes.

Percebe-se ainda, nesta categoria, que as preocupações dos enfermeiros

estão voltadas para os padrões que dizem respeito à formação dos futuros

profissionais, a qualificação nos campos de prática e a dicotomia entre o ensino e a

assistência de enfermagem.

2- O conflito relacionado à equipe da assistência

A análise feita nesta categoria destaca um crescente na produção científica da

enfermagem focando, prioritariamente, os profissionais de nível superior e a equipe

25

multiprofissional. Cabe enfatizar que, no período de 2001 a 2005, as dissertações e

teses que abordaram o conflito, diretamente relacionado ao papel do enfermeiro,

fizeram-no com destaque no exercício da gerência, objeto central da investigação

em curso.

Pesquisas apontam para a necessidade de “[...] construção de um corpo de

conhecimentos específicos da enfermagem [...]” (ALMEIDA e ROCHA, 1986, p.87)

ou assinalam que “ante as atividades de gerenciamento, os profissionais

consideram-se membros responsáveis pela estrutura do serviço, provedores da

organização da seção de trabalho e responsáveis pelas relações interpessoais no

grupo” (PROCHNOW, 2004, p. 68), assim como outros, focaliza a tendência, cada

vez maior, dos enfermeiros voltando-se para o exercício da gerência (LIMA, 1998).

Entende-se que há evidências de que o enfermeiro vem naturalizando a função de

coordenador da produção do cuidado em saúde como se este fosse seu verdadeiro

papel na equipe de saúde.

Outra constatação nesta categoria diz respeito aos trabalhos que buscam

analisar o conflito na equipe multiprofissional em detrimento dos mesmos dentro da

própria equipe de enfermagem. Os avanços na implantação da Estratégia de Saúde

da Família que, em certa medida, impôs a condição de aproximação entre os

diferentes profissionais que compõem a equipe, forçando-os a estabelecer uma

relação mais dialógica, pode ser um dos fatores determinantes dessa mudança

(PEDROSA e TELLES, 2001).

Ademais, é possível perceber que, na assistência, as inquietações dos

enfermeiros estão, preferencialmente, voltadas para o fazer1 e tudo o que envolve o

ato em si, evidenciando-se relações de poder e dilemas éticos frente a situações

pontuais.

A síntese dos nove trabalhos relacionados à equipe da assistência que focam o

enfermeiro no exercício da gerência será apresentada no Quadro 2 deste capítulo no

qual se destaca o ano, grau acadêmico, título do trabalho, objetivos e resultados.

Imediatamente, a seguir, buscar-se-á refletir sobre as tendências identificadas nas

investigações desses nove trabalhos em análise.

1 Grifo da autora

26

3- O conflito relacionado à comunidade usuária

As pesquisas classificadas na categoria que congrega a relação do

enfermeiro com a comunidade usuária (pacientes, acompanhantes, cuidadores e

familiares) demonstram que, até o ano de 2002, o enfoque principal relacionava-se

aos conflitos dos pacientes ou destes com a equipe. A partir desse período,

evidencia-se a mudança no foco dos estudos, que passam a investigar os conflitos

nas famílias, com acompanhantes ou com os grupos representativos das pessoas

com enfermidades crônicas. Atribui-se a Estratégia de Saúde da Família, proposta

que tem por fim a reestruturação do Sistema Único de Saúde (SUS), o papel de

inclusão da comunidade nas discussões sobre modelo assistencial, suas

necessidades bem como o planejamento das ações de saúde (BRASIL, 2004).

Além disso, no que tange a essa categoria, observa-se que o enfoque principal

do conflito é definido considerando-se as necessidades dos indivíduos que, de forma

direta ou indireta, desfrutam do trabalho da enfermeira, além das diferentes

expectativas frente às formas de abordagem nem sempre claras ou

consensualmente acordadas.

A contextualização do tema, dentro da investigação geral, voltada para a

atuação do enfermeiro nos diferentes espaços sociais permite remeter a abordagem

ao objeto central desta investigação, que trata da análise dos conflitos no exercício

gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar. O quadro abaixo exibe uma síntese

das pesquisas nesta área no período definido previamente. Nele encontram-se, à

mostra, os nove trabalhos, do total dos 104 selecionados, que fazem alguma alusão

direta ou indireta ao tema conflito no exercício do papel de gerente por parte de

enfermeiros. Destes estudos, dois são teses de doutoramento e sete são

dissertações de mestrado.

Ancorada no recorte feito, observa-se que a preocupação com a questão do

conflito relacionado à gerência surgiu, a partir de 2001, com o desenvolvimento de

três trabalhos; em 2002, um apenas; em 2004, três e, em 2005, foram encontrados

dois estudos acadêmicos relacionados ao tema.

27

A seguir, apresenta-se o Quadro 2 contendo os nove trabalhos. Busca-se

destacar, na sinopse, informações relevantes como: ano de apresentação, nível

acadêmico, título, objetivos e resultados. A intenção de compactar esses estudos, a

partir das afirmações feitas por seus próprios autores, contemplaria uma

preocupação que é central: expressar, textualmente, sem acréscimos, suposições

ou desconsiderações o que de fato está escrito e que se tem como referência fiel em

relação às publicações existentes sobre o tema na enfermagem brasileira.

Quadro 2 - Síntese dos trabalhos que focalizam o conflito no exercício da gerência pelo enfermeiro

Ano Nível ac. Título do trabalho

Objetivo do estudo Análise dos resultados

2001 Mestrado Gerência de enfermagem no centro cirúrgico: um processo em busca de mudanças (SOUZA, 2001).

“Investigar as atividades gerenciais de enfermagem no Centro Cirúrgico, com vistas a estimular a reflexão sobre o processo de mudanças.”

“Identifica os fatores intervenientes geradores do conflito. Mostra a atividade gerencial centrada nos pressupostos da teoria administrativa clássica.”

2001 Mestrado Ser chefe de serviço de enfermagem: um enfoque fenomenológico (PINHEL,2001).

“... a compreensão do que é ser chefe de serviço de enfermagem, segundo a percepção de enfermeiras que vivenciam ou vivenciaram este cargo.”

“... emergiram unidades de significado interpretadas, revelando que o fenômeno ser chefe de serviço de enfermagem “é um vivencial caracterizado pela diversidade de experiências pessoais e profissionais.”

2001 Doutorado

Enfermeiras e o paradoxo das relações saber-poder no Programa de Controle de Infecções Hospitalares: uma contribuição para acreditação hospitalar (AGUIAR, 2001)

“Discutir as modalidades de poder-saber, que se evidenciam nas ações da gerente de enfermagem e da enfermeira da CCIH, e os entrecruzamentos ou relações entre estas e suas estratégias na efetivação do Programa de Controle das Infecções Hospitalares.”

“... a dificuldade do controle das infecções hospitalares repousa na questão do poder-saber que é verticalizado e não horizontalizado, onde as políticas de saúde são definidas a nível central, verticalizada para a Direção do hospital – CCIH – gerente de enfermagem, deixando de lado aqueles que de fato fazem a prevenção e o controle da infecção na base, ou seja,

28

aqueles que estão cuidando dos clientes.”

2002 Mestrado

Planejamento no contexto da prática da enfermeira: um repensar profissional (LIMA, 2002).

“Conhecer as estratégias de planejamento no contexto da prática cotidiana da enfermeira e identificar como a enfermeira concatena suas ações à filosofia do cuidado de enfermagem.”

“... a identificação da necessidade de repensar uma forma de implantação de um planejamento mais participativo como um instrumento orientador, para as múltiplas ações exercidas, o qual tenha bem definido as atribuições da enfermeira assistencial no contexto do ambiente organizacional...”

2004 Mestrado

O conflito no trabalho na perspectiva da enfermeira, técnica e auxiliar de enfermagem (BULCÃO, 2004).

“Analisar o que expressam os conflitos entre a enfermeira, a técnica e a auxiliar de enfermagem no trabalho na organização hospitalar, e os específicos foram identificar as características dos conflitos e compreender como a sua existência pode apontar para transformações no trabalho em enfermagem.”

“... leva à compreensão da necessidade de mudanças no trabalho em enfermagem, a começar pelo seu modo de condução pela enfermeira, geralmente vertical e autoritário. Além disso, aponta para a necessidade de discussão sobre a divisão técnica e social do trabalho em enfermagem.”

2004 Mestrado

Cuidar/gerenciar: possibilidades de convergência no discurso coletivo das enfermeiras. Curitiba (WILLIG, 2004)

“Discutir e refletir com os profissionais de Enfermagem o gerenciamento do cuidado nas Unidades de Hemodiálise da capital, Curitiba-PR.”

“Existência de conflito entre gerenciar o cuidado e prestar cuidado direto ao paciente... enfermeiras sugeriram a formação de um grupo permanente de discussão...”.

2004 Mestrado

Relações de poder/saber gerando conflito na liderança da enfermeira: estudo sócio poético (OLIVEIRA, 2004)

“Descrever a poética da liderança da enfermeira a partir do imaginário dos técnicos e auxiliares de enfermagem acerca das relações de poder e saber vivenciadas no processo de trabalho assistencial ao cliente e analisar as relações expressadas por esses profissionais, destacando

“... o conflito no processo de trabalho assistencial ao cliente, ocasionado pela liderança que centraliza em si própria o poder/saber desconhecendo a autonomia do poder pelo saber compartilhado. Desta forma, revela-se uma liderança repressora, castradora e discriminadora, assim

29

os estilos de liderança adotados pela enfermeira.”

como a inabilidade da enfermeira como líder de equipe, tornando-a vítima e cúmplice do status quo da organização.”

2005 Doutorado

Perspectivas do agir comunicativo implícitas no discurso da enfermagem (SOUZA, 2005).

“Identificar a ação de enfermagem no discurso das autoras de enfermagem que revelam as pretensões de verdade e justiça; e refletir sobre o modo como a enfermagem pode superar a noção tecnicista resgatando os valores de verdade e justiça no agir comunicativo.”

“Os pressupostos de Habermas estão identificados quando as Enfermeiras entendem a interação como um momento no qual os valores, as crenças e o conhecimento dos sujeitos, tanto dos profissionais quando do usuário/família dos serviços de saúde, são compreendidos e respeitados.” Confirma-se assim a tese de que a ação comunicativa é uma das possibilidades para a realização da emancipação humana, pois resgata a subjetividade e a capacidade de ser-mais em uma relação.

2005 Mestrado

Conflito como fenômeno organizacional: identificação e abordagem na equipe de enfermagem de um hospital público (AGOSTINI, 2005).

“Analisar a natureza dos conflitos frente às relações pessoais, grupais, ambiente físico e organização do trabalho na equipe de enfermagem e, descrever como os conflitos são abordados e processados por essa equipe no âmbito da estrutura organizacional hospitalar.”

“... necessidade dos enfermeiros adquirirem posições mais articuladas institucionalmente e, neste sentido faz-se imperativo a reavaliação dos projetos político-pedagógicos das escolas de enfermagem a fim de implementarem estratégias de participação e mediação grupal visando o desenvolvimento gerencial do futuro enfermeiro.”

Fonte: Cepen/Aben, 2007.

A partir do agrupamento das principais informações dos estudos em análise,

evidenciou-se a predominância do cenário hospitalar como foco das investigações

relativo à gerência dos conflitos, por parte dos enfermeiros, ou seja, sete, dos nove

trabalhos analisados, explicitam no resumo que a pesquisa foi desenvolvida no

30

universo hospitalar. Esta constatação revela forte influência na prática de

enfermagem no Brasil da concepção de saúde a partir do modelo biomédico,

hospitalocêntrico.

Algumas produções ressaltam a compreensão da relação do profissional

enfermeiro com organizações do tipo hospitalar, observando-se que por parte dos

enfermeiros há a incorporação de elementos ideológicos na forma de organização

do trabalho, e remetem à idéia de lealdade às organizações, de aptidão, de

reconhecimento, de valores relacionados à questão moral. Dentre os principais,

destaca-se: engajamento, responsabilidade, disciplina, harmonia, valorização do ser

humano, comprometimento, que resultam em um sentimento que demonstra

tenacidade com o caráter religioso e militar, o que aproxima mitos e símbolos, que

servem de base à sua prática (PROCHNOW; LEITE; ERDMANN; TREVIZAN, 2007).

Outra constatação percebida atém-se a atividade gerencial dos enfermeiros

expressa nos princípios da teoria administrativa clássica a qual se encontra centrada

na produtividade e na racionalidade do trabalho que, em certa medida, expõe os

fatores intervenientes e desencadeantes de conflito nas relações de poder

(CARRASCO, 1993; SPAGNOL, 2002). Quatro, dos nove trabalhos expõem a

temática do conflito sob essa ótica (SOUZA, 2001; AGUIAR, 2001; BULCÃO, 2004;

OLIVEIRA, 2004).

Entretanto, mesmo que de forma incipiente, pode-se, por assim dizer, que o

movimento inicial rumo ao amadurecimento do pensamento científico da

enfermagem na abordagem de temas como o conflito no exercício da gerência foi

desencadeado (SOUZA, 2001; LIMA, 2002; AGOSTINI, 2005).

Por considerar o papel do agente, suas intenções expressas ou veladas, seus

comportamentos e atitudes, entre outras manifestações possíveis, propõe-se

sustentar as análises deste trabalho à luz dos conceitos de habitus2 e campo de

Pierre Bourdieu (2004; 2005; 2007). Para tanto, apresenta-se, a seguir, um breve

histórico do pensador e sua obra.

2 Grifo do próprio autor.

31

2.5 Pierre Bourdieu: alguns destaques sobre o autor e sua obra

O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), catedrático no Colége de

France, foi considerado um dos grandes sociólogos do século XX. Influenciou

pensadores de vários países com seus estudos sobre campesinato, educação, arte,

comunicação, linguagem, religião e política. Desejou atribuir à Sociologia uma

função crítica, na busca por desvelar os mecanismos educacionais, culturais, sociais

e simbólicos de dominação. Acreditava na possibilidade de “transformar a sociologia

numa ‘ciência total’, capaz de restituir a unidade essencial da prática humana”

(VALLE, 2007, p.119).

Foi o seu olhar crítico-reflexivo sobre a Sociologia e as Ciências Sociais, de

modo geral, que chamou a atenção e propiciou um dos destaques atribuído a sua

obra. Os questionamentos sempre presentes nos seus estudos exerciam um efeito

pusilânime que se supunha ser o que ele desejava de fato:

Como pode o sociólogo efetuar na prática a dúvida radical a qual é necessária para por em suspenso todos os pressupostos inerentes ao fato de ele ser um ser social, portanto, socializado e levado assim a sentir-se como peixe na água no seio desse mundo social cujas estruturas interiorizou? Como pode ele evitar que o mundo social faça, de certo modo, através dele, por meio das operações inconscientes de si mesmas de que ele é o sujeito aparente, a construção do mundo social do objeto científico?”(BOURDIEU, 2007 p. 34-35).

O autor considerava a Sociologia uma profissão voltada ao estudo da

realidade que tinha por fim a objetividade social. Isso o diferenciava de seus colegas

pensadores da época que traziam à lembrança uma Sociologia em estado de

penúria.

Sua abordagem metodológica, denominada de conhecimento praxiológico, busca superar um dilema clássico do pensamento sociológico, alicerçado nas discordâncias entre duas perspectivas de investigação empírica, consideradas inconciliáveis: o subjetivismo (pressupõe a possibilidade de apreensão imediata da existência vivida do outro e entende que essa apreensão se constitui num modo mais ou menos apropriado de conhecimento do mundo social) e o objetivismo (pressupõe uma ruptura com a experiência imediata, o que implica colocar entre parênteses a primeira experiência do mundo social e elucidar as estruturas e os princípios, inacessíveis a toda apreensão imediata, sobre os quais repousa essa experiência) (VALLE, 2007, p.120).

