o caso galdino sob a Ótica da imprensa nacional

26
Faat – Faculdades Comunicação Social O CASO GALDINO SOB A ÓTICA DA IMPRENSA NACIONAL Hugo Moura Paulo Henrique da Silva Atibaia 2015

Upload: hugo-moura

Post on 24-Sep-2015

8 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

TRabalho Universitário referente à análise do caso Galdino. Reportagem rizomática e observadora dos papel da mídia na repercussão do caso.Hugo Moura e Paulo Henrique Da Silva -

TRANSCRIPT

  • Faat FaculdadesComunicao Social

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSANACIONAL

    Hugo MouraPaulo Henrique da Silva

    Atibaia2015

  • Faat FaculdadesComunicao Social

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSANACIONAL

    Trabalho acadmico a ser apresentado disciplina de Agncia Experimental I, relativa aocurso de Comunicao Social, inerente habilitao Jornalismo, pertencente FAAT -Faculdades. Professor: William Arajo

    Atibaia2015

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    2

  • Galdino um inocente. A praa umacoisa que deveria mas no tem sidovalorizada. O monumento dele em

    vo. como se fosse uma folha seca quecaiu e acabou. No existe mais. uma vida

    que foi e no volta.

    Leodinia Costa Sousa, 2011.

    A mdia divulga a gente como se fssemos monstros. Eu no sou nenhum monstro.

    Antnio Novely Vilanova, 2011.

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    3

  • NDICE

    INTRODUO.......04

    1. O CASO GALDINO....05

    2. A REPERCUSSO MIDITICA...........08

    CONCLUSO.19

    REFERNCIAS...22

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    4

  • O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    5

  • INTRODUO

    Braslia. 20 de abril de 1997. Sob um ponto de nibus um ndio dorme. O nome dele Galdino

    Jesus dos Santos, lder indgena. Faris. Um veculo Monza passa devagar pelo local. Cinco jovens de

    classe mdia alta voltam de uma festa, da qual viraram a noite. Eles riem. Avistado, o ndio adormecido

    inspirou-lhes uma insensata ideia. Ocorre o consenso. O veculo d meia volta e segue para o posto de

    combustvel. O plano est em andamento. Minutos depois os faris voltam a iluminar a Praa do

    Compromisso. O carro estaciona e os cinco jovens descem com um recipiente de lcool nas mos.

    Galdino ainda dormia, sonhava com dias de igualdade, quando acordaria ardendo em chamas. Em meio a

    dor que tomara-lhe o corpo, uma imagem formou-se. Num relance, viu cinco jovens a observar-lhe com

    olhos de incompreenso e imediato arrependimento. Apenas um mero instante, porm. Noutro relance,

    veria os agressores a fugir, encobertos pelas coniventes escurido e impunidade. Escurido esta, que

    tambm inundara de morte os olhos de Galdino Jesus dos Santos.

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    6

  • 1. O CASO GALDINO

    O caso Galdino ocorreu em 20 de abril de 1997, em Asa Sul, bairro nobre de Braslia. Na

    ocasio, cinco jovens atearam fogo em Galdino Jesus dos Santos, lder indgena da etnia Patax-h-h-

    he, que teve cerca de 95% do corpo queimado e fora imediatamente hospitalizado em estado grave,

    falecendo horas depois, devido s queimaduras sofridas.

    O crime foi praticado por cinco jovens da classe mdia alta de Braslia: Toms Oliveira de

    Almeida, Eron Chaves Oliveira, Max Rogrio Alves, Antnio Novely Cardoso, e Gutemberg Nader

    Almeida Junior, sendo este ltimo menor de idade quela poca.

    Os cinco jovens fugiram do local aps cometerem o atentado, mas um transeunte que passava

    pela localidade no dado instante, anotou a placa do veculo dos rapazes e entregou a polcia. Estes foram

    presos cerca de uma hora depois em suas respectivas casas.

    Galdino estava em Braslia para participar de manifestaes pelos direitos indgenas. Chegara no

    dia anterior, 19, dia do ndio. Viera para reivindicar, junto ao governo, a demarcao de uma rea com

    aproximadamente 35 mil hectares pertencente aos Pataxs por direito - gradativamente invadida por

    fazendeiros locais. Esses hectares correspondiam aos municpios de Pau Brasil, Cama e parte de

    Canavieiras, na Bahia.

