o cínico pistoleiro shane era um foragido perigoso que ... · era que possuía um sorriso eterno...

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O cínico pistoleiro Shane era um foragido perigoso que foi preso ao cair na armadilha de uma mulher. Seu pior inimigo pagou a fiança em troca de seus serviços: caçar o maníaco sanguinário responsável pela morte brutal de sua filha. Shane sofreu varias perseguições de pistoleiros, e não esperava contar com a ajuda de sua traidora, nem da atração que os unia. O assassino continuava agindo e a única pista que tinha dele era que possuía um sorriso eterno no rosto, mas logo lhe mostraria quem riria por último. Digitalização: Marina Revisão: Laís

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O cínico pistoleiro Shane era um foragido perigoso que foi preso ao cair na armadilha de uma

mulher. Seu pior inimigo pagou a fiança em troca de seus serviços: caçar o maníaco sanguinário responsável pela morte brutal de sua filha.

Shane sofreu varias perseguições de pistoleiros, e não esperava contar com a ajuda de sua traidora, nem da atração que os unia. O assassino continuava agindo e a única pista que tinha dele era que possuía um sorriso eterno no rosto, mas logo lhe mostraria quem riria por último.

Digitalização: Marina

Revisão: Laís

CAPITULO PRIMEIRO

A trapaça Shane chegou à cidade depois de percorrer um caminho poeirento. Era uma cidade pequena e

silenciosa, em cuja entrada via-se uma forca. Olhou a placa com o nome: "Sand Valley". O nome não lhe agradara, porque não causava

impacto, embora não soubesse bem por quê. Entretanto, tinha que ficar ali à força, porque seu cavalo estava ficando exausto e não suportaria cavalgar por mais tempo através do interminável deserto.

Shane acariciou-lhe o pescoço e disse: — Um dia você descansará. E entrou na cidade. No rosto de Shane não havia a menor expressão e, aos vinte e cinco anos,

tinha às vezes a calma de um velho chefe índio. — Pior para ele. — diziam algumas mulheres. Parou diante do estábulo público e desceu do cavalo para ir até o encarregado que estava na

porta. Todavia, nem tudo estava bem para ele, pois, a primeira coisa que viu foi um cartaz com o seu rosto. Na parte de baixo, havia uma cifra muito promissora: mil dólares, além da costumeira frase: Vivo ou morto.

Contudo, algo salvava Shane. O fato que na fotografia do cartaz seu cabelo estava mais curto e seu rosto estava barbeado, enquanto que agora tinha o cabelo longo, barba muito comprida e um bigode que quase lhe cobria o lábio superior. Se o empregado do estábulo público não o reconhecia, era possível que muita gente não o identificasse nas vinte e quatro horas que pensava passar ali.

— Você tem um cavalo fraco, amigo — disse o encarregado. — Sim. Ele é bom, mas está exausto. — Eu já vi. — Vou lhe dar uma boa gorjeta se cuidar bem dele. — Eu sempre cuido bem deles, amigo. Shane entregou-lhe as rédeas, enquanto perguntava: — Existe algum hotel por aqui, não? — Tem na esquina. Shane virou-se e leu: "HOTEL CAVEIRA" — Inclusive, o letreiro era negro com letras

douradas como se, realmente, a porta do hotel fosse a tampa de um caixão. — Um nome desconhecido — disse Shane. — Não faça pouco caso. Lá se come bem. — Carne de cadáver? — perguntou Shane. — Às vezes — disse o encarregado. — Por quê puseram um nome tão estranho? — Foi construído sobre o antigo cemitério. Shane encolheu os ombros.

— Melhor para mim que só vou ficar uma noite — disse. E foi em direção àquele alpendre que parecia a entrada de uma funerária. Claro que isso não

lhe importava, pois, Shane tinha "amigos" em vários cemitérios. "Amigos eternos". Foi, então, que ele a viu. Alta, bonita e com tudo no lugar. Uma mulher atraente. Embora Shane evitasse se fixar nas mulheres, posto que sempre são um perigo na vida de um

homem, não conseguiu deixar de olhá-la. Isto, por causa de sua juventude, de sua beleza e de seu sexo...

Viu também os dois "abutres" que iam na direção dela. Shane não gostou, pois, tinham um aspecto perverso que demonstraram rapidamente. Os dois foram em linha reta até a moça, mas um de cada lado. Enquanto o primeiro interrompia-lhe os passos, o segundo impedia-lhe de fugir, caso ela se virasse.

Então, o primeiro disse: — Fim da viagem, queridinha. Ela ficou tensa. — O quê está acontecendo? — perguntou ela, com voz rouca. — Que você vai fazer uma parada, boneca. — Só se for para ver seu rosto, não é? — Digamos que sim. Mas eu tenho outras coisas que você também pode ver. — Vá para o inferno, desgraçado! E virou-se. Foi, então, que viu o outro que lhe cortava os passos. Seus cílios tremularam por

um momento, enquanto empalidecia. — Você vai dar uma volta conosco, gracinha — murmurou o segundo. — Uma transa a dois — provocou o primeiro homem. — Você verá como será bom. E seguraram-na, um de cada lado, levantando-a com violência, enquanto ela gemia. Com o

movimento brusco, sua saia levantou-se um pouco e parte de suas pernas fabulosas ficaram à mostra.

Ninguém moveu-se, pois, alguns homens pararam para ver aquelas soberbas colunas de carne. Entretanto, ninguém a defendeu.

Ela gemeu novamente e tentou escapar, mas já não pôde. A brutalidade de um daqueles sujeitos aflorou-se. Um bruto soco golpeou o rosto da moça lançou-a contra a parede.

Então, Shane avançou pouco a pouco e seus olhos eram apenas duas cavidades em seu rosto coberto de poeira.

— Rapazes — disse com uma amabilidade sinistra. Os dois se viraram. — O quê é? — Já ouvi a conversa de vocês em outros lugares. — E daí? — É que eu fico aborrecido. Os corpos daqueles dois homens ficaram tensos. As pessoas que estavam na rua pararam nas

esquinas. O ar parecia estar carregado. O homem que ainda segurava a moça, grunhiu: — Pois, se você não gosta da nossa conversa, vá para outra cidade, seu estúpido! Você não

faz falta aqui.

— Posso ir sim, mas... — Mas o quê? — Antes, vocês é que "irão". A moça balbuciou: — Por favor, não se meta nisto, forasteiro. Não aconteceu nada de grave... Vá embora. — Você é muito caridosa — disse Shane. — Está com medo deles me matarem? — Eles são... perigosos. No rosto petrificado de Shane apareceu um sorriso quadrado. — Então, que eles a deixem em paz — murmurou. Os dois homens continuavam tensos. Um deles grunhiu: — Meta-se nos seus assuntos, idiota. — Este assunto é meu — grunhiu Shane. — Você gosta desta cidade? — Bah! — Pois, tenho pena de você, porque vai ficar nela. Shane entreabriu um pouco as pernas, enquanto seus longos braços arqueavam-se

ligeiramente. Parecia disposto a disparar e o ar estava irrespirável como nunca antes. — Você tem pinta de pistoleiro profissional — grunhiu um dos sujeitos. — E daí? — Nós não somos. — Ainda não entendi — disse Shane. — É muito simples: vamos resolver este assunto com os punhos... se você se atrever. Ou você

só é valente com o Colt na cintura? — Vocês também estão armados. — Nós lhe fizemos uma pergunta, forasteiro. O sorriso de Shane ficou mais quadrado. — Não há problema algum — disse tranqüilamente. — Por quê teria que haver? E soltou o cinto. Certamente não havia problema, pois, seus inimigos estavam fazendo o

mesmo. Assim, os revólveres caíram no chão, com um barulho seco. Shane avançou e disse: — Muito bem, rapazes. E fechou os punhos disposto a lutar. Entretanto, aconteceu o inesperado, o impossível. A

própria moça foi quem sacou um revólver de uma de suas mangas e disse com voz opaca: — Quieto, Shane. O forasteiro ficou de boca aberta, pois, não entendia nada. Durante uns segundos que

pareciam intermináveis, não entrou no seu cérebro a idéia de que aquilo havia sido, enfim, uma trapaça suja, porque agora ele estava desarmado.

Parecia-lhe que só existia na rua o sorriso turvo da moça. Foi, então, que ela murmurou: — Era muito difícil capturá-lo de outra maneira, Shane. É impossível pegá-lo quando você

está com o revólver na mão. Mas, agora, você caiu. — Bonita comédia, não? — disse um dos sujeitos. — Agora não faremos nada além de repartir a recompensa — disse o outro. Coisa estranha. Apesar de tudo, o sorriso de Shane não se desmanchou e ele disse sem hesitar:

— Sinto muito, amigos, mas vocês estão equivocados. Eu não sou quem vocês estão pensando.

— O quê você está dizendo? — Que eu não sou Shane. Então, um revólver cravou-se em suas costas. O jovem virou-se e viu o brilho da estrela do

xerife. — Isso nós vamos ver agora mesmo — disse o agente da lei. — E de quê modo você vai ver? — Tirando sua barba. Shane não se opôs, pois, sabia que era impossível. Seguido por uma verdadeira multidão, foi

conduzido até um pequeno estabelecimento, em cujos espelhos havia umas manchas de sangue muito suspeitas. Shane pensou que não fosse sangue dos clientes que se barbeavam ali.

O xerife o fez sentar na única cadeira, sem deixar de apontar o revólver para ele e dizer: — Tire a barba. Ao ver a navalha que o barbeiro pegava, uma autêntica serra, percebeu que, realmente, o

sangue que manchava o espelho era dos clientes que entravam ali. Mas não tinha outra alternativa, senão, agüentar. Ficou quieto até que o deixassem de cara limpa.

O xerife colocou, então, um cartaz na frente de Shane e disse: — É você ou não é, camarada? — Claro que sou eu — reconheceu Shane. — Então, por quê negou? — Para fazer a barba de graça — murmurou Shane. — Parece-lhe pouco...?

CAPÍTULO SEGUNDO

Encontro com a morte

A uma certa distância de Sand Valley, do outro lado do deserto, na cidade de Stone Creek, a morte rondava. Ninguém suspeitava, naquele lugar tranqüilo e silencioso, onde a única novidade era a parada diária das diligências e a chegada de alguma boiada. Entretanto, a morte rondava.

E quem menos podia imaginar sua presença era a moça que se dirigiu a saída do hotel, já entre as sombras da noite, levando suas pequenas coisas às escondidas e deixando no quarto sua maleta e dois vestidos que não valiam nada. Acreditava conseguir fugir sem que o dono a visse e que chegaria à estação das diligências, onde, com um pouco de sorte, subiria numa que a levasse a Sand Valley. Há três meses sonhava todas as noites em voltar para lá, mas o único dinheiro que lhe restava era para pagar a diligência, pois, havia ficado sem comer nada nos dois últimos dias, juntando centavo por centavo.

A jovem superou com êxito a primeira prova. O dono do hotel não estava em seu posto de vigilância, pois, aquela hora jogava cartas no bar ao lado. Com um pouco mais de sorte conseguiria desaparecer sem pagar a conta e chegar à estação das diligências.

Tinhe vinte anos e não era feia nem bonita. Agora sabia disso, pois, passou a conhecer suas limitações e a perceber que nunca chegaria a triunfar.

Todavia, um ano antes, quando fugiu de sua casa em Sand Valley, estava convencida de ser uma das moças mais bonitas da Califórnia. Só precisava demonstrar isso e, para tanto, precisava atrever-se a sair daquela espécie de poço que era sua pequena cidade, onde alguém que tivesse valor não se fixaria.

As verdadeiras oportunidades estavam em Sacramento e em São Francisco, as duas cidades fabulosas que ela tanto ouvia falarem. Em São Francisco havia concursos de beleza, grandes teatros, fartas lojas e homens ricos que logo lhe ofereceriam contratos espetaculares para triunfar no mundo da canção. Para triunfar só faltava atrever-se, e ela se havia atrevido.

Agora lembrava-se de tudo como um estranho sonho. Primeiro, a fuga de sua casa, roubando de seu pai uma pequena quantia em dinheiro. Em seguida, a grande viagem, mudando de diligências para que perdessem seu rastro, pois, sabia que a perseguiriam por ser menor de idade.

Enfim, São Francisco. A fabulosa cidade, a meta de seus sonhos. Realmente havia teatros luxuosos, lojas bonitas e homens ricos, mas havia também algo que a

inocente Elsie não havia contado: as ruas estavam cheias de moças ainda mais bonitas que ela e todas procuravam a mesma coisa. Todas queriam conquistar a fama e fazer dinheiro rápido.

De toda maneira, Elsie não se havia desesperado. Depois de se hospedar num hotel modesto, fez o caminho obrigatório à todas as moças bonitas que queriam triunfar em São Francisco e que continuaria sendo percorrido cem anos mais tarde. Elsie se havia apresentado num concurso de beleza, o qual não ganhou. Foi, então, que ela começou a se convencer de que não era bonita como havia pensado no princípio. Assim, começou a entrar nas filas dos escritórios dos empresários teatrais.

Entretanto, ainda tinha que aprender uma segunda lição: as moças que aspiravam a um trabalho, tinham que ser boas artistas — e ela não era — ou estarem dispostas a ceder seus corpos, e isso não parecia muito honrado para Elsie, de modo que, não encaixando-se em nenhuma das duas situações, ficou sem trabalho, sem amizades e, pouco a pouco, sem dinheiro.

Pensou ter sorte em Sacramento, mas lá foi pior, porque as pessoas eram mais sórdidas. Havia muita politicagem e muitos banqueiros que só pensavam em se divertir. E as coisas se mostraram para Elsie com mais crueldade depois. O único empresário importante na cidade disse-lhe:

— Ou a cama ou a rua. Elsie já estava desesperada. Depois de ter roubado dinheiro de seu pai e fugido de casa, não se

atreveria a voltar para a sua pequena cidade. Pela primeira vez escolheu a cama e lhe deram um trabalho no teatro, mas tão miserável que

apenas servia-lhe para pagar o hotel. Além disso, depois de uma semana, o empresário cansou-se dela e substituiu-a por outra.