32

Autores, como Lévi-Strauss, e suas análises das relações e oposições, assim

como Weber e seus estudos sobre a maneira como os grupos aparecem, nos

diferentes campos, e lutam pelo poder e para ampliar sua influência, tiveram

ascendência ao pensamento e construção dos conceitos bourdesianos. Do primeiro

Bourdieu utiliza a etnologia como possibilidade de ligação capaz de aproximar a

Sociologia e a Filosofia. Do segundo ele se propõe a desvelar o princípio gerador da

dominação social, descrita por Weber, analisando a maneira pela qual se manifesta

a relação entre dominantes e dominados (VALLE, 2007).

Ainda, na década de 60, desenvolve um conceito-chave, marcante para a

Sociologia, e que será trabalhado durante todo o percurso de sua obra: o conceito

de habitus, definido, objetivamente, como um “sistema de disposições para a

prática” (BOURDIEU, 2004, p.98), ou:

Como sistema de esquemas adquiridos que funciona no nível prático como categorias de percepção e apreciação, ou como princípios de classificação e simultaneamente como princípios organizadores da ação, significava construir o agente social na sua verdade de operador prático de construção de objetos (BOURDIEU, 2004, p. 26).

Esse conceito foi e continua sendo amplamente discutido por estudiosos,

tanto da obra de Bourdieu, como das Ciências Sociais, de modo geral e, entre as

interpretações plausíveis, destaca-se:

Habitus corresponde a uma matriz, determinada pela posição social do indivíduo que lhe permite pensar, ver e agir nas mais variadas situações. O habitus traduz, dessa forma, estilos de vida, julgamentos políticos, morais, estéticos. Ele é também um meio de ação que permite criar ou desenvolver estratégias individuais ou coletivas (VASCONCELLOS, 2002, p.79).

Uma lição fundamental, nas obras de Pierre Bourdieu (2004, 2005, 2007), é

considerar o indivíduo um ser relacional e pensar que as relações mais estruturadas

(abstratas ou visíveis), nas formas de coexistência, organizam e determinam o

campo onde esse mesmo indivíduo se insere num dado momento e lugar. Para

alcançar essa compreensão, é necessário considerar que identidade social,

se percebe através do que cada grupo mostra de si mesmo e que se remete à incorporação mental coletiva de esquemas de percepção, desemboca na encarnação desta identidade social através daquilo que representa este grupo de uma maneira individual ou coletiva. A definição do ser social, da identidade social, é dada assim não unicamente a partir

33

das condições objetivas que definem as categorias sociais, mas, como diz Bourdieu, do ser percebido por si mesmo ou pelos outros (CHARTIER, 2002 p. 153-154).

Bourdieu (2004, 2005, 2007) salienta, no que concerne às lutas de classe, as

quais regem e organizam a sociedade, tema apresentado e discutido por

pensadores anteriores à sua época, que estas sempre se traduziam num processo

capaz de produzir modificações no meio social, no comportamento dos agentes ou

no grupo. Tais modificações atuariam por efeito de respostas à ação do próprio

meio, comportamento ou grupo, efeito esse denominado por ele de lutas de

classificação.

A luta das classificações é uma dimensão fundamental da luta de classes. O poder de impor uma visão das divisões, isto é, o poder de tornar visíveis, explícitas, as divisões sociais implícitas, é o poder político por excelência: é o poder de fazer grupos de manipular a estrutura objetiva da sociedade (BOURDIEU, 2004, p. 167).

Um segundo conceito essencial a ser destacado, na obra do sociólogo em

questão, é o conceito de campo. Os campos, segundo Bourdieu (2004, 2005, 2007),

caracterizam-se por deterem suas próprias hierarquias, princípios e regras. São

determinados a partir dos conflitos e das tensões no que diz respeito a seus próprios

limites e compostos por redes de relações ou de oposições entre os atores/agentes

sociais que são seus membros. Dentre as várias exposições, o autor descreve o

campo como:

espaços estruturados de posições (ou de postos) cujas propriedades dependem das posições nestes espaços, podendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes (em parte determinadas por elas) (Bourdieu 1983, p. 89).

Ou ainda da mesma forma que:

um espaço de relações objetivas entre posições – a do artista consagrado e a do artista maldito, por exemplo – e não podemos compreender o que ocorre a não ser que situemos cada agente ou instituição em suas relações objetivas com os outros (BOURDIEU, 2005 p. 60).

E conclui: “há, portanto, tantos campos quanto são as formas de interesse”

(BOURDIEU, 2004 p. 65).

34

A partir da década de 80, Bourdieu (2004, 2005, 2007) dedicou-se ao estudo

da política e dos meios de comunicação. Por meio de sua teoria dos campos de

produção simbólica, o sociólogo procurou mostrar que as relações de força entre os

agentes sociais apresentam-se sempre na forma transfigurada de relações de razão

de ser.

A violência simbólica, outro tema central da sua obra, não era considerada

por ele como um mero instrumento ao serviço da classe dominante, mas como

alguma coisa que se exerce também por meio do jogo entre os agentes sociais, ou

seja, no interior da própria classe dominada. O autor compreendia a violência

simbólica como “instrumento de imposição ou de legitimação da dominação de uma

classe sobre a outra” (BOURDIEU, 2007 p. 11).

O autor destaca o seu propósito no uso que faz dos conceitos, qual seja:

“abolir a distinção escolar entre conflito e consenso, que nos impede de pensar

todas as situações reais em que a submissão consensual se realiza no e pelo

conflito” (BOURDIEU, 2004 p.57).

Para Bourdieu (2004, 2005, 2007), a relevância sobre os conflitos diz respeito

à influência que esse fenômeno exerce sobre os campos, que mesmo tendo suas

próprias regras, princípios e hierarquias, são definidos a partir dos conflitos e das

tensões que sua própria delimitação reúne em si mesmo. Assim também para os

estudiosos da sua obra implica que se compreenda profundamente a organização

dos campos, suas relações, limites e composição. É preciso dar-se conta de que os

campos constituem-se das redes de relações ou de oposições entre os agentes

sociais, que são seus membros, que determinam os limites dos espaços e o direito

de dizer quais são estes limites, além de resguardar o direito de dizer quem pertence

a este espaço social particular e o direito de dizer a sua própria identidade ou a do

outro (CHARTIER, 2002).

A partir do exposto, pode-se ponderar que a atuação do enfermeiro no campo

é permeada por todos os elementos constituintes das definições patentes nos

conceitos de Bourdieu (2004, 2005, 2007). Entende-se como essencial ao

enfermeiro aperceber-se que suas ações determinam e são determinados pelo

campo onde ele se insere. E ainda, dar-se conta de que um conjunto de processos

mentais, incorporados, cognitivamente, antecede os seus atos e compõe o

arcabouço de suas manifestações exteriorizadas no campo, percebidas ou não,

pelos demais agentes.

35

Além dos dois conceitos apresentados, Bourdieu desenvolveu outro,

igualmente importante, que é o conceito de capital, definido como um bem que pode

existir objetivamente na forma de propriedade material ou subjetivamente como algo

incorporado e de interesse distinto, capaz de transformar-se em objeto de luta dentro

de um determinado campo (Bourdieu, 2007). Entretanto, a fim de delimitar a

abordagem deste estudo, esse conceito não será associado às evidências da

pesquisa em voga.

Diante do exposto, acredita-se tornar compreensível o fenômeno interrogado

valorizando as contribuições da teorização, aqui apresentada, e as articulações

possíveis entre diferentes áreas do conhecimento, a fim de sustentar a dissertação

sobre o conflito no exercício gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar. Na

seqüência, apresenta-se a metodologia que expõe a maneira como a temática em

estudo foi investigada.

36

3 METODOLOGIA

Nesta etapa se faz necessário apontar o caminho utilizado para a obtenção

dos dados, as fontes de informação, os sujeitos do estudo, a técnica utilizada para a

captação dos achados, os procedimentos analíticos seguidos para dar

sistematização e rigor científico, os quais são imprescindíveis para o

desenvolvimento da investigação.

Quanto à definição do objeto, Bourdieu (2007, p. 28) chama a atenção para a

enunciação clara do que será pesquisado relativo ao mesmo: “os objetos comuns da

pesquisa são realidades que atraem a atenção do investigador por serem realidades

que se tornam notadas”. Para ele, entretanto, a visão nítida da realidade de grupos

ou agentes é mais fácil ser pensada do que reflexioná-la em termos de relações.

Assim, outra preocupação central à pesquisa científica está relacionada ao

método utilizado. Demo (1999, p.51) destaca que nas ciências, de um modo geral, o

cuidado relativo ao mesmo eleva o nível acadêmico das pesquisas. Todavia, para as

Ciências Sociais, além disso, o autor deixa patente que um dos perigos a rondar os

pesquisadores diz respeito à expressão de certezas sobre realidades incertas.

“Temos, assim, diante de nós um desafio metodológico: combinar a pretensão

formalizante da ciência com a imprecisão da realidade”. Com vistas à viabilização da

investigação científica apresentada, buscar-se-á descrever a sua execução de forma

clara e concisa.

3.1 Tipo de estudo

O presente estudo empregou a metodologia qualitativa. Esse tipo de

abordagem destaca que:

a preocupação do pesquisador não é com a representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma trajetória etc.” (GOLDENBERG, 2007, p. 14).

37

Partindo dessa acepção, Turato (2005) enfatiza que o método qualitativo pode

ser entendido, como a busca pela percepção dos fenômenos e seus significados, em

particular ou em grupo, e qual o seu sentido para a vida das pessoas.

Na enfermagem, a utilização desse tipo de pesquisa é freqüente, uma vez

que possibilita ao enfermeiro enquanto pesquisador, mergulhar no universo onde o

fenômeno se concretiza.

3.2 Cenário do estudo

A pesquisa foi desenvolvida na cidade de Santa Maria, localizada na região

centro-oeste do estado do Rio Grande do Sul. O município conta uma população de

270.073 mil habitantes, sendo que a população urbana totaliza 248.470 habitantes

(IBGE, 2007). Santa Maria localiza-se a 286 km da capital Porto Alegre e é a 5ª

maior cidade do Estado em população (SANTA MARIA, 2007).

Em razão do foco do estudo restringir-se ao cenário hospitalar, é oportuno

contextualizar algumas informações sobre essa estrutura disponível. A cidade conta

com uma oferta de, aproximadamente, mil leitos hospitalares, sendo que 450 destes

são destinados ao SUS. Essa infra-estrutura hospitalar é referência para a alta

complexidade aos 45 municípios que compõem a 4ª e a 10ª Coordenadorias

Regionais de Saúde, abarcando uma população aproximada de 1.500.000

habitantes (RIO GRANDE DO SUL, 2008).

Ainda, sobre a estruturação da rede hospitalar local, destaca-se que a mesma

é composta por oito instituições, entre públicas e privadas, sendo que cinco delas,

com mais de cinqüenta leitos, foi o critério considerado para este estudo.

38

3.3 Sujeitos do estudo

Para essa investigação, conta-se com um grupo de enfermeiras autônomas3

que exercem ou exerceram o cargo de Gerente de Enfermagem ou funções afins

por um período mínimo de quatro anos, podendo ser contínuos ou não, nos últimos

dez anos, em instituições hospitalares públicas e privadas com mais de 50 leitos

localizadas na cidade de Santa Maria.

As enfermeiras foram identificadas por meio de uma busca informal realizada

pela pesquisadora junto à representante maior da categoria nas instituições

hospitalares caracterizadas no estudo.

Tendo em vista que a estrutura hierárquica do serviço de enfermagem nas

instituições hospitalares não obedece a uma regra comum, foi considerado

candidato a sujeito do estudo o representante da função maior – chefe, diretor ou

coordenador de enfermagem – da instituição. Também foram candidatos a sujeito da

pesquisa aqueles enfermeiros responsáveis por áreas que reúnem dois ou mais

serviços, assim como aqueles que exerceram essas funções no período delimitado

para esta investigação.

A disposição de coletar os dados com as pesquisadas, desvinculadas das

instituições, e fora dos limites físicos da estrutura, ou seja, por decisão livre e

autônoma, enquanto indivíduo habilitado em enfermagem e que tem um papel a

desempenhar dentro de uma estrutura organizacional hospitalar, deve-se ao fato de

perceber as implicações e os efeitos que tais estruturas exercem sobre ele. Esses

profissionais, segundo Kurcgant (2006), situam-se no nível intermediário das

organizações nas quais cumprem e fazem cumprir as deliberações, o que pode

determinar que os fatores relacionados à estrutura, onde o entrevistado encontra-se,

no momento da entrevista, tem força para influenciar as respostas. Por esse motivo

optou-se por entrevistá-las em local onde elas não exerciam a função relativa à

pesquisa.

Foram selecionadas quinze enfermeiras para realização das entrevistas.

3 O termo “enfermeira autônoma” designa o profissional, livre momentaneamente, do cargo que ocupou ou ocupa na instituição, isto é, em que exerce ou exerceu a atividade. E, ainda, afastado da estrutura organizacional.

39

Todas as escolhidas foram contatadas, no mínimo, duas vezes, para a efetivação da

coleta de dados.

Os critérios de seleção dos sujeitos pesquisados obedeceram à seguinte

ordem:

1º) o aceite livre e voluntário do enfermeiro selecionado para participar do

grupo;

2º) o mais antigo de cada instituição na função;

3º) escolha de, no mínimo, um enfermeiro gerente por instituição;

4º) a inclusão progressiva dos listados nas instituições, até contemplar, no

mínimo, 50% dos enfermeiros gerentes de dois ou mais serviços que compõem

o quadro funcional da instituição.

De posse da listagem nominativa, obtida nas instituições, e observando-se os

critérios, acima definidos, as enfermeiras foram divididas em dois grupos, a fim de

que o espaço de tempo entre o primeiro contato e a entrevista não ultrapassasse o

período de sete dias. A etapa seguinte foi contatar com as sete primeiras da lista. Os

contatos preliminares foram efetivados com o intuito de convidá-las a participar do

estudo, de expor objetivamente o propósito e a relevância do mesmo e, ainda, de

programar o encontro para a apresentação da pesquisa a ser feita. Nesse momento,

foi exibido o projeto detalhado com esclarecimento de dúvidas pertinentes ao

mesmo, dado a conhecer o instrumento de pesquisa autorizado pelo Comitê de Ética

da UFSM e solicitada a definição da data, hora, e local para realização da entrevista

individual. O convite para participar da pesquisa, primeiro contato, foi efetivado por

telefone e, mediante o aceite, agendou-se o segundo, que seria o primeiro encontro

pessoal. O mesmo procedimento aplicou-se ao restante do grupo selecionado,

assim que as primeiras entrevistas foram concluídas.

O período de realização das entrevistas compreendeu os meses de abril,

maio e junho de 2008, excedendo em um mês o tempo pré-determinado para essa

fase da pesquisa. O principal fator a interpor-se na execução da coleta foi o

cancelamento dos encontros que necessitaram uma nova programação para que

pudessem ser efetivados. De um total de quinze entrevistas programadas, oito foram

remarcadas, sendo que duas destas não foram efetivadas devido aos

cancelamentos sucessivos das enfermeiras e a impossibilidade temporal da

40

pesquisadora de aguardar novo agendamento. As entrevistas tiveram a duração

média de 40 minutos, sendo que destes, trinta atinentes à investigação. Para tanto,

o estudo perfez um total de 13 entrevistas, de acordo com o aceite prévio.