    Contou a vtima ao ser socorrida que chegara tarde a penso onde estava hospedado e como no

    conseguira entrar, foi ter at o ponto de nibus, onde deitou e adormeceu. Momentos depois acordaria aos

    brandos, clamando por ajuda, em chamas. Palavras essas que seriam as ltimas de Galdino.

    Em julgamento, os rus confessaram que o intuito do ato no passara de brincadeira de mau

    gosto, que visava apenas dar um susto no indgena, que ento dormia sob um ponto de nibus.

    Pretendiam reproduzir uma pegadinha similar que assistiram pela tev em dias passados. Para tanto,

    deslocaram-se at um posto de combustvel, compraram dois litros de lcool, e em seguida voltariam at

    o ponto de nibus para atear fogo ao ndio. Os adolescentes confessaram tambm que no esperavam pelo

    trgico desfecho, j que no premeditaram nenhum ato criminoso, por assim dizer.

    Apesar das muitas justificativas, a priori, os quatro jovens maiores de idade foram sentenciados a

    quatorze anos de priso sob a pena de homicdio doloso, enquanto que o menor Gutemberg Nader

    Almeida Junior permaneceu sob as sanses do Estatuto da Criana e do Adolescentes, que lhe decidiria

    mais adiante entre duas sentenas: trs anos de recluso ou prestao de servios comunitrios pr-

    estabelecidos pela justia.

    Em 2001 viera o julgamento, que comeou no dia 6 e foi concludo somente em 10 de novembro,

    quatro dias depois; totalizando assim 60 horas. Nele, o maiores Max Rogrio Alves, Antnio Novly

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    7

  • Cardoso de Vilanova, Toms de Oliveira Almeida e Eron Chaves Oliveira receberam a sentena

    supracitada. Esta, fora lida pela juza Sandra de Santis no dia 10, s 4h15.

    O menor Gutemberg Nader Almeida Junior fora processado a parte e, aps um perodo de 144

    dias de recluso, conquistara o direito liberdade assistida.

    Segundo a legislao, os maiores teriam que cumprir obrigatoriamente um tero da pena em

    regime fechado, no caso dos quatro rapazes, nove anos e quatro meses e, s depois poderiam solicitar o

    direito liberdade provisria, j que eram rus primrios.

    Em 2001 j cumpriam pena em regime fechado h quatro anos e meio no Centro de Deteno

    Provisria do Complexo Penitencirio da Papuda, onde trabalhavam no Ncleo de Custdia h trs anos.

    Logo, passados mais trs anos, a contar de 2001, precisamente em 2004 conseguiriam a liberdade

    provisria que deu-lhes o direito de trabalhar fora do presdio, voltando apenas a noite para cumprir a

    custdia.

    Tanto o julgamento quanto as penas deferidas contra os rus foram amplamente comemoradas por

    inmeras etnias indgenas, pesquisadores e rgos ligados a causa indigenista. Compareceram ao

    julgamento, em Braslia, representantes dos ndios Xavantes (MT), Kaingag (RS), Carajs (TO) e outros.

    Vieram capital federal com o intuito de reivindicar a punio dos culpados pela morte de Galdino, bem

    como apoiar a bandeira dos Xavantes.

    Alm do desfecho do caso e punio dos rus, o dia 10 de novembro de 2001, foi marcado pelas

    oraes e rituais que realizaram-se junto ao monumento em memria a Galdino Jesus dos Santos,

    edificado na Praa do Compromisso, atrs do ponto de nibus onde o ndio Patax fora queimado.

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    8

  • Fig 01:

    Braslia: Monumento na Praa do Compromisso, edificado em memria de Galdino Jesus dos Santos,

    lder Patax queimado vivo em 1997 enquanto dormia sob um ponto de nibus.

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    9

  • 2. O CASO GALDINO E A REPERCUSSO MIDITICA

    Seno a primeira, o portal Uol foi uma das principais mdias que deram o furo ao informarem em

    primeira mo o atentando contra o ndio Galdino. Em 20 de abril, s 16h54, a Agncia Folha, por meio do

    Uol, estampou: Rapazes so acusados de atear foto em ndio no DF.

    A matria no passa de uma nota, mas, ainda assim, traz informaes bsicas sobre osadolescentes, alm de relatar corretamente o nome e a idade de Galdino.

