o caráter popular das revoluções e o sentido da liberdade

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O caráter popular das revoluções e o sentido da liberdade Emerson Mathias 1 Pensar em liberdade como conhecemos o termo hoje, somente após as Revoluções Inglesas e principalmente após a Revolução Francesa. Esse pensamento, esse desejo era também da massa, do povo, presentes nas três revoluções. Temos em toda a historiografia sobre as revoluções, heróis, líderes, nobres, reis, entre outros. Porém, onde estava o povo? Uma revolução não se faz sem o povo, sem o arroubo das massas populares e suas necessidades, entre elas a liberdade. “(...) foi espantoso ver como a própria palavra 'liberdade' pôde desaparecer do vocabulário revolucionário, talvez não menos desconcertante foi observar como a ideia de liberdade se introduziu em anos recentes no centro da mais séria discussão entre todos os debates políticos da atualidade: a discussão da guerra e do uso justificável da violência.” (ARENDT, 2011:36) Segundo Florenzano, na Revolução Inglesa de 1640 e na Revolução Francesa de 1789, a burguesia não se se comportou e nem lutou como uma classe revolucionária na derrubada da antiga ordem. Tinham apenas a intenção de restaurar os regimes dentro de suas necessidades. Como uma nova classe emergente a burguesia vai moldando seus costumes, sua cultura, sua ideologia, alterando o sentido do termo “liberdade”, após as revoluções “ditas” burguesas. Como afirma Arendt, “as revoluções não são meras mudanças, as revoluções são um processo incontrolável”. As Revoluções foram processos onde várias classes lutaram separadamente por seus interesses, elas não tiveram líderes, o iluminismo surgiu devido a revolução e não o contrário. A classe popular revolucionária é que tomou as ruas e pegou em armas para buscar seus direitos e por melhores condições de vida, o homem passa a acreditar que pode mudar sua condição de miséria, percebe que tem a liberdade para mudar sua vida, percebe que a miséria não é uma condição divina e que os monarcas não são o poder de Deus na terra. “A Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento organizado, no sentido moderno, nem por homens que estivessem tentando levar a cabo um programa estruturado. Nem mesmo chegou a ter “líderes” como as revoluções de século XX (...) um surpreendente consenso de ideias gerais entre um grupo social bastante coerente deu ao movimento revolucionário uma unidade efetiva. (HOBSBAWN, 2010:103) Para Hill, em O Mundo de ponta-cabeças, grupos populares como os quakers, levellers, moglianos, diggers, entre outros, foram importantes para as Revoluções Inglesas (1640 a 1688). Segundo Florenzano, essas revoluções foram passivas, ou seja, a burguesia não derrubou o antigo regime imediatamente, e sim, fez arranjos políticos com esses regimes. Mesmo a Revolução Francesa, considerada a única revolução burguesa passou por ditaduras bonapartistas. O termo “liberdade” após a Revolução Francesa, se torna uma arma a favor das elites dominantes, 1 Graduando em Licenciatura em História – Universidade Nove de Julho. UNINOVE. 2012.

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Page 1: O caráter popular das Revoluções e o sentido da liberdade

O caráter popular das revoluções e o sentido da liberdade

Emerson Mathias1

Pensar em liberdade como conhecemos o termo hoje, somente após as Revoluções Inglesas e

principalmente após a Revolução Francesa. Esse pensamento, esse desejo era também da massa, do povo,

presentes nas três revoluções.

Temos em toda a historiografia sobre as revoluções, heróis, líderes, nobres, reis, entre outros.

Porém, onde estava o povo? Uma revolução não se faz sem o povo, sem o arroubo das massas populares e

suas necessidades, entre elas a liberdade.

“(...) foi espantoso ver como a própria palavra 'liberdade' pôde desaparecer do vocabulário revolucionário, talvez não menos desconcertante foi observar como a ideia de liberdade se introduziu em anos recentes no centro da mais séria discussão entre todos os debates políticos da atualidade: a discussão da guerra e do uso justificável da violência.” (ARENDT, 2011:36)

Segundo Florenzano, na Revolução Inglesa de 1640 e na Revolução Francesa de 1789, a burguesia

não se se comportou e nem lutou como uma classe revolucionária na derrubada da antiga ordem. Tinham

apenas a intenção de restaurar os regimes dentro de suas necessidades. Como uma nova classe emergente a

burguesia vai moldando seus costumes, sua cultura, sua ideologia, alterando o sentido do termo “liberdade”,

após as revoluções “ditas” burguesas. Como afirma Arendt, “as revoluções não são meras mudanças, as

revoluções são um processo incontrolável”.

