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arquitextos ISSN 1809-6298 130.04 ano 11, mar 2011 Clareza compositiva e a herança moderna brasileira. O caso do edifício da FIEP em Campina Grande Marcio Cotrim Cunha Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.130/3787 Edifício sede da FIEP/SESI/SENAI da cidade de Campina Grande - PB, construído entre 1978 e 1983 e projetado pelo arquiteto carioca Cydno Ribeiro da Silveira. foto Marcio Cotrim O edifício sede da FIEP/SESI/SENAI é facilmente reconhecido na paisagem urbana de Campina Grande, não apenas por sua massa – visivelmente maior que os outros edifícios no seu entorno –, mas sobretudo por um evidente caráter monumental e, ao mesmo tempo, prototípico. Essas características – monumentalidade e exemplaridade – foram atribuídas por Carlos Eduardo Comas(1)em 1987 ao edifício do MES construído na segunda metade dos anos 1930 e início dos anos 1940. Obviamente há diferenças abismais entre um edifício e o outro, e um universo de acontecimentos que o separam. Porém cabe perguntar: quais aspectos outorgam ao edifício da FIEP/SESI/SENAI as características de monumentalidade e exemplaridade encontradas no MES? A resposta inevitavelmente se desdobra em outra pergunta: a sede da FIEP/SESI/SENAI pode ser entendida como parte de umalinhagem de edifícios institucionais modernos no Brasil iniciada com a antiga sede do Ministério da Educação e Saúde? O edifício na paisagem e no tecido urbano O edifício, construído entre 1978 e 1983 e projetado pelo arquiteto carioca Cydno Ribeiro da Silveira, ocupa um lugar privilegiado na cidade de Campina Grande; justamente na divisa entre o centro e o bairro de José Pinheiro onde se forma, junto com a margem leste do Açude Velho, a Praça José Lopes de Andrade, resultante

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arquitextos ISSN 1809-6298

130.04 ano 11, mar 2011

Clareza compositiva e a herança moderna brasileira. O

caso do edifício da FIEP em Campina Grande Marcio Cotrim Cunha

Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.130/3787

Edifício sede da FIEP/SESI/SENAI da cidade de Campina Grande - PB, construído entre 1978

e 1983 e projetado pelo arquiteto carioca Cydno Ribeiro da Silveira.

foto Marcio Cotrim

O edifício sede da FIEP/SESI/SENAI é facilmente reconhecido na paisagem urbana de

Campina Grande, não apenas por sua massa – visivelmente maior que os outros

edifícios no seu entorno –, mas sobretudo por um evidente caráter monumental e, ao

mesmo tempo, prototípico.

Essas características – monumentalidade e exemplaridade – foram atribuídas por

Carlos Eduardo Comas(1)em 1987 ao edifício do MES construído na segunda metade dos

anos 1930 e início dos anos 1940. Obviamente há diferenças abismais entre um

edifício e o outro, e um universo de acontecimentos que o separam. Porém cabe

perguntar: quais aspectos outorgam ao edifício da FIEP/SESI/SENAI as

características de monumentalidade e exemplaridade encontradas no MES? A resposta

inevitavelmente se desdobra em outra pergunta: a sede da FIEP/SESI/SENAI pode ser

entendida como parte de umalinhagem de edifícios institucionais modernos no Brasil

iniciada com a antiga sede do Ministério da Educação e Saúde?

O edifício na paisagem e no tecido urbano

O edifício, construído entre 1978 e 1983 e projetado pelo arquiteto carioca Cydno

Ribeiro da Silveira, ocupa um lugar privilegiado na cidade de Campina Grande;

justamente na divisa entre o centro e o bairro de José Pinheiro onde se forma,

junto com a margem leste do Açude Velho, a Praça José Lopes de Andrade, resultante

da bifurcação consequência do açude. O terreno localizado na extremidade nordeste

do açude possui uma forma bastante irregular, delimitada pelas Avenidas Manoel

Guimarães, Rua João Florentino de Carvalho, Rua Almirante Tamandaré e a Rua Campos

Sales. O acesso principal se dá pela Avenida Manoel Guimarães, que surge da

convergência – em uma rotatória – entre a BR 104 e a BR 230, os dois principais

acessos à cidade. A forma resultante do terreno é a de uma espécie de “L” – com

ângulo obtuso – em um dos pontos excepcionais do tecido urbano da cidade. Essa

excepcionalidade permitiu duas características contraditórias: certo isolamento na

paisagem e ao mesmo tempo uma localização central na cidade. Se pensado em

termos rossianos, a praça, a rotatória o açude e o terreno, constituem um “fato

urbano” de características muito particulares que provavelmente contribuíram para

as decisões tomadas no projeto da sede da FIEP/SESI/SENAI da Paraíba.