    Logo os desdobramentos ocorreriam ao passo que, em pequenas notas, as informaes eram

    apuradas junto ao hospital, polcia e as pessoas ligadas aos adolescentes e ao lder Patax, quela hora

    internado em estado grave.

    s 19h23, o portal informa que, alm de o atentado j ser um fato ciente para o ento presidenteda Repblica, Fernando Henrique Cardoso, este disse ter ficado horrorizado com o crime cometido

    contra o ndio patax Galdino Jesus dos Santos. s 20h13 o portal entrevistaria o antroplogo CarlosMoreira, conselheiro da Fundao Darcy Ribeiro, ampliando a discusso para os mritos da

    descriminao racial. s 21h50, nova entrevista, dessa vez a fonte foi o bispo Aparecido Jos Dias,presidente do Cimi (Conselho Indigenista Missionrio), aqui mais uma vez, almejava-se ampliar e elevar

    o fato a novos patamares, incluindo-o, possivelmente, sob os dogmas do Cristianismo.

    Nos dias seguintes, declarado oficialmente o bito do ndio Galdino, o caso ganhara repercusso

    em fruns nacionais e internacionais. E a partir de ento, os caminhos e enfoques dados pelos veculos

    foram diversos. Questionou-se muito acerca das reais intenes dos jovens acusados - e presos - no ato

    de atear fogo em Galdino: fora intencional ou no passara de uma infeliz brincadeira de mal gosto?

    A bandeira em prol das causas indgenas tambm passou a figurar - brevemente, diga-se, porm -

    na grande mdia. Nesse interm, encorajadas, diversas etnias viajariam at Braslia para se juntarem em

    sinal de protesto. A mdia reportou estas manifestaes, mas reajustaria o foco para amenizar o que seria

    transmitido ao pblico, que assistia a tudo com tediosa indiferena.

    Na esteira do portal Uol, ao menos num primeiro momento, o impresso O Globo s publicaria sua

    primeira e grande matria sobre Galdino Jesus dos Santos em 21 de abril de 1997, quando este falecera.

    Galdino foi queimado na madrugada do dia 20 de abril e morreu naquela noite. No haviamuito tempo para uma ampla repercusso na edio seguinte, que noticiaria pela primeiravez o episdio. Foi assim em praticamente todos os veculos da Imprensa nacional, que, poresta razo, falavam do crime e apontavam a morte iminente, sem no entanto a teremanunciado, pois quando Galdino morreu, as edies j estavam fechadas. No Globo, oassunto no foi manchete de primeira pgina, veio apenas com uma chamada em duascolunas. Nesse dia, a manchete foi MST ameaa o Governo com nova invaso no Pontal,dividindo espao com o futebol carioca: No clssico do luto, Flu vence o Fla. (FREIRE,2004, pg. 88)

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    10

  • A chamada ndio queimado vivo por rapazes em Braslia aparece na parte que fica apsa dobra do jornal, ou seja, nem editorialmente, nem graficamente, o assunto ocupou posiode foco. Mas foi manchete da pgina 8 (editoria O Pas, e acabou ganhando destaque nojornal por mais cinco dias consecutivos. A partir da edio do dia 22, a cobertura foi maiselaborada e o jornal publicou artigos, editoriais, cartas de leitores, depoimentos de pessoasilustres como o socilogo Betinho e o antroplogo Roberto DaMatta, todos refletindo omomento de tenso, revolta e expectativa em torno da morte de Galdino e seusdesdobramentos. (FREIRE, 2004, pg. 89)

    Fig. 02:

    Consumada a morte de Galdino, o caso repercutiu enormemente na imprensa nacional. Contudo

    percebe-se que, no decorrer das semanas seguintes, O Globo perdeu o interesse genuno pelo caso -

    enquanto fora tratado como homicdio.

    O enfoque miditico sofreria mudanas drsticas para que a morte de Galdino pudesse continuar

    fornecendo pautas rendveis. A primeira e mais significativa dessas mudanas foi enfocar o caso vendo-o

    como um crime e no mais como a morte de Galdino Jesus dos Santos. Em outras palavras, os discursos

    informariam sobre o crime e os agentes que o cometeram, e, consequentemente, omitiria-se os dados

    relativos vtima.

    Suprimiu-se nas matrias a verdadeira causa da vinda do lider Patax Braslia. Ao invs de

    informarem que Galdino estava na capital federal para reclamar uma rea de 35 mil hectares -

    correspondentes aos municpios de Pau Brasil, Cama e parte de Canavieiras - pertencentes aos Pataxs,

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    11

  • na Bahia, o jornal escreveu que Galdino viera apenas para comemorar as festividades do dia do ndio, em

    19 de abril.