As transcrições das três primeiras entrevistas foram realizadas pela

mestranda. Por esse processo demandar de tempo considerável, e por julgar-se

essencial observar o cronograma das atividades relativas ao estudo, optou-se por

auxílio externo à transcrição das entrevistas restantes. Entretanto, destaca-se que

todas foram revisadas com leitura e escuta simultânea. Cabe ainda ressaltar que a

transcrição contemplou a integralidade das gravações com a utilização de um

programa que contém as ferramentas necessárias para organizar, converter e

escutar arquivos de áudio, provido de recursos que permitem o controle da

reprodução e a realização de cópias de segurança.

3.4 Coleta e análise dos dados

A modalidade de abordagem escolhida utilizou como técnica de coleta de

dados a entrevista semi-estruturada. Nela salienta-se a importância de o

entrevistado estar plenamente esclarecido sobre todos os elementos que

contemplam a mesma (objetivo, número de participantes e de entrevistas com cada

um, roteiro). Vale considerar que o objeto a ser investigado é que define a escolha

do tipo de entrevista que melhor atende os propósitos do estudo (POPE e MAYS,

2005).

A coleta dos dados que utiliza a técnica de entrevista semi-estruturada é

apresentada por Minayo (2007) como um roteiro que explica, da forma mais

abrangente possível, as questões que o pesquisador quer abordar no campo.

Essas questões são construídas a partir de suas suposições ou pressupostos,

decorrentes da definição do objeto de pesquisa. Esse tipo de entrevista, por não

ser totalmente aberta, permite ser conduzido por algumas questões previamente

definidas. Para o bom êxito desse procedimento, o pesquisador necessita estar

ciente de que nem todas as perguntas elaboradas, necessariamente, serão

utilizadas. E que, durante a realização da entrevista, podem-se inserir outras

questões que surgem de acordo com o desenvolvimento do diálogo em relação

41

aos dados que se espera obter.

A entrevista apresentada resume-se a um roteiro com questionamentos

acerca do perfil sócio-profissional da participante do estudo e questões abertas

relacionadas à temática em voga (APÊNDICE A). As perguntas estiveram apoiadas

em generalidades de interesse da pesquisa e, na seqüência, ofereceu amplo campo

de questionamentos, fruto de novas suposições que surgiram à medida que as

entrevistadas deram suas respostas (MINAYO, 2000).

Foi solicitada, ainda, às participantes, a autorização para gravação do diálogo,

tendo em vista garantir a reprodução fiel na forma de texto das conversas

desenvolvidas. Após a transcrição das entrevistas na sua totalidade, o material foi

colocado à disposição das entrevistadas, caso manifestassem desejo de revisar as

suas manifestações. A finalidade desse procedimento foi validar o seu conteúdo,

mediante a aquiescência, por escrito, das mesmas, entretanto, nenhuma das

entrevistadas julgou necessária a revisão.

No encontro para a realização das entrevistas, as enfermeiras, assinaram o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE B). Em apenas um caso,

houve necessidade de um segundo encontro com a entrevistada que teve a

finalidade de esclarecer manifestações que ficaram inaudíveis na gravação.

Destaca-se que a entrevistada preferiu, então, emitir sua opinião por escrito.

Para Goldenberg (2007), na coleta de dados qualitativos, o que mais

interessa é a representatividade dos mesmos, portanto, não existe necessidade de

se definir uma amostra, porque o que importa é o significado de uma informação

para a situação avaliada e não a quantidade de informantes que repetem essa

mesma informação.

Vale destacar que das quinze entrevistas programadas, treze foram

efetivadas mesmo, observando-se que, a partir da sétima, a recorrência dos

dados passou a ser evidente. Justifica-se a decisão: 1) pela expectativa de que

alguma informação nova pudesse vir a ser expressa; 2) pelo fato de ter-se

contatado as enfermeiras, previamente, e assegurado que fariam parte do estudo;

e, 3) por entender-se que ouvir a totalidade definida no início do processo se

estaria assegurando o rigor científico diante da consecução metodológica

proposta.

Outros estudos apontam, ainda, que, comumente, é muito fácil adquirir e/ou

42

reunir uma grande quantidade de informações qualitativas. O mais difícil,

entretanto, é analisar adequadamente estas informações e determinar

precisamente o que é mais importante para ser analisado (BARDIN, 1977;

MINAYO, 1996; TURATO, 2005). A definição das informações mais relevantes,

bem como a forma de analisá-las, antes de iniciar a coleta, é fundamental para

evitar esse tipo de situação.

A análise dos dados foi realizada com base nos preceitos do método

qualitativo: ordenação, classificação em estruturas de relevância, síntese e

interpretação (MINAYO, 2007).

A transcrição, na íntegra, das treze entrevistas rendeu 119 laudas

configuradas com espaçamento de 1,5cm e fonte arial, tamanho 12. A ordenação

dos destaques, de acordo com a relevância, deu origem a um bloco composto por

27 laudas, as quais foram organizadas com base no foco de abordagem a que se

referia, a fim de comporem a síntese e a interpretação a partir dos pressupostos

teóricos previamente definidos.

A apresentação, a interpretação e a discussão dos resultados deste estudo

foram realizadas a partir da construção histórica dos conceitos de habitus e campo,

realizado por Pierre Bourdieu, conforme apresentado, anteriormente, além das

publicações dos estudiosos de sua obra, visto que, segundo Setton (2002, p. 64),

Para Bourdieu, a maior parte das ações dos agentes sociais é produto de um encontro entre um habitus e um campo (conjuntura). Assim as estratégias surgem como ações práticas inspiradas pelos estímulos de uma determinada situação histórica... Habitus é um instrumento conceptual que auxilia a apreender uma certa homogeneidade nas disposições, nos gostos e preferências de grupos e/ou indivíduos produtos de uma mesma trajetória social.

Ao se perceber o campo de atuação do enfermeiro como universo social

transpassado por relações de interdependência imperceptíveis, entre os

componentes dos diferentes campos constituintes da organização, admite-se, por

assim dizer, a aplicação deste referencial teórico para análise.

43

3.5 Considerações éticas

A questão ética para a inclusão dos participantes foi observada, segundo a

Resolução nº. 196/96, do CNS/MS, que dispõe sobre diretrizes e normas

regulamentares da pesquisa envolvendo a participação de seres humanos,

especialmente, no que se refere ao Consentimento Livre e Esclarecido. Para tanto,

foi apresentado um Termo de Consentimento aos participantes do estudo,

assegurando o seu anonimato, bem como lhes dando a liberdade de não

participarem ou se retirarem da pesquisa em qualquer momento que assim

desejassem.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade

Federal de Santa Maria (UFSM), (ANEXO A) antes do início da coleta de dados e,

para isso, também se elaborou um Termo de Confidencialidade (APÊNDICE C).

Da mesma forma, cabe salientar que, para se preservar a identidade dos

sujeitos do estudo, utilizaram-se códigos de identificação de acordo com a ordem

com que foram realizadas as entrevistas. Exemplo: E1 para a primeira enfermeira

entrevistada. Com relação aos áudios produzidos e as transcrições das entrevistas,

destaca-se que os mesmos foram catalogados e armazenados em CDs que ficarão

de posse da pesquisadora por doze meses e, posteriormente, serão destruídos.

44

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS

Antes de iniciar o desenvolvimento da análise e discussão dos resultados

deste estudo, julga-se necessário expor, mesmo que de forma resumida, os

componentes da organização descritos por Mintzberg (2004). O autor, em questão, é

considerado um ícone da atualidade sobre o assunto e este olhar panorâmico sobre

a organização se faz necessário para aproximar as impressões subjetivas extraídas

do conjunto dos dados coletados ao espaço social que as tornou possíveis.

Para Mintzberg (2004), são cinco os componentes da organização:

1- o centro operacional: é a parte que compreende todos os membros que

executam atividades relacionadas à produção. Eles buscam, transformam,

distribuem e apóiam as funções operacionais.

2- o vértice estratégico: é a parte que se encontra na outra extremidade da

organização. É o que se costuma denominar de quadro dirigente. A principal função

deste núcleo de comando é a de assegurar que a organização cumpra,

efetivamente, sua missão.

3- a linha hierárquica: é a rede que liga o centro operacional ao vértice

estratégico. Possui autoridade, formalmente constituída, exercendo-a sobre os

operacionais, e situada logo abaixo do vértice estratégico. É uma cadeia que parece

simples, mas não é, pois pode dividir-se e voltar a ligar-se configurando desenhos

estruturais em que um subalterno pode ter mais do que um superior.

4- a tecnoestrutura: é onde se encontram os analistas e o pessoal

burocrático de suporte. Dentre suas atribuições, destaca-se a execução de

atividades de criação, planejamento, análise, ou ainda, garantem a formação dos

operacionais. É o grupo que projeta o funcionamento da estrutura, mas não executa

o trabalho propriamente dito.

5- pessoal de apoio: também definido como funções de apoio logístico, como

o próprio termo sugere, é o núcleo que oferece apoio à organização nas mais

diferentes unidades especializadas da mesma. É um componente que depende

diretamente das necessidades do serviço e pode ser encontrado nos diversos níveis

hierárquicos da organização.

Ao considerarem-se as organizações comuns mais ativas na sociedade pós-

moderna, percebe-se que na maioria delas o alcance dos resultados esperados é

45

um processo que se inicia, de fato, no momento em que a definição das atividades

atinge o nível intermediário da estrutura hierárquica organizacional. Momento esse,

em que o gerente apropria-se das decisões, até então existentes, somente no

mundo das idéias ou materializadas na sua forma descrita, e impõe-lhes uma

seqüência evolutiva operacional para a concretização das mesmas.

Para Robbins (2007), são três os modelos de estruturas organizacionais mais

comuns. O primeiro deles, chamado de estrutura simples, caracteriza-se pelo baixo

grau de complexidade, pouca formalização, possuidor de extenso controle e

autoridade centralizada. O segundo definido como burocracia, tem na padronização

a sua sustentação conceitual. É formal, com regras e regimentos que determinam

suas atividades rotineiras, possui diminuta amplitude de controle, autoridade

centralizada e com processo decisório que segue a linearidade do comando. E o

terceiro, definido como estrutura matricial, é o modelo que tem, na

departamentalização, com o agrupamento das especialidades, sua principal

característica, fato este que deixa claro o papel dos diferentes grupos de

especialistas na organização. É nesse modelo organizacional que se enquadram,

segundo o autor, as organizações do tipo hospitalar. O ponto fraco desse modelo é a

cadeia de comando dupla, muito propensa a provocar disputas internas, nem

sempre focadas nos interesses da organização. É a estrutura que apresenta maior

possibilidade de desencadear conflitos, devido à ambigüidade de papéis e

expectativas pouco claras quanto às regras ou unidades de comando.

Esses modelos de estruturas organizacionais, apresentadas anteriormente,

permitem-se interpretação à luz do pensamento bourdieusiano. Afinal, as

organizações antes de se conformarem em associação ou instituição, com objetivos

definidos, são formas sociais, estratificadas ou não, que a sociedade pode assumir.

Ao propor a sua teoria das estruturas sociais, o autor admite a existência de

estruturas objetivas, independentes da consciência e da vontade dos agentes.

Sustenta ainda:

[...] que tais estruturas são produto de uma gênese social dos esquemas de percepção, de pensamento e de ação. Que as estruturas, as representações e as práticas constituem e são constituídas continuamente (BOURDIEU, 1987:147, apud. THIRY-CHERQUES, 2006).

46

Em Mintzberg (2004), as alusões sobre a dinamicidade ou a fixidez da

estrutura das organizações pareceram uma questão tratada, segundo a

conformação de alguns modelos de estruturações possíveis.

A partir dos pressupostos referentes à dinâmica organizacional, considera-se

essencial destacar que o gerente, na estrutura hierárquica de uma organização,

qualquer que seja a sua finalidade, exerce papel estratégico para a consecução das

metas pactuadas, sejam elas referentes aos prazos, táticas, ou ainda, meios

empregados para obtenção do resultado desejado.

Apresentadas as informações relativas à composição estrutural das

organizações, entende-se possível configurar-se, mentalmente, o campo

administrativo hospitalar como um todo ou separado em partes que, classicamente,

são denominadas de setores ou serviços. É com o pensamento voltado para esse

contexto que se apresenta, a seguir, a análise propriamente dita dos resultados

desta pesquisa.

O processo analítico, embasado nos pressupostos descritos, obteve

continuidade com a enunciação das estruturas de relevância, síntese e interpretação

do fenômeno investigado.

Este processo permitiu a identificação de cinco estruturas de significados

denominadas, conforme segue:

- As enfermeiras gerentes e a sua prática.

- Percepção das enfermeiras gerentes e o conflito: limites e possibilidades de

superação.

- Enfermeiras gerentes e suas sentenças: conflitos imanentes, insuperáveis

ou essenciais?

- Na presença do conflito é preciso combater com altivez

- O conflito no campo de luta de todos os dias.

4.1 As enfermeiras gerentes e a sua prática

Esta categoria pretendeu expor e analisar a prática gerencial das

entrevistadas. Com o intuito de se apresentar o perfil sócio-profissional das mesmas,

elaborou-se um quadro-resumo com os achados que importam a esse estudo.

47

Quadro 3 - Perfil sócio-profissional das enfermeiras gerentes

Sexo Cargo mais elevado Tempo de

graduação Tempo na função

Maior titulação Capacitação p/a função

F

Gerente geral 20 anos

09 anos

Mestrado

Sim

F

Gerente geral 07 anos

14 anos

Mestrado

Sim

F

Direção geral 27anos

24 anos

Especialização

Sim

F

Coordenação de área

36 anos

30 anos

Especialização

Sim

F

Coordenação de área

20 anos

09 anos

Especialização

Sim

F

Coordenação de área

31 anos

22 anos

Especialização

Sim

F

Coordenação de área

13 anos

07 anos

Doutorado

Sim

F

Direção geral

19 anos

17 anos

Especialização

Sim

F

Coordenação de área

25 anos

23 anos

Especialização

Sim

F

Gerente geral

13 anos

06 anos

Especialização

Não

F

Coordenação de área

20 anos

17 anos

Mestrado

Não

F

Gerente geral

15 anos

13 anos Especialização

Sim

Com base nas informações disponibilizadas, presume-se que a maioria das

enfermeiras tem idade superior a 40 anos. Todas buscaram dar seqüência à

qualificação formal, após a graduação, cursando especialização ou mestrado, sendo

que, com exceção de duas, as demais recorreram a capacitações especificas para a

função, concomitantemente, ao seu exercício.

A principal evidência constatada na síntese dos dados sócio-profissionais

refere-se ao período de permanência das enfermeiras na função de gerente. Apenas

em três casos o período de exercício na função gerencial é inferior a metade do

48

tempo que possuem de graduação. Oito, das doze enfermeiras entrevistadas

estiveram ou estão, na função de gerente, mais de 70% do período de graduadas e

uma já exercia a gerência antes mesmo de graduar-se. Essa constatação fortalece a

as discussões, no que tange à reprodução da prática pelos enfermeiros e permite

acrescentar que a enfermagem da cidade, em questão, revela-se, porta-se,

reconhece-se e é reconhecida, socialmente, a partir da representação assumida e

das determinações disciplinares das enfermeiras que a comandam.

Uma reflexão realizada por Trevizan et al (2006, p.68) sobre o desempenho

gerencial do enfermeiro na unidade de internação, considerando as três últimas

décadas do século XX, e tendo como campo de ação um mesmo hospital, constatou

que essa atividade possui ligação consistente com normas preestabelecidas,

indicando uma práxis que é imitativa, que não cria, uma “práxis reiterativa”. Os

depoimentos a seguir confirmam o exposto.

A gente aprende muito com as pessoas, observando as pessoas, aquelas que fazem bem, tu

vê o modelo e tu sabe o que é bom e o que não é, então eu sempre tentava pegar o que era melhor

das pessoas ... tentei pegar o melhor de todo mundo (E5).

