o canto das pedras

35
O CANTO DAS PEDRAS

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Livro de conceitos para o documentário de mesmo nome

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Page 1: O Canto das Pedras

O CANTO

DAS PEDRAS

Page 2: O Canto das Pedras

O CANTO

DAS PEDRAS

Formandos

Tatiana Cantalejo

Jade Press Goldfriend

Isabela Colombo

Gabriela Pilnik

Lucas Razvranauckas

Felipe Thomé

Page 3: O Canto das Pedras

Ficha Catalográf ica

O Canto Das Pedras/ Felipe Quednau Thomé; Gabriela Pilnik; Isabela Paulino Colombo; Jade

Press Goldfreind; Lucas Razvranauckas Reis; Tatiana Santos Cantalejo, 2015

146 p.

Humberto Neiva e Mario Saladini

Graduação em cinema – Fundação Armando Álvares Penteado. Faculdade de Comunicação,

São Paulo, 2015.

1. Documentário. 2. Autismo. I.

Fundação Armando Álvares Penteado. Faculdade de Comunicação II. Título.

Índi

ce

1 Sobre o Filme

1.2 Apresentação 8

1.3 Justif icativa 10

1.4 Objetivos 12

1.5 Público Alvo 13

2 Argumento e Roteiro

2.1 Storyline 15

2.2 Sinopse 16

2.3 Argumento 18

2.4 Roteiro 28

3 Direção

3.1 Conceito de Direção 41

3.2 entrevistas 45

Page 4: O Canto das Pedras

4 Direção de Fotografia

4.1 Conceito de direção de Fotograf ia 49

5 Direção de Arte

5.1 Conceito de Direção de Arte 57

5.2 Quadro Geral Conceitual da Arte 63

Page 5: O Canto das Pedras

7

“O Canto das Pedras”, documentário, 15 min. Digital.

Diretora e roteirista: Tatiana Cantalejo - 7o CCM - Mat. 41220732

Ficha técnica do filme:

Curta-metragem: “O Canto Das Pedras”

Gênero: Documentário

Roteiro original: Tatiana Cantalejo

Digital

Janela: 1:85

Colorido

Sonoro

1.1 Aspectos Técnicos

1 S

obr

e o

Film

e

Page 6: O Canto das Pedras

98

dagações. Alguns especialistas se posicionam como se cada autista fosse muito parecido com o

outro e não lhes coubessem o imprevisível, o imponderável a cada caso específico.

É, então, sobre a busca por um olhar subjetivo, a surgir nas entranhas de quem convive com o

tema, e pela expressão genuína desses indivíduos tão diferentes de nós, que o documentário firma

seu alicerce. Na busca do olhar de nosso protagonista, esse documentário centrará seus esforços

mesmo que fadados, por antecipação, aos limites da linguagem e, por que não, do mundo.

O Canto das Pedras é um documentário a contemplar a duração máxima de 15 minutos, ser-

vindo, nesse formato, como trabalho de conclusão de curso de Cinema pela Fundação Armando

Álvares Penteado (FAAP) no ano de 2016.

Depois de avaliado e aprovado por uma banca de professores no dia primeiro de setembro de

2015, a equipe de produção da obra foi formada. Nela, constitui-se como Diretora e proponente

do projeto, Tatiana Cantalejo; como Assistente de direção, Jade Press Goldfreind; como Diretor

de som, Lucas Razvranauckas Reis; como Montador, Felipe Thomé e, como Produtora, Isabela

Colombo. Após esse primeiro momento, completaram a equipe: Gabriela Pássaro, como Diretora

de Arte, e Felipe Guimarães, como Diretor de Fotografia.

Através da comunicação cotidiana e da arte, a necessidade de expressar um mundo particular

e subjetivo se torna uma característica deveras humana. Mas e quando o ato envolve indivíduos

que sofrem de um transtorno como o autismo?

O Canto das Pedras propõe a reflexão ao colocar seu espectador frente a esta e outras in-

1.2 Apresentação

Page 7: O Canto das Pedras

1110

Aos seis anos, passei a enxergar o mundo de uma maneira bastante peculiar devido ao nas-

cimento de meu irmão, Pedro. Junto a ele, iniciou-se um burburinho acerca da palavra “autismo”,

cujo significado, vale dizer, eu não fazia a mínima ideia. Com o passar do tempo, notei diferenças

entre o modo que eu enxergava meu irmão e os olhares que as pessoas lhe lançavam. Ao ganhar

uma câmera, coloquei-me a pensar em como dar voz àquela criança que era observada com tanto

estranhamento. Pedro tinha, então, oito anos.

Sete anos depois, ponho-me a realizar um filme, acreditando que sua contribuição audiovisual

gravita, principalmente, sobre as bases de tentar compreender Pedro para além da doença que o

encerra, expressando sua perspectiva da maneira como deve ser: que ele fale por si e, dentro de

uma intenção contemporânea, sua fábula ganhe força e vida através de imagens traduzidas em

poesia - coisa deveras incomum nos documentários que falam sobre patologias, pois normalmente

se moldam no modo expositivo e raramente dão voz ao portador.

1.3 Justif icativa

Pedro deitado na cama dos pais, 2009

“O Canto das Pedras” é um filme cujo discurso se legitima não só pelo fato de ser realizado por

uma pessoa que convive com seu objeto, mas por propor um olhar mais generoso em relação ao

mesmo. É um filme que se estabelece em camadas e, aos poucos, nega até antigas modalidades

documentais - pois, como será mostrado na estrutura do filme, quando estas aparecem, sempre

deixam dúvidas a respeito das informações que são passadas. Em suma, esta é uma obra que

propõe um olhar diferente à retratação do autista a partir de uma linguagem que não surtiria efeito

não fosse a poesia, o audiovisual e a não-ficção.

Page 8: O Canto das Pedras

1312

A obra surge com o intento de quebra à todo argumento, diagnóstico e definição do que é visto

como “ser autista”. Diante da perspectiva de quem convive com a doença, fica evidente a impos-

sibilidade de fazer afirmações tão categóricas sobre o olhar e a vida de todos que a possuem. O

filme crê que, diante de um estereótipo, qualquer pessoa, independente de suas restrições, é au-

tomaticamente calada, privada de falar por si. Sobretudo, nosso objetivo é semear no espectador

uma consciência, compreensão e disponibilidade maior por entender esse Outro que nos soa tão

distante, o autista.