Agora, a queda era rápida. Duas atuações num cabaré onde as moças ficavam nuas: acompanhou clientes importantes durante a noite; levou duas bofetadas de um banqueiro que queria fazer com ela uma perversão sexual; a primeira entrada no escritório do xerife e a proposta de expulsão da cidade com uma chantagem feita pelo homem da lei, que disse:

— Se você for uma boa moça e souber se comportar este fim de semana, quando minha mulher não estiver em casa, tudo poderá ser resolvido.

Depois disso, a queda foi mais rápida ainda. Elsie percebia com horror que sua beleza silvestre de antes, já estava murchando por causa daquela vida. Elsie estava fazendo o que lhe parecia impossível, o que jamais havia sonhado ter que fazer: oferecer-se aos homens, aos quais

honrava-se por fixaram-se em seu corpo e por deitarem-na em suas camas. A troco de quê? Elsie sabia que era a troco de, cada vez, menos.

Agora, já nem pedia mais trabalho, pois, uma simples promessa bastava-lhe. Às vezes vendia-se por um vestido novo ou por uma refeição, sempre com a louca esperança de que o vestido a ajudaria a triunfar ou a comer num lugar elegante, o que a ajudaria a estabelecer as relações que precisava. Mas nada disso acontecia. Duas vezes teve que deitar com donos de hotéis para que não lhe cobrassem a conta.

E agora voltava para Sand Valley. Derrotada e prostituída. Entretanto, havia tido a grande lição de sua vida, sabendo que, no final, ainda tinha um pai e que esse pai a ajudaria a começar novamente, bem como, sabendo que na vida há muitas coisas que não se devem vender, apesar dela ter vendido todas.

Todavia, não voltaria a fazer isso. Era como se ela tivesse nascido novamente. Para isso, só faltava-lhe um último obstáculo, que era esquivar-se do dono do hotel e pegar a diligência. O resto estaria resolvido.

Chegaria à Sand Valley um dia depois. Mas quando seu coração já começava a palpitar loucamente, pensando que havia conseguido seu propósito, ouviu aquela voz:

— Senhorita Warren. Ela virou-se desolada. Ali estava o dono do hotel, com seus olhos de raposa. — Para onde estava indo, senhorita Warren? — Por aí, dar um passeio. — A essa hora? — Queria sentir um pouco de ar fresco. — Pois, fico feliz em encontrá-la, porque ia ligar para o seu quarto. Você me prometeu que

faria o pagamento hoje, Elsie. — Sim, claro... Pois... eu... eu pagarei. — Você me disse que seria antes das nove. — Claro... Antes das nove. — Pois, falta meia hora. Ela engoliu saliva. — Justamente agora vou cobrar uma dívida e voltarei para lhe pagar — sussurrou. — É só um

minuto. — Não tente me enganar — disse o hoteleiro. — Você não quis ter um caso comigo e não

quis ficar comigo de outra forma, porque lhe pareço muito velho, não é? Pois, agüente as conseqüências. Ouça o que eu vou lhe dizer: não tente chegar à estação das diligências, porque eu vou estar lá. E muito cuidado com o que você vai fazer.

Elsie tragou saliva novamente, enquanto estremecia de terror, de medo que aquele bastardo imundo estaria esperando-a na estação e isso significava um fracasso para seus planos. Portanto, não lhe restava a menor oportunidade para fugir da cidade e voltar para Sand Valley.

Sendo assim, sentiu-se completamente perdida. Se pagasse a conta do hotel, teria que ficar ali e, em poucos dias, voltaria a ter dívidas, sem ter conseguido nada. A única solução estava em fugir. Mas, como?

Então, ele a viu. O jovem tinha boa aparência. Vestia-se como um estudante que acabara de chegar àquela

cidade do oeste. Seus olhos eram grandes e transmitiam confiança. Sorria continuamente.

Entretanto, devia estar acostumado a tratar com moças fáceis, porque não começou com rodeios. Pegando uma nota de vinte dólares, disse:

— Eu pensei que isso poderia ser seu. Elsie teve vontade de esbofeteá-lo, mas controlou-se. Quando uma moça chega tão baixo, o

melhor é que não esbofeteie ninguém. Com voz opaca, perguntou: — Em troca de quê? — Tenho sensação de que você está mal de dinheiro. Sem querer eu ouvi o que este bastardo

que dirige o hotel estava lhe dizendo. — Meus problemas são coisa minha. Eu só lhe perguntei por quê você vai me dar sua nota de

vinte dólares. — Não adivinha? — Eu não faço isso. Contudo, Elsie Warren sabia bem o que havia feito muitas vezes e, inclusive, por menos

dinheiro. E estava numa situação tão desesperadora que, talvez, aquele jovem fosse sua tábua de salvação.

Olhou-o com mais simpatia. Enfim, era muito mais atraente que alguns dos "abutres" com os quais havia tido que se deitar e, certamente, o despacharia rápido, antes que a diligência saísse. Além disso, não tinha aspecto de ser um pervertido como os outros.

— Não acha que sou uma profissional, não é? — disse ela, timidamente. — Por isso, eu gosto de você. E não se preocupe, pois, ninguém saberá. Você ganha seus

vinte dólares num momento e nunca mais nos veremos. — Pode estar seguro disso — pensou ela. — Vamos — disse ela em voz alta. — Ouça... Não queria que nós entrássemos no hotel pela porta principal. Meu pai está na

cidade e não quero que fique sabendo de tudo. Ele me deu o dinheiro para comprar livros e não para sair com uma moça.

— Eu, tampouco quero ser vista com um homem — disse Elsie, — mas não se preocupe. Há uma porta nos fundos.

— Então, vamos entrar por ela. Os dois entraram por uma ruela e chegaram à uma portinhola. O jovem não parava de sorrir.

Na ruela ele havia passado a mão em Elsie, mas ela aceitou, porque aquele era o trato, enfim. Uma vez no quarto, percebeu que seu cliente ainda sorria e, além disso, sempre da mesma

maneira. Esse foi o primeiro detalhe que a tranqüilizou. Aquele homem parecia não ter um rosto e sim, uma máscara.

— Você sorri sempre? — perguntou. — Sempre. — Pois, eu nunca vi isso. Um segundo mais tarde, Elsie havia entendido por quê. A pequena cicatriz junto a um dos

lábios, indicava que aquele jovem havia sido ferido com uma bala no músculo facial e a boca havia ficado repuxada num sorriso eterno, numa careta eterna. Começou a pensar, então, que não era um estudante como havia dito, porque os estudantes não se envolvem em tiroteios.

Mas, já era tarde para escolher. Além disso, a única coisa que interessava à Elsie Warren eram os vinte dólares.

— Primeiro o dinheiro — disse, usando a linguagem de uma verdadeira prostituta.

— Antes, fique nua. — Está certo... Não costumo fazer amor vestida. Foi tirando a roupa rapidamente e, no espelho do toucador, pôde ver seu bonito corpo que,

todavia, não podia competir com as estrelas de São Francisco ou de Sacramento. As vezes sentia vontade de chorar. Como havia sido tão imbecil? Como havia chegado a acreditar que era a mais bonita da Califórnia?

Ele a manuseava. Elsie sentia um frio correr em seu sangue. Com um resto de vergonha, disse:

— Vamos apagar a luz. — Bem... Se você quer... — Agradeço sua delicadeza. — Não gosto de violentar as mulheres. — Você é um bom rapaz. Como se chama? — E isso importa? — Tem razão. Não importa. — Deite-se na cama. Ela obedeceu. Sentia-se muito melhor assim, às escuras, porque desse modo podia pensar que

a culpa não era dela. Sentiu que uma das mãos do homem a acariciava e descansava entre seus seios.

Por quê só a acariciava com uma mão? Onde estava a outra? Ela ficou sabendo quando já era tarde demais, pois, as portas do inferno abriam-se para ela.

Viu, apenas, o brilho do longo punhal. Só sentiu dor. Mas a lâmina de aço cravou-se até o fundo entre seus seios, no ponto exato que a mão do

assassino havia marcado. Elsie tentou lançar um grito de horror, mas nem isso pode fazer, porque aquela mão moveu-se

e tapou-lhe a boca. Todo seu corpo agitou-se, mas ainda estava espantosamente viva quando percebeu que a enorme faca, digna de um açougueiro, deslizava para baixo, rasgando sua carne e sua pele. Ele ia esquartejá-la.

Todo seu corpo estremeceu de medo e de dor, porque agora estava sentindo a dor até o fundo de suas entranhas.

O sangue espirrou longe. Para sorte de Elsie, ela não o via esguichar, porém, o sentia quente e pegajoso, derramando-se por seu corpo, abundantemente.

Mordeu a mão que lhe impedia de gritar. Pensou que a destroçava com a fúria de seus dentes, mas, na realidade, não lhe fez nada. Elsie Warren já não tinha forças. Seu corpo contraiu-se num espasmo, negando-se a morrer.

Pior para ela. Era melhor que tudo acabasse de uma vez. Mas ainda faltava-lhe o mais terrível de tudo. Estava viva quando sentiu a faca subir... e começar a furar um de seus olhos.

O monstro ia arrancá-los. A dor chegou até o fundo dos ossos de Elsie. Foi, então, que ela perdeu os sentidos. Elsie Warren, a moça que havia sonhado com o dinheiro e a glória, penetrava rapidamente no

silêncio eterno da morte.

CAPÍTULO TERCEIRO

Um encontro inesperado

Shane já estava há dois dias na prisão. Não podia negar que havia usado bem o tempo, pois, já tinha feito uma série de coisas.

Havia roubado uma faca do guarda da manhã, lançando-o a mais de vinte metros; ganhou trinta dólares do guarda da tarde numa partida de pôquer; passou a mão por duas vezes no traseiro da filha do xerife, que estava encarregada de distribuir a comida, com o miolo de um pão já tinha tirado o molde da chave para fugir; enfim, havia realizado todas essas tarefas rotineiras e cheias de sensatez que um prisioneiro honrado efetua.

Pensava fugir na manhã seguinte, porque, inclusive, já havia feito mentalmente um traçado da pequena prisão e sabia, perfeitamente, quais os lugares menos vigiados. Mas as coisas mudaram. O xerife veio ao anoitecer e perguntou:

— Quero saber se você vai jantar, Shane? — Se eu não jantar, o quê vai acontecer? — Que eu vou lhe cobrar do mesmo jeito, mas o dinheiro ficará para mim. — Então, eu janto, maldito. Gostaria que lhe dessem um golpe no baixo ventre. — Mas, que pena! Para esses casos tenho um atestado médico que diz que você está

empanturrado e que precisa de uma dieta. — Se será um bode... — Bem... Eu tenho que ganhar a vida. É um truque que uso muito — disse o honrado

representante da lei, com o maior cinismo. — E quantas vezes você o usou? — Depende. Como no mês passado precisava de dinheiro, eu o usei com um pássaro durante

quinze dias seguidos. — E o quê aconteceu? — O pássaro foi para o céu. — Mas ele ficaria curado da indigestão, claro. — Isso sim. De toda maneira, isso não acontecerá com você. — Por quê? — Vão soltá-lo, Shane. — A mim...? — balbuciou Shane. — Alguém conseguiu sua liberdade com o juiz. Depositou uma fiança de mil e quinhentos

dólares para que você ficasse em liberdade. — Mil e quinhentos dólares? Isso é uma fortuna! É mais do que ofereceriam por minha

cabeça! — Coisas que acontecem — sussurrou o xerife. Shane levantou-se assustado. — Maldito seja, eu não vou sair — disse. — Por quê? — Certamente, quem depositou essa fiança é uma velha que quer ter companhia durante as

noites. O gato deve ter morrido e pensa que eu posso ser melhor. Não vou sair! Nem falar! — É pior que isso, Shane. — Pior? — Sim. Siga-me.

O xerife abriu a porta e Shane o seguiu como que hipnotizado. Não estava entendendo nada. Saíram da pequena prisão e atravessaram a rua.

Shane não sabia para onde iam, mas soube de imediato, ao entrarem na funerária. Claro que não era nenhuma novidade. Depois de ter estado no Hotel Caveira, a funerária

parecia, inclusive, um lugar alegre para jogar cartas aos domingos pela tarde. Mas Shane continuava sem entender nada.

O agente da lei chamou: — Warren! E do fundo do local, cheio de caixões e de mesas sinistras onde normalmente descansavam os

cadáveres, emergiu aquele homem. Tinha uns cinqüenta anos e ainda estava bem conservado, com força nos músculos e rigidez na pele. Entretanto, havia algo de estranho nele, algo que era quase estremecedor. Para andar até os homens recém-chegados, tinha que avançar com as mãos na frente, tateando as mesas.

Aquele homem estava cego. Foi, então, que Shane lembrou-se dele. — Warren... — pensou. — Warren transformado num cego! Shane teve que fechar os olhos. Foi como se entrasse no túnel do tempo e o passado viesse até

ele. Foi como se o tempo, o maldito tempo, não tivesse transcorrido. Estava novamente na rua principal de Topeka, com o sol no rosto e nas piores condições para

disparar. Parecia escutar ainda o murmúrio das pessoas que se extasiavam ante o desafio. Sentia ainda o leve suor em suas mãos, porque sabia que podia morrer naquele desafio.

Warren era um grande pistoleiro, daqueles que não perdoam. E, agora, Warren estava ali, a uns doze passos, com os dedos quase roçando a coronha. Era um pistoleiro que já estava chegando aos cinqüenta anos, mas nunca o maldito havia estado em melhor forma. Chegar a quase meio século vivendo do Colt desde os dezessete anos, é algo que só um autêntico campeão da morte pode fazer.

E Warren havia dito: — Chegou sua hora, Shane. Shane o havia olhado de soslaio. Sabia que, certamente, ia morrer. Em parte por causa do sol

em seu rosto, mas isso não lhe dava medo. O que queria era saber se Warren era tão bom como diziam. Por isso havia dito:

— É melhor você deixar a arma, Warren. As pessoas dizem que sua mão treme, sabia? Já está começando a sair de moda.

