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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS COORDENAÇÃO DO CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA O CONCEITO DE COMPETÊNCIA NOS SERVIÇOS DE RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DE TRABALHADORES: DOS GESTOS REPETITIVOS E PRESCRITOS AO FAZER HUMANIZADO E SOCIAL Corina Alves Farinha Belo Horizonte 2009

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS

COORDENAÇÃO DO CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

O CONCEITO DE COMPETÊNCIA NOS SERVIÇOS DE

RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DE TRABALHADORES:

DOS GESTOS REPETITIVOS E PRESCRITOS AO FAZER

HUMANIZADO E SOCIAL

Corina Alves Farinha

Belo Horizonte 2009

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Corina Alves Farinha

O CONCEITO DE COMPETÊNCIA NOS SERVIÇOS DE

RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DE TRABALHADORES:

DOS GESTOS REPETITIVOS E PRESCRITOS AO FAZER

HUMANIZADO E SOCIAL

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do

Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas

Gerais, como requisito parcial para a obtenção do

título de Mestre em Educação Tecnológica.

Área de Concentração: Educação Tecnológica - ET

Orientador: Prof. Dr. Antônio de Pádua Tomasi

Belo Horizonte 2009

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Dedico este trabalho ao Matheus, fruto do meu melhor

projeto de vida, e ao Paulo Roberto, pelo incentivo,

apoio e crédito em meu potencial.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus e a todas as pessoas, que, de uma forma ou de outra,

estiveram presentes nesta trajetória.

Em especial, agradeço:

• aos amigos e amigas de todas as horas, especialmente Aparecida e Édima;

• ao corpo de professores e trabalhadores do Curso de Mestrado em Educação

Tecnológica;

• ao Prof. Dr. Antônio de Pádua Nunes Tomasi, orientador desta pesquisa;

• aos Professores Doutores Adriane Vieira, Fábio Wellington Orlando da Silva,

Iris Barbosa Goulart e Jerônimo Coura Sobrinho, pelas contribuições e

orientações enriquecedoras;

• à Professora Maria Helena Braga Mendes, pelo acolhimento e aprimoramento

formal do texto;

• à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais – FAPEMIG, pela

disponibilização dos recursos necessários à realização deste trabalho.

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“[...] importa-nos não apenas a dimensão natural do gesto que trabalha o

objeto e lhe dá vida, do gesto preciso que fabrica coisas e assegura seu

funcionamento [...], dimensão humana e social do gesto que, ao produzir a existência

humana, produz também sociedade e cultura, traduz hábitos, costumes, sentimentos

pensamentos, modos de viver e de ser.” TOMASI (2006)

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RESUMO

Esta pesquisa aborda o conceito de competência, caracterizado pela

polissemia, visando a contribuir para seu entendimento pelas empresas prestadoras

de serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores, uma vez que lhes cabe

responder às demandas por competência por parte das organizações contratantes,

enfrentando o desafio de interpretar as diferentes concepções de competência

manifestadas no discurso empresarial. A pesquisa, de caráter qualitativo, é

amparada teoricamente por estudos de autores franceses e brasileiros dedicados à

abordagem do tema competência no âmbito acadêmico e organizacional. Por meio

de entrevista aberta, buscou-se responder à seguinte questão: Que princípios

tendem a nortear, na atualidade, as ações dos serviços de recrutamento e seleção

de trabalhadores, em função da concepção de competência predominante no âmbito

das empresas contratantes? Para isso, foram analisadas as práticas de oito

empresas prestadoras de serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores,

sediadas em Belo Horizonte, MG.

Partiu-se do pressuposto de que a concepção de competência predominante

nos serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores privilegia princípios

tradicionais, contemplando modelos construídos para a atuação do trabalhador em

processos produtivos rígidos, a exemplo do modelo taylorista-fordista, centrado no

cargo e na escolha da pessoa certa para o cargo certo. Os resultados evidenciam a

tendência à busca de inovação, em função de mudanças no mundo do trabalho,

decorrentes do desenvolvimento de novas tecnologias, da globalização da economia

e de outros fatores, que determinaram um sistema de produção flexível e novas

exigências em relação ao trabalhador, em termos de competência, gerando,

conseqüentemente, a necessidade de criação de um novo referencial para a

avaliação dos trabalhadores. A pesquisa constatou divergências no entendimento do

conceito competência e comprovou sua associação a princípios tayloristas-fordistas

no processo de recrutamento e seleção; paralelamente, contudo, evidenciou a

tendência à avaliação dos candidatos às vagas sob o enfoque da mobilização do

saber (conhecimento escolarizado), do saber-fazer (experiência) e do saber-ser

(atitude).

Palavras-chave: competência, qualificação, recrutamento e seleção, gestão de

pessoas.

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ABSTRACT

This research deals with the concept of competence, characterized by the

polisemic, and its aim is to contribute for its understanding by the companies that

recruit and select workers. Once it is their responsibility to answer the companies’

demands for competence, facing the challenge to interpret the different conceptions

of this term in the enterprise speech. This qualitative research is theoretically based

by studies of French and Brazilian authors devoted to the theme in academic and

organizational scope. The research was conducted through opened interview, and its

main objective was to answer the following question: which principles tend to guide,

in the present time, the services’ actions of recruitment and selection of workers,

based in the competence conception predominant in the contracting companies? To

reach this aim, were analyzed the practice of eight companies of workers’ recruitment

and selection in Belo Horizonte, MG.

The starting point was the assumption that the competence concept prevailing

in the recruitment and selection companies privilege the traditional principles,

contemplating models constructed to the worker’s performance in a rigid productive

processes (the taylorism-fordism model, for example) centered in the function and

the individual work. The results evidence the trend to the innovation in function of

changes in the work’s world, originated by the development of new technologies, the

economy’s globalization and other factors, that determined a system of flexible

production and new requirements related to the worker, in competence terms,

consequently, generating the creation’s necessity of a new reference point to the

workers’ evaluation. The research evidenced divergences about the understanding

competence concept and confirmed its association to the taylorism-fordism principles

in the recruitment and selection process; paralleled, however, evidenced the trend to

the candidates’ evaluation to the position under the approach of the knowledge’s

mobilization (knowledge constructed in schools), of know-how (experience) and know

to be (attitude).

Keywords: competence, qualification, recruitment and selection, workers’

administration.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Qualificação: aspectos conceituais ................................................ 55

Quadro 2 - Abordagem tradicional e por competência na captação de trabalhadores ................................................................................. 68

Quadro 3 - Critério e subcritérios para análise dos dados .............................. 78

Quadro 4 - Participantes da pesquisa .............................................................. 86

Quadro 5 - Concepção de competência dos entrevistados ............................. 110

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 11

1.1 Justificativa e questão de pesquisa ........................................................ 13

1.2 Objetivos ................................................................................................ 14

1.2.1 Objetivo geral ......................................................................................... 14

1.2.2 Objetivos específicos ............................................................................. 14

2 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................... 15

2.1 O mundo do trabalho e o processo de recrutamento e seleção de trabalhadores ......................................................................................... 15

2.1.1 Conceituação de trabalho ...................................................................... 15

2.1.2 Do sistema de produção rígido ao sistema de produção flexível ........... 24

2.1.3 Do gerenciamento da mão-de-obra à gestão de pessoas ..................... 32

2.1.4 O processo de recrutamento e seleção de trabalhadores ..................... 39

2.2 Da qualificação profissional à competência ........................................... 47

2.2.1 A qualificação profissional ...................................................................... 48

2.2.2 A competência ........................................................................................ 55

2.2.3 A gestão de competências e o processo de recrutamento e seleção de trabalhadores ......................................................................................... 63

3 METODOLOGIA DA PESQUISA ........................................................... 73

3.1 Critérios para escolha dos participantes da pesquisa ............................ 75

3.2 Critérios para análise dos dados coletados ........................................... 78

3.3 Unidades de análise: as empresas participantes da pesquisa ............ 79

3.3.1 Empresa R&S 1 ...................................................................................... 79

3.3.2 Empresa R&S 2 ...................................................................................... 80

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3.3.3 Empresa R&S 3 ...................................................................................... 80

3.3.4 Empresa R&S 4 ...................................................................................... 81

3.3.5 Empresa R&S 5 ...................................................................................... 82

3.3.6 Empresa R&S 6 ...................................................................................... 82

3.3.7 Empresa R&S 7 ...................................................................................... 83

3.3.8 Empresa R&S 8 ...................................................................................... 84

4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ....................................... 87

4.1 Evolução do perfil profissional buscado no processo de recrutamento e seleção de trabalhadores 1980 – 2007 ............................................... 87

4.1.1 Relevância dos saberes escolarizados e das experiências ................... 87

4.1.2 Mudança no perfil profissional demandado ............................................ 88

4.2 Práticas das empresas de recrutamento e seleção para atender à demanda das contratantes ..................................................................... 93

4.2.1 Captação da demanda das empresas contratantes ............................... 93

4.2.2 Busca de referência na concepção de competência da empresa contratante ............................................................................................. 95

4.2.3 Construção do perfil profissional demandado ........................................ 96

4.2.4 O candidato: perfil profissional ofertado ................................................. 97

4.3 Gestão por competências na percepção dos entrevistados .................. 105

4.3.1 O conceito de competência do empregador, na concepção dos entrevistados .......................................................................................... 106

4.3.2 O conceito de competência dos serviços de recrutamento e seleção ... 107

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 114

REFERÊNCIAS ....................................................... 119

APÊNDICE A – Roteiro de entrevista .................................................... 123

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1 INTRODUÇÃO

O conceito de competência é polissêmico, por ser essa concepção estudada

por distintas áreas do conhecimento, gerando inúmeros vieses e interpretações,

tanto no âmbito acadêmico quanto no organizacional. Em termos gerais, a

competência engloba três requisitos básicos: saberes construídos ao longo da

existência, com implicações na vida profissional, habilidades e atitudes do

trabalhador em face das inúmeras situações de trabalho.

O tema não é um modismo; pelo contrário, seu registro é bem antigo. De

acordo com Isambert-Jamati (2002), a palavra competência no fim da Idade Média

era associada à linguagem jurídica. Na atualidade, o conceito de competência vai

além desse enfoque, entrando no campo da Psicologia, da Educação e da

Sociologia. Envolve basicamente três modalidades de saberes: o saber em termos

de conhecimentos, o saber-fazer e o saber-ser. A competência está intimamente

relacionada à ação, ao movimento e ao empreendimento. Seu reconhecimento

depende do olhar do outro.

Os estudos desenvolvidos em torno da construção de tal conceito iniciaram-se

em 1980 na França e, no Brasil, em 1990. A fase atual desses estudos circunscreve-

se à divulgação e à aplicação desse conceito na gestão de pessoas no âmbito das

organizações. Cabe ressaltar que, sob perspectivas diferenciadas, os autores

franceses Zarifian (2001, 2003, 2005), Le Boterf (2003, 2006), Dadoy (2004), Dugué

(2004), Ropé & Tanguy (2002), Stroobants (2002), e os brasileiros Fleury & Fleury

(2004), Tomasi (2004), Dutra (2004) e Ruas (2005) são unânimes em afirmar que os

entendimentos sobre o conceito de competência são diferenciados na academia e

nas empresas, particularizando-se em função de características como: cultura

organizacional, ramo de atuação, porte da empresa, tecnologia adotada e relação

estabelecida com o mercado, com os clientes e os trabalhadores. Assim, o

trabalhador avaliado como competente em uma empresa poderá não o ser sob a

avaliação de outra, mesmo porque a competência é situacional.

As pesquisas de Zarifian (2005) indicam que a competência, no meio

empresarial, está ligada ao uso de dois tipos de instrumentos: a construção de

referenciais e a realização de entrevistas com o empregado por seu superior

hierárquico, visando a avaliar se o profissional está exercendo ou não as

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competências requeridas. A construção de referenciais, segundo o autor, é feita por

meio de listas de competências centradas no saber-ser, objetivando indicar, de

maneira prescritiva, aquilo que os assalariados devem saber fazer e dizer, numa

dada situação de trabalho. Essa construção assemelha-se àquela dos referenciais

do trabalho taylorista, centrados na prescrição de tarefas. Nesse contexto, o

trabalhador dito competente será aquele que, ao desenvolver seu trabalho, detém as

competências atitudinais e comportamentais prescritas no referencial.

Por outro lado, Le Boterf (2006) propõe que os métodos de avaliação da

competência de um profissional aplicados nas organizações analisem a prática a

que o trabalhador recorre para interpretar as prescrições de determinado trabalho.

Uma prática não corresponde, item a item, a uma prescrição. Se assim fosse, a

prática seria reduzida a uma simples execução de orientações e de normas. Nesse

sentido, o alvo da avaliação não é o conjunto de competências do trabalhador, pois

estas, por si sós, são invisíveis, mas aquilo que o mecanismo da avaliação designa

como competências.

No Brasil, segundo Dutra (2004), as empresas têm revelado dificuldades

quanto ao conceito de competência, devido às diferentes maneiras de compreensão

do termo e às formas de sua articulação pelos responsáveis das empresas. Observa

o autor que, em relação ao tema, coexistem nas organizações discursos carregados

de modernidade, aliados a posturas tradicionais típicas do modelo de produção

rígido. Há o entendimento de que se trata de um modismo, que não atende às

necessidades das organizações.

Os autores Fleury & Fleury (2004), embasados em outras pesquisas,

observam a tendência à utilização do conceito de competência pelos profissionais de

recursos humanos como algo que pode ser medido e quantificado. À semelhança

dos padrões e resultados obtidos por meio do treinamento, a competência é

concebida como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, ligado ao

desempenho do trabalhador, referindo-se, portanto, à tarefa ou ao conjunto de

tarefas prescritas em um cargo.

No modelo de produção rígido, o processo de recrutamento e seleção

buscava avaliar, predominantemente, a qualificação profissional do candidato, seus

diplomas e seu tempo de experiência, e aplicava-lhe testes psicológicos, em que

eram aferidos aspectos pessoais do candidato, como disciplina, hábitos e costumes,

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mas não aspectos como a iniciativa, a capacidade de trabalho em equipe e a

criatividade, atualmente considerados essenciais.

No mundo do trabalho atual, em função do modelo de produção flexível, os

serviços de recrutamento e seleção priorizam a avaliação das capacidades dos

trabalhadores, tais como compreensão do processo de trabalho, criatividade,

pensamento crítico, comunicação, autonomia e responsabilidade. Essa tendência

contraria os preceitos embasados no controle, nas regras e na prescrição de tarefas,

no princípio do cargo (pessoa certa para o cargo certo), revelando certa ruptura com

o modelo taylorista-fordista na gestão de pessoas.

Em decorrência dessa mudança, impõe-se o desafio da construção de novos

referenciais para a avaliação dos trabalhadores no âmbito do processo de

recrutamento e seleção, que é freqüentemente terceirizado e realizado por

empresas específicas.

1.1 Justificativa e questão de pesquisa

A problemática que suscitou a escolha do tema desta pesquisa tem a ver com

a trajetória de vida da autora, na busca por emprego. Como administradora de

empresas, vivenciou a situação de busca por uma colocação no mundo do trabalho

e atuou na área de recrutamento e seleção de trabalhadores.

Nessa vivência, percebeu tanto a própria dor, quanto a do outro, preterido no

processo seletivo, frustrado e levado, inúmeras vezes, aos sentimentos de

impotência, deserção de si mesmo, incompetência. Por ter vivenciado tal processo,

a autora buscou, com duplo propósito, respostas para suas indagações sobre o

mundo do trabalho, por meio da investigação científica e inserção profissional no

magistério de nível superior. Atuando como professora, a autora tem buscado

contribuir para que seus alunos ingressem no mundo do trabalho cientes de algumas

das respostas originadas desta investigação, cujo tema é o conceito de competência

no processo de recrutamento e seleção de trabalhadores.

Essas razões, aliadas à necessidade de mudanças nos procedimentos de

recrutamento e seleção de trabalhadores, já que, conforme observado, a

complexidade do mundo empresarial contemporâneo requer profissionais com uma

bagagem de conhecimentos, experiências e atitudes (competências) que agreguem

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valor aos resultados da organização, foram julgadas oportunas para investir esforços

no aprofundamento do tema, com vistas a responder à seguinte questão de

pesquisa:

Que princípios tendem a nortear, na atualidade, as ações dos serviços de

recrutamento e seleção de trabalhadores, em função da concepção de

competência predominante no âmbito das empresas contratantes?

Acredita-se que esta investigação poderá contribuir para o melhor

entendimento do conceito de competência no âmbito organizacional brasileiro e na

área de recrutamento e seleção de trabalhadores, favorecendo, conseqüentemente,

o aprimoramento desse processo.

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo geral

Identificar os princípios priorizados pelas empresas de recrutamento e seleção

de trabalhadores, respondendo às demandas dos empregadores, tendo em vista sua

própria concepção de competência.

1.2.2 Objetivos específicos

• identificar as mudanças ocorridas no processo de recrutamento e

seleção de trabalhadores, no período de 1980 – 2007;

• verificar o modelo de recrutamento e seleção adotado nas empresas

pesquisadas, no período compreendido entre agosto/2006 e

agosto/2007;

• identificar a concepção de competência das organizações contratantes,

em função da qual os responsáveis pelo recrutamento e seleção de

candidatos para ocuparem as vagas ofertadas constroem seu próprio

conceito, em cada processo seletivo realizado;

• estabelecer um cruzamento entre o perfil de trabalhador demandado

pela empresa contratante e o ofertado pelo candidato à ocupação das

vagas.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O mundo do trabalho e o processo de recrutamento e seleção de trabalhadores

“[... ] o mundo do trabalho se tornou mais complexo ao longo do tempo, ou, melhor, [...] ele sempre foi mais complexo do que imaginávamos.” TOMASI ( 2004, p. 12)

Esta seção enfoca o mundo do trabalho em quatro subseções, cujo propósito

é explicitar as mudanças ocorridas no processo de recrutamento e seleção de

trabalhadores, especialmente no período compreendido entre 1980-2007.

Na primeira subseção, será abordada a evolução do conceito de trabalho. Na

segunda será discutida a organização do trabalho em termos de procedimentos e

instrumentos, o conceito de trabalhador e a questão da educação profissional

vinculada aos conhecimentos relativos à profissão, agente de desenvolvimento da

cidadania e do homem. Na terceira será estabelecida a relação entre a adoção de

um modelo de produção e a maneira pela qual o trabalhador é dirigido no trabalho.

Finalmente, a quarta subseção abordará o perfil profissional demandado pelo mundo

do trabalho e a maneira como ocorre a alocação de trabalhadores nas organizações.

2.1.1 Conceituação de trabalho

O trabalho é uma atividade que historicamente se desenvolveu e se organizou

nas diferentes sociedades. Na busca por elementos que possibilitem compreender

essa atividade no presente, procedeu-se a uma breve incursão histórica, no intuito

de definir o significado do trabalho no contexto atual.

Segundo Albornoz (2006), a palavra trabalho provém do vocábulo latino

tripalium, que designa um instrumento utilizado pelos agricultores para bater os

grãos de trigo, com a finalidade de abri-los, e as espigas de milho, para retirar os

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grãos. Composto de três (tri) paus (palus) aguçados, algumas vezes com ferro nas

pontas, o tripalium foi concebido originalmente (ou posteriormente transformado)

como um objeto para causar dor e sofrimento a prisioneiros e escravos. De tripalium

derivou-se o verbo tripaliare, que significa torturar alguém no tripalium.

Nas línguas românicas, há indícios da inserção da palavra trabalho desde o

século XII. No português, o verbete trabalho, no dicionário Houaiss (2001), registra

as acepções: esforço incomum, luta, lida, faina. Note-se que essas palavras

guardam a idéia de algo pesado, difícil, exigente. O dicionário Michaellis (1998), por

sua vez, registra que o termo trabalho está relacionado ao exercício material ou

intelectual para fazer ou conseguir alguma coisa; é ocupação em alguma obra ou

ministério, mas também é esforço, é luta. O significado de trabalho também

contempla a aplicação da atividade humana a qualquer exercício de caráter físico ou

intelectual. Contudo, há outras circunstâncias que conservam as associações

primitivas do termo, como trabalhoso, significando algo custoso, difícil, cansativo,

aquilo que não é fácil de fazer; quem se encontra em dificuldades está passando

trabalho.

Assim, etimologicamente, a palavra trabalho remete a um sentido

depreciativo, relacionado à dor e à aflição, ao tormento e à agonia. Tal visão é

corroborada pelas concepções de trabalho ligadas à filosofia, à religião e a

elementos de distinção social categorizadores dos indivíduos de acordo com as

atividades por eles desenvolvidas, presentes em documentos de civilizações

antigas.

Tomazi (2000) observa que, na civilização greco-romana, sob influência

filosófica, o conceito de trabalho se assentava na dicotomia: liberdade e sujeição.

Livre era o indivíduo que dispunha de pessoas que trabalhavam para e por ele. A

liberdade estava intrinsecamente ligada à autonomia dos meios de sobrevivência, à

ociosidade, à atividade intelectual, à práxis, prática do discurso na vida pública,

utilizando-se de objetos e coisas produzidas pelos outros. As atividades

relacionadas à sobrevivência condenavam o indivíduo a uma vida cativa, dividida

entre labor (sujeição do indivíduo às forças biológicas, ao esforço físico de trabalhar

a terra) e poiesis (atividade livre ligada ao ato de fabricar coisas, à confecção e à

criação de um produto cuja destinação era dada pelo produtor).

Segundo Tomazi (2000), a visão negativa de trabalho foi historicamente

reforçada pelo trabalho escravo, essencial para a economia e para as sociedades.

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Desde as civilizações antigas, o trabalho é praticado com características distintas.

No Egito, segundo o citado autor, o trabalho era revestido de forte conotação

exploratória, compulsória. Inicialmente, era desenvolvido por escravos, judeus,

prisioneiros de guerra e pessoas com dívidas; posteriormente, pelos africanos, em

virtude do descobrimento da América, e por não-escravos, indivíduos livres que

exerciam profissões variadas e eram recrutados forçadamente para trabalhar em

obras públicas, canais de irrigação e realizar tarefas agrícolas.

O trabalho servil, presente nas civilizações antigas, igualmente cooperou para

a acepção depreciativa de trabalho. A servidão, diferentemente da escravidão,

caracterizava-se pela não-propriedade dos servos pelos senhores feudais. O

trabalho, nessas condições, era associado a fator de distinção social, uma vez que

categorizava os camponeses em servos e os detentores dos direitos da terra em

senhores de terras e clero, marcando, assim, as relações entre os servos e os

senhores.

Ainda segundo Tomazi (2000), a servidão, difundida pela Europa no século X,

permaneceu na Inglaterra até o século XVII e, até o início do século XIX, em outros

países europeus. Outras atividades foram desenvolvidas no período feudal, entre as

quais o comércio, o negócio e o artesanato, sendo este último preponderante na

concepção do trabalho como atividade livre (FRIEDMANN, 1972). Cabe observar

que a Igreja, nesse período, como aponta Tomazi (2000), reforçou a concepção

pejorativa de trabalho, ao sancionar os compromissos feudais entre os senhores e

os servos, na definição das classes.

Acrescenta o autor que, devido à interpretação da Igreja, foi atribuído ao

trabalho o sentido de uma maldição, que deveria existir somente na quantidade

necessária à sobrevivência dos indivíduos. A visão dogmática judaica da Igreja,

segundo a qual o trabalho decorreu do pecado original, que expulsou Adão e Eva

do paraíso, provém da interpretação das escrituras (Velho Testamento).

Com o advento do Cristianismo, uma conotação positiva do trabalho foi

instaurada gradativamente, por meio das concepções de Paulo de Tarso, que o

concebia como uma bênção de Deus; de Aurélio Agostinho, que considerava o

trabalho como obrigação e devoção divina; de Tomás de Aquino, para quem o

trabalho era atividade racional. O entendimento do trabalho dentro do Cristianismo

sofreu uma reavaliação com Martinho Lutero, passando a ser considerado como o

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fundamento de toda a vida, constituindo uma virtude e um dos caminhos para a

salvação (RUSSEL, 2001).

Segundo Tomazi (2000), no Protestantismo, a profissão passou a ser vista

como vocação, e a preguiça, como algo pernicioso, que deve ser combatido. O

cristão protestante era orientado no sentido de levar uma vida ascética, de costumes

simples, e poupar, para reinvestir no trabalho, gerando, então, novas oportunidades

de emprego para outros indivíduos. Essas concepções influenciaram o entendimento

de trabalho na sociedade ocidental, com as contribuições de Weber1 (1982),

centradas na análise da ação social dos indivíduos, com um sentido positivo. Para

Weber (1982), a ação social é entendida como qualquer ação que o indivíduo venha

a praticar, porém, orientada pela ação dos outros. Sob a ótica de Weber (1982), os

indivíduos escolhem trabalhar, porque se deparam com outros indivíduos que

trabalham e, assim, o trabalho passa a ser encarado como algo significativo. Ao

trabalharem, eles orientam suas escolhas pelos mais variados motivos, tais como a

sobrevivência, a realização pessoal e profissional e outros. Essas escolhas, segundo

Weber (1982), são evidenciadas em diferentes tipos de ação social, as quais podem

ser agrupadas de acordo com o modo pelo qual os indivíduos as orientam.

Weber (1982) estabeleceu quatro tipos de ação social: a tradicional,

determinada por um costume ou um hábito arraigado; a afetiva, determinada por

afetos ou estados emocionais; a racional relativa a valores, determinada pela crença

consciente num valor considerado importante, independentemente do êxito desse

valor na realidade, e a racional relativa a fins, determinada pelo cálculo racional que

estabelece fins e organiza os meios necessários. Infere-se daí que os indivíduos

trabalham devido a escolhas emocionais, afetivas, por costume, por hábito, pela

tradição, pelo valor atribuído ao trabalho, por um sentido de utilidade, por uma

escolha racional.

O trabalhador assalariado é um indivíduo que trabalha para um patrão

mediante salário, recebendo remuneração por um serviço prestado. Os

antecessores dos trabalhadores assalariados foram os jornaleiros, artesãos

diaristas, que recebiam uma remuneração por jornada, contratados por um mestre-

artesão. Os artesãos eram profissionais que se reuniam nas associações dos

trabalhadores de diferentes ofícios, intituladas no século XVII de Corporações de

1 WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982.

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Ofícios (OLIVEIRA, 1998). Em seu interior, o trabalho era dividido hierarquicamente

entre mestre-artesão (detentor do conhecimento técnico) e aprendiz (mão-de-obra

não-qualificada). O aprendiz passava a viver com o mestre-artesão, e as relações

entre eles assentavam-se na base da troca de conhecimento técnico por mão-de-

obra barata e fiel, vestimentas e alimentação. O trabalho artesanal tinha caráter

divisório e corporativo2.

No período feudal, a produção artesanal, submetida à oferta e à procura, foi

uma das fontes de alimentação das atividades ligadas ao negócio, ao comércio e ao

mercado. Os artesãos dispunham de suas capacidades e dons para dominarem todo

o processo produtivo, desde a escolha da matéria-prima até a sua comercialização.

Assim, o trabalho manual e o intelectual se atrelavam, com um significado intrínseco.

Além disso, havia o reconhecimento do artesão como indivíduo, em suas habilidades

e capacidades profissionais. O artesão vendia um produto e não a força de trabalho

(TOMAZI, 2000).

Foram as atividades artesanais que compuseram o trabalho desenvolvido na

manufatura (arranjo de novas formas de produção técnica). Embora o trabalho

artesanal tenha sido a base da manufatura, nesse período, o trabalho começou a ser

concebido como algo separado do executor (artesão), devido à dissolução dos

processos de trabalho baseados nos ofícios. Com a manufatura, uma nova divisão

do trabalho se estabeleceu. O trabalho artesanal corporativo, devido à

reorganização e decomposição em tarefas, passou a trabalho coletivo, e o artesão,

a operário assalariado (TOMAZI, 2000; GORZ, 2001).

Com a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, em meados do século

XVIII, a manufatura evoluiu para a industrialização. Com isso, o trabalho assalariado

expandiu-se. Nesse panorama, as oficinas, transformadas em fábricas tornaram o

produto artesanal em produto fabricado mecanicamente. O artesão é o operário que

trabalha para alguém e recebe um salário, ao vender sua força de trabalho. O

trabalho assalariado gerou o trabalhador formal, aquele que realiza tarefas com base

em contratos, com salário acordado e com direitos, mais tarde previstos em leis. O

modo de organização do trabalho assalariado trouxe a rigidez no trabalho, as ações

repetitivas, a hierarquização entre trabalhadores hábeis e inábeis, bem como a

qualificação profissional e a exclusão dos ofícios, que produziu uma classe

2 Disponível em www.brasilescola.com/história. Acesso em 01/07/2008.

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trabalhadora considerada sem destreza. O trabalho assalariado remete a emprego e

às implicações a ele ligadas, tais como: manutenção, reconhecimento e visibilidade

sociais, fadiga, oportunidade de carreira. Além disso, o trabalho assalariado marca a

divisão entre o ambiente doméstico, o ambiente produtivo e a propriedade privada

(TOMAZI, 2000; GORZ, 2001, BRAVERMAN, 1987).

Para Gorz (2001, p.14) “o trabalho, mesmo favorecendo o desenvolvimento

das faculdades corporais e intelectuais, tem finalidades que não podem ser a de

todos e produz riquezas reservadas”, ou seja, o produto do trabalho depende da

valorização de um outro indivíduo, depende das finalidades a ele atribuídas. O

trabalho não pertence ao trabalhador, mas àquele que demanda o seu trabalho. Em

outras palavras, existe uma interdependência direta entre o trabalho executado,

ofertado pelo trabalhador, e a demanda do comprador desse trabalho, o patrão. A

oferta e a demanda por trabalho determinam o salário, que se tornou sinônimo de

emprego com contrato de trabalho estabelecido.

Assim, aparentemente, a divisão técnica e o sistema produtivo são as causas

do trabalho assalariado, da dominação capitalista, segundo Gorz (2001). Contudo,

nem os proprietários das fábricas, nem os artesãos proprietários de suas

capacidades de produção podem pôr fim à opressão e à subordinação operárias ao

trabalho assalariado. Para Gorz (2001), nem a divisão e o parcelamento das tarefas,

nem a cisão entre trabalho intelectual e manual, nem mesmo o desenvolvimento

técnico, o gigantismo industrial e a centralização dos poderes são necessários a

uma produção eficaz, porque a propriedade dos meios de produção do capitalista ou

as capacidades produtivas do artesão são poderes. O poder continuará com o

capital, assim como o poder do artesão sobre o aprendiz. O trabalho assalariado é

um poder sobre o trabalhador. Nesse fato, consiste o poder do patrão sobre o

empregado, por ser aquele que faz realizar um trabalho.

Com a industrialização, o trabalho, em face da segunda Revolução Industrial,

passou a ser marcado pelas inovações de base técnica e mecânica, pelo aço e pela

eletricidade, pela medição dos tempos e movimentos dos gestos do trabalhador,

pela separação entre a concepção e a execução do trabalho. Todos esses

elementos propiciaram o desencadeamento da produção em série e em larga escala

e o modo de produção taylorista-fordista. O trabalho, nesse modelo, consistia em

atividade desenvolvida na linha de montagem, caracterizada pela rigidez e

especialização, pelo atrelamento ao modelo da profissão, à execução de papéis

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profissionais e ao conceito de qualificação do profissional, ao gigantismo industrial e

ao salário (BRAVERMAN, 1987; MATOSO, 1995; HARVEY, 2005).

Nesse contexto de intenso desenvolvimento industrial, o trabalho tornou-se

um processo racionalizado, maquinal, rotineiro. Todavia, a presença do trabalhador

como sujeito foi nesse período evidenciada pelo olhar de Friedmann (1972), cujos

estudos revelam um modelo de trabalho especializado, fragmentado, taylorizado.

Na concepção de Friedmann (1972), o trabalho associa-se a um sentido

dicotômico de liberdade e prisão. O trabalho livre é fruto do entendimento e do

controle da totalidade do processo, como ocorre, por exemplo, com o artesão.