Eu sempre gostei de ensinar, de aprender e passar aquilo que eu fazia. (8)

Eu não sabia nada de gerência... Pedi pra a diretora uma semana no hospital (...) em (...). Aí

cheguei me achando a mestra..., ai me serviu muito, aprendi muito, aprendi também depois de muito

tempo trilhado... fui indo, fui indo, e fui aprendendo, fui aprendendo com os funcionários que é com

quem mais tu aprende, com o doente que se transformou em personagens, é com quem mais tu

aprende... (E11).

Quanto às atividades realizadas pelo enfermeiro, o estudo mencionado

aponta que “mesmo depois de transcorridos mais de vinte anos, a maioria (43,4%)

das atividades exercidas está centrada no gerenciamento burocrático” (TREVIZAN

et al, 2006, p. 68). Ainda sobre o tema, Prochnow (2004, p. 152) comenta que a

cultura incorporada no exercício da gerência, por parte do enfermeiro, não se

evidencia a partir da racionalidade científica, e sim pelas suas relações objetivas,

intrinsecamente, associadas à subjetividade entre os indivíduos e destes à

configuração cultural que transpassa a sociedade a qual ele pertence.

49

O exercício da gerência do enfermeiro possui estruturas de significados próprios e estes se dão através de um recorte com contrastes sutis atrelados aos desafios que a violência institucional e a comunicação perversa representam sob um modelo fundamentado na hegemonia médica.

Cabe dizer que os achados desta investigação reiteram o conjunto de

análises históricas, algumas conclusivas, sobre o tema relacionado à gerência do

enfermeiro nas organizações hospitalares e, ainda, permitem avizinhar essa

interpretação a uma das perspectivas sociológicas.

Se o “habitus é o princípio da maior parte das práticas”, como uma disposição

regular capaz de gerar condutas regradas, com certa regularidade, mesmo à

margem de quaisquer regras onde o trabalho está intimamente ligado à disciplina e

à normalização das práticas, a construção de diferentes modelos de realidades

implica em refletir sobre os princípios de regulação e regularidade das práticas,

afirma Bourdieu (2004, p. 84). Esse preceito, associado às evidências históricas,

sucintamente, apresentadas por Trevizan et al (2006) e a análise cultural sobre o

exercício gerencial do enfermeiro realizado por Prochnow (2004), pretende-se que

seja o ponto de partida para o exame da plasticidade aparente, não questionada, da

apropriação pela maioria das enfermeiras, dos cargos de gerente nas organizações

hospitalares, sejam elas de natureza pública ou privada.

Acrescida de maior densidade de conhecimento, relacionado ao tema da

gerência, exercida pelo profissional enfermeiro, suas percepções, questionamentos,

conhecimentos e competências associadas a suas práticas, empreender-se-á, a

partir desse instante, uma reflexão na direção do tema central da investigação que é

o fenômeno do conflito.

Os resultados encontrados neste estudo corroboram com os evidenciados na

tendência das pesquisas realizadas por enfermeiros sobre o tema conflito, quanto ao

cenário em que esse foi investigado. O campo hospitalar é o ambiente em que se

concentra o maior número de estudos sobre a temática em voga. Essa constatação

deu-se pelo rastreamento efetuado no banco de teses e dissertações do Cepen

(ABEN, 2005) desenvolvido e apresentado na revisão bibliográfica, unidade

constitutiva deste trabalho.

50

Os enfermeiros, quando inquiridos sobre o que consideram relevante no

exercício da atividade gerencial, destacam, prioritariamente, as questões

concernentes às relações interpessoais, com ênfase para a capacidade de diálogo;

a estabilidade emocional, com destaque para a habilidade de equacionar as

diferenças entre os profissionais, sejam eles da própria equipe ou do conjunto dos

demais trabalhadores da organização; e, também a luta em defesa das expectativas

do grupo que podem ser relativas a escala de trabalho, preferências por atuar em

determinada especialidade ou de cunho particular na tentativa de ajustar obrigações

familiares e atividade laboral.

A diversidade de pessoas que tu trabalha...organizar essas diferenças... a melhor estratégia é

conversar(E1)

Eu acho que o que me ajudou foi ter um bom relacionamento... e saber ouvir as pessoas...

elas querem muito pouco mas aquele pouco que elas querem, elas querem que seja efetivo (E5)

A estabilidade emocional para tu lidar com muitos tipos de pessoas no trabalho porque antes

da profissão vem a pessoa. (E6)

Relacionamento interpessoal, conversa aberta... ser franca ajudaram-me (E11)

Bom senso... equilíbrio emocional (E12)

Acho que a primeira é flexibilidade, parceria, visão do todo do hospital, visão de todas as

unidades, conhecimento. (E14)

Pode-se apreender de todas as falas uma preocupação central que é a de

identificar, tornar claro, elucidar as características, expectativas e sentimentos que

compõem o conjunto de elementos subjetivos do campo de atuação de cada

enfermeira gerente. O que pode diferenciá-las entre si é a ordem em que se

encontram dispostos esses elementos.

Para Bourdieu (2007, p. 6):

51

Compreender a gênese social de um campo e apreender aquilo que faz a necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é explicitar, tornar necessário, subtrair... os actos dos produtores e as obras por eles produzidas e não, como geralmente se julga, reduzir ou destruir”.

Parece oportuno destacar, ainda, a questão relacional apresentada pelo

autor: “Se é verdade que o real é relacional, pode acontecer que eu nada saiba de

uma instituição acerca da qual eu julgo saber tudo, porque ela nada é fora das suas

relações com o todo” (Bourdieu, 2007, p. 31). As falas, a seguir, são reveladoras:

O gerente, ele tem que ter uma grande capacidade de compreensão das coisas, ele tem que

tentar conhecer a questão da instituição e das pessoas com quem ele trabalha... cada um é

diferente, um serviço do outro ...e as pessoas dos serviços também são diferentes... Então, a gente é

quase um camaleão ... um camaleão porque você precisa estar se moldando a todas àquelas

situações daquelas, daquelas equipes , daqueles fregueses que é diferente (E8)

A enfermagem é o processo principal na maioria das vezes, só que ela precisa interagir,

então se o gestor na área de enfermagem é uma pessoa fechada e não consegue negociar com as

diversas áreas, a questão da Nutrição, da Auditoria de Contas, da Farmácia, sempre são situações

que acabam causando conflito de interesses, porque cada um quer fazer a sua parte (E3)

O fato de determinadas condutas assumirem a condição de seqüências

orientadas para uma finalidade, sem, necessariamente, pressuporem decisões

conscientes, para Bourdieu (2004, p. 130), revelam que:

Os agentes de algum modo caem na sua própria prática, mais do que escolhem, de acordo com um livre projeto, ou do que são empurrados para ela por uma coação mecânica. Se isso acontece dessa maneira, é porque o habitus, sistema de disposições adquiridas na relação com um determinado campo, torna-se eficiente, operante, quando encontra as condições de sua eficácia, isto é, condições idênticas ou análogas àquelas de que ele é produto”.

Ao analisar o enfermeiro no exercício da atividade gerencial, deve-se

considerar, entre outras questões, a percepção que o mesmo tem deste papel. Na

pesquisa em voga, tem-se a evidência de que a maioria das enfermeiras que

52

acabaram4 gerentes, sequer tinha noção do que representava sê-lo, dos fatores

intervenientes e das competências que envolvem o exercício da função.

A questão da gerência para mim era muito distante e por força das circunstâncias tu assume

... (E8)

Foi uma parte assim bem difícil; uma porque tu não tem idéia... tem várias coisas na hora que

a gente assume um cargo desses, tem várias cobranças e realmente não tinha idéia, não tinha

preparo. (E10)

Eu tinha que fazer... um trabalho muito mais intuitivo do que um trabalho que eu tivesse tido

formação ou tivesse uma discussão prévia ... ou mesmo uma parceria com enfermeiros do trabalho

(E14)

Os depoimentos confirmam o que foi dito sobre o incógnito a que as

enfermeiras submetiam-se e são submetidas no interior das organizações

hospitalares. A opressão manifesta cega nega, até mesmo, a possibilidade de

questionar ou questionar-se sobre quais são e se possuem as competências

necessárias para executar a tarefa.

Para Mintzberg (2004, p. 120), o conjunto de competências associadas a um

corpo de conhecimento compõe a formação, um dos aspectos da concepção de

postos de trabalho de uma organização. Sobre esse assunto o autor declara:

Quando um trabalho exige conhecimentos e competências que são complexos e que não estão racionalizados, o trabalhador deve passar bastante tempo na sua aprendizagem. Refere-se geralmente esse tipo de trabalho como um ofício. Mas, quando os conhecimentos e as competências necessários foram – pelo menos em parte – identificadas, o indivíduo pode ter sido formado antes de começar a trabalhar... é o tipo de trabalho que designamos de profissional.

A partir da conceituação explicitada, parece fundamental a interrogação: a

função gerencial exercida por enfermeiro, no interior das organizações hospitalares,

enquadra-se na definição de ofício ou trabalho profissional?

4 Sentido de que não decidiram, de que foram nomeadas independentes da vontade.

53

No campo de atuação do enfermeiro, segundo Peres e Ciampone (2006), as

teorias administrativas, as ferramentas específicas da gerência, o processo de

trabalho, o gerenciamento de pessoas, o conhecimento sobre cultura e poder

organizacional, o gerenciamento de recursos materiais, o sistema de informação e o

processo decisório, entre outros, constituem o conjunto dos saberes da

administração para a formação do profissional. Atinente a isso as autoras destacam:

O caminho apontado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para assegurar a integração e a continuidade da assistência em todas as instâncias do sistema de saúde indica que o profissional enfermeiro precisa desenvolver competências apoiadas em uma base sólida de conhecimento (PERES e CIAMPONE, 2006, p.494).

A evidência desta necessidade ficou constatada objetivamente nos resultados

encontrados nesta investigação. Isto é, das treze enfermeiras gerentes

entrevistadas, somente duas responderam que tinham alguma idéia sobre o papel

do enfermeiro gerente antes de assumir a função. E, mesmo essas que

responderam, afirmativamente, expuseram sua fragilidade, limitação de

conhecimento e inexperiência para o ofício, como se pode observar nas suas

manifestações.

Eu entendia um pouco; da gerência de uma unidade pra coordenação pra mim não foi muito

diferente. A proximidade com a direção era o que pensava...(E6)

No início dessa formação da coordenação a gente tinha pouca experiência... era um grupo

tentando trabalhar em cima duma equipe... vai criando um corpo que fica um projeto... vão surgindo

parceiro pra isso... (E9)

O exposto permite assegurar que as enfermeiras que expressaram ciência do

universo da gerência, julgam que o conhecimento superficial, informal e a

aproximação com o núcleo diretivo central da organização são elementos

constitutivos suficientes de um preparo aceitável para a condução das ações

inerentes à função de gerente. Nos fragmentos citados, as enfermeiras

compreendem a gerência, como atividade relativa ao comando de um setor e

54

coordenação, àquela que incorpora vários setores ou serviços, que agrupados,

fazem parte de uma área de especialização. Como por exemplo: centro cirúrgico,

sala de recuperação, centro de material e esterilização, unidade de internação

cirúrgica, isoladamente, constituem-se em setores ou serviços, mas, reunidos,

compõem uma área de coordenação do hospital.

No entanto, as enfermeiras que admitiram desconhecer as atividades

inerentes à função gerencial preferiram reconhecê-la como uma caminhada por trilha

desconhecida. A obscuridade do que envolvia e envolve a gerência gerou um estado

de sofrimento permanente para essas enfermeiras. Esse sentimento, em alguns

casos, estendeu-se, ao longo dos anos, tendo em vista o inesperado com que o

cotidiano se apresentou ou era esperado.

Esse modo das enfermeiras expressarem-se pode ser analisado a partir das

considerações desenvolvidas em um clássico da psicologia social, que aprofundou o

estudo sobre o conhecimento que o homem tem de si mesmo. Na descrição,

Goffman (2008, p.232) vale-se da “linguagem teatral” para tratar do comportamento

humano em determinada situação social e da maneira como nos mostramos aos

outros. O autor assegura que todo o homem, em qualquer situação social,

apresenta-se diante de seus semelhantes tentando conduzir e dominar as

impressões que possam ter a seu respeito. Para isso faz uso de técnicas capazes

de sustentar a sua atuação da mesma forma que um ator ao reproduzir um papel

num espetáculo diante do púbico.

4.2. Percepção das enfermeiras gerentes e o conflito: limites e possibilidades

de superação

Com a finalidade de orientar a interpretação das falas das enfermeiras sobre

o fenômeno investigado na direção da análise que se pretende, considerar-se-á a

visão de Robbins (2007, p. 104) quanto à perceptividade das pessoas. O autor

apresenta a percepção como “um processo pelo qual os indivíduos organizam e

interpretam suas impressões sensoriais com a finalidade de dar sentido ao seu

55

ambiente”, alertando que essas impressões podem não representar a realidade

objetiva.

Para Bourdieu (2005, p. 143), a relação existente nos campos, atualmente

configurados a partir dos interesses que estão em jogo, revela que os agentes

incorporam “uma cadeia de esquemas práticos de percepção e de apreciação que

funcionam, seja como instrumentos de construção da realidade, seja como princípios

de visão e divisão do universo no qual eles se movem”. E, sem com isso haver a

necessidade de colocar como finalidade os objetivos das suas práticas.

Aferiu-se, por meio das falas das enfermeiras entrevistadas, que a maioria

delas percebe o conflito como elemento incorporado e presença constante no

exercício da função gerencial. A compreensão de que os conflitos estão presentes

no cotidiano, como fenômenos percebidos e parte integrante do conjunto de fatores

intervenientes, com os quais o enfermeiro necessita conviver e interagir, no seu

trabalho de todos os dias, permite situar as declarações das enfermeiras gerentes

participantes desse estudo no período histórico da visão das relações humanas.

A gente vive constantemente conflito...(E1)

Conflitos são vários e dependem das situações (E5)

Eu acho que tem muito conflito. Eu tive muitas situações de conflito. (E6)

Os conflitos, eles são quase que diários e quando tu gerencia muitos serviços, eles se

repetem muito e se assemelham muito também de um setor pra outro. (E8)

Sim, tem setores que são mais conflituosos (E15)

Entretanto, constatou-se que ainda existe na percepção de algumas

enfermeiras a antiga visão sobre o conflito. A chamada visão tradicional, aquela que

percebe o conflito como algo ruim, danoso, aquilo que deve ser evitado.

Conflitos, infelizmente, estão sempre presentes; e o problema maior realmente é quando se

instala um conflito. (E3)

56

Eu, nesses oito anos que eu tive, pode-se dizer que eu não tive problemas de conflito (E9)

Mas também é animador constatar que das treze enfermeiras gerentes

entrevistadas para esse estudo, uma delas já expressa ponto de vista mais

avançado sobre o fenômeno permitindo associá-lo à visão interacionista, a qual

encoraja os líderes a manterem um nível mínimo de conflito como fator

predisponente da mudança (ROBBINS, 2007).

O que acontece muito é que as pessoas não querem se comprometer assim de maneira

geral, ninguém que ser comprometer. Então é mais fácil a pessoa chegar lá pra gerência e dizer:

“Olha, está acontecendo tal coisa, tu tens que resolver”. Tu (gerência) vai chegar e dizer: “Fulana está

acontecendo isso”, mas em momento nenhum dizer que fulano, sicrano disse, a não ser que tu queira

mesmo, porque às vezes tu quer que aconteça isso com outros objetivos. Até como pressão, uma

forma de pressão pra melhorar. (E1)

O relato proferido pela enfermeira manifesta a maneira da profissional

perceber o fenômeno em voga. Pressente-se que há a intenção deliberada da

gerente no sentido de nutrir uma situação que evidenciava sinais de oposição entre

trabalhadores sobre determinada demanda. Essa atitude revela, também, sua

convicção quanto aos elementos envolvidos no particular em questão, quando os

condicionantes emergem como foco dos propósitos almejados.

