o cigarro - terceiro tratamento

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Roteiro de curta

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  • 1

    O CIGARRO

    (terceiro tratamento)

    Roteiro de Gustavo Ramos de Souza

    http://avulsoaoavesso.blogspot.com.br/2013/08/rodrigueana-o-caso-do-cigarro.html
  • 2

    CENA 1. INT. CASA DE CLUDIA. FIM DA TARDE

    Uma mulher entra no quarto, envolta em um robe vermelho.

    Ela encontra o homem com quem acabara de transar, s de

    cueca, acendendo um cigarro.

    CLUDIA

    U, voc fuma?

    CARLOS

    No, sim, quer dizer, s de vez em

    quando.

    Ela permanece imvel porta. O rosto dela demonstra

    decepo. Ele parece incomodado com a reao dela; d uma

    baforada e joga o cigarro ainda aceso pela janela.

    CLUDIA

    Minha me morreu de cncer

    (silncio).

    CARLOS

    Uau... (com surpresa e um pouco de

    ironia)

    CLUDIA

    Desculpa... Eu no quero bancar a

    chata. que no percebi o cheiro

    nas outras vezes em que samos

    (tenta forar uma tosse).

    Ela senta na cama, aproxima-se dele e faz um carinho em sua

    perna. Olha para ele e sorri. Ele sorri de volta e a puxa

    para si, beijando o seu pescoo em seguida. Eles ficam

    abraados, fazendo carinhos mtuos.

    CLUDIA

    que quero que voc viva muito,

    muito tempo (sorrindo enquanto

  • 3

    apalpa o seu pnis por cima da

    cueca).

    CARLOS

    T... S vou fumar depois de

    trepar. Aquele cigarro depois do

    sexo, sabe? (sorrindo).

    CLUDIA

    Voc me promete que s vai fumar

    depois de trepar?

    CARLOS

    Sim, eu prometo... Agora, vem c,

    vem.

    Os dois se beijam calorosamente. Ela joga o robe para

    longe. No rdio sobre o criado-mudo, comea a

    tocar "Fumando espero", com Carlos Dante e Alfredo de

    Angelis.

    CORTA PARA

    CENA 2. INT. CASA DE CLUDIA.

    Durante toda a cena, toca a mesma cano da cena anterior.

    Acompanhamos a evoluo da relao do casal por uma

    sobreposio de imagens em que Carlos e Cludia esto no

    quarto. A passagem do tempo marcada pela cor da lingerie

    dela e da cueca dele, sendo que vestem trs peas

    diferentes ao longo da cena. Primeiro, ela est parada

    diante da porta e ele deitado na cama fumando. Depois, ela

    se joga nos braos dele, e os dois se beijam. Corta.

    Repetem-se os mesmos gestos por trs vezes, embora estejam

    com peas diferentes. No ltimo plano, ele est fumando, e

    ela deitada sobre o seu peito.

    FADE OUT/FADE IN

  • 4

    CENA 3. EXT. IGREJA. TARDE

    Carlos est vestido com um terno e Cludia com um vestido

    de noiva. Eles descem a escadaria da igreja, de mos dadas,

    cercados por amigos que assobiam e jogam arroz nos dois. Os

    dois se detm diante de um carro. Ao fundo, os convidados

    tiram fotos do casal. Ele encosta a boca em seu ouvido,

    como se fosse lhe confidenciar algo.

    CARLOS

    Comprei uma caixa de Marlboro para

    a nossa lua de mel.

    Ela sorri e beija-o em seguida. Eles acenam para os

    convidados e entram no carro. Do lado de fora, os

    convidados se afastam devido fumaa em excesso que sai

    pelo escapamento do carro. Dentro do carro, Carlos est com

    o olhar perdido, mas feliz. Cludia hesita em dizer o que

    quer, at que finalmente abre a boca.

    CLUDIA

    S pode ser um sinal (sussurra).

    CARLOS

    O que foi que disse? (faz cara de

    no ter escutado).

    CLUDIA

    Nada (sorri e o beija novamente).

    Eles olham para trs e veem os convidados parados em frente

    igreja. Conforme o carro segue o caminho, os convidados

    vo ficando cada vez mais longe.

    FADE OUT/FADE IN

    CENA 4. INT. QUARTO DE HOTEL. FIM DA TARDE

    Carlos est sentado na beira da cama e passa a mo pela

    cabea de Cludia. Envolta num edredom, ela tosse muito.

  • 5

    Por causa da pouca luz que entra pela janela, o quarto

    possui um aspecto sombrio e claustrofbico. Carlos est

    visivelmente preocupado. Durante toda a cena, ele

    permanecer sentado ao lado dela.

    CARLOS

    Voc no acha que deveria voltar ao

    hospital?

    CLUDIA

    Voc quer se livrar de mim, eu sei.

    Deve ter paquerado alguma vagabunda

    por aqui enquanto estive l. No

    esperava que eu voltasse antes, no

    ?

