o brasil na segunda guerra mundial · web viewa marinha do brasil na segunda guerra mundial pelo...

42
O Brasil na Segunda Guerra Mundial A Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra Mundial, era naturalmente a de neutralidade, desde logo expressamente declarada (decretos n° 4.623 e 4.624 de 5 de setembro de 1939, respectivamente quanto à guerra entre a Inglaterra e a Alemanha e a França e a Alemanha), por isso que as questões relativas a minorias raciais germânicas, espaços vitais, esferas de influência, anexações territoriais e outros, em nada interessavam diretamente à nossa Pátria; mal, porém, a luta eclodiu no continente europeu, logo se desbordou pelos mares, no afã febriante e porfiado de procurar o domínio das vias marítimas de comunicações. A ânsia por esse domínio avançou logo, célere, pelas águas do oceano Atlântico, que, quase de pólo a pólo, em longuíssimo fuso, separa o nosso próprio país das ribas européias, debruçando-se as orlas orientais de nosso vasto território sobre a planura aquosa onde a ação de cada um dos agigantados contendores queria barrar aos respectivos contrários ou utilizar, a despeito deles, as extensas, ilimitadas rotas, pelas quais se transportassem os suprimentos de toda classe, de que necessitavam uns e outros para o escopo final - a vitória. O oceano Atlântico era, deste modo, o domínio comum em que os interêsses daqueles que lutavam, viriam colidir, sem sombra de dúvida, com os nossos próprios interêsses, já se esboçando, assim, alguma coisa que implicaria na nossa co-participação, ao menos à distância, no conflito em progressão alarmante. Desde que havia a fatalidade geográfica da descontinuidade dos continentes, para que os efeitos dos entreveros brutais nos atingissem por terra, e que, para sermos ainda incomodados pelos ares, seriam necessárias bases bem próximas, pelo mar nos viria, pois, de imediato, quer à superfície, quer insidiosamente, entre duas águas, submarinamente, alguma ação de qualquer dos partidos hostis, que nos pudesse ofender física ou moralmente os melindres de nação livre, soberana e neutra. A essa ação, mister se faria então que se opusesse outra ação de coerção que lhe anulasse os efeitos, a fim de que não nos envolvêssemos na luta, fôssem quais fôssem os intentos a contrariar, opostos à nossa própria isenção no conflito, partindo deste ou daquele partido.

Upload: dinhnhu

Post on 18-Jan-2019

230 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

O Brasil na Segunda Guerra Mundial

A Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial

Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares

A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra Mundial, era naturalmente a de neutralidade, desde logo expressamente declarada (decretos n° 4.623 e 4.624 de 5 de setembro de 1939, respectivamente quanto à guerra entre a Inglaterra e a Alemanha e a França e a Alemanha), por isso que as questões relativas a minorias raciais germânicas, espaços vitais, esferas de influência, anexações territoriais e outros, em nada interessavam diretamente à nossa Pátria; mal, porém, a luta eclodiu no continente europeu, logo se desbordou pelos mares, no afã febriante e porfiado de procurar o domínio das vias marítimas de comunicações.

A ânsia por esse domínio avançou logo, célere, pelas águas do oceano Atlântico, que, quase de pólo a pólo, em longuíssimo fuso, separa o nosso próprio país das ribas européias, debruçando-se as orlas orientais de nosso vasto território sobre a planura aquosa onde a ação de cada um dos agigantados contendores queria barrar aos respectivos contrários ou utilizar, a despeito deles, as extensas, ilimitadas rotas, pelas quais se transportassem os suprimentos de toda classe, de que necessitavam uns e outros para o escopo final - a vitória.

O oceano Atlântico era, deste modo, o domínio comum em que os interêsses daqueles que lutavam, viriam colidir, sem sombra de dúvida, com os nossos próprios interêsses, já se esboçando, assim, alguma coisa que implicaria na nossa co-participação, ao menos à distância, no conflito em progressão alarmante.

Desde que havia a fatalidade geográfica da descontinuidade dos continentes, para que os efeitos dos entreveros brutais nos atingissem por terra, e que, para sermos ainda incomodados pelos ares, seriam necessárias bases bem próximas, pelo mar nos viria, pois, de imediato, quer à superfície, quer insidiosamente, entre duas águas, submarinamente, alguma ação de qualquer dos partidos hostis, que nos pudesse ofender física ou moralmente os melindres de nação livre, soberana e neutra.

A essa ação, mister se faria então que se opusesse outra ação de coerção que lhe anulasse os efeitos, a fim de que não nos envolvêssemos na luta, fôssem quais fôssem os intentos a contrariar, opostos à nossa própria isenção no conflito, partindo deste ou daquele partido.

Era isso a neutralidade que se impunha fôsse mantida pelo Brasil, em posição paralela e eqüidistante dos grupos em guerra, e, assim, como a ameaça que era iminente, vinha através dos mares, claramente inevitável quanto aos atritos que nos ia produzir, - a Força Armada Brasileira naturalmente determinada para exercer ação quer preventiva, quer coibidora, em nome do Direito, foi a Marinha de Guerra.

Em fins de 1939, quando a guerra foi declarada entre a Inglaterra e a França, de um lado, e a Alemanha do outro, esta já estava econômicamente preparada e com suprimentos de tôda espécie devidamente armazenados para a guerra, ao passo que aqueles outros países, mesmo em face dos acontecimen tos que se vinham desenrolando na Europa central, pouco ou nada tinham feito nesse sentido, de modo que, ao abrirem-se as hostilidades, sua navegação mercante que devia ir buscar, à pressa e sem descanso, as utilidades além-mar, em plagas distantes, como nas Américas do Norte e do Sul, logo ficou sujeita aos ataques dos raiders e dos submarinos, cujos primeiros êxitos de pronto se fizeram sentir, quer quanto a navios de guerra, quer quanto a mercantes, nos primeiros dias de guerra, com grande alarma para os Aliados.

Tinha, pois, o Brasil que mobilizar seus recursos navais para manutenção de sua neutralidade e para defesa de suas águas territoriais que, a qualquer momento, podiam estar sendo violadas com o ataque de submarinos ou de raiders a navios ingleses ou franceses. Em dezembro do mesmo ano de 1939 já o encouraçado alemão Graf Spee, derrotado, internava-se em Montevidéu, depois de produtiva ação como raider, atestando, de modo irretorquivel, a ameaça que nos vinha vindo, a qualquer instante, pelo mar, o perigo sempre iminente

Page 2: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

que, afinal, nos arrastaria ao conflito.