Desenho de localização do edifício da FIEP, Campina Grande, PB.

autor Marcio Cotrim

Volumetria e uso

Apesar da excepcionalidade da situação onde foi construído, o edifício é

caracterizado por uma decisão relativamente simples: um prisma retangular de seis

pavimentos elevado sobre pilotis, marcado por elementos estruturais

predominantemente verticias e isolado na parcela descrita anteriormente; a esse

prisma se acopla um segundo volume mais baixo, de forma hexagonal, queabraça o

pavimento térreo – liberado pelos pilotis – lembrando uma espiral. Esta

simplificada descrição contém toda a lógica volumétrica do edifício, e ao mesmo

tempo revela também coerência com relação ao seu uso. O prisma assume o conteúdo do

programa mais genérico e flexível devido à planta livre que se repete nos seis

pavimentos, enquanto o volume espiral/hexagonal funciona como marquise de acesso e

auditório. Esse critério entre volume e uso fica evidenciado através dos croquis

iniciais do projeto. Segundo o arquiteto:

Após análise do terreno chegamos à conclusão de ser inviável qualquer construção no

subsolo, solução que, à primeira vista, poderia ser a mais adequada para os

auditórios, uma vez que dadas as exigências do programa, estes formariam volumes

que poderiam vir a comprometer a harmonia final do conjunto, tirando a leveza que

desde o início pretendemos conferir-lhe.(2)

Croqui esquemático do Edifício sede da FIEP/SESI/SENAI da cidade de Campina Grande - PB,

elaborado a partir de desenho do arquiteto.

Transformação da ideia inicial: orientação solar, vistas e morfologia do terreno

A lógica descrita é a base a partir da qual Cydno Ribeiro desenvolveu o projeto que

finalmente foi construído no final da década de 1970. O projeto construído parece

ser definido como resposta a dois aspectos vinculados ao lugar: as vistas para o

Açude Velho e a forma do terreno. Esses dois pontos parecem ser os responsáveis

pela torção do prisma principal, definindo um ângulo obtuso. Ao considerar outro

croqui, como evolução do primeiro, a “torção” sugere uma decisão em busca das

vistas do Açude Velho que é confirmada pelo próprio arquiteto em depoimento à

revista Módulo durante o período da construção:

Notamos, porém, que a posição em que situamos o prédio não permitia um total

aproveitamento das vistas: o Açude Velho. Curvamos então o prédio e obtivemos um

vista satisfatória [...].(3)A curvatura, somada ao volume do auditório, determinou

uma espécie de “abraço” e como consequência a forma do espelho d’água que envolve a

parte aberta à Avenida Manoel Guimarães. Isso é justificado pelo arquiteto por

questões de sabor mais subjetivas: “marca a unidade do conjunto e visto dos

pavimentos, vem repetir o reflexo emitido pelo açude”.(4)

Croqui esquemático do Edifício sede da FIEP/SESI/SENAI da cidade de Campina Grande - PB,

elaborado a partir de desenho do arquiteto.

desenho Marcio Cotrim

Distribuição, estrutura e proteção solar

A necessidade de um programa flexível e ajustável dirigiu a necessidade de uma

planta sem interferência de elementos estruturais; um espaço capaz de assumir

diferentes possibilidades de distribuição e layout. De fato, o caráter diáfano da

planta tipo – do primeiro ao quinto pavimento – de 600 metros quadrados é

obstaculizado unicamente pelas áreas de banheiros e da copa que se repetem em todos

os pavimentos e foi localizada em um ponto estratégico, exatamente na curvatura do

edifício.

A necessidade, no prisma principal, de uma planta sem interferências estruturais,

foi resolvida conjugando questões estruturais, expressivas, espaciais e de proteção

solar em uma única e importante atitude, entretanto, parecem se manifestar a partir

de quatro decisões de projeto concatenadas. Não se propõe aqui pensá-las como

sucessão de acontecimentos ao longo do processo criativo, mas sim, como

sobreposição de decisões/atitudes que provavelmente ocorreram de forma simultânea,

o que mostra a enorme sofisticação projetual do arquiteto.