É possível conduzir essa percepção, em análise, e associá-la à visão

sociológica bourdesiana, que traduz a cumplicidade da natureza inerente a todos os

seres e os princípios do habitus, produção do mundo social que o conforma,

convertido em:

produto da incorporação da necessidade objetiva, o habitus, necessidade tornada virtude, produz estratégias que, embora não sejam produtos de uma aspiração consciente de fins explicitamente colocados a partir de um conhecimento adequado das condições objetivas, nem de uma determinação mecânica de causas, mostram-se objetivamente ajustadas à situação” (BOURDIEU, 2004, p. 23).

57

O autor vai além, ao comparar as ações incorporadas pelo habitus, atribuindo-

lhes comandos com o mesmo “sentido do jogo”, que tem a aparência de

racionalidade e a possibilidade de controle também racional, e que, no entanto não

apresenta a razão como elemento predominante (Bourdieu, 2004, p. 23). É oportuno

esclarecer que, para esse autor, o sentido do jogo é entendido da seguinte maneira:

O jogador, tendo interiorizado profundamente as regularidades de um jogo, faz o que faz no momento em que é preciso fazê-lo, sem ter a necessidade de colocar explicitamente como finalidade o que deve fazer. Ele não tem necessidade de saber conscientemente o que faz para fazê-lo, e menos ainda de se perguntar (a não ser em algumas situações críticas) o que os outros podem fazer em resposta... (Bourdieu, 2004, p.164).

Esse preceito que não é restrito e nem restringe sua associação a outros

pode explicar as diferenças observadas na percepção dos conflitos por parte das

enfermeiras gerentes de uma mesma organização que, em tese, interagem com

esse fenômeno detentor, naquele espaço social, de princípios idênticos.

Nesse percurso traçado, que busca expressar o intercambiamento existente

entre os diferentes olhares sobre um mesmo fenômeno e sua relação de

pertencimento nos universos sociais, espaço de manifestação dos comportamentos

das pessoas, é provável que certas lutas, pretensas ou não, sejam capazes de

revelar que “certos homens podem encontrar uma incitação para se superarem ou,

pelo menos, para produzirem atos ou obras que vão para além das suas intenções e

dos seus interesses” (BOURDIEU, 2007, p.73).

Para esse grupo de enfermeiras, superação é a palavra que melhor define o

propósito de suas lutas, ao julgarem-se bem sucedidas, nessa empreitada

considerada desconhecida e desafiadora.

A gente que tem uma base muito pequena, então eu não sabia o que era gerência...

superação ... queria vencer aquele obstáculo (E5)

A gerência assim de serviços, de vários serviços como o que a gente faz hoje a gente, não se

prepara pra isso. Não existe um preparo: “Eu optei, agora é minha hora, eu preciso assumir” E daí tu

sofre bastante, muito, inicialmente e depois tu aprende. Tu aprende, tu sofre bastante, mas é muito

gratificante depois .O crescimento que a gente tem assim é , é incomparável.(E8)

58

Não. Não tinha nem idéia... não tinha preparo... todos os cursos de liderança, de gerência eu

tentei fazer pra poder conseguir ver de que forma seria melhor de trabalhar. (E10)

Foi uma coisa que na verdade foi conquistada, nunca foi buscada, entendeu comecei assim,

não no impirismo, eu tinha uma formação, mas assim... eu fui indo e eu vi que eu tinha jeito pra

coisa(E11)

Eu tinha pouco preparo, mas, com esse pouco preparo eu fiz acontecer muito e da melhor

maneira possível. Fiz acontecer sem condições. (E15)

Convêm lembrar que há exatas duas décadas, ao refletir sobre a prática

administrativa da enfermagem, Trevizan (1988, p. 115), em seu estudo, ao mesmo

tempo notável e profético afirmou, valendo-se das evidências científicas

encontradas, que “é impossível desconhecer a existência de um descompasso que

provoca tensões, desmotivações e conflitos – descompasso esse que surge da

dicotomia entre a teoria e a prática”. Reafirma-se, em 2008, vinte anos depois, sua

constatação científica e cabe refletir quais razões, efetivamente, conduzem à

perpetuação dessa dicotomia à qual se refere a autora. Será que se deve a

consolidação de um habitus, conforme a construção teórica bourdieusiana das

práticas ou dar-se-á pela reprodução do conhecimento, o habitus intelectual

concebido no interior das instituições formadoras, como preferem insistir algumas

enfermeiras? As falas que seguem são instigantes e reveladoras nesse sentido.

Fui aprendendo, aprendendo com o tempo, fazendo e aprendendo (E1)

Eu também não sabia o que era chefia, mas fui aprendendo... a gente aprende muito com as

pessoas... eu sou um pouco de cada uma enfermeira boa do hospital... tentei pegar o melhor de todo

mundo (E5)

Para Bourdieu (2007, p.81):

59

A razão de ser de uma instituição (ou de uma medida administrativa) e dos seus efeitos sociais, não está na <vontade> de um indivíduo ou de um grupo, mas sim no campo de forças antagonistas ou complementares no qual, em função dos interesses associados às diferentes posições e dos habitus dos seus ocupantes, se geram as <vontades> e no qual se define e se redefine continuamente, na luta – e através da luta – a realidade das instituições e dos seus efeitos sociais, previstos e imprevistos.

O autor em questão adverte, ainda, que não se devem esquecer outras

relações possíveis dos agentes que de fato estão envolvidos com o seu mundo

social; diz ser preciso considerar a elaboração de uma teoria dessa relação que é

parcial, não teórica com esse ambiente, que é a das experiências cotidianas

(BOURDIEU, 2004).

Considerar que a reprodução das práticas dá-se, pela ação reiterativa

evidente na atuação do enfermeiro gerente é desobrigar a academia e as

organizações de participar da construção de novas possibilidades do agir

socialmente do enfermeiro. Seria o mesmo que dizer que o resultado na feitura de

um bolo independe da sua receita ou que arar a terra com uma colher ou com o

equipamento mecânico apropriado produzirá o mesmo resultado na colheita.

Para Bourdieu (2004, p. 58), “a escola é um campo que mais do que qualquer

outro, está orientado para a sua própria reprodução, pelo fato de que, entre outras

razões, os agentes têm o domínio de sua própria reprodução”. Dito isso, fica o alerta

sobre as conseqüências que as mudanças podem provocar nas relações entre o

campo social e o campo escolar.

Ademais, se a imagem social do enfermeiro, enquanto gerente pode assumir

e reconhecer-se de diferentes formas, considerando-se a real e a possível, implica

dizer que o aparelhamento acadêmico necessita, não apenas mostrar-se, e sim

estar próximo, interagindo no e com o mundo onde a prática acontece assim como

as organizações necessitam prepararem-se para a inserção dos profissionais no

mercado de trabalho de forma integrada.

As manifestações, a seguir, expressam o sentimento que as enfermeiras

gerentes têm quanto à formação recebida e o que as espera, de fato, na gerência

hospitalar.

A gente não tem a visão como um todo antes de iniciar, que tipo de conflito pode vir (E3)

60

A gente nunca foi preparada pra gerência, as escolas não preparavam pra gerência , no

máximo que tu conseguia fazer é a gerência do teu paciente... a gerência assim de serviços, de

vários serviços como o que a gente faz hoje a gente, não se prepara pra isso (E8)

Eu não sabia nada de gerencia, eu tinha aquela administração da faculdade... aquela fórmula

“necessidade vezes número de gente, local de trabalho vezes a carga horária”, que não nos dava

subsídios pra realmente encarar uma chefia, um recursos humanos. (E11)

Essas revelações das enfermeiras entrevistadas, que não devem conter em si

nada que já não seja do conhecimento da maioria dos agentes da categoria,

necessitam ser consideradas e discutidas de maneira irrestringível no universo

dicotômico da enfermagem. É compreensível o que se pode definir como queixa

algumas manifestações das enfermeiras gerentes, pois tanto quanto elas outros

podem dizer que é papel das escolas proverem a capacitação dos seus alunos para

o exercício eficaz e de qualidade da atividade após a conclusão de sua formação.

Todas as possibilidades constitutivas do aparato social, inerente ao cargo

associadas ao exercício da função do enfermeiro, enquanto gerente necessitam ser

consideradas, discutidas à exaustão, visando-se ao consenso. Especialmente,

aquelas que denunciem manifestações contraditórias ou que denotem a busca

penitente pela absolvição daquilo que os enfermeiros julgam passível de punição e

que os leva a valer-se da alocução de transferência da culpa como resposta para si

e para os outros. A curiosidade exacerbada pelo contato com novos pressupostos

teóricos sobre tais possibilidades quer apenas melhor iluminar, se é que é possível,

e acredita-se que seja, este trajeto que para a maioria das enfermeiras revela-se

espinhoso.

Essa circunspeção conduz a um registro a respeito da religiosidade e da

espiritualidade na enfermagem. Destaca-se o trabalho de revisão de Gussi e Dytz

(2008), que apresenta uma reflexão sobre a interseção entre o discurso da

enfermagem e os preceitos concernentes ao tema, revelando que a enfermagem

brasileira possui uma raiz religiosa com ramificações profundas conformando-a, o

que revela solidez e imbricação na memória coletiva desse modo de ser, pensar e

fazer da atividade. O estudo reafirma as evidências das autoras e denota a

necessidade de continuidade de investigações que abordem a temática.

61

4.3 Enfermeiras gerentes e suas sentenças: conflitos imanentes, insuperáveis

ou essenciais?

No relato sobre as experiências marcantes, decorrentes de situações de

conflitos, a maioria das enfermeiras expressou que os conflitos interpessoais

envolvendo relações, quer sejam de caráter emotivo ou relacionado às mais distintas

manifestações de incompatibilidades, que perpassam a convivência entre pessoas,

são mencionadas como as mais difíceis de gerenciar.

Eu não imaginava que na gerência a gente ia ter tanto problema de envolvimento de equipes

dentro do hospital em questões afetivas, amorosas. É uma coisa assim que chama muita atenção.

(E4)

Quando são denunciadas, eu tive que tomar uma atitude administrativa que tem dentro das

punições: advertência, suspensão.... dar resposta para essa outra colega que denunciou. Fiquei

muito chateada na época, me lembro. Saí daquele serviço, até da unidade, fui para uma outra... (E9)

E aí que o conflito maior foi esse, os auxiliares se sentiram discriminados... se sentem, se

acham inúteis, acham que não estão sendo valorizados, que eles sempre fizeram isso e agora não

podem fazer, que agora eles querem passar pra noite e a chefe não deixou porque ela só pode

passar técnico e eles não podem... é um dilema ético que a gente vive. Eu não posso também

esquecer no meio disso tudo a questão assim do reconhecimento, da humanização, da valorização

do profissional... Só que sentimentos não vão me proteger perante um juiz. Essa questão que nós

vivemos hoje no hospital também eu acho que é um conflito o grande número de pessoas fora do

hospital em licença pra tratamento de saúde.... para mim é um exemplo.... O que está acontecendo

que as pessoas estão saindo, estão abandonando o serviço pra se tratar, estão se sentindo assim

magoadas !?... E isso eu tenho que administrar. Esse tipo de coisa me angustiava muito, me fazia

perder sono. Não é pela incompetência de resolver, fazer mas pela impossibilidade às vezes

institucional pra tu resolver (E8)

Eu acho que no momento deu para sentir que eu nunca fui muito bem quista pelo pessoal

mesmo. Na época eu tinha uma chefe que ficava muito mais perto dos demais (técnicos/auxiliares) do

que perto da coordenação e função disso acabava dividindo esse grupo (E10)

62

Deu problema lá com a (...). Aquilo não tinha solução então a direção achou melhor eu sair e

ficou cada uma para o seu lado. As coisas foram divididas, ela ficou com uma responsabilidade eu

com outra. Com enfermeiro dá mais conflito, eu acho. (E12)

As falas das entrevistadas revelam que conflitos internos entre os

profissionais da equipe de enfermagem são os mais marcantes para a maioria das

enfermeiras gerentes. Sobram evidências de que essas se debatem entre o

legalismo e as necessidades prementes, a emoção e a aplicação da regra, os

dilemas éticos e a sobrevivência na função.

Inferiu-se ainda, que a intervenção da direção é uma alternativa empregada

pelas organizações na tentativa de contornar um conflito manifesto, providência

levada a efeito e comprovada no depoimento da entrevistada (E12).

Dentre os ajustes consumados pelas enfermeiras gerentes, aqueles que

priorizaram, exclusivamente, o requisito legal, entendem-se como favoráveis à

debilidade e à circunscrição da gerência, para executar a distribuição equilibrada do

corpo de enfermagem nas escalas de serviço, além de provocar uma mudança

arbitrária, de aparência despótica, na posição dos agentes, dentro do campo, pode

ser causa de conflito ainda maior.

Se os campos são universos sociais com autonomia relativa, detentores de

regras próprias, determinados por interesse específico, e se o habitus pode ser

entendido como um corpo estruturado que congrega as estruturas imanentes de um

mundo ou de um campo de ação particular desse mundo, como um corpo

socializado a estruturar tanto a percepção quanto a ação nesse mundo, deve-se

considerar que:

Entre pessoas que ocupam posições opostas em um campo, e que parecem radicalmente opostas em tudo, observa-se que há um acordo oculto e tácito a respeito do fato de que vale a pena lutar a respeito das coisas que estão em jogo no campo (BOURDIEU, 2005, p. 141).

Ao iluminar-se o depreendido das falas, a partir dos conceitos bourdesianos,

considerados neste trabalho, é possível explicar, em parte, o inextricável

amalgamatizado e a contenda envolvendo as enfermeiras gerentes.

63

O fato da organização hospitalar não oferecer condições adequadas para o

cumprimento da legislação dos órgãos de classe vigente (COFEN, 1986; COFEN,

2004), leva a gerência de enfermagem adotar medidas antipáticas, as quais

favorecem os conflitos entre os profissionais da equipe de enfermagem, o que torna

possível o surgimento de eventos capazes de assumir proporções globais para a

enfermagem na organização.

Em seu estudo sobre o mito da subalternidade, da enfermagem à medicina,

Lunardi Filho (2004, p. 124 e 125) revela que “as chefias de enfermagem

comportam-se muito mais como representantes das respectivas administrações,

exigindo do enfermeiro o exercício de um tipo de controle, fundamentado muito mais

na aparência do que na efetividade dos atos”. E vai além, ao afirmar que as chefias

de enfermagem “parecem muito mais como uma instância disciplinar e controladora

do que operacional e promotora das condições materiais, humanas e técnicas para

viabilizar a própria assistência”. A decisão de acomodar os interesses

organizacionais, em detrimento das expectativas da equipe de enfermagem, revela a

incorporação da estrutura organizacional no seu fazer cotidiano por parte desse

profissional.

Além dos conflitos privados, internos, relacionados à categoria em que se

envolvem as enfermeiras gerentes, e dos conflitos implicando a estrutura formal da

organização hospitalar, estrutura essa detentora de regras de regulação com fins

específicos, de propósito, destaca-se aquele que é clássico (ao menos para os

enfermeiros): o conflito entre o profissional enfermeiro e o profissional médico. Esse

é o tipo de conflito que transita livremente no subterrâneo das relações entre os

profissionais em questão e que, mesmo quando não expresso, e, às vezes, sequer

percebido, pela sua sutileza, revela-se como a principal ameaça à posição que o

enfermeiro ocupa no campo hospitalar. Para este estudo, esse tipo de conflito será

abordado relacionando-o ao poder.