Para essa ação de sentinela sempre alerta, com os olhos fitos continuamente não só nos horizontes largos, mas também nas águas em volta até mesmo poucos metros de distância, dispunha apenas a Marinha de Guerra Brasileira de meios materiais bem precários. Para conjurar a ameaça, já que esta resultaria em ato de força, sem peias do direito, na repressão pronta e justificada de procedimentos atentatórios da neutralidade que havíamos proclamado, contava apenas a Esquadra Brasileira, para opor a raiders e submarinos moderníssimos, com os remanescentes de uma frota de navios de mais de 30 anos de existência e com raríssimas unidades mais modernas, porém inadequadas, assim especificadas: - dois (2) encouraçados obsoletos, o "Minas Gerais" e o "São Paulo", não utilizáveis naturalmente para qualquer emprego em uma campanha antisubmarina; dois (2) cruzadores ligeiros nas mesmas condições, o "Bahia" e o "Rio Grande do Sul"; cinco (5) contratorpedeiros da classe "Amazonas", tão velhos quanto aqueles, a saber - "Piauí", "Rio Grande do Norte", "Sergipe", "Santa Catarina" e "Mato Grosso", aos quais se poderia juntar um sexto, o "Paraíba", alquebrado, impossibilitado de enfrentar qualquer mar grosso; um (1) outro contratorpedeiro um pouco mais moderno, o "Maranhão"; quatro (4) submarinos, o "Humaitá" e o "Tupi", o "Timbira" e o "Tamoio", chegados no ano anterior da Itália; dois (2) navios hidrográficos adaptáveis para fins de guerra, o "Rio Branco" e o "Jaceguai", e uma flotilha de seis (6) navios mineiros da classe "Carioca", recém-construídos no Arsenal da Ilha das Cobras, dos quais o "Carioca" e o "Cananéia" foram incorporados à Esquadra a 16 de setembro de 1939, e o "Camocim", o "Cabedelo", o "Caravelas" e o "Camaquã" sòmente a 7 de junho de 1940; - além dessas unidades contava a Esquadra ainda com alguns transportes, rebocadores e navios-auxiliares de emprego especializado e restrito. O lançamento ao mar dos três (3) contratorpedeiros "Marcílio Dias", "Mariz e Barros" e "Greenhalgh", que depois prestaram tão bons serviços como verdadeiros navios de guerra, só se deu, respectivamente, a 20 de julho e 28 de dezembro de 1940 e a 8 de julho de 1941. Em julho de 1940 ainda estavam sendo batidas as primeiras quilhas de seis (6) contratorpedeiros de tipo inglês, da classe "Amazonas", os quais não ficariam prontos durante toda a guerra, e as corvetas da classe "Matias de Albuquerque", queimando carvão, encomendadas originalmente pelo governo inglês à Casa Lage & Irmão, ainda se achavam em fase de construção e lançamento ao mar, em 1942, nos estaleiros daquela firma; prestaram, entretanto, ainda, bons serviços no último ano de guerra.

Dos navios da velha Esquadra ainda na atividade, então chamados a prestar serviços de guerra, os cruzadores "Bahia" e "Rio Grande do Sul", os contratorpedeiros "Piauí", "Rio Grande do Norte", "Paraíba" e "Santa Catana", assim como o transporte "Belmonte" e o rebocador de alto mar "Laurindo Pita", já haviam constituído a Divisão Naval em Operações de Guerra que, sob o comando do Almirante Pedro Max Fernando de Frontin, mandara o Brasil às águas européias na Primeira Grande Guerra Mundial, em 1918.

Pois foi com esse material flutuante que a Marinha de Guerra do Brasil iniciou a sua ação de vigiar pela manutenção de nossa neutralidade, nas águas territoriais brasileiras, extensas de cerca de três mil (3.000) milhas, só na parte mais vulnerável às incursões atentatórias à nossa posição de neutros, ou seja da foz do Rio Pará até Santa Catarina, incluindo as ilhas de Fernando de Noronha e Trindade, em pleno oceano.

No ano de 1939, a 30 de setembro, poucos dias, portanto, após a declaração de guerra à Alemanha pela Grã-Bretanha e França, era torpedeado a cerca de 70 milhas da costa NE do Brasil, o cargueiro inglês "Clement", alguns de cujos sobreviventes, numa baleeira, foram salvos pelo mercante brasileiro "Itatinga", a cerca de 15 milhas ao largo da costa de Pernambuco, e conduzidos para o porto de Salvador.

Era o perigo iminente de complicações tendentes a nos envolver no conflito alheio, que chegava às nossas plagas

O começo do ano de 1940 encontrou os navios ligeiros de nossa Esquadra em plena atividade no mar.

O navio-mineiro "Cananéia", a 11 de janeiro, regressava ao Rio de janeiro de uma viagem aos portos do norte do país. A 27 do mesmo mês os cruzadores e vários contratorpedeiros regressavam à baía de Guanabara depois de um período de exercícios.

A 9 de fevereiro, esses mesmos navios, capitaneados pelo E. "Minas Gerais", saíam do Rio para o sul do país, regressando a 17, enquanto outros contratorpedeiros e os navios-mineiros "Carioca" e "Cananéia", assim como os submarinos da classe "Tupi", estavam sempre em atividade, ora saindo, ora entrando no porto do Rio de Janeiro, em exercícios que compreendiam, deliberadamente, um patrulhamento de observação e polícia das águas territoriais.

Page 3: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

A 8 de março, o C. "Rio Grande do Sul" levava o Presidente da República e o Ministro da Marinha a Santa Catarina. Nesse mesmo mês continuava o movimento dos cruzadores e contratorpedeiros.

De 9 a 27 de abril os encouraçados "Minas Gerais" e "São Paulo" com vários contratorpederos faziam exercícios nas águas da Ilha Grande. A 7 de maio tormava a sair para o mesmo fim, o primeiro desses navios.

O Monitor "Paraguaçu", de construção nacional, era incorporado à Esquadra e partia da Guanabara a 11 de maio para Mato Grosso, a cuja flotilha fluvial deveria pertencer, sendo escoltado pelo navio-mineiro "Carioca" de porto em porto até ao de Montevidéu, aonde chegava a 30 de maio.

Até o navio-escola "Almirante Saldanha", arrostando perigos perfeitamente imagináveis, partia do Rio de Janeiro a 18 de maio desse mesmo ano de 1940, para uma viagem de instrução de Guardas-Marinha até Portugal.

A 7 de junho, com a incorporação dos quatro navios-mineiros "Camocim", "Cabedelo", "Caravelas" e "Camaquã", era criada pelo Ministro da Marinha a Flotilha de Navios-Mineiros.