    A partir de ento, nas narrativas que ganharam as bancas, Galdino tornou-se simplesmente

    ndio, sem etnia e sem identidade definida; um no ator de sua prpria morte, da qual passara a

    figurar o segundo plano do discurso.

    Os cinco jovens de classe mdia alta passariam a ser os principais atores de um crime hediondo

    cometido contra uma vtima sem rosto. Vtima que, segundo o depoimento dos acusados, fora confundido

    com um mendigo. Para a mdia esse fato no tinha qualquer importncia.

    O Globo, enquanto mdia elitizada, falava para os seus, ou seja, as classes A e B. Assim,

    logicamente, se algum assunto viesse a preencher o referido jornal, que fosse sobre adolescentes

    criminosos filhos de pais influentes; mais um ndio, mendigo ou pobre martirizado no interessada elite

    desafetuosa com as classes inferiores.

    Aos leitores, ofereceram-se ento os jovens e o crime que cometeram. Ajustado o foco, o Correio

    Braziliense e a Rede Globo acompanharam de perto o caso, relatando com todas as mincias as decises

    efetuadas por lei. Mais do que isso, as demais mdias enveredaram-se nas vidas particulares dos rus e

    assim passaram a observ-los em seus ambientes ntimos. Logo o Correio Braziliense denunciaria

    inmeras infraes cometidas pelos jovens, que iam de encontro as penas que lhes foram sentenciadas

    em tribunal.

    Primeiramente a Record, com o R7, e depois a Globo, reajustariam seus focos para a promotora

    Maria Jos Miranda, que encorajada, denunciara os privilgios que os jovens usufruam em celasespeciais. A promotora acompanhou o caso por cinco anos e ento afastou-se por motivos ainda no

    justificados. Contudo, foi atravs da figura de Miranda que a Globo iniciaria o longo processo de

    estigmatizao dos personagens, em outros termos, levando-os a julgamento pblico. Como medida

    preventiva, a emissora revestiu e apoderou-se do julgamento popular para pautar os desdobramentos

    seguintes que figuraram na tev e nos jornais.

    Nesse contexto, com frequncia os noticirios evidenciavam a abastada condio social dos

    acusados, bem como a calmaria rotineira que desfrutavam sem qualquer interveno restritiva. Eram

    tidos comumente como cinco rapazes de classe mdia alta responsveis pelo crime. Galdino foradefinitivamente suprimido do noticirio. A emissora tomara partido, e este no estava a favor dos rus e

    nem da vtima. Fato que pode ser confirmado pelas pautas, todas elas, que tinham como intuito cobrar da

    justia medidas enrgicas e punir os jovens em acordo com a inconsciente e pragmtica vontade popular;

    semelhante as arenas romanas.

    Para isso, notcias e informaes que amenizassem a sentena e a estigmatizao dos rapazes

    eram suprimidas, seno abordadas superficialmente. Esse olhar seletivo, cristalizou-se quando a mdia

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    12

  • brasileira calou-se diante da frustrada tentativa de suicdio praticada por Max Rogrio Alves, ocorrida em

    15 de outubro de 2001, dentro do Centro de Deteno Provisria do Complexo Penitencirio da Papuda.

    Consta que o jovem feriu o pescoo com a gilete de barbear desmontado, contudo foi socorrido por Eron

    e Antnio, e levado para o hospital. Letcia Nunes, colaboradora do site Observatrio de Imprensa, lana

    um olhar sobre o incidente:Nassif, que levantou a questo em primeiro lugar, disse a este Observatrio o seguinte: Aimprensa no est divulgando a tentativa de suicdio por dois motivos. Primeiro, para no expora crueldade da cobertura e transformar o algoz em vtima. Segundo, para no estragar o show.Vendeu-se bem o peixe de que os trs so filhinhos de papai, com influncia sobre a Justia, eno se pode sair desse enredo. (Observatrio de Imprensa, em 28/10/2003)

    Vale esclarecer que a tentativa de suicdio de Alves ocorreu algumas horas depois que ele foi

    informado da perda do benefcio desfrutado at ento: liberdade provisria para trabalhar fora do presdio.

    A denncia proveio em primeira mo do Correio Braziliense, este afirmava que Max Rogrio

    Alves e outros dois dos cinco rus foram flagrados bebendo cerveja em um botequim quando deveriam

    estar no presdio. A notcia repercutiu.

    Num segundo momento, outras mdias passaram a ecoar a denncia, incluindo a Rede Globo, que

    dedicou trs longos e preciosos minutos do horrio nobre de domingo, no Fantstico, para discorrer sobre

    o fato.