Segundo o autor, o trabalhador, para compensar a frustração percebida no trabalho

taylorizado, busca satisfação em atividades prazerosas, plenas de interesse,

participação e significação, as quais lhe proporcionam horas de liberdade e lazer. O

tempo do trabalhador é, então, dividido entre a sujeição a atividades relativas ao

trabalho (ganha-pão) e à liberdade conquistada fora do tempo de trabalho. No tempo

livre, o trabalhador dedica-se a atividades paralelas, como os “bicos”, e a ações não

obrigatórias, livremente escolhidas, concebidas como lazer, como, por exemplo, as

de natureza familiar, social, religiosa. Segundo essa concepção, atividades como as

domésticas, de jardinagem, de manutenção do lar, quando remuneradas, constituem

trabalho, mas, quando não remuneradas, são consideradas lazer. Cabe ressaltar

que na atualidade, o trabalho doméstico sem remuneração consta na pauta de

movimentos sociais que defendem os direitos femininos em torno da garantia

previdenciária e o reconhecimento da função social das mulheres na sociedade.

Friedmann (1972) ressalta ser a subjetividade a válvula de escape do

trabalhador, observando que, “apesar da especialização e da fragmentação do

trabalho, o trabalhador não é fragmentado: guardando a sua individualidade, os

trabalhadores são maiores do que suas tarefas”. Essa ótica serviu de ponto de apoio

a Braverman (1987, p.124):

[...]os trabalhadores não são destruídos como seres humanos [...], suas faculdades críticas, inteligentes e conceptuais permanecem sempre, em algum grau [...] por mais enfraquecidas ou diminuídas que sejam.

Esse enfoque remete ao contexto do trabalho na atualidade, num momento

em que é apontado, de um lado, o enfraquecimento, em certa medida, do modelo de

produção taylorista-fordista, e, de outro, a inserção, de maneira heterogênea, do

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modelo de produção flexível, num momento em que a características individuais do

trabalhador são levadas em conta, no mundo do trabalho, como um fator de

agregação de valor à produção (TOMASI, 2004).

Na atualidade, o trabalho caracteriza-se por não mais se circunscrever a

ambientes clássicos, desenvolvendo-se por meio de atividades industriais,

comerciais e serviços, em ambientes formais e informais, reais e virtuais (internet).

Além disso, tende a açambarcar a vida privada e o tempo livre dedicado ao lazer, às

férias e à família, devido, em parte, às inovações na área da informação, da

informatização e da comunicação. As relações de trabalho mudaram, ganhando

flexibilidade nos tempos atuais, em que coexistem diferentes modalidades de

trabalho: o remunerado, não-remunerado, voluntário, formal, informal, autônomo, em

tempo parcial, integral, terceirizado. Igualmente, há que se lembrar o trabalho

infantil, o feminino e o trabalho escravo.

O trabalho, na contemporaneidade, caracteriza-se também pela valorização

dos conhecimentos e dos saberes atitudinais. O trabalho atual está deixando de

restringir-se a um posto, a uma função, a uma tarefa realizada de forma isolada,

passando a privilegiar a equipe, a rede de relacionamentos e a execução por

projeto. Essas tendências inauguram um novo cenário, com ênfase nas relações e

na comunicação, no inusitado, no acontecimento e nos serviços (ZARIFIAN, 2001).

Outra característica do trabalho contemporâneo, apontada pelo sociólogo

francês Zarifian (2001), é a tendência a contemplar a individualidade de quem o

executa, diferentemente do modelo tradicional, cuja ênfase recai sobre a efetivação

de uma função ou de uma determinada profissão. De certa forma, pode-se perceber

que o trabalho volta para o trabalhador. Trabalhar é produzir soluções de problemas

para as pessoas e instituições, nos seus diferentes tipos de atividades. O resultado

do trabalho pode ser um produto ou um serviço prestado de maneira formal ou

informal. Uma outra forma de entendimento do trabalho como prestação de serviços

é a terceirização, sujeita às demandas do contratante, atualmente usada em larga

escala pelas organizações, visando à redução de custos e ao aprimoramento da

qualidade dos produtos. A terceirização focaliza as atividades-meio, ou seja, aquelas

que não constituem a razão de ser da organização.

A terceirização é chamada por Zarifian (2003, p. 123) de “modelo do

assalariado-empresário”, ou falso empresário. O contratado é responsável pela

própria formação, manutenção e mobilização de suas competências, as quais são

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vendidas ao contratante pelo valor da prestação gerada por essa venda. Se, de um

lado, o contratado é submetido a um contrato de trabalho normal, assalariado, por

outro, a empresa contratante agirá como se o contrato fosse, de fato, comercial,

reversível a qualquer momento, julgado pelo produto que a pessoa oferece,

configurando uma nova versão de trabalho: por empreitada. Como observa Zarifian

(2003), a empresa contratante, desobrigada do compromisso com a relação

empregado-patrão, pode rescindir o contrato, alegando, entre outras coisas, que o

contratado não tem mais as competências que lhe são úteis, ou que lhe faltam

competências, em face da concorrência, ou ainda que o serviço prestado não está

mais à altura dos desempenhos esperados. Não se pode, contudo, perder de vista

que o contratado é um assalariado; não é aquele que faz realizar um trabalho, nem

tem o poder daquele que o faz. O contratado é mascarado de empresário. Com isso,

há o desaparecimento ou abandono das disposições do direito trabalhista e ocorre a

flexibilização das garantias coletivas. Nisso consiste a utilização da competência de

maneira ideológica, esclarece Zarifian (2003), bem como, a situações que remetem

à precariedade e à fragilidade da relação salarial.

A flexibilização, uma das características da fase inicial da industrialização,

pode ser vista em Braverman (1987) para quem a empreitada caracteriza-se pela

compra do trabalho como matéria-prima e não como força de trabalho. Nesse

aspecto, o passado e o presente parecem se encontrar.

Para finalizar esta breve incursão histórico-sociológica, na busca da

construção de um entendimento sobre o que é o trabalho, é pertinente lembrar os

estudos do sociólogo francês Touraine (1994), segundo o qual a Sociologia é um

diálogo inseparável das realidades da vida social em si. O autor propõe uma nova

Sociologia do Trabalho, em que o conhecimento e a informação constituem os

elementos-chave da produção. Touraine (1994) propõe uma Sociologia pós-

industrial, a revisão das concepções clássicas e a construção de um sistema

econômico mais atrelado à transformação da informação em mercadoria do que aos

bens materiais, onde a produção e a difusão dos bens culturais, saúde, educação e

informação ocupam um lugar tão central quanto o da produção de bens materiais na

sociedade industrial clássica. Como tal, há participação e exclusão, níveis sociais e

minorias. Os atores, nessa sociedade, não se definem inteiramente pelo seu

trabalho, porém, pela carreira, pelo consumo. O trabalho toma nova direção,

deixando de ser produtor de coisas:

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O trabalho aparece, por outro lado, como a participação conflituosa para um instrumento de transformação do mundo, como uma atividade de produção cultural, mais profundamente que de trocas sociais; a situação do trabalho não é um estatuto ou conjunto de papéis profissionais, mas o encontro de um sujeito, individual ou coletivo, de um poder e de uma situação de trabalho que é, às vezes, instrumental, política e cultural. O mundo operário clássico defendeu sua autonomia profissional contra o taylorismo-fordismo, assim como as crises cíclicas e a arbitrariedade patronal.

Segundo Touraine (1994), o trabalho não se restringe à realização de papéis

profissionais; o trabalho produz sociedade e, em vista disso, compreende-se que o

conceito de trabalho está e estará sempre em constante mutação. Trata-se de um

conceito em construção, em aberto, em concordância com o desenvolvimento das

sociedades.

2.1.2 Do sistema de produção rígido ao sistema de produção flexível

Os sistemas de produção ou modelos produtivos são métodos padronizados,

por meio dos quais os produtos industrializados são fabricados. Os sistemas de

produção constituem um conjunto de práticas adotadas nas indústrias e estão

sujeitos a adaptações e substituições, as quais não são definitivas nem

permanentes, pois objetivam atender às necessidades industriais, e estas são

mutáveis. A adoção de um modelo de produção implica a organização do trabalho

em seus processos e instrumentos, o perfil ou padrão de profissional adequado à

implementação do trabalho e a maneira de gerenciar os trabalhadores.

Para Gorz ( 2001), o sistema de produção é a tecnologia da fábrica e traduz a

maneira como os instrumentos de trabalho são dispostos e a forma de manuseá-los.

Segundo o autor, as técnicas de produção, a organização da produção e a divisão

do trabalho (de um lado, o patrão, executor, e de outro, o empregado, executante do

processo de produção) formam a matriz material, que, invariavelmente, reproduz,

por inércia, as relações hierárquicas de trabalho.

O panorama do desenvolvimento industrial, no final do século XIX e início do

XX, encontrava-se, por um lado, em crescimento acelerado e, por outro,

consideravelmente desorganizado e com necessidade de aumentar a eficiência das

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organizações. Objetivando compreender a construção, o propósito de comando, o

sistema de produção instituído naquele período, recorreu-se Braverman (1987).

Segundo esse autor, o engenheiro norte-americano Taylor3 (1911), analisando o

desenvolvimento do trabalho dos operários nas oficinas, concluiu que eles

aprendiam a maneira de executar as tarefas por meio da observação dos

companheiros, o que possibilitou diferentes maneiras e métodos de realização da

mesma tarefa, além de grande variedade de instrumentos e ferramentas em cada

operação. Empenhando-se em uma análise completa do trabalho, em seus tempos e

movimentos, Taylor constituiu padrões precisos de execução. Para isso, ele recorreu

a equipamentos como o cronômetro e o cronociclógrafo. O cronômetro contabilizava

o tempo que o trabalhador despendia no desenvolvimento de sua atividade; o

cronociclógrafo, por sua vez, permitia o estudo dos movimentos, por meio de

fotografia do local de trabalho e a superposição dos ritmos do movimento do

trabalhador. Logo, os gestos elementares dos trabalhadores são fundamentais nas

atividades de trabalho. Foucault (1997, p. 129), reportando-se à intencionalidade

disciplinar do corpo e do gesto, observa, quanto ao adequado emprego corporal, que

“não consiste em ensinar uma série de gestos definidos”, mas em impor:

[...] a melhor relação entre um gesto e a atitude global do corpo, que é sua condição de eficácia e rapidez. No bom emprego do corpo, que permite um bom emprego do tempo, nada deve ficar ocioso ou inútil: tudo deve ser chamado a formar o suporte do ato requerido. Um corpo disciplinado é a base de um gesto eficiente.

Logo, o trabalhador disciplinado pela imposição de gestos definidos

demonstra eficácia e rapidez, evidenciando o processo de formação de um perfil, de

uma representação.

Portanto, o modelo de produção taylorista-fordista é caracterizado pela

decomposição de cada processo de trabalho em seus movimentos componentes e

pela organização de tarefas de trabalho fragmentadas, segundo padrões rigorosos

de tempos e movimentos do trabalhador. Esse modelo de produção instaurou a

separação do trabalho entre intelectual e manual (o escritório e o chão de fábrica);

porém, a divisão social do trabalho e a especialização das tarefas não tiveram

origem em Taylor.

3 TAYLOR, Frederick Winslow. The principles of scientific management. New York, 1967.

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Marglin (2001) ressalta que a divisão social do trabalho e a especialização das

tarefas são características das sociedades complexas e não traços particulares das

sociedades industriais ou economicamente evoluídas. Na sociedade tradicional

hindu, havia a divisão do trabalho em castas e hierarquia. Assim, a divisão do

trabalho vem de longa data, porém, tornou-se referência industrial no século XX.

Um novo ciclo de desenvolvimento industrial surgiu, quando a produção

manual passou à linha de montagem, com a inserção da esteira, em 1914, por

Henry Ford, nos Estados Unidos. A tecnologia da fábrica fordista fez o trabalho

chegar ao trabalhador, fixando-o a um posto, e estabelecendo a jornada de trabalho

e o valor de salário pago (HARVEY, 2005).

Assim, em virtude das características do desenvolvimento industrial do século

XX, o trabalho marcou-se pelo sistema de produção entendido como rígido. Tal

rigidez se deve ao modo de fabricação em grande escala, de produtos padronizados

e à utilização de maquinário específico. Em vista do acelerado desenvolvimento

industrial, a demanda por trabalhadores nas minas, nas usinas siderúrgicas e nas

fábricas aumentou substancialmente. Era necessário captar trabalhadores, o que

provocou uma intensa migração de mão-de-obra dos campos agrícolas para os

centros industriais, em busca de emprego. Porém, esses trabalhadores detinham

saberes e dominavam instrumentos relativos ao trabalho manual, à agricultura, ou

ainda a determinado ofício. Surgiu o trabalhador denominado mão-de-obra, já que a

mão do trabalhador faz, obra. A mão do trabalhador se tornou uma ferramenta; sua

força física tornou-se sinônimo de trabalhador.

O trabalho nas fábricas e indústrias consistia em operar máquinas, cuja

complexidade aumentava. Nesse contexto, verificou-se a falta dos conhecimentos

que o trabalhador deveria ter, para executar o trabalho na indústria. No interior das

indústrias, os trabalhadores aprendiam seus novos ofícios e atividades, observando

os colegas de trabalho, o que indica certa desconsideração pela aprendizagem

formal dos trabalhadores. O ambiente familiar (campesino) e o da oficina eram

insuficientes para a aprendizagem de saberes pelos trabalhadores industriais

iniciantes, razão pela qual a formação para o trabalho exigiu uma agência

específica, tornando-se necessária a institucionalização do aprendizado para o

trabalho.

A escola foi o local escolhido, dada sua função de agente de socialização e de

construção do conhecimento, priorizando os discentes, suas curiosidades e

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indagações. Conhecimento sistematizado e disciplina foram considerados os

principais valores que a escola poderia oferecer e desenvolver nos alunos, nos

trabalhadores, nos operários. Uma vez que a produção se pautara por uma

organização metódica, no modelo de produção taylorista, que instituiu a separação

entre trabalho mental e trabalho manual, tais características definiram as bases da

educação para o trabalho, naquele período do desenvolvimento industrial.

No Brasil, nas décadas iniciais do século XX, tornou-se premente a

necessidade de adequação ao desenvolvimento industrial, já baseada em âmbito

mundial. Porém, a mão-de-obra brasileira não detinha conhecimentos referentes ao

mundo do trabalho fabril, por ser basicamente composta por ex-escravos,

trabalhadores rurais, imigrantes, além de crianças, que auxiliavam os adultos nas

fábricas, mas não eram capacitados ao trabalho industrial. Além disso, esse período

foi marcado por movimentos populares que exigiam ações dos governantes

brasileiros, no sentido de ampliar o sistema de ensino, facilitando o acesso à

educação por uma população constituída predominantemente por analfabetos

(80%), porque entendiam que, no saber escolar, repousava a melhor maneira de

colocação no mundo do trabalho.

Por iniciativa do governo brasileiro, as primeiras bases de um sistema de

formação profissional, nos diversos setores, foram lançadas no ano de 1909, com a

criação de dezenove escolas de aprendizes e artífices, nas principais capitais onde o

desenvolvimento industrial apresentava certa concentração. Essas escolas foram a

gênese das escolas técnicas estaduais e federais, que, em 1942, se tornaram

Centros Federais de Educação Profissional. Em 1978, esses centros foram

transformados nos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET), marcando

a implantação de uma nova modalidade de educação, de base tecnológica.

Buscava-se, assim, suprir a necessidade de formação profissional para um mundo

do trabalho em processo de modernização de tecnologias.

Os CEFETs, desde 2004, formam e qualificam profissionais no âmbito da

educação tecnológica, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, para os

diversos setores da economia. Além disso, dedicam-se à pesquisa aplicada e à

promoção do desenvolvimento tecnológico de novos processos, produtos e serviços,

em estreita articulação com os setores produtivos e a sociedade em geral.

Nas últimas décadas do século XX, foram percebidas inúmeras iniciativas e

alternativas com vistas a incrementar a educação profissional, tanto em nível

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nacional quanto internacional. Isso se deve a importantes mudanças ocorridas na

economia mundial, bem como ao intenso desenvolvimento científico e tecnológico e

às transformações no mundo do trabalho, que têm requerido um modelo de

educação capaz de recuperar a relação entre o conhecimento e a prática no

trabalho, extrapolando o mero adestramento em técnicas produtivas, dentro de um

modelo de produção que entrara em colapso, o taylorismo-fordismo.

É pertinente esclarecer que o modelo de produção taylorista-fordista dava

mostras de esgotamento, em meados dos anos de 1960, em face da rigidez do

mercado na alocação de trabalhadores e nos contratos de trabalho, gerando, entre

outros problemas, ondas de greve, questões trabalhistas, saturação de mercado e

de produtos, capacidade excedente inutilizável pelas fábricas. Em sua gênese, o

fordismo recebeu contribuições do Estado e dos sindicatos; porém, nos anos de

1970, foi abalado, devido a problemas na economia mundial, além da crise

petrolífera (HARVEY, 2005). Além disso, a tecnologia da fábrica robotizada,

informatizada, reduzia cada vez mais a participação tanto física quanto intelectual

do trabalhador.

Nesse contexto, nos anos 1980-1990, emergiram os movimentos sociais (das

mulheres, dos direitos do consumidor, da cidadania), além de movimentos políticos e

culturais, movimentos voltados para o despertar do sujeito, em vista da globalização,

pontuando uma nova realidade da vida coletiva e pessoal (TOURAINE, 2006).

Surgiram novos setores de produção e mercado, novas formas de serviços

financeiros, inovação comercial, tecnológica e organizacional. A qualidade e a

personalização dos produtos exigiram maior participação por parte do trabalhador,

autonomia e responsabilização no trabalho.

O século XXI se iniciou em meio à emergência de um modelo de produção

denominado flexível, cuja característica principal é a produção de pequenos e

variados lotes de produtos diferenciados, com o objetivo de atender a uma demanda

personalizada. Porém, a tecnologia da fábrica exige uma organização do trabalho

oposta à da produção em massa. O maquinário é universal e produz diferentes tipos

de produtos, e os trabalhadores devem ser, além de qualificados, competentes e

participantes, para terem condições de colaborar para o aperfeiçoamento e correção

dos projetos, técnicas e métodos previstos pela direção, contribuindo, dessa forma,

para que o processo de desenvolvimento de determinado produto não fique

paralisado.

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Nesse panorama, a tecnologia da fábrica flexível tem o propósito de destacar

o novo, a criatividade, o efêmero, deixando para trás as intensas transformações

advindas da contagem do tempo e dos movimentos pelo cronômetro de Taylor e do

controle da esteira rolante de Ford, que prescindiam da capacidade inventiva e

participativa do trabalhador. Com o advento da fábrica flexível, em certa medida, o

trabalhador passou a sujeito do processo de trabalho, convidado a participar,

conhecer, opinar no processo produtivo. Com a “volta do trabalho ao trabalhador”, é

essencial que o profissional compreenda o processo produtivo. Há no trabalho

contemporâneo a tendência à inserção da robotização e da informatização,

originadas do desenvolvimento científico e tecnológico. Na verdade, em todas as

áreas, são exigidas outras capacidades, tanto daqueles que pensam a tecnologia

quanto dos que entram em contato com ela, de uma maneira ou de outra.

Os saberes tão valorizados no passado, conferidos pela profissão e pelas

experiências profissionais (pouco ou nada diversificadas), continuam relevantes, em

termos de qualificação. Exige-se a elevação do grau acadêmico e de experiências

profissionais diversificadas, além de capacidade para lidar com a mudança e com a

flexibilização, competências que conferem valor ao trabalhador.

Além dessas capacidades, outras são requeridas: a tecnologia da fábrica

incentiva a iniciativa e a participação, já que ocorrem imprevistos causados tanto

pelos equipamentos informatizados, robotizados, quanto pelos usuários dos

serviços. A organização do trabalho isolado perdeu espaço, entrando em cena o

compartilhamento, a responsabilidade, a autonomia, o trabalho em equipe, por

projeto e em rede. São igualmente necessários outros saberes, relacionados com as

atitudes e os comportamentos do trabalhador. Com a valorização das atitudes e

comportamentos, entra em cena o chamado saber-ser, que compreende, por

exemplo, a participação, a comunicação, a responsabilização, a autonomia,

aspectos demonstrados pelo trabalhador em suas atitudes em face da realidade em

geral (ZARIFIAN, 2001). O saber-ser, somado à exigência dos conhecimentos

(saber) relativos à profissão e à experiência profissional, preferencialmente

diversificada (saber-fazer), resulta na chamada competência.

Então, a escola precisa e sempre precisou cumprir, além do seu papel de

agente de construção social do saber, o de desenvolver a capacidade crítica em

seus discentes, uma vez que “saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar

as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”, como destaca

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Paulo Freire (1999, p.52). É preciso preparar o indivíduo para o trabalho, de maneira

ampla, politécnica, cidadã, para que o trabalhador, dotado de uma educação global,

participe de maneira ativa, não só no mundo do trabalho, mas na vida em

comunidade, em sociedade, pois, como ressalta Touraine (1994), o trabalho hoje

não se limita a papéis profissionais.

Nesse contexto, torna-se imperiosa a reflexão sobre os rumos que a

sociedade tomará, sobre o modelo pedagógico-educacional mais adequado a uma

realidade permeada por profundas e constantes mutações, tanto em termos técnicos

e tecnológicos, como nos hábitos de consumo, nos gostos e necessidades, nos

valores éticos, nas configurações geográficas, pois o saber, a pesquisa, o

conhecimento e sua aplicação tornaram-se questão de soberania nacional.

A educação é o meio para o desenvolvimento da consciência e a valorização

do homem, concorrendo para a construção da criticidade e da cidadania. Objetiva

despertar as capacidades do educando, do indivíduo, do trabalhador para a criação,

o desenvolvimento e a implantação de um projeto educacional que priorize as

capacidades de saber, de saber-fazer e de saber-ser, ou seja, competências,

formando trabalhadores capazes de extrapolar os papéis profissionais a serem

desempenhados no mundo do trabalho.

É pertinente retomar Touraine (1994), para quem o trabalho tem a função

histórica de instrumento de ruptura decisiva com a imagem da sociedade como uma

civilização ou uma concepção de mundo. Nessa concepção, o trabalho, é visto como

agente de transformação do mundo, como atividade de produção cultural, como

produtor de sociedade. Para tanto, é preciso que o trabalhador seja preparado não

apenas para desempenhar papéis profissionais nas instáveis emergências

produtivas e mercadológicas, razão pela qual é preciso recorrer às funções

educativas globais da escola e formar sujeitos ativos, que vivam de maneira crítica,

participativa, cidadã. É preciso uma educação ampla, profunda, como, por exemplo,

a apontada na Proposta de Políticas Públicas para a Educação Profissional e

Tecnológica (2003, p.17), do Ministério da Educação:

[...] que preencha estágios formativos construídos nos processos básicos dos valores inerentes ao ser humano, privilegiando as vertentes da tecnologia pelo trabalho e da inovação tecnológica, bem como, admitindo o trabalho como categoria de saber e de produção, que se organiza de maneira inovadora provocando mudanças tecnológicas.

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É preciso lembrar que, em face do novo padrão tecnológico, a educação tem

sido alvo de duras críticas por parte de organismos e órgãos internacionais e pelos

empresários, por estar desatualizada e em descompasso com as necessidades

atuais da sociedade, como observa Ferretti (2002). As críticas se originaram da

reflexão em torno do papel que caberia à educação desempenhar, em face das

profundas transformações vivenciadas continuamente pela sociedade e,

especificamente, pelo mundo do trabalho.

Cabe ressaltar que, se no passado a educação era eminentemente formativa,

preparando os indivíduos para o exercício de uma determinada profissão, se era

concebida com um caráter predominantemente informativo e limitado, isso acontecia

porque o conteúdo de que o trabalhador necessitava e que lhe era determinado não

exigia um pensamento crítico e capacidade inventiva. A formação educacional

centrava-se no posto de trabalho e na execução de tarefas, nos saberes

profissionais formais, na qualificação.

Nesse contexto, Saviani (2002) alerta para as concepções de educação e de

escola responsáveis pelo “caráter improdutivo” da educação, se entendida como um

bem de consumo e objeto de fruição. Por outro lado, observa que o processo

educativo voltado para as necessidades de hábitos civilizatórios e para o

desenvolvimento progressivo das sociedades tem um papel político formador da

cidadania.

Assim, a Educação, ao ser vista como prática social inserida de forma

dinâmica num contexto histórico, social, econômico, político e cultural, é permeada

pelas características da sociedade na qual se desenvolve. A educação nos tempos

modernos está, portanto, inter-relacionada com a ciência e a tecnologia, obviamente

em função do mundo do trabalho.

A tecnologia da fábrica, no modelo de produção rígido, consistia na

fabricação, em grande escala, de produtos padronizados, com a utilização de

maquinário específico. Para operacionalizá-la, demandava uma mão-de-obra fixa em

determinado posto de trabalho, desenvolvendo tarefas repetitivas. O modelo de

trabalhador, de acordo com o propósito de comando, deveria ser passivo, dócil e

acrítico. À medida que foi evoluindo, passou a demandar também qualificação.

Com o advento do modelo flexível, a produção tornou-se informatizada,

robotizada, consistindo em lotes pequenos e particularizados de produtos. Passou a

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exigir do trabalhador a compreensão do processo produtivo, além de atitudes e

comportamentos como participação, comunicação, criatividade e outras

competências. A confluência de todos esses elementos levou a um abrandamento,

a uma substituição de maneira heterogênea do modelo taylorista-fordista, limitada a

alguns setores produtivos e diversificada no interior de cada um.

2.1.3 Do gerenciamento da mão-de-obra à gestão de pessoas

É de longa data o gerenciamento, embora de maneira rudimentar, de grandes

turmas de trabalhadores. Obras como as Pirâmides do Egito, a Muralha da China e

as Catedrais da Idade Média evidenciam o resultado da atividade de agrupamentos

de pessoas, em busca da realização de objetivos.

O gerenciamento, no passado, era entendido como um conjunto de

procedimentos atribuídos pelo administrador a um executor, em função da divisão do

trabalho. O gerenciamento focalizava, basicamente, o desempenho dos

trabalhadores no trabalho. Ao gerente, por sua vez, cabiam as tarefas de comandar,

direcionar, coordenar e controlar a ação dos trabalhadores. Termos como:

funcionários, empregados, pessoal, trabalhadores, mão-de-obra, operários, recursos

humanos, colaboradores, associados, talentos, capital humano, capital intelectual e

outros derivam da maneira como os trabalhadores são vistos e gerenciados, em

diferentes épocas no mundo do trabalho.

A gerência de Taylor constituiu o marco da estruturação e formalização da

condução de trabalhadores. Essa gerência focava a tarefa, a eficiência, os métodos

e, de maneira mecânica e rígida, estabelecia princípios de eliminação do

desperdício, aumento da eficiência e diferenciação entre concepção e execução.

Além disso, delineava o cargo baseado na premissa ‘o que fazer’ em cada nível da

hierarquia. O cargo, concebido sob controles administrativos, regras, imposições e o

próprio comando do supervisor, restringia a atuação do trabalhador como pessoa,

criando forte dependência e submissão ao superior. Assim, pouca ou nenhuma das

aptidões vinculadas à auto-expressão individual, contatos pessoais ou à capacidade

cognitiva eram consideradas (BRAVERMAN,1987).

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Taylor, interessado prioritariamente na eficiência, designava como “ótimo dia

de trabalho” todas as atividades que um operário podia desenvolver, sem dano à

sua saúde, em um ritmo possível de ser mantido durante a jornada de trabalho. Os

trabalhadores, por sua vez, reagiram e ditavam o próprio ritmo de trabalho,

oferecendo resistência às práticas tayloristas. No entendimento de Taylor, a adoção

de um ritmo lento de trabalho, o maior obstáculo para atingir o padrão de produção

estipulado, se devia à vadiação, à moleza, ao marca-passo natural dos

trabalhadores (BRAVERMAN, 1987). Por outro lado, em termos mais neutros, como

diz Marglin (2001) a preguiça e a indisciplina poderiam representar a preferência dos

trabalhadores pelo lazer.

Assim, na concepção de Taylor, o trabalhador é indolente e preguiçoso por

natureza, evitando o trabalho ou trabalhando o mínimo possível, em função de

recompensas salariais; é alguém sem autonomia e responsabilidade, razão pela

qual a figura do gerente é necessária, para dirigi-lo e controlá-lo, pois os objetivos

individuais dos trabalhadores opõem-se aos objetivos da empresa.

Por outro lado, os indivíduos tornados trabalhadores nas fábricas provinham

dos mais diferentes ofícios e classes sociais; eram camponeses expulsos de suas

aldeias, soldados licenciados, indígenas sob custódia das paróquias, o refugo de

todas as classes (MARGLIN, 2001). Esses indivíduos não detinham os saberes

relativos à fábrica, porém, possuíam força física para movimentá-la por meio do uso

de suas mãos. Como ferramentas de trabalho, esse trabalhador contava com

aptidões manuais ou musculares (a força física das suas mãos). Na verdade, ele

próprio tornara-se uma ferramenta, um apêndice de máquinas e de equipamentos –

um mão-de-obra.

Com Taylor, a ênfase nas tarefas aliadas aos controles definia as práticas

para regular os trabalhadores no interior das organizações; vistos como mão-de-

obra, os trabalhadores eram considerados fatores inertes e estáticos de produção.

Posteriormente à gerência taylorista, surgiu Henry Ford com a esteira rolante,

segmentando as tarefas em menores componentes, de forma a impor ao trabalhador

a repetição de tarefas, incansavelmente (BRAVERMAN, 1987; HARVEY, 2005).

Assim, configurava-se o modelo taylorista-fordista de gerenciamento de mão-

de-obra, englobando práticas administrativas de pessoal, admissão, demissão,

pagamento de salário e outras. Funções auxiliares como controle de material,

contabilidade e expediente eram realizadas pelos proprietários das empresas, ou

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pelos guarda-livros. Segundo Daft (1999), com Henri Fayol4, os princípios de

ordenação hierárquica do fluxo de autoridade e de informação deram origem a um

sistema; com a Teoria da Burocracia de Weber5, voltada para a racionalidade e a

eficiência, emergiu a estrutura funcional em departamentos especializados. Além

disso, as funções administrativas de pessoal estruturaram-se. Surgiram o

departamento de relações industriais, a estabilidade, a rotina e a manutenção, cujas

características fundamentais são estritamente de seleção, registro e controle de

pessoal. Marcadas pela centralização das decisões, suas ações eram voltadas para

o estabelecimento de regras e de regulamentos internos, destinados a disciplinar e

padronizar o comportamento dos trabalhadores.

O gerenciamento dos trabalhadores como mão-de-obra, estabelecido nos

moldes tayloristas-fordistas, com ênfase nas tarefas e na estrutura, modernizou-se

com as contribuições de áreas do conhecimento como a Psicologia, Sociologia e

Direito Trabalhista, passando a enfatizar as pessoas e suas diferenças individuais.

O gerenciamento de trabalhadores com ênfase nas pessoas sofreu influências

da Psicologia, representada pela Escola de Relações Humanas (1932), com as

experiências Elton Mayo6 e Kurt Lewin7; da Teoria Comportamental (1950) de

Herbert Simon8; da Sociologia Industrial (1946) representada por Georges

Friedmann (1972) e Pierre Naville (1956). Posteriormente, chamada de Sociologia

do Trabalho, passou a enfatizar o valor da qualificação profissional (discutida no

próximo capítulo), da legislação trabalhista resultante da intervenção do Estado e da

atuação dos sindicatos, que estabelecem os direitos e deveres a serem cumpridos

pelo patrão e pelo empregado. Nessa área, no Brasil, surgiram inúmeros órgãos,

como o Departamento Nacional do Trabalho, (mais tarde tornado Ministério do

Trabalho), além de vários decretos sobre as relações trabalhistas (como o

estabelecimento de férias e a instituição da carteira de trabalho). Tais ações

culminaram, em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (FISCHER, 2002,

ALBUQUERQUE,1987).

4 FAYOL, Henri. Administração industrial e geral. São Paulo: Atlas, 1964. 5 WEBER, Max. The theory of social and economic organization, Talcott Parsons, org., New York, Oxford University Press, 1947. 6 MAYO, Elton. The human problems of an industrial civilization, New York, The Macmillan Co., 1933 7 LEWIN, Kurt. Principles of Topological Psychology, Nova York, McGraw-Hill Book Co., 1936. 8 SIMON, Herbert A. O comportamento administrative, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1974.

