o cânon do novo testamento foi escolhido no concílio niceno

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O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO FOI ESCOLHIDO NO CONCÍLIO NICENO? Noutro dia, tomando para ler novamente uma antiga edição da Superinteressante, "Os Maiores Mistérios dos Livros Sagrados", Julho, 2008, Editora Abril, deparei-me, na página 37, com as seguintes declarações: "As igrejas maiores e mais influentes tentavam impor seus textos, o que as menores não aceitavam. (...) A peleja continuou até o século 4, quando tudo indicava que o cristianismo apostólico iria prevalecer sobre os outros cristianismos. (...) Foi quando o imperador de Roma, Constantino, entrou em cena e interveio no impasse. (...) Os cristãos deixaram de ser perseguidos em 313 e apenas 12 anos depois seus bispos foram convocados para o Concílio de Nicéia, primeiro passo dado para a criação do Novo Testamento. (...) os evangelhos de Marcos, Lucas, Mateus e João foram escolhidos (...) por uma razão muito simples: expressavam a visão dominante na Igreja. E todos os demais foram considerados apócrifos, falsos e perigosos para o estabelecimento do novo livro." Não precisamos nos esforçar muito para perceber alguns dos vários erros históricos contidos nessas alegações da Super, mas, ainda assim, há muita gente que acredita nessa história e que tem tal revista como uma fonte de autoridade no assunto, por isso é importante trabalhamos a questão com alguma profundidade. Comecemos com algumas perguntas, que nortearão o estudo que segue: - Existiam mesmo vários cristianismos no início da Era Cristã? - Foi no Concílio de Nicéia que se iniciou a criação do Novo Testamento e a seleção do seu cânon? - O motivo que determinou a escolha dos livros que hoje compõem o Novo Testamento estava em sua afinidade com a visão teológica dos bispos comandados por Constantino? - O principal motivo para a rejeição de diversos livros foi o seu potencial de atrapalhar os negócios do imperador? 1 - Existiam mesmo vários cristianismos no início da Era Cristã? Vamos às evidências arqueológicas: o que temos de mais antigo em termos de cristianismo é o cristianismo apostólico. A confecção dos apócrifos, que vieram a sustentar doutrinas heréticas, é posterior à conclusão do Novo Testamento e há uma porção considerável de livros neotestamentários mais antigos do que qualquer manuscrito ou artefato que indique a existência de "outros cristianismos" - na

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Bibliografia , história da igreja.História do canon

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O CNON DO NOVO TESTAMENTO FOI ESCOLHIDO NO CONCLIO NICENO?

Noutro dia, tomando para ler novamente uma antiga edio da Superinteressante, "Os Maiores Mistrios dos Livros Sagrados", Julho, 2008, Editora Abril, deparei-me, na pgina 37, com as seguintes declaraes: "As igrejas maiores e mais influentes tentavam impor seus textos, o que as menores no aceitavam. (...) A peleja continuou at o sculo 4, quando tudo indicava que o cristianismo apostlico iria prevalecer sobre os outros cristianismos. (...) Foi quando o imperador de Roma, Constantino, entrou em cena e interveio no impasse. (...) Os cristos deixaram de ser perseguidos em 313 e apenas 12 anos depois seus bispos foram convocados para o Conclio de Nicia, primeiro passo dado para a criao do Novo Testamento. (...) os evangelhos de Marcos, Lucas, Mateus e Joo foram escolhidos (...) por uma razo muito simples: expressavam a viso dominante na