De acordo com Robbins (2005), é necessário compreender que o poder é

parte imanente da vida das organizações e saber como obtê-lo e exercê-lo no

universo organizacional pode ajudar o gerente ou executivo a tornar-se melhor

sucedido na sua atividade.

Carapinheiro (2005, p. 283), em sua pesquisa sobre o poder nas

organizações hospitalares, revela que o fato delas concentrarem recursos técnicos,

médicos e sociais capazes de definir o processo de cuidar, passa a representar as

64

principais formas de produção do poder médico no interior dos hospitais. Sobre o

corpo de enfermagem, o mesmo estudo conclui que o conjunto dos profissionais

apresenta-se:

informado de diferentes concepções sobre a identidade profissional, tradicionais e modernas; por ser atravessado por compromissos profissionais precários na imposição de um projeto global de revalorização profissional no hospital; e por ser alvo de constantes processos de instrumentalização dos seus saberes, de acordo com a sua posição estrutural de subordinação ao corpo médico, a suas estratégias denunciaram o seu poder no hospital como um subpoder.

Para Deslandes (2002, p. 49), no que concerne à organização, está evidente

a supremacia do poder médico na divisão do trabalho hospitalar. A autora faz uma

leitura da visão de Freidson5 sobre a divisão do trabalho médico e enuncia que:

nas sociedades industrializadas, ela se torna bem complexa, sendo marcada pelo evidente controle médico que detém o domínio do seu próprio trabalho e o das outras categorias profissionais, estabelecendo uma escala hierárquica em que os trabalhadores ‘paramédicos’ dispõem de baixa autonomia, autoridade e prestígio.

Para Prochnow et al (2007, p. 545), no tocante à importância da cultura, na

organização, o exercício da gerência de enfermagem, ante as incertezas relativas ao

trabalho, no complexo ambiente hospitalar, denota que os enfermeiros “se prestam a

servir à ideologia dominante, admitindo sua atuação como subalterna ao poder

médico, ainda hegemônico diante dos demais profissionais de saúde”.

Uma das explicações plausíveis para justificar a perpetuação da cultura

expressa no estudo anterior pode advir das evidências de Carapinheiro (2005) sobre

a tendência hegemônica da cultura hospitalar num sistema de saúde achar-se

associada à cultura do corpo médico hospitalar. Esse conjunto complexo de códigos

e padrões que regulam a ação, quando analisado sob a ótica da organização das

estratégias de poder, demonstra o deslocamento, para dentro do hospital, dos

poderes dominantes na saúde e, por esse motivo, produz efeitos de legitimação da . 5FREIDSON, E. 1970. The profession of medicine: a study of the sociology of applied knowledge. University of Chicago Press, Chicago. A obra clássica apresenta uma análise da profissão médica considerada modelo do profissionalismo, constituindo-se na aspiração de todas as demais ocupações na área da saúde.

65

influência e do poder de decisão das categorias profissionais hegemônicas e efeito

de deslegitimação de todos aqueles que orbitam a sua volta e dependem das

políticas que se criam no interior do hospital.

Outra explicação admissível emerge da circunspeção feita por Bourdieu

(2005, p. 52) sobre o campo do poder. Para esse autor:

O campo do poder é o espaço de relações de força entre os diferentes tipos de capital ou, mais precisamente, entre os agentes suficientemente providos de um dos diferentes tipos de capital para poderem dominar o campo correspondente e cujas lutas se intensificam sempre que o valor relativo dos diferentes tipos de capital é posto em questão (...); isto é, especialmente quando os equilíbrios estabelecidos no interior do campo, entre instâncias especificamente encarregadas da reprodução do campo de poder, são ameaçadas.

Especialmente, a subjetividade apreendida das manifestações das

enfermeiras gerentes corrobora com as impressões dos autores.

A gerência de outro setor veio me falar e disse: “Se nós não fizermos alguma coisa, essa

guria vai ser demitida”. Então, eu pra evitar isso, quis fazer alguma coisa e falei com ele (médico),

pedi pra ele atender o paciente, era uma cirurgia que estava marcada num outro dia, o paciente

entendeu que era naquele dia e aí eu não sei quem é que errou, se foi a funcionária ou se foi o

paciente Quando eu falei com ele que se ele podia fazer o favor de atender esse paciente, fazer a

cirurgia, que o pai tinha tirado dia de folga pra acompanhar a filha na cirurgia e também para evitar a

demissão da funcionária, ele entendeu que eu estaria demitindo a funcionária, ele levou o caso para

administração geral e não teve volta, o entendimento dele foi esse. E a intenção de jeito nenhum, era

essa! Não era isso que eu estava falando e outras pessoas ouviram também que não era isso...

acharam um motivo que não tinha nada a ver (para demitir a gerente)(E1)

Uma situação que ficou marcante pra mim dentro da instituição e que até hoje eu lembro acho

que nunca mais vou esquecer, foi com um médico dentro da instituição. Houve a necessidade de

fazer a troca de um funcionário e por isso eu fui praticamente agredida. Eu fiz um documento a

direção geral colocando a situação, depois nós tivemos mais uma reunião e essa pessoa (o médico)

invadiu a reunião de novo, porque ela entendia que eu estava querendo fazer jogo de braço com ele,

e não era isso. Eu tentava explicar que não era isso, mas ele entendia diferente. Eu não sei o que

passa na cabeça das pessoas... a gente tem que superar. (E5)

66

Não obstante, nota-se o esforço empreendido pelas enfermeiras gerentes na

busca por justiça para com os outros e consigo, e o dilema vivido entre o que é legal

e o que é moral, por vezes, revelado na sensação de inutilidade ou desmerecimento

do seu papel.

No segundo relato, nota-se que a enfermeira gerente, ingenuamente, nega ou

não consegue perceber que a origem do conflito dá-se por causa da invasão de um

espaço até então de domínio hegemônico. Até então, a decisão de quem ficava e de

quem saía de determinado setor ou organização era exclusiva do médico.

Para melhor interpretar o que, porque e quais fins encerram os

acontecimentos que tencionam as relações no ambiente hospitalar, auxiliaria ter em

mente a precaução compreensível de Bourdieu (2005, p.88) sobre a caracterização

do campo. Da mesma forma que o autor assinala as semelhanças existentes entre

diferentes campos, deduz que o espaço hospitalar iguala-se aos outros por ser:

um universo social como os outros, onde se trata com alhures, de poder de capital, de relações de força, de lutas para conservar ou transformar essas relações de força, de estratégias de manutenção ou subversão, de interesses etc.

Infere-se que, possivelmente, as enfermeiras gerentes necessitam aprofundar

o seu conhecimento sobre o universo organizacional, seus meandros, suas relações

com os agentes internos e externos, quais valores refletem-se na visão e missão

institucional, a fim de profissionalizar a função que exercem. Nesse sentido o contato

com a gerência permite que as enfermeiras lancem um olhar ampliado sobre a

organização. Um olhar, ao mesmo tempo inquietante e original, desafio permissivo à

curiosidade que estimula a construção de práticas mais sólidas para satisfazer os

anseios do contexto real onde vivem, exercitam-se e aventuram-se

permanentemente.

Outra questão, a se considerar, diz respeito ao planejamento diante das

situações descritas como conflito. Nas falas das enfermeiras gerentes entrevistadas,

nota-se que a prática comumente empregada no que concerne à elaboração de

planos não difere daquela adotada às demais ações inerentes à função: uma prática

que se reproduz que se repete alicerçada nas experiências vividas. Eis algumas

falas que refletem essa atitude.

67

Acho que muito planejado não, era de vivência. O saber, o conhecimento é cumulativo, então

vai acumulando, uma vez fez outra vez não fez, acho que é melhor assim porque já li sobre isso (E1)

Foi bem mais intuitivo claro, baseado numa bagagem que já vem de anos. (E3)

Eram intuitivas. Não tinha como estudar ou pensar. Quando a gente sabe que isso acontece,

por exemplo, as pessoas contam experiência é uma coisa que pode vir acontecer com a gente, então

quer pensar assim: “bom se aquela pessoa fez isso naquela época então qual é o meu contexto hoje,

o que eu posso fazer?” Eu acho que isso é bom pra gente saber, mas eu não teria como planejar

mesmo. (E10)

Na visão de Ciampone (2006, p. 57) sobre a metodologia do planejamento na

enfermagem, a prática das enfermeiras se situa no modelo da administração

clássica, em que, assim como as demais funções administrativas, também a

elaboração de planos ou programas fica centrada nos níveis hierárquicos mais

elevados: direção e gerência. A autora considera o ato de planejar uma estratégia

sistematizadora do trabalho capaz de prever mudanças e adequar os recursos às

necessidades, com a finalidade de atingir os objetivos propostos. Afirma que a

metodologia tem a capacidade de “embasar as atividades de enfermagem nos

diferentes níveis de complexidade” e, “que o conhecimento das fases da

metodologia do planejamento ajudará o enfermeiro a torná-lo um instrumento útil, e

não apenas teórico e inaplicável”.

Um enfoque considerado avançado, formulado por Robbins (2007, p.167)

relaciona o planejamento no trabalho a fatores de motivação como forma de vincular

à produção ganhos que privilegiem maior autonomia. A proposta desenvolvida pelo

autor também chamada de “novo planejamento” pressupõe a flexibilização dos

esquemas em que estão contempladas medidas como rodízio, ampliação de

atividades, maleabilidade de horário, enobrecimento das tarefas, entre outros.

Marquis & Huston (2005, p. 63) complementam que planejamento é um

processo que envolve escolhas: “uma necessidade de escolher a partir de várias

alternativas”.

68

A partir dos pressupostos teóricos, admite-se que as enfermeiras gerentes

participantes deste estudo concebem suas ações de planejamento diante dos

conflitos atentando para as vivências anteriores, os relatos de experiência das

colegas ou ainda, de maneira reativa tentado conduzir o foco da problemática para

um espectro que julgam aglutinar maior conhecimento e domínio; quer seja na forma

de resistência perplexa diante de determinada situação ou praticando a evitação de

questionamentos.

4.4 Na presença do conflito é preciso combater com altivez

Considera-se oportuno apresentar e, imediatamente após, refletir sobre duas

situações descritas por enfermeiras gerentes como conflitos marcantes.

Primeira situação:

Havia uma situação de troca de plantão pelo próprio funcionário, ou seja: “eu não posso vir

trabalhar hoje porque eu quero viajar então eu não venho trabalhar hoje e venho trabalhar amanhã”.

Eles se auto-geriam. Isso não foi mais permitido. Eu acho que no momento deu pra sentir assim...

tanto é que eu nunca fui muito bem quista pelo pessoal em função disso. Nessa situação específica o

grupo acabou vendo depois que foi uma boa conduta porque eles mesmos estavam se prejudicando,

tanto que se corrigiram e realmente foi uma conduta que não se repetiu, a não ser por uma

necessidade de serviço, uma troca antecipada mas aquela prática de...’ah eu não venho hoje e venho

outro dia’, nunca mais. Essa foi uma situação que dá pra considerar bem sucedida. Só que tem que

manter aquela conduta pra todo mundo. Porque o grupo, na verdade, ele não é contra ti nem a favor

do colega mas ele não quer se indispor com o colega... ele acaba aceitando... afinal o colega sempre

faz isso (E10)

Segunda situação:

Nas horas de conflito eu comecei a ver a minha gerencia dentro do meu setor questionada, e

ai começaram aquelas coisas todas de conflito de eu ver: “não ta legal, ta havendo alguma coisa!...

Nossa! Sombra! Mas sombra de que?” Aí eu comecei a entender uma porção de coisas. Por que eu

tinha acesso, eu era uma pessoa que tinha credibilidade com a direção, eu era uma pessoa centrada,

69

eu era uma pessoa confiável. Sempre fui uma pessoa confiável, e a direção sempre confiou em mim,

e eu nunca utilizei disso, e isso um certo tempo incomodou. Sempre fui muito adepta a mudança,

sempre recepcionei muito bem as pessoas que entravam lá, as colegas principalmente. Me colocava

no lugar daquelas pessoas, porque eu uma vez entrei, e tive muita dificuldade, e uma coisa que

prometi para mim mesmo, que nenhum enfermeiro que entrasse no meu setor ia ter dificuldade, alias

se trabalhasse comigo, se dependesse de mim não ia ter dificuldade, porque eu ia tentar passar tudo,

passar segurança, passar o conhecimento que eu tinha, que eu não tinha recebido. Decidi. Fui para a

... e tive a oportunidade de dizer: “infelizmente aqui se perdeu uma coisa que se chama gerência de

enfermagem. Isso não existe mais, não é mais respeitado, e eu cresci aqui dentro aprendendo que

isso era fundamental, e hoje não existe mais e eu espero, e eu estou costumava a ter hierarquia

assim, e eu aprendi hierarquia aqui! “Mas o que tu acha que precisa acontecer?” Não precisa

acontecer, vocês que tem que ver o que fazem, não sou eu. Então, pedi demissão. Foi um dos

maiores conflitos da minha vida (E11)

Tem-se a predileção por discutir as evidências do fenômeno nas narrativas

supracitadas por duas enfermeiras gerentes, como se constituíram, as mediações e

as oposições assumidas atentando para o equilíbrio oscilante das forças presentes

no campo social em que as lutas aconteceram.

É flagrante na primeira situação a prevalência do interesse particular ao

coletivo. O enfrentamento assumido pela enfermeira gerente alcançou o resultado

esperado, entretanto, levou a chefia à exposição desmedida que culminou com a

descriminalização do profissional. Não há como deixar de interrogar algumas

questões que ficaram patentes e que podem refletir perigosamente sobre a

organização do processo de trabalho no interior do hospital. Será que era de

conhecimento da direção geral o fato de alguns funcionários organizarem suas

escalas de trabalho a partir das demandas pessoais? Qual o nível de conivência e

responsabilização das chefias imediatas que antecederam a gerente que questionou

os interesses determinantes da organização do campo? Quais interesses eram

negociados entre os colegas co-responsáveis nas escalas de serviço?

Ainda sobre a primeira situação, é assombroso imaginar o grau de ausência

associado a um nível ainda maior de descompromisso que pode no caso particular,

ser interpretado como indutores da desordem. É de fundamental importância para o

enfermeiro conhecer e compreender os elementos que envolvem as situações de

conflito no interior dos campos; o emaranhado das relações que o configuram, suas

condições reguladoras, legítimas ou não, antes de aventurarem-se como quem salta

no escuro por sobre uma barreira de cacos de vidro. Por mais indubitável que possa

70

parecer esse chamamento, ele desestimula reclamar algo além do que existe e está

acessível ao enfermeiro em qualquer campo em que atue, quais sejam, os bens

(materiais e ou humanos) que, por mais precários que possam parecer, facultam

lapidação e oportunizam modificar o que está arraigado nesse contexto.

A análise de Bourdieu (2005, p. 27) sobre as transformações possíveis no

interior dos campos, apresenta as contradições, os conflitos e a posição ocupada

pelos agentes na estrutura que reúne os diferentes tipos de capital, uma espécie de

arma útil às lutas para conservar ou transformar a conformação do campo onde as

disputas acontecem. Para o autor:

se o mundo social, com suas divisões, é algo que os agentes têm a fazer, a construir, individual e, sobretudo coletivamente, na cooperação e no conflito, resta que essas construções não se dão no vazio social (...) O espaço social é a realidade primeira e última já que comanda até as representações que os agentes sociais podem ter dele.

As inconformidades contidas nas duas situações apresentadas propiciaram o

momento limítrofe entre a conservação e transformação da realidade. Entende-se

que movimentos reivindicatórios de qualquer natureza necessitam, antes, serem

trabalhados no particular das relações que sustentam os interesses daquilo que está

em jogo.