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A Escola das Relações Humanas examina o comportamento humano no

trabalho e sua produtividade; foca o comportamento social das pessoas, os grupos

informais e as relações humanas na empresa. Considerada prescritiva, normativa e

manipuladora, enfoca a liderança e a motivação das pessoas para alcançar os

objetivos organizacionais, perdendo espaço para as Ciências Comportamentais

(behaviorismo, comportamentalismo). Com visão explicativa e descritiva, o

comportamentalismo enfoca a organização e seus diferentes integrantes,

desenvolvendo modelos de motivação, liderança, comunicação, raciocínio e de

tomada de decisão, à escolha do gestor, em face das diferentes situações no

trabalho (DAFT, 1999, TOLEDO, 1992).

Daft (1999) reportando-se às teorias de gerenciamento de Recursos Humanos

destaca as Teorias X e Y de McGregor9. A primeira, em consonância com a

abordagem clássica taylorista-fordista, considera que as pessoas são preguiçosas e

indolentes; evitam a responsabilidade, a fim de se sentirem mais seguras; precisam

ser controladas e dirigidas; são ingênuas e sem iniciativa. A Teoria Y, por sua vez,

em direção oposta, defende o entendimento de que as pessoas são esforçadas e

gostam de ter o que fazer; o trabalho pode ser uma fonte de satisfação e de

recompensa, quando voluntariamente desempenhado, ou uma punição, quando é

desagradável, sendo então evitado. A aplicação do esforço físico ou mental em um

trabalho é tão natural quanto jogar ou descansar. As pessoas não são, por natureza

intrínseca, passivas ou resistentes às necessidades da empresa; tornam-se assim

como resultado de sua experiência profissional negativa em outras empresas. As

pessoas procuram e aceitam responsabilidades e desafios; podem ser motivadas e

autodirigidas; são criativas e competentes. A Teoria da Motivação desenvolvida por

Maslow10 hierarquiza as necessidades humanas sob a forma de uma pirâmide: na

base situam-se as necessidades fisiológicas, seguidas pelas de segurança,

consideradas necessidades primárias; seguem-se as necessidades sociais, de

estima e de auto-realização, entendidas como secundárias.

Com isso, o gerenciamento dos trabalhadores passou a valorizar aspectos

humanos e sociais como: liderança, comunicação, motivação, grupos e equipes,

cultura e clima organizacionais. Na mudança do estilo de gerenciamento da Teoria X

para a Teoria Y, mudaram as tarefas e funções do gerente, os métodos, os fins e os

9 McGREGOR, Douglas. The human side of enterprise. New York, McGraw-Hill Book Co., Inc.,1946 10 MASLOW, Abram H. Motivation and personality, New York, Harper & Row, Publishers, 1954

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objetivos a serem alcançados. A concepção de cargo foi revista, passando seu

ocupante a ser focado como membro de um grupo social. As condições sob as quais

é desempenhado o cargo tornaram-se objeto de maior consideração, buscando-se

maior interação entre os trabalhadores e seus superiores, bem como sua

participação em decisões relacionadas com a execução das tarefas, visando a

satisfazer as necessidades individuais e motivar os trabalhadores. O superior, por

sua vez, é encorajado a desenvolver entre os subordinados o espírito de equipe,

com vistas à coesão e à minimização dos conflitos. Porém, nessa abordagem, não

houve modificação na concepção de tarefa e das condições em que é

desempenhada, enfocando não o trabalho em si, mas as pessoas. Nessas

condições, a abordagem torna-se superficial, uma vez que não se detém na maneira

como as pessoas trabalham (DAFT, 1999; TOLEDO, 1992, FISCHER, 2002).

A concepção de trabalhador como mão-de-obra, ator inerte de produção, cede

lugar à concepção de trabalhador como recurso vivo e inteligente, um recurso

humano. O trabalhador é o recurso (humano) mais importante da produção, e como

recurso deve ser administrado. O departamento de relações industriais passou a

departamento de pessoal, administrando recursos humanos (TOLEDO, 1992). De

acordo com Fischer (2002), entrou em cena a avaliação de desempenho, e especial

atenção passou a ser dedicada a aspectos tais como: pesquisa salarial, relações

interpessoais e estímulo ao desenvolvimento de perfis gerenciais coerentes com o

processo de administração de recursos humanos definido pela empresa. A

expressão human resource management começou a ser usada nos Estados Unidos

a partir de 1950, criada pela NCR Corporation, significando o gerenciamento dos

funcionários como custos. A expressão é empregada em empresas brasileiras. O

gerenciamento com ênfase nas pessoas, como modelo humanista, predominou até

os anos 1960 e 70.

Nas décadas de 1970 e 80, no mundo do trabalho, despontaram substanciais

mudanças, frutos do desenvolvimento científico e tecnológico, da mundialização da

economia e de outros elementos. Houve o reconhecimento da influência do

ambiente externo (concorrentes, clientes, fornecedores) sobre o interno e maior

preocupação com as pessoas nas organizações e com seu futuro. Segundo

Albuquerque (1987), o foco do gerenciamento de trabalhadores tornou-se

estratégico nas empresas mais bem estruturadas na área de RH.

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Na mesma linha de pensamento, Fischer (2002) ressalta a importância de que

os recursos humanos alocados nas empresas sejam ajustados o melhor possível às

políticas empresariais, sendo reconhecida a contribuição dos trabalhadores na

solução dos problemas organizacionais.

Cabe ressaltar que muito embora o trabalhador passe a ser visto como

parceiro, colaborador e não obstante motivado e satisfeito, ele não pode intervir na

estratégia corporativa (ALBUQUERQUE, 1987, FISCHER, 2002). A ele cabe o papel

de executor de uma estratégia estabelecida pelos administradores.

Fleury & Fleury (2004) observam que, nesse período, foram novamente

revistos o conceito de cargo, surgindo grupos semi-autônomos, integrados por

profissionais qualificados, com certa autonomia para negociação e decisão, e o

conceito espaço ocupacional, que, segundo Dutra (2004), compreende um conjunto

de atribuições e responsabilidades solicitadas a uma pessoa que ocupa determinada

posição num sistema empresarial.

No período entre 1980-1990, em função do acirramento da competitividade

entre países e empresas, a produção flexível firmou-se. Elementos como vantagem

competitiva, estratégia competitiva, reengenharia e reestruturação geraram um

conceito de trabalhador como diferencial mercadológico e, como tal, capital humano

e intelectual. Além disso, as organizações, com foco na atividade-fim, motivo da

existência da empresa, passaram a transferir a atividade-meio de recrutamento e

seleção de trabalhadores para os prestadores de serviços especializados (agências

de emprego, consultores de recursos humanos), nesta investigação denominados de

serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores - R&S.

Fleury & Fleury (2004) observam que, nesse período, o gerenciamento de

trabalhadores tendeu a se assentar no modelo japonês. Nesse sentido, a

responsabilidade pela execução do trabalho passou a ser atribuída ao grupo e não

ao indivíduo, levando à quase inexistência do posto de trabalho. A organização do

trabalho, no modelo japonês, é inspirada na visão taylorista-fordista, no que tange à

racionalização dos processos de trabalho; contudo, é diferenciada quanto à

valorização da participação do trabalhador nas inovações tecnológicas; quanto à

aprendizagem e para o desenvolvimento do conhecimento do trabalhador ligado à

equipe de trabalho; quanto à autonomia, ao envolvimento com o grupo e à

multifuncionalidade do trabalhador. Tal modelo não é centrado no posto de trabalho,

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mas na equipe e na mobilidade dos trabalhadores entre postos e funções. (HIRATA,

1991; CORIAT, 1994).

A reestruturação produtiva surgiu então no contexto industrial,

compreendendo um conjunto de técnicas, instrumentos e estratégias para controlar

o processo produtivo e maximizar o retorno dos recursos investidos. Dentre essas

inovações, destaca-se a reengenharia de processos, que consiste num redesenho

do processo produtivo e numa nova racionalização das atividades, traduzida na

redução do tempo de entrega de produtos, na busca da satisfação do cliente e da

lucratividade. Provocou, conseqüentemente, um enxugamento das atividades e

funções, reduzindo o quantitativo de trabalhadores empregados.

Essas transformações demandam, necessariamente, maior eficácia gerencial.

Nesse contexto, ao gerente cabe conduzir as equipes de trabalho. O trabalho em

equipe estabelece, entre outros elementos, o objetivo definido e aceito pelos

membros, as decisões colaborativas e funções de liderança compartilhadas, razões

pelas quais o gerente precisa desenvolver habilidades motivacionais,

comunicacionais e de liderança. Isso remete a uma reavaliação da função de

controle efetuada pelo gerente taylorista e a certa ruptura com a organização do

trabalho baseado no cargo, já que as características das atividades passaram de

autômatas para autônomas; do isolamento para a participação e da submissão para

a responsabilização. As mudanças no gerenciamento dos trabalhadores dizem

respeito a unidades de trabalho, que mudam de departamentos funcionais para

equipes de processos; os serviços mudam de tarefas simples para trabalhos

multidimensionais; os papéis das pessoas mudam de controlados para autorizados;

os gerentes passam a supervisores e instrutores; os executivos, de controladores

para líderes. (ALBUQUERQUE, 1987, 2002; FISCHER, 2002; DUTRA, 2004 )

Com tais mudanças, a estrutura organizacional tornou-se fluida, ágil, flexível e

descentralizada. A capacidade de mudança, a inovação e a valorização do

conhecimento e da criatividade do trabalhador são a tônica. Os trabalhadores são

vistos como pessoas, como seres humanos proativos e inteligentes e devem ser

impulsionados. O comprometimento e a liberdade são elementos a que as

organizações recorrem para motivar as pessoas que nelas trabalham (FISCHER,

2003, DUTRA,2004). Há a valorização de profissionais que demonstrem autonomia,

iniciativa, responsabilidade, além da capacidade de enfrentar situações inusitadas,

de complexidade crescente. Emerge o evento, a comunicação e o serviço

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(ZARIFIAN, 2001). As atitudes e os comportamentos do trabalhador, até então

deixados de lado, são incorporados ao novo perfil profissional que o trabalhador

deve ter: de obediente, disciplinado e qualificado, passa a autônomo, empreendedor

e competente. (TOMASI, 2004; DADOY, 2004).

Em face dessas mudanças, o foco do gerenciamento dos trabalhadores passa

para desenvolvimento mútuo: de um lado, a empresa, ao desenvolver-se,

desenvolve as pessoas; de outro, as pessoas, ao desenvolverem-se, desenvolvem a

empresa. O trabalhador é visto como gestor da própria relação com a empresa, do

próprio desenvolvimento e da própria carreira. (DUTRA, 2004). Dessa forma, os

trabalhadores mobilizam bem mais que músculos e inteligência: [...] todo o seu

potencial criador e capacidade de interpretar o contexto e de agir sobre ele (DUTRA,

2004, p. 17). O gerenciamento de trabalhadores como gerenciamento da mão-de-

obra parece ficar para trás, entrando em ação a gestão das pessoas e das

competências.

2.1.4 O processo de recrutamento e seleção de trabalhadores

Como visto, o gerenciamento de trabalhadores mudou seu foco, em função de

uma nova concepção do trabalhador, das pessoas e do seu desempenho no

trabalho. A tecnologia da fábrica depende das pessoas. O mandante e o executor

são pessoas iguais, como gênero humano, embora possuam características

individuais, que as tornam distintas entre si. As pessoas, como indivíduos diferentes,

apresentam semelhanças e dessemelhanças, dependendo das crenças, dos

valores, da cultura, da linguagem, da aprendizagem, do comportamento, dos

saberes profissionais, da história de vida de cada um. Esse entendimento, no

processo taylorista-fordista de recrutamento e seleção de trabalhadores, era

evidenciado sob o aspecto dos costumes e hábitos do candidato, por exemplo.

Villela (2008) observa que, historicamente, podem ser percebidas algumas

práticas elementares de recrutamento e seleção de trabalhadores: no Egito, na

época da construção da pirâmide Quéops, entre 2551-2528 a.C, foram recrutados

compulsoriamente 100 mil homens livres, em rodízio de três meses, já que o

trabalho escravo era insuficiente para manter a estrutura faraônica. Foi então

construída a corvéia, atividade exploratória que controlava fortemente o trabalho

desenvolvido por homens não-escravos. Esses indivíduos livres, que exerciam

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profissões variadas, eram compulsoriamente recrutados para trabalhar em obras

públicas, canais de irrigação e agricultura. Outro exemplo é a Muralha da China,

iniciada em 206 a.C., a qual, no auge da construção, contava com 700.000 pessoas

excluídas do povo, as quais eram recrutadas compulsoriamente para trabalhar na

construção de obras públicas e no serviço militar. Também a Catedral de Notre

Dame, na França, cuja construção iniciou-se em 1163, recrutou artesãos mais

habilidosos, supervisionados por um mestre construtor, acompanhado de trinta

artesãos especialistas. Os artesãos se reuniam nas associações de trabalhadores

de diferentes ofícios, as Corporações de Ofício, cujas origens remontam ao mundo

romano, onde os artesãos desenvolviam e fortaleciam suas atividades, sob

ordenação rígida, além de regulamentação que estabelecia o conceito de ofício, os

mecanismos de produção e quem poderia exercê-la, sob a determinação de um

grupo de conselheiros. Os trabalhadores eram recrutados desde a fase de

aprendizagem, seguindo uma linha hereditária, na qual os pais transmitiam aos

filhos seus ofícios. Eram organizadas em mestre, oficial e aprendiz, com idade entre

12 e 15 anos, sob a supervisão de um só mestre (OLIVEIRA, 1998).

Segundo Villela (2008), o marco de um modelo primitivo de recrutamento e

seleção foi encontrado na China, na dinastia Han, no ano 207 a.C. O Imperador,

usando da premissa ‘dividir para reinar’, dividiu o território chinês em províncias,

geridas por funcionários do poder central. Para ocupar os cargos referentes a tarefas

e atividades de cobrança e arrecadação de impostos, administração de recursos,

entre outras, instituiu a seleção de candidatos por meio de concurso público,

baseado no mérito, no apadrinhamento e na indicação, criando uma longa e

detalhada descrição da função de servidor público.

A conclamação do Imperador chinês Wu Di fornece indícios dos princípios

que envolviam aquelas práticas de recrutamento e seleção, de certa forma,

presentes na atualidade:

Queremos heróis! Trabalhos excepcionais exigem homens excepcionais. Um cavalo indócil pode vir a tornar-se um animal valioso. Um homem que é objeto de ódio pode mais tarde realizar grandes obras. O que acontece com o cavalo intratável passa-se também com o homem arrogante: é apenas uma questão de treinamento. Nós, desse modo, ordenamos aos funcionários distritais que procurem homens de talento brilhante e excepcional para se transformarem em nossos generais, nossos ministros e nossos emissários aos Estados distantes. (MORTON, 1986, p. 75)

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Esse discurso revela que quem faz realizar o trabalho demanda os melhores

trabalhadores, porque o trabalho a realizar é excepcional e, para isso, há um modelo

de trabalhador: um herói, valioso pela docilidade; não sendo, é uma questão de

treinamento. Por outro lado, os registros arqueológicos mostram que tal

conclamação e os esforços dos funcionários distritais, embora estabelecessem um

método de recrutamento e seleção, não foi suficiente. As contratações foram poucas

e não funcionaram como esperado. Para Fernandez-Araóz11 (1999), “é impossível

transformar o processo de contratação de uma pessoa em uma ciência”, ou seja, o

processo de contratação de pessoas não tem um resultado exato, não se configura

em um estudo sistematizado. Então, embora se recorra a uma série de práticas que

busquem lógica e previsibilidade no processo de contratação, o sucesso continua

indefinido, conforme sugere o índice de 30% a 50% de demissão ou renúncia na

admissão de executivos.

A literatura pesquisada sobre a gerência de Taylor revela que os princípios

que sustentavam as práticas de recrutamento e seleção tayloristas consistiam em

simplificar e fragmentar tarefas, facilitando sua execução.

Taylor(1967) buscava “o que fazer” e “uma melhor maneira” de fazer as

tarefas, delineando o cargo. As caracterísiticas pessoais avaliadas no processo de

recrutamento e seleção de trabalhaores configuravam um perfil obediente e

disciplinado. O trabalhador, confinado a um cargo isolado e submetido aos controles

administrativos, às regras, às imposições e à hierarquia, era impedido de atuar como

pessoa “detentora de qualidades contextualizadas em situação de trabalho, tais

como curiosidade, rigor, reatividade”, como aponta Le Boterf, (2003, p.124).

Notadamente, era requerido o gesto do trabalhador, seus movimentos em

tempos e tarefas pré-estabelecidas. O importante era recrutar mão-de-obra, e essa

“mão” precisava fazer executar, tanto no chão de fábrica quanto no escritório.

Porém, a ‘mão’, ou seja, o trabalhador, deveria ser dócil, com perfil semelhante ao

demandado pelo Imperador chinês. Para assegurar a eficiência, o trabalhador seria

treinado, tornando-se um ‘animal’ valioso, restrito ao posto de trabalho, adequado

para o trabalho repetitivo.

11 Possui mais de 30 anos de experiência na área de headhunting; foi eleito pela Revista Business Week, de 25/03/2008, o 13o em uma lista de 50 caça-talentos mais influentes do mundo. Trabalha numa prestadora de serviços de recrutamento e seleção com sede em Zurique, Suíça, fundada em 1964, atuante em 37 países.

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Braverman (1987), citando os princípios da administração científica de

Taylor12(1967) para a seleção científica de mão-de-obra, observa que estava

centrado na condição física do trabalhador, valorizando o perfil de profissional

submisso (tipo do boi). A seleção constava de “apanhar um entre os tipos comuns

que são especialmente apropriados para esse tipo de trabalho”. Quanto às práticas

da seleção científica, cabe aludir a regra inflexível estipulada por Taylor, citado por

Braverman (1987, p.96):

[...] conversar e tratar com um candidato de cada vez, visto que cada operário tem suas capacidades e limitações especiais, e visto que não estamos tratando com homens em massas, mas tentando desenvolver cada indivíduo ao seu mais alto estado de eficiência e prosperidade.

Portanto, para assegurar o princípio do candidato apropriado ao tipo de

trabalho, o entrevistador recorria à prática da entrevista individual, na avaliação das

características do trabalhador.

Assim, o processo de recrutamento e seleção de trabalhadores consistia em

encontrar a ferramenta/pessoa certa, para a máquina, equipamento, cargo certos.

Braverman (1987) reporta que a seleção do trabalhador tinha como objetivo

encontrar o homem adequado para a função, e, para isso, era imprescindível

observar cuidadosamente e estudar os candidatos detidamente, a fim de escolher

aqueles que aparentavam aptidão física para o trabalho. A vida pessoal, no tocante

ao caráter, hábitos e ambições, era também objeto de investigação. Características

pessoais como dedicação, empenho, persistência e seriedade eram consideradas

como bons indicadores na seleção do operário, denotando que ele aplicaria essas

atitudes no desenvolvimento do trabalho, num modelo cerceador e controlador.

As características pessoais dos trabalhadores não eram levadas em

consideração na execução do trabalho, ou seja, o trabalhador não era visto como

um participante ativo do processo tendo em vista o modelo de comportamento

esperado, com gestos e atitudes requeridos, massificantes. Logo, no processo de

recrutamento taylorista, alguns aspectos comportamentais dos trabalhadores

julgados desejáveis tornaram-se indicadores de desempenho e de seleção. De

Taylor, ficaram princípios como o cargo (demanda da empresa a ser satisfeita) e a

busca da pessoa certa para o cargo certo (perfil do trabalhador). Esses princípios,

12 TAYLOR, Frederick Winslow. The principles of scientific management. New York, 1967.

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assentados nas práticas de recrutamento e identificação da pessoa certa

(candidato), são aplicados em entrevista individual, buscando analisar as

características pessoais do trabalhador (seleção), que serão julgadas adequadas ou

não pelos selecionadores para a possível ocupação do cargo ( comparação entre

candidato e perfil). Esses aspectos constituem um modelo norteador do processo

seletivo, cuja lógica denota, entre outras coisas, a busca de previsibilidade na

contratação de pessoas por meio de um processo intitulado recrutamento e seleção

de trabalhadores.

Nos anos 1960 e 70, o gerenciamento dos trabalhadores, com as

contribuições da Psicologia, da Sociologia Industrial e da Legislação Trabalhista,

passou a enfocar mais as pessoas. O trabalhador passou a ser visto como um

recurso humano, vivo e inteligente. Por essa razão, os princípios que sustentavam

as práticas até então estabelecidas pelo modelo taylorista, no processo de

recrutamento e seleção de trabalhadores, foram aprimorados (ALBUQUERQUE,

1987; FISCHER, 2002).

Primeiramente, o cargo, elemento central do processo de recrutamento e

seleção, sofreu alterações, passando o foco das tarefas para as pessoas,

priorizando o ocupante do cargo, a pessoa designada para desempenhá-lo. O

incentivo, a motivação e a capacidade de interação das pessoas, relacionados à sua

participação em decisões na execução das tarefas, tornaram-se características

essenciais; porém, o conteúdo do trabalho foi mantido sob controle, no padrão

taylorista (TOLEDO, 1992). Em vista disso, à prática da entrevista individual foram

acrescentados testes de personalidade e testes psicotécnicos, buscando desvendar

o intelecto e a personalidade do candidato, por meio da análise de suas reações,

comparadas a dados catalogados; todavia, tais testes apresentavam empecilhos,

como tempo, custo e necessidade de psicólogos para aplicação. O questionário de

personalidade, de prática mais simplificada, consistindo em uma série de perguntas

em torno de situações práticas de vida, passou a ser era usado. Também os

saberes escolarizados e outros saberes adquiridos na trajetória profissional do

indivíduo, eram igualmente aspectos destacados e exigidos do trabalhador, por meio

de prova de conhecimentos específicos e apresentação de diplomas. O cargo,

elemento central do processo de recrutamento e seleção tayloristas, manteve-se

como critério. Apesar de o enfoque humanista permear o cargo, conduzindo a novas

práticas, permaneceu o princípio da pessoa certa para o cargo certo. A legislação

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trabalhista estruturou o contrato de trabalho, em que os direitos e deveres do

contratado e do contratante unem-se legalmente ao cargo (ALMEIDA, 2004,

ALBUQUERQUE,1987).

Nas décadas de 1970 e 80, abriu-se nova fase no gerenciamento de

trabalhadores, que passaram a ser vistos como elementos estratégicos,

colaboradores, parceiros capazes de contribuir para a solução dos problemas

organizacionais. O recrutamento e a seleção, nesse contexto, alinhavam-se à

estratégia da organização, conciliando os interesses envolvidos, em busca de um

profissional participativo e fornecedor de conhecimentos. O cargo, revisto sob a

abordagem sócio-técnica, passou a ser percebido em sua dimensão social,

considerando as pessoas com suas características físicas e psicológicas, bem como

as relações sociais e informais. O aspecto técnico, por sua vez, referente ao

conhecimento e às habilidades técnicas exigidas pelo maquinário e insumos da

produção, possibilitava a inserção de grupos semi-autônomos, profissionais

qualificados, com certa autonomia e atuantes nas tarefas de manutenção (FLEURY

& FLEURY, 2004). O conceito espaço ocupacional (conjunto de atribuições e

responsabilidades de uma pessoa que ocupa determinada posição) é abordada no

processo de recrutamento e seleção de trabalhadores, apesar do caráter

estratégico, os princípios assentados no cargo e na pessoa certa para o cargo certo

continuavam intocados, paralelamente à valorização do conhecimento e da

experiência e dos instrumentos de avaliação baseados em entrevistas, provas e

testes (DUTRA, 2004; ALMEIDA, 2004).

Nas décadas de 1980-90, em vista da competitividade inter e extra-mercado e

em face da reestruturação produtiva, emergiu a concepção de trabalhador como

capital humano intelectual. Em vista da dificuldade de transformar estratégia em

ações práticas, passou a prevalecer o conceito de valor agregado e de vantagem

competitiva. A gestão, segundo Fischer (2002, p.25), acentuava “vínculos cada vez

mais estreitos entre o desempenho humano e os resultados da empresa”. A

crescente tendência à produção flexível, à competitividade, à atribuição da

responsabilidade ao grupo (apesar de o trabalho em conjunto, por projeto, ser

baseado no compromisso e na responsabilidade individual do trabalhador), todo

esse contexto inovador determinou a necessidade de trabalhadores dotados de

características pessoais como iniciativa, criatividade e autonomia, bem como de

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gerentes capazes de conduzir equipes de trabalho com habilidades motivacionais,

comunicacionais e de liderança.

Conforme já se observou, o modelo tradicional de recrutamento e seleção de

trabalhadores, inspirado no modelo taylorista-fordista, se ancorava no princípio do

controle por meio do cargo, que demandava um perfil profissional obediente,

passivo, disciplinado. O cargo estruturava as tarefas que as pessoas deviam

executar, limitando a ação do trabalhador e isolando-o do grupo. Na concepção de

Chiavenato (2007, p. 253), o cargo

[...] é a decomposição de todas as atividades desempenhadas por uma pessoa, que podem ser visualizadas como um todo unificado e ocupam uma posição formal no organograma. Um cargo é uma unidade da organização que consiste em um grupo de deveres e responsabilidades que o tornam separado e distinto dos outros cargos[...] os deveres e responsabilidades atribuídos ao ocupante que desempenha o cargo proporcionam os meios pelos quais cada pessoa pode contribuir para o alcance dos objetivos da organização.

Na literatura pesquisada verificou-se que em vista da inserção do trabalho em

grupo, da maior valorização das pessoas nos resultados do negócio, cargo,

entendido como um rol de atividades passou a ser revisto nas empresas. Dutra

(2004) aborda o espaço ocupacional que ocorre em função das necessidades do

meio em que o trabalhador se situa e a sua competência em atendê-las, como

conceito para comprender o posicionamento e movimento das pessoas na

organização, indicando uma nova abordagem ao modelo de cargos.

Na França, em meados dos anos 1980, Zarifian (2001) constatou novos

princípios na maneira de avaliar os trabalhadores, como, por exemplo, a exigência

do entendimento do processo de trabalho. A competitividade e a complexidade da

produção passaram a exigir capacidade de iniciativa dos trabalhadores e

determinadas competências para a ocupação das vagas. No entendimento de

Zarifian (2001), essa mudança apontou para a ruptura com os procedimentos

tayloristas centrados no controle das tarefas, bem como a intenção de avaliar os

trabalhadores em termos de entendimento do processo produtivo e iniciativa,

aspectos que já faziam parte dos saberes de alguns trabalhadores, porém eram

desconsiderados pelos administradores. Os encarregados de produção na época,

segundo relatou Zarifian (2001, p.23), almejavam avaliar as competências pessoais

de cada assalariado, independentemente do posto de trabalho ocupado. Emergiu

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nesse período a tendência ao processo de recrutamento e seleção por

competências. A competência é uma demanda do patrão. Provém de uma

transformação nos julgamentos avaliativos dos trabalhadores pela direção e pelos

responsáveis pelas práticas de gerenciamento dos trabalhadores.

Na França e no Brasil, as práticas de recrutamento e seleção tornaram-se

mais rigorosas, nessa época, sendo exigidos diplomas que atestassem instrução

mínima, conhecimentos e disciplina comportamental do trabalhador. Era preciso

comparar os indivíduos em situações reais de trabalho, bem como sua competência

efetiva em relação às expectativas da empresa. A progressão da carreira vertical

alterou-se (ZARIFIAN, 2001), pois o foco no desenvolvimento visualizou a pessoa

como gestora de sua relação com a empresa, de seu desenvolvimento e da carreira

(DUTRA, 2004). As empresas acenaram com novas formas contratuais implícitas ou

explícitas com o trabalhador, em que este se esforçava por desenvolver as próprias

competências, enquanto o empregador (empresa) tentava facilitar tal

desenvolvimento, num sistema de promoção flexível, diferente de flexibilização do

emprego (ZARIFIAN, 2003).

Em síntese, com a tendência à delegação ao trabalhador de responsabilidade

pela própria formação e autonomia no trabalho, o controle exercido pela gerência

taylorista-fordista esvaneceu (ZARIFIAN, 2001). Esse fato levou à demanda de um

perfil profissional autônomo, responsável, e à mudança na cultura das empresas,

buscando estimular e apoiar a iniciativa das pessoas, a criatividade e a busca

autônoma de resultados para a organização (DUTRA, 2004). Aumentaram as

exigências referentes às características individuais dos trabalhadores, em contexto

de trabalho, tais como iniciativa, criatividade, autonomia, responsabilização. Essa

tendência gerou mudanças no processo de recrutamento e seleção de

trabalhadores, até então centrado nos princípios do cargo e da pessoa certa para o

cargo certo.

Na mesma linha de pensamento, Almeida (2004, p.23) observa que o objetivo

do recrutamento e seleção não se reduz a uma vaga a ser preenchida, a um cargo

a ser exercido; é preciso escolher a pessoa que se identifique com a cultura da

organização e que possa agregar valor a ela, representando, portanto, mudanças no

princípio taylorista-fordista da pessoa certa para o cargo certo. Todavia, a autora se

refere às dificuldades de seleção de um profissional considerado ideal por suas

habilidades para ocupar um cargo, mas com pouca “aderência aos valores

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preconizados pela cultura” organizacional. Essa questão remete à permanência dos

princípios tradicionais de recrutamento e seleção, porém algo renovados,

valorizando a habilidade do trabalhador e a cultura organizacional, levando a

práticas neo-tayloristas, indicadoras do desconhecimento das novas tendências, ou

revelando dificuldade em colocá-las em prática, conforme apontou Dutra (2004).

Em face ao exposto, indaga-se: Que entendimento têm os serviços de

recrutamento e seleção de trabalhadores quanto ao conceito de competência? Essa

questão conduz a outra: Que princípios norteiam, na atualidade, as ações dos

serviços de recrutamento e seleção, na busca por trabalhadores?

Pressupõe-se que o entendimento de competência praticado nas empresas

prestadoras de serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores esteja

assentado no princípio do cargo e da pessoa certa para ocupar o cargo certo, bem

como na requisição de atitudes relativas ao desempenho do cargo, por parte das

empresas contratantes, indicando a necessidade de renovação nos princípios que

sustentam as práticas.

2.2 Da qualificação profissional à competência

“[...] a competência nos impõe ajustar o foco de nosso estudo sobre o indivíduo [...] que, produzido nas relações sociais nas quais se encontra inserido, insiste em guardar suas diferenças em relação aos outros, [...] exige uma proximidade, uma intimidade com suas subjetividades, seus saberes, seus valores, suas crenças e seus princípios, que motivam e dão materialidade às suas ações no cotidiano.” TOMASI ( 2004, p.11)

Esta seção discute a qualificação e a competência, a gestão de competência

e o processo de recrutamento e seleção, com base no aporte teórico de Friedmann

(1946, 1972) e Naville (1956), Zarifian (2001, 2003, 2005), Stroobants (2002), Ropé

& Tanguy (2002), Le Boterf (2003, 2006), Dadoy (2004), Tomasi (2004), Fleury &

Fleury (2004), Dutra (2004) e Ruas (2005), entre outros autores referenciados. A

qualificação e a competência são noções usadas socialmente no mundo do trabalho,

para avaliar o indivíduo como trabalhador.

A profissão qualificada é uma unidade central no processo de trabalho.

Todavia, desde as últimas décadas do século XX, tem-se verificado a tendência à

busca por trabalhadores não apenas qualificados, mas competentes. A qualificação

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compreende os saberes relativos à profissão, adquiridos no ambiente escolar e no

organizacional, por meio da experiência. A competência, por sua vez, é a

mobilização dos saberes formais, informais e sociais, construídos ao longo da vida,

abrangendo inclusive as atitudes individuais, em face das inúmeras situações de

trabalho.

