o capitalismo social

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NOGUEIRA, C. M. O Serviço Social e a reestruturação produtiva. In Políticas Públicas & Serviço Social: análises e debates. Publicação do Observatório Social. Rio de Janeiro, maio/junho de 2008. Disponível em http://www.assistentesocial.com.br O SERVIÇO SOCIAL E A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA Claudia Mazzei Nogueira 1 A reestruturação produtiva O capitalismo entendido como processo de reprodução social por intermédio da produção de mercadorias, nos revela que suas regras são geradas de forma a preservar que ele seja um modo de “organização social que transforma incansável e incessantemente a sociedade em que está inserido” (HARVEY, 1989: 307). Desta maneira ele encobre e fetichiza, desenvolvendo-se através da deterioração da imaginação. A lógica do capital explora não só o(a) trabalhador(a) como também a subjetividade do ser social, fazendo também com que eles tenham necessidade e “desejo” de consumir algo novo (idem, p. 307). O capitalismo, no decorrer da história, metamorfoseou-se de inúmeras maneiras. No final do século XX, a partir de 1973, esse modo de produção desencadeou uma grande reestruturação produtiva do capital, responsável pela 1 Professora Adjunta do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Escreveu A Feminização no Mundo do Trabalho (São Paulo: Editora Autores Associados, 2004) e O Trabalho Duplicado (São Paulo: Editora Expressão Popular, 2006). 1

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NOGUEIRA, C. M. O Serviço Social e a reestruturação produtiva. In Políticas Públicas & Serviço Social: análises e debates. Publicação do Observatório Social. Rio de Janeiro, maio/junho de 2008. Disponível em http://www.assistentesocial.com.br

O SERVIÇO SOCIAL E A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

Claudia Mazzei Nogueira1

A reestruturação produtiva

O capitalismo entendido como processo de reprodução social por

intermédio da produção de mercadorias, nos revela que suas regras são

geradas de forma a preservar que ele seja um modo de “organização social

que transforma incansável e incessantemente a sociedade em que está

inserido” (HARVEY, 1989: 307).

Desta maneira ele encobre e fetichiza, desenvolvendo-se através da

deterioração da imaginação. A lógica do capital explora não só o(a)

trabalhador(a) como também a subjetividade do ser social, fazendo também

com que eles tenham necessidade e “desejo” de consumir algo novo ( idem, p.

307).

O capitalismo, no decorrer da história, metamorfoseou-se de inúmeras

maneiras. No final do século XX, a partir de 1973, esse modo de produção

desencadeou uma grande reestruturação produtiva do capital, responsável pela

alteração e mesmo substituição do padrão produtivo taylorista e fordista, dando

origem ao que a literatura tem denominado como toyotismo ou do que David

Harvey (1989) denomina como “acumulação flexível”. Em suas palavras, esta

fase caracteriza-se

“[...] por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de

1 Professora Adjunta do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Escreveu A Feminização no Mundo do Trabalho (São Paulo: Editora Autores Associados, 2004) e O Trabalho Duplicado (São Paulo: Editora Expressão Popular, 2006).

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inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado ‘setor de serviços’...” (HARVEY, 1989: 140).

Alain Bihr (1999) também trata desse momento, que se iniciou a partir do

começo dos anos 1970, definindo–o como “a crise do regime de acumulação

do capital”. Em sua análise Bihr (1999: 69-71) aponta quatro fatores relativos

ao enfraquecimento do fordismo e à crise desencadeada:

a diminuição dos ganhos de produtividade. Segundo o autor, ”isso se

explica pelos limites, tanto técnicos quanto sociais, encontrados a partir

desse período pelos métodos tayloristas e fordistas de produção”.

a elevação da composição orgânica do capital. A obtenção constante de

ganhos de produtividade tem como condição uma elevação da

composição técnica do capital: da composição da massa do trabalho

morto e a do trabalho vivo que ele mobiliza.