1.4 Objetivos

“O Canto das Pedras” não almeja apenas nos parentes de autistas e profissionais da saúde

encontrar sua visibilidade, mas também no público habitual dos festivais: curiosos, intelectuais e

adultos em geral. Esta é uma obra que carrega sobre si um tema sério e tenta, através da poesia,

carregá-lo com mais leveza. É uma obra que busca atingir aqueles que possuem interesse pelo

comportamento humano, sensibilidade frente o Outro e vontade de saber mais acerca do que lhe

é desconhecido.

1.5 Público Alvo

Page 9: O Canto das Pedras

15

2 A

rgum

ento

e

Pedro, 15, tem seu modo de vida investigado por Tatiana, 21, sua irmã. Ela busca por respos-

tas para além do diagnóstico da doença que ele possui: o autismo. A fim de entendê-lo, Tatiana dá

voz não só a especialistas, mas ao próprio Pedro. Ela averigua os trejeitos do irmão numa tentativa

de compreendê-lo e de fabular junto a ele uma interpretação do que seria o mundo sob o prisma

de um autista.

2.1 Storyline

Rote

iro

Page 10: O Canto das Pedras

quer pessoa, independente de suas restrições, é automaticamente calada, privada de falar por si.

Vê-se, como solução dentro dos moldes de um ensaio audiovisual, o gesto de subjetivar. O

documentário, portanto, buscará dar voz a um dos portadores da doença - a saber, o que me é

mais próximo: Pedro Cantalejo, 14, meu irmão.

A obra se molda ao lado de asserções promovidas por (1) especialistas, (2) pessoas que

conhecem o tema e (3) Pedro. Estruturalmente, partiremos do macrocosmo da generalização, do

estereótipo e diagnóstico a respeito do que é ser autista, para, posteriormente, elaborarmos um

olhar mais curioso, familiarizado, humano e particular à pessoa que Pedro, hoje com quase quinze

anos, é.

A originalidade da proposta orbita sobre as bases de investigar, não a doença, mas a vida

de Pedro para além de sua esfera óbvia e com ele fabular, de forma imagética e documental, uma

suposição do que seria este seu mundo tão particular, de difícil acesso - que, mesmo próximos,

parecemos conhecer minimamente.

Dado o fato de necessitarmos de algumas ações em campo para afirmar o que

se dará no filme, a sinopse terá sua trama elucidada a partir de seu tema e visão

original.

O que é “ser” autista? É somente ter deficiências de comunicação? Interação social? Ter in-

teresses restritos e repetitivos? Alguns especialistas tendem a se posicionar como se cada autista

fosse muito parecido com o outro e não coubesse o imprevisível a tais casos.

É bem verdade que há a admissão de graus de autismo - que vão desde o indivíduo super

inteligente, o comumente chamado “de alta funcionalidade”, àquele que não consegue pronunciar

uma palavra sequer. O autismo, no entanto, é um transtorno a se manifestar de diferentes maneiras

e, a partir destas, a tornar cada um de seus indivíduos seres distintos, únicos.

Em “O Canto das Pedras”, surge o intento de quebra com todo tipo de argumento, diagnós-

tico e definição do que é visto como “ser autista”. Diante da perspectiva de quem convive com a

doença, fica evidente a impossibilidade de fazer afirmações tão categóricas sobre o olhar e a vida

de todos que a possuem. O filme crê que diante de um estereótipo, diagnóstico ou definição, qual-

2.2 Sinopse

1716Pedro na cozinha de sua casa, 2009

Page 11: O Canto das Pedras

1918

SUGESTÃO DE ESTRUTURA

Como apontado nos itens anteriores, o filme se divide em três sequências: o que diz o diag-

nóstico sobre o autista, o que os conhecidos dizem sobre Pedro e o que Pedro diz sobre o mundo.

Alguns dados de pesquisa foram levantados e, na medida do possível, serão comentados ao longo

da estrutura. Caso hajam influências artísticas para a melhor compreensão da ideia, estas serão

apontadas durante o roteiro.

2.3 Argumento

SEQUÊNCIA UM

PRÓLOGO - O QUE DIZ O DIAGNÓSTICO

Duração estimada: 3 min. (A pergunta feita aos entrevistados para este bloco é: "o

que é ’ser’ autista?")

O filme inicia com a foto antiga de uma família composta por um grande número de indivíduos, sendo, em sua maioria, crianças. Entra a fala de um etimologista a ler a definição originária da palavra "autista" e também como esta é definida por dicionários, sites de pesquisa, etc. Como exemplo, independente do que for dito, tem-se, para a etimologia, que "autista" advém da palavra "autismo", neologismo composto do prefixo grego "autôs", que significa "si mesmo", e do sufixo "ismós", que forma substantivos abstratos a denotar certo tipo de tendência. Para o Dicionário Aurélio, autista é aquele: 1) que sofre de autismo; 2) pessoa que guia automóvel. Para Wikipedia, autista é aquele "que possui um transtorno neurológico altamente variável, que aparece pela primeira vez durante a infância ou adolescência e geralmente segue um curso estável, sem remissão". Entram as falas de um antropólogo e de um historiador. Ambos tecem comentários sobre como era visto o fato de ser autista para as sociedades passadas . 1

Entra a fala de um neurologista e, depois, a de um psiquiatra. Os dois trazem, cada um na sua especialidade, a definição genérica de "autista" dentro dos moldes científicos. É provável que levantem as características ordenadas pelas teorias de Bleuler - este que, em 1911, cunhou, pela primeira vez, o termo da doença, como se esta fosse um segmento da esquizofrenia - e Kanner - este que desenvolveu melhor a teoria acerca do autismo infantil, em 1943, e que postulou que autista era aquele que apreciava "um isolamento extremo desde o início da vida e um desejo obsessivo pela preservação da mesmice" -; questões biológicas também poderão ser levantadas - visto que, antes,

Segundo entrevistas já realizadas, para os egípcios, o autista era um ser 1

venerado como os deuses e, para os inquisidores, na época da Caça às Bruxas, era considerado um demônio.