O modelo de seleção que prioriza a qualificação associa-se ao modelo de

produção rígido, taylorista-fordista, valorizando um perfil profissional no qual certas

caracterísitcas esperadas em uma situação de trabalho, como por exemplo, a

curiosidade, em termos de busca de informações; antecipação, em termos de

elaboração de projetos e de detecção de incidentes, como aponta Le Boterf (2003)

eram negados. Já o processo de recrutamento e seleção por competências é

associado ao modelo de produção flexível e a um perfil profissional em que são

valorizados tanto os saberes relativos à profissão e à experiência, quanto os saberes

relacionais, as atitudes e comportamentos como: a iniciativa, a comunicação, a

responsabilização, a participação do trabalhador no processo de trabalho, ou seja,

contempla aspectos individuais do trabalhador em situação profissional.

Para favorecer a compreensão do contexto em que se insere a qualificação e

a competência, a seção foi dividida em três subseções: 2.2.1 A qualificação

profissional; 2.2.2 A competência; 2.2.3 A gestão de competências e o processo de

recrutamento e seleção de trabalhadores.

2.2.1 A qualificação profissional

A qualificação envolve o saber adquirido na escola e o saber-fazer,

proveniente da experiência profissional. Trata-se de uma construção social, cujo

objetivo é qualificar, atribuir qualidade de trabalhador aos indivíduos.

A qualificação, conforme já se detalhou, teve origem nas Corporações de

Ofício, na Idade Média, a agência responsável pela aprendizagem do artesão, a

regulamentação da profissão e o sistema de contratação. A hierarquia corporativista

da aprendizagem da profissão iniciava-se com os aprendizes, geralmente meninos

entre 12 e 14 anos, filhos ou parentes dos mestres. Eles trabalhavam para um único

mestre-artesão, numa jornada diária de 12 a 20 horas, em troca, de comida e

moradia. Os aprendizes ficavam sob a tutela do mestre e, sob longo aprendizado,

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podiam chegar também a mestres, se aprovados no exame da corporação, a obra-

prima. O segredo ‘industrial’ era parte importante da instituição, e a passagem ao

grau de mestre normalmente acontecia com a revelação desse segredo (ZARIFIAN,

2003, DADOY, 2004)

A maioria das corporações se limitava às fronteiras da cidade e delimitava

áreas de atuação profissional, sem sobreposição de ofícios e com forte proteção da

produção e da comercialização dos produtos. O trabalho intelectual e o manual se

atrelavam. As atividades artesanais priorizavam a diversidade das capacidades e

dos dons do artesão, especialmente seu domínio de todo o processo produtivo, que

o tornavam um indivíduo reconhecido por suas habilidades e capacidades

profissionais.

Com o desenvolvimento técnico e a concorrência entre a produção artesanal

e a industrial, o trabalho artesanal foi inserido em novas formas de produção, tais

como a manufatura e a maquinofatura. As Corporações de Ofício foram extintas no

século XVIII, na França, por uma série de razões, entre as quais a criação de

barreiras à comercialização de produtos e a incompatibilidade com os ideais de

liberdade, sendo acusadas de prática de trabalho escravo, por submeterem os

aprendizes a atividades laborais desde a infância, sem salário. Nesse contexto, o

artesão, desprovido do corporativismo do ofício, e de agência de aprendizado, sem

produto para vender, submetia-se às regras daquele que detinha o poder de mandar

fazer, nesse caso, o patrão (GORZ, 2001). Passou então a “combinar seu trabalho

com o dos outros operários e fazer, do conjunto, um produto mercantil” (MARGLIN,

2001, p. 43). Todavia, a mão-de-obra, primeiramente recrutada para trabalhar nas

fábricas, constava do “refugo de todas as classes e de todos os ofícios” (MARGLIN

2001, p.69).

Dugué (2004, p.23) observa que a “ruptura no processo de transmissão dos

saberes explica parcialmente a ausência de mão-de-obra qualificada” no século XIX;

contudo, ressalta-se que o saber do ofício tinha caráter corporativo, ou seja, nem

todos os indivíduos tinham acesso ao aprendizado nas Corporações de Ofício.

Uma nova maneira de qualificação da mão-de-obra surgiu com os modelos

taylorista (posto de trabalho) e fordista (esteira) de produção.

Braverman (1987) observa que a parte que cabia ao trabalhador, na divisão

do trabalho, era constituída de tarefas especializadas e parceladas; já os saberes

exigidos na fábrica eram diferentes dos saberes do ofício. Então, o aprendizado

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ocorria no próprio trabalho e constava da observação do trabalho do colega. A

contratação de trabalhadores, por sua vez, era baseada no sistema de

subcontratação, trabalho domiciliar, empreitada e subempreitada, mediante contrato

isolado ou em grupos de trabalhadores, o que acarretava diferentes formas de

pagamento de salários (BRAVERMAN, 1987). Tudo isso acarretava problemas para

os envolvidos no mundo do trabalho: patrão e empregado.

Contudo, num contexto de pós-guerra (1945), o mundo concentrava esforços

na reconstrução da sociedade e isso ocorria sob intenso desenvolvimento científico

e tecnológico13, além da intensificação da produção taylorista-fordista, dos

movimentos sociais dos trabalhadores e sindicatos pelos direitos de negociação

coletiva (HOBSBAWM, 2005, HARVEY, 2005) e a imposição de um sistema de

regulação pelo Estado de Bem-Estar Social, reconhecendo no mundo do trabalho o

trabalhador, o saber e o salário (DADOY, 2004).

Essa realidade trouxe uma nova maneira de perceber o mundo do trabalho e

mudanças. Estudos realizados por Friedmann (1946) e por Naville (1956) deram

origem ao conceito de qualificação profissional, na França.

Friedmann (1972, p. 10), reportando-se ao ambiente de trabalho no âmbito

das indústrias, na década de 40, refere-se a

[...] tarefas repetidas e parceladas de toda espécie, situadas tanto nas oficinas, nas construções e nas minas, quanto nos escritórios, nos serviços de venda e de distribuição, e de onde se encontram excluídas a variedade a iniciativa, a responsabilidade, a participação num conjunto, a própria significação.

Tomazi (2000) ressaltou igualmente esse ambiente de cores acidentadas,

lembrando que a ligação com o movimento sindical e a presença significativa do

Estado foram fatores que contribuíram para o sucesso do modelo taylorista-fordista:

os sindicatos, por negociarem ganhos reais de salário pela cooperação do

operariado, e o Estado por criar mecanismos financeiros e legais, para que o

consumo se efetivasse. Harvey (2005), por sua vez, observa que o desenvolvimento

13 A guerra preparou vários processos revolucionários para posterior uso civil, como radar, motor a jato, gênese da eletrônica e a tecnologia do pós-guerra. Primeiro na Inglaterra, Alemanha e depois nos EUA, surgindo o transistor (1947) os primeiros computadores digitais civis (1946), circuitos integrados (1950), televisão, disco de vinil (1948), eletrodomésticos, equipamento de foto e vídeo; indústria farmacêutica; desenvolvimento e oferta de produtos de higiene pessoal, as sandálias de plástico substituíram os pés descalços (HOBSBAWM,2005).

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tecnológico não se deu (e continua não se dando) homogeneamente, mas, por

setores, diversificando-se no interior de cada um, e mesmo o fordismo se

disseminou diferentemente pelo mundo.

O estudo da qualificação, na concepção de Friedmann (1946), centra-se na

passagem da civilização natural para a técnica; na de Naville (1956 ), do trabalho

mecanizado para o automatizado. O entendimento do conceito de qualificação

assume, nos estudos de Friedmann (1946), enfoque determinista, uma vez que o

trabalhador submete-se às conseqüências inevitáveis do progresso técnico, o que

determinaria a desqualificação da mão-de-obra. Trata-se da qualificação

substancialista, essencialista, relacionada ao tipo de intervenção exigida pelo posto

de trabalho – as exigências de qualificação. Assim, o saber adquirido na escola e o

saber-fazer proveniente da experiência conferem peso, ‘substância’ ao trabalhador,

ao ocupar o posto de trabalho. A qualificação, segundo Naville (1956) tem enfoque

relativista. Como tal, constitui um processo de formação autônomo; um processo

independente da formação no trabalho e para o trabalho. A qualificação é o saber

escolarizado; o saber-fazer é a experiência profissional do trabalhador, mas

depende do processo de negociação entre o patrão e o empregado. Tal processo

estabelece uma relação de forças políticas dependente das convenções coletivas

que qualificam o posto de trabalho. Quanto mais qualificado é o trabalhador, mais

ele se distingue dos demais, permitindo a negociação com o patrão por melhores

salários, por exemplo. O patrão, por sua vez, tenta mostrar que o trabalhador não

tem a qualificação buscada. Portanto, o sentido da qualificação está na luta

(TOMASI, 2004). A perspectiva relativista permite ainda que a qualificação seja

observada sob o aspecto das relações sociais: como relação entre classes, assume

enfoque homogêneo; como relação entre grupos, o foco é constituído pelos

interesses grupais e individuais.

Na visão de Dugué (2004), a qualificação é uma volta ao passado, uma vez

que retoma o papel regulador outrora exercido pelas corporações, mas adaptado à

sociedade industrial e ao interesse governamental. A educação profissional é

estabelecida pelo governo, sendo a escola a agência de aprendizagem da

profissão, classificando e organizando os saberes em torno dos diplomas. Na outra

ponta, as entidades sindicais de trabalhadores e empregadores, sob leis

trabalhistas, firmam contratos de convenções coletivas por categoria profissional,

determinando as condições específicas de cada categoria. Assim, são classificados

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e hierarquizados os postos de trabalho, unidos à regulação salarial, visando aos

interesses do trabalhador.

A qualificação profissional é caracterizada pela relação entre o sistema

escolar e o sistema de convenções coletivas. Este último institucionaliza a

qualificação, ao unir a qualificação do trabalhador e a do posto. Em síntese, o

âmbito escolar qualifica o trabalhador, remetendo à visão substancialista concebida

por Friedmann (1946); o âmbito das convenções coletivas qualifica o posto de

trabalho, em sintonia com a visão relativista concebida por Naville (DADOY, 2004).

A qualificação assentada no modelo traylorista-fordista de organização do

trabalho tem sido criticada por várias razões, especialmente por não ter resolvido a

questão do reconhecimento dos saberes adquiridos no trabalho e da mobilidade

profissional. O saber escolarizado é atestado pelo diploma; porém, o saber

proveniente da experiência profissional não tem uma legitimação oficial, conforme

observa Dugué (2004). Tradicionalmente, a experiência profissional e a carreira são

atestadas pelo registro na carteira de trabalho, verificadas por meio de testes e

entrevistas e comparadas aos requisitos do cargo (TOLEDO, 1992). Contudo, o

julgamento da experiência profissional sob a responsabilidade da empresa é feito

unilateralmente pelos selecionadores e recrutadores. Os trabalhadores ficam à

mercê de regras criadas pelo mercado de trabalho, sobre as quais eles não têm

poder algum.

Em Dugué (2004, p.21), “a qualificação representa, igualmente, uma base

para pensar e construir a transmissão dos conhecimentos profissionais”. Nessa

perspectiva, no Brasil, a educação escolar, em sentido amplo, se ocupa da

formação plena do indivíduo, como pessoa e como cidadão; contribui para a

educação profissional de maneira indireta, seja por proporcionar-lhe o acesso aos

conhecimentos disciplinares, seja por entender que é parte dessa formação a

compreensão do contexto em que o exercício da atividade profissional se realiza ou

se realizará.

Na década de 1990, como observa Ferretti (2004), foram desenvolvidos

estudos na área educacional, sobre as relações entre o trabalho e a educação, por

duas correntes complementares da perspectiva educacional-profissional, porém,

antagônicas, dependendo do enfoque. Ambas recorriam à concepção de

qualificação de Friedmann (1946), conforme Ferretti (2004). Uma é recorte

específico da educação escolar; aborda o aspecto técnico, ocupando-se das

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propostas de formação profissional, obviamente influenciada pelo progresso técnico

e pelas mudanças técnico-organizacionais, buscando responder às demandas

relativas ao mundo do trabalho. Enfoca a educação profissional em sentido estrito,

mas complementa a formação em sentido amplo. A outra corrente questiona as

demandas feitas ao indivíduo e à educação, tomando por base a acentuada divisão

técnica do trabalho. Tem raízes na Filosofia e na Economia Política, de origem

marxista, e levanta problemas educacionais de natureza econômica, filosófica, social

e ético-política, que remetem não apenas à formação profissional especificamente,

mas à formação humana, em sentido amplo.

Salienta Ferretti (2004, p. 4) que a produção originária da segunda corrente

influenciou, além de outras áreas do conhecimento, a perspectiva das análises sobre

o sistema educacional brasileiro, bem como a proposição de concepções

educacionais “que representassem não apenas um freio à segmentação do trabalho

e à alienação do trabalhador sob o domínio do capital, mas o pleno desenvolvimento

deste como sujeito social”, marcando os estudos referentes à qualificação sob

perspectivas político-ideológicas diferenciadas. Salienta Ferretti (2004, p.4) que

[...] apesar dessas influências, pode-se afirmar, com certa ousadia, mas sem receio de cometer um erro crasso, que os conhecimentos sobre a qualificação profissional, como categoria teórica e campo de estudos, eram do domínio de poucos educadores, mesmo entre os que atuavam no campo da formação profissional, embora os estudos da sociologia do trabalho já se debruçassem sobre a questão [...] com as investigações de Friedmann e, posteriormente, de Naville.

Em virtude dessa ausência teórica ou de seu pouco domínio, as discussões,

em termos de formação geral, penderam mais para questões técnicas do ensino

profissional e para aspectos ensaísticos, com base na economia política. Além

disso, alguns estudos foram marcados pela tese de que o avanço técnico

desqualificaria o trabalhador. Esse entendimento toma como referência o trabalho

qualificado no artesanato, defendendo o ponto de vista de que os saberes relativos

ao ofício (desde a manufatura, posteriormente ampliados devido à divisão técnica

do trabalho, com o taylorismo-fordismo) seriam responsáveis pelo processo de

desqualificação do trabalhador, ao passo que o avanço científico e tecnológico teria

a ver com a sua requalificação. Esclarece Ferreti (2004, p. 4) que “o senso comum

tende a vincular a fase do avanço científico e tecnológico à denominada

reestruturação produtiva”, razão pela qual os estudos na área, na década de 1990,

aparecem mesclados pela concepção de qualificação substancialista de Friedmann

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(1946), porém ganham outro sentido com o surgimento da competência. Os

educadores de ambas as correntes desenvolveram estudos sob o enfoque da

qualificação profissional abordando a Sociologia do Trabalho. Por outro lado,

analisam as relações entre os conceitos de qualificação e competência, com o

objetivo de rever os enfoques da formação profissional e criticá-los sob o viés

filosófico-econômico. A contribuição desses estudos se refere às informações a

respeito das mudanças no mundo do trabalho, no tocante à relação trabalho e

educação, as quais, devido ao escopo desta pesquisa, não serão detalhadas.

Nos anos de 1980-1990, a racionalização e a reestruturação dos processos

produtivos, aliadas à tecnologia, à automação e à intensificação do trabalho,

indicaram a passagem do modelo de produção taylorista-fordista para o de produção

flexível. Então, o trabalho “em migalhas”, tornado tecnologizado e informatizado,

passou a solicitar especificidades humanas dos trabalhadores, ‘destroçados pelo

taylorismo’.

Nos anos 1980-1990, as mutações no conteúdo do trabalho privilegiam o

entendimento das atividades, a autonomia e a responsabilização, elementos que

haviam sido retirados do trabalhador anteriormente. Segundo as pesquisas de

Zarifian (2003), essa perspectiva representou a expectativa de uma nova abordagem

de sua qualificação, pois o modelo do posto de trabalho não revelava as qualidades

efetivamente mobilizadas por eles – sua individualidade. Essa evolução mudou a

relação do profissional com o conhecimento, valorizando aspectos atitudinais e

comportamentais em situação de trabalho, os saberes adquiridos na trajetória de

vida pessoal, escolarizada e a experiência profissional.

Com a exigência do perfil comportamental esperado do trabalhador, os

aspectos cognitivos e relacionais passaram a ser visados, e o modelo da

qualificação, por não abarcar todos esses elementos, tornou-se enfraquecido como

elemento avaliativo de trabalhadores. Os saberes relativos à profissão, de natureza

escolar e experiencial, não são suficientes para avaliar o indivíduo como trabalhador,

já que não basta ao profissional ter qualificação ou ser qualificado; ele tem que ser

competente, demonstrar competência, como explica Tomasi (2004).

Nesse contexto, o conceito de qualificação profissional, desde os anos 1970,

na França, e no Brasil, em 1990, mostrou-se insuficiente para satisfazer as

demandas organizacionais. Na visão de Zarifian (2003), o taylorismo-fordismo, que

havia separado o trabalho do trabalhador e reunido num fluxo, imobilizando no

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espaço e no tempo o trabalhador sob o controle gerencial, tornou-se a origem

indireta da competência.

O QUADRO 1, a seguir, sintetiza as principais idéias de Friedmann(1946) e

Naville (1956) sobre o conceito de qualificação.

QUADRO1

Qualificação: aspectos conceituais

Visão de FRIEDMANN (1946) Visão de NAVILLE (1956)

Passagem da civilização natural para a civilização técnica

Passagem do trabalho mecanizado para o trabalho automatizado

Enfoque determinista Enfoque relativista

Progresso técnico como fator determinante da desqualificação do trabalhador

Processo de formação autônomo

Substancialista, essencialista Independente da formação no trabalho e para o trabalho

Tipo de intervenção exigida pelo posto de trabalho

Relação de forças políticas dependente das convenções coletivas que qualificam o posto de trabalho

Saber adquirido na escola Saber adquirido na escola

Peso conferido ao trabalhador pelo saber-fazer advindo da experiência

Peso conferido pelo saber (escolar) e o saber-fazer (experiência)

Ocupação do posto de trabalho dependente do próprio trabalhador

Dependente do processo de negociação entre o patrão e o empregado: quanto mais qualificado é o trabalhador, mais ele se distingue dos demais, permitindo negociação com o patrão por melhores salários.

Fonte: Dados da pesquisa, 2008.

2.2.2 A competência

A competência, conforme já se observou, é uma maneira de qualificar. Nessa

ótica, o trabalhador é avaliado tanto em relação à sua contribuição para o processo

produtivo quanto ao lugar que ocupa na hierarquia, conforme o sociólogo francês

Zarifian( 2003).

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O tema competência, na França, de acordo com Zarifian (2001), foi enfocado

na pesquisa realizada pelo Centro de Estudos e Pesquisas sobre as Qualificações –

CEREQ, em pequenas e médias empresas do setor moveleiro, nos anos 1985 e

1986. A pesquisa evidenciou mudanças na maneira de gerenciar e avaliar os

trabalhadores, a qual, até então, centrava-se no uso produtivo do corpo, na precisão

e rapidez de gestos e movimentos.

As empresas pesquisadas buscavam alternativas para sair da crise no setor

e, nesse sentido, por meio de serviços especializados, empenharam-se na melhoria

da qualidade e diversificação dos produtos, adotando a produção flexível, com

máquinas e ferramentas de controle numérico digital. Então, os problemas

relacionados a qualidade, prazos, variedade, capacidade de iniciativa, resolução de

problemas e outros passaram a ser vistos “como qualidades que os trabalhadores

precisariam demonstrar, em ruptura com os procedimentos tayloristas-fordistas”.

Esses elementos, todavia, conforme salienta Zarifian (2001, p.22), “já estavam

presentes nos trabalhadores, mas [...] não eram reconhecidos e formalizados e, por

isso, não apareciam”. Portanto, “a mudança não se deve a uma descoberta

repentina da humanidade dos trabalhadores, mas à percepção de uma mudança nas

condições de produção do setor”. Competência foi a denominação atribuída à nova

forma de avaliação dos trabalhadores, em substituição à abordagem categorizadora

e homogeneizadora do modelo taylorista-fordista (ZARIFIAN, 2001).

No Brasil, como informado anteriormente, no ano de 1990, o tema foi

inserido, por decisão governamental, na formação escolar para o trabalho,

emergindo o debate sobre qualificação e competência, pincelado no item anterior.

O entendimento da competência, em função do viés ideológico, tem sido prejudicado

pela resistência à abordagem do tema; contudo, a escola, como agência de

construção de conhecimentos voltada para o modelo da profissão, tem sido

incentivada à mudança (ZARIFIAN, 2001; PERRENOUD, 1999), uma vez que o

trabalho hoje vai além de papéis profissionais, como pontua Touraine (1994).

Segundo Zarifian (2001), o trabalho de hoje diz respeito à capacidade do trabalhador

de interpretar e solucionar problemas, tomar decisões, participar de uma equipe,

comunicar-se, responsabilizar-se.

Nessa linha de pensamento, Machado (2002) afirma que a formação para o

trabalho atual se assenta na formação de competências básicas, que dizem

respeito a capacidades pessoais, tais como: expressão, compreensão do que se lê,

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interpretação de representações, construção de mapas relativos à relevância das

informações disponíveis (tendo em vista a tomada de decisões), solução de

problemas, alcance de objetivos previamente traçados, trabalho em equipe,

elaboração de novos projetos, criação em um cenário de problemas, de valores e

circunstâncias em que se deve agir solidariamente.

A competência, para Perrenoud (1999, p.7), “é a capacidade de agir

eficazmente em um determinado tipo de situação apoiada em conhecimentos, mas

sem limitar-se a eles”. Assim, a escola, como observa Perrenoud (1999), é um lugar

de desenvolvimento de competências, cuja construção é inseparável da formação de

esquemas de mobilização de conhecimentos, assinalando o enfoque conceitual do

tema. Todavia, para Dugué (2004, p. 24), a temática competência remete à idéia de

que o saber só existe em ação no ambiente de trabalho, que se torna o lugar de

formação do trabalhador: “a empresa ensina e prepara os trabalhadores para uma

readaptação permanente”. Nesse sentido, a referência aos saberes profissionais é

atenuada, visando à elevação da competência. São valorizados os saberes gerais,

tais como saber-negociar, saber-dialogar e resolver um problema.

Esse entendimento põe em evidência a dimensão conceitual da qualificação

centrada na rigidez da certificação. A certificação dos saberes não perdeu

relevância, mas a relação com o conhecimento mudou, e o saber estático, sem

aplicação reflexiva, ou seja, cognitivo, não tem mais lugar; o saber não foi

desvalorizado, pois não se é competente no vazio de saberes (MACHADO, 2002;

LE BOTERF, 2003).

A competência, em sua dimensão conceitual, evidencia seu caráter

polissêmico e sua ligação com outros campos do conhecimento, como: Direito,

Ciências da Cognição, Educação, Psicologia, Ergonomia, Antropologia, Lingüística.

É aplicada em contextos diversificados, com acepções particularizadas. O conceito

não é novo; porém, o seu uso social é relativamente recente. Difundido nos mais

diferentes discursos, há evidências de que não se trata de um modismo, sendo cada

vez mais popularizado. O termo competência, segundo Isambert-Jamati (2002),

provém do latim competentia e do inglês competence. Compreende um saber

realizar, uma capacidade para fazer algo e, de maneira mais geral, a capacidade

reconhecida de pronunciamento nesta ou naquela matéria. Ligado à área jurídica,

surgiu no fim da Idade Média. O uso social do termo, segundo a autora, em nenhum

momento foi de uso popular, pois uma certa capacidade é de fato confrontada no

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julgamento da competência de alguém. Porém, Dadoy (2004) ressalta que, no

senso popular, o vocábulo é entendido como a capacidade reconhecida para efetuar

certas ações. Para Fleury & Fleury (2004) o termo designa pessoa qualificada para

fazer algo, e o seu antônimo implica tanto a negação dessa capacidade, quanto

guarda um sentido pejorativo, depreciativo. Cabe observar, contudo, que ninguém

detém todos os saberes, então, é natural que, em algumas situações, a

incompetência com sentido de limitação aconteça. O conceito de competência está

intimamente relacionado à ação, ao movimento, ao empreendimento e, ao mobilizá-

lo, procede-se a seu reconhecimento (ROPÉ &TANGUY, 2002). Portanto, à maneira

de um tesouro escondido, um saber em si nada vale; no entanto, à luz daquele que

lança mão desse potencial em situação real de trabalho, torna-se reconhecido e

distinguido.

O conceito de competência desenvolvido por Zarifian (2001, p. 68-74) foca o

mundo do trabalho e combina três abordagens da competência:

[...] a competência é a tomada de iniciativa e o assumir a responsabilidade do indivíduo diante de situações profissionais com as quais se depara. [...] a competência é um entendimento prático das situações, que se apóia em conhecimentos adquiridos e os transforma, à medida que a diversidade das situações aumenta.

[...] a competência é a faculdade de mobilizar redes de atores em torno das mesmas situações, de fazer com que esses atores compartilhem as implicações de suas ações, de assumir áreas de co-responsabilidade.

Entende-se como ganho para o trabalhador o expressar de sua autonomia e

iniciativa, dos seus conhecimentos em situações diferenciadas, em oposição à

passividade solicitada pelo modelo taylorista-fordista. Certas situações profissionais

com as quais o trabalhador depara podem se tornar complexas, extrapolando o nível

de atuação usual do trabalhador, que mobilizará uma rede de atores, em busca de

soluções. Depreende-se, então, que deva existir uma referência, a exemplo dos

níveis hierárquicos e dos cargos estabelecidos no modelo taylorista-fordista, que

possibilite ao trabalhador guiar sua atuação, responsabilização, participação e

autonomia.

O reconhecimento da competência do trabalhador e de sua capacidade se dá

pelo aspecto cognitivo do trabalho que é executado (STROOBANTS, 2002). Le

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Boterf (2003) observa que o profissional reconhecidamente competente é aquele

que sabe agir com competência, mobilizando recursos provenientes da formação

pessoal, biografia e socialização, formação educacional e experiência profissional.

As competências são produzidas por meio de recursos e convertem-se em

atividades e condutas profissionais adaptadas a contextos específicos. O saber agir

é distinto do saber-fazer, que é um conjunto de experiências e habilidades. Esse

autor, ao buscar dar materialidade à competência, analisa os recursos, os saberes

do indivíduo em face do meio e da época em que se encontra.

Defendendo semelhante concepção, Fleury & Fleury (2004, p.30) observam

que se trata de “[...] um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar,

integrar, transferir conhecimentos, recursos e habilidades que agreguem valor

econômico à organização e valor social ao indivíduo”. Reportando-se a esse

conceito de competência individual, Dutra (2004) acrescenta que o conceito deve ser

aplicado a instrumentos de gestão que possibilitem às pessoas perceberem o que

lhes agrega sua relação com a organização. Assim, a competência é atribuída a

vários atores: a empresa dispõe de um conjunto de competências que lhe são

próprias, decorrentes da “gênese e do processo de desenvolvimento da organização

e são concretizadas em seu patrimônio de conhecimentos, que estabelece as

vantagens competitivas da organização no contexto em que se insere” (DUTRA,

2004, p.14). As pessoas, por sua vez, dispõem de um conjunto de competências

aproveitadas ou não pela organização.

A competência diz respeito à especificidade do indivíduo, sua originalidade,

sua trajetória de vida, abrangendo sua experiência profissional, suas capacidades

e potencialidades. Ela valoriza o saber escolarizado, o saber- fazer, a experiência e

o saber-ser (denominado também de saber comportamental) e ainda competência

social (sobretudo em termos de comportamentos e atitudes) e ainda sua capacidade

de antecipar-se aos problemas e não apenas solucioná-los (ZARIFIAN, 2001),

evidenciando movimento, participação, mobilização.

Porém, para Zarifian (2001), o saber-ser é uma denominação imprópria para o

enfoque das atitudes e dos comportamentos gerados pela competência. Entende o

autor que o saber-ser refere-se à personalidade profunda e estável do indivíduo, a

seus traços de personalidade e aptidões consideradas inatas, passíveis de serem

verificadas por meio de testes de personalidade. Nesse entendimento, o trabalhador

é avaliado em sua totalidade, em seu “ser”. Por outro lado, a abordagem que

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enfatiza o comportamento e as atitudes diz respeito à “competência social”,

esclarece Zarifian (2001, p.146), pois a avaliação recai “na maneira como um

indivíduo apreende seu ambiente em situação, a maneira como se comporta”. O

que se busca com essa abordagem é uma visão parcial e manifesta do indivíduo. O

comportamento é adquirido e pode evoluir, razão pela qual a avaliação se dá em

determinado momento. Não é o ser que se procura apreender, mas o seu modelo de

conduta, diante de dado ambiente. O conceito de atitude sustenta o conceito de

comportamento. A atitude traduz o que sustenta e estabiliza o comportamento; é

manifestada individualmente; é social por ser produzida em meio sócio-cultural

específico e por denotar certa maneira de se posicionamento do indivíduo nas

relações sociais. A atitude se traduz, portanto, no comportamento.

Segundo Dadoy (2004, p.124), os empregadores sempre valorizaram a

competência comportamental referente aos saberes relacionais ( saber-ser):

[...] esses saberes, na realidade, sempre fizeram parte das qualidades esperadas pelos empregadores, mas essa exigência parecia tão natural que não havia necessidade de explicitá-la em um período em que os saberes técnicos eram ainda bastante raros no mercado de trabalho e era, então, a primeira preocupação dos empregadores.

Dadoy (2004) observa que as características pessoais dos trabalhadores

sempre foram alvo de análise, com vistas a evitar problemas de relacionamento e

conflitos existentes no ambiente de trabalho, relacionados à personalidade do

trabalhador, ressaltando de modo especial o modelo comportamental submisso,

controlado pela gerência taylorista-fordista. Segundo a autora, em todos os níveis de

contratações, a demanda dos empregadores por trabalhadores adaptáveis e

capazes de se inserir em grupos de trabalho é evidenciada. Dadoy (2004) ressalta

que, no período 1976-1978, com a experiência francesa de “mobilização e inserção

profissional de jovens sem qualificação, os saberes sociais apareceram

explicitamente”, sugerindo que esses comportamentos “apresentam mais problemas

que os saberes técnicos, que se tornaram mais abundantes e mais baratos”. Por

outro lado, os saberes comportamentais, na visão de Dadoy (2004), não são

concebidos como parte integrante da formação profissional, não sendo balizados

por uma instituição oficial como a escola.

A competência é subjetiva, e, por si só, é invisível salienta Le Boterf (2006).

Não sendo diretamente acessível, sua validação depende dos conceitos, da

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metodologia empregada, dos atores implicados e dos pontos de vista adotados. A

competência está sempre ligada ao mecanismo de medida que lhe é aplicado e

depende sempre do olhar que sobre ela recai. O que é avaliado não é a

competência em si, mas aquilo que se designa por competência, por meio do

mecanismo de avaliação (instrumentos, regras, instâncias). O trabalhador, para ser

reconhecido como competente, o é em relação a alguma coisa, e esse parâmetro

estabelece uma prescrição, um modelo, um limite para ser competente. Porém,

esclarece Le Boterf (2006) que a limitação existe no nível de saber alcançado pela

profissão do indivíduo, numa época determinada, ou seja, a competência é

situacional.

Zarifian (2003) observa que toda atividade profissional se exerce,

precisamente, em certo campo de responsabilidade; assim, cada trabalhador é

responsável por um campo, diferentemente da abordagem na qual o trabalhador

exerce uma função. Trata-se de outra maneira de falar da divisão do trabalho,

organizada em torno da ação dos indivíduos. Em outras palavras, o indivíduo

exerce um papel dentro de um campo de ação delimitado pela organização, um

território social da ação do indivíduo competente. Portanto, o cargo, entendido como

um conjunto de tarefas e responsabilidades característico do modelo de produção

taylorista-fordista e da qualificação tende ao enfraquecimento e substituição, em

vista do uso social da competência no mundo do trabalho. A competência, por sua

vez, é concebida como a tomada de iniciativa e de responsabilidade, baseada na

capacidade de mobilizar o saber formal, proveniente da escola, dos manuais, dos

cursos e de outras fontes instrucionais; o saber–fazer proveniente da experiência, e

o saber-ser relacionado às atitudes e aos comportamentos, ou seja, a maneira pela

qual um indivíduo se conduz em face da realidade em geral: a atitude traduzida no

comportamento, de um agir em uma situação profissional. O reconhecimento da

mobilização desses saberes depende do olhar de outro indivíduo que, assim, atesta

a competência.