    Nesse intento, sabe-se de poucas pautas que honestamente relataram o sofrimento particular e a

    recluso social que as famlias dos acusados passaram a viver aps a exposio miditica. Estas, sem

    quaisquer pretextos, tiveram suas intimidades domsticas expostas ao bel prazer da mdia declaratria.

    Outra polmica em torno do caso foi a mudana de acusao contra rus que, num primeiro

    instante vinha definida como homicdio doloso. No entanto, durante o julgamento ocorrido em 2001, os

    juristas passaram a considerar uma segunda hiptese de acusao: leso corporal seguida de morte. Em

    outras palavras, a simples troca diminuiria as penas dos adolescentes de 30 para 14 anos de recluso.

    Novamente a mdia exaltou-se e, por meio do Agenda-Setting, pautou o assunto e direcionou a

    ateno popular para a possibilidade da justia aliviar, ou at mesmo mudar, as penas pr-sentenciadas

    pela imprensa. Nesse perodo, acerca do caso, as mdias, tendo a Globo como representante, informavam

    o impasse judicial como fato debatido com grande e exclusivo interesse pelo pas, incluindo nele todos os

    brasileiros. Posteriomente, em 2007, mais precisamente, em 19 de abril, o portal G1 relembraria o fato,

    porm com maior sensatez, embora mantivesse as velhas posies. O ttulo generalizante e sugestivo:

    Caso Galdino provocou discusso jurdica no pas.

    Fig. 03:

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    13

  • Em 2001, quando ocorreu o julgamento dos cinco acusados pela morte do lder Patax, mdias

    como a Folha de S. Paulo acompanharia o desenrolar do episdio com grande ateno. No portal on-line

    atualizava-se as informaes quase que em tempo real, sempre em acordo com os desdobramentos

    insurgidos contra os rus.

    O histrico contendo as atualizaes poderiam ser acessadas pelo leitor atravs do cone Leia

    Mais. O sistema de links, organizado numa sequncia cronolgica, remetia s matrias que, antes de

    informarem o novo, no abre prestava contas, em sntese, do que j se sabia sobre o julgamento.

    Logo, durante a navegao, o leitor captava rapidamente o desenrolar do julgamento, visto que

    todos os links e matrias, estavam substanciadas com informaes lgicas e, estas, possibilitavam a plena

    compreenso independentemente da ordem em que viessem a aparecer. Em suma, as pequenas partes

    corroboravam para a coeso do conjunto de informaes que formavam o corpo de notcias ligadas ao

    caso.

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    14

  • Fig. 04

    A ltima matria a contemplar o julgamento, segundo o portal online da Folha de S. Paulo, veiocom o ttulo: Acusados de matar ndio patax pegam 14 anos de priso. Ela concluiria o ciclo de

    atualizaes peridicas sobre o caso. Posteriormente novas matrias seriam veiculadas por essa mdia, no

    entanto, esporadicamente.

    Fig. 05:

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    15

  • Passados 15 anos da morte de Galdino (2012), a Record, atravs do portal R7, tambm

    relembraria o caso. Em A morte do ndio Galdino, queimado vivo em Braslia, completa 15 anos, a

    jornalista Marina Marquez presta contas das decises jurdicas sentenciadas aos cinco rus, onde j na

    linha fina pode-se ler a insatisfao da mdia: Jovens foram condenados a 14 anos, mas foram soltos

    aps oito.

    Fig. 06:

    Fica claro que Marquez apropria-se do direito de discurso e do espao que possui para praticar a

    retaliao franca aos rus j estigmatizados. Escreve um abre declaratrio e incisivo, em suma, acusador.

    Mais adiante, confirma seu posicionamento ideolgico, nomeando as retrancas: Crime planejado e

    Ficha limpa do crime brbaro.

    Fig. 07:

    Fig. 08:

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    16

  • O discurso costurado por links que remetem s matrias antigas sobre o caso, mas que, no

    entanto, comungam com o filtro editorial do veculo em questo. Para ilustrar o tendencionismo, citamos

    algumas dicas de leitura oferecidas pelo site, incluindo uma enquete: Assassinos do ndio Galdino

    tiveram tratamento diferenciado e Os assassinos pagaram pelo crime? D a sua opinio.