    CARLOS

    Cludia, isso no faz o menor

    sentido. Eu fiquei com voc o tempo

    todo l no hospital. S vim aqui

    pra trocar a porra da minha roupa.

    Nem que eu fosse o homem mais

    cretino do mundo, eu me rebaixaria

    ao ponto de trair a esposa na minha

    prpria lua de mel. Por acaso eu te

    dou motivo?

    CLUDIA

    Eu vi como elas te olham. Elas te

    comem com o olho. Eu vi. Eu vi

    (tosse em seguida).

    CARLOS

    Voc se refere quela senhora de 70

    anos que foi gentil conosco l na

    recepo? (sorrindo). Ela foi a

    nica mulher que me deu ateno por

    aqui. E outra: mesmo que isso fosse

    verdade, no seria eu quem est

    olhando. No quero ningum alm de

  • 6

    voc. Se eu quisesse outra mulher,

    no estaria aqui com voc,

    aguentando suas crises... Ento,

    basta com essa droga de cime

    (irritado, mas complacente)!

    CLUDIA

    que... (quase chorando). Me

    desculpa. Eu queria ter a lua de

    mel dos meus sonhos. Eu queria que

    voc fosse feliz. No era pra

    ficarmos o tempo todo num hospital.

    CARLOS

    Acontece... Asma no se planeja.

    No sua culpa.

    CLUDIA

    Diga que me ama. Que no pode viver

    sem mim; que sem mim, voc morreria

    (sorrindo).

    CARLOS

    Eu te amo. No posso viver sem

    voc... Eu morreria.

    CLUDIA

    Eu tambm (sorri, satisfeita).

    Ele faz um carinho no rosto dela e a beija na testa. Ela o

    abraa efusivamente, limitando os seus movimentos.

    FADE OUT/FADE IN

    CENA 5. EXT. UM CAF NO CENTRO. TARDE

    Cludia e sua amiga Mnica encontram-se no ptio externo de

    um Caf. Praticamente todas as mesas esto ocupadas por

    fregueses, que conversam entre si. Ouvem-se, ao fundo,

    toques de celular, vozerio e barulho de trnsito. Um garom

  • 7

    serve a Cludia um caf expresso e uma gua com gs, Mnica

    j est bebendo um cappuccino. Assim que ele se retira,

    elas voltam a conversar. Cludia est com um aspecto

    doentio, com a pele muito plida.

    CLUDIA

    Agora tenho certeza que o filho da

    puta t me traindo!

    MNICA

    Voc o pegou com outra? (surpresa).

    Que safado!

    CLUDIA

    No, claro que no... E eu l tenho

    sangue de barata? Se fosse isso, a

    vagabunda j tava morta.

    MNICA

    Foi mexendo no celular dele? Eu

    descobri que o Andr tava de

    conversinha com uma aluna dele pelo

    Facebook. Fui faculdade e dei na

    cara da putinha at minha mo

    cansar.

    CLUDIA

    No nada disso. O Carlos

    esperto, quer dizer, acha que

    esperto... Ele no deixa rastros no

    celular. Os bolsos da cala e da

    camisa esto sempre vazios. No tem

    mancha de batom, nem cheiro de

    perfume. Mas sei que t me traindo!

    E nem preciso de um detetive atrs

    dele pra saber disso.

    MNICA

    O que ento?

  • 8

    CLUDIA

    O desgraado volta para casa

    fedendo cigarro todo santo dia.

    Menos nos fins de semana, que

    quando fico em cima dele o tempo

    todo. Da, ele no pode sair pra

    fumar (ao dizer fumar, faz aspas

    com as mos).

    MNICA

    Cigarro? Fumar? E o que isso tem a

    ver?

    CLUDIA

    que ele s fuma depois de transar

    (d uma tossida e limpa a

    garganta). No viciado, nem nada.

    Acontece que a gente anda brigando

    muito j faz um tempo... Enfim, no

    tem rolado nada h mais de 6 meses.

    Ele s pode estar fumando com

    outra. Por mais que ele no deixe

    vestgios, do cigarro ele no

    escapa (leva um leno boca para

    conter o acesso de tosse).

    MNICA

    Do jeito que voc est, a melhor

    coisa se afastar dele. Voc est

    cinza de to plida. Esse homem no

    faz bem pra voc!

    CLUDIA

    Isso vem e volta, normal. Sempre

    tive... antes mesmo de conhec-lo.

    No disso que eu t falando. O

    que eu preciso fazer encontrar

    uma forma de acabar com isso. Ele

  • 9

    vai ter que parar de fumar. Custe o

    que custar...

    Cludia bebe um gole de caf. Mnica maquinalmente tambm

    leva a xcara boca. As duas se olham. ENTRA "Smoke gets

    in your eyes", com The Platters.

    CORTA PARA

    CENA 7. INT. CASA. NOITE

    No relgio, marca meia-noite. Cludia est sozinha em casa.