Page 12: O Canto das Pedras

2120

acreditava-se, por uma série de fatores, que a mulher era a responsável por tornar o filho autista. Cada vez que entra a definição de um dos entrevistados, aproximamo-nos do rosto de uma das pessoas da fotografia - como se estivéssemos a identificar qual deles é o autista. As narrações se MESCLAM. Em dado momento, não se entende mais nada o que é dito, devido ao RUÍDO promovido pela junção de tantas informações simultâneas. SILÊNCIO.

TATIANA (V.O) Qual deles é você? (pausa) Alguns deles…

TELA PRETA.

TATIANA (V.O) e nenhum.

BARULHO DE OCEANO.

Entra o título: "O CANTO DAS PEDRAS".

SEQUÊNCIA II - O QUE DIZEM OS CONHECIDOS

Duração estimada: 5 min. (Neste bloco, a pergunta a ser respondida pelos

entrevistados é: "Quem é Pedro?".

Serão explorados depoimentos de três pessoas que, embora

próximas, não saibam definir direito quem ele é. Por mais

que tal mapeamento por vezes fuja, exploraremos, na fala

destas pessoas, características que o tornam, para além do

autismo, um ser humano peculiar.

Tentaremos extrair dos entrevistados histórias vividas com o

garoto que fujam do teor do esperado para um autista -

histórias que engendrem reações emocionais, como quando ele

chorou a morte de seu avô -; relatos que falem sobre suas

coleções - alguém que lhe deu uma das câmeras fotográficas

quebradas será entrevistado -, histórias acerca de músicas

que Pedro relaciona a pessoas, etc.

A intenção é a de que os depoimentos sejam rápidos, como se

este momento fosse apenas de transição. Faremos também um

SEQUÊNCIA UM

PRÓLOGO - O QUE DIZ O DIAGNÓSTICO

Duração estimada: 3 min. (A pergunta feita aos entrevistados para este bloco é: "o

que é ’ser’ autista?")

O filme inicia com a foto antiga de uma família composta por um grande número de indivíduos, sendo, em sua maioria, crianças. Entra a fala de um etimologista a ler a definição originária da palavra "autista" e também como esta é definida por dicionários, sites de pesquisa, etc. Como exemplo, independente do que for dito, tem-se, para a etimologia, que "autista" advém da palavra "autismo", neologismo composto do prefixo grego "autôs", que significa "si mesmo", e do sufixo "ismós", que forma substantivos abstratos a denotar certo tipo de tendência. Para o Dicionário Aurélio, autista é aquele: 1) que sofre de autismo; 2) pessoa que guia automóvel. Para Wikipedia, autista é aquele "que possui um transtorno neurológico altamente variável, que aparece pela primeira vez durante a infância ou adolescência e geralmente segue um curso estável, sem remissão". Entram as falas de um antropólogo e de um historiador. Ambos tecem comentários sobre como era visto o fato de ser autista para as sociedades passadas . 1

Entra a fala de um neurologista e, depois, a de um psiquiatra. Os dois trazem, cada um na sua especialidade, a definição genérica de "autista" dentro dos moldes científicos. É provável que levantem as características ordenadas pelas teorias de Bleuler - este que, em 1911, cunhou, pela primeira vez, o termo da doença, como se esta fosse um segmento da esquizofrenia - e Kanner - este que desenvolveu melhor a teoria acerca do autismo infantil, em 1943, e que postulou que autista era aquele que apreciava "um isolamento extremo desde o início da vida e um desejo obsessivo pela preservação da mesmice" -; questões biológicas também poderão ser levantadas - visto que, antes,

Segundo entrevistas já realizadas, para os egípcios, o autista era um ser 1

venerado como os deuses e, para os inquisidores, na época da Caça às Bruxas, era considerado um demônio.

Page 13: O Canto das Pedras

2322

recorte de modo que o nome de Pedro não seja revelado,

escolhendo instantes em que as pessoas o chamem apenas pelo

pronome "ele".)

PEDRO, 14, de costas para a câmera, observa a vista da sacada de seu apartamento. CORTA PARA:

TATIANA (OFF) Qual é o seu nome?

Imagem de arquivo de Pedro, aos 9, dentro de um elevador a olhar para a câmera fixamente, mas sem responder. Entram os depoimentos de conhecidos falando sobre o menino. Materiais de arquivo de Pedro ilustram o que é dito. Nas imagens selecionadas, daremos preferência a momentos em que ele tente fugir da câmera, saia correndo, ou que esteja de costas para o que é filmado. Quando as entrevistas cessam, entra a seguinte imagem de arquivo: Pedro, 9, está deitado numa cama de casal ao lado de MARIA DO CARMO, 42, sua mãe.

BARULHO DE FITA REBOBINADA.

TATIANA (OFF) Qual é o seu nome?

Pedro faz manha e se vira para o outro lado da cama, ficando de costas para o que é filmado. A imagem é congelada.

PEDRO (OFF) Pedro Santos Cantalejo.

SEQUÊNCIA III - O QUE PEDRO DIZ

Duração estimada: 7 min. (No bloco final, tem-se um esvaziamento narrativo. Se antes,

nos dois primeiros, tínhamos uma grande concentração de

falas e informações sobre a palavra "autista"e sobre quem é

Pedro na visão dos outros, aqui o que se tem é ele falando

por si e nós, enquanto cineastas, mostrando uma

acreditava-se, por uma série de fatores, que a mulher era a responsável por tornar o filho autista. Cada vez que entra a definição de um dos entrevistados, aproximamo-nos do rosto de uma das pessoas da fotografia - como se estivéssemos a identificar qual deles é o autista. As narrações se MESCLAM. Em dado momento, não se entende mais nada o que é dito, devido ao RUÍDO promovido pela junção de tantas informações simultâneas. SILÊNCIO.

TATIANA (V.O) Qual deles é você? (pausa) Alguns deles…

TELA PRETA.

TATIANA (V.O) e nenhum.

BARULHO DE OCEANO.

Entra o título: "O CANTO DAS PEDRAS".

SEQUÊNCIA II - O QUE DIZEM OS CONHECIDOS

Duração estimada: 5 min. (Neste bloco, a pergunta a ser respondida pelos

entrevistados é: "Quem é Pedro?".

Serão explorados depoimentos de três pessoas que, embora

próximas, não saibam definir direito quem ele é. Por mais

que tal mapeamento por vezes fuja, exploraremos, na fala

destas pessoas, características que o tornam, para além do

autismo, um ser humano peculiar.