A 13 dêsse mesmo mês, o E "São Paulo" com escolta de contratorpedeiros saía do Rio de janeiro para novos exercícios na baía da Ilha Grande, indo-se-lhes juntar ali, a 18, o E. "Minas Gerais", regressando todos a 28. Outra saída dessas repetiu-se em julho. E também em agôsto, com os navios-mineiros.

A 2 de julho saía de Lisboa, de regresso ao Brasil, o NE "Almirante Saldanha"

O ano de 1941 encontrou a Esquadra Brasileira na mesma atividade, inclusive com os navios transportes e auxiliares. O navio-auxiliar "Vital de Oliveira" desde o ano anterior andava continuamente para baixo e para cima em várias comissões.

A 28 de janeiro o NE "Almirante Saldanha" tornava a sair para nova viagem de instrução de Guardas-Marinha, devendo passar pelo Estreito de Magalhães, subir ao longo da costa pelo Pacifico, passar pelo canal do Panamá, fazendo o périplo da América do Sul para regressar ao Brasil.

O navio-tanque "Marajó" saía a 8 de março para a ilha de Aruba, a buscar óleo combustível. A 10 dêsse mesmo mês era o C "Rio Grande do Sul" que saía para o norte do país até Belém, levando a seu bordo o Ministro da Marinha e regressando ao Rio a 1° de abril.

Nesse meio tempo, dera-se, no Mediterrâneo, o ataque ao navio mercante brasileiro "Taubaté" por um avião alemão, do que resultou um morto além de vários feridos, dando o fato motivo a um protesto do Governo Brasileiro junto à Embaixada Alemã no Rio de Janeiro.

Continuou no correr desse ano de 1941 a movimentar-se a Esquadra Brasileira, em cujas atividades no mar, em exercícios, patrulhamento e transporte, era encontrada, quando se assinou a Carta do Atlântico a 14 de agôsto e quando se deu o ataque japonês de surpresa a Pearl-Harbour, a 7 de dezembro, ao qual se seguiu a declaração de guerra dos Estados Unidos e da Inglaterra ao Japão e o anúncio da solidariedade do Brasil àquele país atacado.

Era, assim, envolvido o Continente Americano na guerra e o ano de 1942 se iniciava em meio dos mais negros prognósticos, logo confirmados com o rompimento, a 28 de janeiro, das relações diplomáticas do Brasil com os três países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão, seguindo-se a esse ato a nossa adesão à Declaração das Nações Unidas e à Carta do Atlântico.

A situação para o nosso país em face das conseqüências do avultamento gigantesco do conflito, tornava-se assim cada vez mais delicada e logo se foi tornando mais e mais insustentável com o torpedeamento e afundamento de navios mercantes nossos que navegavam em zonas de guerra, embora neutros, a princípio, e

Page 4: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

depois nas próprias águas territoriais, quando ainda sustentávamos a nossa neutralidade dentro dos postulados mais rígidos do Direito Internacional.

Assim é que o mercante nacional "Cabedelo" desapareceu em condições misteriosas, nunca mais se lhe conhecendo a sorte desde que deixou ao porto de Filadélfia, a 14 de fevereiro. Logo no dia 15 desse mesmo mês, o grande navio de passageiros e carga do Loide Brasileiro "Buarque", em viagem de Curaçau para Nova York, era torpedeado e posto a pique por submarino germânico, salvando-se passageiros e tripulantes. Três dias depois, a 18 de fevereiro, era ainda o cargueiro "Olinda", da Companhia Brasileira de Comércio e Navegação, torpedeado e afundado ao largo da costa leste dos Estados Unidos, salvando-se a tripulação.

Tão insólita agressão, considerado o Mare liberum, mostrava já claramente o desfecho desses acontecimentos para o Brasil, que não poderia por muito tempo mais sofrer o insulto deliberado.

Entrementes, e já de algum tempo, se vinham concertando medidas de segurança mútua entre o nosso país e os Estados Unidos, a que muitas vezes não eram estranhos países outros da América, na previsão de fatos que podiam dar-se e que a seqüência acelerada das ocorrências se encarregou de confirmar em cheio. Assim é que, já em fins de 1940, sentindo-se a necessidade da organização de um Código destinado às comunicações das Forças Navais das Repúblicas Americanas, o Ministro da Marinha fêz seguir, em dezembro, para os Estados Unidos o então Capitão-de-Fragata Dídio Iratim Afonso da Costa, para um trabalho de colaboração com o Navy Department americano naquele sentido; o Código foi concluído com êxito, mas, muito complexo, sua aplicação prática no período pròpriamente da guerra não chegou a realizar-se. Assim foi, também, que, a 10 de maio de 1941, seguiu, por via aérea, para os Estados Unidos, a convite do Almirante Harold Stark, Chefe do Estado-Maior da Armada Americana, o Vice-Almirante José Machado de Castro e Silva, Chefe do Estado-Maior da Armada do Brasil; o convite tinha por finalidade uma reunião em Washington, dos Chefes Navais das Repúblicas Americanas, tendente naturalmente a firmar doutrina sobre modos de proceder em face da guerra na Europa e suas futuras conseqüências para a América.

Logo que os Estados Unidos entraram no conflito, mediante normas estabelecidas entre aquele país e o nosso, foram criados escritórios navais em todos os portos importantes do território brasileiro, chefiados por oficiais da reserva norte-americanos, designados "Observadores Navais", para obtenção de informações de toda sorte e seu fornecimento às autoridades navais americanas, assim como tratar de certas medidas de interesse para a sua esquadra; tais escritórios funcionavam como um desdobramento dos serviços que incum-biam a um Adido Naval, em cada porto, onde, tendo ação semelhante à das Capitanias de Portos brasileiros, dispunham de todo o aparelhamento de comunicações necessário ao perfeito desempenho de sua missão. Esses "Observadores Navais" tiveram, cada vez mais, ligação com as nossas próprias autoridades navais, à proporção que a nossa situação caminhava para o estado de guerra. Alguns dêles, oficiais de certa idade e muito tirocínio, prestaram relevantes serviços às duas Marinhas, tal como o Observador Naval no Recife, Pernambuco, Capitão-de-Mar-e-Guerra W. A. Hodgman.

Logo também ao envolver-se a América no conflito, o Comando da Esquadra Norte-Americana do Atlântico destacou uma força subordinada para manter o domínio das águas no Atlântico Sul, de pronto sulcadas pelas belonaves que, cedo, começaram a procurar nossos portos do norte e do nordeste paca reabastecimento de víveres e combustível e para o descanso permitido pelas leis internacionais da neutralidade.

Era essa Força-Tarefa 23 da Esquadra do Atlântico, ao mando do Contra-Almirante Jonas Howard Ingram, que tinha seu pavilhão no cruzador "Memphis" e que já encontrava, nas águas do nordeste, alguns de nossos navios de guerra, no seu serviço de patrulhamento e de polícia nas águas territoriais.