Nesse contexto, o estudo da competência implica o ajuste do foco sobre o

indivíduo:

[...] um indivíduo que, produzido nas relações sociais nas quais se encontra inserido, insiste em guardar suas diferenças em relação aos outros [...] e isso não significa, o estabelecimento de um dualismo entre ele e o coletivo, mas, diferente disso, o diálogo. (TOMASI, 2004, p.11)

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Conforme Zarifian (2003, p. 35), “todas as unidades sindicais admitem a

necessidade de abordar a questão da competência, associando-a ao tema da

qualificação”. A qualificação é o que sobressai dos recursos, conhecimentos,

habilidades e comportamentos adquiridos por um indivíduo, na formação ou no

exercício de diversas atividades profissionais; a competência é a utilização desses

recursos na prática. As organizações sindicais denominam de “caixa de ferramentas”

o que o assalariado tem. A competência relaciona-se à maneira como utilizar

concretamente a caixa de ferramentas. Assim, a oposição qualificação /

competência, na prática, se encaminha para a negociação em torno de referenciais

e garantias coletivas, frutos do trabalho entre organizações sindicais patronais e de

trabalhadores, compartilhando experiências no domínio da gestão das

competências, sem isenção, é claro, de questionamentos em torno de conceitos e

articulações. Para Zarifian (2003, p.37), a competência especifica, hoje, de maneira

nova, a construção da qualificação.

Dugué (2004, p.25) observa que a qualificação, nas convenções coletivas,

fortalece o movimento dos trabalhadores, em seus direitos em relação ao

empregador, mas a competência “modifica as formas de regulação do trabalho

quanto ao sistema de formação, participa do enfraquecimento das instituições e das

regras que sustentam a organização do trabalho”. Dadoy (2004), por sua vez,

entende que o conceito de qualificação tem uma trajetória histórica, acadêmica e

institucional, na qual os saberes e salários tendem a agrupar-se; porém, o conceito

de competência é novo e com usos diversos e isso atenta contra o trabalhador, em

favor do empregador.

Na visão de Tomasi (2004), qualificação e competência não se excluem, mas

coabitam, complementam-se. Segundo o autor, uma das contribuições que o estudo

da competência oferece é o convite a repensar os modelos teórico-metodológicos de

análise da realidade, a qual insiste em se transformar. Diante dessa circunstância,

propõe a reflexão: “é a realidade que deve se adequar aos nossos modelos ou, ao

contrário, somos nós que devemos reconstruí-los para melhor apreendê-la?” Essa

questão relaciona-se à visão de Friedmann (1972), para quem o avanço científico e

tecnológico, em termos deterministas, desqualificaria o trabalhador, e à visão de

Naville (1956), para quem o estado das forças produtivas determinaria critérios

sociais, em detrimento dos individuais.

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Todavia, a competência é individual e envolve três saberes: 1- o saber

propriamente dito, escolarizado; 2 - o saber-fazer, que compreende a experiência

profissional; 3- o saber-ser, que engloba as atitudes, também chamado de saber-

atitudinal, comportamental ou social. O saber-ser, na visão de Zarifian (2001),

valoriza qualidades do trabalhador em contexto profissional o que possibilita a saída

da lógica do posto de trabalho (domínio do trabalho sobre quem o exerce),

permitindo ao trabalhador uma válvula de escape da prescrição (que invalida a

reflexão) e da cognição (centrada na rigidez de saberes). Nesse sentido, para

Zarifian (2001), a inserção da competência no mundo do trabalho representa uma

ruptura com o modelo tradicional taylorista-fordista do trabalho.

2.2.3 A gestão de competências e o processo de recrutamento e seleção de

trabalhadores

Esta subseção discute os resultados dos trabalhos de Zarifian (2001, 2003,

2005), Dadoy (2004), Stroobants (2002), Ropé & Tanguy (2002), Tomasi (2004),

Ruas (2005), Fleury & Fleury (2005), Dutra (2004), Almeida (2004) nos quais o

conceito de competência é objeto de estudo empírico. Esses trabalhos contribuem

para a análise do uso social do conceito de competência no âmbito organizacional,

na gestão de pessoas e, sobretudo, no processo de recrutamento e seleção de

trabalhadores, foco da presente pesquisa, subsidiando o encaminhamento desta

investigação.

Como já observado, o gerenciamento de trabalhadores pressupõe a adoção

de meios adequados à condução do trabalho nas organizações. As práticas

gerenciais regem a atividade de trabalho, as relações sociais entre patrão-

empregado e a hierarquia no trabalho. Regem também a concepção de trabalhador,

que, por sua vez, impacta o processo de recrutamento e seleção para ocupação de

vagas.

Zarifian (2001) ressalta que a convergência de situações de crise em outros

setores industriais permitiu considerar a hipótese do surgimento de um modelo de

gestão por competência, originado principalmente de mudanças nos julgamentos

avaliativos dos responsáveis pela direção e administração de empresas, incluindo

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modificações e práticas desejadas no gerenciamento dos trabalhadores. Essa

perspectiva significou a possibilidade de saída da lógica do posto de trabalho, que,

no passado, constituía o ponto de referência nos modos de recrutamento e seleção

de pessoal nas empresas.

As mudanças no gerenciamento de trabalhadores sob o conceito de

competência, que caracteriza a gestão por competências, são evidenciadas em três

noções analisadas por Zarifian (2001): evento, comunicação e serviço. O evento é

algo que acontece sem prévio aviso, sem programação; é o inusitado na rotina da

produção, cuja solução é dependente da ação humana. O trabalhador em atenção

expectante confronta o evento e resolve os problemas que são gerados com

conhecimento de causa, demonstrando competência (que é propriedade do

indivíduo e não do posto de trabalho, do cargo). Deste modo, o evento, contraria o

padrão de gerenciamento taylorista-fordista, centrado no controle e na definição

prévia de tarefas a executar em um posto de trabalho. Atrelada ao evento, a

comunicação é outro aspecto essencial no mundo do trabalho. A gerência

controladora taylorista-fordista separava tarefas e responsabilidades; a

comunicação existente se restringia às políticas de comunicação da empresa,

direcionadas de cima para baixo, sem levar em conta as necessidades de

gerenciamento de interações, busca do entendimento mútuo entre os trabalhadores

e conhecimento da organização em seus objetivos. A comunicação e o evento

ligam-se ao terceiro conceito: serviço. Trabalhar é satisfazer as necessidades do

cliente, usuário interno ou externo da organização, ou seja, é estar atento aos

imprevistos, às demandas. Esses três elementos observados por Zarifian (2001)

destoam do padrão tradicional de gerenciamento taylorista-fordista, centrado no

controle e na prescrição de tarefas relativas ao cargo.

Os estudos de Dadoy, (2004), Ruas, (2005), Fleury & Fleury (2004) e Tomasi

(2004), quanto ao conceito de competência no mundo do trabalho, revelam

indefinições e sobreposição de concepções correlatas, acarretando uma

multiplicidade de entendimentos, ligados à noção de qualificação, atribuições,

desempenho e outras. Ruas (2005) salienta essa heterogeneidade conceitual,

observando que termos como performance, desempenho, objetivos e diversas

formas de atributos são tratados como competências. Observa ainda Ruas (2005)

que os aspectos atitudinais são considerados difíceis de serem avaliados, nas

atividades repetitivas. Cita também situações em que a qualificação profissional é

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ligada à qualidade do profissional e vinculada ao estoque de saberes escolares e

experienciais, sustentadas na análise do curriculum vitae do trabalhador, bem como

o conceito de competência sob a forma de mobilização de capacidades, associado

à lógica da prescrição de tarefas ou atribuições.

Na visão de Stroobants (2002), no contexto organizacional, o conceito de

competência se refere à modificação do perfil do trabalhador, cujo vocabulário é

renovado, com termos relativos a saberes e competências. Para Ropé & Tanguy

(2002), por sua vez, tal conceito é ligado a um conjunto de conhecimentos,

qualidades e capacidades relacionadas ao ofício. Dadoy (2004) explica que a

assimilação do conceito de competência ocorreu em diferentes contextos, sendo

aplicado a objetos distintos dos originais, sem que houvesse, por parte dos

empregadores, sindicatos e educadores da área profissional uma reflexão mais

aprofundada sobre suas diversas definições e utilizações.

Cabe ainda ressaltar que os mencionados autores são consensuais no

entendimento de que têm ocorrido avanços, em termos de compreensão e

operacionalização do conceito de competência, cuja presença é evidenciada em um

número reduzido de empresas.

Nas pesquisas desenvolvidas por Le Boterf (2003), foi constatada a

existência de contradições entre o discurso oficial dos dirigentes de empresas e a

realidade de sua gestão. Embora a maioria dos dirigentes julgue a contribuição dos

trabalhadores fator importante para um satisfatório desempenho organizacional,

muitos ainda consideram preponderantes os fatores materiais e financeiros. São

poucos os investimentos na implantação de políticas que estimulem o

desenvolvimento das competências e, embora muitos os considerem prioritários,

apenas uma minoria harmoniza sua política com o discurso sobre a prioridade das

pessoas na organização.

A adoção dos princípios de gestão por competência pelos dirigentes das

empresas pressupõe o reconhecimento de um trabalhador autônomo, em equipe e

em rede e implica o desenvolvimento da competência do trabalhador na organização

e o desenvolvimento da competência sobre a organização. Nesse modelo, a

simples regulação da organização do trabalho torna-se desnecessária; a relação

passiva, submissa do trabalhador com a empresa (gerência taylorista-fordista) tende

à mudança, e o trabalhador, conforme explica Zarifian (2001, p.138), “pode se tornar

ator explícito da evolução da organização”. A competência sobre a organização, por

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sua vez, é aos poucos desenvolvida, à medida que o trabalhador executa projetos

de trabalho. Zarifian (2001) constata a hesitação dos dirigentes das empresas em

desenvolver essa competência sobre a organização, sobretudo na base da pirâmide

hierárquica, na qual a relação de poder, submissão/controle estabelece a prática

gerencial taylorista-fordista.

Nos estudos de Dutra (2004), Fleury & Fleury, (2004), Ruas (2005) sobre o

âmbito empresarial brasileiro, o uso social do conceito de competência se dá tanto

sob a dimensão coletiva como sob a individual. A coletiva assume tanto uma

perspectiva estratégica (competências organizacionais estratificadas em áreas e

funções), quanto uma configuração específica de práticas associadas à gestão de

pessoas (seleção, desenvolvimento, avaliação e remuneração por competências). A

dimensão individual, por sua vez, inclui as competências gerenciais, que colocam

em ação as propostas e projetos organizacionais e funcionais (ou por área).

O gerenciamento dos trabalhadores, nas últimas décadas, vem passando por

significativas mudanças. Para Dutra (2004), foi atribuída maior importância às

pessoas, e o foco do gerenciamento centrado no controle tende ao desenvolvimento;

daí a denominação de gestão de pessoas. O perfil ideal de trabalhador, de

obediente e disciplinado, passou a autônomo e empreendedor, com a inserção do

trabalho em equipe. Passaram a ser valorizados aspectos como: participação,

liderança, comunicação e autonomia. Embora as pesquisas apontem essas

mudanças na gestão de pessoas, as transformações não foram acompanhadas

pelos conceitos e ferramentas que dão suporte à gestão (DUTRA, 2004). O autor

ressalta haver dificuldades na compreensão do conceito de competência e nas

formas de sua articulação pelos responsáveis pelas empresas, pois coexistem nas

organizações discursos carregados de modernidade, aliados à manutenção de

posturas tradicionais, típicas do modelo de produção rígido. Assim, o modelo da

competência é entendido como inadequado para trabalhar as necessidades das

organizações, sendo considerado um modismo (DUTRA, 2004).

Reportando-se ao atual modelo de gestão de pessoas, Fleury & Fleury (2004,

p.27) observam que “gerenciar por um modelo de competências implica somente

uma mudança burocrática nos procedimentos para seleção dos indivíduos”.

Destacam os autores a tendência à utilização do conceito de competência pelos

profissionais de recursos humanos como algo que pode ser medido e quantificado. À

semelhança dos padrões e resultados obtidos por meio do treinamento, a

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competência é entendida como um conjunto de conhecimentos, habilidades e

atitudes que afetam o trabalho em termos de desempenho; referem-se, então, à

tarefa e ao conjunto de tarefas prescritas a um cargo. Tal postura

encontra ressonância na abordagem de Almeida (2004), profissional da área

de recursos humanos, para quem a política de treinamento na atualidade é orientada

para o desenvolvimento de competências para o negócio da empresa e para o

treinamento das pessoas, visando a assumir novos desafios e possibilidades.

Todavia, cabe enfatizar que a competência não pode ser enclausurada em

definições prévias de tarefas a executar, nem vinculada a treinamento para um posto

de trabalho.

Zarifian (2001) ressalta ser o trabalho a ação competente do indivíduo em

face de uma situação de evento, e considera que a competência marca a volta do

trabalho ao trabalhador. O autor observa ainda que o processo de recrutamento e

seleção de trabalhadores passou a exigir a comprovação de diplomas que atestem

instrução mínima em conhecimento e disciplina para enfrentar situações de trabalho

complexas, que exijam maiores conhecimentos e capacidade de raciocínio.

Constatou, também, o uso discriminatório do uso da competência nos anos de 1980,

cuja intencionalidade se assentava na pré-seleção dos candidatos, visando a

garantir maior previsibilidade ao recrutamento e seleção.

Para Fleury & Fleury (2004), entre as mudanças ocorridas na gestão de

pessoas, com a introdução do conceito de competência nas áreas de treinamento e

desenvolvimento, incluem-se a criação de universidades corporativas, visando ao

processo de desenvolvimento das pessoas e das organizações e o desenvolvimento

de sistemas próprios de remuneração, ligados aos níveis de competência.

Quanto ao processo de recrutamento e seleção, foi observada tanto a

elevação do nível educacional demandado, quanto a exigência de características

pessoais, como comprometimento com a organização, flexibilidade para enfrentar

incidentes críticos e novas demandas da empresa, bem como pensamento

estratégico.

Dutra (2004) ressalta a tendência de algumas empresas a vincular a

abordagem por competência ao processo de recrutamento e seleção de

trabalhadores; contudo, a abordagem tradicional, centrada no cargo, persiste no

sistema formal. O QUADRO 2 possibilita a comparação entre a abordagem

tradicional e o enfoque por competência na captação de pessoas.

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QUADRO 2

Abordagem tradicional e por competência na captação de trabalhadores

Aspectos analisados Abordagem tradicional Abordagem por competência

Horizonte profissional Voltada para o cargo a ser ocupado

Voltada para a carreira da pessoa na empresa

Perfil Atendimento às demandas de um cargo específico

Atendimento a demandas presentes e futuras

Processo de escolha Adequação ao cargo. Adequação a uma trajetória específica

Ferramentas de escolha Testes de conhecimentos, habilidades e atitudes necessários para o cargo

Análise da trajetória profissional para avaliar a maturidade profissional e o ritmo de desenvolvimento

Contrato psicológico Ligado a determinada posição na empresa

Voltada para a carreira ou trajetória profissional na empresa

Compromisso da organização

Manutenção do cargo para o qual a pessoa é captada.

Desenvolvimento da pessoa para determinada trajetória na empresa

Internalização Adequação ao cargo Adequação a uma trajetória.

Fonte: Dutra (2004, p.63) Adaptação.

Dutra (2004, p.63) ressalta o aspecto da trajetória como principal distinção

entre as abordagens. A trajetória, entendida como percurso profissional em

determinado tempo, é marcada pelas realizações da pessoa e as necessidades

decorrentes de posição/função/espaço/papel a serem ocupados/desempenhados,

em que o fator tempo pode ser fundamental. Busca-se atualmente por pessoas que

consigam estabelecer uma boa agregação de valor durante sua trajetória, que não

implica necessariamente longa duração, como é o caso de jovens em início de

carreira, em empresas como fast-food e call-center; que não oferecem um horizonte

profissional extenso, mas precisam de pessoas comprometidas com seu trabalho.

Nesses casos, aliar inexperiência e comprometimento, com ganhos para ambos os

lados, caracteriza uma abordagem de gestão estratégica na captação desses

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trabalhadores, em consonância com os princípios de flexibilidade, em oposição aos

princípios de estabilidade e rigidez, centrados no cargo e na qualificação.

Le Boterf (2006) ressalta que as empresas começam a se instrumentalizar,

com vistas a avaliar a competência dos profissionais. No entanto, ainda não se

desvincularam dos referenciais do sistema de produção rígido, centrado na

prescrição de tarefas. Nesse contexto, o trabalhador dito competente será aquele

que, ao desenvolver o seu trabalho, detém as competências atitudinais e

comportamentais prescritas no referencial.

Para Zarifian (2005), a gestão das pessoas centrada no modelo das

competências adotada nas organizações, circunscreve-se ao uso de dois tipos de

instrumentos: a construção de referenciais e a realização de entrevistas ao

empregado por seu superior hierárquico. A construção de referenciais é feita por

meio de listas de competências centradas no saber-ser, visando a indicar, de

maneira prescritiva, aquilo que os assalariados devem saber-fazer e dizer, numa

dada situação de trabalho. As entrevistas visam a avaliar se as competências

enunciadas nos referenciais são ou não dominadas pelo trabalhador.

Para Le Boterf (2006), os métodos de avaliação da competência de um

profissional pelas organizações devem analisar a prática do trabalhador e sua

maneira de interpretar as prescrições de um trabalho. Uma prática não corresponde,

item a item, a uma prescrição. Se assim fosse, a prática seria reduzida a uma

simples execução de orientações e de normas. Nesse sentido, o alvo da avaliação

não são as competências do trabalhador, pois estas, por si sós, são invisíveis, mas,

aquilo que o mecanismo da avaliação designa como competências.

Por outro lado, pondera Zarifian (2005) que o conteúdo das competências é

definido em relação a um conteúdo do emprego. Segundo o autor, os métodos para

avaliar o emprego não mudaram, compondo-se de descrição do conteúdo técnico da

atividade, requerido no exercício da função. Tal fato revela a necessidade de

encontrar um novo referencial para o trabalho, após o esgotamento dos referenciais

estabelecidos no modelo taylorista-fordista, centrados no posto de trabalho, na

prescrição de tarefas, no cargo.

O estudo de Almeida (2004) sobre gestão de recursos humanos aponta duas

abordagens sobre recrutamento e seleção de trabalhadores: a tradicional, mantida

no período de até 1980-1990, semelhante à abordagem de Dutra (2004) no

QUADRO 2, e a vigente, moderna. O processo de recrutamento e seleção de

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trabalhadores atual é alinhado à perspectiva estratégica da organização e, com isso,

busca refletir, reproduzir e legitimar as características culturais das organizações.

Orientado para o cenário atual e futuro da empresa, sua abordagem difere do

tradicional enfoque taylorista-fordista, uma seleção com fim em si mesma.

Para Almeida (2004), a abordagem moderna de recrutamento e seleção de

trabalhadores tem como princípio se antecipar às necessidades de pessoal. Objetiva

a captação de pessoas que se destaquem e se diferenciem, com perfil para assumir

novos desafios, projetos, comissões, integrando equipes de trabalho. Além do saber

e do saber-fazer, valoriza a formação, a experiência e a atitude do candidato,

essenciais para a análise de seu desempenho. O processo de recrutamento e

seleção, segundo Almeida (2004, p. 27) é atualmente orientado pelo modelo da

competência, que “busca avaliar as competências requeridas pela organização e

pelo cargo e o desempenho do candidato frente a metas relacionadas ao cargo”

(grifos da autora). O foco no cargo corrobora os estudos já citados, que enfocam não

só a dificuldade de desvinculação da abordagem taylorista-fordista na gestão de

pessoas e no processo de recrutamento e seleção de trabalhadores, mas também a

dificuldade de sua articulação com o modelo de competência.

Além disso, no estudo de Almeida (2004), a cultura da organização ganhou

destaque e divide espaço com o princípio da pessoa certa para o cargo. A adesão, a

adaptação do candidato à cultura da organização é fator essencial. O princípio que

norteia as práticas de recrutamento e seleção consiste em escolher, por meio do

levantamento do perfil ideal do candidato, focalizando os aspectos da cultura da

organização e do cargo, a pessoa que se identifique com a cultura da organização e

que possa agregar valor a ela.

Cada processo seletivo tem sua estratégia única, em função do atendimento

às necessidades específicas da empresa. Os trabalhadores são captados via

internet, rede de relacionamentos, indicação, caça-talentos, consultorias,

anúncios, instituições de ensino. A triagem e seleção são feitas pela

análise do currículo, ficha cadastral, questionários, testes de ajustamento à cultura,

entrevista de pré-seleção, dinâmicas, simulações. A decisão final é feita por

meio de entrevista.

O processo de recrutamento e seleção ideal, segundo Dutra (2004), é

articulado por competência e enfoca a trajetória profissional do candidato, buscando

atender às necessidades da organização. É preciso que a organização saiba quem

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procurar, onde procurar e que tipo de relação será estabelecido entre a pessoa a ser

contratada e a empresa. Há que se delinear o perfil profissional comportamental

esperado da pessoa, o que ela oferece, para atender às necessidades da

organização (presentes e futuras), ou seja, suas competências. Além disso, há que

se definir as condições de trabalho e de desenvolvimento pessoal; as

condições contratuais e vínculos empregatícios a serem estabelecidos; a

fonte e a forma de captação, para que se possa proceder a um

cruzamento entre as competências esperadas e o perfil da pessoa a ser captada,

no tocante a formação, experiência, habilidades e conhecimentos, em

termos da trajetória de realizações e de demonstração de maturidade ou

nível de abstração correspondente às necessidades impostas pela posição a ser

ocupada.

O desenvolvimento profissional das pessoas está relacionado à sua

capacidade e competência para assumir atribuições e responsabilidades que

compõem as trajetórias profissionais, em níveis crescentes de complexidade. A

trajetória de carreiras é, então, uma seqüência de posições e de trabalhos

desempenhados, ou a desempenhar, estruturando e organizando as diversas

opções de trajetórias, de forma a refletir os padrões de desenvolvimento da pessoa

(DUTRA, 2004).

Segundo Zarifian (2001), a premissa da competência se expressa no olhar do

outro, no princípio de que “o trabalho é a ação competente do indivíduo frente a uma

situação de evento”. Nessa perspectiva, o trabalhador será considerado

competente, se fizer escolhas profissionais adequadas, se seguir trajetórias

que, sob júdice do selecionador e recrutador, alinhem-se às demandas

da empresa. Todavia, não se pode perder de vista que a competência é

situacional. Em um dado processo de recrutamento e seleção, a trajetória de

carreira e as competências do trabalhador podem não se alinhar à trajetória

específica demandada.

No modelo taylorista-fordista, na qualificação, a experiência associava-se ao

tempo de exercício na empresa e na função desempenhada pelo

trabalhador. A experiência era ligada à estabilidade e ao domínio de

conhecimentos profissionais, devido à repetição das tarefas prescritas. A

carreira engessava-se nesse modelo, e as condições de crescimento

profissional do trabalhador limitavam-se à empresa. O que diferencia a

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competência de um trabalhador taylorizado, esclarece Zarifian (2001), é a

autonomia de ação do indivíduo, que se engaja voluntariamente na melhoria

do valor produzido, em virtude de suas iniciativas. Assim, a autonomia

não se faz na observância estrita da disciplina; a responsabilidade

não acontece na obediência cega ou na rejeição a qualquer regra;

o espírito de equipe e de cooperação não é condizente com comportamentos

egoístas.

Cabe, contudo, observar que a autonomia de decisão e de ação,

para ser reconhecida no funcionamento da organização, necessita de um

nível de liberdade para a ação do trabalhador. Tal aspecto implica recorrer

a alguém mais competente, com meios fornecidos pela empresa, para

que a autonomia se expresse (ZARIFIAN, 2001). Assim, se no

modelo de gerenciamento taylorista-fordista o gesto da mão, do corpo do

trabalhador movimentava as máquinas, este era requerido no

processo de recrutamento e seleção. Hoje, em face das transformações

operadas não somente no mundo do trabalho, mas na sociedade,

construída, produzida pelo trabalho, não restrito à execução de papéis

profissionais, (TOURAINE, 1994) as situações de trabalho requerem competências

que as pessoas devem procurar adquirir. Para isso, espera-se que

o trabalhador exerça sua qualificação para realizar seu trabalho;

espera-se que o profissional operacionalize competências para gerir sua

situação de trabalho (LE BOTERF, 2003).

Nesse sentido, o trabalhador deixa de se preparar para um cargo, para um

papel profissional a exercer. Ele constrói uma trajetória, em que deve buscar seguir

uma estratégia semelhante àquela recomendada por Dutra (2004) para a

captação de pessoas pelas organizações: ter a empresa a consciência

de suas necessidades, do tipo de trabalhador desejado, onde procurá-lo,

do tipo de relação a ser estabelecida entre o trabalhador e a empresa

e do modelo a ser seguido pelo trabalhador. Além disso, o trabalhador

precisa investir no conhecimento de si mesmo, explorando seu

perfil profissional e comportamental, com a percepção de que as

competências só são utilizadas e se desenvolvem como conseqüência da própria

mobilização.

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3 METODOLOGIA DA PESQUISA

“Diante do real, aquilo que cremos saber com clareza ofusca o que deveríamos saber.” BACHELAR ( 2001, p.18)

A opção metodológica deste trabalho circunscreve-se à análise dos princípios

que, na atualidade, norteiam as ações dos serviços de recrutamento e seleção, na

busca por trabalhadores, refletindo sobre os possíveis entendimentos do conceito de

competência. Os serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores, identificados

neste trabalho pela sigla R&S, são os mediadores entre a oferta e a demanda, tanto

de candidatos quanto de vagas, no mercado de trabalho. São eles, por sua vez, os

representantes dos interesses das organizações, em face do processo seletivo de

profissionais; portanto, aparentam recorrer ao discurso proferido pelas empresas

contratantes, em suas práticas.

Este trabalho procura apreender o discurso proferido por oito empresas

prestadoras de serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores, em Belo

Horizonte - MG, no período de agosto de 2006 – 2007, por meio da interpretação e

análise das falas e dos gestos dos entrevistados e estabelecimento de correlações,

com vistas a alcançar os significados das práticas relativas ao conceito de

competência nesses serviços.

O aporte teórico foi buscado nos estudos de alguns autores da escola

francesa de Sociologia do Trabalho: Zarifian (2001, 2003, 2005), que aborda o

estado da arte da competência nas organizações francesas; Le Boterf (2003, 2006),

que investiga a implantação do modelo da competência nas organizações; Dadoy

(2004), que discute a relação entre qualificação e competência; Stroobants (2002),

que aborda a temática à luz das ciências da cognição; Ropé & Tanguy (2002) e

Isambert-Jamati (2002), que recorrem à interface da educação, da formação e do

trabalho, para analisar o conceito da competência. Na literatura brasileira sobre o

tema, o referencial teórico baseou-se principalmente nos autores Fleury & Fleury

(2004), Dutra (2004) e Ruas (2005) que investigam o tema em empresas nacionais e

transnacionais, e Tomasi (2004), orientador deste trabalho, cujo olhar sobre o

indivíduo e o trabalhador proporcionou perspectivas instigantes.

Para a apreensão da realidade, ponto de partida da investigação científica,

recorreu-se, portanto, à observação e a entrevistas abertas com indivíduos

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representantes das empresas selecionadas, que os indicaram previamente. O

conteúdo das entrevistas foi gravado, com a anuência dos entrevistados, e

posteriormente transcrito.

Trata-se de um estudo de múltiplos casos, cujas características essenciais,

explicitadas por Godoy (1995 a, p.62), são “ter o ambiente natural como fonte direta

de dados e o pesquisador como instrumento fundamental”. Além disso, na pesquisa

qualitativa, os dados coletados aparecem sob a forma de transcrições de

entrevistas, anotações de campo, dentre outras formas indicadas por Godoy (1995

a), visando à análise do ambiente de maneira holística, como um processo. Nesta

pesquisa, o interesse da investigadora é verificar como determinado fenômeno se

manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações diárias,

compreendendo o fenômeno na perspectiva dos participantes. Salienta Godoy

(1995a) que o pesquisador qualitativo deve assegurar-se de que efetivamente

captou tal entendimento com os informantes e recomenda que parta de questões e

suposições, adotando o enfoque indutivo na análise dos dados.

A pesquisa qualitativa, segundo Godoy (1995b), possibilita a estratégia de

estudo de caso, que visa, conforme indica Yin (2005), ao exame detalhado de um

ambiente, de um simples sujeito ou de uma situação em particular, como uma

empresa, ou seja, aborda condições contextuais. Um estudo de caso focaliza

acontecimentos contemporâneos, permitindo uma investigação na qual se

preservam, como indica Yin (2005, p.20), “as características holísticas e

significativas dos acontecimentos da vida real [...] tais como processos

organizacionais”. Além disso, possibilita a observação direta dos acontecimentos

que estão sendo estudados e a realização de entrevistas com pessoas envolvidas

no estudo.

Entende-se que os serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores

testemunham as mudanças no mundo do trabalho e, em grande medida, são os

responsáveis pela implementação das novas ferramentas e dos modelos postulados

pelas organizações, além de interpretarem as demandas por trabalhadores, na

atualidade. Assim, analisando os princípios que sustentam as práticas desses

serviços, poder-se-á verificar o conceito de competência praticado no contexto

organizacional, o qual abarca acontecimentos contemporâneos, preenchendo as

condições necessárias ao estudo de caso proposto. Segundo Yin (2005, p. 32), o

estudo de caso “é uma investigação empírica, que investiga um fenômeno

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contemporâneo dentro de seu contexto de vida real, especialmente quando os

limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos.” Neste caso,

os limites da emergência do conceito de competência estão associados à inserção

heterogênea do modelo de produção flexível e à ruptura, em certa medida, com o

modelo de produção taylorista-fordista.

A estratégia de estudo de caso abordada por Yin (2005) abrange técnica de

coleta de dados e abordagens específicas para sua análise, além de permitir a

variação de estudo de casos múltiplos, quando envolve dois ou mais sujeitos, duas

ou mais instituições. Nesta investigação, são avaliadas oito empresas prestadoras

de serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores. Além disso, o estudo de

múltiplos casos pode ser usado para propiciar generalizações amplas, baseadas em

evidências desses estudos, como indica Godoy (1995b). Compreendendo-se que os

elementos acima descritos coadunam com os propósitos desta investigação, optou-

se pela estratégia de múltiplos casos, uma vez que o estudo de uma única empresa

prestadora de serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores não

possibilitaria generalizações amplas.

Este capítulo é dividido em três seções: na primeira, serão explicitados os

critérios para a escolha das unidades investigadas, os sujeitos da pesquisa, as

fontes de informação e os critérios de definição dos casos; na segunda, serão

enfocados os critérios para análise e, na terceira, as empresas de recrutamento e

seleção de trabalhadores pesquisadas.

3.1 Critérios para escolha dos participantes da pesquisa

O desenvolvimento do estudo de caso requer, de acordo com Yin (2005), a

escolha da unidade a ser investigada, que pode ser um indivíduo, algum evento ou

entidade. Neste estudo de casos múltiplos, a unidade de análise é constituída por

empresas prestadoras de serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores, por

serem as responsáveis pela implementação de novas ferramentas e dos modelos

postulados nas organizações e por interpretarem as demandas das empresas por

trabalhadores. Os sujeitos da pesquisa, ou seja, os indivíduos participantes das

entrevistas foram indicados pelas próprias empresas, tornando-se, portanto, seus

representantes.

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Como fonte de informação, recorreu-se ao serviço de busca telefônica

eletrônica, denominado TeLelistas, definindo-se a localização geográfica (Minas

Gerais, Belo Horizonte). Em agosto de 2006, na categoria “consultores em recursos

humanos”, foram relacionados 71 profissionais dessa área. Em 10 de fevereiro de

2007, foi realizada ‘busca’ telefônica via internet, desta vez na palavra-chave

“seleção-de-pessoal”, chegando-se a 37 indicações. Com a palavra-chave

“empregos-agência”, chegou-se a 29 indicações, totalizando uma população de 137

indicações nominais de prestadores de serviços, com os respectivos números de

telefone, endereço e inclusive endereços eletrônicos de alguns.