O processo da mudança é descrito por Bourdieu (2005, p. 63), como

resultado das lutas entre os agentes que, em função de sua posição no campo,

associada a seu capital peculiar, tem interesse em conservar, isto é, em rotinizar, ou

em subverter, o que, freqüentemente, assume a forma de uma volta ao começo, de

pureza original e de crítica ingênua.

É certo que a orientação da mudança depende do estado do sistema de possibilidades (...) que são oferecidas pela história e que determinam o que é possível e impossível de fazer ou de pensar em um dado momento do tempo, em um campo determinado; mas não é menos certo que ela depende também dos interesses (...) que orientam os agentes – em função de sua posição no pólo dominante ou no pólo dominado do campo – em direção a possibilidades mais seguras, mais estabelecidas, ou em direção aos possíveis mais originais entre aqueles que já estão socialmente constituídos ou até em direção a possibilidades que seja preciso criar do nada BOURDIEU (2005, p. 63).

71

A leitura atenta das duas situações permite identificar a suposição

desenvolvida pelo pensador e apresentada no recorte acima. A segunda situação

descrita admite um destaque particular, pois denota o conflito oculto associado ao

poder. A expressão de sofrimento vivido, a tentativa de aplainar o caminho para

quem o trilharia depois, a inconformidade ao dar-se conta das chamadas bola nas

costas (E11) revelam uma lealdade tão surpreendente quanto à decisão ingênua de

demitir-se, atitude capaz de anular o esforço de uma vida toda de lutas em direção

ao encurtamento dos efeitos de deslegitimação a que se referiu anteriormente.

Uma das associações comparativas possível entre as duas situações pode

ser feita quanto à evidência do universo de possibilidade de decisão do enfermeiro

gerente. Se, na primeira, a enfermeira considerou-se bem sucedida pela mudança

provocada, ao enfrentar um conflito também oculto, na segunda, pode-se dizer que o

resultado não foi igual, tendo em vista o mesmo tipo de conflito estar diretamente

associado ao nível hierárquico ascendente da organização. Subsiste um

questionamento essencial: em que medida o enfermeiro gerente percebe as

intenções contidas na hierarquia ascendente ou descendente na ocorrência do

conflito?

A natureza das lutas evidenciadas nas duas situações permite uma análise à

luz do pensamento bourdesiano, que soa como uma lição fundamental sobre a

complexidade do campo e da relação dos agentes, entre si, e com os elementos que

o conformam:

A tensão entre as posições, constitutivas da estrutura do campo, é também o que determina a sua mudança, através de lutas a propósito de alvos que são eles próprios produzidos por essas lutas; mas, por maior que seja a autonomia do campo, o resultado dessas lutas nunca é completamente independente de fatores externos (BOURDIEU, 2005, p. 65).

Outra imprescindibilidade, para qualificar a gerência de enfermagem, é a de

se compreender os limites do seu campo de atuação. Para Bourdieu (2007, p. 31):

“o limite do campo é o limite dos seus efeitos ou, em outro sentido, um agente ou

uma instituição faz parte de um campo na medida em que nele sofre os efeitos ou

que nele os produz”. Dessa forma, é imprescindível a compreensão e Incorporação

desse princípio básico quando se busca edificar a transformação da prática

72

dicotômica, como é o caso da enfermagem nas questões que se referem à formação

de novos profissionais e o exercício da atividade gerencial.

4.5 O conflito no campo de lutas de todos os dias

Uma última questão a ser analisada, neste estudo, refere-se ao campo ou

contexto onde o conflito acontece. A dúvida suscitada é: O local onde os agentes

interagem interfere no aparecimento dos conflitos? E, se afirmativo, quais são as

principais diferenças, relacionadas à singularidade do campo, evidenciadas na

ocorrência de conflitos?

Antes de qualquer consideração, destaca-se que o enfoque a ser dado à

abordagem tem a intenção de considerar a aparência impressa na estrutura da

organização e assumida pelos agentes, sob a qual se ajustam os elementos

integrantes e integradores do campo (BOURDIEU, 2004; 2005; 2007). A

denominação usada para referir-se ao contexto onde a ação do enfermeiro gerente

acontece tem a ver com o desejo de aproximar ainda mais a reflexão a um dos

conceitos bourdesianos, o conceito de campo. Esse conceito é apresentado pelo

pensador como espaço social de realizações que se concretizam por meio de

relações objetivas entre as diferentes posições ocupadas pelos agentes dentro dele.

O autor complementa: “(..) não podemos compreender o que ocorre a não ser que

situemos cada agente ou cada instituição em suas relações objetivas com todos os

outros” (BOURDIEU, 2005, p.60).

Em resposta a primeira parte do questionamento, pode-se dizer que é quase

unânime a visão das enfermeiras gerentes quanto a influência do campo no

aparecimento dos conflitos.

Eu acredito assim: se a gente for olhar tem setores e áreas que pode interferir mais. Uma

pessoa sozinha não instala o conflito, o ambiente favorece. (E3)

Eu acho que depende das unidades, cada uma tem uma característica diferente. (E6)

73

O ambiente interfere, a gente tem certeza. (E8)

Acredito que depende da equipe e depende do ambiente. (E9)

Eu acho que tem algumas coisas que dependem de um contexto. Diante do conflito o

ambiente interfere. (E10)

Eu acho que sim (E11 e E12)

Acho que interfere bastante de setor pra setor. (E15)

As declarações feitas pelas entrevistadas permitem uma alusão à narrativa

sobre as condições referentes à natureza das organizações na predisposição e

instalação dos conflitos. Para Chiavenato (1999), quatro são as condições basilares

a serem consideradas para a instalação de um conflito: ambigüidade de papel,

objetivos concorrentes, recursos compartilhados e interdependência de atividades.

Ao ponderar essas condições, busca-se clarificar o posicionamento6 das enfermeiras

nos campos. Essa compreensão é necessária, pois é o que orienta a percepção que

as mesmas têm da estrutura organizacional e das possibilidades de agir a partir do

que entrevêem.

As falas, a seguir, denotam que os ambientes fechados, UTI (Unidades de

Terapia Intensiva) e CC (Centro Cirúrgico) são campos que apresentam limites

melhor definidos e relações mais sólidas, além de darem a conhecer, na visão das

enfermeiras gerentes, outra característica considerada relevante: maior dificuldade

de aceitação de novos agentes.

Em ambientes fechados, como UTI e bloco cirúrgico se formam uns grupos e provavelmente

esse grupo ele não vai interagir tão bem com os outros, com um grupo de uma outra unidade, um

outro setor. Forma-se um grupo ali e eles se protegem dentro daquele grupo. Quando tu tinha que

trocar alguém, a pessoa às vezes não era assim, bem aceita de imediato (E1)

6 Entendido como maneira de perceber-se e agir em relação aos demais agentes e os elementos constitutivos de um campo.

74

Quanto mais fechado o ambiente (...). Se a gente for olhar CC, UTI’s são mais propícios a

criar uns conflitinhos, As áreas fechadas propiciam, mas não quer dizer que só tenha conflito em área

fechada (E3)

Acho que sim, o centro cirúrgico é um setor fechado, os conflitos tendem a ficar ali dentro, os

conflitos são absorvidos pelo grupo, existe uma maior defesa. Não interessa pra eles então isso é um

motivo de conflito (E11)

Tem setores que são mais conflituosos principalmente ambientes fechados (E15)

A diferenciação ambiental enunciada permite examinar o assunto à luz de

argumentos emitidos por pensadores da administração. O primeiro e, talvez, o mais

notável, Mintzberg, já referido em outras partes deste trabalho, expõe de maneira

ampliada um pressuposto que nem sempre é tomado como princípio das análises.

Diz o pensador: “A maior parte da literatura contemporânea não relaciona a

descrição da estrutura de uma organização com o seu funcionamento”. (Mintzberg,

2004, p.30). Acredita-se, a partir dos escritos do autor, que o estudo do campo, parte

imanente da organização e, num sentido mais amplo, como o que se pretende neste

trabalho, a própria organização, é condição indispensável a uma análise mais

aprofundada, saber que existe e de que forma acontece a vinculação entre o

conjunto formado e o seu funcionamento.

A obra de Mintzberg (2004) aborda o ambiente organizacional com enfoque

voltado para suas variáveis internas e externas, condições reais, multiplicidade de

apresentação, importância das diferenças e as disparidades existentes. Isso pode

ser esclarecedor diante do impacto que exercem sobre a estrutura da organização,

abordagem essa que não é a pretendida nesse estudo. Salientar a visão desse

pensador tem o propósito de reconhecer os diferentes olhares sobre um mesmo

contexto além de relacionar as variações terminológicas que cada pensador ou área

emprega na descrição um mesmo fenômeno, objeto ou assunto. Entende-se que o

ambiente descrito pela maioria dos teóricos, especialmente da Administração, é o

que Bourdieu chama de campo. Essa associação conceitual é necessária para que o

leitor aproxime as definições apresentadas do conceito de ambiente e campo ao ter

contato com o examinado neste trabalho.

75

Com o objetivo de direcionar a análise sobre o ambiente, pretendendo

atender a proposição inicial, destaca-se a visão de Robbins (2007, p. 365) que

considera as incertezas presentes no ambiente, referidas pelas enfermeiras, fatores

capazes de afetar a estrutura de uma organização.

Para mim o ambiente mais difícil que tem, é a UTI. Lá as pessoas não vêem a melhora, a alta

geralmente não é uma boa alta. As pessoas deveriam ficar uns tempos num serviço e rodar... As

pessoas impregnam naquilo ali: “Não, eu não sei viver sem isso aqui, eu só sei trabalhar aqui”. Até o

cheiro da UTI fica nas pessoas! (E8)

Os conflitos devem estar relacionado com a gravidade das pessoas que tu ta atendendo, por

exemplo numa CTI que é um ambiente que tem barulho , que tem urgência de tu tomar uma iniciativa,

de fazer um procedimento porque a pessoa está com a vida em risco iminente.(E14)

Além do que foi apresentado até o momento, uma última questão continua a

provocar inquietação: Os campos descritos como complexos oferecem resistência

de fato a absorção de novos agentes ou é mais uma das tantas formas de

dominação, efetiva ou simbólica, confirmadas pela normalização das práticas no

interior das organizações hospitalares? Uma situação, apenas para ilustrar: a

nomeação de enfermeiras no papel de diretoras de hospitais públicos no Chile e o

desencadeamento de um conflito de proporção nacional (Gómez et al, 2008). A

constatação das autoras, mesmo que em posição diferente das explicitadas pelas

enfermeiras gerentes entrevistadas neste estudo, pode relacionar a reflexão a um

conceito ponderável da obra de Bourdieu que é o de classificação. Para o autor, as

pessoas não estão num lugar qualquer, elas estão situadas num espaço social onde

estabelecem relações de troca, “e que em função da posição que elas ocupam

nesse espaço muito complexo, pode-se compreender a lógica das suas práticas, e

determinar, entre outras coisas como elas vão classificar e se classificar (Bourdieu,

2004, p. 67)”. O fato da estrutura hierárquica da organização ou dos agentes que

nela atuam resistirem ou rejeitarem a mudança pode ter a ver com a necessidade de

reclassificação no interior do campo.

Ao olhar, retrospectivamente, a variabilidade de nuances a espelhar

diferentes espectros de períodos históricos análogos, pode-se evidenciar que a

finalidade das organizações hospitalares (com ou sem fins lucrativos), no sistema de

76

saúde vigente, tolera, mais facilmente, a reclassificação dos seus agentes, desde

que as posições em luta não interfiram nos fins. Entretanto, quando aventada a

hipótese de reordenação no interior do núcleo que detêm o poder decisório,

percebe-se os movimentos contrários dos agentes hegemonicamente constituídos

em condescender que as condições necessárias para a mudança se instalem

independente dos riscos ou benefícios organizacionais envolvidos.

77

5 INQUIETAÇÕES CONTINUADAS

O esforço empreendido nessa investigação buscou analisar a concepção das

enfermeiras gerentes sobre o conflito, no interior das organizações hospitalares, as

principais ações empreendidas no gerenciamento do fenômeno, bem como refletir

sobre o tema associando-o ao exercício da ação gerencial de dois ou mais serviços

nos hospitais em que atuam.

Historicamente, as reflexões sobre temas que permeiam as relações

organizacionais, como é o caso do conflito, são contemplados nos diferentes ramos

do conhecimento com tratamento ainda incipiente. Contudo, buscou-se construir

uma abordagem, à luz da interseção teórica entre três áreas do conhecimento, com

enfoque análogo sobre as relações, de um modo geral, na Administração, Sociologia

e Enfermagem, particularmente, e entre elas.

A ousadia em abordar, interdisciplinarmente, o conflito assim como ele se

apresenta na estrutura hospitalar, materializado nos princípios da Administração,

fortemente representados pela ação da Enfermagem e a procura por desvelar suas

imbricações na Sociologia, a partir dos conceitos de habitus e campo de Pierre

Bourdieu foi, no limite das análises e discussões possíveis, a principal contribuição

deste estudo.

Por oportuno, para Bourdieu, o habitus traduz-se como um “sistema de

disposições para a prática” (2004, p.98), que se revela para as pessoas na sua

forma de viver, de emitir julgamentos referentes a valores religiosos, políticos,

estéticos ou morais. A noção de campo é apresentada como o espaço social no qual

se percebe uma autonomia relativa, com organização social hierárquica regulada por

suas próprias regras. O autor acrescenta ainda que ambos, habitus e campo, são

estruturas dinâmicas e circunstanciais entre as quais é inevitável a interferência de

um sobre o outro.

O propósito de volver um olhar meticuloso, acerca do conflito, associando-o à

função gerencial, no contexto de uma organização do tipo hospitalar, tem por fim

interpretar a relação que envolve o fenômeno e o gerente. E dadas as evidências

empíricas, vislumbrou-se no profissional enfermeiro o agente em questão. Análogo à

essa constatação, pode-se asseverar que o enfermeiro é o agente que detêm papel

central na consecução dos processos das organizações hospitalares. Em outras

78

palavras, é possível denotar que os resultados das ações, sejam elas explícitas ou

veladas, que compõem a maioria dos processos das organizações hospitalares,

dependem singularmente do modus faciendi7 do enfermeiro. Essa afirmação remete

a se considerar alguns aspectos destacados pelos próprios profissionais, quando no

exercício das funções de gerente de dois ou mais serviços em hospitais de médio ou

grande porte (BRASIL, 2002).

Os resultados encontrados nesse trabalho reafirmam as evidências do estudo

que se tornaria um clássico para a enfermagem brasileira por mostrar que a maioria

das atividades realizadas pelos enfermeiros-chefes não condiz com sua formação

profissional (TREVIZAN, 1986). Passaram-se mais de duas décadas, desde a

constatação da necessidade de mudanças estruturais nas diretrizes de formação

dos novos enfermeiros e o debate sobre a dicotomia ensino-assistência continua.

Possivelmente, com lonjura abreviada, entretanto com forte presença, ainda, nos

mais diferentes espaços de discussão da atividade profissional da enfermagem, seja

ela no campo da formação, da prática assistencial ou da própria gestão institucional.

O anacronismo na formação do profissional enfermeiro para o exercício da

gerência pareceu permear, subjetivamente, e de maneira recorrente as falas das

entrevistadas. Também foi possível denotar que, se por um lado, as enfermeiras

assistenciais, que exercem a gerência nos hospitais consideram-se, em certa

medida, lesadas, tolhidas, alijadas do acesso ao conhecimento necessário para o

que julgam satisfatório ao exercício da atividade gerencial, por outro, é preciso trazer

à superfície, expor de forma clara e sem rodeios quais razões, verdadeiramente,

justificam essa privação, se é que ela de fato existe.