A base dessa Força-Tarefa 23, que tão íntima ligação devia ter com as Fôrças Navais Brasileiras, era ainda a ilha de Trinidad, possessão inglesa demorando no hemisfério norte e, portanto, bastante inadequada, mas imposta pelas necessidades, por isso que o Brasil se mantinha neutro e fazia manter sua neutralidade de acordo com os cânones consagrados; inadequada principalmente para facilidade do cumprimento da missão dessa Força, a qual era manter, em alto mar, a segurança das rotas comerciais da e para a América do Sul, inclusive até ao meridiano de 20°, numa área amplíssima que ali ia limitar-se com a da esfera de ação da esquadra inglêsa, desdobrando-se esta para leste até à costa da Africa; ficava, entretanto, a ilha de Ascensão incluída na área sob a proteção dos americanos - até lá iriam também, em breve, os nossos próprios navios da minguada esquadra brasileira.

Page 5: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

Em face do perigo que corriam nossas unidades mercantes no mar, na iminência de sacrifícios continuados de bens materiais e de vidas, o serviço de vigilincia e de polícia naval, ao longo dos extensos litorais brasileiras, onde ainda atentados à nossa neutralidade podiam dar-se a cada momento, tinha que fazer-se o mais ativo possível, apesar do reduzidíssimo número de navios mais ou menos adequados de que dispúnhamos.

Assim, a princípio, os cruzadores e os seis contratorpedeiros antiquados, cinco dos quais, da classe "Amazonas", ainda queimavam carvão, continuaram com sua base no Rio de Janeiro, onde poderiam contar com as grandes oficinas de reparos do Arsenal de Marinha da Ilha das Cobras (AMIC), com os diques e outros recursos necessários às suas atividades de patrulhamento, os quais, infelizmente, só na Capital da República, sede permanente da Esquadra, podiam ser obtidos. Os navios-mineiros da classe "Carioca", embora não apropriados a cruzeiros de patrulha, mas por serem novos e não carecerem de reparos, senão eventualmente, foram mandados para os portos do leste e do nordeste. A esses navios foram, pelo Estado-Maior da Armada, atribuídos "setores de patrulha", devendo servir-lhes de base os portos de Salvador, do Recife e de Natal, onde receberiam combustível, mantimentos, água e sobressalentes, valendo-se, para quaisquer reparos eventuais em máquinas e material em geral, das oficinas das Companhias das Docas de cada um desses portos. A Base Naval de Natal ainda se achava em construção e, apesar dos esforças verdadeiramente extraordinários de seu competente criador, o Almirante Ary Parreiras, ainda longe se achava de possuir um aparelhamento eficientemente montado para poder atender às múltiplas necessidades de uma força naval.

Com o rompimento de relações diplomáticas e comerciais com os países do Eixo, logo após à entrada dos Estados Unidos na guerra, e, depois, com o privilégio que lhes foi concedido pelo nosso governo de se servir das nossas bases aeronavais em vários pontos do litoral brasileiro, de norte a leste, para o salto, através do Atlântico, de Natal para a África, ampliando mais tarde essas bases, até então insignificantes, ou mesmo construindo outras inteiramente novas, em proporções consideráveis e adequadas ao uso intensíssimo que de-viam ter, - todo o setor do nordeste tomou repentinamente uma importância tal que o levou às culminâncias de um dos pontos mais importantes do mundo para o prosseguimento, com êxito, da guerra contra os países do Eixo. Natal emergiu, de um salto, da pacatez de cidade modesta, capital de um Es tado de limitados recuasos, e da tranquilidade de um porto acanhado e de pequeno movimento, para a situação de "ponto focal" do mundo, para o qual todas as atenções e esperanças se voltavam.

De nossa parte, continuávamos ativos e atentods aos acontecimentos, não viessem eles, por culpa nossa, arrastar o Brasil ao fogaréu crepitante. Havia certas medidas que já vinham sendo tomadas para melhor aparelhar os navios que deviam fazer o serviço de patrulha e que coordenassem todas as providências de vastas zonas do litoral de características acentuadamente diferentes umas das outras, acima da ação da Capitania de Portos, mais regionais, adstritas às águas e costas de cada Estado; uma dessas medidas foi a criação dos Comandos Navais, idéia antiga que então se consubstanciava. Um decreto-lei de outubro de 1941 criava, por exemplo, o Comando Naval do Amazonas, ao qual se deviam juntar os Comandas Navais de Pernambuco (decreto-lei de 5 de junho de 1942), da Bahia e do Rio de Janeiro, posteriormente designados respectivamente Comandos Navais do Norte, do Nordeste, de Leste e do Centro. Medidas complementares iam sendo tomadas de modo a dar plena eficiência a êsses órgãos da administração, subordinados ao Estado-Maior da Armada, e que tinham, nos seus dilatados setores da costa, atribuições análogas às dos Observadores Navais americanos.

A organização da Esquadra Brasileira compreendia, em princípios de 1942, o Comando em Chefe, exercido pelo Contra-Almirante Durval de Oliveira Teixeira, com o pavilhão no Encouraçado "Minas Gerais", estando-lhe subordinado diretamente o outro encouraçado, o "São Paulo"; uma Divisão de Cruzadores, ao mando do Contra-Almirante Jorge Dodsworth Martins; uma Flotilha de Contratorpedeiros, sob o comando do então Capitão-de-Mar-e-Guerra Alfredo Carlos Soares Dutra, tendo o transporte "Belmonte" por capitânia e, eventualmente, no mar, o CT "Maranhão"; uma Flotilha de Navios-Mineiros que estava sob a chefia do Contra-Almirante Gustavo Goulart, e uma Flotilha de Submarinos, ao mando do Comte. Attila Monteiro Aché. Havia ainda uma flotilha de pequenos navios-mineiros de instrução sob as ordens do Comte. Jorge Paes Leme; os navios hidrográficos "Rio Branco" e "Jaceguaí" subordinados à então Diretoria de Navegação, e os navios-auxiliares "José Bonifácio", "Vital de Oliveira", o navio-tanque "Marajó", o navio-escola "Almi-rante Saldanha" e um reduzido número de rebocadores, subordinados todos ao Estado-Maior da Armada. As flotilhas fluviais do Amazonas (sede em Belém do Pará) e de Mato Grosso (sede em Ladário) eram forças regionais de utilização difícil e precária, na emergência.

Page 6: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

Os navios que agiam nos "setores de patrulha", recebiam ordens diretas do Estado-Maior da Armada, relativas às suas operações.