No Brasil, a temática competência, no meio acadêmico e organizacional,

passou a ser enfatizada a partir da década de 1990, conforme os autores Tomasi

(2004), Fleury & Fleury (2004), Dutra (2004) e Ruas (2005). Portanto, a abordagem

do tema é, de certa forma, recente, e os estudos empíricos voltados para a área de

recrutamento e seleção, efetivados junto aos prestadores de serviços na área, se

encontram em fase inicial e apresentam uma série de lacunas, apontadas pelos

pesquisadores.

O primeiro critério para escolha das empresas que comporiam o estudo foi o

tempo de atuação das empresas prestadoras de serviço de recrutamento e seleção,

na cidade de Belo Horizonte, há pelo menos dez anos. De acordo com dados online

do SEBRAE14, 56% das empresas fundadas nos mais diferentes ramos de atuação

não chegam a sobreviver por cinco anos. Esse fato denota a importância do tempo

de permanência do estabelecimento no mercado, como elemento de sua maturidade

em sua área de atuação. Optou-se, portanto, por empresas prestadoras dos citados

serviços, que tivessem iniciado suas atividades anteriore a 1996, uma vez que esta

pesquisa teve início no ano de 2006. Partiu-se do pressuposto de que esse tempo,

teria sido suficiente para que os serviços de recrutamento e seleção vivenciassem

as transformações no mundo do trabalho e a inserção da temática da competência

entre seus critérios de seleção de trabalhadores. Tal escolha constituiu elemento

relevante para a análise dos dados, por se relacionar ao contexto de mudanças no

mundo do trabalho reportadas pelos entrevistados.

O segundo critério de escolha objetivou evitar um entendimento

particularizado, regionalizado, setorizado, funcional do conceito de competência

14 SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS – SEBRAE, 2004. Disponível em :< www.sebrae.com.br>. Acesso em 02/04/2006.

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praticada nos serviços de recrutamento e seleção, de forma a possibilitar o

entendimento mais amplo possível do conceito. Assim, considerando que a

competência é individual, portanto, demandada em todos os níveis organizacionais

(TOMASI, 2004), buscou-se a participação na pesquisa, de empresas prestadoras

de serviço que selecionassem profissionais para os mais diferentes níveis e cargos,

bem como, com atuação em organizações de diversos portes.

Primeiramente, de maneira aleatória, foi escolhido um grupo de vinte

prestadores de serviços. Posteriormente, procedeu-se a uma filtragem, mediante a

consulta a sítios eletrônicos daqueles prestadores que possuíam página na internet,

e/ou via telefone dos que não faziam uso de websites, ou que não ofereciam em

suas páginas eletrônicas informação sobre seu tempo de experiência ou de

estabelecimento na cidade, sobre sua atuação nacional e sobre recrutamento e

seleção de trabalhadores para todos os níveis hierárquicos e cargos da empresa.

Desse grupo de vinte empresas, três não responderam à solicitação de entrevista;

dois não concordaram em ceder entrevistas e cinco não se enquadraram no critério

de tempo mínimo de experiência de dez anos.

Foi possível compor a amostra com dez prestadores de serviços, os quais

foram efetivamente entrevistados; todavia, nesse grupo de dez sujeitos

entrevistados, dois deles não se enquadraram perfeitamente nos critérios definidos.

Muito embora tenha atendido aos critérios de escolha propostas, foi constatado in

loco que um dos selecionados prestava serviços somente a uma empresa, e o outro

prestava serviços apenas em âmbito regional, razão pela qual a análise das

entrevistas restringiu-se à contribuição de oito respondentes.

No período compreendido entre 24 de agosto e 01 dezembro do ano de 2006,

foram entrevistadas cinco empresas selecionadas e, no período de 10 de fevereiro a

02 de agosto de 2007, foram entrevistadas outras cinco.

Cabe salientar que, durante a fase de contato com as empresas escolhidas,

foi percebida certa preocupação por parte dos prestadores de serviços contactados

quanto à preservação de determinadas informações, o que denota a importância do

sigilo nessa área de atuação. Embora a solicitação de entrevista tenha sido feita

formalmente, via e-mail, e apesar de terem sido informados os dados referentes à

pesquisadora e ao orientador da pesquisa, tais como número do currículo na

Plataforma Lattes e endereço eletrônico do Centro Federal de Educação

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Tecnológica de Minas Gerais, tais referências parece não terem sido suficientes

para convencer alguns contactados a concederem a entrevista.

Os dados da pesquisa foram obtidos por meio de entrevista individual, semi-

estruturada com os responsáveis pelo processo de recrutamento e seleção

indicados pelas empresas escolhidas. As entrevistas foram marcadas com

antecedência e duraram em média cinqüenta minutos, abordando os tópicos

registrados em roteiro previamente elaborado, com base no referencial teórico

estudado (APÊNDICE A). Durante as entrevistas, foi solicitado aos respondentes

que apresentassem fatos e opiniões pessoais, a partir das perguntas abertas

formuladas. As falas dos entrevistados foram gravadas, o que garantiu a

fidedignidade das respostas e facilitou sua posterior análise e categorização.

3.2 Critérios para análise dos dados coletados Os critérios para análise surgiram das falas coletadas dos sujeitos desta

pesquisa aliadas à teoria pertinente ao tema desenvolvido. A escolha desses

critérios emergiu do problema de pesquisa enunciado na Introdução, o qual norteou

os rumos de toda a investigação. Após a transcrição, leitura e releitura dos

conteúdos das falas dos entrevistados, em função do roteiro da entrevista, os

critérios de análise foram estabelecidos, conforme registra o QUADRO 3, a seguir.

QUADRO 3

Critérios e subcritérios para análise dos dados Processo de Recrutamento e Seleção: critérios

1.Evolução do perfil profissional buscado no processo de R&S 1980-2007

2. Práticas das empresas de R&S para atender à demanda das contratantes.

3.Gestão por competência na percepção dos entrevistados

1.1 Relevância dos saberes escolarizados e das experiências.

2.1 Captação da demanda das empresas contratantes

3.1 O conceito de competência do empregador

1.2 Mudança do perfil profissional demandado

2.2 Busca de referência na concepção de competência da empresa contratante

3.2 O conceito de competência dos serviços de recrutamento e seleção

2.3 Construção do perfil profissional demandado

2.4 O candidato: perfil profissional ofertado

Fonte: Dados da pesquisa, 2008.

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3.3 Unidades de análise: as empresas participantes da pesquisa

Nesta seção são apresentados os oito serviços de recrutamento e seleção de

trabalhadores que subsidiaram esta pesquisa. As informações foram obtidas nas

entrevistas realizadas com seus representantes, bem como nos sítios eletrônicos

dessas empresas e nos portfólios oferecidos por algumas delas. Esse quantitativo foi

considerado suficiente para as finalidades desta pesquisa. Para resguardar a

identidade dos serviços de recrutamento e seleção participantes da pesquisa, as

empresas serão identificadas pela sigla R&S (Recrutamento e Seleção), seguida de

um código numérico referente à ordem das entrevistas: R&S1, R&S2, R&S3 etc.

3.3.1 Empresa R&S 1

Em 24/08/2006, foi entrevistado o representante da prestadora de serviços

R&S1, psicólogo com 16 anos de experiência na área. Fundada em 1975, a

empresa possui um centro de treinamento na cidade de São Paulo e escritórios nas

cidades de Rio de Janeiro, Curitiba e Campinas. A prestadora de serviços dispõe de

estrutura operacional que cobre todo o território nacional e um quadro de

colaboradores que engloba mais de duzentos consultores profissionais. Além dos

serviços de recrutamento e seleção, oferece programa de transição profissional,

outplacement (desligamento de profissionais), consultoria organizacional e divisão

de treinamento.

No tocante ao serviço de recrutamento e seleção, a empresa R&S1 coleta

dados sobre os planos de trabalho que serão assumidos pelo profissional, o estilo de

gerência e as expectativas do chefe imediato do profissional, as responsabilidades

do cargo, a hierarquia, os atributos técnicos e pessoais, a remuneração e os

benefícios oferecidos. O recrutamento é efetuado pelas seguintes fontes: arquivo da

empresa, pesquisa dirigida, indicações, anúncios em jornais e/ou revistas,

publicados mediante autorização da contratante.

Na seleção, a empresa procura indicar até cinco candidatos, todos eles

capazes de assumir a posição em aberto. A avaliação dos candidatos é feita com

base em situações reais de sua área de atividade. Uma vez selecionados, a

contratante recebe um dossiê sobre os candidatos, contendo seu curriculum vitae

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detalhado, comentários individuais e comparativos, além de avaliação psicológica

e/ou grafológica, quando solicitada, e levantamento de antecedentes dos indicados.

Oferece também instalações com ambientes apropriados e isolados, para que a

organização contratante realize entrevistas com os candidatos.

Outra forma de trabalho é a parceria, que é a terceirização total ou parcial de

recrutamento e seleção, de modo contínuo ou integrado. A parceria garante,

segundo R&S1, melhoria constante da qualidade dos serviços, absorção da cultura

da empresa contratante, o que agiliza os processos, vivência maior do parceiro

(R&S1) junto às estratégias e metas da contratante, facilitando a busca conjunta de

soluções mais adequadas, e favorecendo a redução de custos, devido ao trabalho

contínuo.

3.3.2 Empresa R&S 2

Em 17/10/2006, foi entrevistada a representante da Empresa R&S2,

psicóloga atuante na área de recrutamento e seleção há 18 anos e sócio-fundadora

dessa prestadora de serviços, fundada em 1990, com atuação em âmbito nacional.

R&S2 possui escritório central situado na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais e

tem como objetivo promover o encontro entre profissionais que procuram

oportunidades e empresas que buscam talentos. R&S2 oferece serviços voltados

para a qualificação profissional, tais como: outplacement (desligamento) corporativo,

orientação e evolução profissional, requalificação profissional, monitoração de

treinamento e projetos especiais e de headhuntig (recrutamento e seleção de

profissionais talentosos). Os clientes de R&S2 são empresas tanto nacionais quanto

transnacionais, atendendo a diferentes portes e ramos de atuação organizacionais,

selecionando e recrutando profissionais para os diversos cargos e regiões do Brasil.

3.3.3 Empresa R&S 3

Em 23/10/2006, foi entrevistada a representante da Empresa R&S3, psicóloga

e ocupante da função de gerente dessa tradicional prestadora de serviços fundada

em 1986, com atuação nacional e internacional. Líder no ramo, a empresa presta

serviços de recrutamento e seleção de profissionais, assessoria na recolocação de

executivos e terceirização de processo de recursos humanos, por meio de anúncio

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de currículos e vagas. Presta serviços de apoio à carreira, elaboração, análise e

tradução de currículo e carta de apresentação. Além disso, oferece simulação de

entrevistas, educação executiva com cursos on-line e presenciais, Master Business

Administration on line, serviços corporativos como testes online, pesquisa salarial,

administração de estágios e soluções em treinamento. Também oferece, por meio

da Editora Gestão e RH, publicações e livros que abordam a temática da área de

Recursos Humanos. A matriz da empresa está situada em Barueri, São Paulo, além

de ter filial em São Paulo (capital) e 27 escritórios regionais distribuídos nas cidades

de Vitória - ES, Uberlândia - MG, Sorocaba - SP, Sta. Maria - RS, S.Luís –Ma, Rio

de Janeiro – RJ, Salvador – Ba, Ribeirão Preto – SP, Recife – Pe, Natal – RN, Porto

Alegre – RS, Manaus – Am, Maceió – Al, Goiânia – Go, João Pessoa - Pb, Fortaleza

– Ce, Curitiba – Pr, Brasília – DF, Campinas – SP, Blumenau – SC, Belo Horizonte –

MG, Belém – Pa, Bauru – SP, Aracajú – Se, Santos – SP. A empresa, em 1996,

procedeu a inovações, criando a divisão on-line tornando-se o serviço de

classificados eletrônicos de currículos e empregos de maior audiência da América

Latina. Em 2006, foi vencedora do prêmio Top of Mind na categoria site de

recrutamento. Adotando o slogan “seu sucesso é o nosso negócio”, a divisão online

tem como objetivo intermediar candidatos e empresas. Os profissionais pagam uma

assinatura para anunciar seu currículo e utilizar uma série de serviços exclusivos,

que visam a auxiliar os trabalhadores no sentido de aumentar suas possibilidades de

serem chamados para entrevistas. As empresas anunciam suas vagas

gratuitamente e também acessam serviços que facilitam e agilizam o processo de

contratação.

3.3.4 Empresa R&S 4

Em 10/11/2006, foi entrevistada a representante da R&S4, psicóloga e

sóciofundadora da empresa. Fundada em 1996, presta serviços de consultoria para

gestão estratégica de recursos humanos em âmbito nacional. Oferece soluções para

o desenvolvimento de profissionais e organizações, cujos produtos e serviços são

representados por meio de três unidades de operação: headhunting (caça-talento),

out placement (recolocação), coaching (desenvolvimento de pessoas).

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3.3.5 Empresa R&S 5

Em 26/03/2007, foi entrevistada a representante da R&S5, psicóloga e

gerente da unidade centro dessa prestadora de serviços em âmbito nacional e

internacional. Fundada em 1963, a empresa possui mais de 40 mil colaboradores,

distribuídos nas mais de 100 unidades situadas no Brasil. No exterior, marca

presença no MERCOSUL desde 1997, com escritório na Argentina. A prestadora de

serviços R&S5 é uma organização especializada em relações humanas no trabalho,

recrutamento, cadastramento, seleção e admissão de pessoas que trabalham sob o

regime jurídico mais adequado às circunstâncias (temporário, efetivo, celetista

(CLT), regime terceirizado, safrista e estagiário). Apresenta amplo cadastro de

profissionais nas áreas administrativa, comercial, financeira, industrial, tecnologia da

informação, informática e nas mais diferentes funções e cargos nos níveis

operacional, intermediário, gerencial, altos executivos. Os serviços são prestados a

empresas e a profissionais, apresentando soluções diversas em recursos humanos,

desde o recrutamento, cadastramento e seleção de profissionais, chegando à

terceirização plena de recursos humanos, passando pela área de saúde, segurança,

treinamento e desenvolvimento.

3.3.6 Empresa R&S 6

Em 14/05/2007, foi entrevistada a representante da R&S6, socióloga e sócia

proprietária da prestadora de serviços em consultoria empresarial, fundada em 1991.

A empresa tem atuação nacional, com o objetivo de assessorar organizações e

profissionais na sua busca pela excelência, respeitando a cultura, a filosofia e as

crenças organizacionais e pessoais dos clientes. A Empresa R&S6 destaca que

seus serviços têm por objetivo assessorar as empresas contratantes, por meio de

suas gerências, na identificação de profissionais que, aliados à filosofia da empresa,

sejam capazes de assumir desafios e exercitar sua competência teórica/prática no

alcance de metas definidas, tendo como foco resultados. Com o slogan “gente é o

nosso negócio”, inclui em sua área de atuação questões relacionadas a “gente” e

estratégia de gestão nas empresas, somando competências, desenvolvendo

talentos, acompanhando e extrapolando tendências, usando a criatividade como

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ferramenta. A Empresa R&S6 oferece também serviços de consultoria de gestão, ou

seja, assessoramento à alta administração, na definição do modelo de gestão de

pessoas, enfocando filosofia, políticas e processos da empresa contratante. Outro

serviço prestado é o aconselhamento de carreira (counseling) ferramenta de

orientação para a retomada da performance do indivíduo na empresa em que

trabalha, verificação de novas alternativas de atuação profissional no mercado de

trabalho, ou orientação de jovens, no momento de escolha da profissão. Presta

também serviços de recrutamento e seleção de profissionais para posições

estratégicas, gerenciais e técnicas de nível superior. No portfólio da empresa, consta

o entendimento de que a competência organizacional está diretamente ligada à

competência dos indivíduos. Pessoas de talento constroem e mantêm empresas

talentosas, competitivas. Nesse contexto, um dos grandes desafios enfrentados

pelas organizações é compor equipes consoantes com os novos tempos, que

demandam resultados ágeis e qualidade nos serviços prestados.

3.3.7 Empresa R&S 7

Em 21/05/2007, foi entrevistada a representante da R&S 7, psicóloga e

sóciaproprietária da empresa. Fundada em 1991, integra uma rede de empresas de

hunting (caça talentos). O trabalho em rede possibilita conexões internacionais,

estendendo a disponibilidade da prestadora de serviços R&S7 para o atendimento a

demandas no exterior. Trata-se, segundo informações constantes em seu portfólio,

de empresa “referência mineira em recrutamento e seleção de executivos”. Presta

serviços em duas divisões: a primeira, executive search, ocupa-se do recrutamento

e seleção de executivos e de profissionais de nível universitário, para carreiras

técnicas. Atende aos setores de alimentos, bebidas, comunicação, educação,

eletroeletrônico, engenharia e construção, financeiro, higiene e limpeza, metalúrgico,

mineração, químico, saúde, serviços, tecnologia da informação, telecomunicações,

varejo e distribuição. Nessa atividade de executive search, a R&S7 presta serviços

que consistem na identificação e seleção de profissionais, em consonância com a

demanda da empresa cliente. O trabalho desenvolvido pelos headhunters (caça

talentos) pressupõe a caracterização clara da realidade e das necessidades da

organização a ser atendida, bem como a definição do perfil e da posição a ser

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preenchida, contemplando os desafios que serão enfrentados pelo seu ocupante.

Com essa definição, é feito o mapeamento do mercado, visando à identificação

daqueles profissionais cujos perfis e expectativas se encaixem na necessidade do

cliente. Entrevistas individuais e personalizadas, com foco em competências, são

realizadas com a finalidade de gerar um relatório sobre a adequação e as

perspectivas de adaptação do candidato à organização. O cliente, por sua vez, após

entrevista com os candidatos, conta com a assessoria do prestador de serviços para

a escolha final do profissional a ser contratado. A segunda divisão, intitulada Novos

Talentos é encarregada da realização integral e em âmbito nacional da seleção de

profissionais para programas de trainees e estagiários de nível universitário ou

técnico. A empresa é especialista em hunting (caça-talentos) de profissionais

estratégicos para o preenchimento de posições em organizações nacionais e

transnacionais. Informatizada, com eficaz sistema de gestão de caça-talentos,

composto por um banco de dados tecnologicamente avançado, a empresa se

desenvolveu e vem aplicando com exclusividade, no Estado de Minas Gerais, uma

moderna metodologia de trabalho. Atende de forma personalizada, usando técnicas

que garantam agilidade e confiabilidade aos processos, com gerenciamento

exclusivo de cada projeto e o desenvolvimento particular e confidencial de todas as

etapas do trabalho, a saber: planejamento, execução e garantia do serviço.

3.3.8 Empresa R&S 8

Em 02/08/2007, foi entrevistado o representante da R&S 8, psicólogo, há dez

anos atuando na empresa como gerente de divisão de recrutamento e seleção. A

empresa prestadora de serviços R&S8, fundada em 1965, apresenta atualmente um

portfólio de amplos produtos, atuando em recrutamento e seleção de executivos,

trainees, administração de mão-de-obra temporária, administração de estágios e

serviços terceirizados, disponíveis nas seguintes Divisões: executivo, especialistas,

talentos, administração de mão-de-obra e integração empresa-escola. A Divisão de

Executivos é uma unidade especializada na captação e seleção de profissionais de

alto nível, na identificação de líderes e em soluções organizacionais. Atua na

seleção de executivos para cargos de diretoria e alta gerência, com soluções

ajustadas à política de cada empresa. Atualmente, a R&S8 possui um banco de

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dados com mais de 100.000 currículos, atendendo aos mais diversos segmentos.

Detém uma carteira com mais de 500 clientes e mais de 300.000 profissionais

recolocados no mercado. Presente em todo o País, por meio de uma rede de

contatos de profissionais de recursos humanos que, mediante moderna tecnologia e

infra-estrutura, são capazes de atender a clientes em qualquer parte do Brasil. Tem

como objetivo encontrar o melhor talento profissional, por meio de um rigoroso

padrão ético. No processo seletivo, é traçado o perfil do candidato no desempenho

de atribuições correlatas ao cargo, sempre dentro de uma visão situacional, de modo

a garantir maior confiabilidade no resultado das contratações. Para a seleção dos

candidatos, são utilizadas modernas técnicas de entrevistas por competências,

ferramentas de avaliação de tendência comportamental, cases, dinâmicas, testes de

conhecimentos e outras estratégias que se fizerem necessárias. O processo seletivo

é feito em equipe, com critérios orientados de acordo com o perfil solicitado, a partir

da compreensão das necessidades apresentadas pela empresa contratante. Os

consultores são especializados por segmento do mercado, com sólida formação e

amplo conhecimento de empresas nacionais e multinacionais. A Divisão de

Especialistas é a unidade do grupo de R&S8 que lida com recrutamento e seleção

de posições de média gerência. A Divisão Talentos é especializada em recrutamento

e seleção de trainees e estagiários. Tem como objetivos atrair estudantes e recém-

formados e prepará-los, por meio de um processo estruturado de formação

profissional, para ocuparem posições de senioridade e de liderança nas

organizações. Nos treinamentos, os trainees e os estagiários experimentam

situações de desafio profissional e pessoal, aprendem sobre cultura e valores

organizacionais, desenvolvem seus potenciais, suas habilidades e suas atitudes.

Capacitada a recrutar jovens em todo o território nacional, por meio da rede de

parceiros, a R&S 8 possui um banco de dados que permite agilizar o processo de

recrutamento, independentemente do perfil desejado, de modo a atender às

necessidades específicas de cada cliente. Entre as atividades de recrutamento e

seleção, são incluídas, além de entrevista individual com a área requisitante, os

seguintes aspectos: definição do perfil dos candidatos, triagem curricular por meio

de um sistema informatizado, convocação de candidatos, elaboração e aplicação de

provas, captação de talentos nas escolas, aplicação de dinâmicas de grupos com a

participação do cliente, escolha dos candidatos, comunicado de agradecimento aos

não-escolhidos, apresentação de relatório final com as estatísticas dos candidatos

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por etapa e ranking dos candidatos por área. O grupo busca, diretamente nas

universidades e em seu banco de dados, os melhores profissionais para estágio. Na

R&S8 existe também a Divisão de Integração Empresa-Escola, que atua como

agente entre a iniciativa privada e as instituições de Ensino Médio, Técnico e

Superior. Entre os serviços oferecidos, incluem-se: divulgação de vagas; triagem dos

candidatos, consultoria sobre os aspectos legais e técnicos do estágio; regularização

de todos os documentos necessários à formação jurídica e ao processo burocrático

referentes ao estágio; acompanhamento da atuação e do desempenho do estudante

por meio de relatório semestral, entre outros serviços relativos à área.

Na R&S8, a Administração de Mão-de-obra é a unidade do grupo responsável

pelo recrutamento, seleção e administração de mão-de-obra operacional, temporária

e especializada. É disponibilizada ao cliente a assistência de um gerente de contas

corporativo e são incluídos, entre os serviços prestados, folha de pagamento com

relatórios via internet e cartão salário para pagamento dos funcionários.

O QUADRO 4 sintetiza as características das empresas selecionadas, em

consonância com os critérios estabelecidos, bem como dados pessoais de seus

representantes, indicados pelas próprias empresas, para participarem da entrevista.

QUADRO 4

Participantes da pesquisa

Empresas de R&S selecionadas Entrevistados

Nome (fictício) Experiência Função Experiência

R&S 1 31 anos Gerente 16 anos

R&S 2 16 anos Sócia-fundadora 16 anos

R&S 3 20 anos Gerente 10 anos

R&S 4 20 anos Sócia-fundadora 20 anos

R&S 5 44 anos Gerente 6 anos

R&S 6 16 anos Sócia-proprietária 18 anos

R&S 7 16 anos Sócia-proprietária 20 anos

R&S 8 42 anos Gerente 10 anos

Fonte: Dados da pesquisa, 2006-2008.

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4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

“A competência não é uma negação da qualificação. Pelo contrário, nas condições de uma produção moderna, representa o pleno reconhecimento do valor da qualificação.” ZARIFIAN (2001, p. 56)

Este capítulo apresenta a análise e a interpretação dos dados obtidos nas

entrevistas realizadas junto às oito empresas prestadoras de serviços de

recrutamento e seleção de profissionais escolhidas cuja caracterização foi feita no

tópico anterior. Para efeito de organização do material coletado, as falas dos

entrevistados foram categorizadas, conforme explicitado no QUADRO 3.

No período de realização das entrevistas, esta pesquisadora teve a

oportunidade de participar de um processo seletivo em desenvolvimento. Essa

contribuição possibilitou-lhe compreender, na prática, detalhes de uma moderna

empresa de recrutamento e seleção de trabalhadores.

4.1 Evolução do perfil profissional buscado no processo de recrutamento e seleção de trabalhadores 1980 – 2007

4.1.1 Relevância dos saberes escolarizados e das experiências

Nas entrevistas com os R&S, inicialmente abordou-se o processo de

recrutamento e seleção praticado entre os anos 1980 - 2007. Nesse período, o

princípio da qualificação, ou seja, a valorização dos saberes relativos à profissão foi

questionado teórica e empiricamente, cedendo lugar ao conceito de competência,

que engloba os saberes preconizados pela qualificação, além das atitudes do

trabalhador, o saber-ser.

R&S3, psicóloga, cuja fala é assentada na prática e no estudo sobre o

processo de recrutamento e seleção, o que lhe proporciona amplo domínio do

assunto, além da vasta experiência como gerente da prestadora de serviços,

observa:

[...] o que era valor naquela época (1980) era a pessoa ter muito tempo de experiência com poucas mudanças na vida. Estável era uma pessoa que tinha 20 anos de experiência e, no máximo, dois ou três empregos. (R&S3)

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Esse entendimento é corroborado por R&S6, socióloga, sócia-proprietária da

prestadora de serviços, cuja fala enfatiza a importância atribuída no passado à

qualificação e à experiência do trabalhador:

[...] nos anos 1990, o processo de recrutamento e seleção de trabalhadores investigava o que o candidato havia feito e se assentava na qualificação( ganhando visibilidade a melhor escola), na quantificação de um saber técnico, na experiência[...]contava o tempo de trabalho naquilo que fazia. Quanto mais tempo você ficava fazendo alguma coisa, mais valor você tinha, porque era mais experiente. (R&S6)

Porém, tais valores passaram por uma reavaliação, em função do

desenvolvimento da tecnologia, e novos saberes passaram a ser exigidos dos

trabalhadores, como aponta R&S2, psicóloga e sócia-proprietária da prestadora de

serviços desde 1990:

[...] se, em 1990, o conhecimento em informática era considerado relevante, em 2006 já nem vem mais no perfil. Quem não domina os aplicativos básicos de informática [...] não cabe em lugar nenhum. Tal exigência é feita desde os cargos mais simples, como o de recepcionista, telemarketing, que não exigem tanta competência técnica, mas habilidades pessoais, até os de gerentes de primeira linha, os diretores, que, no passado, tinham suas secretárias nas máquinas de datilografia para redigir uma carta que ele só assinava. Isso deixou de existir. Hoje, esses profissionais sentam à frente de seus micros, recebem e passam e-mails, muitas vezes em outro idioma. (R&S2)

4.1.2 Mudança no perfil profissional demandado

A avaliação de R&S7, psicóloga, demonstra visão ampla sobre o contexto de

mudanças mundiais, com reflexos sobre o mundo do trabalho, na última década,

alterando substancialmente o perfil do trabalhador desejado:

[...] O mundo se transformou rapidamente nos últimos dez anos. O que recebemos no Brasil de injeção de tecnologia ... e quem estava atrasado teve de se ajustar. Todos estes processos de globalização vão impactar fortemente no perfil das pessoas que vão trabalhar neste contexto. (R&S&)

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A complexidade do trabalho determinou a exigência de novos saberes,

aspecto ressaltado por Zarifian (2001). Contudo, os saberes tornados relevantes

num determinado período passam a ser complementares e, como uma ferramenta,

são associados ao trabalho e ao exercício de determinado cargo. A detenção do

saber não distingue um trabalhador dos outros, mas a falta do saber o ameaça,

fazendo-o correr o risco de “não caber em lugar nenhum”. Esses saberes parecem

se equiparar aos demandados pelo nível ocupado pelo profissional, sendo exigidos

pelo exercício da profissão e incorporados ao perfil do trabalhador. Esse

entendimento remete à relação dos saberes com o tipo de intervenção exigida pelo

posto. Essa visão parece se confirmar na fala da representante da R&S2: “Quanto

maior a tecnologia, maior é a exigência com relação ao perfil profissional”. Esse

ponto de vista alinha-se ao pensamento de Friedmann (1946), para quem o avanço

científico e tecnológico desqualificaria o trabalhador, enquanto a qualificação, ou

seja, os saberes, confeririam substância, peso ao trabalhador. Por outro lado,

observa-se que, na fala da representante da R&S3, a qualificação, com o saber

sistematizado, e a valorização do trabalhador pela quantificação e repetição de

saberes impactam com a exigência da aplicação e mobilização de saberes no

trabalho atual, no qual o trabalhador é concitado a pensar:

[...] o jovem chega com muito conhecimento, mas não consegue transformar esse conhecimento numa prática, num registro...ele tem dificuldade de registrar no papel... ele não consegue sintetizar. Há dificuldades em sintetizar, em estabelecer relações que sintetizem um objetivo. Existe quantidade, excesso de informação, porém, sem aplicabilidade. (R&S3)

Assim,

[...] profissionais que estejam em contínuo aprendizado, não importa se ele está fazendo um curso de línguas, de tênis, mas ele está em movimento... Se ele está fazendo um MBA, ou pós ... ou se ele está fazendo gastronomia por lazer, não importa, alguém que está focado em aprender algo , isso é o perfil básico, a disponibilidade para aprender. (R&S3)

Portanto, a representante da Empresa R&S3 ressalta que o que é valorizado,

o que distingue um trabalhador do outro é a disponibilidade em aprender; é a

capacidade individual de atualização de saberes, do aprendizado contínuo, cuja

finalidade é evitar que o trabalhador se torne um ser enrijecido em seus

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conhecimentos. A representante da R&S6, por sua vez, evidencia que a experiência

profissional centrada na antigüidade no posto de trabalho é questionada:

[...] hoje, se eu pego um currículo, e a pessoa tem mais de cinco anos em uma mesma profissão, eu quero saber o porquê. [...] as profissões abrem um leque de possibilidades [...] cada profissão hoje tem um nicho de mercado. Por exemplo, um engenheiro civil construía prédios; hoje ele tem que fazer pesquisa de material de construção de baixo custo, uma casa ecologicamente correta, que é feita de garrafa pet, de papel reciclado. Então, hoje, precisamos de pesquisadores. Então, eu tenho um perfil pesquisador pra ser engenheiro? O que é uma casa, uma cidade ecologicamente correta? Daí o surgimento de novas profissões. Vem daí a modificação que este profissional precisa ter. (R&S6)

Portanto, na visão da representante da Empresa R&S6, a experiência

profissional como resultado da repetição de atividades torna o trabalhador obsoleto.

Esse ponto de vista encontra respaldo em Touraine (1994, p. IX), para quem o

trabalho, hoje, vai além do exercício de uma profissão, a qual se esperava executar

até a aposentadoria: “a situação de trabalho não é um status ou um conjunto de

papéis profissionais, porém, o encontro de um sujeito, individual ou coletivo, de um

poder e de uma situação de trabalho que é, às vezes, instrumental, política e

cultural” por isso, o trabalho produz sociedade. Tomasi (2004), por sua vez, ressalta

o entendimento de que o mundo do trabalho é mais complexo do que se pensava.

Assim, na sociedade atual, que é científica, tecnológica, informacional e do

conhecimento, há exigências de novos saberes, o que acarreta mudanças no perfil

profissional demandado, à medida que o mundo do trabalho se transforma, o que

leva a representante da R&S2 a indagar: “Quem é esse profissional hoje? E esse de

hoje, quanto tempo dura?” As mudanças, a complexidade do mundo do trabalho

parecem surpreender R&S2, que salienta: “Hoje, [...] a operadora de telemarketing,

além de segundo grau, deve possuir boa apresentação e fluência verbal e uma voz

agradável ao telefone”. Então, sobressai na fala de R&S2 o fato de que há algo no

trabalhador que o distingue dos demais. “A voz agradável” é uma característica

individual, é um predicado, que sempre esteve naquela trabalhadora, constituindo

um diferencial. A presença de um diferencial, conforme observa Tomasi (2004), é

relevante no mundo do trabalho.