Igreja. E todos os demais foram considerados apcrifos, falsos e perigosos para o estabelecimento do novo livro." No precisamos nos esforar muito para perceber alguns dos vrios erros histricos contidos nessas alegaes da Super, mas, ainda assim, h muita gente que acredita nessa histria e que tem tal revista como uma fonte de autoridade no assunto, por isso importante trabalhamos a questo com alguma profundidade. Comecemos com algumas perguntas, que nortearo o estudo que segue: - Existiam mesmo vrios cristianismos no incio da Era Crist? - Foi no Conclio de Nicia que se iniciou a criao do Novo Testamento e a seleo do seu cnon? - O motivo que determinou a escolha dos livros que hoje compem o Novo Testamento estava em sua afinidade com a viso teolgica dos bispos comandados por Constantino? - O principal motivo para a rejeio de diversos livros foi o seu potencial de atrapalhar os negcios do imperador? 1 - Existiam mesmo vrios cristianismos no incio da Era Crist? Vamos s evidncias arqueolgicas: o que temos de mais antigo em termos de cristianismo o cristianismo apostlico. A confeco dos apcrifos, que vieram a sustentar doutrinas herticas, posterior concluso do Novo Testamento e h uma poro considervel de livros neotestamentrios mais antigos do que qualquer manuscrito ou artefato que indique a existncia de "outros cristianismos" - na verdade, as mais antigas referncias ao principiar de movimentos herticos esto no prprio Novo Testamento, como o proto-gnosticismo que aparece na Primeira Epstola de Joo e o cristianismo judaizante que aparece em Atos e nalgumas epstolas paulinas. Mas nenhum deles precede o cristianismo apostlico. Como j dito h um bom tempo: a Bblia a raiz de todas as heresias, e no o contrrio. Vamos aos fatos: - H quatro fragmentos do evangelho de Marcos que datam, no mximo, da dcada de 50 d.C., contendo os trechos: 4:28, 6:48, 6:52-53 e 12:17. H tambm um fragmento de Atos (27:38) datado da dcada de 60 d.C.; um de Romanos (5:11-12) da dcada de 70 d.C.; um de 1 Timteo (3:16; 4:1-3), da dcada de 70 d.C.; um de 2 Pedro (1:15) da dcada de 70 d.C.; e um de Tiago (1:23-24), tambm da dcada de 70 d.C. Todos esses fragmentos de manuscrito foram encontrados nas cavernas de Qumran, nas proximidades do Mar Morto, obstrudas e abandonadas na dcada de 70 d.C. Fonte: Por Que Confiar na Bblia?, Amy Orr-Ewing, Ultimato, 2008, pg 49. - H um manuscrito do Evangelho de Joo (18:31-33 e 37 e 38), o Papiro John Rylands, datado do ano 125 d.C. Considerando que o Evangelho de Joo foi escrito em feso e que tal manuscrito foi desvendado no Egito, devemos esperar, pelo menos, uns vinte anos entre a confeco do original e o espalhar de cpias at terras to distantes, indicando que esse documento pode ter sido redigido partindo do prprio autgrafo de Joo. H ainda outros papiros de grande antiguidade: o Papiro Chester Beatty I, contendo 30 folhas (originalmente 220) e abrangendo partes de Mateus, Marcos, Lucas, Joo e Atos, datado do incio do sculo III; o Papiro Chester Beatty II, contendo 86 folhas (originalmente 104), abrangendo partes de Romanos, Hebreus, 1 e 2 Corntios, Efsios, Glatas, Filipenses, Colossenses e 1 e 2 Tessalonicenses, datado do final do sculo II ou incio do sculo III; o Papiro Bodmer II abrange todo o Evangelho de Joo, especialmente os captulos 1 a 14, que ocupam 104 folhas, com fragmentos dos captulos 15 a 21 em outras 46, e datado do final do sculo II ou do incio do sculo III. Fonte: Crtica Textual do Novo Testamento, Wilson Paroschi, Vida Nova, 2008, pgs 44-46. - Segundo