“A saturação da norma social de consumo. A regulação do fordismo

implicava que o processo de consumo privado se centrasse em certo

número de bens duráveis (automóveis, residências, eletrodomésticos)”

(BIHR, 1999: 71). Para Bihr, o mercado da era fordista saturou-se

progressivamente ao longo dos anos 1960 e 1970, levando a uma

retração das vendas incompatíveis com uma crescente produção em

massa que necessitava ser consumida.

o desenvolvimento do trabalho improdutivo: “principalmente do trabalho

que garantia a circulação do capital (gestão, comercialização, bancos e

seguros) ou o conjunto das condições sociais, institucionais e

ideológicas da reprodução do capital (principalmente concentrado nos

aparelhos de Estado)”. Isso porque “... o trabalho improdutivo limita a

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valorização do capital e a escala de sua acumulação, se todas as outras

coisas permanecem iguais” (BIHR, 1999: 73).

Esses elementos críticos acabaram levando ao enfraquecimento do padrão

produtivo taylorista e fordista. Para Alain Bihr, a conjugação desses quatro

elementos acarretou uma redução da taxa média de lucro, inicialmente nos

EUA e Grã-Bretanha, atingindo posteriormente a totalidade dos paises

ocidentais (idem, p. 73).

O binômio fordismo/taylorismo é a “expressão do sistema produtivo e do

seu respectivo processo de trabalho que dominaram a grande indústria

capitalista ao longo de boa parte do século XX, fundado na produção em

massa, responsável por uma produção mais homogeneizada. Esse binômio

caracterizou-se pela mescla de produção em série fordista com o cronômetro

taylorista, além de fundar-se no trabalho parcelar e fragmentado, com uma

linha demarcatória nítida entre elaboração e execução. Desse processo

produtivo e de trabalho centrado na grande indústria concentrada e

verticalizada expandiu-se o operário-massa, o trabalhador coletivo das grandes

empresas fortemente hierarquizadas”, conforme a precisa definição

apresentada por Thomas Gounet em seu livro Fordismo e Toyotismo na

civilização do automóvel (ANTUNES, 1999: 229-230).

Esse binômio taylorista-fordista, com sua tecnologia de submissão, sua

disciplinarização do corpo e com grandes exigências físicas, resultou ainda

num bloqueio da atividade mental, ao separar o trabalho manual do trabalho

intelectual. Desse modo, os trabalhadores e as trabalhadoras não só não

adquirem o conhecimento do processo integral do trabalho, mas muitas vezes

nem sequer sabem o porquê de suas tarefas (MENICUCCI, 1999).

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Já com o toyotismo, o capitalismo alterou sua forma de exploração do

trabalho, uma vez que, ao contrário do fordismo, o chamado modelo japonês

tem os seguintes traços característicos:

1. [...] é uma produção mais diretamente vinculada aos fluxos da demanda;

2. é variada e bastante heterogênea e diversificada;

3. fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade e flexibilidade de funções, na redução das atividades improdutivas dentro das fábricas e na ampliação e diversificação das formas de intensificação da exploração do trabalho;

4. tem como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível do tempo de produção, e funciona segundo o sistema de kanban, placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque, que no toyotismo deve ser mínimo. Enquanto na fábrica fordista cerca de 75% era produzido no seu interior, na fábrica toyotista somente cerca de 25% é produzido no seu interior. Ela horizontaliza o processo produtivo e transfere a ‘terceiros’ grande parte do que anteriormente era produzido dentro dela (ANTUNES, 1999: 230-231).