    Fig. 09:

    Fig. 10:

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    17

  • Em 2014, 17 anos aps a morte de Galdino, a mdia por meio da Globo, cristalizou uma matria

    sobre Gutemberg Nader Almeida Junior, um dos rus, que quele momento j houvera cumprido as penas

    previstas por lei. A matria intitulada Aps aprovao em concurso, polcia barra condenado por matar

    Galdino, outra vez, presta contas sobre a vida dos rapazes, mas com a diferena de que aqui j no

    tinham pendncias com a justia. No entanto, evidencia que ao tentar ingressar num concurso da Polcia

    Civil do Distrito Federal, Junior foi reprovado administrativamente na etapa de sindicncia de vida

    pregressa e investigao social.

    O fato ilustra o espectro da estigmatizao que jamais deixou de rondar a vida de Gutemberg

    Nader Almeida Junior e dos demais. A mdia, ao longo dos anos, no deu-se por satisfeita com a punio

    sentenciada pela justia, levaria e, de fato, levou o julgamento praa pblica sob o juzo de valor da

    sociedade que assistiu pela tev todo o desenrolar do caso.

    A insatisfao popular manifesta nos comentrios abaixo da matria citada. compreensvel a

    certeza e a convico com a qual os comentadores se expressam, visto que a Globo desempenhou com

    rigor seu papel de mantenedora e maior formadora de opinio em mbito nacional. Entretanto, em um

    dos mais de 400 comentrios, l-se o desacordo manifesto no questionamento racional de Maria Eugnia:

    Ele j pagou? Todos tm o direito de uma segunda chance. Todos! Comentrio este, que atravs dos

    likes negativos, foi imediatamente contestado pelo palpvel desafeto popular.

    Fig. 11:

    Tanto a Globo como o Correio Braziliense acompanharam de perto as tentativas de Gutemberg

    Nader Almeida Junior para ingressar na carreira profissional que ele almejava. Os passos foram

    reportados com grande interesse, mesmo sendo um assunto fora do contexto essencial que tornou Junior

    uma figura dotada de valor-notcia.

    O Correio Braziliense informou: Envolvido na morte de Galdino recorre justia e tentavaga para policial, Jovem envolvido no assassinato do ndio Galdino ser policial, Agressor de

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    18

  • ndio Galdino integra curso de formao na Polcia Civi l , TJ concede liminar a envolvido namorte do ndio que tenta vaga na polcia, Condenado por atear fogo em ndio Galdino passa emconcurso e vira servidor.

    O G1 repercutiu: Condenado por atear fogo em ndio passa em concurso da polcia do DF,TJDF concede liminar a barrado em concurso da polcia por matar Galdino.

    O interesse da imprensa pelos rus sentenciados, condenados e ento livres, tornou-se obsessivo e

    doentio. Transformados que foram em valor-notcia, os cinco rapazes deixaram de serem sujeitos

    particulares para se tornarem - a contra gosto - personas pblicas, tendo suas vidas pautadas para servir ao

    interesse pblico, por meio da mdia sensacionalista.

    Fato que pde ser testemunhado no julgamento ocorrido em 2001, quando Eron Chaves de

    Oliveira desabafara: A gente nunca teve voz para dizer o que sentia. E Antnio Novely Vilanova,

    concluiria: A mdia divulga a gente como se fssemos monstros. Eu no sou nenhum monstro.

    Em consonncia `conduta sensacionalista e errnea da mdia, Galdino, por sua vez, deixou de

    ser ser humano para transformar-se, tambm, em informao comercializvel. Informao essa, que usou

    de sua casta social, meio sociedade brasileira, para adquirir ainda mais notoriedade a respeito do caso.

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    19

  • CONCLUSO

    Objetivou-se neste trabalho analisar e constatar o comportamento miditico, bem como a

    sua influncia e repercusso, a respeito da (1) morte de Galdino, da (2) gravidade do crime, da (3)

    culpabilidade dos rus e, por fim, da (4) determinao do veredicto e da sentena.

    Salientamos tambm, os caminhos seguidos pelo coletivo miditico na obteno e

    divulgao de informaes, logo, analisamos a abordagem e a veiculao dos desdobramentos,

    incluindo fontes, fatos, relatos e informaes do julgamento, ou seja, chegamos concluso de

    que, no exerccio da veiculao, a mdia definiu atores e cenrios, retirou a identidade da vtima

    (no ator da prpria morte) em prol do sensacionalismo e da espetacularizao e figurou os rus.

    Para analisar tais quesitos, devemos, a priori, compreender as personagens envolvidas no

    caso, bem como s classes cujo pertenciam. Galdino, ndio, pertencente uma minoria segregada

    e obliviada da sociedade brasileira foi tratado como tal, condio essa, que lhe atribuiu a

    comoo nacional, influenciando veementemente na disseminao do caso no s na mdia

    brasiliense, mas em todo o pas.