Amy Orr-Ewing, com os manuscritos datados de 180-225 d.C., como o Papiro Chester Beatty e o Papiro Bodmer II, XIV e XV, possvel reconstruir de forma completa os Evangelhos de Lucas e Joo, os livros de Romanos, 1 e 2 Corntios, Glatas, Efsios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, Hebreus, parte dos Evangelhos de Mateus e Marcos e parte dos livros de Atos e Apocalipse. Fonte:Por Que Confiar na Bblia?, Amy Orr-Ewing, Ultimato, 2008, pg 44. - Temos algo entre 10 e 15 manuscritos neotestamentrios que foram escritos nos primeiros cem anos aps a concluso do Novo Testamento, abrangendo grandes trechos dos Evangelhos e das cartas de Paulo. Em dois sculos, o nmero aumenta para cerca de quarenta ou mais manuscritos. At antes do ano 400 d.C., temos em mos 99 manuscritos neotestamentrios, incluindo o Novo Testamento completo encontrado no Cdice Sinatico. H algo entre 20 e 25 mil manuscritos antigos do Novo Testamento e cerca de um milho de citaes do Novo Testamento da parte dos Pais da Igreja - s com elas possvel reconstruir todo o texto neotestamentrio. Fonte: Origem, Confiabilidade e Significado da Bblia, organizado por Wayne Grudem, C. John Collins e Thomas R. Schreiner, Vida Nova, 2013, Captulo 12 por Daniel B. Wallace, pg113. - O manuscrito antigo mais importante do Novo Testamento datado de 300 anos aps o texto original, mas h dois papiros importantes que esto 100 anos perto do autgrafo. Segundo John Blanchard, o Papiro John Rylands pode ser datado entre 117 e 138 d.C. Alm disso, h trs fragmentos de papiro guardados em Oxford que foram datados como sendo do terceiro quarto do primeiro sculo. Fonte: Por que Acreditar na Bblia?, John Blanchard, Fiel, 2006, pg 9. - A epstola de Clemente aos corntios (95 d.C.) cita os Evangelhos, Atos, Romanos, 1 Corntios, Efsios, Tito, Hebreus e 1 Pedro; as cartas de Incio (115 d.C.) citam Mateus, Joo, Romanos, 1 e 2 Corntios, Glatas, Efsios, Filipenses, 1 e 2 Timteo e Tito. Fonte: Por Que Confiar na Bblia?, Amy Orr-Ewing, Ultimato, 2008, pg 45. - As epstolas de Clemente, Incio e Policarpo, datadas de 95 a 110 (ou 115) d.C., citam 25 dos 27 livros do Novo Testamento. Somente Judas e 2 Joo no foram citados, mas j haviam sido escritas, pois Judas era familiar de Jesus e 3 Joo foi escrita depois de 2 Joo. Fonte: No Tenho F Suficiente Para Ser Ateus, Norman Geisler e Frank Turek, Vida, 2012, pg 241. - Existem cerca de 75 fragmentos de papiro datados desde 135 d.C. at o sculo VIII, contendo partes de 25 dos 27 livros do novo Testamento, totalizando 40% do texto. Fonte: A Bblia de Estudo Anotada Expandida, Mundo Cristo, 2007, pg 1302. Somente com as epstolas paulinas, escritas at pouco depois da segunda metade da dcada de 60 d.C., possvel fundamentar toda a teologia crist ortodoxa, incluindo a divindade de Cristo e a existncia da Trindade. As interpretaes herticas vieram desses textos originais. Leia mais sobre o assunto: A Magnfica Histria da Vida e da Obra de Paulo;Os Mais Antigos Testemunhos do Novo Testamento;As Fontes Documentais do Novo Testamento. A datao dos apcrifos: - O Evangelho de Maria Madalena: sculo II d.C.. - O Evangelho de Pedro: sculo II d.C. - O Evangelho dos egpcios: segunda metade do sculo II d.C. - O Evangelho de Filipe: a partir de 120 d.C. - O Evangelho de Bartolomeu: entre os sculos II e III d.C. - O Evangelho de Tom, o Ddimo: sculo III d.C. Fonte: Bblia Apologtica com Apcrifos, ICP, 2014, pgs 860-862. Com base nas evidncias at aqui levantadas, podemos constatar que os documentos cannicos do Novo