A falácia de “qualidade total” passa a ser extremamente relevante no

processo da produção. Os chamados CCQs (Círculos de Controle de

Qualidade) crescem de forma acentuada, “constituindo-se como grupos de

trabalhadores que são incentivados pelo capital para discutir o trabalho e seu

desempenho, com vistas a melhorar a produtividade e lucratividade da

empresa”. Na realidade essa “é a nova forma da qual o capital se utiliza para

apropriar-se do savoir faire/saber fazer intelectual do trabalho. O despotismo

taylorista torna-se então mesclado com a manipulação do trabalho, com o

‘envolvimento’ dos trabalhadores, por meio de um processo ainda mais

profundo de interiorização do trabalho alienado”. O trabalhador(a) deve pensar

e fazer pelo e para o capital, o que intensifica impreterivelmente a

subordinação do trabalho ao capital (ANTUNES, 1999: 231).

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Esta forma flexibilizada teve conseqüências enormes no mundo do

trabalho, onde ocorreu um aumento significativo do trabalho feminino, que

atinge mais de 40% da força de trabalho em diversos países capitalistas

ocidentais, tema que desenvolvemos em nosso livro a feminização do mundo

trabalho. Entretanto, a atual lógica da reestruturação produtiva do capitalismo,

nos apresenta diversos atrativos para o emprego das mulheres. Nesta nova era

de globalização da economia, podemos citar como exemplo o trabalho

terceirizado e a possibilidade de se realizar tarefas em casa, realizando-se o

trabalho produtivo doméstico, o que certamente beneficia bastante os

empresários, que não têm a necessidade de pagar os benefícios e os direitos

dos trabalhadores e das trabalhadoras. Benefícios esses que mesmo os

trabalhadores formais (com carteira assinada), estão sob grande ameaça2.

Segundo Serra (2001), como as transformações são de grande

amplitude, o setor de serviços também vem passando por reformulações,

derivadas das necessidades do capital, especialmente da implantação da

reestruturação produtiva flexível.

A reestruturação produtiva industrial gera uma nova demanda para o

setor de serviços, além de afetá-lo com as transformações organizacionais, de

tecnologias e da própria forma de gestão, implicando em uma submissão cada

vez maior à lógica do capital por esse setor.

Os pesquisadores Baltar e Dedecca apontam que é

[...] questionável também que o setor terciário seja capaz de absorver adequadamente a população ativa. Nos serviços, a capacidade de geração de empregos tem sido afetada por mudanças estruturais, bem ilustradas pelas transformações no setor financeiro, que tem passado por alterações técnicas, terceirizações de diversas atividades e mais recentemente por mudanças patrimoniais. Mas, a difusão do uso da informática tem atingido o emprego formal nos serviços em geral, e

2 Ver Sennett (1998).

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também no comércio [...] A conjugação dessas mudanças estruturais, com ausência de crescimento sustentado e a perda de capacidade de expansão do emprego público, tem conduzido a uma crescente precariedade do mercado de trabalho” (BALTAR e DEDECCA apud SERRA, 2001: 159).

Dessa forma, esses autores concluem que

[...] a capacidade de geração de novos empregos será baixa com os circuitos da subcontratação e dos serviços criando a maioria dos empregos. Portanto, ao trocar empregos industriais e de serviços formalizados por empregos não formalizados, permitirá a consolidação de uma nova forma de exclusão social, tornando ainda mais graves e profundas as desigualdades sociais no Brasil (idem: 159-160).

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Sendo o trabalho uma categoria fundante do ser social, como coloca

Marx em “O Capital” (1988) e, pelo que afirma Lukács (1976) na Ontologia do

Ser Social: “o momento predominante no desenvolvimento no mundo dos

homens cabe ao trabalho, já que é nele que se produz o novo que impulsiona a

humanidade a patamares sempre superiores de sociabilidade”, entendemos

que frente a essa centralidade do trabalho para o ser social e, com a

reestruturação produtiva, evidentemente cabe ao Serviço Social, pela sua

práxis interventiva, novas respostas para novas demandas além de novas

mediações nas expressões sociais.