Verificou-se que as enfermeiras anseiam por melhor compreender o

fenômeno do conflito. A preocupação expressada pela apreensão nos gestos das

gerentes ao abordá-lo procede, tendo em vista as imbricações que fenômeno

assume (emerso ou não) no interior das organizações hospitalares. Entre outros,

fatores como condições ambientais, organização do trabalho, planejamento e

política institucional foram relatados como os componentes da organização

permeados, continuamente, por situações de conflito e, portanto, melhor

compreendê-las pode lograr êxito ao processo decisório.

7Maneira de agir. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI - versão 1.05. 2007.

79

A compreensão de que os conflitos estão presentes no cotidiano como

fenômenos percebidos e parte integrante do conjunto de fatores intervenientes, com

os quais o enfermeiro necessita conviver e interagir no seu trabalho de todos os dias

permite situar as declarações das enfermeiras gerentes participantes desse estudo

no período histórico da visão das relações humanas.

Percebeu-se que os principais movimentos das enfermeiras gerentes no

gerenciamento dos conflitos converteram-se em tentativas de acomodar os membros

do grupo nas suas respectivas funções, evitando com isso o acirramento e,

principalmente demandas judiciais que, segundo o comando central da organização,

se advirem, serão de responsabilidade da gerência imediata da categoria.

Sobre o conflito de poder evidenciado pareceu que a estruturação hierárquica

das organizações hospitalares nas quais as enfermeiras entrevistadas atuam como

gerentes concedem autonomia às dirigentes das categorias para decidir sobre o

destino dos seus subordinados, o que confronta com a cultura do modelo biomédico.

Ficou claro que essa disposição hierárquica, que se contrapõe a institucionalizada

culturalmente nos hospitais, não é reconhecida, e menos ainda incorporada pelo

conjunto dos agentes no ato de sua homologação.

Compreender as dificuldades que os profissionais têm de absorver as

mudanças e buscar soluções construídas, consensualmente, pelo conjunto dos

envolvidos, num período transitório, pode evitar situações de difícil manejo e que

deixam marcas definitivas como as descritas pelas enfermeiras gerentes. Não é

porque foi aprovada uma nova regra que o campo todo, seus agentes, se

reordenam, reclassificam, absorvendo-a de forma harmoniosa. A instituição de

normas, regras e rotinas claras e de acesso irrestrito pressupõe-se facilitar aos

agentes, em especial os que exercem a função de gerente, reconhecer os limites do

campo.

Vários questionamentos surgiram diante dos relatos de conflitos considerados

marcantes pelas enfermeiras gerentes. Cabe destacar alguns que poderão servir de

objeto de estudo de novas investigações.

- Em quais condições o enfermeiro gerente poderá questionar o campo e o

habitus de seus agentes?

- Será que atitudes de aparente interesse local podem contar com o apoio do

superior hierárquico no caso de tomarem caminho embaraçoso?

80

- O que pensam os técnicos e auxiliares de enfermagem sobre o desempenho

do enfermeiro no gerenciamento dos conflitos no interior dos hospitais?

O fato de não se ter respostas objetivas a essas perguntas e a tantas outras

que poderão advir não significa que o enfermeiro gerente deva intimidar-se diante de

situações perniciosas ao serviço ou estrutura sob sua condução. Talvez, na

presença de tais circunstâncias o melhor a fazer seja ponderar, observar

temporariamente os movimentos dos agentes, articular sustentação às providências

planejadas ou, simplesmente ter ciência de que os questionamentos são coerentes e

preparar-se para não ser surpreendido.

Além das impressões enumeradas, destaca-se a sensação de passividade

institucionalizada ante situações consideradas de conflito pelas enfermeiras

gerentes. Todavia, denotou-se que o estado de inércia transformou-se em detonador

de uma ação que, ao ser desencadeada, redundou em efeito positivo para todos na

avaliação da gerência. Ela, a passividade, na situação observada constituiu-se no

elemento central para a mudança de um habitus questionável para a equipe de

enfermagem. A letargia do grupo possibilitou a incursão sobre os seus

comportamentos, o que potencializou a atuação da enfermeira gerente a favor da

ruptura e da reordenação das posições no interior do campo.

Denotou-se que as enfermeiras gerentes diante de situações, que têm caráter

conflitivo, obscuro e com possibilidade real de interpor-se no seu processo de

trabalho, apresentaram mesmo que de forma inconsciente, intencionalidade

favorável à ruptura, à modificação das regras do campo e à predisposição para

investir na incorporação de novos habitus avaliados, afirmativamente, pelo conjunto

dos agentes.

Alerta-se, entretanto, que ao se propor transformações que se iniciam pela

exigência de intervenção externa ao ambiente, a destinação poderá minimamente,

ter dois desdobramentos: primeiro; investimento em ações, estrategicamente

vulneráveis, para a consolidação da mudança pretendida; segundo,

comprometimento da expectativa da equipe no caso de empreenderem-se ações

equivocadas.

Por esse motivo, há necessidade de se perceber a intersubjetividade dos

campos, no contexto deste estudo entendido como a própria organização hospitalar

ou os serviços que a compõem. Assegura-se que a obtenção dessa faculdade

81

dignifica a prática da gerência, além de encorajar o enfermeiro a perseguir a maior

legitimação e autonomia no seu trabalho.

No que concernem as estratégias de planejamento inferiu-se que o

comumente adotado pelas enfermeiras gerentes foi recorrer à técnica de administrar

na cadência da realidade que, ao observar os movimentos dos grupos, buscaram

nas experiências anteriores o que melhor se aplicaria naquele instante e

circunstância, não examinando convenientemente as diferenças contextuais e

históricas do momento em que o fenômeno ocorreu.

Nas manifestações proferidas pelas enfermeiras gerentes quanto à análise

dos campos, observou-se que ao descrever determinado ambiente elas buscam

qualificar o grau de complexidade que o mesmo reúne. Evidência que as aproxima a

uma das dimensões da volatilidade ambiental descrita por Robbins (2005): a

complexidade.

Nos campos descritos como complexos pelas enfermeiras gerentes, a

resistência oferecida à absorção de novos agentes pode ser interpretada como mais

uma das tantas formas de dominação, efetiva ou simbólica, confirmadas pela

normalização das práticas no interior das organizações.

A dificuldade das enfermeiras gerentes de visualizarem alternativas, dentro de

uma conjuntura estrutural complexa e congesta, a sujeição a situações no limite da

eclosão, a opressão permanente sofrida, fruto dos fatores internos e externos à

estrutura pela qual se sentem responsáveis, revela a manutenção da prática

reiterativa consolidada pelos agentes de enfermagem que exercem o papel de

comando, mesmo quando este transcende a hierarquia da categoria e respondem

por vários serviços no interior das organizações hospitalares. É nos pequenos atos

do cotidiano que se consolida um modelo de sistema de saúde e as gerentes de

enfermagem, por meio de suas ações, a maioria delas mais reprodutivas do que

reflexivas ajudam a fortalecer o modelo vigente.

A incorporação de novos habitus requer enfrentamento e disposição para

sensibilizar os agentes institucionais, sejam eles enfermeiros ou não, a volver um

novo olhar sobre a sua prática. É preciso uma reflexão madura e visceral sobre a

origem dos conflitos, dos fatores que favorecem a sua instalação e o

reconhecimento da importância de uma abordagem interdisciplinar no tratamento

desse fenômeno organizacional para se iniciar a luta por uma reclassificação dos

agentes dentro de um campo.

82

Metáforas corretamente empregadas poderão impor leveza às tensões

geradas pelos conflitos no âmago das relações, entretanto, para proferi-las é

necessário ter o domínio da situação e daquilo que se quer dizer. As perspectivas

positivas para o futuro da profissão estão intimamente associadas à busca por

qualificação científica, tanto teórica quanto prática e não apenas pela admiração que

se pode conquistar das outras categorias ou da sociedade em geral. É preciso

transformar esse sentimento em respeito, para que se alcance preencher os

chamados vazios administrativos nas organizações hospitalares pelos quais os

enfermeiros gerentes já transitam sós, do que de maneira invisível.

Ademais, é preciso descortinar as atividades do enfermeiro gerente para que

a equipe sinta-se co-participante dos processos, mesmo que, em alguns momentos,

como expectador apenas, só assim ela poderá prestar solidariedade e sustentar a

atuação do gerente.

Uma alternativa apontada como factível, considerando-se as evidências

desse estudo, centra-se no desenvolvimento da capacidade de compor equipes de

serviço levando-se em conta as diferenças contextuais. Manter nas equipes

representantes de interesses divergentes, distribuindo em medida equânime os

poderes, contribui para equilibrar as forças internas, conter movimentos capazes de

dificultar ou até comprometer o desempenho da gerência e ainda incentivar o

crescimento. Além de que, a opção por um modelo de gestão que reconhece os

valores individuais dos agentes e dos grupos fortalece a ação do gerente e reduz as

possibilidades de conflitos disfuncionais intra ou entre grupos no campo maior, a

organização hospitalar.

O gerente ao conhecer, intimamente, a sua equipe, seus membros,

individualmente, deve buscar organizar os grupos de forma que, ao se ausentar,

sentir-se-á presente, permanentemente, em todos os momentos na figura daqueles

agentes que considera a sua própria extensão, ou seja, na sólida relação de

confiança estabelecida em torno de propósitos comuns.

Pensar a interseção teórica entre a Enfermagem, a Administração e a

Sociologia no que tange às relações de trabalho, possibilitou olhar para o espaço

social onde elas acontecem e considerar a relevância de “pensar relacionalmente”

(Bourdieu, 2007, p.23), dada a argüição exposta na preparação realizada para a

análise da temática contemplada nesta pesquisa.

83

Parece não haver dúvida sobre o entrelaçamento existente entre o núcleo

essencial que compõem essas três áreas do conhecimento. É como se, no final, a

combinação de diferentes cores, mesclando-se, buscassem conceber um matiz cada

vez mais harmonioso.

84

REFERÊNCIAS

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91

ANEXO

92

ANEXO A – CARTA DE APROVAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA

93

APÊNDICES

94

APÊNDICE A – Roteiro para entrevista semi-estruturada Entrevista nº: Data: ___/___/ 2008 Dados sócio-profissionais

1. Data de nascimento: ___________________________ 2. Sexo: ( ) M ( ) F 3. Cargo mais elevado ocupado na hierarquia institucional: ( ) Direção ( ) Coordenação ( ) Gerência ( ) Chefia 4. Tempo de serviço como enfermeiro: 5. Tempo somado de exercício nos cargos de gerente: 6. Maior tempo de atuação na função gerencial na mesma instituição:_______ ( ) Instituição pública ( ) Instituição privada 7. Titulação: ( ) Graduação ( ) Especialização, qual: ( ) Mestrado, área: ( ) Doutorado, área: 8. Cursos relacionados a gerenciamento: ( ) não ( ) sim qual? _________________________________________________________

Questões abertas

1. Fale sobre o que você considera relevante em sua atividade gerencial.

2. Antes de assumir a função gerencial, qual idéia você tinha sobre o papel do

enfermeiro gerente? Corresponde ao que você pensava?

3. Como você se percebe diante de situações que considera como conflito?

4. Conte alguma situação que você lembra sobre algo marcante no exercício

gerencial envolvendo conflitos e como lidou com a mesma.

5. Você planeja, antecipadamente, formas de abordagens para situações que

considera passiveis de conflito?

6. Para você, a maneira de lidar com o conflito depende ou não do contexto

onde ele acontece?

Observações subjetivas da entrevista:

95

APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIENCIAS DE SAÚDE

DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM CURSO DE POS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado enfermeiro:

Sirvo-me do presente para convidá-lo a participar da pesquisa que

pretendemos desenvolver com você. Para tanto, cabe esclarecer os seguintes

pontos:

Sobre a pesquisadora e orientadora: sou enfermeira, coordeno o Serviço de

Internação Domiciliar do Hospital Universitário de Santa Maria (SIDHUSM) e estou

cursando Mestrado em Enfermagem, no Curso de Pós-Graduação da Universidade

Federal de Santa Maria, sob a orientação da Profa. Dra. Adelina Giacomelli

Prochnow, também Enfermeira e Professora do Curso de Pós-Graduação da

Universidade Federal de Santa Maria.

Sobre a pesquisa: Pretendemos desenvolver uma pesquisa científica

intitulada: “O conflito no exercício gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar”.

Tendo como objetivos: 1) analisar a concepção do conflito para os enfermeiros no

exercício gerencial no contexto hospitalar; 2) inferir as estratégias utilizadas pelos

enfermeiros na resolução dos conflitos; 3) interpretar o conflito no exercício gerencial

do enfermeiro.

Para desenvolver a pesquisa utilizaremos a entrevista semi-estruturada e o

grupo focal, como técnicas de coleta de dados. A pesquisa terá duração média de

quatro meses.

Sobre o comportamento da pesquisadora: esclareço que não tenho interesse

em especular sobre a sua vida particular e que não vou julgar o que você disser e

nem desrespeitar a sua opinião sobre o que lhe for perguntado. Esta pesquisa não

lhe causará riscos, pois não afetará a sua integridade física e psicológica. E,

também, não a colocará sob riscos sociais. Os benefícios surgirão a partir da

obtenção e análise dos resultados. Esses resultados serão utilizados para fins

científicos e publicados em periódicos acadêmicos, como também em espaços de

96

debate público. Informo, ainda, que não haverá nenhum custo ou benefícios

financeiros para os participantes da pesquisa.

Comprometo-me a esclarecer as suas dúvidas, a qualquer momento, no

decorrer da pesquisa. Por isso, deixo registrado neste Termo os números dos

nossos telefones e endereços eletrônicos. Caso queira desistir de participar da

pesquisa, isto será respeitado, mesmo que já tenha sido concluída a coleta dos

dados. O anonimato será respeitado, ou seja, não divulgaremos o seu nome em

publicações futuras. A identificação será feita por códigos.

Santa Maria, ___ de __________ de 2008.

______________________________________ De acordo: participante da pesquisa

________________________________ _____________________________

Pesquisadora: Soeli Teresinha Guerra Orientadora: Adelina G. Prochnow COREn/RS 43.939 COREn/RS 46.301

[email protected] 99757160

Obsservação: o presente documento, em conformidade com a resolução 196/96 do Conselho Nacional da Saúde, será assinado em duas vias, de igual teor, ficando uma via em poder do participante e a outra com a autora do projeto.

97

APÊNDICE C – Termo de Confidencialidade

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA – UFSM CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

TERMO DE CONFIDENCIALIDADE

Título do projeto: “O Conflito no Exercício Gerencial do Enfermeiro no Contexto

Hospitalar”

Pesquisador responsável: Profa. Dra. Adelina Giacomelli Prochnow

Pesquisadora mestranda: Enfa. Soeli Teresinha Guerra

Instituição/Departamento: Universidade Federal de Santa Maria/Departamento de

Enfermagem – Programa de Pós-Graduação em Enfermagem.

Telefone para contato: (55) 3227 1923 – (55) 99757160

Local da coleta de dados: Domicílio ou local indicado pelos sujeitos na cidade de

Santa Maria

Os pesquisadores do presente projeto se comprometem a preservar a

privacidade dos enfermeiros, cujos dados serão coletados por meio de entrevistas e

grupo focal, sendo utilizada a gravação em áudio. Concordam, igualmente, que

estas informações serão utilizadas única e exclusivamente para execução do

presente projeto. As informações somente poderão ser divulgadas de forma

anônima e serão mantidas junto da pesquisadora por um período de 12 meses, sob

a responsabilidade da Sra. Soeli Teresinha Guerra. Após este período, os dados

serão destruídos. Este projeto de pesquisa foi revisado e aprovado pelo Comitê de

Ética em Pesquisa da UFSM em ...../....../......, com o número do CAAE

.........................

Santa Maria, .............de ............................de 200......

____________________________________

Profa. Dra. Adelina Giacomelli Prochnow