    Em contrapartida, para com os rus a lembrar: quatro maiores de idade e um menor o

    fato de pertencerem classe mdia alta, os segmentos informativos, em mbito nacional, os tratou

    no s como elite, mas ressaltou, a ausncia de maturidade, estigmatizada pelo uso da palavra

    adolescentes. Em suma, mdia tratou os jovens denominados popularmente pelo termo filho de

    papai; por mais isento nesse aspecto que o coletivo miditico possa ter sido, no transpareceu a

    veracidade mr do caso: o confronto entre elites dos dois extremos da sociedade brasileira.

    Desta forma, nenhuma das elites possuiu voz audvel no caso. Galdino no protagonizou

    sua prpria morte e os rus no assumiram o devido papel no caso, calados que foram pela

    imposio de discursos que a mdia brasileira determinou:

    1. Galdino s figurou o papel de vtima e ndio no dia 20 de abril. Como faleceu,

    no foi dada a oportunidade de manifestao a ele ou sequer aos membros de sua famlia. Vivo ou

    morto, no teria voz. Se vivesse, o caso no teria repercutido da maneira que repercutiu.2. Os rus s exerceram o papel de criminosos e assassinos primrios no exerccio

    do crime, tambm no dia 20. Deve-se destacar que, no ato premeditado da compra do inflamvel

    e na consumao do crime, os jovens foram considerados aquilo que deveriam ser: assassinos.

    Todavia, encarcerados, foram reduzidos figura de adolescentes inconsequentes, que cometeram

    a imprudente infelicidade de atear fogo em um ndio sem rosto ou identidade. Assim como

    Galdino, os rus no tiveram voz ativa no caso, nem suas respectivas famlias.

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    20

  • Compreendido os papis das personagens, notamos as seguintes inclinaes acerca da veiculao

    do caso:

    1. O portal de notcias UOL fora uns dos primeiros a esboar a construo do

    discurso miditico, dando destaque ao atpico, mas nfimo, caso.2. No segundo momento, um antroplogo, um lder indgena e um representante

    catlico, de discursos preocupados com a classe indgena, foram fontes que discursaram de

    maneira a reproduzir as pautas pr-estabelecidas.3. Num primeiro momento, o jornal O Globo noticiou, de maneira obtusa e

    surpreendida, o caso. Foram destinada meras duas colunas matria, que tornou-se sombra da

    matria principal de capa, que destacou o clssico do futebol carioca. Em outra edio, o jornal

    reservou na editoria O Pas um especial a respeito do caso, bem mais detalhado e substancial,

    subsidiada por matria previamente divulgadas em outros veculos de web publishing. Esses

    pronunciamentos, apresentavam erros gramaticais e de informao.4. O Jornal A Folha de S. Paulo, por meio do portal online, deu continuidade

    divulgao de informaes, linkadas umas s outras. A repercusso nacional anterior ao

    julgamento deu embasamento para o jornal divulgar matrias mais consistentes e apuradas. Estas,

    culminaram em uma s matria, aps a sentena. Aps isso, o jornal disponibilizou informaes

    sazonais sobre o caso, que cara em esquecimento.5. O Correio Brasilienze acusou regalias por parte do rus, quando saiam do

    trabalho caminho ao presdio e paravam em um bar para confraternizar com os colegas.

    Liberdade essa, que fora conquistada pelos mesmos. Isso fora descoberto com o uso de uma

    equipe exclusiva para perseguio dos rus. Tal comportamento comprova que a mdia est

    constantemente renovando e buscando novos furos nas informaes e personagens previamente

    explorados na determinao e escolha dos valores-notcia a serem considerados em determinados

    casos e pautas, definidos pelo coletivo informativo. 6. Quando privados de sua liberdade recm-adquirida, um dos rus, tentou suicdio.