Tentaremos extrair dos entrevistados histórias vividas com o

garoto que fujam do teor do esperado para um autista -

histórias que engendrem reações emocionais, como quando ele

chorou a morte de seu avô -; relatos que falem sobre suas

coleções - alguém que lhe deu uma das câmeras fotográficas

quebradas será entrevistado -, histórias acerca de músicas

que Pedro relaciona a pessoas, etc.

A intenção é a de que os depoimentos sejam rápidos, como se

este momento fosse apenas de transição. Faremos também um

Page 14: O Canto das Pedras

24 25

interpretação do que seria seu mundo.

O esvaziamento narrativo, junto a parte estética, emerge

para provocar a reflexão no espectador, a fim de que este

consiga melhor visualizar o personagem dentro de seu cerne e

entrar no jogo da fábula de sua visão.

Acreditamos que o "tudo" narrativo, presente nos dois

primeiros blocos do filme, e o "nada", presente neste último

bloco, tem importâncias iguais, pois ambos, ao se

contraporem, comunicam alguma coisa.

Na tela, trabalharemos bastante com os "silêncios" e com as

frases repetidas por Pedro. É principalmente nesta parte

que a linguagem poética ganha vida na parte visual ao

ilustrar e ressignificar o que Pedro disser.)

TELA PRETA.

Imagem da sala da casa de Pedro vazia.

TATIANA (V.O) Nenhum dos enquadramentos te alcança. Todos eles, mesmo sem

querer, te excluem.

Subsequente a essa fala, pretendemos usar imagens de manifestações da natureza, nas quais não seja possível ver direito o que nelas ocorre para além dos eventos - exemplos seriam: neblina, chuva, etc.

RUÍDO DE RÁDIO SENDO SINTONIZADO.

TATIANA (V.O) Pedro…

Imagem de arquivo de Pedro, aos 8, fugindo da câmera.

TATIANA (V.O) Pedro…

Imagem de arquivo de Pedro, aos 11, passando reto, sem olhar para a câmera.

recorte de modo que o nome de Pedro não seja revelado,

escolhendo instantes em que as pessoas o chamem apenas pelo

pronome "ele".)

PEDRO, 14, de costas para a câmera, observa a vista da sacada de seu apartamento. CORTA PARA:

TATIANA (OFF) Qual é o seu nome?

Imagem de arquivo de Pedro, aos 9, dentro de um elevador a olhar para a câmera fixamente, mas sem responder. Entram os depoimentos de conhecidos falando sobre o menino. Materiais de arquivo de Pedro ilustram o que é dito. Nas imagens selecionadas, daremos preferência a momentos em que ele tente fugir da câmera, saia correndo, ou que esteja de costas para o que é filmado. Quando as entrevistas cessam, entra a seguinte imagem de arquivo: Pedro, 9, está deitado numa cama de casal ao lado de MARIA DO CARMO, 42, sua mãe.

BARULHO DE FITA REBOBINADA.

TATIANA (OFF) Qual é o seu nome?

Pedro faz manha e se vira para o outro lado da cama, ficando de costas para o que é filmado. A imagem é congelada.

PEDRO (OFF) Pedro Santos Cantalejo.

SEQUÊNCIA III - O QUE PEDRO DIZ

Duração estimada: 7 min. (No bloco final, tem-se um esvaziamento narrativo. Se antes,

nos dois primeiros, tínhamos uma grande concentração de

falas e informações sobre a palavra "autista"e sobre quem é

Pedro na visão dos outros, aqui o que se tem é ele falando

por si e nós, enquanto cineastas, mostrando uma

Page 15: O Canto das Pedras

26 27

TATIANA (V.O) Pedro…

Imagem de Pedro, com 14, de costas para a câmera.

TATIANA (V.O) Essa história é sua.

Imagens-câmera filmadas por Pedro são projetadas. Tais planos tem um tempo contemplativo considerável. Aos poucos, entram as falas proferidas por Pedro e as imagens abstratas captadas pela equipe, que servirão de apoio para criar a linguagem poética frente ao que o personagem afirma. O filme terminará com fotografias tiradas por Pedro - imagens que serão realizadas por meio de uma das máquinas fotográficas a ser consertada, pertencentes à coleção do menino.

FIM.

interpretação do que seria seu mundo.

O esvaziamento narrativo, junto a parte estética, emerge

para provocar a reflexão no espectador, a fim de que este

consiga melhor visualizar o personagem dentro de seu cerne e

entrar no jogo da fábula de sua visão.

Acreditamos que o "tudo" narrativo, presente nos dois

primeiros blocos do filme, e o "nada", presente neste último

bloco, tem importâncias iguais, pois ambos, ao se

contraporem, comunicam alguma coisa.

Na tela, trabalharemos bastante com os "silêncios" e com as

frases repetidas por Pedro. É principalmente nesta parte

que a linguagem poética ganha vida na parte visual ao

ilustrar e ressignificar o que Pedro disser.)

TELA PRETA.

Imagem da sala da casa de Pedro vazia.

TATIANA (V.O) Nenhum dos enquadramentos te alcança. Todos eles, mesmo sem

querer, te excluem.

Subsequente a essa fala, pretendemos usar imagens de manifestações da natureza, nas quais não seja possível ver direito o que nelas ocorre para além dos eventos - exemplos seriam: neblina, chuva, etc.

RUÍDO DE RÁDIO SENDO SINTONIZADO.

TATIANA (V.O) Pedro…

Imagem de arquivo de Pedro, aos 8, fugindo da câmera.

TATIANA (V.O) Pedro…

Imagem de arquivo de Pedro, aos 11, passando reto, sem olhar para a câmera.

Page 16: O Canto das Pedras

28 29

Abaixo, seguem as características dos entrevistados - uma vez que as de Pedro já foram des-

critas -:

1. PERSONAGENS REAIS

1.1. Especialistas

Neurologistas e psiquiatras que expliquem, de modo genérico, o que, na visão cien-

tífica, é visto como ser autista. Acadêmicos – nestes, incluem-se historiadores, antropó-

logos e etimologistas – também serão entrevistados a fim de explicitar o que era consi-

derado ser autista segundo o processo histórico.

1.2. Pessoas próximas ao tema

Pais, mães e irmãos de autistas conhecidos de Pedro serão selecionados a fim de

deporem a respeito de experiências semelhantes às tidas com o menino.