Testamento, em sua grande maioria, encontram respaldo arqueolgico para sua proeminncia por sobre os apcrifos, indicando constiturem a primeira percepo completa do cristianismo. claro que interpretaes errneas de alguns aspectos da f crist podem ter surgido ainda no perodo apostlico, mas no podemos dizer que j existiam "diferentes cristianismos" nesse perodo, cosmovises crists singulares e coesas para alm da principal. Alm disso, tais interpretaes se limitavam a indivduos e pequenos grupos, geralmente se isolando em comunidades especficas, o que destoa totalmente da viso genuna da f crist, extrada diretamente das obras apostlicas, que era crida pela grande maioria dos cristos de todas as regies onde havia presena crist. E isso no foi imposio dos apstolos, de forma alguma: a Igreja, no incio da Era Crist, no tinha fora poltica, econmica e numrica para impor qualquer coisa, tanto que, num primeiro momento, no conseguiu impedir que grupos minoritrios disseminassem heresias. Se havia a proeminncia de uma viso crist, a mais antiga, porque a maioria dos cristos concordava livre e sinceramente com a autoridade e o testemunho dos apstolos e porque muitos dos primeiros missionrios cristos foram testemunhas oculares do ministrio de Cristo, sabendo com clareza aquilo que Jesus realmente disse e quem Ele foi. Repare que os fragmentos mais antigos que temos, de Marcos, Joo, Atos, Romanos e doutras epstolas de Paulo, de Pedro e de Tiago, alm de outros autores neotestamentrios, sustentam basicamente todo o Novo Testamento: em Marcos possvel encontrar o essencial sobre Cristo, incluindo aluses Sua divindade, assim como nas obras de Paulo, que concentram o fundamental da teologia crist. Mas no texto de Joo que encontramos aquilo que de mais profundo h em termos de cristologia, com indicaes diretas da eternidade e da divindade de Cristo. Tambm interessante notar que h uma comunicao entre os autores de alguns desses documentos, como ocorre quando Pedro considera os escritos paulinos como "escritura", ou seja, como "divinamente inspirados" (2 Pedro 3:16). Alm disso, h evidncias clarssimas de que Mateus e Lucas utilizaram Marcos como base para a confeco de seus evangelhos, o que evidencia uma concordncia de testemunho entre os evangelistas mais antigos, destoando daquilo que aparece nos apcrifos, posteriores e mais mticos. H uma inquestionvel unanimidade de pensamento entre - e exclusivamente - os documentos neotestamentrios tidos como cannicos. Ao ler o artigo "Uma Anlise das Evidncias Extra-Bblicas sobre Jesus", perceba como os testemunhos pagos e judaicos acerca de Cristo geralmente apontam para aspectos da viso ortodoxa acerca de Cristo, como, por exemplo, a Sua vinda em carne e a Sua morte na Cruz, a Sua ressurreio dos mortos, a Sua sabedoria, o fato de realizar sinais e milagres e o fato de Seus discpulos o considerarem salvador e Deus. Esses antiqussimos testemunhos nos ajudam a interceptar a viso mais antiga e disseminada de cristianismo no incio da Era Crist, de modo a ser a mais bem, ou talvez a nica, conhecida pelos no cristos. Esses relatos no concordam com as perspectivas herticas que ganharam fora do sculo II em diante. 