Para tanto, segundo Maria Lúcia Martinelli (1989: 145),

[...] o Serviço Social ao se deparar com o agravamento do quadro conjuntural brasileiro ao longo da década de 1960, demandando novas alternativas de prática, novas formas de aproximação à realidade, aliado à existência de idéias revolucionárias, foi determinando a ampliação dos espaços críticos da categoria e tornando dialético o ser social dos agentes profissionais [...] A esse momento de desenvolvimento da consciência crítica correspondeu um fortalecimento da consciência corporativa da categoria profissional [...] No plano do exercício profissional, o assumir do princípio da contradição tornava cada vez mais claro que a realidade como “unidade do fenômeno e da essência” (Hegel, 1969: 216) não podia ser estagnada e manipulada de acordo com os interesses do capital.

Mas, existe outro aspecto relevante: é o que se refere ao Serviço Social

na divisão social do trabalho. Segundo Marilda Iamamoto (2000: 19):

[...] a premissa é que o atual quadro sócio-histórico não se reduz a um pano de fundo para que se possa discutir o trabalho social. Ele atravessa e conforma o cotidiano do exercício profissional do assistente social, afetando suas condições de trabalho e as suas relações de trabalho, assim como as condições de vida da população usuária.

Portanto, o Serviço Social como instituição da organização da sociedade

e como trabalho assalariado, tem as suas condições e relações de trabalho

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alteradas pela reestruturação produtiva como toda a classe trabalhadora e essa

questão será exatamente o que procuraremos analisar.

As conseqüências da reestruturação produtiva para o Serviço Social

O Serviço Social é uma profissão majoritariamente composta por

mulheres, que sofrem, por isso, não só a exploração que atinge a classe

trabalhadora, mas também a intensificação dessa exploração, dada pela

predominância do trabalho feminino e suas conhecidas condições desiguais e

desfavoráveis, no que concerne principalmente aos direitos trabalhistas.

Sabemos que o Serviço Social com a sua natureza e prática interventiva,

busca a transformação social da realidade, implicando, portanto, em alterações

frente às mudanças que vêm ocorrendo a partir da reestruturação produtiva e

do neoliberalismo.

É por essa razão que o assistente social, necessariamente deverá ter

uma identidade considerada como “elemento definidor de sua participação na

divisão social do trabalho e na totalidade do processo social” (MARTINELLI,

1989: 17). Além de ter uma consciência crítica e saber discernir sobre as

tarefas postas a ele e as conseqüências da sua atuação prática. Essa prática

profissional deve ser cuidadosa, para não se transformar em uma simples

reprodução dos interesses do capital.

Assim, a proposta é indicar alguns elementos preliminares de como a

reestruturação produtiva e suas implicações estão influenciando na prática e na

identidade do assistente social, trazendo uma nova orientação da sua função

social e inserção produtiva no mercado de trabalho.

Para isso tomaremos como exemplo uma pesquisa feita no estado do

Rio de Janeiro, por Rose Serra, com o título: “O Serviço Social e os seus

empregadores – o mercado de trabalho nos órgãos públicos, empresas e

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entidades sem fins lucrativos no estado do Rio de Janeiro” (SERRA, 2001: 161-

172).

Segundo a pesquisadora, para que esse estudo fosse feito foram

considerados os impactos que as alterações contemporâneas na sociedade

capitalista tiveram sobre as condições objetivas de existência no mercado de

trabalho do Serviço Social.

Para Serra, a redução dos postos de trabalho e o redimensionamento da

função dos mesmos, são o que demarcam a flexibilização do trabalho. São

essas as duas formas que atingem a estrutura produtiva e o processo de

trabalho do assistente social.

Para efeito de demonstração do mercado de trabalho dos assistentes

sociais, a pesquisadora destaca as “condições de trabalho” tomando dois

elementos dessa variável como eixo – a inserção no mercado no que se refere

à carga horária e postos de trabalho.

A nossa escolha de destacarmos essa pesquisa não se deu por acaso,

aqui poderemos evidenciar os efeitos destrutivos que a reestruturação

produtiva no mercado de trabalho do Serviço Social ocasionou.