— Sua mãe é que deve estar fora de moda. — É verdade. A pobre sempre usava um chapéu negro. — Por quê? — Pelas sete mulheres que haviam morrido antes de meu pai. — Seus ossos vão morrer sete vezes, Shane. Com eles farei um caldo para os abutres. — Parece que não tem muita simpatia por mim, Warren. O quê foi que eu lhe fiz? — Pisou no meu terreno e em meu terreno ninguém pisa. O assunto Barklay era meu. Havia

nele muito dinheiro para ganhar. — Pois, eu ganhei o dinheiro, Warren. A proteção de um transporte de ouro... Encarregaram-

me do trabalho e me pagaram o dinheiro. — É disso que eu me queixo. Os Barklay eram meus clientes. — Mas você os perdeu, Warren.

— Miserável! Não voltará a pisar no meu terreno. Parecia que aquelas palavras ainda soavam nos ouvidos de Shane. Ainda sentia o sol em seu

rosto. Sabia que não ia ganhar, que não podia ganhar. E, de repente... — Saca! A voz que retumba, as mãos que se movem como raios BANG! Para Shane tudo ainda parecia um pesadelo. Sua bala havia alcançado Warren em cheio e

havia estilhaçado em seu rosto. — Então, você ficou cego... — murmurou. Warren não respondeu. Tirou os óculos por um momento. Eram uns óculos negros e grandes,

mas agora via-se claramente a cicatriz e os olhos quietos e mortos. — Uma lesão no cérebro — disse Warren. — Irreversível. — Depois do desafio, quando levei um médico até você, não pensei que fosse tão grave... — Você tem uma péssima memória, Shane. O médico disse que eu morreria. — Sim, mas ao morrer acabam-se as preocupações. Ficar cego é outra coisa. Um dos

desprazeres é que não poderá ver as mulheres nunca mais. Warren colocou os óculos novamente e Shane estremeceu. Mas, não foi de medo, e sim, de

estranheza, porque o xerife havia desaparecido. — Você disse que me mataria, Warren — murmurou. — Sim. — Podia ter esperado que me enforcassem. Com um pouco de sorte e um dinheiro para o juiz,

você teria conseguido. — Eu pensei nisso. — E por quê não fez o que pensou? — Você está vendo que, agora, sou um cidadão respeitável — disse. — Sim... Você tem uma funerária. — O hotel também é meu. — Eu temia. — As pessoas que morrem envenenadas no restaurante do meu hotel, são enterradas por mim

— declarou tranqüilamente o pistoleiro cego. — Negócio dobrado. — Você sempre gostou dos dólares, Warren. — Sempre quis ter um negócio próprio. — E por quê uma funerária? — Tive a idéia ao pensar nos muitos homens que eu havia morto. Logo me ocorreu que dar a

eles uma sepultura cristã seria interessante. Um autêntico chafariz de dólares. Os mortos não são uma raridade nestes lugares.

Shane olhou à sua volta. Realmente, o negócio tinha bom aspecto, se é que uma funerária pode ter bom aspecto. Certamente os "clientes" chegavam em abundância. Por isso mesmo, Shane não pode evitar um certo arrepio de horror.

— Foi você quem depositou a fiança? — perguntou. — Sim — respondeu Warren. — Bom lugar para me matar, Warren. — Sim. — Você vai querer fazer isso em sua própria casa...

— Juro que algum dia eu vou lhe matar, Shane, mas no momento não o deixei livre para isso. Quero fazer um trato com você.

— Um trato? De quê tipo? — Você é um malandro, Shane. — Sim. — Um desalmado. — Sim. — Um cobrão. — Sim. — Não erra uma bala. — Não — respondeu Shane, tranqüilamente. — Por isso, você me interessa. — Para quê? — Siga-me. Foi até o interior, tateando as mesas. Havia, no fundo, um quarto pequeno que devia servir

para os embalsamentos. Uma espécie de repelente fétido havia pelas paredes. A luz apenas permitia distinguir bem as coisas, talvez, porque o cego não precisava de luz.

Mas os olhos de Shane acostumaram-se com a penumbra rapidamente e, então, pode ver algo que o estremeceu de horror. Era algo que já cheirava muito mal, mas não foi isso que lhe causou uma sensação instantânea de repugnância. Foi outra coisa, a qual jamais havia visto igual.

O quê era aquela mulher partida em pedaços? O quê era aquele corpo sem entranhas? O quê era aquele rosto... sem olhos?

Shane balbuciou: — Santo Deus... Então, Warren disse com um fio de voz: — Eu tinha uma filha.

CAPÍTULO QUARTO

Um corpo na funerária Shane não percebeu, mas estava apoiando-se na mesa que exalava aquele odor fétido. E que

Shane, pela primeira vez na vida, cambaleava. Desta vez não dominava os acontecimentos, pois, estes é que o dominavam.

Balbuciou apontando para os horríveis restos: — Sua filha? — Sim. — Quem mandou... esses restos para você? — Um xerife de uma cidade podre. Seu nome não importa. Elsie tinha meu endereço anotado

e uma quantia em dinheiro. Devolveram-me os dólares... e isto. Estava tocando os restos ao dizer isso. Não lhe importava o aspecto terrível. Sem dúvida

precisava tocá-los, porque não podia vê-los com seus olhos. Warren sabia de tudo, principalmente, porque ele trabalhava nisso. Era como se, espantosamente, estivesse vendo aquele cadáver.

Shane murmurou: — Quem? Era a única pergunta que lhe importava naquele momento. Tinha que haver um responsável e,

portanto, haveria um morto. Tinha que haver um assassino para que seus pedaços fossem partidos e seus restos vendidos numa salsicharia.

Essa era a lógica de Shane. E também era a lógica de Warren. Como se tivesse adivinhado seus pensamentos, Warren disse:

— Não sei, mas eu saberei. — Como conseguirá? — Você está perguntando isso, porque eu sou cego, não é? — Sim. As mãos de Warren abriram-se e fecharam-se várias vezes, como se estivesse estrangulando

alguém. — Não posso seguir a pista, Shane — murmurou. Shane começava a entender. — E você lembrou-se de mim — disse. — Lembrei-me do homem que quero matar — disse roucamente, Warren. — E por quê não faz isso de uma vez? — Sou cego. — Droga! Estou certo de que você tem algum miserável apontando um rifle para mim, detrás

de um caixão. Bastaria um só gesto de seus dedos para que eu me transformasse num de seus "clientes".

Como se aquelas palavras fossem um sinal, um homem armado com um rifle automático apareceu naquele momento detrás de um caixão e perguntou:

— O quê? Quer que eu o mate, chefe? — Está vendo? — perguntou Shane, tranqüilamente. — Por quê não lhe dá a ordem? — Porque você e um miserável. — E daí? — Também é o melhor rastreador que eu já conheci. E o assassino mais implacável. — Isso é pensar muito bem — disse Shane. As mãos de Warren abriram-se e fecharam-se convulsivamente outra vez. — Shane — disse. — Procure-o. — Está bem. — Traga-o aqui. — Está bem. — Sabe o quê farei com ele? — Eu imagino. — Isto é uma funerária, percebeu isso? — Homem... começo a ter uma ligeira idéia. — Sabe o quê e embalsamar um homem? — Mais ou menos. — E o quê você acha que acontece com um homem se o embalsamarem vivo? Shane estremeceu. Apesar de todas as coisas horríveis que havia visto em sua vida, não pode

evitar de sentir uma espécie de fisgada entre os olhos.

— Chegará a fazer isso? — perguntou. — Sim. E você me ajudará. — Está bem. — Também vou precisar de uma orquestra completa — disse Warren. — Para quê? — Para abafar os gritos do sujeito, enquanto o parto em pedaços. Vai ser uma festa. Procure-

o, Shane. Quero esse homem aqui. Quero tocar seu rosto. Quero sentir seus pedaços entre meus dedos.

— Movendo-se ainda? — Movendo-se como ervilha. Shane não se impressionou. Já não se impressionava com mais nada. A única coisa que fez foi

perguntar com voz opaca: — O quê eu vou ganhar com isso? — De início, sua liberdade. Poderia ficar na prisão por seis anos ou mais, e você sabe disso. — Já é alguma coisa — reconheceu Shane. — E depois? — Depois eu o matarei. A voz de Warren não estava trêmula. Havia sido fria e densa. Shane sabia, perfeitamente, que

ele falava sério. Entretanto, disse: — Ouça. Tire aquele sujeito de trás do caixão, senão, ele vai disparar o rifle. — Você tem razão — disse Warren. — Manolito! — gritou. O homem do rifle saiu. — Diga, chefe. — Traga dois uísques. — Do forte ou do fraco? O forte matou um de seus clientes na semana passada, senhor

Warren. — Do forte — disse o próprio Shane. — Para ver se arrebentamos todos de uma vez. E saiu do quarto horrível. Tudo aquilo fedia a tumba. O uísque queimava. Tinha que ter um estômago blindado para agüentar a bebida sem que

começasse a sair fumaça até pelas narinas. Mas os dois sujeitos nem pestanejavam. E Shane murmurou: — Fale-me de sua filha. — Era ambiciosa e pensava que era bonita — disse Warren, com voz sombria. — Sua cabeça

estava cheia de ilusões. As vezes acontece isso com as jovens. — Sim. — Foi para São Francisco. Não pude evitar. Uma manhã me levantei e ela havia fugido.

Levou uma pequena quantia em dinheiro também. Elsie deve ter pensado que, com isso, seria a dona do mundo.

— Alguma discussão entre vocês? — Não. Ja... jamais. — Algum noivo? — Esta me perguntando se alguém a levou? — Sim.

— Jamais houve um noivo. Precisamente Elsie queria ser livre para triunfar. Depois deve ter tido relações com homens, mas não estava mais aqui.

— Como você sabe? — A declaração do médico que enviou os restos dizia que ela já não era mais virgem e que,

além disso, havia feito amor contra vontade numa vez. Quando leram a declaração bati com a cabeça na parede.

— Falemos de outra coisa, Warren. — Não. O quê importa agora? Você tem que saber de tudo. — Você a procurou enquanto estava fora? — Sim, mas pelas autoridades. E elas não servem para nada. Tinha que ter contratado, desde

o princípio, um homem como você. — Onde a mataram, Warren? — Numa cidade suja, chamada Stone Creek. — Não fica longe daqui. — Não. Suponho que ela já estava voltando... E um nó formou-se na garganta de Warren. Mas Shane, que se havia transformado numa

máquina sem emoções, perguntou: — O próprio médico disse em sua declaração se o assassino havia abusado dela sexualmente

antes de matá-la? Essas coisas deixam marcas. — Por quê está perguntando isso? — Porque preciso delimitar os campos. Preciso saber antes de tudo se o crime foi feito por um

maníaco sexual. — Não. A declaração não dizia nada sobre isso. Devem ter examinado ela profundamente

quando descobriu as marcas das atividades sexuais que havia praticado nos últimos tempos. — Bem, então nos encontramos diante de uma ira selvagem, talvez provocada por vingança.

Alguém poderia ter se vingado de você através de sua filha, Warren? — Por quê? — Não se faça de ingênuo agora. Você encheu os cemitérios. Todos os que estiveram por dois

segundos diante de seu revólver acabaram morrendo com um tiro nas costas ou no peito. E acha estranho alguém querer vingar-se de você?

— Teriam assassinado a mim, e não à minha filha. — Há pessoas muito enfurecidas — murmurou Shane. — Você tem razão, mas neste momento não me lembro de ninguém. Você sabe como as

coisas no oeste são feitas. Você mata um amigo meu e eu acerto-lhe um tiro entre os olhos. Mas não vou me meter com sua filha. Quem fez isso é um louco.

— Sim — reconheceu Shane. — Então, procure-o. — Quero duas condições — disse Shane. — Quais? — Cem dólares para fazermos uma farra antes de você me matar. — Você os terá. — E o endereço de um salsicheiro de confiança. — Para quê? — Para me vender os restos do assassino.

— Já falei com o salsicheiro — disse Warren. — E o quê ele lhe disse? — Que fará uma grande venda. — Então, estamos rápidos... — disse Shane. Mas isso para ele não era ruim. Ele era um homem do oeste e no oeste o assassino sabe que

pode, perfeitamente, acabar dentro de um caixão, com todas as despesas pagas. No caso daquele assassino, Warren pagaria, inclusive, a música.

CAPÍTULO QUINTO

Uma visita ao prostíbulo Shane foi à Stone Crcek. Cidade podre essa. Umas casas baixas, uma planície interminável,

um hotel, um saloon e um banco, além de um prostíbulo. Mas, pela quantidade de reses que pastavam pelos arredores, previa-se que aquilo cresceria em pouco tempo. Não seria estranho que dentro de dois anos, Stone Creek se transformasse numa cidade próspera, na qual já deviam estar se formando algumas grandes fortunas.

Shane sabia que ali também encontraria cartazes com o seu rosto. Entretanto, isso não lhe importava muito. Tinha uma ordem de liberdade sob fiança ditada por um juiz e, ainda que essa ordem fosse perdida enquanto ele se metesse em confusão, Shane estava disposto a se fazer respeitar.

Assim, foi ao escritório do xerife que se matava de trabalhar pela cidade. Estava acariciando uma mulher que estava sentada sobre seus joelhos. Ao ver Shane entrar, disse:

— Por quê veio incomodar? Não está vendo que eu estou "interrogando" uma mulher? — De quê crime está acusando-a? — De ter ido para a cama comigo. — Isso é grave — reconheceu Shane. — Mortal. — Eu se fosse você, faria uma coisa, xerife. — O quê? — Não a condenaria a dez anos e um dia, e sim, a dez anos e uma noite. — E o quê eu ganho com isso? — Muito. Comece por fazê-la cumprir a noite. O xerife ajeitou-se. — É verdade! Está condenada, boneca! E rapidamente olhou melhor o rosto de Shane. — Você me lembra alguém — disse. — Claro que sim. Tem um cartaz com o meu rosto em cima da sua mesa. — Nossa! — Mas não fique entusiasmado, xerife. Posso lhe mostrar uma ordem de liberdade sob fiança

ditada por um juiz. — Está certo. Por quê veio aqui, Shane? — Despedaçaram uma moça chamada Elsie Warren.