Enquanto isso, outras medidas de grande importância vinham sendo tomadas, entre as quais a ocupação militar das ilhas de Fernando de Noronha (tornada Território Federal por decreto-lei de 9 de fevereiro de 1942) e da Trindade, aquela por contingentes do Exército que a artilharam convenientemente para repelir ataques por mar e pelo ar, e esta por forças da Marinha, para as quais era necessário um serviço constante de reabastecimento e substuição de pessoal, muito mais penosamente feito do que para aquele outro arquipélago do nordeste, mais próximo da costa e de condições de desembarque mais à feição.

Ainda em fins de 1941, sentindo nossas autoridades navais a necessidade de maior contato com os norte-americanos que se serviam de nossas instalações portuárias do nordeste, e de haver ali uma autoridade naval de alta patente com a qual aqueles melhor se entendessem e que, ao mesmo tempo, estivesse à frente do serviço de patrulhamento dos sertores incumbidos aos navios-mineiros da classe "Carioca", como representante direto do Estado-Maior da Armada, ficara resolvido que para o Recife partisse a Divisão de Cruzadores. Concretizando essa medida, seguiu então do Rio de Janeiro, rumo a Pernambuco, no dia 2 de janeiro de 1942, o cruzador "Bahia", a cujo bordo se içava o pavilhão do Contra-Almirante Jorge Dodsworth Martins, comandante daquela Divisão, o qual não tardou a entrar em contato com o Contra-Almirante In-gram, o Comsolant, isto é, o Comandante do "South Atlantic".

Este fato marcou positivamente o inicio de um mais estreito entendimento entre a Marinha de Guerra Brasileira e o Almirante americano Jonas Howard Ingram, Comandante da Força-Tarefa 23 da Esquadra do Atlântico, operando no Atlântico Sul, mas com base ainda em Trinidad, cujo pavilhão continuava a flutuar no cruzador "Memphis". Os dois Comandantes de Força - o brasileiro e o americano - este já em operações de guerra, aquele agindo ainda para manter a neutralidade de seu pais, avistaram-se duas vêzes no Recife, no mesmo mês de janeiro, e acertaram os seus planos de ação.A respeito desse entendimento com o Almirante Ingram, escrevia em relatório o Almirante Dodsworth: - "O conhecimento que este almirante (Ingram) está procurando ter das nossas necessidades de defesa da Zona do Nordeste, vai facilitar, estou persuadido, a entrega do material pedido ao governo norte-americano. Há agora uma perfeita compreensão de que nós precisamos somente de material para a nossa defesa".

Estas palavras foram proféticas, pois, no decorrer dos tempos, sempre à ação pessoal profícua desse grande amigo do Brasil deveu-se a solução de vários problemas relativos ao enriquecimento de nosso material flutuante e de suas múltiplas necessidades para manutenção e eficiência. Foi, por assim dizer, um executor, in loco, com perfeito conhecimento de causa e atividade, das promessas feitas, em Washington, quando da reunião da Comissão Militar Mista que se criara nos Estados Unidos e em que foram nossos representantes as brilhantes figuras do General Estevão de Carvalho, do Almirante Álvaro Rodrigues de Vasconcelos e do então Coronel-Aviador Vasco Alves Seco. Os vários assuntos tratados por essa Comissão incluíam a Lei de Empréstimos e Arrendamentos (Lend and Lease), segundo a qual podiam ser concedidas à nossa Marinha de Guerra certas unidades necessárias ao patrulhamento de nossas águas costeiras e para o serviço de comboios ao largo delas, do qual já se ia cogitando.

Antes que esta última medida fosse concretizada, outras houve que, tomadas pela Administração Naval, o foram um tanto prematuramente, concorrendo talvez para a suposição por parte dos dirigentes alemães de que estávamos dando aos norte-americanos ajudas e concessões muito acima das realmente feitas; tais foram a pintura de todos os navios mercantes brasileiros de cinzento, a ordem de navegarem às escuras à noite, o artilhamento de muitas unidades que partiam para zonas de guerra, quando, realmente, não estando o nosso país em guerra, não havia razão para isso.

A ação do Almirante Dodsworth no nordeste foi bastante intensa; indo, em companhia do Brigadeiro-do-Ar Eduardo Gomes, Comandante da 2ª Zona Aérea, a Natal, ali foi recebido pelo Almirante Ary Parreiras, que construía a Base Naval, escrevendo então em relatório: - "Notei também em Natal o que se verifica no Recife - grande cordialidade entre as autoridades brasileiras e os funcionários e militares americanos, sendo estes atenciosos, respeitadores da nossa soberania e das nossas leis, mas prontos a colaborar conosco em tudo".

O Almirante Ingram visitou aquela incipiente Base, na mesma época, no CT "Winslow". A seguir, com êle conferenciou o Almirante Dodsworth, seguindo instruções do Estado-Maior da Armada, para acertar melhor os problemas relativos aos inconvenientes de concentração, já àquele tempo, de forças navais numerosas no Recife; sôbre vigilância permanente no mar, à entrada dos portos considerados "pontos focais", onde, além

Page 7: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

dos ataques dos submarinos, ainda podiam ser lançadas minas; sobre abastecimentos; sobre melhoramentos no aparelhamento de nossos próprios navios; sobre colocação de redes antitorpédicas e anti-submarinos em vários de nossos portos a começar pelo do Recife, etc., etc..

Nessa época já a Força Aérea Brasileira patrulhava também as rotas marítimas, agindo em colaboração com os Comandantes das Forças Navais Brasileiras e Americanas, e tendo à frente, no nordeste, a figura tranqüila, mas dinâmica, do Brigadeiro Eduardo Gomes. A Força Aérea Norte-Americana, subordinada também à autoridade do Almirante Ingram, era reforçada com vários aviões "Catalina" e estabelecia uma rede de patrulha aérea quase ininterrupta em todo o litoral brasileiro e águas do oceano a dentro, desde o norte até ao leste. Nós, porém, não tínhamos estabelecido nenhum plano sistemático de colaboração entre as Forças Aéreas e as Navais, limitando-se umas a atender às solicitações das outras, quando necessários os seus serviços, como nas coberturas aéreas para certas escoltas de navios ou comboios.

Nessa ocasião também já o Exército Nacional aumentava os seus contingentes espalhados por vários pontos da costa do nordeste, montando baterias que repelissem quaisquer insólitos ataques e vigiando para que desenbarques clandestinos não fossem feitos nas êrmas praias e pontos acessíveis.