    Fato este que fora omitido pela mdia, por contradizer o discurso construdo. Pela mdia, os

    jovens no tinham o papel de vtima, mas sim de culpados. Para no assumir o erro de discurso

    postulado anos antes, a mdia com um todo optou pela omisso do fato.7. Em 2001, em julgamento, a juza Maria Sandra Santis polemiza com a

    possibilidade de mudar as penas dos acusados, visado reduzir a gravidade do crime de homicdio

    doloso para delito seguido de morte, fato este que reduziria tambm os anos da pena de 30 para

    14. Desta forma, foi contrariada pela mdia, que j havia determinado a sentena. Na sequncia, a

    Rede Globo publicitou a deciso e o debate, difundidos pelo portal G1, a fim de receber apoio

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    21

  • popular para a no alterao da pena. Alheia a tais inclinaes, a juza reconsiderou sua anlise a

    respeito da gravidade do crime e decidiu-se pela primeira sentena. 8. Nota-se que, no aniversrio de 10 anos do caso, o portal G1 noticiou a ltima

    informao disponibilizada revivendo as insatisfaes acerca do caso. Esse comportamento

    tambm pode ser observado no aniversrio de 15 anos, no portal R7.

    Postuladas as devidas observaes, chega-se na concluso em sua forma mais atroz:

    A mdia vitimizou duplamente. A priori, Galdino, cuja morte nada agregou s causas

    indgenas, ainda hoje menosprezadas e subestimadas nas pautas jornalsticas. E, a posteriori, os

    acusados, que s serviram de personagens para o grande espetculo nacional, que fora

    determinado pelas pautas pr-estabelecidas pelas redaes dos segmentos informativos de todo o

    pas. Estes, no sero lembrados pela morte de Galdino Jesus dos Santos, mas sim pelo crime que

    a prpria mdia cometeu.

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    22

  • O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    23

  • REFERNCIAS

    Agncia Brasil. Supremo anula ttulos em terra indgena na Bahia. Carta Capital: 02 de maio de 2012. Disponvel em: Acesso em 02 de abril de 2015.

    AZEVEDO LUNDIA, Luza; OLIVEIRA, Gabriel de Souza. Da carta de Caminha ao caso Galdino:uma breve anlise da imagem dos indgenas na mdia impressa. 2011, Manaus; Universidade Federaldo amazonas.

    BIROLI, Flvia Millena. O frum via internet como fonte histrica: uma anlise do frum ndioPatax. Campinas; Unicamp: Doutoranda do curso de ps-graduao em Histria Social - Instituto deFilosofia e Cincias Humanas.

    Correio Braziliense. Caso do ndio Galdino; pesquisa. Disponvel em:

    Acesso em 01 de abril de 2015.

    Estado. Caso do ndio Galdino; pesquisa. Disponvel em:

    Acesso em 03 de abril de 2015.

    Folha de S. Paulo. Caso do ndio Galdino; pesquisa. Disponvel em:

    Acesso em 02

    de maro de 2015.

    FREIRE, Ana Paula. Notcias de um crime no mundo civilizado: as mortes de Galdino Patax. 2004.Niteri, Universidade Federal Fluminense. Instituto de Artes e Comunicao Social; Ps-Graduao em

    comunicao.

    Globo. Caso do ndio Galdino; pesquisa. Disponvel em:

    Acesso em 02 de abril de 2015.

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    24

  • LEPIANI, Giancarlo. Julgamento dos jovens que mataram ndio patax comea com polmica. Veja:06 de novembro de 2001. disponvel em:

    Acesso em 03 de abril de 2015.

    MARQUEZ, Marina. Tragdia de ndio Galdino, queimado vivo em Braslia, completa 15 anos.Record - R7: 20 de abril de 2012. Disponvel em:

    Acesso em 03 de abril de 2015.

    NUNES, Letcia. Sutes no caso do ndio Galdino. Observatrio de Imprensa: 28 de outubro de 2003.Disponvel em: Acesso em 04 de

    abril de 2015.

    PIUBELLI, Rodrigo. Memrias e imagens em torno do ndio Patax Hhhe Galdino Jesus dosSantos (1997 a 2012). 2012, Braslia. Universidade de Braslia; Ps-graduao em Histria; rea deconcentrao: Histria Cultural.

    SCHRAMM, Luanda. Mdia e violncia urbana: apresentao da violncia urbana no telejornalismoe a leitura do pblico jovem de Braslia. Art. UFF: Mestrado em Comunicao, Imagem e Informao.Disponvel em;

    Acesso em 03 de abril de 2015.

    Uol. Caso do ndio Galdino; pesquisa. Disponvel em:

    < http://www1.folha.uol.com.br/fol/geral/ge21041.htm> Acesso em 04 de abril de 2015.

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    25

  • Atibaia

    2015

    Trabalho realizado por:

    Hugo Moura R.a.: 2213054

    Paulo Henrique da Silva R.a.: 2213033

    O CASO GALDINO SOB A TICA DA IMPRENSA NACIONAL

    26