A título de introdução, serão elucidadas as intenções estéticas do filme – nomeadas como

“proposta de documentário, eleição de objetos e abordagens”. Posteriormente, daremos a ver a

sugestão de estrutura formal do roteiro.

Observação: Por se tratar de um curta-metragem documental, há a possibilidade de algumas

ideias se solucionarem de maneiras outras, sem que percam a essência frente à duração máxima

do filme.

PROPOSTA DE DOCUMENTÁRIO, ELEIÇÃO DE OBJETOS E ABORDAGENS

A obra é montada a partir de um universo de narrativas orais promovidas por personagens

reais - (1) especialistas; (2) pessoas próximas ao tema eleito e (3) Pedro. A união das narrativas

se dá pelo som. O único personagem a aparecer é Pedro. A proposta, ao não mostrar os outros, é

gerar uma imersão no universo do menino.

2.4 Roteiro

Mariano, pai de Heitor, 8 anos

Sandra, mãe de Henrique Jr., 9 anos

Page 17: O Canto das Pedras

3130

3. MODALIDADES DOCUMENTAIS

3.1. Performática

Através do voice over de Tatiana, o lado performático da obra se revela. Questiona-

mentos da diretora em relação a quem é o irmão e processos de autorreflexão se farão

presentes. A modalidade performática, em “O Canto das Pedras”, serve para aliar o pú-

blico à visão de quem convive com a doença. Espera-se que o espectador, contagiado

pela visão de Tatiana, aceite o pacto narrativo por ela proposto e, com isso, tenha um

desejo maior por conhecer quem é Pedro.

3.2. Poética

Esta modalidade encontra lugar, pois, dado o fato de que não é possível assinalar

completamente o que Pedro pensa sobre o que acontece ao seu redor, resta-nos ape-

nas ter vagas impressões subjetivas. Em suma, pretende-se utilizar as afirmações que

ele fizer e traduzi-las em imagens sensoriais abertas ao entendimento.

Os três núcleos do filme se juntam devido ao voice over narrado por Tatiana, a ocasionar do

seguinte modo:

2. VOICE OVER

Ao longo das entrevistas, Tatiana tece comentários subjetivos. Sua voz no filme se

presta replicar o que for dito pelos entrevistados e reafirmar sutilmente a ideia do quão

pouco é sabido sobre Pedro para além do diagnóstico.

Seu voice over não se reportará ao público, mas ao próprio irmão, como se tentasse

estabelecer um diálogo com ele. A restrição física presente em Tatiana é uma escolha

tomada no propósito de, cuidadosamente, atribuir a Pedro maior visibilidade do que se

fosse posto, na imagem, junto a ela ou aos parentes..

Em acréscimo às narrativas orais, é preciso dizer que este filme perpassa, predominantemen-

te, por duas modalidades documentais - a performática e a poética.

“Elena” (SP/MG, 2012, 82’), de Petra Costa, opera neste mesmo tipo de voice over e trabalha numa chave performático-poética

“A Paixão de JL” (SP, 2014, 82’), de Carlos Nader, é uma influencia para a linguagem poética do filme

“A Paixão de JL” de Carlos Nader

Page 18: O Canto das Pedras

Tais fotografias serão trabalhadas no momento em que especialistas - primeiro mo-

mento do filme - relatarem quais são as características de um autista. Pode ser que, em

algumas destas fotos, não haja nenhum autista - se houver, este dado jamais será explí-

cito. A ideia conceitual é a de que, dentro do estereótipo, da generalização, é impossível

haver identificação ou representatividade imagética da doença.

4.2. Visão de mundo de Pedro

Como já foi mencionado, Pedro adora câmeras fotográficas. Para o filme, pretende-

se reativar uma de suas máquinas quebradas e deixar que ele tire algumas fotografias

mostrando seu ponto de vista - terceiro momento do filme.

Diante da modalidade poético-performática, podemos adentrar em objetos e abordagens mais

específicos acerca do roteiro:

4. FOTOGRAFIAS

O filme começa e termina: com fotografias. Estas, no entanto, partem de conceitos

bastante diferentes - representatividade; visão de mundo de Pedro - e estabelecem o

principal arco dramático-visual da generalização para a subjetivação de Pedro.

4.1. Representatividade

Os pais de Pedro provêm de famílias grandes - Maria do Carmo é a filha caçula

dentre nove irmãos; Antonio é também o mais novo dentre sete. Pretendemos, através

de uma pesquisa aprofundada, levantar fotografias antigas de outras famílias compos-

tas por uma quantidade considerável de indivíduos. A predileção é por fotos em que os

mesmos sejam, em sua maioria, crianças.

32 33

“Babás” (RJ, 2010, 22’), de Consuelo Lins, traz recortes de fotografias semelhantes aos almejados pelo direção

Imagem do curta “Babás”, da Consuelo Lins

Imagem do curta “Babás”, da Consuelo Lins

Page 19: O Canto das Pedras

34 35

6. VOZ OFF

As intervenções do voz off se apresentam nos materiais de arquivo. As falas ocor-

rem quando Tatiana, fora do enquadramento, filma e interage com seu irmão.

5. MATERIAL DE ARQUIVO

Imagens de arquivo de Pedro mais novo ilustrarão depoimentos dados pelas pes-

soas próximas ao tema – ou seja, segundo momento do filme. No material, a predileção

é por imagens em que Pedro fuja da câmera ou esteja de costas para o que é filmado.

O conceito destas imagens, quando atreladas ao depoimento, é o de que, por mais

que tenhamos uma relação próxima ao tema, só conhecemos Pedro por fora, superfi-

cialmente.

Pedro, 9, no elevador de seu prédio conver-sando com Tatiana, 2009

Page 20: O Canto das Pedras

3736

8. IMAGENS ABSTRATAS

A temática das imagens abstratas é variada: abrangerá desde objetos com os quais

Pedro se relaciona, até manifestações da natureza - como: neblina, chuva, etc. Deseja-

se realizar imagens que imprimam a deformação de nosso olhar quando nos colocamos

a interpretar a visão que Pedro tem do mundo.

Planos com pouca profundidade de campo, objetos fora de foco e obturador aberto

- a produzir imagens borradas - são algumas das opções estéticas. Tentaremos repro-

duzir sua perspectiva também com imagens que engendrem cores vívidas e contrastan-

tes - uma vez que ele relaciona tudo ao seu redor a cores.

