o cenário social de the walking dead: a catarse do grande público com os riscos globais
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Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Sul
Campus Rolante
Projeto de Pesquisa – Biopolítica, Mídia e Sala
de Aula: uma relação possível
O Cenário Social de The Walking Dead: a
catarse do grande público com os riscos
globais
Prof. Rodrigo Belinaso Guimarães
Setembro de 2015
“Não é oficio do poeta narrar o que aconteceu; é sim, o de representar o poderia acontecer, quer dizer: o que é possível
segundo a verossimilhança e necessidade.” (Aristóteles)
Uma série como TWD só é possível pela consciência ou percepção
generalizada do grande público com os inúmeros riscos
contemporâneos à sobrevivência da espécie humana. Muito mais
do que num filme, uma série em quadrinhos como TWD é capaz de
investigar a longo prazo (são 13 anos de publicação de uma história
contínua) a vida de possíveis sobreviventes num cenário
apocalíptico.
“A guerra nuclear é potencialmente o mais imediato e catastrófico de todos os perigos globais
correntes.” (GIDDENS, 1991, p.128).
“A simples quantidade de riscos sérios ligados à natureza socializada é bem assustadora: a
radiação a partir de acidentes graves em usinas nucleares ou do lixo atômico; a poluição
química nos mares suficiente para destruir o plâncton que renova uma boa parte do oxigênio
na atmosfera; um ‘efeito estufa’ derivando dos poluentes atmosféricos que atacam a camada
de ozônio, derretendo parte das calotas polares e inundando vastas áreas; a destruição de
grandes áreas de floresta tropical que são uma fonte básica de oxigênio renovável; e a
exaustão de milhares de acres de terras fértil como resultado do uso intensivo de fertilizantes
artificiais.” (GIDDENS, 1991, p.128).
As narrativas de TWD exercem
uma fascinação no grande público,
ao meu ver, principalmente pelo
cenário apocalíptico que oferece
num ambiente social
contemporâneo saturado de riscos
globais de grande intensidade e
expansão. Do mesmo modo, oferece
a perspectiva da sobrevivência de
alguns ao colapso de todas as
estruturas governamentais, econô-
micas, comunicacionais, religiosas,
etc., ou seja, de tudo aquilo que
exerce poder na modernidade. Por
último, TWD metaforiza uma
sociedade cujo ideal moderno de
um fim pós-histórico ideal e
pacífico não é mais possível, nesse
cenário, a sobrevivência cotidiana é
uma questão pragmática.
Em TWD, os dias posteriores ao início da infestação foram dominados por um aparato
militar de extrema vigilância, sendo o exército um grupo armado e hierarquizado
capaz de assumir o poder num estado de exceção. Bishop analisando estas narrativas
afirma que: “This vigilante scenário is all the more frightening because the primary
threat comes from the military, from emn who are supposed to protect citizens, not
abuse them.” (Bishop, p.24).
Este contexto, não foi narrado na série TWD, mas parece ser o foco da primeira
temporada de Fear The Walking Dead, ou seja, a vida no estado de exceção, cujo fim
sabemos que não haverá uma nova ordem social, tendo os sobreviventes que
conviverem em comunidades pulverizadas geridas na confiança e habilidade de um
líder.
TWD apresenta uma nova economia com o fim do capitalismo
como sistema de organização social, neste cenário toda a
herança da sociedade industrial pode ser coletada e utilizada,
porém com o fim das mercadorias tudo passa a ter apenas valor
de uso, perdendo seu fetiche ou status social embutido. “Anyone
can own a Porche, wear the last Paris fashions or go na
unbridled shopping spree”. (Bishop)
Em TWD, não há como ter acesso às mídias digitais, nem mesmo há atividades
como agricultura e pecuária, que possuem alto grau de conhecimento técnico e
científico embutido na modernidade, como toda uma série de bens e serviços da
sociedade contemporânea. Esses bens e serviços entram em colapso pois não há
como alguém ou uma comunidade ser peritos na manutenção de todas as
estruturas existentes. Este é um importante risco embutido na especialização
contemporânea ativado nas narrativas de TWD: “recursos ou serviços não estão
mais sob controle local e não podem portanto ser localmente reordenados no
sentido de irem ao encontro de contingências inesperadas, e há o risco de que o
mecanismo como um todo possa emperrar, afetando assim a todos que comumente
fazem uso dele.” (GIDDENS, 1991, p.128).
Nas narrativas de TWD apresenta-se um
cenário inicial em que personagens
comuns são defrontados com forças
desconhecidas e descontroladas que
alteram suas percepções em relação à
realidade, de suas identidades, dos
objetos, das pessoas, etc. O fim das
circunstancias estáveis transforma
completamente a subjetividade dos
personagens que parecem sobreviver
apenas na condição de se adaptarem
rapidamente às transformações do
ambiente. Nesse ponto, tais narrativas
metaforizam as condições da
subjetividade num ambiente moderno,
revolucionário ou conflituoso de extrema
volatilidade.
“A possibilidade de guerra nuclear, calamidade ecológica, explosão populacional
incontrolável, colapso do câmbio econômico global, e outras catástrofes globais
potenciais, fornecem um horizonte inquietante de perigos para todos. Como Beck
comentou, riscos globalizados deste tipo não respeitam divisões entre ricos e pobres ou
entre regiões do mundo.” (GIDDENS, 1991, p.127). Assim, as antigas divisões sociais
não possuem importância em TWD, todos foram igualados no cenário na série. Com o
levantamento de fortalezas, TWD retorna às condições sociais pré-modernas baseadas
na divisão amigos/inimigos. As relações de confiança são sempre instáveis e formadas
prioritariamente a partir da nova comunidade, de amizades mais seletas e nos laços
familiares.
Assim, a minha hipótese para explicar a grande audiência das narrativas de TWD
está baseada na percepção deste público dos riscos globais que podem subverter o
“real” em caos, desordem e morte. Estas ansiedades seriam, portanto, ativadas de
forma catártica em TWD. Dessa forma, Bishop compõe o cenário de percepção de
riscos globais que se intensificaram no século XXI: “during and after the collapse of
the World Trade Center towers in New York, numerous journalists and bystanders
commented on how the events seemed unreal – like something out of a movie.
Hurricane Katrina had a similar effect: nightly news clips showed the deserted streets
of New Orleans as if the city were a film set, with abandoned cars, drifting
newspapers, and stray dogs.” (BISHOP, p27).