A representante da R&S3, por sua vez, destaca:

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[...] hoje, apesar de o mercado dizer que é importante ter experiências variadas, isso não significa instabilidade. Hoje, pessoas com dois ou três empregos assumem cargo de liderança e são consideradas pessoas muito estáveis. Então, nos anos 80, avaliava-se o currículo e boas referências anteriores e nem se utilizava o perfil psicológico. O que mudou hoje é que isso (estabilidade, referências anteriores, currículo) tem o seu valor, mas não é o que decide o processo (seletivo). Quanto maior é o nível hierárquico, mais avaliamos a capacidade de gestão, de inteligência emocional, de equilíbrio, de manipulação do ambiente, o saber trabalhar em equipe, sem uma gestão centralizada. (R&S3)

Todos esses aspectos fornecem indícios de que o modelo de avaliação dos

trabalhadores, centrado na qualificação, dá mostras de esgotamento. As referências

massificadoras não falam mais por si mesmas; as capacidades individuais e as

experiências variadas são agora requeridas, como esclarece a psicóloga e sócia-

proprietária da R&S4, cuja fala suscita reflexão. Após mostrar na tela do computador

a maneira como são analisados os candidatos na prática, externou seu

entendimento de que

[...] o contexto organizacional de ontem não é o mesmo de hoje. A instabilidade no interior das organizações é grande. O que ontem era tido como bom perfil profissional, hoje pode ser diferente. Então, o que mudou é a capacidade de adaptação à mudança (R&S4).

Pode-se então concluir que a rigidez cede espaço ao flexível. Porém, esse

contexto apresenta outra faceta, indicada pela representante de R&S6:

“[…] há, por parte dos trabalhadores, reclamações de falta de oportunidade de trabalho; e dos empregadores, dificuldades em encontrar pessoas, porque as mudanças no mundo são rápidas, mas as pessoas têm dificuldade de segui-las, de percebê-las. [...] A flexibilidade ou a versatilidade para se adaptar às mudanças é fundamental (R&S6).

R&S2 corrobora essa percepção, ao ressaltar:

[...] outra característica é a flexibilidade, porque as mudanças são tão contínuas e cotidianas [...] O melhor líder é aquele que está atento às mudanças. Elas podem ser cotidianas, sim, e estão relacionadas à globalização da economia, por exemplo. Logo, o trabalhador precisa ter flexibilidade, adaptabilidade a novos momentos, pois as empresas estão ligadas internacionalmente, e as mudanças nos mercados são contínuas, inesperadas. A mobilidade é outra característica. Conversei com vários executivos que saíram de casa para trabalhar e no dia seguinte, estavam no Japão, sem passarem em casa (R&S2).

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O discurso consensual das várias empresas de R&S foi compondo o quadro

de características desejáveis, tais como flexibilidade e adaptabilidade, sustentadas

na capacidade de desenvolver aprendizado contínuo.

A representante da R&S5, psicóloga, cuja fala se assenta na prática de

gerente da unidade de Belo Horizonte há 6 anos, observa: “Hoje, valorizam muito

esta parte interpessoal [...] antes se falava em experiência.”

A atribuição de valor às qualidades individuais do trabalhador no contexto

profissional foi o aspecto abordado pela representante R&S6, para ela, “nos anos

2000, o que importa é a experimentação, o resultado do que você faz”. Para verificar

o que o trabalhador experimentou e o resultado de suas ações, é preciso ajustar o

foco sobre o indivíduo, que, embora inserido em um contexto coletivo, preserva suas

diferenças individuais, conforme observa Tomasi (2004).

O representante da R&S1, por sua vez, psicólogo e gerente da empresa,

especialmente empenhado em atender às necessidades da organização contratante,

enfoca um aspecto crucial:

[...] A mudança é que hoje o trabalhador tem que mexer com o negócio da empresa. A mudança básica é a seguinte: o negócio dele (o trabalho desenvolvido pelo trabalhador) deixou de ser o que ele faz. O negócio dele é o negócio da empresa. (R&S1)

Esse entendimento remete ao pensamento de Zarifian (2001) “[...] o trabalho

volta ao trabalhador”. À medida que o profissional deixa de ser uma ferramenta,

uma mão que faz, e passa a compreender o que faz e por que faz, seu trabalho

ganha significado e valor.

O moderno conceito de trabalhador é desvelado e emerge também da fala da

representante da Empresa R&S2:

[...] a empresa quer empreendedores [....] pessoas alinhadas com o espírito da empresa, do negócio; pessoas que empreendem idéias o tempo todo [...] estes são os líderes, as pessoas que se destacam. (R&S2)

Percebe-se, portanto, que não há mais espaço para o trabalhador autômato.

Agora é preciso pensar e ser autônomo, demonstrando responsabilização, como

ressalta Zarifian (2001, 2003). Em consonância com esse entendimento, o

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representante da R&S8, psicólogo e gerente da prestadora de serviços, externa sua

visão, fundada em amplo conhecimento e prática sobre recrutamento e seleção:

[...] o que as empresas buscam é o comprometimento do funcionário, que envolve responsabilidade, assiduidade, compromisso mesmo com o trabalho. Porque hoje as pessoas perderam um pouco desse valor. Vão trabalhar, mas não se empenham [...] porque muitos trabalhos são rotineiros, e a pessoa tem que se adaptar a isso. No nível operacional, conta mais a postura e o comportamento do que o conhecimento. No nível médio [...] conta mais a experiência e o conhecimento, aliado ao comportamento, porque hoje todo mundo se preocupa com essa parte comportamental. No nível gerencial, a pessoa precisa [...] do que a gente chama de competência. Hoje é o que se fala no mercado. [...] A pessoa precisa se comportar de forma adequada àquela função, conhecer, saber, ter o conhecimento e, efetivamente, ter uma ação frente àquilo e, muitas vezes, na maioria das vezes, estratégica e alinhada ao negócio da empresa. (R&S8)

Em síntese, pôde-se concluir, a partir do discurso dos entrevistados, que a

demanda por elementos individuais do trabalhador no processo de recrutamento e

seleção, na atual tornou-se o aspecto pontual de mudança em relação ao

passado, indicando o enfraquecimento da qualificação frente à uma realidade, qie

preza os aspectos atitudinais do trabalhador, mesmo porque o próprio trabalhador

não dá mais conta de um trabalho que não valorize suas qualidades, suas

capacidades.

4.2 Práticas das empresas de recrutamento e seleção para atender

à demanda das contratantes

Analisar as práticas a que os representantes das empresas de R&S recorrem

para satisfazer as necessidades da empresa contratante permitirá definir os

princípios que, na atualidade, norteiam as ações dos serviços de recrutamento e

seleção na busca por trabalhadores, o que possibilitará verificar se contemplam ou

não os princípios relacionados ao cargo e à pessoa certa para o cargo certo.

4.2.1 Captação da demanda das empresas contratantes

Os serviços de recrutamento e seleção, ao serem contratados, analisam as

necessidades de pessoal da empresa contratante. Para Almeida (2004), cada

processo seletivo possui características próprias, visando a satisfazer as

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necessidades específicas, momentâneas da empresa contratante. Essa

particularidade pode ser confirmada na fala da representante da Empresa R&S3,

que afirma “ser levado em consideração o que a empresa precisa e o que ela tem a

oferecer.”

Na mesma linha de entendimento, R&S8 observa que, no passado, o

entrevistador avaliava características individuais do candidato, porém, de forma

subjetiva; atualmente, é preciso estabelecer um método para captar esses

elementos:

[...] seis anos atrás, sete, o que importava era a experiência. Se a pessoa tinha aquela experiência, o comportamental se avaliava apenas por feeling, por empatia. Hoje não! Hoje, as empresas querem receber as pessoas já melhor avaliadas e aí, muitas vezes, antes de apresentar o profissional para a empresa, a gente monta algumas etapas do processo seletivo para ir captando essas informações. (R&S8)

O representante de R&S1, em consonância com os princípios enfocados por

Dutra (2004) quanto à consciência da organização em relação às suas necessidades

na captação de pessoas, observa:

[...] um dos aspectos para contratar é entender como é que é o contratante, a pessoa com quem ele (o trabalhador) vai trabalhar, o chefe imediato do sujeito. É preciso compreender quem é essa pessoa. Ele (o chefe) fala, mas é a nossa percepção que vai dizer. Ninguém fala como é, a gente tem que ter essa percepção. Não dá para ser muito diferente, não. (R&S1)

[...] a gente vai pessoalmente e faz um levantamento do perfil e, em alguns casos, a gente faz uma visita à fábrica. A empresa me dá capacete e protetores. Vou para o meio da fábrica para conversar com um, com outro, para entender como a fábrica funciona. Os recursos humanos passam as informações e aí você começa a entender como é que as coisas funcionam. Mas tem que ser in loco, [...] por telefone não dá. (R&S1)

Ao conhecer a empresa, são estabelecidos os critérios de admissão de

pessoas, além de serem sanados possíveis equívocos quanto ao perfil profissional

demandado, como salienta R&S5:

[...] em uma empresa de transporte, eles queriam uma pessoa para a área de manutenção, com iniciativa, que questionasse [...] Fizemos a seleção e todos os que contratávamos não ficavam. Quando entramos na área de manutenção, verificamos que o encarregado tinha um perfil autocrático, mandão... (R&S5)

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Nesse caso, o perfil solicitado não estava adequado às características da

empresa contratante; somente o olhar do profissional de R&S pôde captar as reais

necessidades da organização, indicando que os serviços de recrutamento e seleção

alinham suas práticas às estratégias da empresa contratante.

O conhecimento do chefe com quem o candidato trabalhará possibilita captar

a cultura organizacional. Cada empresa tem a sua cultura específica, entendida por

Fleury & Sampaio (2002) como o conjunto de valores, crenças, atitudes, premissas,

interpretações, hábitos, costumes, práticas, conhecimentos e comportamentos

partilhados no interior da organização. Então, a cultura presente no ambiente

organizacional indica as bases do processo seletivo, como indicam R&S7 e R&S1:

[...] dentro da nossa metodologia de trabalho, a primeira coisa que fazemos é a compreensão da empresa, tentando entender a cultura da empresa, quais são os valores da empresa, falados por ela e pelo que ouvimos por aí. Procuramos entender a realidade da empresa, dos clientes, dos concorrentes, tudo isso. (R&S7)

[...] se é uma empresa familiar, tem uma cultura diferenciada; então, vai valorizar se o sujeito tem família, como é a família dele, se é casado, se tem filhos, se ele se separou, como ele é como pai, como lida com a mãe, são detalhes importantes. Esses são valores para uma empresa familiar. Se você vai a outra empresa que não é familiar, são outros os valores inerentes àquela empresa. Numa empresa onde os relacionamentos são importantes em todos os níveis, esse é um valor considerado importante. (R&S1)

Essa tendência é corroborada por Almeida (2004, p. 23): “Hoje, a adaptação

do candidato à cultura da organização deve ser considerada fator essencial”.

Recomenda a autora que “o levantamento do perfil ideal do candidato deve focalizar

aspectos da cultura organizacional e do cargo” a ser preenchido. Dutra ( 2004 p. 17)

igualmente enfoca essa questão, observando que a “mudança no padrão da

exigência do perfil das pessoas pelas empresas gerou a necessidade de que a

cultura organizacional estimulasse e apoiasse a iniciativa das pessoas, a

criatividade e a busca autônoma de resultados para a empresa”.

4.2.2 Busca de referência na concepção de competência da empresa contratante

Como observam Zarifian (2001, 2003), Dutra (2004) e Fleury & Fleury (2004),

o processo de recrutamento e seleção de trabalhadores na atualidade tende a

avaliar o candidato sob o enfoque da competência.

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Para preencher a vaga em aberto, Dutra (2004) e Almeida (2004) indicam a

necessidade de constituição do perfil profissional e do perfil comportamental do

candidato, demandado pela empresa. Manifestando o mesmo entendimento, R&S3

após indagar: “Que elementos um trabalhador, por exemplo uma faxineira, precisa

ter para desenvolver suas atividades?” observa:

Eu tenho que desenhar, junto com a empresa, esse perfil profissional. Qual é o perfil de competências que ele tem que ter? Como é que vai ser a inteligência e o equilíbrio emocional? Em que contextos? [...] Eu defino o perfil e ele tem uma métrica, ou seja, por exemplo, mínimo de 5 anos de experiência, formação acadêmica completa, o que é desejável, o que é muito desejável. (R&S3)

[...] o processo seletivo e os testes são montados a partir da demanda da empresa contratante. Cada etapa do processo seletivo pode ser cumulativa ou eliminatória. Para algumas empresas e posições / cargos são levadas em consideração as competências; por exemplo para trainées; procuramos competências, porém, não existe regra geral. São utilizados testes para avaliar conhecimentos técnicos, psicológicos, de competências, que são os inventários, tem os testes de inteligência emocional, que são também inventários. Tem entrevistas, dinâmicas de grupo, o processo é montado de acordo com a linha a ser avaliada. (R&S3)

Ressaltando haver outro elemento a ser considerado - as exigências relativas

ao cargo - R&S3 acrescenta:

Para cargos menores, conta menos o tempo de experiência, formação, conhecimento; porém, quanto maior o cargo, o mercado vai valorizar as competências e a inteligência emocional. O que tem menos valor num presidente é a inteligência geral. (R&S3)

A representante da Empresa R&S4, compartilhando o mesmo ponto de vista,

observa:

O importante é verificar os principais desafios que esse profissional vai encontrar, bem como o grau de responsabilidade, o lugar na hierarquia. Isso define o perfil profissional naquela empresa; em outra, pode ser diferente. (R&S4)

4.2.3 Construção do perfil profissional demandado

Reunidos os critérios definidos pela empresa contratante, em conjunto com os

R&S, há o estabelecimento de parâmetros referentes ao perfil ideal demandando

especificamente para aquela organização, em função de sua cultura e de suas

metas.

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A representante da R&S3 assim sintetiza, de modo geral, o perfil ideal do

trabalhador buscado:

[...] é preciso garantir capacidade de aprendizagem, bom raciocínio verbal e matemático, capacidade de pensar de maneira lógica, ou seja, uma pessoa tem que ser inteligente. Se ele for inteligente e tiver uma boa formação, eu vou avaliar como ela está emocionalmente. Se for muito jovem, está num processo de construção de sua história, e aí eu tenho a probabilidade de que essa pessoa pode ter um desenvolvimento em que eu vou investir, porque ela vai ser inteligente o suficiente para aprender, elaborar, interpretar, filtrar e estabelecer analogias. (R&S3)

Portanto, por meio do olhar investigativo dos prestadores de serviços de R&S,

são estabelecidos os elementos de análise dos candidatos que precisam ser

garantidos na seleção. Logo, o passo seguinte após captar, é avaliar os candidatos.

A captação de candidatos pode ser feita via internet, mediante anúncios em

sites corporativos e de serviços de recrutamento e seleção. Segundo Almeida (2004,

p.30), esses sites estão “repletos de candidatos que não apresentam as

qualificações necessárias para os cargos que pleiteiam”. Essa realidade pôde ser

constatada na entrevista com a representante da R&S3:

[...] não adianta filtrar candidatos com anúncios ditando um perfil, porque os leitores afirmarão que têm as características citadas no anúncio. (R&S3)

Na verdade, o olhar do R&S é o balizador do processo seletivo, pois tanto

analisa a empresa, o perfil estipulado para a vaga, quanto criteriosamente faz uma

avaliação dos candidatos, o que é evidenciado na fala de R&S2 : “o importante é

buscar quem sou eu” ou seja, o eu dos candidatos.

4.2.4 O candidato: perfil profissional ofertado

No processo de recrutamento e seleção, tanto há um perfil ideal de

trabalhador, um conceito de trabalhador demandado pelas empresas, construído em

parceria com os R&S, quanto há o perfil real do trabalhador, construído pelo

indivíduo. O perfil do trabalhador é constituído, na visão da representante de R&S4,

por “[...] valores. São os meus predicados primordiais, que acabam por incorporar

meu perfil”. Esses predicados devem ser conhecidos, descobertos, reconhecidos

pelos R&S. Acrescenta R&S4:

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O perfil profissional que o trabalhador apresenta contempla sua formação, suas aspirações, sua carreira, sua forma de ser, as características próprias de um trabalhador, a maneira como o profissional, o indivíduo se coloca, se posiciona. É isso que estabelece as relações com as especificidades dos cargos. A pessoa tem características de diretor gestor ou de diretor especialista? (R&S4)

Os elementos individuais requisitados do trabalhador em contexto de trablaho

estão atrelados à especificidade de um cargo a exercer, assemelhando-se a uma

roupa que veste o trabalhador, veste um manequim. Contudo, alguns requisitos são

indispensáveis para ocupar determinado cargo. Salienta R&S4 que “a capacidade de

lidar com a própria mudança, a capacidade de lidar com a instabilidade, com a

incerteza que o mundo do trabalho oferece”, tal capacidade é uma competência do

trabalhador. Além disso, há que se considerar que a fala de R&S 4 remete à idéia de

evento, de acontecimento, defendida por Zarifian (2001, p 41) em sua análise sobre

as mutações no mundo do trabalho e a emergência da gestão por competências: “o

indivíduo deve confrontar o evento, deve resolver os problemas que revela ou gera.”

Para o autor, “um evento é alguma coisa que sobrevém de maneira parcialmente

imprevista, não programada, mas de importância para o sucesso da atividade

produtiva. É em torno desses eventos que se recolocam as intervenções humanas

mais complexas e mais importantes.”

A representante da R&S3 ressalta que “há diferenças importantes entre os

candidatos”:

A história de vida você conhece através da entrevista, explorando inclusive a experiência dele, onde estudou, a cidade de origem, por que veio, quando veio... aí você vai construindo a história. O que diferencia um profissional do outro é a história de vida. (R&S3)

Acrescenta R&S3 que a avaliação e a valorização do candidato recaem na

[...] experiência, inteligência emocional e geral, e no perfil de competências, que seriam as atitudes. Na experiência, eu coloco a experiência profissional, a história pessoal, o conhecimento acadêmico. Isso é algo que você avalia no currículo.

Portanto, os elementos objetivos do trabalhador, como o conhecimento

acadêmico e a experiência profissional (o saber e o saber-fazer), a qualificação,

constam no curriculum vitae, o qual, na visão de R&S1, é tão somente “um cartão de

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visitas que pode ou não, dar início ao processo seletivo.” Por outro lado, a carreira,

como explica R&S6, é construída de outra forma:

No passado, a empresa definia a carreira dos profissionais hierarquicamente. Hoje, os profissionais precisam fazer suas escolhas, construir a sua história, ter foco, conhecendo a empresa onde estão ou pretendem estar. (R&S6)

Esse entendimento alinha-se ao conceito de trajetória defendido por Dutra (2004),

segundo o qual a carreira está ligada ao desenvolvimento profissional das pessoas,

atrelada à capacidade, à competência da pessoa para assumir atribuições e

responsabilidades, em níveis crescentes de complexidade, compondo trajetórias

profissionais, a trajetória de carreira.

Paralelamente aos aspectos objetivos, facilmente mensuráveis, há, na

bagagem de cada candidato, qualidades esperadas em situação de trabalho, que na

fala de R&S3 “fazem parte do perfil de competências”. Na entrevista, é possível

identificá-los. No transcorrer da entrevista, o candidato relata sua história de vida,

por meio da qual os valores, os princípios, a cultura do trabalhador são captados

pelo entrevistador.

O representante da R&S7 declara ser possível, nesse momento, responder às

indagações:

Qual é a contribuição efetiva que este profissional vai dar para a empresa? Que clima a empresa está vivendo? aí é que vou entender qual é o perfil. Dentro deste contexto vai caber uma pessoa. (R&S7)

Para admitir o candidato, é preciso conhecê-lo. Foi possível constatar que os

entrevistados consideram importante conhecer, analisar detidamente o trabalhador

na sua individualidade. Essa importância é ressaltada por todos os pesquisados: “é

preciso conhecer o profissional, como é que ele trabalha, como é que ele é.” (R&S1).

A busca desses elementos configura “as várias maneiras singulares de agir

com pertinência e competência em um contexto particular” como afirma Le Boterf,

(2003, p. 125). Daí a preocupação externada por R&S4:

Como buscar esses predicados primordiais? Para buscar a pessoa, os predicados primordiais, o indivíduo por trás dos requisitos, é preciso buscar a maneira como este indivíduo age, independentemente de dizer que ele, o trabalhador, o indivíduo, tem que ser um líder, um gerente, ou seja, atribuir-lhe predicados, porque essas características podem fazer parte ou não dos predicados do indivíduo analisado. (R&S4)

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Portanto, foi possível evidenciar que os serviços de R&S tendem a buscar no

candidato não um papel profissional, um requisito, mas a maneira como ele age. É

preciso reconhecer no indivíduo aquilo que o distingue dos demais, sua

competência.

Por outro lado, é preciso que o indivíduo conheça a si mesmo, conforme

salienta R&S2:

Fazemos um mapeamento de perfil potencial. Acreditamos que o mapeamento promove o auto-conhecimento. Se me conheço melhor minhas habilidades, minhas competências e minhas limitações, então eu posso me aprimorar, crescer, e acredito que isso aumenta a empregabilidade. Um profissional que vai a uma entrevista e se conhece melhor, e sabe falar de si, não só do conhecimento técnico, porque isso é fácil... Numa entrevista todos falam rapidamente sobre o que dominam tecnicamente. Quando entra no pessoal, a trava está estabelecida. Ninguém sabe falar do que tem de qualidades, que pontos a desenvolver. A entrevista dá um corte neste momento. Se você pergunta sobre outros aspectos, tipo: Como é a composição familiar, isso vem fácil: sou casado, tenho três filhos... mas e você? Me fale um pouco de você. Parece que o sujeito dessa história inexiste, porque ele se engasga. É claro que ele sabe, mas ele não tem essa habilidade desenvolvida e, nesse mapeamento, nós trabalhamos isso com ele. (R&S2)

O representante da R&S1 ressalta igualmente ser essencial que o profissional

se mostre para o entrevistador. É preciso que o candidato se conheça

para melhor falar de si; é preciso saber como se mostrar e “para isso,

você tem os mecanismos de entrevista para identificar essas coisas.”

Essa possibilidade é enfocada por vários autores, entre os quais Almeida (2004) e

Zarifian (2003, 2005), segundo os quais a entrevista continua sendo atualmente

uma das práticas a que os serviços de R&S mais recorrem para identificar e captar

o perfil profissional dos trabalhadores.

Contudo, na visão da representante da Empresa R&S2, essa tarefa é

complexa, já que parece que o indivíduo tem-se esquecido de si mesmo, ou se

perdido. Massificado, adormecido pela qualificação, responde a perguntas sobre

saberes técnicos: “em uma entrevista, o candidato tem suas reservas, suas

desconfianças do que deve ou não falar [...] existe certa desconfiança, porém, a

dificuldade de falar sobre si é efetivamente maior que o receio de mostrar-se”.

Reportando-se aos mecanismos atualmente mais utilizados pelas empresas

de R&S, a representante da R&S3 observa:

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[...] são utilizados testes para avaliar conhecimentos técnicos, psicológicos, de competências, que são os inventários; tem os testes de inteligência emocional, que são também inventários; tem entrevistas, dinâmicas de grupo. O processo é montado de acordo com a linha a ser avaliada, o cargo a ser preenchido. (R&S3)

Portanto, para mensurar a qualificação, há a aplicação de testes; por outro

lado, são inventariadas as competências relacionadas às atitudes e à inteligência.

Esses elementos de análise do candidato são vinculados ao cargo. A representante

da R&S3 assim descreve a metodologia que usa para conhecer o candidato:

Se é um jovem inexperiente, é preciso saber se fez uma boa faculdade, se foi bom aluno. Se é um gerente, busca-se o tempo de experiência; porém, experiência, formação e conhecimento têm pesos diferentes, pois dependem dos diferentes níveis da carreira [...] Esses itens são importantes para o iniciante. Para cargos de níveis mais elevados, esses valores são intrínsecos à história profissional, pois o candidato já chegou a diretor /presidente; então, para esses cargos, o que conta pontos é o perfil de competências, a liderança, capacidade de negociação, organização, disciplina, enfim, aquelas competências que legitimam um líder. R&S3

Pôde-se, portanto, perceber que não há uniformidade nos procedimentos, que

variam em função da história de vida do candidato. No caso de um presidente, por já

haver demonstrado conhecimento geral e inteligência, na ocupação de um cargo

relevante, a experiência profissional e a formação escolar cedem espaço às

características pessoais. Esse entendimento remete a Stroobants (2002), segundo a

qual as qualidades dos trabalhadores representam uma riqueza sem precedentes.

Stroobants (2002) observa ainda que as competências podem ou não parecer

importantes segundo o padrão de análise utilizado, ou seja, depende da maneira de

vê-las. Essa relatividade de percepção das competências é observada pela

representante da R&S7:

[...] exemplo: a competência de liderança você tem de ter se for ocupar um cargo de gestão. A empresa precisa definir para mim o que ela chama de liderança. No plano de gestão por competência, ela define o que é liderança. A partir do momento em que ela definir, eu vou, através da trajetória profissional, buscando as situações que o candidato teve de liderar e como fez isto. A partir daí, ele vai me dando evidências de que ele consegue [...] você vai vendo se é ele quem domina, se ele é capaz de ouvir [...] As características demandadas são captadas por meio de técnicas que evidenciam se ele é capaz de exercer uma liderança. Você vai buscando situações da própria vida em que ele exerceu a liderança. O entrevistador vai vendo onde existe consistência. (R&S7)

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[...] no teste de personalidade, você não vê liderança, mas você vê características. [...] se a pessoa tem dificuldade com a figura humana, provavelmente não será um bom líder. Tem índices que falam de uma habilidade com o relacionamento. Alguns testes, da trajetória de vida do profissional, tudo isto nos faz ter percepções sobre se ele é ou não adequado para o perfil. A análise é feita a partir do perfil que a empresa coloca. (R&S7)

Portanto, os serviços de R&S investigam e atestam aquilo que a empresa

contratante indica como competência desejável, procurando identificar as

características que os candidatos devem apresentar, tomando por referência

características demandadas, construídas com base na cultura organizacional. Essa

tendência remete a Le Boterf (2006), para quem a percepção das competências de

um profissional dependem da metodologia utilizada, dos atores implicados e dos

pontos de vista que adotam. Nesse entendimento, é analisada, na prática, a

maneira específica pela qual um sujeito realiza determinada atividade prescrita,

resolve uma situação, um problema ou enfrenta determinado acontecimento.

A representante da Empresa R&S2 relata que, durante o processo de seleção,

o candidato é submetido à ferramenta Método Q, um programa informatizado, que

dá suporte às decisões na gestão de pessoas, em oito módulos. Os módulos visam

a analisar desde as emoções primárias, entendidas como determinantes do

comportamento. Trabalha-se com três tipos de mapas: o primeiro busca identificar

no candidato a percepção que ele tem de si mesmo, ou seja, como a pessoa é em

suas atitudes freqüentes e naturais e como ela se reconhece; o segundo analisa o

contexto profissional, seu desempenho na atual função, em comparação com o

mapa anterior; o terceiro busca conhecer de que forma a pessoa integra seu “self’’,

(seu eu) e seu contexto profissional, retratando sua postura atual no trabalho. O

mapeamento é online e se propõe avaliar os candidatos sob oito elementos (ou

conceitos) do método: a intensidade de personalidade (impacto do indivíduo no

meio); combinação de fatores (informações sobre orientação para resultados ou

relacionamentos, pro-atividade, perfil de risco, estilo de ‘follow up’, visão generalista

ou especialista); índice de flexibilidade (entendido como o diferencial do método,

avalia a capacidade de adaptação do indivíduo); aproveitamento de potencial

(refere-se à atual carga de trabalho do profissional); energia (grau de interatividade

com o meio); moral da equipe, clima organizacional ( análise da motivação do sujeito

de pesquisa); estilo de decisão; indicativo de um conjunto de características de

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comportamento. Trata-se, portanto, de um levantamento de características técnicas

e comportamentais, definidoras de mapas que servirão de referência para a função

analisada. Com esse método, a competência do candidato é entendida sob o

enfoque comportamental, tornada visível, palpável, no “mapeamento”. “Não é um

teste de personalidade, e, sim, um teste de tendência comportamental”, afirma

R&S2.

Pôde-se constatar que essa ferramenta também é utilizada por R&S4 e R&S5.

Já na empresa R&S3, a competência do candidato é validada por meio de

entrevista:

[...] baseada em competências e assentada nos aspectos concretos e observáveis do comportamento do candidato, o que oferecerá melhor predição no presente e no futuro. A melhor forma de predizer um desempenho futuro é verificar os desempenhos passados [...] Não recruto o cargo, a nomenclatura, eu vou buscar a solução para a empresa. Recrutar o pasteleiro é fácil. Agora, o pasteleiro que viveu 30 anos na pastelaria, morreu e não passou a receita para ninguém é outra coisa! A gente não recruta o cargo. Qual a necessidade da empresa? Quais as condições da função em que aquele profissional vai estar inserido? (R&S3)

Esse posicionamento encontra ressonância nas pesquisas empíricas de

Zarifian (2001) e Fleury & Fleury (2004), segundo os quais os profissionais da área

de recursos humanos associam o conceito de competência ao desempenho a ser

analisado na entrevista individual, como resultados esperados em relação a

objetivos fixados. R&S3 apresenta em dez itens sua prática de seleção: 1. Formula

perguntas abertas e específicas, com verbos de ação no passado e com foco em

competências. 2. Dá ênfase às experiências relevantes para o comportamento que

está sendo investigado e o perfil de competências que está sendo selecionado. 3.

Dá ênfase às experiências recentes, não perdendo tempo com experiências antigas,

já ultrapassadas. 4. Se preciso, recorre a reforços do tipo “eu preciso que você me

conte o que você realmente fez”. 5. Analisa todos os comportamentos, sejam

positivos ou negativos, sem aplicar julgamento de valor. 6. Observa o

comportamento não-verbal, pois, da mesma forma que o entrevistador percebe o

comportamento não-verbal do candidato, este também o percebe no entrevistador e

pode ser influenciado. 7. Age como verdadeiro detetive, para conseguir atentar para

todos os aspectos do comportamento que está sendo narrado pelo candidato. 8.

Anota imediatamente quando ouve uma evidência de competência. 9. No mesmo

comportamento, poderão aparecer duas ou mais competências, e só com a

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experiência que o entrevistador ganhará mais clareza no levantamento desse

aspecto no candidato. 10. Quanto maior a freqüência de um mesmo

atributo/característica/competência, maior segurança se tem na definição do perfil do

candidato. Acrescenta R&S3 que o comportamento do candidato é analisado

especificamente em relação ao contexto em que ocorreu a ação, buscando detalhes

da ação e o resultado alcançado por essa ação pelo candidato. Tal prática se

assemelha à adotada por R&S1:

[...] não aplicamos testes; aplicamos cases.Toda empresa hoje faz entrevista por competência, que é uma entrevista com cases (com casos). Então, não adianta perguntar pro sujeito quais são seus pontos fortes e seus pontos fracos, são cases. Então, um comprador que eu estava selecionando [...] tinha que comprar um milhão por mês. O cara dizia que comprava [...] Quem autorizava suas compras? Ele só fazia cotação no mercado. Então eu pedi a ele para me contar um case [...] “então comprei x, fui lá e autorizaram [...]” Então você não comprou nada. Quando ele conta isso, você vai se posicionando dentro daquilo que você precisa. [...] Com o tempo, você vai desenvolvendo uma técnica pessoal, você vai identificando a sinceridade ou não das pessoas (R&S1)

A pesquisa evidenciou também que os serviços de R&S procuram identificar

nos candidatos o seu nível de autonomia, a função exercida, a maneira como fazem

o trabalho. Constatou-se nas entrevistas que, tanto R&S1 quanto R&S3 buscam o

contexto da ação e seus resultados. O candidato é estimulado a relatar suas práticas

profissionais, e o entrevistador analisa tais práticas, cruzando-as com o perfil

demandado, o qual atrela-se a um cargo, que, por sua vez, pressupõe regras a

cumprir dentro de uma estreita relação de atividades pré-estabelecidas pela

gerência. Foi possível também constatar que as atividades que integram os cargos

nas organizações parecem estar passando por uma reavaliação. A esse respeito,

esclarece Zarifian (2001, p.28):

[...] embora exista uma preocupação evidente em reconhecer a competência particular do assalariado e desprendê-la da simples capacidade de ocupar um posto, não se vê surgir nenhum novo referencial. Ora, é preciso que uma referência seja construída na relação do trabalhador no trabalho. Nunca se é competente no abstrato. Sempre se é competente ‘em relação a’. É essa ‘relação’ a verdadeira implicação social, mas uma implicação amplamente oculta pelo avanço do enfoque técnico das competências. Ou seja, por não se ter explicitado o que poderia ser um novo referencial, há uma ‘reaparição de um recalque’, isto é, o fato de a implementação concreta do acordo traduzir-se por um retorno da análise clássica dos empregos (‘das capacidades para’ ocupar um emprego do qual se descreve o conteúdo). (ZARIFIAN, 2001)

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Evidenciou-se, portanto, que os serviços de recrutamento e seleção são os

responsáveis pela implementação de novos modelos no mundo do trabalho,

recorrendo ao conceito de competência; porém, dada a manutenção do referencial

de contratação das empresas centrado no cargo, os R&S mantêm tal referência em

suas práticas.