O importante, neste tipo de imagem, é que, dentro de suas devidas abstrações,

consiga-se conduzir o espectador às sensações exigidas pelo que é dito por Pedro – ou

seja, terceiro momento do filme.

7. IMAGEM-CÂMERA

Uma câmera será colocada nas mãos de Pedro numa tentativa de (re)produzir sua

visão de mundo – o terceiro momento do filme. Alguns experimentos já foram realizados.

Pedro não consegue filmar por muito tempo coisa alguma. Imagens e movimentos de

câmera que conotam o abstrato.

Explorando cada contexto específico, as imagens pouco convencionais de Pedro

justificarão a condição de impossibilidade para retratação objetiva da realidade de seu

olhar e, apesar de tudo, a necessidade de inventar-se condições de possibilidade para

crítica do real.

Page 21: O Canto das Pedras

3938

Além do voice over, é necessário dizer que a intersecção da obra se deve, em termos de mon-

tagem, à repetição de falas e imagens.

9. REPETIÇÕES

As repetições ocorrem como representação da ecolalia – mania de repetição de fra-

ses - presente em Pedro. Tais repetições, no entanto, não ocorrem aleatoriamente, mas

em pontos específicos da narrativa – como será apontado mais adiante na sugestão de

estrutura. A intenção é gerar expectativa no espectador por conhecer a quem Tatiana e

pessoas próximas ao tema se referem antes mesmo dele se dirigir ao público.

Page 22: O Canto das Pedras

41

“O Canto das Pedras” propõe uma busca pela desconstrução tanto do olhar do cineasta que

projeta imagens e sons, como do espectador sobre os quais a projeção reflete e refrata, numa

longa tentativa que se presta à investigação e compreensão de um mundo outro cuja linguagem

recusa reiterar o eterno retorno do idêntico, mas o registro discursivo da Diferença – o do mundo

diagnosticado autista.

A obra opera uma constatação formal de um lugar documental no qual tentamos sem sucesso

forçar uma aproximação, retratar ou reter esse Outro em sua totalidade enquanto indivíduo. Desta

maneira, efetiva-se também um efeito de estilhaçar as modalidades documentais, pois, a cada

vez que passamos para uma próxima camada estrutural do filme, chegamos à conclusão de que

a anterior não conseguiu engendrar o sujeito que ela encerrava. Em outras palavras, no módulo

pertencente aos especialistas, começamos na modalidade documental expositiva, esta que se faz

já conhecida pela Voz do Saber e pela existência de uma generalização nos moldes sociológicos.

Passamos, em seguida, ao módulo pertencente às pessoas que convivem com autismo – para a

modalidade documental participativa, isto é, aquela em que se reconhece o aparato cinemato-

3.1 Conceito de Direção

3 D

ireç

ão

Page 23: O Canto das Pedras

4342

insistente de associar cores a objetos, tanto no material de arquivo quanto às imagens por ele pro-

duzidas. Para gerar a poesia do filme, daremos ênfase ao deslocamento das imagens antigas de

modo que estas conversem esteticamente com as novas por meio de cores que saltem aos olhos

antes mesmo da forma administrada pelos objetos.

No que se refere às imagens pretendemos também levantar um conceito que provoca opiniões

controversas em especialistas: o de que o meio seria um dos possíveis causadores do autismo.

Para tanto, filmaremos em locações que enalteçam não só o ambiente em que Pedro vive, mas

aqueles em que às vezes está circunscrito – como escola, cidade, casa etc. Para outras finalida-

des, traremos à tona um universo imagético cheio de contrastes e granulações a justificarem a

ideia de um olhar irrepresentável.

Acima de tudo, o filme se conecta por meio de narrativas orais. Para além delas, dentro do

áudio identifica-se não um som ambiente equivalente à imagem, mas um som que destaca os ele-

mentos em que Pedro fixa sua atenção – quase como uma sinestesia que denota, pela coloração,

gráfico e a subjetividade das personagens. Assim, no módulo pertencente a Pedro, encontramos

a modalidade documental poética, lugar onde reconhecemos a palavra como algo que encontra

limites em seu valor racional e ganha outros significados na linguagem de Pedro.

Imageticamente, a desconstrução do olhar evidencia, num primeiro momento, o ponto de vista

de Tatiana – visão repleta de angústia, confusão mental e tentativa por entender quem é seu irmão

dentro de tudo o que dizem sobre ele e do que ela mesma pensa a respeito de Pedro. A pers-

pectiva de Tatiana ganha tom ao acessar as memórias afetivas do espectador por meio de planos

que – embora reconheça-se certa beleza – causam o estranhamento de um sonho ou de memórias

antigas demais para serem lembradas com clareza e tranquilidade. Os planos contemplam ma-

nifestações da natureza ao passo que dilatam o tempo, investigam e decompõem o movimento.

Trata-se de imagens cheias de fluidez de efeito onírico que pensamos ser o olhar de um autista, ou

melhor, de um autista específico. Pedro.

Ao assumirmos o ponto de vista do menino, num segundo momento, relacionamos sua mania

Page 24: O Canto das Pedras

4544

a calmaria de seu isolamento em relação ao mundo. Diz-se que os autistas possuem uma sensi-

bilidade auditiva acentuada - alguns até o ouvido absoluto. Pedro também a possui. Sua memória

auditiva é curiosa, visto que costuma associar músicas a pessoas. Procuraremos evidenciá-la

sempre que possível.

A força audiovisual possuída pela obra mora na imersão no olhar do Outro - este que tenta ser

alcançado por meio de sobreposições, desconexão entre o que é dito e mostrado, manipulação

das imagens e repetições narrativas que se dão por meio de planos ou áudios a voltarem de ma-

neiras diferentes sob o regime da representação de uma mania ocasionada a Pedro – e este é o

conceito que amarra e norteia o todo.

45

A obra é constituída por entrevistas com atores de dois segmentos: (1) os atores sociais, isto

é, aqueles compostos por personagens reais; (2) os atores profissionais.

1. Atores Sociais

Entrevistas com pais, mães e irmãs de autistas conhecidos da família de Pedro estão em pau-

ta. Nelas, experiências semelhantes às tidas com o menino serão enaltecidas - como a gestação,

os primeiros indícios da doença, etc. Todos os entrevistados receberão carta branca a não terem

compromisso com a verdade e a reproduzirem, numa espécie de mockumentary, algumas das

memórias pertencentes à família de Pedro.