[1] as torres de circulação e a planta diáfana

A primeira atitude, ainda ausente nos croquis iniciais, foi a de extrair do corpo

principal os dois volumes de circulação vertical. Cada um localizado em uma das

alas do edifício principal – a divisão em duas alas refere-se ao ângulo gerado pela

curvatura. Esses dois volumes de circulação, construídos inteiramente em concreto

armado, ganham importância na imagem final do conjunto, à medida em que o arquiteto

destacou-os por seu caráter monolítico e por serem mais altos devido ao depósito de

água e a maquinaria dos elevadores. Uma atitude que faz lembrar o conceito

de espaço servido eespaço servente desenvolvido por Louis Kahn no Richards Medical

Center (Filadélfia, Pensilvânia, 1957-1964) e que depois se dissemina através da

obra de diferentes autores como Stirling (Edifício da faculdade de História da

Universidade de Cambridge, 1964-1967). No caso brasileiro, um exemplo coetâneo

importante é o Centro Administrativo de Salvador, projeto de João Filgueiras Lima,

o Lelé.

Edifício sede da FIEP/SESI/SENAI da cidade de Campina Grande - PB, construído entre 1978

e 1983 e projetado pelo arquiteto carioca Cydno Ribeiro da Silveira.

foto Marcio Cotrim

Edifício da faculdade de História da Universidade de Cambridge, 1964-1967. Arq. James

Stirling.

desenho Marcio Cotrim

[2] os módulos em planta

A segunda decisão foi do ponto vista exclusivamente estrutural, ainda que, como

indicado anteriormente, também tenha tido repercussão em outras dimensões: a

definição de um módulo em planta, formado por quatro pilares, dois em cada uma das

faces de maior dimensão do prisma principal. Essa modulação se repete 10 vezes em

cada planta – sendo alterada unicamente no ponto de curvatura – e sete vezes em

altura, no pavimento térreo e nos demais. Os pilares que constituem essa modulação

foram tratados pelo arquiteto como “pilares principais”, indicando a existência de

outros.

[3] a grelha estrutural

A terceira decisão foi subdividir a grelha estrutural definida pelos “pilares

principais” da fachada poente – voltada para a Avenida Manoel Guimarães no

quadrante noroeste – por meio de outros três pilares secundários. A grelha vertical

resultante distribui as cargas até ser descarregada nos pilares da planta térrea de

maior robustez que os outros. A estratificação horizontal resultante só é

interrompida na altura da laje do terceiro pavimento, por uma espécie de “costura”

horizontal. Todo esse conjunto estrutural manifesto na fachada do quadrante

noroeste assume também grande parte da expressividade plástica do edifício, ao

mesmo tempo em que foi proposto como forma de proteger a fachada de pior incidência

solar. Finalmente, o próprio arquiteto confirma a conjugação entre estrutura e

proteção solar, ao atribuir o título de brise-soleil estruturalà solução dada à

fachada principal.

Edifício sede da FIEP/SESI/SENAI da cidade de Campina Grande - PB, construído entre 1978

e 1983 e projetado pelo arquiteto carioca Cydno Ribeiro da Silveira.

foto Marcio Cotrim

Edifício sede da FIEP/SESI/SENAI da cidade de Campina Grande - PB, construído entre 1978

e 1983 e projetado pelo arquiteto carioca Cydno Ribeiro da Silveira.

foto Marcio Cotrim

Textura e coroamento

O Auditório e a marquise de acesso, como dito antes, se destacam do prisma

principal por meio de contrastes na sua forma, altura e uso. Esses contrastes se

dão, evidentemente, por se tratar da parte do programa de maior singularidade: dois

auditórios, um com 400 lugares e outro com 80 lugares; marquise de acesso que serve

à torre de seis andares e a zona de auditórios, com área suficiente para abrigar

aglomerações em caso de convenções; além de uma garagem privativa para dez

automóveis, com sala de estar e serviços para os respectivos motoristas. Portanto,

a diferença com relação ao prisma retangular de seis pavimentos deve-se ao fato de

atender uma forma e altura condizentes com esse programa. Por outro lado, o

contraste é ainda reforçado pelo tratamento do material utilizado. Apesar do

arquiteto manter o concreto armado e aparente como material principal no volume

destinado aos auditórios, sua textura se destaca do restante do edifício por conta

de uma textura mais rude, elaborada com brita grossa maior granulação. Essa

atitude, de evidente sabor corbusieriano, recorda também o trabalho com concreto

armado de Marcel Breuer ou ainda a uma frente de arquitetos paulistas como Carlos

Milan, Joaquim e Liliana Guedes.