— Não me fala disso. Ainda fico enjoado ao lembrar. — Bem, mas eu tenho um contrato. — Para quê? — Alguém me pagará a peso de carne os restos do assassino. E olhou fixamente para o xerife, porque percebeu imediatamente que tinha diante de si um

malandro e um coveiro nato. — Houve prisões? — perguntou Shane. — Não, ninguém. — Onde a mataram? — Em seu quarto de hotel. — Então, a viram entrar com o assassino. — Não, porque entraram pela porta dos fundos. — Que explicação tem isso? — Simples. A moça trabalhava como prostituta por um tempo e não queria que ninguém

soubesse. Shane mordeu o lábio inferior. — Ninguém chegou a vê-los? — perguntou Shane. — Bem... Uma mulher viu duas sombras. Reconheceu que uma delas era a de Elsie, mas a

outra era a de um homem que não tinha nada de especial. Não recorda nada dele. Em todo caso, parecia-lhe que ele sorria.

— Não tem nada de diferente — disse Shane. — Não. — Alguma pista? — Nenhuma. — Tem passado algum louco pela cidade ultimamente? — Amigo, os loucos não saem por ai dizendo que são loucos. Certamente, são mais astutos do

que as pessoas normais e não são de cometer a menor falha em público. Estou me referindo aos maníacos e aos sádicos. Já conduzi as investigações nesse sentido, mas sem nenhum resultado até agora.

— De toda maneira pode saber quantos forasteiros, mais ou menos suspeitos, estiveram ultimamente na cidade.

— Impossível. — Por quê? — Por causa das eleições. — Que eleições? — perguntou Shane. — As de governador do Estado. Muitas pessoas estão passando por aqui. Por incrível que

pareça, este povo daqui tem importância. — Quer dizer que já chegaram agentes de propaganda e tudo mais? — Agentes de propaganda, pistoleiros, intermediários que facilitam dinheiro para a campanha

eleitoral... Tudo isso é muito complicado, amigo. É uma eleição para um cargo importante, os aspirantes apostam tudo.

— Está me dizendo que tem vindo muito forasteiro e que você não pode controlar todos? — Justamente. Shane compreendeu que por ali não conseguiria nada.

— Posso ver o quarto onde o crime foi cometido? — perguntou. — Está fechado e eu guardo a chave. — Abra-o. Havia algo implacável na voz de Shane. — Vou abrir — sussurrou o xerife. E foram até o quarto. Só ao entrar lá sentia-se vertigem. Havia sangue por todas as partes.

Uma espécie de cheiro de carne picada e podre pairava no ar. O agente da lei abriu a janela e disse: — Foi aqui que tudo aconteceu. — Tinha que ser um maníaco — murmurou Shane. — Sim. — Os maníacos só assassinam mulheres... Os homens parecem... digamos que menos

interessantes. — Certo — grunhiu o xerife. — Por sorte. Só me faltava encontrar alguém que me

despedaçasse e que me matasse. — Seria melhor que só matasse, xerife. — Bem, então, talvez, chegaríamos a um acordo. — Você é um cachorro, xerife. — Eu faço o que posso. — Vamos sair daqui. Respiraram fundo quando chegaram lá fora. Aquilo havia sido um pesadelo. Enquanto a

chave girava na fechadura, Shane murmurou: — Sabe que há uma visita que os maníacos desse tipo nunca deixam de fazer? — Qual? — À casa de tolerância. — Puxa, tem razão. Não pensei nisso. — Eu vou lá — disse Shane. — E o quê acontecerá se você o encontrar? — Vou matá-lo. — Neste caso, avise-me. Quero vê-lo. — Está certo — disse Shane. — Até logo. Ao chegar à casa de tolerância, a cabeça de Shane não tinha idéias imorais e sim, idéia de

morte. De início, percebeu que a casa estava movimentada, pois, vários sujeitos estavam montando

uma espécie de orgia. A encarregada da casa apenas abriu a porta para dizer a Shane: — É melhor que você vá embora, forasteiro. — Por quê? — Sinto, mas não podemos atendê-lo. — Por quê razão? — Uns visitantes "fecharam" a casa. Já sabe o que isso quer dizer; ninguém entra e as moças

são todas deles durante uma noite. Shane mordeu o lábio inferior. Podia voltar no dia seguinte, mas não estava disposto a perder

muito tempo. Além disso, ouvia algumas das moças gemerem, sinal evidente de que estavam sendo maltratadas.

E se o maníaco estivesse ali? Uma pista que, talvez, fosse clara não podia ser deixada para o dia seguinte. Por isso, disse à encarregada:

— Saia, mulher. — Por quê? — Você me excitou tanto que eu preciso entrar. A mulher tinha uns sessenta anos e já não podia excitar ninguém, mas Shane tinha um modo

especial de falar. Portanto, afastou-a, puxou a cortina para um lado e encontrou-se no salão principal da casa. Aquilo era uma festa.

Bem, era uma festa para os sujeitos, porque as mulheres estavam passando mal. Cinco homens, entre os quais três estavam completamente bêbados, perseguiam-nas e as

submetiam a toda classe de vexames, entre os quais figurava algumas bofetadas quando elas não faziam as "coisas" bem feitas. Muito medo deviam inspirar aqueles sujeitos quando ninguém se atrevia a tirá-los da casa.

Shane viu o segurança do prostíbulo. Este, estava num canto do corredor, bem quietinho sem dar um "pio".

— Vai deixar que entortem as moças? — murmurou Shane. — Por quê não intervém? — Vou deixar que me arranquem a pele? — perguntou o segurança. — Você sabe quem são

eles? — Não tenho a menor idéia. — São pistoleiros profissionais do senhor Cot. — Continuo sem ter idéia. — Pior para você. E Shane começou a avançar. Mas os dois únicos "abutres" que não estavam bêbados vieram

até ele. — Quem é você, maricas? — perguntou um deles. — O quê veio fazer aqui? — perguntou o outro. — Queria fazer uma pergunta às moças — disse Shane. — Perguntar sobre o quê? — Sobre um sujeito que ando procurando e que, talvez, tenha visitado a casa. — Pois, pode perguntar outra coisa. Pergunte aonde vão lhe colocar uma dentadura nova,

maricás — gaguejou um dos "clientes". — Eu não lhe disse nada demais — sussurrou Shane. — Pois, eu lhe digo. Você veio atrapalhar nossa festa e vai pagar por isso. — Eu vou pagar como? — Peter e eu vamos arrancar-lhe a pele em tirinhas. — Peter é, por acaso, aquele outro que não está bêbado? — Sim — gaguejou o aludido, enquanto apanhava o cinturão e começava a manuseá-lo como

um profissional. — Pior para vocês — grunhiu Shane. — Por quê? — Porque eu estou gostando da coisa. — Está gostando de morrer, bastardo? — O que pode morrer, também pode matar — disse Shane bruscamente.

Os outros já estavam diante dele. Suas mãos aproximaram-se perigosamente das coronhas. As moças do local olhavam aterradas para aquela cena, mas não podiam intervir, porque os bêbados continuavam agarrando-as sem deixá-las mexerem-se.

O segurança da casa pediu: — Por favor, senhores, aqui não. — O quê? — Peço-lhes que saíam para a rua. Shane murmurou: — Que pena. Esses dois sujeitos gostariam de morrer aqui e, certamente, as moças também

gostariam de cuspir sobre suas carniças. Saíram para a rua. Os dois pistoleiros estavam calmos e eram perigosos. Notava-se que

estavam treinados e, além disso, brilhava em seus olhos o sórdido desejo de matar. Shane tragou saliva. Dois contra um. Doze passos. A idéia de morte passou diante de seus

olhos. Podiam costurá-lo a balas e, em seguida, colocá-lo na casa para que os bêbados vomitassem em cima. Era um pensamento podre, mas que não conseguia alterar Shane, porque sua voz era tranqüila e até indiferente quando disse:

— Vocês vão ter mil anos, rapazes. Não era problema provocá-los. Os "abutres" já estavam movendo-se e eram endiabradamente

rápidos. Mas não foram tanto quanto Shane, o profissional que sempre havia ganho a vida tirando a vida dos outros.

Girou a cintura e duas chamas pequenas e amarelas brotaram de sua mão direita. Os dois pistoleiros foram para o inferno sem poder acreditar.

Os bastardos ficaram fora de órbita quando um terceiro "olho" ficou marcado em suas testas. Shane colocou o Colt no coldre novamente e ouviu: — Pelo menos esta noite sairá de graça. Não gastará dinheiro algum. E virou-se. Foi, então, que viu a mulher. Olhou para os seus seios opulentos, suas formas bem

delineadas, seus lábios palpitantes, suas pernas, como se estivessem tirando suas medidas faz uma semana.

Mas Shane cuspiu de costas e disse: — Vá refrescar-se, menina. Ou vá procurar trabalho na casa ao lado, se é que querem uma

mulher como você. Mas eu duvido, porque cada vez que você se deitasse numa cama, teriam que desinfetá-la.

CAPÍTULO SEXTO

Uma linda mulher

Apesar daqueles insultos, aos quais o próprio Shane não estava acostumado, a moça não se alterou. Parada no alpendre, quase junto aos mortos, fixou em Shane um olhar impenetrável e metálico.

— Foi uma bonita casualidade essa, pela qual nos encontramos. — disse ela. — Era melhor não termos nos encontrado nunca. — Como você saiu da prisão? — perguntou ela, sempre sem se mover.

— Fiança. — Pois, você teve sorte. — Posso fazer três perguntas? — disse Shane. — Claro que sim. — Primeiro: como você se chama? — Liliam. — Segundo: por quê você é tão astuta? — Deve ser por tendência — respondeu ela, impassível. — E por quê planejou aquela trapaça suja para cobrar a recompensa por minha captura? Lilian vacilou por um momento, mas só por um momento e disse: — Ao que parece, você é um assassino sujo. — E se eu não fosse? — Meu pai me ensinou que as pessoas que saem com o rosto nos cartazes são perigosas.

Quem tem consideração com elas, acabam pagando caro. — Um anjinho seu pai. A quê se dedicava? — Era caçador de sujeitos como você. — Puxa, igual a mim. — O que indica que você também é um anjinho — disse Lilian. Shane teve que reconhecer que sim e que, além disso, entendia a lógica de que diante de um

"procurado" sentia-se a interesse em cobrar a recompensa, mas... — Não gosto do sistema — murmurou. — Não se usa uma trapaça suja para desarmar um

homem. — O quê você queria? Que disparassem contra você por traição? — Mesmo assim, a idéia é asquerosa. — Saiu da cabeça de meus irmãos. Não que me parecesse uma pérola mas eles agora

organizam o "negócio". — Seus irmãos eram aqueles dois sujeitos? — Sim. E não interpretaram mal a comédia, não é? — De toda maneira — grunhiu Shane — ouça bem isso: você é a maior raposa que eu já

conheci. — Não gosta dos meus métodos, não é verdade? — Não. E você vai pagar. — Como? — Você vai ficar uma semana na cama comigo. De toda maneira, você tem uma

oportunidade: saia antes do amanhecer. — E se eu não sair? — Eu irei atrás de você, Lilian. — Você está enganado. Não poderá. — Por quê? — Você cometeu um erro muito grave — murmurou ela, apontando para ele. — Que erro? — Parece que você não soube quem eram esses homens. — Disseram-me que eram pistoleiros de um tal Cot.

— Pois, o tal Cot é candidato a governador do Estado e, atualmente, está em campanha por aqui.

Shane arqueou uma sobrancelha. — Não parece que é um grande defensor da lei — disse. — Você não deve julgar isso. Os eleitores é que devem julgar e eles gostam do aparato

propagandista de Cot. Sempre rodeado de gatilhos... Para as pessoas daqui essa e a única política autêntica.

— Eu também penso a mesma coisa... quando os gatilhos não estão à serviço do crime. — Não vão lhe dar outra opção, Shane. Você desafiou o poder de Cot e pagará por isso. Por

isso lhe disse que não haverá amanhã para você. E deu meia-volta para ir embora. — De toda maneira, vá embora — murmurou Shane. — Por quê? — Porque se você não for, enquanto eu a segurar a deixarei muda. E ele também foi embora. Os mortos é que estavam mudos e nenhum deles perguntou como

estava a festa no interior da casa. Lilian tinha razão. Na manhã seguinte, Shane estava acabando de se arrumar quando dois

gorilas entraram em seu quarto sem bater à porta, apontando-lhe seus revólveres. Um deles disse: — Você, camarada, fique quieto. — Não está com nenhuma moça? — perguntou o outro. — Eu a joguei pela janela — disse Shane, cinicamente. — Por quê? — Sempre faço isso depois de usá-las. Os dois gorilas olharam-se entre si, mas um deles aconselhou: — Olhe debaixo da cama, por via das dúvidas. E você, camarada, acabe de se arrumar. — Tenho que ficar lindo? — perguntou Shane. — Por quê? — Se a pessoa que tenho que ver é tão marica como vocês, será mais conveniente para mim. O primeiro gorila, com um gesto de raiva, cravou-lhe brutalmente o cano do Colt no

estômago. A dor foi violentíssima e qualquer outro homem teria se curvado, mas Shane nem pestanejou.

— Isto é da parte do senhor Cot — murmurou o gorila. — Ah, vamos... já saiu. O que olhou debaixo da cama murmurou: — Quer ver você. — Por quê? — E você ainda pergunta, cachorro... À noite você matou dois dos nossos amigos. — Pois, eu poderia ter assassinado cinco, mas perdoei os outros três, porque estavam bêbados

— disse Shane, sarcasticamente. Foi, então, que lhe deram um brutal empurrão que o chocou contra a porta. Uns filetes de

sangue brotaram de seus lábios, mas Shane não moveu-se. Como estava completamente vestido, não foi difícil colocá-lo na rua, ainda que não o

deixassem pegar as armas. Estava indefeso diante daquele sujeito chamado Cot, do qual só sabia

três coisas: que queria ser governador, que era rico e que estava disposto a matar. Isso era o que mais o preocupava.