A ideia é criar uma teia de lembranças comuns às pessoas que convivem com o autismo e

camuflá-las como se todas fossem à respeito de Pedro.

2. Atores Profissionais

Os atores do filme se prestarão a representar os depoimentos dos pais de Tatiana uma vez

que estes lhe pediram para não aparecer fisicamente na obra. Assim sendo, entrevistaremos e

3.2 entrevistas

Silvia, mãe de Tom, 6 anos

Page 25: O Canto das Pedras

4646

repassaremos o material aos atores escolhidos. Os pais de Tatiana também acharam interessante

serem representados por atores de diferentes etnias, afim de mostrar-se que Pedro e este tipo de

problema poderiam nascer em qualquer família. Optaremos por uma abordagem naturalista, pre-

tendendo atingir um nível ilusório de verdade para com espectador, que tomará aquelas pessoas

como autoras da experiência que descrevem.

A desapropriação empreendida pelo ator, isto é, o processo de retirar do “Eu” aquilo que lhe

é próprio, joga sombra sobre a noção moderna de sujeito e, por extensão, a própria noção de in-

divíduo. O que resta de um discurso que atesta a centralidade da experiência vivida como critério

legítimo quando essa centralidade é deslocada? De uma relação que não se limita apenas a tomar

as partes como sujeitos ou indivíduos, o que sobra? J.L. Comolli escreveu que, no cinema de do-

cumentário, filmar é, antes de tudo, filmar relações, “sobretudo aquelas que faltam”.

47

Page 26: O Canto das Pedras

4 D

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e

49

A fotografia tem o papel de dialogar concisamente entre uma estética experimental a partir do

conteúdo da obra, formando-se sobre um tripé conceitual para que a imagem consiga contagiar o

espectador. São eles:

(1) Aproximarmo-nos, não da visão de Pedro, mas de suas impressões e sensibilidade perante

o mundo que o rodeia.

(2) Reforçar a distorção de nosso olhar impreciso perante o tema;

(3) Traçar uma conexão entre os elementos discutidos no filme e as próprias técnicas utiliza-

das na câmera - com a finalidade de criarmos uma analogia entre a forma e conteúdo;

É importante ressaltar que tais conceitos acompanharão um processo de depuração, como a

própria estrutura da obra sugere, precipitado da seguinte maneira na fotografia:

4.1 Conceito de direção de Fotograf ia

foto

gra

fia

Page 27: O Canto das Pedras

50

1º BLOCO DO FILME

Consiste na captação de filmagens de projeções das fotos still de grandes famílias. A escolha

pela filmagem de uma projeção se justifica pela tentativa de uma aproximação a um simulacro, no

sentido de evidenciar um estereótipo autista. Elementos como a super-exposição de luz e o des-

foque serão também utilizados nas filmagens dessas fotos, dando e tirando a ênfase dos rostos

nelas presentes.

2º BLOCO DO FILME

Se no primeiro bloco havia uma desconexão entre imagem e depoimento, aqui haverá uma

certa aproximação, ainda sem um devido encontro entre eles. Neste momento, a atuação da fo-

tografia não é apenas utilizar as imagens de arquivo, mas deslocá-las de seu real sentido ao criar

sobreposições cheias de cor e fluidez, como se estivéssemos a adentrar, aos poucos, na perspec-

tiva de como Pedro é enxergado por conhecidos e de quem é ele de fato. Para tanto, filmaremos

paisagens que gerem composições interessantes quando aderidas às imagens pré-existentes de

Pedro.

Ensaio fotográfico “Mapas”, de Flavya Mutram

51

3º BLOCO DO FILME

Tentaremos sublimar a distância entre Pedro e a câmera, para que seja possível ao espectador

adentrar no mundo do personagem. O intuito, aqui, não é a busca por sua visão de mundo, mas

por suas impressões e sentidos acerca do mesmo. Seguindo estes parâmetros, a cor e o contraste

ganharão maior evidência junto ao uso de ruídos imagéticos - tais como: distorção, super-exposi-

ção, sobreposição, desfoque, etc -, que servem para justificar a dificuldade e tentativa de Tatiana

para acessar o mundo de seu irmão.

Série “Ensaio para a loucura”, de Gui Mohalem

Page 28: O Canto das Pedras

52

Stills e imagens em movimento realizados pela equipe serão colocados à disposição de Pedro

- a fim de que ele dê um retorno a maneira que lhe convir. Assim, a equipe tentará reproduzir as

impressões de seu feedback: colorir conforme a cor indicada por ele, justapor imagens que Pedro

assimilar, enfim, tentar recriar qualquer impressão ou gesto que Pedro possa ter com as imagens

dadas a ele.

Série fotográfica “Rostos”, de Cássio Vasconcellos

Por outro lado, a equipe trabalhará sobre as imagens que o próprio capturar. Este é o momento

em que o maior número de experimentações técnicas ocorre a fim de retratar, com a maior fideli-

dade possível, as impressões tidas por Pedro.

Será, portanto, proposto ao menino: (1) tirar fotos - estas cujas cores serão alteradas em pós

produção, quiçá num processo de Cianotipia1 -, (2) mostrar imagens captadas pela equipe - tanto

as ruidosas, como as mais realistas, de maneira a percebermos qual capta mais sua atenção. Atra-

vés destes meios, nosso intento é chegar a uma co-produção de imagens entre Pedro e o filme,

chegar em uma aproximação sensorial de seu mundo, em forma e conteúdo que não seria possível

sem a participação ativa da equipe de filmagem e, sobretudo, do próprio menino.

1 Cianotipia, ou Cianótipo, é um processo de impressão fotográfica em tons azuis, que produz uma imagem em ciano, descoberto em 1842 pelo cientista inglês e astrônomo Sir John Herschel. Usado principalmente como processo de baixo custo para copiar desenhos e diagramas durante os séculos XIX e XX, também é usado para reproduzir fo-tografias. O processo era utilizado por engenheiros até o século 20 como um processo simples e de baixo custo para produzir cópias de projetos, conhecidos como blueprints. O processo utiliza dois produtos químicos: Citrato de amônio e ferro (III) e ferricianeto de potássio.