Rose Serra afirma que em 91,6% dos órgãos públicos federais os

assistentes sociais trabalham com uma jornada de 40 horas semanais. Já nas

outras esferas encontra-se uma maior variabilidade de carga horária,

principalmente no espaço municipal que tem como predominância a jornada de

20 horas semanais. A pesquisadora nos lembra que David Harvey (1989)

aponta a tendência da nova lógica de comprimir o tempo dedicado à execução

do trabalho.

Em relação a distribuição da carga horária dos assistentes sociais nas

empresas e nas fundações, encontramos a seguinte realidade:

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[...] nas empresas estatais, os dados em sua totalidade permitem inferir uma situação semelhante aos órgãos públicos federais com contratos de assistentes sociais de quarenta horas. Seguindo, porém, a lógica das privatizações em curso, a tendência é que nessas unidades de trabalho o assistente social venha a encontrar uma jornada mais próxima ao que ocorre nas empresas privadas, onde a presença de profissionais com vinte horas coexiste no mercado com aqueles contratados para uma jornada de quarenta horas semanais (SERRA, 2001: 163-164).

A mesma situação é encontrada nas fundações privadas, com a

tendência de 40 horas de jornada, porém nesse caso uma maior diversificação

de horário é oferecida ao assistente social, além de uma “multiplicidade”, o que

significa ter em uma instituição mais do que um assistente social com cargas

horárias diferenciadas. Com isso a pesquisadora deduz que: “na medida em

que uma instituição desse tipo executa, no âmbito privado, políticas setoriais

também presentes no setor público estatal, encontra-se uma reorganização do

processo de trabalho em termos de uma diminuição do tempo gasto para a

efetivação dessas políticas” (SERRA, 2001: 164). Já nas entidades filantrópicas

há uma incidência maior na jornada de 20 horas e nas ONGs de 30 horas,

além de ocorrer também as jornadas parciais de 15 e 16 horas que

encontramos mais presentes nas instituições religiosas.

Em relação a essa questão, Rose Serra (2001: 165) conclui que,

[...] o que é importante analisar nessas instituições é o fato de a jornada de quarenta horas semanais ser a forma menos utilizada. Isto pode significar que tal estratégia, de comprimir o tempo necessário para a execução do trabalho de seus profissionais – em particular o assistente social - provavelmente esteja na gênese de tais entidades, pois desde sua origem isto constitui forma de reduzir salários compatíveis com sua capacidade financeira e/ou justificada por sua finalidade humanitária ou comunitária. Caso possivelmente das entidades filantrópicas e religiosas, onde está implícito, mesmo para os profissionais remunerados, certa ”vocação“ na sua inserção profissional, fato este que pode favorecer a inserção do voluntariado neste espaço.

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Quanto aos postos de trabalho, a pesquisadora afirma que no espaço

público, nas esferas federal e estadual ocorre diminuição de postos de trabalho

e somente na esfera municipal houve sinais de aumento do número de

profissionais. Contraditoriamente é nessa esfera que os recursos ficaram mais

escassos e com as condições contratuais mais precárias, ou seja, menor carga

horária e menor salário.

Ao compararmos a realidade do Serviço Social do setor público com o

setor das empresas privadas e fundações privadas, obtivemos os seguintes

resultados: 82% do número de assistentes sociais permaneceu nas empresas

privadas e 40% nas empresas estatais, mas, ocorreu 32% de diminuição nas

estatais, que segundo Rose Serra a razão para esse fato se deve

provavelmente ao enxugamento dos quadros funcionais provocado pela

privatização e pelo estímulo à demissão voluntária. Em 60% das fundações

privadas, o número de assistentes sociais permanece o mesmo e em 40% há

diminuição da presença desse profissional, onde mais uma vez é justificado

pela pesquisadora através das associações existentes entre as fundações

privadas e as empresas estatais.