Os problemas da manutenção das duas Forças Navais, em operações de guerra uma, em manutenção da neutralidade outra, se avolumavam, entretanto, com o agigantar-se da luta que rugia e eclodia por toda a parte. Anunciou-se então a ida ao Rio de Janeiro do Almirante Ingram, a bordo do cruzador "Memphis" escoltado pelo contratorpedeiro "Winslow", a fim de conferenciar pessoalmente com o Chefe do Estado-Maior da Armada e com o Ministro da Marinha brasileiros, sobre "o momento internacional". A propósito dessa viagem, escrevia ainda, avisando, o Almirante Dodsworth: - "Estou informado de que o Almirante Ingram é muito acatado pelo Almirante King, Comandante-em-Chefe da Frota Norte-Americana. Ele tem força de decisão nos assuntos de que trata, independente, em certos casos, de consulta prévia".

Enquanto isso se passava pelo nordeste, no sul, do Rio de Janeiro para a Ilha Grande e Santa Catarina, o restante da Esquadra também se movimentava intensamente. Ao tempo em quee, na Capital da República, se instalava a 3ª Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores dos países americanos, a cuja recomendação do dia 23, seguiu-se, a 28, o rompimento de relações diplomáticas do Brasil com os três países do Eixo, - a Flotilha de Contratorpedeiros andava, em patrulha e exercícios, de Cabo Frio à baía da Ilha Grande, onde lhe chegou a notícia daquele rompimento. Em Santos, foi o cruzador "Rio Grande do Sul" que forneceu contingentes para a ocupação de navios mercantes italianos e alemães, entre os quais o "Conte Grande", italiano, e o "Winduk", alemão, depredados por suas guarnições e depois vigiados de perto pelo C.T. "Piauí".

Em fevereiro, o cruzeiro de patrulha e exercícios dessa Flotilha estendia-se até Florianópolis, tocando ainda em São Francisco, em Paranaguá, em Santos e no canal de São Sebastião. Nesse mesmo mês, o CT "Mato Grosso" tinha ordem de seguir para o porto de Vitória, no Espírito Santo, em inspeção pelo litoral, devendo vasculhar as ilhas de Guarapari, próximas e Benevente, onde fora assinalada a presença de embarcação suspeita de ser submarino. Ao regressar ao Rio, teve, no dia 8 de março, ordem de patrulhar a barra do Rio de Janeiro, até à saída do grande "liner" inglês "Queen Mary" que transportava considerável contingente de tropas, ao qual devia o contratorpedeiro brasileiro escoltar até cerrar-se de todo a noite; antes de suspender, o comandante do CT "Mato Grosso" foi chamado ao telefone (era um domingo), no edifício sede da Flotilha de Submarinos (Patromoria, na Ilha das Cobras) pelo Comandante-em-Chefe da Esquadra, que lhe deu instruções especiais, avisando que havia suspeitas da presença de um submarino alemão entre o Rio e Santos e que, assim, se o mesmo fosse visto, o atacasse. Essa ordem verbal só poderia ser cumprida, àquela época, apenas com duas precárias armas: a proa do navio e o canhão de 101mm, pois os nossos navios ainda não tinham sido providos de bombas de profundidade, nem de cargas para cortinas de fumaça, nem mesmo de torpedos - tais eram ainda os nossos propósitos pacíficos, refratários à intromissão na contenda alheia, mesmo quando vários de nossos navios mercantes já haviam sido postos a pique com grandes perdas de vidas!

Em abril, o mesmo CT "Mato Grosso" teve ordem de sair com destino a Cananéia, onde devia fazer um inquérito a respeito de atividades japonesas contrárias aos interêsses nacionais, seguindo depois para Santos, donde escoltaria para o Rio de Janeiro, o paquete alemão "Winduk" rebocado. Devido ao estado precário das caldeiras e do eixo de um hélice, esse navio ficou em Santos, sendo substituído nas duas comissões pelo CT "Piauí".

Page 8: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

Entretanto, alhures, nas zonas declaradas de guerra e nos mares livres, continuavam seguidamente os torpedeamentos e afundamentos, por submarinos alemães, de navios mercantes brasileiros: - a 7 de março dêsse ano de 1942, era torpedeado e afundado o "Arabutã", em viagem de Norfolk para Port of Spain, morrendo o enfermeiro de bordo; a 8 de março, era o "Cairu", navio misto do Loide Brasileiro, com passageiros e carga, atacado e posto a pique, durante a travessia de Belém para Nova York, perecendo 47 tripulantes, entre os quais o próprio comandante, e 6 passageiros; a 1º de maio era a vez de ir para o fundo, do esplêndido cargueiro "Parnaíba", nas proximidldes de Trinidad, perdendo-se 7 homens, embora estivesse artilhado com canhão de 120 mm guarnecido com pessoal da Marinha de Guerra, 1 sargento e 3 ma rinheiros; a 18 dêsse mesmo mês, já ao largo da costa brasileira, entre o Rio Grande do Norte e Fortaleza, era torpedeado e depois metralhado e canhoneado o mercante "Comandante Lira", do Loide Brasileiro, quando do Recife ia para Nova Orleans, não tendo, entretanto, ido a pique, pois, depois de abandonado em chamas pela guarnição, localizado pela aviação americana, foi salvo e rebocado para o porto de Fortaleza pelo rebocador nacional "Heitor Perdigão" e pelo pequeno tender de aviões americanos "Thrush", numa brilhante e extenuante faina de salvamento com êxito no mar, havendo também a corveta "Caravelas" andado a procura, embora sem resultado, do navio torpedeado; seis dias depois, a 24 de maio, era o "Gonçalves Dias", ainda do Loide Brasileiro, perdendo-se 46 homens da tripulação, e, a 1º de junho, o "Alegrete", da mesma companhia, ambos cargueiros, em viagem do Brasil para Nova York, torpedeados ambos e metidos a pique pela ação dos submarinos alemães; ainda em junho, perdeu-se o "Pedrinhas", da Companhia de Cabotagem de Pernambuco, afundado já próximo de Porto Rico, salvando-se a tripulação; em julho, a 26 e 28, eram afundados, por torpedo, o cargueiro "Tamandaré" do Loide Brasileiro, em viagem de Recife para La Guaíra, Venezaela, e o "Barbacena", também cargueiro da mesma companhia, ambos com perdas de vidas e na altura da ilha de Trinidad, cujas cercanias se haviam transformado em verdadeiro cemitério de navios; nesse mesmo dia 28, era ainda torpedeado, canhoneado e metralhado por submarino à superfície, o "Piave", navio-tanque do Loide Nacional, em viagens para as Antilhas, perdendo-se o comandante; o navio misto "Rio Branco" do Loide Brasileiro fôra atacado também por submarino, logrando escapar, repelindo a agressão com o canhão de que estava armado, guarnecido por pessoal da Marinha de Guerra; de 15 a 17 de agosto, então, esses ataques insólitos a navios neutros, em viagem pacífica nos mares livres, culminaram em audácia e desumanidade, reproduzindo-se, em número de 5, em menos de três dias, ao largo de nosso próprio litoral leste, mesmo em águas próximas das territoriais; foram assim truculentamente torpedeados com dois torpedos e afundados: - o "Baependi" do Loide Brasileiro, grande navio de passageiros e carga, em viagem do pôrto de Salvador para Maceió, carregado de homens, mulheres e crianças, no dia 15 desse trágico mês de agosto, salvando-se apenas 18 passageiros dos 252 que levava o navio, e 18 tripulantes dos 73; o "Araraquara", navio-motor de passageiros do Loide Nacional, a 20 milhas da cidade de Aracaju, Sergipe, salvando-se apenas 3 passageiros dos 68 e 8 tripulantes dos 74, pois o crime fôra perpetrado à noite, sem qualquer aviso, afundando o navio, como aquele outro, em cinco minutos, sem tempo para qualquer providência de salvamento; a 16, era ainda, no mesmo ponto, ao largo da costa de Sergipe, torpedeado e afundado em três minutos, sem o menor tempo para salvamentos, o navio de passageiros do Loide Brasileiro "Aníbal Benévolo", perdendo-se todos os 83 passageiros e salvos apenas 4 dos 71 tripulantes; e no dia 17 foram ainda metidos a pique pela insânia insatisfeita dos submarinos alemães, já mais ao sul, ao largo do farol de São Paulo, quase à entrada do porto do Salvador, Bahia. o paquete "Itaciba" da Companhia Nacional de Comércio e navegação, perdendo-se 30 passageiros e 9 tripulantes, e o cargueiro "Arara" do Loide Nacional, salvando-se apenas 15 tripulantes dos seus 35.