53

Série em cianotipia “O espírito dos sais” de Denis Nicola

Page 29: O Canto das Pedras

54 Referências próprias, de Frico Guimarães

As referências remetem, principalmente, ao uso do elemento poético no filme, uma vez que os

primeiros dois blocos serão uma reutilização de imagens de arquivo. No entanto, tais “ruídos” se-

rão inseridos em ambas as partes com intensidades diferentes. A pesquisa proposta nas imagens

anexadas busca estabelecer a atmosfera que o Departamento de Foto se põe a retratar.

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Page 30: O Canto das Pedras

5 D

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e

57

“O Canto das Pedras”, tem como objetivo estético retratar a experiência do olhar de Pedro, um

jovem autista, através da linguagem subjetiva e poética. Este é um olhar desconhecido para nós,

que lidamos com as imagens do mundo de maneira objetiva, linear e literal.

Dessa forma, é através do estranhamento em relação a obra - e principalmente com relação a

arte - que tentaremos essa aproximação com esse mundo Outro. A percepção de Pedro frente o

mundo a sua volta, o entendimento ou desencaixe da visão macro dos ambientes e pessoas que

se relacionam com ele e o entendimento para com as imagens que o circundam, serão alguns dos

aspectos trabalhados conceitualmente. Isso por meio da manipulação estética e escolhas visuais

- tais como: ressaltar as cores bem saturadas, evidenciar o recorte da imagem como enquadra-

mento e a sua fragmentação, ou seja, atrelar tudo isso aos diversos ruídos e camadas subjetivas

do personagem. Sua compreensão imagética é o que tentaremos retratar. A pretensão é a apro-

priação dos ruídos como escolha estética para que haja a quebra da linearidade de interpretação

com qual nos habituados no papel de espectadores. Distanciaremo-nos, o máximo possível, de

uma leitura convencional.

5.1 Conceito de Direção de Arte

Arte

Page 31: O Canto das Pedras

58

Elegemos alguns desses recursos imagéticos também como forma de homogeneização entre

os diferentes momentos da narrativa - numa tentativa de criar identidade para a obra.

1. RUÍDOS IMAGÉTICOS

Alguns dos ruídos que destacamos mais interessantes para criar essa identidade visual em um

primeiro momento são: saturação das cores, distorção das formas e recorte nos enquadramentos.

2. CORES

As cores tem uma importância crucial no filme. Isso porque, como nos propusemos a fazer um

filme onde a tentativa é alcançar esse protagonista e a sua relação com o mundo, o filme busca

ter um cuidado diferenciado com a saturação. O gesto de enaltecer cores visa gerar sutilezas de

modo a acessar o que há de mais sentimental, pois, no caso de Pedro, a identificação e associa-

ção das cores junto às emoções é essencial. Elas são, para ele, uma porta de acesso à sua memó-

ria, sua percepção e também sua identificação com o mundo que o rodeia.

A escolha por cores acentuadas estará presente em praticamente todos o momentos do filme

Luis Braga - utiliza sempre cores fortes e vibrantes.

Guy Veloso - a cor se impõem, evidencia matizes.

59

- exceto no terceiro, este no qual Pedro irá ter uma câmera em suas mãos e então, não poderemos

prever o resultado. Desta forma, as decisões estéticas desta parte terão que ser feitas após as

filmagens junto a equipe de direção.

Um exemplo onde Pedro mostra sua relação particular com as cores foi quando pequeno,

ganhou um celular quebrado rosa, o que não lhe proporcionou uma boa experiência. Após esse

episódio, sempre que algo não lhe agrada, diz repetidamente: “celular rosa”.

Comumente, a identificação primeira de Pedro com relação ao mundo vem mediado a sua

relação com a cor do objeto/pessoa.

Cassio Vasconcellos – série “Rostos” 1990

Page 32: O Canto das Pedras

60

3. DISTORÇÕES

Outro recurso apropriado é o de distorção das imagens, local onde a forma não tem suas li-

nhas contrastadas com o ambiente. Essas linhas são espaçadas e difusas com o espaço, gerando

uma dificuldade de identificação objetiva da pessoa e/ou objeto filmado. A característica permeará

o filme todo, exceto no terceiro momento, como o que fora explicado no item acima.

Sem titulo, Série Mapas de Rorschach, 2011Flavya Mutran – ênfase na individualidade (esta que aparece distorcida e única)Uma pequena amostra, breve exposição, não se tem o todo identificável.

Ernst Hass Cassio Vasconcellos, série Rostos, 1990

61

4. RECORTES

As imagens serão, por vezes, recortadas em enquadramentos fragmentados. Entendendo um

pouco mais sobre autismo e sobre Pedro, descobrimos que ele tem uma análise das coisas por

meio de recortes, sem uma visão do macro. No filme, buscaremos isso através de enquadramentos

recortados, sem uma compreensão da totalidade da cena.

Este é um filme de grande peso visual. Com uma estética, marcante e própria, por surgir de

um imaginário poético que se atrela a manifestações sensíveis de interpretações do que olhos de

Pedro veem, o que pretendemos é construir uma experiência visual com propriedade e cuidado.

Desejamos, sobretudo, gerar um mundo visto de uma forma sublime, misteriosamente belo, que

atraia olhares curiosos e encantados por esse assunto tão desconhecido.

Page 33: O Canto das Pedras

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5. ENTREVISTAS SEGUNDO A DIREÇÃO DE ARTE

Surgiu a necessidade de uma terceira câmera na hora das entrevistas ; uma câmera não

interessada na informação oferecida pelo entrevistado, mas em detalhes do entrevistado. Essa

terceira câmera é um extra, para se captar particularidades, um olhar recortado, um olhar que não

seja o nosso padrão, com enquadramentos perfeitos, pensados, mas um olhar leve que percorre

pelo entrevistado, parando em coisas que chamam atenção só por chamar quando observamos

alguém de longe. Talvez, esse olhar possa ser de uma criança autista.

Talvez essa câmera sirva só como pesquisa e nos forneça material de estudo para criarmos

as distorções posteriormente.

“PERRO” (ES, 2010, 6’), de Cris Rojas

Sequência umFotografias

63

5.2 Quadro Geral Conceitual da Arte

Page 34: O Canto das Pedras

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Sequência doisSobre Pedroe familia

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Sequência trêsAbstrações

Page 35: O Canto das Pedras