2 - Foi no Conclio de Nicia que se iniciou a criao do Novo Testamento e a seleo do seu cnon? Depois de trabalhado o assunto do tpico anterior, a resposta para essa pergunta bvia. claro que o Novo Testamento j estava devidamente estabelecido e consolidado antes do Conclio Niceno, havendo evidente e especial interesse da parte dos cristos para com os livros considerados cannicos. interessante perceber que NO FOI no Conclio Niceno que a configurao atual do cnon neotestamentrio comeou a ser cogitada, segundo os interesses de Constantino - esse era um debate de sculos, dos tempos nos quais a Igreja no tinha poder poltico e numrico para impor qualquer coisa tanto a hereges quanto a pagos. A verdade que no foi nem no Conclio Niceno que os 27 livros do cnon Novo Testamento foram oficializados, mas no Conclio de Cartago, em 397 d.C., sem a tutela de Constantino. S que isso no significa que j no havia uma discusso anterior sobre o assunto. A diferena que nos primeiros conclios a Igreja no estava mais sendo perseguida, podendo reunir-se com tempo e em grupos numerosos de discusso, alm disso, nesses conclios o que se fez foi apenas oficializar o conjunto dos livros neotestamentrios, no significando que esses livros no tenham sido reconhecidos como cannicos separadamente antes desses grandes encontros (2 Pe 3:16; 1 Tm 5:18). O fato que a maioria dos livros do Novo Testamento foi aceita como cannica no sculo posterior ao dos apstolos - houve alguma controvrsia quanto aos livros Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 Joo e Judas. A seleo do cnon foi um processo que continuou por sculos at que cada livro provasse seu valor, concordando com os critrios de autenticidade, que so: - Se o livro foi escrito ou influenciado por algum apstolo. - Se o livro desse uma prova intrnseca de seu carter peculiar, inspirado e aprovado por Deus. O material deveria apresentar algo diferente de qualquer outro livro ao transmitir a revelao de Deus. - O consenso entre as igrejas. O livro deveria ser reconhecido e utilizado pela grande maioria das igrejas crists - e, de fato, houve grande consenso entre as primeiras igrejas sobre quais livros mereciam um lugar no cnon. Nenhum livro cuja autenticidade foi questionada por um nmero expressivo de igrejas entrou no cnon. Fonte:A Bblia de Estudo Anotada Expandida, Mundo Cristo, 2007, pg 1301. Um resumo do debate sobre o cnon neotestamentrio: No h uma forma simples de explicar a formao do cnon neotestamentrio. Mesmo que as heresias tenham levado os cristos a selecionar os livros cannicos, elas no foram a nica fora motivadora. Mediante a perseguio, os cristos tinham a necessidade de saber por quais livros estariam morrendo, quais deveriam ser postos disposio das autoridades imperiais e, alm disso, era da maior importncia definir com clareza quais documentos poderiam ser usados nas igrejas e para a edificao pessoal - esse desejo se intensificou quando os apstolos comearam a morrer. Fonte: Merece Confiana o Novo Testamento?, F. F. Bruce, Vida Nova, 2010, pg 36. fato que foram os lderes cristos que oficializaram o cnon, mas no foram eles os maiores responsveis pela resoluo da questo. O que eles fizeram foi apenas oficializar uma deciso que a Igreja j havia tomado de forma gradual. Esse processo de escolha comeou com a leitura de litrgica de textos de pessoas prximas a Jesus - os apstolos e os discpulos dos apstolos -, ao lado da proclamao das Escrituras judaicas. Os escritos mais respeitados, que se alinhavam aos ensinamentos mais tradicionais da Igreja e que eram mais teis para a igreja local, acabaram sendo os mais lidos - ou seja, as tradies herdadas ajudaram a selecionar os textos, no tendo sido os textos os responsveis pelas primeiras tradies. No incio do terceiro sculo, Orgenes fez uma pesquisa entre as igrejas crists para saber quais livros elas estavam usando. Como resultado