Com esses inomináveis torpedeamentos, quando ainda não havia estado de guerra declarado entre os países do Eixo e o Brasil, que suportava estoicamente os duros golpes que lhe vinham sendo desferidos, já vinte (20) navios mercantes brasileiros haviam sido atacados, dos quais 17 afundados por ação torpédica de submarinos germânicos.

Criava-se, assim, o casus belli insuperável, para o qual, entretanto, não fora a Marinha de Guerra Brasileira colhida de surpresa, mas em plena ação coibidora no mar, embora pouco aparelhada para evitar ou apenas suavizar tão rudes golpes, os últimos dos quais, sacrificando tantas centenas de vidas de homens, mulheres e crianças brasileiros, despreocupados e confiantes nas suas viagens em tempo de paz, emocionaram a Nação e levaram o Governo Brasileiro à declaração de guerra aos agressores, a 22 de agosto de 1942, quando estes demonstravam um poderio quase julgado impossível de subjugar e quando a campanha submarina estava no seu ominoso apogeu.

Entre os meses de maio e agosto de 1942, vários outros acontecimentos se verificaram na ação que a Marinha de Guerra do Brasil vinha desenvolvendo para evitar que a nossa linha de neutros fosse quebrada ou desvirtuada, no que dependesse de nossas próprias ações ou omissões.

Page 9: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

Em maio, o Ministro da Marinha dissolvera, por aviso, a Flotilha de Navios-Mineiros e incorporou os seus navios à Divisão de Cruzadores, operando no norte, em patrulha, sendo substituídos seus aparelhamentos de minagem por calhas para lançamento de bombas de profundidade.

Nesse mesmo mês de maio, o Almirante Jorge Dodsworth Martins deixava o Comando da Divisão de Cruzadores, ficando os navios que agiam nas águas do nordeste e dali para o norte e para o litoral leste, isto é, os dois cruzadores e os navios-mineiros, sob as ordens, no local, de um "Comandante mais antigo", que era o Capitão-de-Mar-e-Guerra Jerônimo Francisco Gonçalves, comandante do C. "Rio Grande do Sul". Em seus primeiros contatos com o Captain Hodgman, Observador Naval no Recife, o Comandante Gonçalves colheu ótima impressão, referindo-se, em relatório; a este último, como sendo um "oficial que tinha grande autoridade no local e dispunha de grandes recursos, não só militares, como logísticos"; recebendo a bordo de seu navio, no porto de Recife, já em junho, o Almirante Ingram, a este assim se referiu, relatando a visita: - "O Almirante manifestando sempre sua grande simpatia e apreço pelo Brasil e pela Marinha, muito comunicativo e loquaz, disse que estaria de regresso ao porto dentro de 15 dias, em um novo cruzador, o "San Juan", e, nessa ocasião, desejaria, passando para um contratorpedeiro, viajar até ao porto de Natal, acompanhado de dois navios-mineiros nossos", - o que, realmente, foi, mais tarde, autorizado pelo Estado-Maior da Armada e realizado a título de esplêndido exercício.

Sob a nova direção do Comte. Gonçalves nas operações que se realizavam no nordeste, acauteladoras de nossos bens, não só o C. "Rio Grande do Sul", como navios-mineiros fizeram a escolta do grande paquete "Saram'' do Loide Berro, e de outros navios de menor importância, os quais transportaram tropas e material de guerra do nosso Exército para o arquipélago de Ferrando de Noronha, formando-se assim o primeiro comboio, para esse fim especial, que se movimentou nas águas nordestinas.

Em junho era criado, por decreto-lei, o Comando Naval de Pernambuco, mais tarde Comando Naval do Nordeste, instalando-se a 27 do mesmo mês, no Recife, tendo por primeiro Comandante o Contra-Almirante José Maria Neiva, ampliando-se, assim, mais as providências necessárias para assegurar o êxito das operações de nossos navios no mar.

A 21 de julho, o Ministro da Marinha baixou ato extinguindo a Flotilha de Contratorpedeiros, incorporando os seus navios diretamente à Esquadra, para obter maior flexibilidade no seu emprego nas múltiplas missões que poderiam ter no mar. Na mesma ocasião era suspensa, por outro ato ministerial, a baixa das fileiras da Armada às praças que terminassem o tempo legal de serviço, dada a situação de emergência.

No sul, isto é, do Rio de Janeiro para Santa Catarina, os encouraçados e os contratorpedeiros continuavam a fazer regularmente seus exercícios, quer na baía da Ilha Grande, quer mais para baixo até às costas daquele Estado.

Extinta a Flotilha de Contratorpedeiros, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Alfredo Carlos Soares Dutra, seu comandante, foi nomeado para comandar a Divisão de Cruzadores, assumindo o seu novo cargo em agosto, a bordo do C. "Bahia" que se achava no Rio de Janeiro. Depois seguiu, a 11 desse mesmo mês, por via aérea, para o Recife, onde embarcou e içou seu pavilhão no C. "Rio Grande do Sul", recebendo assim sobre seus ombros as duras atribuições que pesavam sobre o "Comandante mais antigo presente", que era o próprio comandante dêsse cruzador.