Tiveram apenas que atravessar a rua. Levaram-no a um grande edifício de alvenaria onde estavam instalando os escritórios eleitorais do tal Cot. Muitas pessoas preparavam cartazes e bandeirinhas com seu nome; outras, decoravam sumariamente o local e instalavam mesas.

Ao fundo havia um escritório, no qual estava Cot. Era um homem gordo e majestoso, tinha jeito de ter uma boa vida e, ao olhá-lo, percebia-se que era desses indivíduos que sabem muito bem onde pisam e que, se tiver que pisar num determinado lugar, não pouparia esforços para fazer o que for necessário, mesmo tendo que pisar um menino ou um morto.

Cot colocou um homem na porta, fechou o escritório e, em seguida, sentou-se fumando, enquanto olhava Shane em pé diante dele, como se Shane fosse um cavalo que não soubesse para onde ir.

Entretanto, saudou-o amavelmente. — Você, cachorro — disse. — O quê aconteceu, meu irmão? — contestou Shane. — Vou lhe dizer o quê aconteceu, bastardo. Ontem você matou dois de meus homens. — Foi inevitável. — Só eu que digo o que é inevitável nesta cidade ou não. Logo eu direi o mesmo em todo o

Estado. — Está seguro de que vai ganhar as eleições, Cot? — Estou seguro. — Por quê? — Porque eu uso a linguagem que as pessoas entendem. — Qual é essa linguagem? — Paz sempre e violência quando faz falta. — Mas só você impõe a violência, Cot. As pessoas não gostam disso. — As pessoas que se danem. — Você diz isso em sua campanha eleitoral? — Em minha campanha eleitoral eu digo o que tenho que dizer. — Quem é o seu rival nas eleições? — O espanhol Silva. — Silva é um homem honrado. — Você o conhece? — De nome — disse Shane. — E tenho ótimas referências dele. Não tem asco da violência,

mas não a impõe e sabe distinguir entre a violência justa e a que não o é. — Pouco me importa, de toda maneira, perderá. — Por quê? Cot mordeu seu charuto com impaciência e olhou para Shane como se este fosse não um

cavalo, mas sim, um verme. — Tenho uma arma secreta — disse. — Isso não diz nada. — E você sabe? Minha arma secreta mudará tudo em cinco minutos, pensem o que quiserem

os eleitores. E isso, em todo o Estado. Shane sorriu e disse:

— Pergunto-me se estou lidando com um louco. O gesto de impaciência repetiu-se. Os olhos de Cot eram cada vez mais hostis e frios. — Não vou perder tempo com você. Ontem, você matou dois de meus melhores homens, o

que indica que você é um bom pistoleiro. Como sempre, preciso de gente decidida e você vai trabalhar, imediatamente, para mim.

— É uma oferta? — perguntou Shane. — É uma ordem. — A única ordem que eu obedecerei será a de sua mulher, se ela me convidar para dormir

com ela — murmurou Shane, brutalmente. Cot ficou roxo de raiva e disse enfurecido. — Você tem dez segundos. — Para quê? — Para aceitar ou ir. — Pois, eu vou embora. — Boa viagem — disse Cot. — Você, Weiss, acompanhe-o. Weiss devia ser o homem que estava de guarda na porta. Shane sentiu um calafrio na coluna vertebral, enquanto caminhava na direção da porta, porque

percebeu que aquilo era uma condenação à morte. Iam matá-lo pelas costas e ele estava desarmado. Não podia fazer nada.

— Continue — grunhiu Weiss, indicando a porta. Shane obedeceu. Estava com raiva de si mesmo, porque apesar de não ter tido culpa, o haviam

metido numa suja trapaça. Enquanto olhava a porta da rua, percebeu que estava dando seus últimos passos, tratando de caminhar com dignidade.

Ao sair sentiu uma vertigem, pois, viu que outro o esperava ali. Um sorriso cínico moldava-se no rosto desse outro pistoleiro e Shane sentiu que a trapaça havia chegado ao fim. Então, disse com voz clara:

— Podia ter arrumado trabalho para eles. E virou-se. Queria morrer cara a cara. Viu, realmente, que estavam sacando o Colt atrás dele.

Tudo dependia de um segundo. BANG! O disparo do rifle estrondou a rua. Não foi o disparo de um revólver... mas o de um rifle. E não era o pistoleiro quem acabara de atirar. Havia outra pessoa, porque a cabeça do homem

do revólver partiu-se em duas. Alguém acabava de salvar a vida de Shane. Este compreendeu que tinha que "ajudar", pois, o perigo ainda não tinha passado.

Como um tigre, lançou-se sobre o pistoleiro que estava no alpendre, o qual já estava sacando sua arma, mas com indecisão, como se pensasse estar sonhando e não estivesse entendendo nada. Depois do salto de Shane entendeu menos ainda.

Os dois rolaram pelo chão e o Colt que o outro já havia sacado voou pelos ares, quicando no alpendre. As mãos dos dois lutadores estenderam-se até a arma, mas o inimigo de Shane estava mais próximo e acabou pegando-a, dando um grito de vitória.

Entretanto, isso não significava uma vitória total, pois, com homens como Shane, nunca se sabe o resultado final.

Ao pegar o revólver, aquele sujeito ficou apenas com uma mão livre, enquanto que Shane tinha as duas, usando-as para unirem-se e golpear mortalmente seu inimigo. Acertou-lhe o golpe na

base do nariz, cujo impacto não parecia grande coisa, mas que desloca o cérebro fazendo-o quase sair pelos ouvidos.

O homem que estava junto a Shane não chegou a disparar. Seus olhos ficaram brancos num instante e caiu pesadamente no chão.

Dois mortos haviam ficado junto à porta do escritório brilhante de Cot. Shane levantou-se e disse:

— As eleições começam bem para você, camarada. E olhou para o local de onde havia vindo o disparo do rifle, aquele disparo que lhe havia salvo

a vida. Foi, então, que ele a viu. Curvas, curvas, curvas... A única coisa que Shane pensou foi: — Linda mulher.

CAPÍTULO SÉTIMO

O maníaco ataca outra vez. A "linda mulher" avançou até ele. Estava mais sensacional que nunca e ainda empunhava na

mão direita o fumegante Winchester 73, com o qual havia acabado de enviar um homem para o inferno.

— Não precisava, Lilian. — Não precisava salvar-lhe a vida? Não dá valor a ela? — Não precisa fazer o que fez. Foi isso o que eu quis dizer. Incomoda-me o fato de você ter

sujado suas mãos. — Eu já as tinha sujas — disse Lilian. — Com o quê? — E é você quem pergunta? O quê está acontecendo? Tem uma memória tão ruim assim?

Não fui eu quem o vendeu por um punhado de dólares? Shane olhou-a fixamente. Havia algo diferente naquela mulher, algo que nunca havia visto em

nenhuma outra, até então. — Você quis limpar sua culpa? — perguntou Shane. — Talvez, seja isso — disse Lilian. — Diabos, você é uma mulher estranha! — Por quê? — Por duas razões. — Quais? — Uma, que você não perdeu o sentido da dignidade. Quando comete um erro, tenta repará-

lo. — E qual é a outra razão? — Que está muito bonita. Lilian sorriu e disse: — Esqueça-se da segunda razão, Shane. — Por quê? — Eu só faço amor com homens nos anos bissextos.

— Diabos! E quando será o próximo ano bissexto? — Dentro de três anos. — Então, já estarei jubilado — protestou ele. — Já terei entrado na andropausa. — Então, tome algum remédio para manter-se em forma. — Você tem que me dar uma chance antes do ano bissexto — pediu Shane. — Esperar três

anos é um crime. — Você tem uma vantagem, Shane — disse ela. — Não terá que esperar tanto. — Não? — Não, porque o vão matar antes. Você procurou um péssimo inimigo. Cot é um dos homens

mais importantes e mais perigosos da comarca. — Pois, comigo é diferente. Além disso, não vencerá as eleições. — Acredita nisso? — Estou seguro disso. Silva vencerá, porque e um homem honrado. — Pois, Cot está convencido de que ele vencerá. Shane encolheu os ombros e disse: — Parece muito informada, Lilian. — Bem... É o que eu ouço dizerem por ai. — É verdade que ele pensa em vencer as eleições — reconheceu Shane. — Disse para mim

que tinha uma arma secreta. — Que arma secreta? Shane encolheu os ombros novamente e disse: — E eu que sei? Em seguida, teve uma idéia. — Eu já sei! — gritou. — Acabo de entender. — O quê você sabe? — Qual é sua arma secreta. — Sim? Em quê consiste? — Em prometer aos eleitores que você ficará nua em público se votarem nele. Nem os mortos

irão faltar. Lilian sorriu. — Por quê você não se candidata às eleições para governador? — perguntou ela. — Eu? Um pistoleiro? E como eu iria vencê-las? — De uma forma mais simples: me despiria diante de seus eleitores — disse Lilian com voz

melosa. Shane ficou boquiaberto e lançou-se sobre a moça como um tigre. Mas Lilian o desiludiu

dizendo: — Apareça daqui há três anos, irmão. Talvez eu esteja mais bonita que agora. E soltou-se, embora Shane continuasse de boca aberta. — Pois... — balbuciou. Estava tão perdido em seus pensamentos que não percebeu que um homem jovem passava

junto dele, olhando fixamente para os mortos. Era um sujeito que sorria sempre, um sujeito cujo sorriso não saía da boca. A morte parecia diverti-lo muito, mas Shane não percebeu.

A moça percebeu que um homem jovem e muito bem vestido aproximava-se sorrindo para ela. Era uma moça que não dedicava-se ao ofício mais velho do mundo, mas ultimamente tinha que aceitar as "atenções" de, pelo menos, dois homens. Uma viúva que tem um filho pequeno para alimentar, não podia dizer "não" à todas as coisas que surgissem durante o dia.

Parada na esquina, pensava tristemente que já não lhe restava dinheiro para a manhã seguinte. O dono de um armazém havia prometido dar-lhe trabalho, mas ao fazer essa promessa já tentava passar-lhe a mão. Margaret, a jovem viúva, sabia muito bem o que a esperava se aceitasse aquele emprego. Por isso, ao ver aquele forasteiro aproximar-se, decidiu escutá-lo. Sobretudo, havia percebido que se aproximava com uma nota de cinqüenta dólares na mão.

Isso é ir direto ao assunto — pensou ela. De certo modo sentiu asco, contudo, pensou também que era melhor comportar-se como uma raposa com um forasteiro do que com o dono de um armazém conhecido em toda a cidade. No dia seguinte o dono do armazém daria com a língua nos dentes e todo o mundo saberia.

— Estou informado sobre você, Margaret — disse o desconhecido. — Como sabe o meu nome? — Eu lhe disse que estou informado. — E que interesse você tem em mim? — Quero ajudá-la. Margaret perguntou em tom de ironia e, ao mesmo tempo, de pena: — O que está acontecendo? Você é um sacerdote que quer fazer uma boa obra? — Sou completamente o oposto de um sacerdote. O que eu quero é me divertir. — Pelo menos você é franco. Não se pode dizer que você engana as pessoas. — Claro que não. E sei que você está em apuros, Margaret. — E quem não está? — Depende. Você pode mudar a situação. Basta mover a cabeça para cima e para baixo e

estes cinqüenta dólares serão seus. — Suponho que terei que fazer algo mais que isso. — Bem... Suponho que também terá que ficar na posição horizontal. Entretanto, você já fez

isso outras vezes, não é? Margaret disse com orgulho e, ao mesmo tempo, com vergonha: — Tenho um filho. — Pois, pode ganhar o dinheiro para ele. Ela decidiu-se, ainda que sentisse em seus olhos algumas lágrimas brotarem. — Aonde quer ir? — A sua casa não — disse o homem. — Suponho que você terá vergonha. — Desde já. — Tampouco quero ir ao meu hotel — sussurrou o desconhecido. — Sou um homem casado,

entende? Minha mulher poderia chegar e saber de tudo. Mas não me importo de fazer no campo, sobre um mato bem macio.

— Você escolhe — murmurou Margaret. — Espere-me na saída da cidade, junto à placa indicadora. De lá, levarei você em meu cavalo

para um lugar muito bem escolhido. — Como você quiser. — Eh, eh... Não se esqueça que vai ganhar cinqüenta dólares.

Margaret estremeceu por um momento. — Ouça... Você sorri sempre? — Sim. — Por quê? — E que sou muito simpático. E afastou-se dali. Margaret passou as mãos pelos olhos por um momento. Havia descido

muito, mas quando se está no fundo do poço não se pode resignar a morrer. Há de se tentar sair da situação.

E Margaret sairia. Era verdade. O lugar oferecia uma camada de mato macio e, além disso, estava escondido

entre as árvores, mas era um pouco afastado e até um pouco sinistro. Margaret não pode evitar de dizer:

— Nunca estive aqui. — Bem, e o que tem de mal? — É muito solitário. — Melhor, não é? Ou vamos fazer amor numa praça pública? — Tem razão — disse Margaret, descendo do cavalo. O homem também desceu, amarrou o cavalo e logo exigiu: — Fique nua. Continuava sorrindo, mas agora seu sorriso era frio e turvo. — Não pode ficar sério? — perguntou Margaret com um estremecimento, apesar de não saber

bem por quê. — Já lhe disse que sou muito simpático. Vamos, tire a roupa. Um momento depois, jaziam os dois sobre o mato. O indivíduo fazia as coisas com calma e

estava procurando apenas em se divertir e desfrutar, não importando-lhe o que ela sentia. Obrigou-a a mudar de posição várias vezes e quando foi possuí-la de costas, sacou a faca, pois, nesta posição Margaret não podia ver o que ele estava fazendo.