Quanto ao número de assistentes sociais atuando nas entidades

filantrópicas e ONGs, temos os seguintes dados: em 58% das entidades

filantrópicas o número de assistentes sociais se mantêm. Nas instituições

filantrópicas temos a seguinte situação: em 44% delas o número aumenta e

também em 44% permanece igual. O quadro que mais nos chama a atenção é

o das ONGs, pois segundo a pesquisadora, ocorreu um aumento de 100% nas

solicitações por ações do Serviço Social e, no entanto somente em 40% delas

o número de assistentes sociais aumentou, além de afimarmos, segundo a

pesquisa de Serra, que houve uma diminuição de 40% em outras ONGs.

Rose Serra (2001: 170) termina concluindo com base em sua pesquisa

que está ocorrendo uma sobrecarga dos profissionais no exercício de suas

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atividades e acrescenta que “os elementos apresentados aqui indicam não só a

precariedade das condições de trabalho do assistente social, mas também se

constituem enquanto estratégias de redução das políticas sociais públicas,

apontando para uma redução da institucionalização da profissão no espaço

estatal”.

Essa insistência na prática de flexibilização inserida nos órgãos estatais,

altera a dinâmica do mercado de trabalho no que tange o espaço público e o

privado, como também na inserção desses profissionais para implementação

das políticas sociais (SERRA, 2001: 170).

A nossa conclusão também vai por esse caminho, mas queremos ainda,

reforçar o quanto o neoliberalismo, dentro do seu caráter nefasto, criou

condições políticas e institucionais que favoreceram o desenvolvimento da

reestruturação produtiva e conseqüentemente o desmonte das políticas

públicas, principalmente aquelas relacionadas às questões sociais, alterando

assim, as demandas colocadas ao Serviço Social. Segundo Marilda Iamamoto

(1982: 79),

[...] o Serviço Social no Brasil afirma-se como profissão, estreitamente integrado ao setor público em especial, diante da progressiva ampliação do controle e do âmbito da ação do Estado junto à sociedade civil. Vincula-se, também, a organizações patronais privadas, de caráter empresarial, dedicado às atividades produtivas propriamente ditas e à prestação de serviços sociais à população. A profissão se consolida, então como parte integrante do aparato estatal e de empresas privadas, e o profissional, como um assalariado a serviço das mesmas. Dessa forma não se pode pensar a profissão no processo de reprodução das relações sociais independente das organizações institucionais a que se vincula, como a atividade profissional se encerrasse em si mesma e seus efeitos sociais derivassem, exclusivamente, da atuação do profissional.

No entanto, a questão que nos suscita maior interesse é: se o mundo do

trabalho está sofrendo tantas mudanças, como a precarização, a terceirização,

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a fragmentação, o desemprego e a feminização da força de trabalho, como o

assistente social, pertencente à classe trabalhadora, que também é explorado

pelo capital sofrendo as implicações das relações de trabalho, lida com a sua

própria situação, em um contexto marcado por grandes transformações?

Uma outra questão que nos intrigou ao desenvolvermos esse artigo foi

em relação ao predomínio da presença feminina existente na categoria: em que

medida a feminização da força de trabalho, e em particular a intensificação da

exploração produtiva e reprodutiva do trabalho feminino, pode estar afetando

também as condições de trabalho da profissional de Serviço Social, no sentido

de uma maior precarização do seu trabalho?

Responder às difíceis questões acima demandaria um outro artigo.

Entretanto, a compreensão do que se passa hoje no mundo do trabalho nos

parece um ponto de partida imprescindível para que o assistente social possa

desvendar o que vem ocorrendo no interior da própria categoria e quais são os

principais desafios visando à preservação de seu compromisso com os valores

maiores da classe trabalhadora, que norteiam o seu projeto ético-político.

Assim, o objetivo desse artigo foi oferecer alguns elementos para tentarmos

elucidar esse ponto de partida imprescindível.

Referências

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