Assim, as características entendidas como competências passam a ser

buscadas no candidato; porém, como aponta Stroobants (2002), “as competências

mobilizadas no trabalho são retraduzidas em perfis de postos, em capacidades

requeridas”. Tal entendimento alinha-se com o externado por R&S7:

[...] quando você fala da competência da adaptabilidade, às vezes o mercado fala que não tem este profissional. Temos de descobrir a similaridade para poder chegar, e, conseqüentemente, convencer o profissional do que a empresa está buscando. O sonho seu não está pronto não, não existe. (R&S7)

Não existe, portanto, um profissional com as características almejadas, pronto

para ser colocado na vaga em aberto. Então, é preciso identificar no trabalhador a

competência requerida. É preciso, inclusive, convencer o trabalhador da

competência que ele traz, mas não percebe. Além disso, é preciso manter a crença

da empresa de que existe aquele perfil idealizado, mesmo que, para o R&S, esse

ideal não exista. É preciso que o serviço de R&S tenha ( ou mantenha) o poder de

identificar e atestar as características demandadas ou as similaridades das

características. Logo, o perfil ideal é criado, estabelecido, requerido e corporificado.

4.3 Gestão por competências na percepção dos entrevistados

A gestão de pessoas sob enfoque da competência, nas organizações,

segundo Zarifian (2001, 2003), é entendida como uma ruptura com o modelo

taylorista-fordista, possibilitando o reconhecimento de características do trabalhador,

que estavam presentes nele, mas não eram reconhecidas como qualidades que

deveriam ser demonstradas. Segundo o autor, foi possível implementar o modelo de

competência nas empresas, a partir da substituição daquele tradicional modelo pelo

de produção flexível.

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Esta investigação, contudo, parte do pressuposto de que a competência não

rompe com o modelo de produção taylorista-fordista. Entende-se que o contexto de

mudanças científico-tecnológicas, econômicas e sociais se apresenta como um

movimento natural na e da sociedade, levando a uma renovação do modelo de

produção taylorista-fordista, com a inserção do modelo de produção flexível. O

modelo de competência, ao avaliar os saberes preconizados pela qualificação,

avalia os saberes atitudinais, atendendo aos ditames atuais do mundo do trabalho.

4.3.1 O conceito de competência do empregador, na concepção dos

entrevistados

A representante da empresa R&S6 tem a seguinte percepção sobre a adoção

da gestão de competências:

Nós convivemos com pessoas que pegam esta gestão da competência [...] na internet e falam: agora eu vou avaliar você por isto, por aquilo. Aí eu falo o seguinte: Qual é o conceito de liderança que você tem? Qual é o seu público? Você vai liderar quem? Então, começam as consultorias a criar competências por empresa, por área e por função. São competências diferentes, que todas as pessoas têm de ter. Inteligências? Inteligência, o que é? É a capacidade que você tem de pensar em alguma coisa. As inteligências são diferentes, dependendo das funções que você vai exercer. Na divisão do cargo por tarefa, você descreve as funções em três conceitos: conhecimento, capacidade de tomar decisão e responsabilidade, e assim você define o peso daquele cargo. (R&S6)

Em algumas empresas, a adoção da gestão por competências acontece como

um mecanismo de adequação ‘por impulso’. A entrevistada R&6 entende o modelo

de competências ligado a conceitos, a mecanismos de avaliação, a características

que a empresa deve estabelecer e a seus objetivos específicos em relação às

pessoas, razão pela qual entende que a gestão por competências não pode ser

adotada como um programa informatizado. Essa posição alinha-se com o

pensamento de Ruas (2005), que a concebe como um conceito integrador da gestão

de pessoas e destas com os objetivos da organização. Quanto ao estabelecimento

de uma metodologia de avaliação das competências dos profissionais, a

representante da R&S6 externa ponto de vista semelhante ao de Le Boterf (2006),

porém, ao se referir a conhecimento, autonomia e responsabilidade, itens

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relacionados à competência, a entrevistada mantém a tradicional referência ao

cargo.

A concepção de competência baseada no caráter informativo, calcada em

saberes profissionais formais e na experiência (qualificação) e, como tal, algo

desenvolvido, adquirido pelo trabalhador, pôde ser percebida na visão dos

empregadores, enfocada durante as entrevistas.

A representante da R&S7, por exemplo, manifesta tal percepção, ao ressaltar:

Pegue uma empresa que esteja trabalhando com gestão por competências. Ela define as competências globais da empresa [...] as competências de gestão, e define também as competências dentro de um eixo que podemos chamar de competências técnicas. Dentro destas você tem as competências chamadas comportamentais. A partir do momento em que a empresa define o que é isto, existe uma técnica de entrevista, em que você vai trabalhando com uma série de perguntas, para ver se ela (empresa) desenvolveu esta competência. (R&S7)

Essa visão remete à abordagem de Fleury & Fleury (2004), Ruas (2005) e

Dutra (2004), quanto à existência de diferentes dimensões de competências no

âmbito empresarial brasileiro: competência da instituição, competências de gestão,

competências técnicas, competências coletivas e individuais.

A representante da R&S4, por sua vez, à medida que se solta na entrevista,

desconversa e, à maneira de quem não deseja ‘entregar o segredo’, diz que a

competência depende de “cada modelo[...]cada referência...]” e, para finalizar,

afirma: “não vou ousar”. Contudo, a entrevistada dá a entender que cada processo

seletivo tem um modelo que se baseia em uma referência de competência.

4.3.2 O conceito de competência dos serviços de recrutamento e seleção

Foi possível constatar que, na Empresa R&S2, há a concepção de

competência

[...]como algo que pode ser desenvolvido; junta-se a isso a habilidade que é algo já adquirido e a educação; e por último, você põe em prática esses elementos. (R&S2)

Para o representante da empresa R&S1,

[...]competências são essas habilidades que nós temos, que a empresa precisa, que eu apresento. A empresa pediu uma série de habilidades, uma série de competências. Essas competências é que vou avaliar. (R&S1)

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Na visão da entrevistada R&S5, a competência compreende

[...]as habilidades que uma pessoa utiliza, suas habilidades interpessoais; são as características das pessoas, que se percebem em toda a vida, tanto na parte interpessoal, quanto no trabalho, em qualquer ambiente. Há três anos começou a se falar em competência. Hoje, eles valorizam muito esta parte interpessoal, lidar com pessoas. (R&S5)

O representante da Empresa R&S8 assim expressa sua percepção:

Pelo conceito que eu pratico disso, [...] a pessoa tem conhecimentos, habilidades e atitudes ou comportamentos frente a uma determinada situação. Envolve todos esses. O comportamento, então, está incluído dentro de uma competência... R&S8

Esses juízos revelam o entendimento do conceito de competência ligada à

habilidade, em consonância com os estudos de Fleury & Fleury (2004).

A entrevistada representante da R&S7, por sua vez, se refere à gestão de

competências como modismos passageiros: “teorias que aparecem por momentos e

que são adotadas pelo mundo do trabalho”:

Hoje tem uma metodologia: as empresas estão tentando trabalhar com gestão por competências. Cada hora muda. Antes, você tinha gestão por objetivos; hoje é gestão por competências. Quando se trabalha com empresa, dá para não se pensar em objetivo? (R&S7) Gestão por competências são teorias que aparecem por momentos, e acho que esta é mais uma delas, e ela sistematiza uma forma de funcionar. E quando falamos de metodologia, eu me lembro que aprendi uma vez: você tem de ter uma metodologia, não importa qual. Se você não tem, você não tem história, você perde as coisas. (R&S7)

Assim, R&S7 associa o modelo de competências a uma moda passageira, uma

imposição metodológica, em consonância com o entendimento de Le Boterf (2003),

Ruas (2005), Fleury & Fleury (2004) e Dutra (2004) de que o conceito de

competência não passa de mero aspecto burocrático no processo de recrutamento e

seleção de trabalhadores.

Em síntese, pôde-se constatar nos serviços de R&S o entendimento de

competência como saberes mobilizados em face de uma situação, alinhando-se com

a visão dos citados autores.

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Foi possível ainda evidenciar que o pessoal incumbido do R&S de

trabalhadores, ao inermediar o processo, influencia e é influenciado pelas demandas

das empresas. No primeiro caso, é essa uma oportunidade para que busquem

introduzir uma visão inovadora, voltada para a valorização do desenvolvimento do

perfil autônomo e empreendedor do trabalhador, abrindo espaço para o

desenvolvimento de competências, em consonância com a abordagem de Zarifian

(2001). Tal percepção pôde ser identificada no representante da Empresa R&S8,

cuja base do entendimento da competência, segundo declarou, “provém de cursos,

de livros [...], no curso de pós-graduação.”

Segundo R&S8,

[...]as empresas, quando elas nos passam as competências para a gente avaliar os profissionais, muitas delas já dividem essas competências em comportamento ideal para o cargo, conhecimento ideal e experiência necessária de vivência ideal [...] R&S8

[...] as empresas que não têm um RH estruturado, e a maioria não tem [... ], aí a gente tem de atuar como um consultor, orientando esses empresários pra começar a falar sobre competência, mas de uma forma mais técnica, de uma forma que ele compreenda a importância [...], pois numa descrição de perfil, às vezes, a pessoa tem muita dificuldade de fazer a descrição de perfil, identificar o que realmente precisa na empresa [...] e tudo isso depende do momento em que a empresa pode desenvolver os profissionais, ou num momento em que ela precisa de uma pessoa pronta (R&S8).

O conceito de competência da representante da Empresa R&S3, por sua vez,

alinha-se com a visão da Escola Americana, conforme material fornecido pela

entrevistada15 sobre a abordagem comportamental (behaviorismo cognitivista).

Em resumo, o conceito de competência, no âmbito dos serviços de R&S, é

definido, em alguns casos, tomando por base aquilo que a empresa contratante

entende como competência e, como tal, o conceito pode vir ligado aos princípios

tradicionais do cargo e da pessoa certa para o cargo certo. Observou-se a

tendência à adoção do modelo de competências que analisa o candidato quanto à

mobilização dos saberes escolarizados, experienciais e atitudinais, conforme

sintetiza o QUADRO 5.

15 David McCleland, no artigo publicado em 1973, intitulado “Testar competências no lugar de inteligências”, afirma haver melhores preditores de desempenho futuro do que os tradicionais testes de inteligência e aptidões. McCleland viu no behaviorismo cognitivista, o foco principal da análise das competências, como o comportamento observável.

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QUADRO 5

Concepção de competência dos entrevistados

Empresas Visão de competência

R&S 1 Habilidades de que as pessoas dispõem e as empresas precisam, as quais são atestadas pelo serviço de R&S.

R&S 2

Algo que pode ser desenvolvido, acrescido das habilidades e da educação, postos em movimentação, em prática.

R&S 3 Enfoque comportamentalista, proveniente da Escola Americana.

R&S 4 Referência específica de cada empresa, em função da própria cultura e demanda particular.

R&S 5

Habilidades pessoais, interpessoais, características construídas ao longo da vida e percebidas nos mais diferentes ambientes; capacidade de lidar com as pessoas.

R&S 6 Conceitos, mecanismos de avaliação e características próprias da empresa contratante.

R&S 7

Teorias aprendidas em cursos, metodologias ligadas a modismos, desenvolvidas pelos indivíduos e verificáveis por meio de entrevista; maneira de recrutar e selecionar candidatos, adotada por algumas empresas.

R&S 8

Conhecimentos habilidades, atitudes e comportamentos em face de determinada situação, alinhados àquilo que algumas empresas contratantes definem como competência; entendimento advindo de cursos e leituras sobre o tema.

Fonte: Dados da pesquisa, 2008.

Esse entendimento de competência, atrelado à rigidez do cargo, choca-se

com premissas básicas do conceito de competência, quais sejam, a autonomia e a

responsabilidade, em face de uma situação de evento. Isso configura mudanças

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burocráticas nos procedimentos de seleção de pessoas, como afirmam Fleury &

Fleury (2004) e Dutra (2004), ou seja, refere-se à atribuição de roupagem nova a

velhos conceitos. Logo, a pesquisa evidenciou o uso de práticas renovadas no

processo de recrutamento e seleção; práticas que buscam capacidades, qualidades

do trabalhador, mas sustentadas em velhos princípios. Essa exigência gera a

necessidade de novos referenciais para a avaliação do trabalhador.

Constatou-se nas entrevistas, por meio da exposição do candidato a uma

situação problema, que o processo de recrutamento e seleção de trabalhadores na

atualidade recorre ao conceito de competência, o qual engloba três saberes

(acadêmico, experiencial e atitudinal). O saber escolarizado, atualizado e mobilizado

é fundamental. A trajetória profissional é de responsabilidade do trabalhador, sendo

preferencialmente marcada por curtos períodos de tempo na função ou na empresa.

O saber experiencial, por sua vez, diz respeito ao saber-fazer. O saber atitudinal,

igualmente relevante, sempre foi demandado, porém, no passado, de maneira

menos explícita; na atualidade, é considerado essencial, já que o desenvolvimento

organizacional pressupõe o desenvolvimento das pessoas.

Evidenciou-se também que, ao avaliar os saberes preconizados pela

qualificação, além dos saberes atitudinais, os serviços de R&S atendem aos ditames

atuais do mundo do trabalho; contudo, não se verificou o rompimento com o

princípio do cargo, estabelecido no modelo de produção taylorista-fordista.

Na verdade, esses aspectos hoje demandados sempre integraram as

características pessoais do trabalhador. Em face de uma realidade que parece pedir

um novo perfil de trabalhador, Dadoy (2004) e Tomasi (2004) afirmam que o atual

mundo do trabalho precisa apenas reconhecer no profissional as qualidades já

existentes, mas até então não valorizadas nem avaliadas. Segundo Tomasi (2004,

p.12)

[...] os trabalhadores, individualmente ou em pequenos grupos, sempre reclamaram um conceito de competência que, no entendimento deles, fizesse justiça às suas capacidades, aos seus conhecimentos, aos seus saberes, que não os homogeneizasse em face das demandas dos postos de trabalho.

De fato, um trabalhador qualificado, ocupando seu posto de trabalho e

fazendo jus a determinado salário, sempre percebeu diferenças em termos de

desempenho, conhecimento, capacidade, em relação aos demais. Portanto, sempre

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foi desejo dos trabalhadores serem valorizados, avaliados em virtude dessas

diferenças. Nas convenções coletivas, os patrões mantinham a concepção de

trabalhador vinculada ao modelo do posto, cargo e saberes, sem levar em

consideração as qualidades do trabalhador, “elementos que o distingue e que hoje,

reconhecidamente, agrega valor à produção.” Por essa razão não mudavam a forma

de negociação coletiva.

Nessa ótica, diferentemente de Zarifian (2001, 2003), que associa a

competência à ruptura do modelo de produção taylorista-fordista e à demanda do

patrão, compreende-se que a passagem do modelo de avaliação do trabalhador, da

qualificação para a competência, é uma demanda do trabalhador, num contexto neo-

taylorista, caracterizado pela renovação, pelo abrandamento e não pela ruptura16

com o modelo taylorista-fordista, em face da inserção heterogênea do modelo de

produção flexível.

Finalmente, cabe observar que a análise e interpretação dos dados desta

pesquisa permitiram constatar que o processo de recrutamento e seleção, na

atualidade, renovou-se, devido às transformações na sociedade em nível mundial,

afetando o mundo do trabalho. Na análise das falas dos entrevistados, constatou-se

que a qualificação, como elemento avaliativo dos trabalhadores, é insuficiente para

captar as capacidades do trabalhador, hoje avaliadas, razão pela qual é adotado o

modelo da competência. Porém, os dados revelaram a associação da competência

com o cargo disponibilizado pela empresa contratante; o cargo, por sua vez, na

moderna concepção de carreira, não é mais visto como uma posição estável e de

ocupação duradoura. A carreira é hoje associada a experiências diversificadas e de

curtos períodos em um cargo, muitas vezes, em diversas empresas, e tais

elementos indicam a capacidade de mudança, adaptação e flexibilidade do

trabalhador.

As práticas dos serviços de R&S, para identificarem as demandas dos

empresários, centram-se inicialmente na visita à empresa, na observação do

ambiente e na conversa informal com os trabalhadores e o superior hierárquico, com

16 Na fase de coleta de dados desta investigação, foram visitadas duas indústrias uma do ramo automobilístico e outra de tecido. Em ambas coexistem o modelo taylorista-fordista e a produção flexível. Constatou-se a presença, no mesmo espaço físico, de alta tecnologia, robotização e informatização da produção e, de equipamentos e procedimentos tipicamente tayloristas-fordistas. A novidade é o rodízio dos trabalhadores nas tarefas, funções para aprendizagem e melhor qualidade de vida no ambiente fabril.

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vistas a identificar a cultura organizacional e a construção do perfil profissional

demandado. A captação dos candidatos é feita por meio da publicação de anúncios

em jornais, ou em sítios eletrônicos corporativos dos prestadores de serviços de

recrutamento e seleção. A análise do candidato, por sua vez, engloba entrevistas,

testes de conhecimento e inventários, visando a identificar os saberes relativos à

profissão, à experiência e às características pessoais ligadas ao exercício do cargo.

Muito embora os entrevistados tenham se referido à competência e recorrido a

práticas que visam a atestá-la e reconhecê-la no candidato, o entendimento do

conceito de competência ainda se vincula aos princípios do cargo e da escolha da

pessoa certa para o cargo certo. Além disso, os aspectos da cultura da organização

e do candidato são pontos relevantes observados no cruzamento entre o perfil

demandado pelas empresas contratantes e o perfil ofertado pelos candidatos às

vagas a serem preenchidas.

De forma generalizada, os serviços de R&S participantes da pesquisa avaliam

os saberes adquiridos na trajetória escolar e profissional dos candidatos às vagas,

por meio de sua exposição a situações-problema, por meio de entrevista ou de

dinâmica de grupo, principalmente visando à análise do saber atitudinal. Alguns

serviços de recrutamento e seleção recorrem a um conceito de competência

originado de estudos acadêmicos e do entendimento das empresas contratantes

quanto às competências desejadas. Pôde-se constatar que há empresas

contratantes que não fazem uso do termo competência. Nesse caso, os serviços de

recrutamento e seleção tornam-se consultores, alertando as empresas quanto à

conveniência dessa abordagem.

De modo geral, observou-se que o discurso dos entrevistados denota o não-

rompimento com o modelo tradicional de gerenciamento de trabalhadores. Muito

embora esteja presente no processo seletivo o conceito de competência, os serviços

de recrutamento e seleção e as empresas contratantes mantêm o princípio do cargo

e da pessoa certa para o cargo certo.

Logo, confirma-se pressuposto desta investigação: o conceito de competência

dos atuais serviços de recrutamento e seleção de trabalhadores baseia-se em

posicionamentos teóricos e empíricos tradicionais e nas demandas dos empresários

ou de seus representantes, ligando-se a práticas tayloristas-fordistas e configurando

a neo-taylorização.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo fato de as organizações contemporâneas tenderem a concentrar seus

esforços na atividade-fim, transferindo as atribuições de recrutamento e seleção de

trabalhadores para empresas especializadas na área, esses serviços, denominados

agências de emprego, consultores em recursos humanos, entre outras

denominações, tornam-se parceiros das organizações. Interpretando o discurso

empresarial, alinham sua estratégia de atuação àquela da empresa contratante e

buscam candidatos para o preenchimento da vaga. A empresa contratante fornece

uma descrição completa e acurada de suas necessidades de pessoal, e o prestador

de serviços oferece-lhe um grupo adequado de candidatos. Os prestadores desses

serviços, nesta investigação, foram denominados de serviços de recrutamento e

seleção de trabalhadores - R&S.

Com o objetivo de contribuir para o entendimento do conceito de competência

no âmbito das empresas atuantes no processo de recrutamento e seleção de

trabalhadores, este trabalho buscou responder à seguinte indagação: Que princípios

tendem a nortear, na atualidade, as ações dos serviços de recrutamento e seleção

de trabalhadores, em função da concepção de competência predominante no âmbito

das empresas contratantes?

Para isso, foram investigadas oito empresas prestadoras de serviços de

recrutamento e seleção de trabalhadores, em Belo Horizonte, MG, no período de

24 de agosto de 2006 a 02 de agosto de 2007. Partiu-se do pressuposto de que o

entendimento do conceito de competência adotado nos serviços de recrutamento e

seleção de trabalhadores, em função das solicitações dos empregadores, vincula-se

ao princípio tradicional do cargo, configurando a neo-taylorização, o que marca a

necessidade da criação de um novo referencial para avaliação do trabalhador.

No transcorrer das entrevistas, a autora foi convidada por uma das empresas

prestadoras de serviços, a atuar em um processo seletivo, na busca por um

profissional para ocupar um cargo em nível institucional. A experiência possibilitou

compreender na prática a implementação de uma forma modernizada de

recrutamento e seleção: os candidatos, primeiramente avaliados sob o enfoque do

curriculum vitae, se escolhidos, passavam à entrevista, na qual eram buscadas as

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competências previamente estabelecidas para a ocupação do cargo. A entrevista

buscava enfocar a história de vida escolar e profissional do candidato, que era

solicitado a relatar uma vivência, a partir da qual fosse possível analisar sua atitude

em face dos fatos relatados. Além disso, foram aplicados procedimentos de análise

grafológica, buscando na escrita dos candidatos indícios de sua maneira de agir,

aspectos de suas atitudes e comportamentos em situação de trabalho.

Nas entrevistas, pôde-se constatar que os serviços de recrutamento e seleção

tendem a centrar suas ações nas especificidades e atribuições do cargo. Tanto que,

ao ser visitada a empresa contratante, previamente ao desencadeamento do

processo seletivo, o objetivo é conhecer o espaço de atuação do trabalhador e a

cultura da empresa, tendo em vista a melhor adequação do profissional ao cargo a

ser ocupado.

Pôde-se também verificar, durante a pesquisa, que predomina nos serviços de

recrutamento e seleção, o entendimento de que as competências abarcam a

mobilização do saber escolarizado, do saber experiencial e do saber atitudinal

(comportamental) em uma dada situação profissional. Cabe ainda ressaltar que o

modelo da competência adotado engloba práticas clássicas do modelo de

qualificação, tais como testes e inventários, mediante os quais as empresas de

recrutamento e seleção buscam mapear as competências dos candidatos e

comprovar se as exigidas pela organização são preenchidas por ele.

Esse contexto confirma o pressuposto deste trabalho, de que o conceito de

competência predominante nos serviços de recrutamento e seleção de

trabalhadores seria construído à luz de posicionamentos teóricos ligados ao modelo

da qualificação e em função das solicitações das empresas, assentando-se

basicamente nos princípios tradicionais do cargo e da pessoa certa para ocupá-lo. A

noção de competência relacionada ao desempenho do cargo configura a tendência

a uma neo-taylorização do processo de recrutamento e seleção de trabalhadores,

sugerindo a necessidade de reflexão e renovação de tais princípios.

Quanto à pesquisa teórica, verificou-se que os autores referenciados

ressaltam as dificuldades e os desafios representados pelo modelo de

competências, no tocante ao alinhamento entre as competências individuais, as

organizacionais e as estratégias de negócio das empresas, com vistas ao

desenvolvimento de competências nas pessoas, para que agreguem valor a si

mesmas e à organização. Por outro lado, eles reafirmam a manutenção de práticas

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tradicionais de gestão de pessoas no processo de recrutamento e seleção de

trabalhadores, na grande maioria das empresas pesquisadas, devido, em parte à

falta de referenciais que substituam aqueles centrados no cargo, e, em parte, à

ausência de um modelo de gestão de pessoas estruturado por competências. Os

estudos consultados indicam a tendência à renovação, paralelamente à manutenção

de práticas gerenciais taylorista-fordistas nas organizações. As inovações

evidenciadas dizem respeito, basicamente, à valorização do perfil autônomo e

empreendedor do trabalhador; à atribuição de maior responsabilidade às pessoas

pelo sucesso da organização; ao foco na abertura de espaço para princípios

voltados para o desenvolvimento de competências do trabalhador.

Algumas mudanças foram constatadas, na literatura pesquisada, porém, não

são generalizáveis ao conjunto de empresas e dizem respeito à adoção do conceito

de competência no treinamento e desenvolvimento dos trabalhadores, com a criação

de universidades corporativas e sistemas de remuneração ligados às competências

dos indivíduos e aos métodos de avaliação da competência do trabalhador.

Quanto ao processo de recrutamento e seleção de trabalhadores, a literatura

referenciada ressalta a exigência de maior nível de escolaridade dos trabalhadores

e de características pessoais como comprometimento, flexibilidade e pensamento

estratégico.

Na visão dos autores consultados, os diferentes entendimentos do conceito

de competência, em grande parte das organizações, dificultam sua

operacionalização na gestão de pessoas. Esses aspectos denotam, em parte, o não

rompimento da gestão de pessoas com o modelo tradicional de gerenciamento de

trabalhadores, dando a entender que as mudanças no gerenciamento de pessoas

nas organizações se configuram práticas neo-tayloristas. As mudanças são

pontuais, tanto no interior das empresas quanto no conjunto delas. Nessa

perspectiva, os princípios que sustentam as práticas de recrutamento e seleção de

trabalhadores, centradas no cargo e na pessoa certa para o cargo certo, continuam

em pauta, embora de forma renovada.

Esse entendimento encontrou respaldo no discurso dos representantes das

empresas de recrutamento e seleção entrevistados. Pôde-se comprovar que, na

atualidade, em função da maior flexibilidade dos processos de produção, da

tendência a postos de trabalho quase indefinidos e ainda da maior valorização da

autonomia do trabalhador e do trabalho em equipe, a função tornou-se mais fluida e

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abriu efetivamente espaço para o saber-ser, razão pela qual as atitudes e os

comportamentos passaram a ser priorizados, explicitados e demandados nos

processos de recrutamento e seleção, fato que explica a maior demanda por

características individuais no mundo do trabalho, entendidas como competências

pelos serviços de recrutamento e seleção.

Por outro lado, a análise do discurso dos entrevistados e das práticas de

recrutamento por eles adotadas possibilitou a conclusão de que a identificação das

competências de um profissional depende do olhar dos recrutadores e

selecionadores. Permitiu ainda inferir que o perfil profissional do trabalhador é uma

construção individual, podendo ou não ser atrelado a um cargo a ser preenchido em

determinada empresa.

Na fala dos sujeitos da pesquisa, foi também possível verificar a importância

dada à cultura organizacional do contratante. Em termos gerais, as organizações

assemelham-se, por assim dizer, a segmentos ou grupos de sociedade

aparentemente isolados, cada uma desenvolvendo a própria cultura, embasada em

crenças, idéias, princípios e valores que lhe dão consistência e identidade. Do

conjunto de organizações integrantes dessa malha de heterogeneidade cultural,

emergem fronteiras culturais específicas e identidades empresariais, nas quais o

candidato, o indivíduo, o trabalhador pode penetrar, desde que haja adesão a essa

cultura e aprovação de sua maneira de ser e atuar, em função dos moldes

estabelecidos e requeridos pela organização. Caso a identidade cultural do

candidato não coincida com o perfil profissional pretendido, é excluído do processo

seletivo.

Nesse contexto de valores definidos pelas organizações, os excluídos desse

processo de fronteira cultural simbólica parecem ser levados a participar de uma

situação de relativa clandestinidade, por exemplo, o desemprego, o que leva a

indagar: A qual lógica de desempenho de papéis o trabalhador recorrerá, se a

cultura do mundo do trabalho exclui o candidato de um processo seletivo, pelo fato

de não assumir uma identidade até certo ponto pré-estabelecida? A busca de

resposta para esta indagação foge ao escopo e aos objetivos desta pesquisa.

Contudo, pretende-se, posteriormente, proceder a uma investigação que enfoque

elementos tais como a identidade do trabalhador, a cultura organizacional, a

competência e os possíveis processos identitários do trabalhador para demonstrar

sua competência. Também devido às limitações do tema, centrado na escolha de

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autores franceses e brasileiros que abordam a competência no âmbito

organizacional, os autores da escola americana, por exemplo, não foram

abordados. Sugere-se a outros pesquisadores um estudo no qual sejam reunidas

ambas as escolas (americana e francesa) no tratamento do tema competência.

Sugere-se ainda que sejam investigadas as dimensões organizacional, gerencial e

individual da competência.

Uma das contribuições deste trabalho foi perceber, por meio da observação

in loco e análise detalhada das transcrições do material coletado, que as questões

enfocadas proporcionaram aos representantes dos serviços de R&S participantes da

pesquisa uma reflexão sobre a prática do dia-a-dia.

Espera-se que igualmente constitua uma contribuição positiva para a literatura

acadêmica nas áreas da Sociologia do Trabalho e Educação para Trabalho. Ao

enfocar o âmbito empresarial, abordando o processo de recrutamento e seleção de

trabalhadores, pôde-se refletir sobre o processo seletivo tradicional, calcado na

qualificação, analisando saberes relativos à profissão, a hábitos e movimentos

prescritos ao trabalhador, traduzidos em gestos repetitivos. Perante a realidade

pesquisada, este estudo propiciou “uma reflexão sobre o trabalho e sobre a relação

homem-sociedade mediada pelo fazer humano”, conforme propõe Tomasi (2006,

p.127).

A pesquisa revelou que os atuais serviços de recrutamento e seleção de

trabalhadores tendem a não priorizar as dimensões humana e social do trabalhador,

que, ao agir, expressa um saber-fazer, mas igualmente um saber-ser:

[...]dimensão do gesto que trabalha o objeto e lhe dá vida, do gesto preciso que fabrica coisas e assegura o seu funcionamento, do gesto que pode ser mensurado, controlado e submetido a uma economia de tempos e de movimentos, elementos centrais da organização científica do trabalho de Taylor, mas (que precisa) também da dimensão humana e social do gesto que, ao produzir a existência humana, produz também sociedade e cultura, traduz hábitos, costumes, sentimentos, pensamentos, modos de viver e de ser. (TOMASI, 2006, p.127)

Portanto, nessa dimensão gestual, as atitudes e os comportamentos conferem

significado e valor ao trabalho humano e, por isso, o saber-ser (saber atitudinal) é

essencial no processo de recrutamento e seleção de trabalhadores.

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APÊNDICE A

Roteiro de entrevista • Contexto do processo de recrutamento e seleção desde os anos 1980 a 2007.

• Balanço de possíveis mudanças e identificá-las.

• A maneira como se dá a contratação dos serviços.

• Como se dá o processo de recrutamento e seleção?

• Como são captadas as demandas dos empresários?

• O perfil demandado é construído pela empresa contratante, pelos serviços, por

ambos?

• Como é identificado o perfil ofertado?

• Como se dá o cruzamento das informações entre o perfil demandado e o perfil

ofertado?

• A relevância dos saberes escolarizados e da experiência.

• Se o entrevistado não falar de competência abordar o tema.

• Buscar identificar, sem perguntar diretamente, o que o entrevistado entende por

competência.

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