Além da marquise e do volume destinado aos auditórios, o tratamento dado à

cobertura se destaca no conjunto: uma laje de menor dimensão determina uma zona

descoberta de terraço-jardim enquanto acolhe a outra parte diferenciada do

programa, destinada originalmente a um restaurante, e que mais tarde se converteu

em espaço para eventos e reuniões mais restritas. Volumetricamente, o resultado é

uma espécie de coroamento do conjunto, marcado por uma linha horizontal que

serpenteia levemente em pontos determinados. Pode-se dizer que se trata de uma

tipologia tripartida: uma base de pilotis; um corpo principal repetitivo; e um

coroamento com certa liberdade formal.

Edifício sede da FIEP/SESI/SENAI da cidade de Campina Grande - PB, construído entre 1978

e 1983 e projetado pelo arquiteto carioca Cydno Ribeiro da Silveira.

foto Marcio Cotrim

Entre os croquis e o projeto executado

Antes de se ensaiar algumas especulações e respostas às questões inicialmente

colocadas, cabe tentar averiguar a relação entre os croquis – ao que tudo indica

iniciais –, os objetivos sugeridos e os resultados alcançados. Essas relações

poderiam ser sintetizadas em três preocupações: a relação com a morfologia do lote;

as vistas para o Açude Velho; e a proteção solar.

O primeiro aspecto parece ser o melhor atendido, pois com a curvatura, repete-se

esquematicamente a forma irregular do lote, um “L” de ângulo obtuso. É provável,

seguindo o percurso estabelecido neste texto, que essa decisão – velada nos

croquis, os quais indicam somente a preocupação com as vistas e com a orientação

solar desconsiderando completamente o desenho do lote – tenha condicionado

inicialmente o projeto, e como consequência, resultado em uma orientação pouco

favorável, já que as vistas não são plenas ao Açude – evidentemente um dos focos de

interesse da cidade – e nem a orientação é a mais adequada – o quadrante noroeste.

Contudo, se desconsiderarmos outras possibilidades de localização do prisma, os

resultados seriam parcialmente positivos. Com a curvatura, alcança-se, em uma das

metades do edifício, vistas ao Açude Velho, entretanto, a grelha debrise-soleil

estrutural, mostra-se pouco eficiente diante do sol da tarde do interior paraibano.

Uma última decisão, algo contraditória, chama a atenção: a fachadas leste e sul são

vedadas por elementos vazados cerâmicos, articulados de maneira brilhante, formando

uma renda, tal qual um mural de Athos Bulcão. Paradoxalmente, esse gigantesco

“mural” esconde as áreas “pouco nobres”, segundo o arquiteto, e protege eficazmente

a circulação interior do sol da manhã.

Edifício sede da FIEP/SESI/SENAI da cidade de Campina Grande - PB, construído entre 1978

e 1983 e projetado pelo arquiteto carioca Cydno Ribeiro da Silveira.

foto Marcio Cotrim

Edifício sede da FIEP/SESI/SENAI da cidade de Campina Grande - PB, construído entre 1978

e 1983 e projetado pelo arquiteto carioca Cydno Ribeiro da Silveira.

foto Marcio Cotrim

O Arquiteto, a herança moderna e o respaldo institucional

Com as informações levantadas até o momento, a partir da tentativa de extração dos

elementos mais essenciais do projeto, talvez seja possível extrapolarmos em direção

a algumas especulações desde três diferentes âmbitos: a biografia do arquiteto, que

participou de outros importantes projetos colaborando com Oscar Niemeyer; uma

eventual tradição moderna na arquitetura brasileira com relação a edifícios

institucionais; e, neste caso, a importância do cliente.