    Ela vai at o quarto, revira o guarda-roupa e pega algumas

    peas de roupa de Carlos. Em seguida, ela remexe nos bolsos

    da cala dele, que est jogada sobre a cama. Sentada na

    cama, traz uma camisa dele at o peito e cheira

    profundamente. Mantm-se assim por algum tempo. Uma lgrima

    cai de seu olho. Abruptamente, joga a camisa para longe,

    enojada. Comea a tossir e levanta-se. Assim que controla a

    tosse, anda de um lado para o outro do quarto. Est

    visivelmente impaciente. Ela para diante do espelho e se

    olha fixamente durante alguns segundos.

    FADE OUT/FADE IN

    CENA 8. INT. CASA. NOITE

    Carlos entra na casa, fecha a porta e, assim que se vira,

    encontra Cludia parada diante dele. Esto na sala de

    estar. A televiso est desligada. O reflexo dos dois

    aparece na televiso.

    CARLOS

    Sentiu saudades? (irnico)

    CLUDIA

    Esse sorriso por causa de qu?

    Acabou de sair dentre as pernas

    daquela secretariazinha?

  • 10

    CARLOS

    A Ana? No, eu tava comendo outra

    dessa vez (provoca com ironia). Por

    isso demorei.

    CLUDIA

    Desgraado! (d um tapa no rosto

    dele).

    Ele se recompe aos poucos. Levanta a mo ameaando bat-

    la. Ela se encolhe. Ele comea a rir.

    CARLOS

    Dessa vez no vou cair no seu jogo.

    J estou cansado disso. Estou

    cansado desse teatrinho. Estou

    cansado de voc.

    CLUDIA

    Se est assim to ruim, por que

    voc no pede o divrcio? Sabe por

    qu? Porque voc um covarde.

    Porque voc depende do meu

    dinheiro. Porque voc um bosta.

    Sem mim, voc morreria de fome. Seu

    gigol de merda.

    CARLOS

    J que eu sou um gigol, abre as

    pernas e d logo o meu dinheiro

    (alisando a bunda dela).

    CLUDIA

    Nojento (afastando-se e cuspindo

    nele).

    CARLOS

    Acho que preciso de um banho (limpa

    o cuspe com mo).

  • 11

    Ele sai em direo ao banheiro. Ela meneia a cabea

    negativamente e tambm sai da sala. A sala fica vazia.

    CORTA PARA

    CENA 9. INT. CASA. NOITE

    No quarto, Carlos dorme e ronca, enrolado no edredom.

    Cludia entra no quarto vestida de noiva, segurando um

    galo de querosene numa mo e um mao de Marlboro. Ela

    deposita o mao sobre o criado-mudo e o galo no cho.

    Tranca a porta do quarto e joga a chave debaixo da cama.

    Acende a luz. Depois, derrama querosene no cho e no

    prprio corpo. Joga querosene na cama e sobre o corpo de

    Carlos, que com isso desperta e, aos poucos, se apercebe da

    situao. Ele se senta na cama, assustado e acuado.

    CARLOS

    Voc enlouqueceu? Que porra voc

    pensa que t fazendo?

    CLUDIA

    Eu sei de tudo, Carlos. No adianta

    tentar se justificar.

    CARLOS

    Sabe do qu? Voc passou dos

    limites, sua louca!

    CLUDIA

    Eu no quero um pedido de desculpa,

    no precisa mais.

    CARLOS

    Cludia, voc vai pra cadeia, t me

    ouvindo? Pra cadeia!

    CLUDIA

    No, eu no vou. Eu vou finalmente

    ter minha lua de mel. Porque foi

  • 12

    ali que tudo comeou a dar

    errado... Agora hora de consertar

    as coisas.

    Ela pega o mao de cima do criado-mudo, abre-o e retira um

    cigarro e um isqueiro. Carlos fica ainda mais apavorado,

    olhando para os lados procura de algo para atingi-la.

    CARLOS

    Cludia, pense bem no que voc t

    fazendo. Voc no quer fazer isso.

    Amanh, tudo voltar ao normal.

    Pare com isso agora mesmo.

    CLUDIA

    Lembra desse cigarro? Era pra nossa

    lua de mel (pausa). Eu te amo

    (atira o cigarro nele).

    Ele fica atabalhoado com o cigarro. Quanto a ela, no

    momento em que acende o isqueiro, o fogo instantaneamente

    toma o seu corpo.

    CARLOS

    Socorro! Socorro! (desesperado).

    Ela se joga sobre o corpo dele, abraando-o. Os dois corpos

    incandescentes debatem-se sobre a cama, enquanto as chamas

    destroem o quarto. Do corredor, v-se a rstia da luz do

    fogo sob a porta do quarto. Aos poucos, a fumaa toma conta

    da casa. Na estante da sala, alguns retratos do casal,

    outrora feliz. Por causa da fumaa, torna-se cada vez mais

    difcil ver alguma coisa. At que no possvel ver mais

    nada seno a fumaa escura.

    FADE OUT

    FIM