de seu trabalho, Orgenes formulou uma lista com trs grupos de livros: os livros aceitos, os questionados e os no confiveis. Os amplamente aceitos eram: os quatro Evangelhos, as 13 Cartas de Paulo, Atos, 1 Pedro, 1 Joo e Apocalipse; os questionados eram outros seis livros que completam o NT: Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 Joo e Judas; aqueles que a maioria das igrejas tinha como no confiveis eram: o Evangelho de Tom, o Evangelho dos Egpcios e o Evangelho de Matias. Fonte: A Bblia e Sua Histria, Stephen M. Miller e Robert V. Huber, SBB, 2006, pg 94. Segundo F. F. Bruce, "os livros do Novo Testamento no se tornaram escritos revestidos de autoridade para a Igreja porque foram formalmente includos em uma lista cannica; pelo contrrio, a Igreja incluiu-os no cnon porque j os considerava divinamente inspirados, reconhecendo neles o valor inato e, em geral, a autoridade apostlica, direta ou indireta." Sobre os primeiros conclios cannicos, que se realizaram no Norte da frica, em Hipona Rgia (393 d.C.) e em Cartago (397 d.C.), Bruce afirma que eles "no objetivavam impor algo novo s comunidades crists, pelo contrrio, o intuito era sistematizar o que j era uma prtica comum." Fonte:Merece Confiana o Novo Testamento?, F. F. Bruce, Vida Nova, 2010, pg 36. - Clemente de Roma, 96 d.C.: demonstra conhecer Mateus, Romanos, 1 Corntios e Hebreus. - Incio, de Antioquia (116 d.C.), Policarpo, de Esmirna (69-155 d.C.), e Papias, de Hierpolis (80-155 d.C.), atestaram Mateus, Joo, as epstolas paulinas, 1 Pedro, 1 Joo e Atos. - O Didaqu, 120 d.C.: destaca Mateus e conhece a maioria dos livros do NT. - Justino Mrtir, 100-165 d.C.: atestou Apocalipse, Hebreus e Marcos. - Marcio, 140 d.C.: o heresiarca em questo reconheceu Lucas e dez epstolas de Paulo. - Hermas, 150 d.C.: autentica Mateus, Efsios, Apocalipse e, aparentemente, Hebreus e Tiago. - Tefilo de Antioquia, 115-188 d.C.: adotou a maior parte dos livros do NT. - Clemente de Alexandria, 155-215 d.C.: aceitou todos os livros do NT. - Melito, de Sardes, 170 d.C.: citou trechos de todos os livros do NT, exceto Tiago, Judas e 2 e 3 Joo. - Vulgata Latina, antes de 170 d.C.: atesta todos os livros do NT, menos Tiago e 2 Pedro. Hebreus foi acrescentada antes dos tempos de Tertuliano. -O Fragmento Muratoriano, 172 d.C.: autentica os quatro Evangelhos, Atos, nove epstolas de Paulo s igrejas e quatro pessoais, as cartas de Judas, 1 e 2 Pedro e 1 e 2 Joo e Apocalipse. Acrescenta o Pastor de Hermas, mas observa que, embora seja um livro digno de ser lido nas igrejas, no possui a mesma autoridade que os cannicos. - Irineu, 140-203 d.C.: o discpulo de Policarpo, que fora discpulo de Joo, reconheceu os quatro Evangelhos, Atos, Romanos, 1 e 2 Corntios, Glatas, Efsios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timteo, Tito, 1 Pedro, 1 Joo e Apocalipse. - Tertuliano, 150-222 d.C.: atesta os quatro Evangelhos, treze epstolas paulinas, Atos, 1 Pedro, 1 Joo, Judas e Apocalipse. Rejeitou Hebreus por acreditar que o autor era Barnab. - Orgenes de Alexandria, 185-253 d.C.: aceitou, inclusive, os livros que eram mais contestados, como Hebreus, 2 Pedro, 2 e 3 Joo, Tiago, Judas e Apocalipse. - Cipriano, 200-258 d.C.: no atestou Hebreus e no citou Filemom, Tiago, 2 e 3 Joo e Judas. - Dionsio de Alexandria, 200-265 d.C.: autenticou Hebreus e reconheceu Apocalipse, Tiago e 2 e 3 Joo. - Papiros de Chester Beatty, sculo III: autenticam os quatro evangelhos, Atos, as epstolas paulinas, Hebreus e Apocalipse. - Atansio de Alexandria, 