As Revoluções foram processos onde várias classes lutaram separadamente por seus interesses,

elas não tiveram líderes, o iluminismo surgiu devido a revolução e não o contrário.

A classe popular revolucionária é que tomou as ruas e pegou em armas para buscar seus direitos e

por melhores condições de vida, o homem passa a acreditar que pode mudar sua condição de miséria,

percebe que tem a liberdade para mudar sua vida, percebe que a miséria não é uma condição divina e que os

monarcas não são o poder de Deus na terra.

“A Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento organizado, no sentido moderno, nem por homens que estivessem tentando levar a cabo um programa estruturado. Nem mesmo chegou a ter “líderes” como as revoluções de século XX (...) um surpreendente consenso de ideias gerais entre um grupo social bastante coerente deu ao movimento revolucionário uma unidade efetiva. (HOBSBAWN, 2010:103)

Para Hill, em O Mundo de ponta-cabeças, grupos populares como os quakers, levellers, moglianos,

diggers, entre outros, foram importantes para as Revoluções Inglesas (1640 a 1688). Segundo Florenzano,

essas revoluções foram passivas, ou seja, a burguesia não derrubou o antigo regime imediatamente, e sim,

fez arranjos políticos com esses regimes. Mesmo a Revolução Francesa, considerada a única revolução

burguesa passou por ditaduras bonapartistas.

O termo “liberdade” após a Revolução Francesa, se torna uma arma a favor das elites dominantes,

1 Graduando em Licenciatura em História – Universidade Nove de Julho. UNINOVE. 2012.

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que a interpretam conforme suas necessidades, segundo a nova ordem capitalista.

Em carta de 25 de dezembro de 1799, dirigida a Jorge III, Rei da Inglaterra, Napoleão se apressou em mostrar-se indignado: “Como é possível que as duas nações mais esclarecidas da Europa (...) possam sacrificar a prosperidade do comércio a ideias vazias de grandeza!” Falar em prosperidade do comércio era o mesmo que dizer a liberdade do tráfico, pois as nações mais “esclarecidas” eram também as duas grandes potências negreiras. (RIBBE, 2008:52)

A Revolução Industrial Inglesa, alterou as condições de produção, maquinofatura, comunicação,

estradas de ferro, entre outras benfeitorias. Estes fatores fizeram a burguesia assegurar sua dominação no

novo regime, não só no Ocidente, mas em todo o mundo. O capitalismo emergia e junto com ele trouxe todas

as lutas políticas e econômicas que existem atualmente. A participação de grupos populares é inegável nessas

revoluções. Para Florenzano, a revolta dos grupos populares urbanos e rurais foi ponto fundamental para a

derrubada do poder absolutista. Para Hobsbawn, a grande Revolução (1789-1848), foi o triunfo da indústria

capitalista, não dá liberdade e igualdade em geral. Segundo BOBSBAWN (2010) “(...) Se a economia do

mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da Revolução Industrial Britânica, sua

política e ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa.”

Liberdade, fraternidade e igualdade. Declaração dos direitos do homem de 1789. Chomsky, em

Razões de Estado cita Bakunin que nos diz, que o Estado passa a legitimar toda sua conduta colonialista e

imperialista, que transgride os diretos humanos, de liberdade, igualdade e fraternidade. No passado

escravizando, matando, roubando...como vemos as grandes potências do passado, Inglaterra e França

principalmente, e hoje os EUA, criando suas guerras não menos nocivas e genocidas para impulsionar o

capitalismo, o comércio, enfim, a barbárie continua só que com nova roupagem, mais “clean”, mais

tecnológica. Hoje essas atitudes passam a ser uma virtude do Estado, patriotismo, nacionalismo, justificam a

matança e a carnificina em todo o mundo. Para CHOMSKY (2008) “(...) o Estado de direito é mais visto

como um instrumento maléfico de dominação tirânica do que como uma força de emancipação ou de

proteção dos direitos humanos.”

“Defender” a liberdade passou a ser dever do Estado, mas para quem? Ofender, oprimir, despojar,

pilhar, assassinar ou escravizar o semelhante é considerado crime, porém quando essas coisas são feitas pelo

patriotismo e pela glória do Estado (suas elites dominantes), para ampliar sua zona de influência e seu poder

em todo mundo, tudo se transforma em virtude.

Ontem matava-se, escraviza-se, pilhava-se, despojava-se em nome de Deus, hoje fazem o mesmo

em nome Dele, mas colocam seu nome em um papel, e o louvam!