O carioca Cydno Ribeiro da Silveira (1940), formado pela Universidade Nacional de

Brasília em 1968, tem uma obra diversificada; ao mesmo tempo em que concluía a obra

da sede da Federação das Indústrias do Estado da Paraíba, com pouco mais de dez

anos de formado, desenvolvia experimentos com a técnica da taipa de mão na ilha de

Itamaracá em Pernambuco. A técnica da taipa se converteria, anos mais tarde, no

carro-chefe da obra do arquiteto. É possível, ainda que pouco provável, que a

lógica da grelha de madeira usada no sistema da taipa tenha fornecido

possibilidades que derivaram na solução do brise-soleil estrutural do projeto para

Campina Grande. Entretanto, seu contato com Niemeyer, sugere pistas mais

interessantes com relação ao repertório projetual que parece apoiar as decisões no

projeto para a FIEP/SESI/SENAI.

Cydno da Silveira trabalhou para Oscar Niemeyer – com quem já colaborava desde 1968

– na Argélia durante os anos entre 1972 e 1975, quando e onde, provavelmente

manteve alguma relação com o universo francês, ou ao menos, com os projetos de

Niemeyer para aquele país. Deste período, chamam a atenção dois projetos em

particular: a sede do Partido Comunista Francês, terminado em 1968 em Paris, ano em

que começou a colaborar com Niemeyer; e a Bolsa de Trabalho de Bobigny, iniciado em

1975, ano em que deixou suas atividades na Argélia.

Bolsa de Trabalho de Bobigny, 1975-1976. Arq. Oscar Niemeyer.

desenho Marcio Cotrim

Sede do Partido Comunista Francês, 1968, Paris. Arq. Oscar Niemeyer.

desenho Marcio Cotrim

Bolsa de Trabalho de Bobigny, 1975-1976. Arq. Oscar Niemeyer.

desenho Marcio Cotrim

Nos dois casos Oscar Niemeyer parece optar por estratégias de projeto semelhantes:

um prisma retangular elevado sobre pilotis – no caso da sede PCF, curvado e com

seis pavimentos, e no caso do projeto para a bolsa de Bobigny, com cinco pavimentos

– marcado por elementos predominantemente horizontais em suas fachadas; a esse

volume principal se acopla um volume mais baixo e de forma excepcional. Ambos os

edifícios são ainda coroados por um terraço-jardim definido através de uma laje com

forma desvinculada do perímetro do prisma. Finalmente, na sede do Partido Comunista

Francês, o conjunto é finalizado por uma torre, situada na fachada menos importante

do conjunto, destinada à circulação vertical. Os dois edifícios voltam suas

fachadas principais para um ponto urbano focal: em Bogigny, a Place de la

Liberatión; e em Paris, a Place Colonel Fabien e o Boulevard de la Villette.

Essa mesma lógica ainda pode ser divisada em outros projetos anteriores de Oscar

Niemeyer, como o Hospital Sul América, no Rio de Janeiro de 1952, ou a Biblioteca

pública de Belo Horizonte de 1955, nunca construída.

Hospital Sul América, no Rio de Janeiro de 1952. Arq.Oscar Niemeyer.

desenho Marcio Cotrim

Exemplaridade

As semelhanças entre a descrição dos dois projetos de Oscar Niemeyer construídos na

França e o edifício em Campina Grande projetado por Cydno da Silveira não são

poucas e no caso de se tratarem de uma referência direta – o que é provável – seria

algo bastante justificável. Afinal tratava-se de um jovem arquiteto com menos de 40

anos e não mais que dez de experiência, que teve a oportunidade de trabalhar com o

já afamado Oscar Niemeyer.

No entanto, não se trata aqui de descobrir a influência direta de Niemeyer na obra

de Cydno da Silveira, senão, refletir sobre o fato de ser uma tipologia consolidada

pela arquitetura moderna brasileira para edifícios institucionais urbanos e em

altura. A idéia de tipologia aqui se refere à transformação a partir de um tipo que

devido a sua exemplaridade é capaz de sofrer ajustes necessários para sua

adequação.

Provavelmente a gênese do tipo implícito nos edifícios em Bogigny e Paris encontra-

se na obra de Le Corbusier do final da década de 1928, especificamente em dois

projetos: o Centrosoyus (Moscou, 1928-29), um conjunto de três prismas retangulares

de planta livre, articulados ortogonalmente por torres de circulação vertical, onde

se destaca o volume protagonista da sala de plenos; ou ainda o pavilhão Suíço

construído em Paris entre 1931 e 1935.