Em nenhum momento ela pôde imaginar que um homem nu estivesse armado. Por sua imaginação jamais havia passado a idéia de que uma faca estivesse escondida sob uma liga do antebraço, onde aquele desconhecido havia dito ter uma ferida. Se ela visse a lâmina daquela arma branca teria estremecido de horror.

Todavia, ela não a viu. Só a sentiu quando penetrava como um raio em sua nuca. Caiu desfalecida, enquanto o monstro gemia de prazer.

Satisfeito, continuava sorrindo. O xerife disse a Shane: — Quero falar com você, pistoleiro. — Sobre o quê? — Verá... Gostaria de conversar sem testemunhas. É um assunto um pouco embaraçoso para

mim e em meu escritório entra e sai gente a toda hora. — Pois, podemos nos afastar um pouco da cidade — sugeriu Shane. — Está certo. Pegue seu cavalo. Os dois seguiram o caminho da planície. Acabavam de deixar a cidade, quando o agente da lei

explicou:

— Cot pediu-me que o expulsasse daqui em seguida. — Sim? E em quê se baseia? — Ficou sabendo que você está em liberdade por fiança, Shane. Shane mordeu o lábio inferior. Conhecia suficientemente as leis para saber que isso o

colocava numa posição tremendamente inferior. Se pelo menos, tivesse ficado quieto... Se pelo menos, não tivesse chamado a atenção... Mas, não. Ele era um pistoleiro, havia usado o Colt e tinha que pagar as conseqüências.

— Vai criar caso? — perguntou. — Não tenho outra opção. — E se eu não obedecer? — Lá vem você, Shane. Talvez teria que matlá-lo para cumprir com meu dever. Não sei...

mas gostaria que você me obedecesse. — Por quê? — Algo me faz crer que Cot está preparando uma armadilha para você. Shane sorriu e disse: — Eu posso matá-lo antes. — Não o aconselho. Seria uma confusão. — Qual é a razão? — Cot é um sujeito importante. Vai ser eleito governador. — Não vejo a razão. Silva é mais honrado e os eleitores percebem isso. — Não confie nisso. Cot também enfrentou um homem honrado quando começou sua carreira

política querendo ser nomeado juiz de Sacramento. E ele conseguiu. Em pouco tempo todo mundo votou nele.

— Ah, é? Talvez as pessoas de Sacramento não percebam certas coisas. — Nada disso. Havia uma quadrilha que espalhava o terror na comarca e Cot acabou com ela.

Seu slogan era muito simples e fácil de decorar: A lei é a lei. Doze homens foram enforcados numa só manhã na praça pública e as pessoas se entusiasmaram. Todo mundo sabia que foi Cot quem havia conseguido capturar aqueles monstros. Os votos foram tantos que já podia ter sido eleito governador naquele dia sem precisar dessa eleição específica. E não lhe resta dúvida de que vencerá agora também.

— Por quê? O xerife encolheu os ombros e disse: — Não sei, mas é certo que ele vença. Avançaram um pouco mais em silêncio e logo Shane, que tinha uma visão de sentinela indígena, perguntou: — Quê diabos é aquilo? O agente da lei fez sombra em seus olhos com a mão e disse: — Parece uma rés aberta ao meio. — Pendurada numa árvore? — É verdade, não tem sentido. — Então, vamos lá. Foram a galope e logo pararam bruscamente. Até os cavalos pareciam incapazes de continuar.

Inclusive um homem tão terrivelmente endurecido como Shane sentiu, durante uns segundos, que o sangue deixava de circular por suas veias.

Realmente parecia uma rés partida ao meio. Entretanto, era uma mulher. A única coisa que estava intacta era seu rosto. Seus olhos

estavam abertos e uma expressão de horror estava gravada neles. As vísceras jaziam aqui e ali. A visão era espantosa... — Margaret... — disse o xerife, com um fio de voz.

CAPÍTULO OITAVO

A promessa

— Todo mundo a queria na cidade — disse o pároco no momento do enterro. — Todo mundo sabia que era uma desgraçada e que, talvez, ultimamente se havia afastado um pouco dos caminhos do Senhor, mas isso o Senhor sabe perdoar, porque nem todos os que sofrem podem ser santos ou heróis. Esta pobre mulher, a cujo enterro assistimos com lágrimas nos olhos, era querida, principalmente, por seu sofrimento. Porque era humilde, sensível e boa e nunca se queixou.

Realmente as lágrimas brotavam dos olhos dos que assistiam ao enterro, mas logo começaram os gritos. As pessoas do oeste conheciam sua própria linguagem.

— Vingança! — Morte! — O assassino ainda deve estar por perto! — Eu quero ver suas tripas! — Eu o entregarei aos meus corvos! — Idiota! Seus corvos morreriam envenenados! — Não! — Por quê não? — Porque eu darei as tripas desse homem quando ele estiver ainda vivo! Aplausos soaram. O oeste era assim. Direto, duro e honrado à sua maneira. Um homem adiantou-se então, chegando à beira da sepultura. Impôs silêncio e gritou: — Eu juro vingá-la, irmã! Aquele homem era Cot. Todos o olharam. Uma quietude sepulcral havia dominado o

cemitério. Cot continuou gritando: — Quando fui eleito juiz de Sacramento impus uma norma simples: "A lei é a lei". Quando

for eleito governador do Estado imporei a mesma norma: "A lei é a lei". Lembrem-se disso! Depois de um patético silêncio, acrescentou: — Mas por quê vão me dar sua confiança? Por quê vão me eleger? Por uma simples razão: eu

sou o homem de vocês e, eu sou sua lei. Podem dizer em todo o Estado: faço aqui uma aposta na qual ponho minha honra. Se conseguir vingar essa pobre mulher que agora jaz nesta sepultura, merecerei seus votos e espero que seja uma quantidade enorme e total. Se eu não conseguir vingá-la, renunciarei a todos os meus cargos, me retirarei da política e serei o primeiro a felicitar Silva, meu adversário, quando for eleito governador da Califórnia. Peço-lhes que gravem bem isso e que o digam em todos os lugares: Cot fez uma aposta e pensa vencê-la. Se ele vencê-la, Cot será governador; se a perder, é melhor mandá-lo para o inferno.

E afastou-se dois passos, enquanto repetia olhando para a sepultura: — Vou vingar você, minha irmã!

Todos os que estavam ali guardaram uns minutos de silêncio, mas logo a maioria começou a aplaudir. Realmente esta era a linguagem que as pessoas do oeste esperavam ouvir. Se Cot oferecia-lhes a cabeça daquele horrível assassino, merecia ser governador da Califórnia.

Dois jornalistas aproximaram-se. Um representava um importante jornal de São Francisco e o outro, um jornal de Sacramento. O que eles dissessem teria grande repercussão em todo o Estado.

Os crimes já haviam alcançado uma grande expectativa para que os grandes jornais destacassem enviados especiais. Um deles perguntou:

— Poderia conceder-nos uns minutos, senhor Cot? — Com muito prazer. — Em primeiro lugar, percebeu o quanto será difícil capturar esse monstro, se não se tem

dados sobre ele? — Naturalmente. Percebi sim. — E como vai conseguir? — Eu não sou novato, amigos. Sendo juiz de Sacramento tive um êxito similar. Podem dizer

isso nos jornais. — Mas, e se o senhor fracassar? — Nesse caso, vocês mesmos ouviram: que me mandem para o inferno. — Percebeu, senhor Cot, que sua postura é arriscada e que as eleições estão em jogo? — Não me importa. Eu sempre digo a verdade. Se eu fracassar, que me esqueçam. — Nesse caso, você está disposto a manter a aposta, custe o que custar? — Naturalmente que sim. — Pode fixar um prazo? — Para capturar o monstro? — perguntou Cot. — Naturalmente que sim. — Suponho que consiga capturá-lo antes das eleições ou, em outro caso, terei que admitir

meu fracasso. Como as eleições são daqui a oito dias, disponho de uma semana para resolver este sangrento mistério. Só uma semana.

— E se fracassar não voltará atrás? Não dirá que os jornalistas o interpretaram mal e que quando falou em abandonar, quis dizer, simplesmente, que "pensaria"?

Cot fez um gesto de homem ofendido em sua honra. — Senhores, vocês não me conhecem — disse, — pelo menos não me conhecem bem.

Quando eu prometo fazer uma coisa, eu faço. Além disso, todo mundo me escutou. Podem publicar isso também em seus jornais. Juro que vingarei essa pobre mulher, custe o que custar...

O xerife acabava de chegar do enterro. Suas feições estavam marcadas por uma careta quando

entrou em seu escritório. Então, a voz perguntou: — Um trago? Era Shane quem lhe passava a garrafa, um Shane que tinha uma cara das que atravessavam as

paredes. Entretanto, o xerife bebeu um trago até sentir suas entranhas arderem. Em seguida, murmurou:

— Não foi ao enterro, Shane. — Não. — Por quê? — Sabia que Cot e seus homens estariam lá.

— E o que tem isso a ver? — Tem muito a ver, xerife. Não queria brigas no cemitério. Essa pobre mulher tinha, pelo

menos o direito de ser enterrada em paz. — Eu compreendo. — O que aconteceu? — perguntou Shane. — O normal. As pessoas tinham vontade de comer as entranhas do assassino com maionese.

E não me surpreendo, porque sou o primeiro. Se acrescentássemos um pouco de pimenta as suas tripas, podem ficar deliciosas.

— O que Cot disse? — Que vingará a pobre Margaret. — E como pensa em fazer isso? O xerife encolheu os ombros e disse: — Não sei, mas, pelo menos tenho que reconhecer que ele tem mais recursos do que eu. Cot

dispõe de homens e pode mobilizá-los por toda a comarca, enquanto que eu não disponho de ninguém.

Shane bebeu um trago e disse: — Acredita que esse monstro continua na comarca? — perguntou depois. — Claro que sim. Já cometeu dois crimes nesta cidade. Deve sentir-se seguro aqui e temo que

este não seja seu último assassinato. — Tem que estar muito louco — sussurrou Shane com o olhar perdido. — Essa forma de

despedaçar as vítimas... Estou lembrando-me do que encontramos naquela árvore e ainda fico enjoado, apesar de todas as coisas bárbaras que já vi nesta vida.

— Por quê acredita que bebo continuamente? Também estou enjoado. — Ouça, xerife, você sabe se algum louco fugiu de algum manicômio ou prisão das

proximidades? — Não, mas escrevi para todos os centros onde pudesse parar algum louco, a fim de que me

dissessem se alguém escapou. — Obteve resposta? — Até agora, nenhuma. E demorará algum tempo, pois, as diligências são lentas, nesses

lugares terão que averiguar, que investigar... Inclusive, algum diretor de presídio, talvez, não queira confessar que um louco tão perigoso escapou de suas mãos.

Shane fez um gesto afirmativo e disse: — Como Margaret pôde ir para um lugar tão afastado com esse abutre? Será que ela o

conhecia? Porque se ela o conhecia, poderíamos começar a investigar entre as pessoas da cidade. — Não creio — disse o agente da lei. — Por quê? — Porque Margaret estava precisando de dinheiro. Estava muito necessitada. Não quero

lançá-la na fogueira, mas é possível que tenha exercido a prostituição profissional alguma vez. Pelo menos muita gente pensa isso. Talvez, esse homem tenha oferecido dinheiro a ela em troca de um bom tempo num lugar afastado onde ninguém os visse. Ela aceitou. Bem... é apenas uma suposição.

— O que indica — refletiu Shane — que o monstro tem boa aparência. Quero dizer que nenhuma mulher teria medo de ir com ele para um lugar afastado.

— Boa dedução — disse o xerife. Shane murmurou:

— Eu vou capturá-lo. — O que disse? — Pelo menos tenho uma pista. Qualquer forasteiro com boa aparência que esteja por aqui eu

vou apertar seus parafusos até que as palavras saiam por suas orelhas. — Não poderá, Shane. — Por quê? — Porque terá que sair da cidade. Se continuar aqui, Cot o matará. Um dos dois sobrará nesta

terra. Shane levantou-se e disse: — Que flores Cot prefere para a sua coroa? — perguntou. E saiu depois de beber outro trago. Contudo, a advertência do xerife não era em vão. A morte

estava rondando. Shane compreenderia segundos mais tarde.

CAPÍTULO NONO

A emboscada

Tudo foi muito rápido. Os dois homens estavam encostados quase na esquina, armados com seus revólveres. Já os haviam posto em linha de tiro, de modo que só lhes faltava disparar.

Shane não os viu, porque nesse momento estava perdido em seus pensamentos. Pela primeira vez na vida se havia distraído. E ia pagar muito caro por isso.

O único que viu, por casualidade, o que ia acontecer, foi o xerife que estava na porta desprendendo seu cinturão, porque queria dormir um pouco. Imediatamente percebeu que Shane estava na linha de tiro.

— Cuidado! — gritou. E saltou como um tigre. Caiu em cheio sobre Shane no momento em que os dois pistoleiros

começavam a disparar. Uma bala perdeu-se no ar, mas a outra atingiu o corpo de Shane, causando-lhe uma intensa dor. Ainda que percebendo, em seguida, que não se tratava de uma ferida profunda, teve a sensação de que não poderia mover-se por algum tempo, ou, pelo menos, não poderia agora, quando a morte o rondava.

Porque os dois assassinos haviam percebido que agora podiam matar à vontade. O xerife estava caído no chão, mas desarmado. Quanto a Shane, poderia, também, esquivar-se caso dispusesse de toda a sua agilidade. Mas, no momento, não era mais que um paralítico.

Os homens aproximaram-se com as armas preparadas. Iam costurá-lo à balas como um cachorro raivoso. Um deles murmurou:

— Morra, miserável! E logo caiu para trás com a mandíbula atravessada. Não supôs o que estava acontecendo nem

nunca saberia. Todos os seus problemas acabaram quando a bala penetrou-lhe o queixo, saindo pelo centro da cabeça.

Shane havia sido mais rápido. Prodigiosamente rápido. Todos os que contemplavam a cena dos alpendres jurariam mais tarde que nunca haviam visto um homem caído no chão disparar o Colt com aquela alucinante velocidade.