298-373 d.C.: considerou cannicos os 27 livros que hoje compem o NT. - Baslio da Capadcia, 329-378 d.C., e Gregrio de Nazianzo, 330-390 d.C., reconhecerem todos os livros do NT, menos Apocalipse, mesmo tendo-o citado como obra de Joo. - Jernimo, 340-420 d.C.: atestou todos os livros do NT. - Joo Crisstomo, 347-407 d.C.: aceitou todos os livros do NT, menos 2 Pedro, 2 e 3 Joo e Apocalipse. - Teodoro de Mopsustia, 350-428 d.C.: rejeitou as epstolas universais e Apocalipse, seguindo o Cnon de Constantinopla. - Agostinho, 354-430 d.C.: aceitou todos os livros, inclusive os 7 que eram questionados. - A Peshita, 411-435 d.C.: tambm seguiu o Cnon de Constantinopla. - Os Conclios: a delimitao do cnon do NT no foi obra dos conclios, mas do valor intrnseco de cada livro. O Terceiro Conclio de Cartago, 397 d.C.: a primeira deciso oficial sobre o cnon, determinando que s os livros cannicos poderiam ser lidos nas igrejas - atestou os 27 do NT atual. O Conclio de Hipona (420 d.C.), confirmou o de Cartago. A seleo do cnon foi, portanto, um processo espontneo que se desenrolou na Igreja ao longo dos sculos, at que cada livro fosse autenticado. "O cnon do NT formou-se espontaneamente, e no pela ao dos conclios da igreja. A inspirao e a autoridade intrnseca foram os fatores determinantes em seu reconhecimento e efetiva canonizao. Em 200 d.C., o NT j continha essencialmente os mesmos livros que temos hoje. (...) Antes do final do sculo III, praticamente todos os livros extracannicos j haviam sido expurgados das listas autorizadas. (...) Durante o sculo IV, praticamente cessou no Ocidente o debate sobre as questes do status cannico de determinados livros, isso graas influncia de Jernimo e de Agostinho." Fonte: Manual Bblico Unger, Merril Frederick Unger, Vida Nova, 2006, pgs 709-714. 3 - O motivo que determinou a escolha dos livros que hoje compem o Novo Testamento estava em sua afinidade com a viso teolgica dos bispos comandados por Constantino? Como vimos, as motivaes que levantaram o debate sobre os livros que deveriam ser includos no cnon foram a necessidade de saber quais documentos poderiam ser usados nas igrejas, qual material deveria ser apresentado s autoridades romanas, por quais livros os cristos estavam morrendo e para combater as heresias, que vieram depois do cristianismo ortodoxo. A escolha desses livros precedeu o tempo de Constantino e foi concluda depois de sua morte. Os critrios de escolha no eram essencialmente as afinidades teolgicas do material com o interesse dos bispos, pois muitos livros teologicamente viveis, como o Pastor de Hermas, 1 e 2 Clemente, o Didaqu e a Epstola de Barnab, e alguns politicamente interessantes, como Atos de Pilatos, que poderia angariar mais aceitao dos romanos, foram excludos do cnon simplesmente por no concordarem com os critrios de autenticidade anteriormente trabalhados. A questo no era estritamente ideolgica, mas centrava-se tambm em coerncia histrica. 4 - O principal motivo para a rejeio de diversos livros foi o seu potencial de atrapalhar os negcios do imperador? Conforme vimos, os livros que ficaram de fora do cnon passaram por um criterioso filtro e diversas obras com grande potencial de edificao, que concordavam com a teologia ortodoxa, tambm foram excludas. Isso j suficiente para evidenciar que os livros descartados do cnon no eram somente os "inconvenientes". A verdade que, por ocasio do uso dos critrios de autenticao, at livros considerados inconvenientes por muitos sculos foram inclusos, como Hebreus e Tiago. A