Centrosoyus, Moscou, 1928-29. Arq. Le Corbusier. [Portal Historia en Obres

[http://descartes.upc.es/historiaenobres/]]

Centrosoyus, Moscou, 1928-29. Arq. Le Corbusier. [Portal Historia en Obres

[http://descartes.upc.es/historiaenobres/]]

Pavilhão Suíço, Paris, 1931 - 1935. Arq. Le Corbusier. [Portal Historia en Obres

[http://descartes.upc.es/historiaenobres/]]

Contudo, a definição clara de um tipo para o programa de edifícios institucionais

parece dar-se em comunhão com o desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira a

partir do Ministério de Educação e Saúde, projeto da equipe formada por Lúcio

Costa, Oscar Niemeyer, Affonso E. Reidy, Jorge Moreira Leão e Carlos Ernani

Vasconcellos com consultoria de Le Corbusier, tendo seu processo iniciado por meio

de um concurso em 1935 e sua inauguração em 1945.

Será, portanto, no MES que a proposta – de um prisma retangular diáfano destinado

às atividades genéricas de escritório, no qual se acopla um volume formalmente

excepcional, destinado ao auditório e outras atividades extraordinárias e que é

coroado por um tratamento plástico diferenciado no terraço jardim – se articula, ao

mesmo tempo, a uma nova lógica de ocupação da quadra urbana – claramente oposta à

vigente – e uma solução que é capaz de unir a correta orientação solar com as

vistas privilegiadas.

Monumentalidade

Finalmente a conjugação entre a ocupação do terreno e a articulação hierárquica do

programa, volumes e formas, quando somada ao uso do edifício, um Ministério que se

destinava a cuidar da educação e saúde de uma nova sociedade que se modernizava,

revela um último aspecto presente no MES e que também se manifesta nos projetos

comentados de Niemeyer: o caráter monumental a partir de uma vontade de

representação institucional; seja ela um Estado, um Partido ou um Federação

sindical.

Esse caráter também se evidencia – com suas devidas proporções – no edifício da

FIEP. A monumentalidade como representação de força política, pujança econômica e

modernidade tecnológica, vinculada ao pólo industrial mais importante do Estado da

Paraíba, deveria, com bastante probabilidade ser um atributo desejado por Agostinho

Velloso da Silveira, presidente à época da instituição patronal.

Edifício sede da FIEP/SESI/SENAI da cidade de Campina Grande - PB, construído entre 1978

e 1983 e projetado pelo arquiteto carioca Cydno Ribeiro da Silveira.

foto Marcio Cotrim

Parece, portanto, ser possível identificar, à margem da idéia de escolas e

vertentes na arquitetura moderna brasileira, um linhagem de edifícios

institucionais, caracterizados pela transformação e adequação do tipoimplícito no

MES, no quais se mantêm ademais o caráter monumental daquele. Essa idéia de

linhagem – de matriz corbusieriana –, transformação e adequação a partir do MES

indica uma – entre provavelmente outras – linha subliminar que conecta uma série de

projetos espalhados geograficamente a partir dos anos 1940 até os dias atuais.

Notas

[o artigo foi desenvolvido dentro dos marcos do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura

e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba, na área de concentração “Arquitetura e

Análise do Projeto” vinculada à pesquisa “A dispersão da arquitetura brasileira através

das revistas entre 1975 e 1985”que é coordenada pela Dra. Nelci Tinem. O objetivo da

linha de pesquisa é comprovar o interesse no período entre 1975 e 1985 pelas

arquiteturas desenvolvidas fora dos três principais centros difusores e a diversidade

que marcou essa produção. A partir dessa primeira constatação que ambiciona estar

alicerçada na seleção, quantificação e catalogação do material, se pretende precisar as

estratégias utilizadas, desde um ponto de vista projetual, e os modos discursivos que

caminhavam em paralelo a esta mesma produção]

1

COMAS, Carlos Eduardo Comas. Protótipo e Monumento, um ministério, o

ministério. In: Textos fundamentais sobre história da arquitetura moderna

brasileira: v. 1/ organização Abílio Guerra.. São Paulo: editora RG, 2010, 316p.

2

Cydno da Silveira em depoimento publicado na revista Módulo Especial, n.01, mar. 1981.

3

Ibdem.

4

Ibdem.

Sobre o autor

Marcio Cotrim Cunha é arquiteto (2000), mestre (2002) e Doutor (2008) em Teoria e

História da Arquitetura pela ETSAB-UPC. Atualmente é professor convidado do Programa

de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba, onde

desenvolve pesquisa pós-doutoramento com financiamento do CNPq.