Contudo, Shane já estava condenado. O outro homem vinha em cima dele e Shane já não dispunha de tempo para virar a arma. O xerife bem que quis defendê-lo, mas estava com as mãos vazias. Shane fez um gingamento e, nesse momento, soou um disparo. Um disparo que atravessou a rua de lado à lado. Um brutal estampido de rifle.

O homem que apontava para Shane entre as sobrancelhas, cambaleou. Uma linha de sangue marcou sua cabeça. Deu uns tropeços e logo caiu de costas com os olhos abertos.

Quando chegou ao chão já não era mais que um respeitável presunto. Shane pestanejou cinco vezes, porque não acreditava no que estava vendo. Então, balbuciou:

— Infernos! Claro que, para ele, estava muito nítido quem lhe havia salvo a vida. Lilian pagava

excessivamente sua dívida, pois o havia metido numa trapaça suja, mas por duas vezes o havia tirado do buraco.

O xerife levantou-se e grunhiu: — Mas quem disparou com essa pontaria? — Já vou saber — disse Shane sem querer esclarecer as coisas agora. — O importante é que

você me salvou, xerife. — Era meu dever. E aproximou-se dos mortos. Um grupo de pessoas ia formando-se rapidamente e os

comentários cresciam. — Eu conheço esses — dizia alguém. — Toma! E eu. — Todo mundo os viu no escritório eleitoral de Cot. — São seus pistoleiros. — Bem, a coisa está clara, não? Queriam levar esse homem adiante. — E por quê? Um homem gritou, apontando para Shane: — Por uma razão muito simples! Porque o lema de Cot é: "A lei é a lei", como todos nós

sabemos! E quem é esse sujeito, ao qual queria eliminar da cidade? Um pistoleiro profissional! Um indesejável! Um abutre que está em liberdade condicional e que, evidentemente, continua matando pessoas! Ninguém deve estranhar o fato de Cot querer matá-lo para limpar toda esta comarca!

Shane esteve a ponto de saltar sobre o tipinho, mas conteve-se. Se demonstrasse ser um homem violento e lhe partisse os dentes ali mesmo, daria-lhe a razão. Estava bem claro que se tratava de um agente eleitoral de Cot, de um tipo para isso e que depois do assassinato frustrado, ainda tentava tirar proveito da situação para seu chefe.

O xerife reagiu: — Diabo! Se este homem fosse um delinqüente — gritou, — eu não o teria defendido. O agente eleitoral o acusou: — Cale essa boca, xerife! Se não é capaz de resolver os espantosos crimes que se cometem

nesta cidade, por quê fala? Poderia muito bem ser Shane o assassino que estamos procurando e você o defende. Muito bem! Quando Cot for governador da Califórnia, o primeiro a ser destituído de seu cargo será você!

O xerife não respondeu. Limitou-se a lançar um xingamento em voz baixa, desaparecendo em seguida.

Shane já havia desaparecido também. Só faltava o terem acusado de ser o monstro. Diabos! Será que ninguém percebia que fazer picadinho das mulheres não tinha nada a ver com ele? Com as mulheres fazia outras coisas muito diferentes. Era só perguntar às muitas amigas que Shane havia tido.

Pensava nisso, quando voltou para o seu quarto de hotel, xingava em voz baixa quando abriu a porta e ouviu a voz:

— Shane? Shane pensou: Me pegaram outra vez. Agora sim, vão me escalpelar. Mas o homem que

estava no interior do quarto, quase completamente às escuras, não parecia ter intenção de matar ninguém. Os olhos de Shane tiveram que se esforçar para acostumarem-se com a falta de luz e reconhecer o indivíduo. Claro que não estranhou o fato de um cego sentir-se à vontade na escuridão.

Warren repetiu: — Shane? — Sou eu — disse o jovem pistoleiro. — E lamento muito que você não possa me ver,

Warren. — Por quê? — Porque eu tenho uma cara de leite azedo. O dono da funerária disse: — Uma carroça alugada trouxe-me aqui. Perguntei em que hotel você estava e me

acompanharam até este quarto. Não me importa a cara que você tem, Shane, e se a tem azeda pior para você. Todavia, vim pedir-lhe resultados, porque já estou impaciente.

Shane perguntou: — Um cigarro? — Está bem. Mas terá que acendê-lo para mim. Shane acendeu o cigarro e o entregou à Warren. Queria, antes de tudo, manter a calma. Em seguida, correu as cortinas para que um pouco de

luz entrasse. — Compreendo sua impaciência, Warren — disse Shane. — O quê soube sobre o assassino de minha filha? — Nada. — Maldito seja, Shane! — Faço o que posso. — Pois, pode muito pouco, porque me certificaram que esse monstro desnaturado matou

novamente. — Sim. — E o quê você diz disso tudo? — Tenho algo mais a dizer: esse sujeito está na comarca, portanto, está próximo e cairá. — Quando? — Logo, Warren. As falanges dos dedos do dono da funerária soaram várias vezes com um som lúgubre, até

formar uma espécie de sinfonia sinistra. — Olhe, Shane — disse Warren, — eu pensava matá-lo quando você terminasse o trabalho.

Mas parece que eu vou perder a paciência e vou matá-lo bem antes. — Não creio que você poderá.

— Maldito seja, posso pagar alguém para fazer esse trabalho sujo por mim. Breve irei ao seu enterro, isso sim. Sou um homem educado.

— Já estão pagando para me matarem. — Quem? — Cot. — Esse homem chegará ao cargo de governador. — Certamente. — Então, cuide dele, Shane. — Até agora seus homens causaram-me, apenas, uma ferida — explicou o jovem, enquanto

levantava a camisa e baixava um pouco as calças. — Hum... É superficial, mas parece que terei que chamar um médico.

Não precisaria chamá-lo, porque naquele momento, alguém bateu à porta do quarto. Ao autorizar a entrada do visitante, este entrou com uma maleta negra. Era um homem alto e desalinhado que apresentou-se:

— Sou o doutor Vance. — Olá... — disse o dono da funerária — um grande colaborador meu. — O quê está acontecendo? — Que se não fosse por você, eu já não faria mais negócios, doutor. O outro ficou tenso, mas Shane foi taxativo ao perguntar: — Você vem com esse anel no dedo, amigo, mas quem o mandou? — O dono do hotel. Viu que você estava deixando umas gotas de sangue pelo caminho. — Menos mal que se preocupa comigo... — Não se preocupa com você. Preocupa-se com a limpeza de seus tapetes. Vamos, ver, o quê

você tem? Shane mostrou-lhe a ferida, O doutor examinou e confirmou o diagnóstico que o próprio

pistoleiro já havia feito. — Uma roçadura, mas terá que enfaixar. Acho que não poderá mover bem a cintura por uma

semana, o que será fatal para você. — Não sou bailarino — disse Shane. — Não, mas é pistoleiro. O médico fez um curativo e enfaixou o local, aconselhou-o a descansar o possível durante um

dia, pelo menos, e pediu-lhe em seguida três dólares. — Pague-me agora — disse. — Por quê não amanhã? — Porque amanhã já estará morto. Shane pagou e disse: — Tem mais razão que um santo. — Levarei flores ao cemitério — explicou o médico. Enquanto Warren já havia se levantado, depois de jogar no chão os restos do cigarro, disse

com voz opaca: — Estou hospedado neste mesmo hotel e amanhã quero notícias do assassino de minha filha,

entendeu? Vou pedir para que levem para o meu quarto um prato limpo, uma faca e um garfo. — Para quê? — Para comer seus miolos. Estarão deliciosos.

— Parece-me que metade da cidade quer fazer o mesmo — disse Shane. — Vai haver um banquete aqui que você nunca viu.

E saiu. Shane continuava de mal humor, porque agora que estava enfaixado, não poderia perseguir

nenhuma mulher. Estava azarado. Pior ainda quando viu uma mulher, da qual havia gostado de perseguir, loucamente, até a

cama. Lilian. Foi ela quem perguntou ironicamente: — O quê? Está disposto a se portar como um macho ou vou ter que chamar um substituto? Shane estava mordendo as unhas, quando murmurou: — Chame um substituto. — Que pena. Agora que eu já estava a ponto... E passou junto a ele. Irônica. Agressiva. Tão desejável e tão bonita que poderia montar a

cama no centro da rua principal da cidade. Shane a deteve com um gesto e disse: — Você está debochando de mim, não é? — O que lhe parece? Fez ela virar-se. Havia nos olhos do homem um olhar agressivo. Em compensação, nos olhos

da mulher havia um olhar triste. — Talvez nunca tenha desejado tanto uma mulher como desejo você, Lilian. — Pois, agüente. Não pôde dizer mais nada. Shane apertou-a contra a parede, naquele corredor solitário do

hotel que estava cheio de sombras. Havia entreaberto a boca da mulher com seus lábios e a beijava quase que brutalmente. Fazia ela sentir aquela caricia até o fundo de seus segredos de mulher.

Mas ela afastou um pouco a cabeça para trás. — Não faça isso — disse ela. — Perdão... Acho que eu fiquei louco por um minuto. — Não reprovo sua atitude. Na realidade eu o estava provocando, Shane. — Por quê? — Não posso consentir que você fique indiferente comigo. E mordeu o lábio inferior, Talvez tivesse falado demais. Talvez tivesse acabado de dizer algo

que estava no fundo de seus sentimentos e, portanto, não devia ter dito nunca. Entretanto, Shane devia estar pensando em outra coisa naquele momento, porque disse com voz muito baixa:

— Queria lhe agradecer. — Obrigada, por quê? — Você foi para mim a senhorita do inferno. — Sim? — Sim. Você me meteu numa trapaça, me fez cair, mas, em seguida, salvou-me a vida duas

vezes. — Não está enganado, Shane? — Claro que não! — Só salvei sua vida uma vez. Shane sorriu. — Por quê empenha-se em não se dar importância, Lilian? — Porque digo a verdade.

— De toda maneira, eu a agradeço, boneca. Se estou vivo é por sua causa. E tornou a beijá-la. Todavia, agora seu beijo foi doce, suave onde o respeito destacava-se. E

outra vez aquela luzinha de pena e medo produziu-se nos olhos da moça. — Não deixe que o matem, Shane — murmurou ela. — Só há uma pessoa que pode me matar. — Quem? — Você. — Descarado. Shane acariciou suas faces suavemente e disse: — Voltaremos a nos ver. — Esperarei até que elevem sua recompensa — respondeu Lilian. — Para vender-me outra vez? — Para vendê-lo outra vez — disse Lilian. — E se outra mulher me comprar? — Arrancarei os olhos dela — murmurou Lilian. E afastou-se dele. Tinha que ver como requebrava as cadeiras. Shane pensou: E eu aqui todo enfaixado. Contudo, consolou-se em seguida, ao acrescentar

outro pensamento: — Seria pior se me tivessem cravado a bala em outro lugar... Tinha apenas saído do local, quando encontrou o xerife, o qual parecia muito excitado quando

disse: — Acabo de receber uma resposta, Shane. — De onde? — Do manicômio da penitenciária de Sandhurst. Lá estão as pessoas mais perigosas do país,

os que cometeram crimes horríveis e foram declarados loucos. E estão gastando o dinheiro dos contribuintes! Para esses casos eu tenho uma receita infalível!

— Imagino qual seja, xerife. — Acaba de ser inventada e chama-se corda. — Entendo. — Além disso, tem uma vantagem — murmurou o xerife. — Qual? — Cura tudo e não falha nunca. — Eu aplico uma receita mais rápida ainda, xerife. Chama-se revólver. — Perfeito! Como não pensamos nisso antes? É a combinação ideal! Eu vou lhe explicar: eu

pego o louco e você o costura a balas. Em seguida, o levamos ao juiz que dirá o que deverá ser feito com ele.

— Ele o absolverá — murmurou Shane. — Certamente... — Mas, quem é esse louco que estava em Sandhurst? — Chama-se Cramer, ainda que possa ter mudado de nome. Alguém o ajudou a fugir, mas

não sei quem foi. Era um monstro que odiava as mulheres e havia assassinado não sei quantas. Um sádico, um autêntico cachorro miserável... E é daqueles que continuam matando até o fim.

Os dedos de Shane tremeram por um momento. Então, murmurou: — O que mais sabe dele?

— Algo muito importante. — O que é? — Ele sempre sorri. — Maldito seja o primeiro leite que mamou! E de que acha tanta graça? — Não creio que acha graça de alguma coisa... Nem de sua cara refletia no espelho. O fato é

que certa vez, acertaram-lhe uma bala que alterou-lhe os músculos faciais. Desde então, está condenado a rir até mesmo se colocarem sua cabeça num urinol cheio de serpentes.

— Eu sentiria pelas serpentes — disse Shane. — Encontrarei ele. Ia sair, mas o xerife advertiu: — Cuidado com Cot. — Está acontecendo algo de novo com ele? — Está com raiva. Está acontecendo o que acontecia antes, entende? Quer matá-lo e deseja

isso cada vez mais. — Obrigado pela advertência, xerife, mas vou procurar o monstro. Assim, nós dois riremos

juntos. E saiu, justamente, quando os dois homens que o esperavam no hall preparavam-se para

apertar o gatilho.

CAPÍTULO DÉCIMO

Enfim, a vingança

Certamente, aqueles dois homens sabiam algo: não iam falar. Dois rifles eram muito para Shane que chegava ao local sem saber que a morte o esperava.

Contudo, de imediato aqueles dois homens tiveram a sensação de que o mundo começava a girar ao contrário, de modo que tudo estalava em suas cabeças, porque estavam vendo Shane e estavam começando a apertar os gatilhos, quando aquilo transformou-se num inferno.

Shane havia disparado. Tinha todas as chances de perder, porque tinha visto seus inimigos na última fração de segundo, mas ele era o filho do diabo com o Colt na mão. Nunca falhava. Os que o conheciam diziam: Dê a Shane a oportunidade de mirar e serão homens mortos.

Claro que Shane só pôde levar um adiante. Viu, como que num pesadelo, o inimigo dar uma volta completa no ar e espatifar-se contra a vidraça da entrada, a qual saltou em pedaços. O outro já estava movendo o gatilho e apontava-lhe entre as sobrancelhas.