questo, portanto, no est em convenincia ou inconvenincia, mas no resultado das observaes, muitas delas imparciais, que cristos de vrios sculos fizeram acerca do material neotestamentrio. A verdade que os livros excludos por seu contedo eram tardios demais, no tinham autoria apostlica ou associao com algum apstolo, no apresentavam coerncia com os livros j considerados, no traziam aspectos teolgicos significativos, nunca foram aceitos por uma parte significativa da Igreja e se mostravam como nada mais do que leituras piedosas e, muitas vezes, fictcias, cuja inautenticidade era facilmente reconhecida pela leitura do material e pela comparao com os livros mais prestigiados. Alm disso, havia uma tradio muito mais forte, com muito mais evidncias documentais, para os 27 livros que hoje compem o NT. O testemunho de Eusbio de Cesaria, 263-340 d.C.: "(...) entre os primeiros, deve ser colocada a santa ttrade dos Evangelhos; esses so seguidos pelo Livro de Atos dos Apstolos; depois deste deve-se mencionar as epstolas de Paulo, as quais so seguidas pelas reconhecidas primeira Epstola de Joo, bem como a primeira de Pedro, a ser de igual modo aceita. Aps esses, devem ser colocados (...) o Apocalipse de Joo (...). Esses, portanto, so reconhecidos como genunos. Entre os livros questionados, (...) ainda que sejam aproveitados por muitos, so reputados aquele chamado Epstola de Tiago e de Judas. Tambm a Segunda Epstola de Pedro e os chamados a Segunda e a Terceira de Joo (...). Entre os esprios devem ser alistados ambos os livros chamados Atos de Paulo e aquele chamado Pastor e o Apocalipse de Pedro. Alm desses, os livros chamados a Epstola de Barnab e as chamadas Instituies dos Apstolos. (...) Assim, teremos condies de conhecer esses livros e os citados pelos hereges sob o nome dos apstolos (...) o carter e o estilo em si [dos apcrifos] muito diferente do dos apstolos, e os sentimentos, e o propsito dessas coisas que so neles apresentadas, desviando-se ao mximo da ortodoxia sadia, provam evidentemente seres fices de homens herticos". Fonte: Histria Eclesistica, Eusbio de Cesaria, CPAD, 2000, pgs 103-104 (Livro 3, captulo XXV). Concluso:tornou-se bvio que o debate sobre o cnon do Novo Testamento existiu desde as primeiras dcadas da Era Crist e que no foi o Conclio de Nicia que oficializou o cnon neotestamentrio - foram outros, como o de Cartago. Na verdade, os prprios cristos, natural e universalmente, que reconheceram os 27 livros que constituem o NT atual, que os conclios apenas promulgaram. Vale notar que as maiores influncias para a diminuio dos debates acerca dos documentos neotestamentrios foram autoridades crists, como Jernimo e Agostinho, e no imperadores como Constantino ou, mesmo, os conclios. No esquea que livros que teriam sido muito teis para a Igreja foram retirados do cnon, como o Pastor de Hermas, e que livros com potencial de gerar complicaes foram includos, como Hebreus e Tiago. A Superinteressante, definitivamente, foi infeliz em suas declaraes. Natanael Pedro Castoldi Leia tambm: -O Cristianismo Foi Fundado nos Conclios Niceno e Constantinopolitano? -Sobre os Apcrifos do Novo Testamento -Posso Confiar no Texto Bblico Atual? -Uma Anlise dos Apcrifos, Parte 2: Os Pseudepgrafos Compartilhar: SHARE TWEET SHARE PIN IT Categorias: Antiguidade Arqueologia Bblia Confiabilidade Cristianismo Dificuldade Evangelho Evidncias Histrico Joo Lucas Marcos Mateus Novo Testamento Paulo Testemunho Enviar por e-mail BlogThis! 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