RAAAAAAANC! A detonação do rifle foi como o uivo de um lobo raivoso. Parecia encher o mundo inteiro,

enquanto aquele segundo homem levava as mãos à cabeça, também caindo por impulso para trás. Shane virou a cabeça e só pôde ver em cima, no patamar mais alto da escada, uma nuvenzinha de fumaça branca. Haviam salvado sua vida no último décimo de segundo. Mentalmente disse obrigado à Lilian que sempre chegava a tempo.

O dono do hotel estava aterrado e disse: — Sinto, senhor, não sabia que vinham à sua procura. — Se eu também soubesse, teria evitado, não é? Não se pode lutar contra o poder de Cot. — Não... não se pode, senhor.

— Vai ser eleito o governador do Estado, é? — Isso é o que... o que acreditamos, senhor. Shane disse educadamente. — Que defequem sobre sua tumba. E saiu do local para ir a sua procura. Estava disposto a antecipar as eleições carregando-o de

uma vez. Cot seria nomeado governador da Califórnia, senão, do inferno. Naquele momento Shane não sabia que ele estava próximo. Muito próximo... Cot dirigiu-se à casa situada próxima da cidade, mas num lugar discreto, por onde ninguém

transitava. Tratava-se de uma casa, em cuja janela principal havia um cartaz que dizia: "Próxima derrubada".

Todo mundo estava convencido de que estava desabitada, pelo menos, há seis meses. E era verdade, mas não totalmente. A casa tinha um "habitante". Um homem que havia despistado o xerife, que havia despistado todas as autoridades da Califórnia, ale o momento, estava ali. E qualquer um dizia que ele recebia Cot com a maior alegria.

Realmente, não podia-se dizer que aquele homem não fosse simpático. Ele sorria sempre... — Olá, "Sorrisos" — saudou-o Cot. Uma luzinha brilhava ali. Era uma luzinha muito fraca, mas mesmo assim, tinha que ter

cuidado. O candidato a governador da Califórnia perguntou: — Você fechou bem as janelas? — Não se preocupe chefe, ninguém vê a luz. — Melhor... Estes dias senti um pouco de medo, sabe? Apesar de você ter comida e tudo o

que é necessário, temi que você saísse mais de uma vez e alguém o descobrisse. Todo o mundo anda procurando você, especialmente, o xerife. E mais especialmente ainda um tipinho chamado Shane, ao qual ordenei que matassem.

— Eu sei. Cot olhou-o com curiosidade. Aquele sorriso o deixava nervoso. — Parece-me que você não está louco como pensamos — murmurou o candidato. — Nunca estive. — Claro que não. Não fique ofendido, rapaz, claro que não. Cot tinha experiência suficiente para saber que nenhum louco acredita em sua insanidade e

que se irritam perigosamente se disserem o contrario. Por outro lado, já começava a perceber que há sujeitos que só ficam loucos por alguns minutos, talvez até uns segundos apenas. O resto do tempo são tão calculadores e astutos quanto um banqueiro ou um funcionário da Bolsa de Valores.

Mas este maldito corvo que sorria sempre não seria tão rápido quanto ele, pois, já havia cumprido sua missão. Este maldito corvo que sorria sempre só era útil para uma coisa: para arrebentar.

Com amabilidade, Cot perguntou: — Faltou-lhe algo, rapaz? — Não, senhor Cot. Já sei que você é meu amigo. — Claro que sou seu amigo. Por isso, o ajudei a sair daquele lugar horrível onde tinham

encerrado você e onde ninguém o compreendia. Por isso, o coloquei no caminho das mulheres mais bonitas. Quê? Seguiu o meu conselho? Ficou com alguns pedaços de suas roupas, como eu lhe disse?

— Sim... Com pedaços de roupas íntimas. Eu os acaricio todos os dias.

— Onde esses pedaços estão? — Numa caixa. — Ficaram manchadas de sangue? — Claro... Cot olhou-o fixamente. Aquele sujeito lhe dava asco e o deixava nervoso com seu porco e

eterno sorriso. Entretanto, havia sido muito útil, pois, ia lhe dar, nada menos, do que o cargo de governador.

Podia pedir mais? Cot vingaria Margaret, como havia jurado ante sua sepultura. Cot transformaria-se no herói

mais famoso do país quando apresentasse a todos a carniça daquele monstro e descobrisse, como que por casualidade, as provas que significavam umas peças íntimas manchadas de sangue. Agora, o futuro governador havia chegado ao fim de seu caminho. O único trabalho que lhe restava era matar um homem.

— Ouça, "Sorriso" — disse Cot. — O quê, senhor Cot? — Eu vim para assegurá-lo de que tudo está bem e para saber se você não está precisando de

nada. Mas pensei que já estivesse dormindo. — Não dormi, porque eu o esperava. Sabia que você viria para me dizer que tudo está bem. — Claro que sim, rapaz... Bem, garoto, eu sou como seu pai. — Não diga isso, senhor Cot. — Por quê? — Eu odiava meu pai. Cot estremeceu. Havia algo naquela voz que gelava seu sangue. Perguntou-se se aquela besta

humana não teria morto seu pai também. Quanto mais cedo acabasse com seu sorriso sujo, melhor seria. Além disso, já não lhe servia mais.

— Vai se deitar? — perguntou Cot, amavelmente. — Claro, senhor Cot. — Deite-se. Eu vigiarei. — Estou precisando. Eu durmo rápido e, quando durmo, não sei de nada. — Claro, rapaz, claro... Fique tranqüilo. — Vai vigiar realmente, senhor Cot? — Juro que sim. Agora, durma. — Obrigado, senhor Cot. Eu também penso, às vezes, que você é como meu pai. E passou para o quarto ao lado. Lá, havia um sofá e dois moveis velhos. Col viu o monstro

deitar-se e acendeu um cigarro, disposto a esperar. Tudo à sua volta estava silencioso. Esplêndido... Logo ouviu os roncos que vinham do outro quarto, mas aguardou que o cigarro apagasse.

Preferia estar seguro. Em seguida, sacou a faca, acariciou sua lâmina e aproximou-se cautelosamente do quarto ao lado

Os roncos haviam parado, mas isso pouco lhe importava. Com cuidado, entreabriu uma janela para ver através do foco de luz do luar. Distinguiu a forma humana no sofá, sob a manta, e aproximou-se prendendo a respiração. Então, pensou:

— Seu sorriso porco vai ser devorado pelos abutres, cachorro. E ergueu a faca com um movimento satânico. Foi, então, quando ouviu aquela suave

respiração atrás de si.

Aquela respiração diabólica... Então, ouviu aquela voz: — Como você é inocente, senhor Cot. Quando fugi do cárcere também coloquei uma

almofada sob a manta.. Você tinha que lembrar disso. Cot virou-se pouco a pouco. Não podia nem gritar. Seus pés pareciam de chumbo. Viu aquele sorriso eterno. Viu os olhinhos do louco. Viu... viu a horrível faca de carniceiro. — Sabia que estava me usando, senhor Cot — disse a voz, — mas não se preocupe, não o

farei sofrer... Você é uma pessoa tão boa! E acertou-lhe uma terrível facada, partindo-o em dois. O sangue saltou. No rosto de Cot houve uma expressão de espasmo. A faca saiu de seu corpo para entrar nele pela segunda vez. Outro golpe... outro... e outro... Nenhum corpo de mulher havia ficado tão destroçado como aquele corpo. O monstro parou ofegante, com as mãos empapadas de sangue, enquanto seu sorriso

ampliava-se mais e mais. Estava satisfeito e sentia-se feliz. Cravou outra vez a faca de carniceiro e ouviu, então, aqueles discretos aplausos às suas costas.

Virou-se. Na lividez de seu rosto, aquele sorriso eterno parecia o sorriso fantasmagórico da morte. Era Shane quem aplaudia. Shane, que estava junto ao xerife. Na leitosa claridade do quarto,

sua estrela e seu revolver brilhavam. O xerife murmurou: — Cheguei tarde para evitar, mas isso pouco me importa. Se estou aqui é porque, enfim,

convenci Shane de salvar-se dos pistoleiros de Cot, fingindo ter fugido da cidade. Este era o melhor lugar que eu conhecia..., e veja só que casualidade! Procuro um esconderijo e encontro uma peça de teatro gratuita... Muito bem, miserável... reze!

Shane balbuciou: — Deixe-o comigo, xerife. Quero ver suas tripas. — Você as verá quando tiver costurado ele à balas. Naquele momento o xerife lançou um grito de horror, enquanto encolhia-se. A faca do

carniceiro, lançada com uma força diabólica, havia-se cravado no braço direito do homem da lei, obrigando-o a soltar o revolver. Viu, como que numa alucinação, que o louco sacava uma nova faca, instantaneamente, e que se lançava sobre ele.

CHASK! Nem nos mais sangrentos combates de boxe havia visto um gancho como aquele. Shane

acabava de disparar seu punho direito. Foi um impacto tão brutal que se ouviu até o crujido dos ossos da mandíbula rompendo-se. Mas o sorriso... o sorriso não se desfez.

O monstro chocou-se contra a parede. Seus olhos haviam ficado nublados por causa do terrível gancho. Entretanto, ainda tinha uma faca e lançou-se ao ataque. Não era um demente para lutar.

Movia-se habilmente e em ziguezague. Já tinha caçado muitos homens, mas não uma fera do prado como Shane.

Porque Shane o viu aproximar-se. Disparou seu pé direito. TLAC! Direto entre as pernas. O grito de dor deve ter sido ouvido até no centro da cidade. O monstro cambaleou. Agora, até seu sorriso se desfazia. Shane murmurou: — Não fique assustado... só vou barbeá-lo a seco. E acertou-lhe um novo pontapé, desta vez no estômago, fazendo-o inclinar-se para frente,

enquanto uivava de dor. Shane virou-se, vertiginosamente, acertando-lhe um golpe com as esporas que raspou-lhe o rosto, deixando-o tingido de vermelho. O monstro começou a babar.

Todavia, ainda quis atacar. Ainda tinha a faca. Não entrava em sua cabeça que um homem sem nenhuma arma além de seus punhos e seus pés pudesse vencê-lo...

Os olhos saiam das órbitas. Então, avançou. Shane viu que ele vinha agora com perfeita tranqüilidade. Acertou-lhe um golpe brutal no

antebraço, fazendo-o soltar a faca e, em seguida, esmagou-o com seus punhos, num alucinante um-dois, um-dois, destroçando-lhe o nariz e deixando seu rosto transformado numa polpa. O sorriso não era mais sorriso, porque seus dentes saltavam. O monstro apoiou-se na parede, gritando, a ponto de cair no chão.

Shane foi golpeá-lo novamente. Seus olhos eram os de um carrasco. Mas o xerife murmurou: — Quieto. — Não me venha com justiças agora, xerife! Eu quero matá-lo! — É que eu tenho uma idéia melhor. — Que idéia? — Um respeitável grupo de homens da cidade aproximaram-se daqui ao ouvirem o ruído.

Veja-os... É possível que chamem suas mulheres e que elas tragam garfos e facas... Deixe que elas acabem o serviço. As mulheres são melhores nisso.

Então, ouviu-se um grito inumano: — Nãããããooo...! Mas Shane disse, esfregando seus dedos manchados de sangue: — Sim. Que elas terminem o trabalho. E virou-se de costas, querendo esquecer-se daquele fardo humano. Voltou para o centro da

cidade e perguntou-se se o monstro, quando o partissem em pedaços, também sorriria. Seus pensamentos foram interrompidos ao ver Lilian novamente. Seus pensamentos deixaram

a idéia de morte e voltaram-se para a vida ao encontrarem-se com aquelas curvas, com aqueles olhos, com aquela boca.

— Lilian — murmurou, — nunca vou lhe pagar. — Nunca irá me pagar o quê...? — Salvou-me a vida novamente no hotel. — Eu?

— Vamos, não precisa disfarçar. Não seja boba. E pegou suas mãos apaixonadamente. Não queria beijá-la novamente, porque sentiu vertigem.

Quando levou aquelas mãos aos seus lábios sentiu, então, algo estranho. Então, sussurrou: — Mas, Lilian... o quê está acontecendo com você? — Comigo? A quê você está se referindo? — Você está com o dedo indicador da mão direita quebrado e enfaixado... — Sim. Eu o quebrei há um dia. Não tinha percebido? Shane tragou saliva, sentindo que sua respiração era interrompida. — Por isso, você não pode disparar... — balbuciou. — Eu...? Mas se eu já lhe disse que... Eu disparei uma vez, mas as outras... Shane soltou-a pouco a pouco, como se estivesse abismado com tal realidade. — A raposa do Warren — disse. — Raposa por quê? — Porque está fazendo novamente o que fazia quando era jovem. Apesar de ter agora um

bom negócio, continua roubando carteiras nas estações de diligências. E quem é que vai suspeitar de um cego?

Respirou fundo para recuperar forças e acrescentou: — Mas o corvo não precisava fazer isso comigo. A menos que quisesse roubar minha carteira

também. Lilian olhou-o, assombrada. — Quer dizer que ele salvou-lhe a vida duas vezes...? — perguntou ela. — Sim. E eu vou agradecê-lo por isso. — Como? — Em primeiro lugar, lhe direi que sua filha está vingada, apesar da demora. E em segundo

lugar, vou beijá-la e acariciá-la na frente dele. Ela sorriu. — E isso é um castigo? — perguntou. — Claro! É muito mentiroso! Imagina! Terá que fingir que não está vendo! Terá que olhar

para outro lugar durante todo o tempo! Lilian piscou um olho e murmurou: — Pois, parece-me que você está enganado. O homem vai lhe pedir até uns óculos. Shane olhou-a apaixonadamente. O desejo brotava-lhe dos olhos. Foi, então, que aproximou-se dela e, pegando-a com firmeza entre os braços, beijou-a

ardentemente. Era um beijo profundo... excitante... cheio de amor. Um beijo que os uniu para sempre...

FIM