Mal assumira, com efeito, suas novas funções, estando seu navio capitânia no porto, com os condensadores abertos para limpeza e ligeiros reparos, recebeu notícias do Capitão dos Portos de Alagoas, segundo as quais náufragos do "Baependi" torpedeado haviam chegado às praias de Estância. Determinou, por isso, o aparelhamento e a saída imediata do navio e do "Carioca", dando-lhes a missão de - "repelir com decisão a ação de submarinos, prestar auxilio material e moral aos náufragos que ainda estivessem no mar e prosseguir em patrulhamento até ao sul do morro de São Paulo".

Passava, assim, a Marinha de Guerra do Brasil, de chôfre, das operações meramente defensivas de manutenção de neutralidade, para as genuinamente de guerra, ofensivas, de "repelir com decisão a ação de submarinos".

Tal missão, fruto da iniciativa de um chefe da doutrina já atrás assinalada, era ainda independente de qualquer diretiva do Almirante Americano Comandante da Fórça-Tarefa 23, embora já houvesse harmonia

Page 10: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

de vistas nos modos de proceder, mas não de comando. Não houvera ainda também comunicação de declaração de guerra, de sorte que pela justa decisão do Comandante da Divisão de Cruzadores de passar à ofensiva, a Marinha de Guerra, sem qualquer período de transição nem solução de continuidade, passava a franca operação de guerraa, perfeitamente justificada, num teatro de operações navais inteiramente novo, em que a luta se iniciava com tamanha virulênccia e em que o inimigo, tão temível quão insidioso, se achava presente, mas invisível, feroz, implacável, sanguinário.

O C. "Rio Grande do Sul", com o Comandante da Divisão de Cruzadores de agosto, depois de terem investigado acuradamente as águas litorâneas da Bahia até ao morro de São Paulo. Ali recebia aquele chefe carta do Almirante Ingram sugerindo deixar dois navios-mineiros no Recife e permanecer com o C. "Rio Grande do Sul" e o "Carioca" no porto do Salvador, sugestão de que o Comte. Soares Dutra, sempre muito cioso de suas atribuições e da independência de ação da Marinha de Guerra Brasileira, discordou, por enten-der que seu capitânia devia ter base no Recife, onde estaria em contato mais direto com todas as autoridades militares brasileiras do nordeste e com as americanas, parecendo-lhe, ao mesmo passo, não ser intenção do Estado-Maior da Armada deixar sua força sob a orientação do Almirante Americano, suposição esta que era errônea.

Com efeito, a essa altura dos acontecimentos, arrastado o Brasil à guerra, crescendo os encargos das Forças Americanas do Atlântico, o Almirante Ingram transferiu a base de sua força naval de Trinidad para o Recife, em cujo porto fizera estacionar o grande navio-tanque "Potoka", para o qual transferiu do C. "Memphis" o seu pavilhão, a fim de poder melhor agir estrategicamente na distribuição de tarefas e de promover os meios logísticos mais eficientes de modo a atender às prementes solictações de uma esquadra em operações, para as quais, afnal, por seu caráter especial, não era necessária a permanência de um almirante no mar.

Convidou, por isso, o Almirante Ingram ao Comte. Dutra para que fosse ao Recife, avistar-se com ele, pela primeira vez, fazendo-se a viagem por via aérea. Até então não havia, de fato, nenhuma subordinação da Divisão de Cruzadores, acrescida dos navios-mineiros, à Força do Almirante Ingram, já então com a designação de Força do Atlântico Sul da Esquadra do Atlântico. Tratou-se apenas, nesse primeiro encontro, de uma coordenação na atuação das duas forças, e o Comte. Soares Dutra regressou à Bahia.

Enquanto isso, toda a navegação mercante brasileira ficara paralisada, pois os navios que se achavam nos portos tiveram ordem de sustar a partida e os que estavm no mar a 16 e 17 de agosto foram avisados para que se recolhessem ao primeiro abrigo mais seguro.

Essa situação, porém, não podia perdurar por muito tempo, sob risco de graves prejuízos para a vida do país e assim o entendeu o Almirante Ingram de quem uma das primeiras preocupações, já dominando o cenário das operações navais brasileiro-americanas no nordeste, foi o restabelecimento, com segurança, do comércio marítimo. Por isso, determinou que dois navios-mineiros que se achavam no Recife, o "Caravelas" e o "Cabedelo", partissem para Natal, com escala pelo porto de Cabedelo, escoltando o navio-auxiliar "Vital de Oliveira". Ficaria no Recife, o navio-mineiro "Camaquã", que carecia de reparos por ter sofrido a explosão de um cofre de pólvora.

No dia 4 de setembro suspendia, assim, aquele navio-auxiliar com sua escolta para Natal, onde se demoraria. Deste pôrto, os dois navios-mineiros deveriam escoltar para Fortaleza um navio de passageiros da Companhia Nacional de Navegação Costeira, saindo a 8 de setembro preliminarmente para Macau, onde pernoitaram, visto que, não dispondo de nenhum aparelhamento de escuta submarina, só deviam fazer singraduras diurnas. Ao largo de Areia Branca, a 9, destacou o "Cabedelo" para fazer sair dali um outro mercante para Fortaleza. Deste pôrto, trazendo um navio do Loide Brasileiro e outro de Aracati, regressaria a escolta a Natal.

Organizou-se então ali, nas águas do Potengi, o primeiro comboio que se devia movimentar nas costas do Brasil, após os barbarescos torpedeamentos nas águas de Sergipe e da Bahia; seu trem compunha-se de seis navios mercantes, que foram dispostos em duas colunas, e a escolta compreendia o tender de aviões americano "Humboldt", comandante do comboio com o Capitão-de-Fragata Montgomery, e os navios-mineiros "Caravelas", Capitão-de-Corveta Macedo Soares, e "Cabedelo", Capitão-de-Corveta Aldo de Souza.

A chegada desse primeiro comboio ao porto do Recife, após curta singradura, mas em águas sumamente perigosas, causou satisfação ao Almirante Ingram que disse, a bordo do "Potoka", ao Comandante do

Page 11: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

"Caravelas", ser necessário fazer movimentar de norte a sul e vice-versa, num fluxo contínuo, os navios mercantes transportadores, de seiva vital para os nossos paises. Determinou-lhe, logo a seguir, que saísse do Recife com alguns outros navios, os quais deviam ser passados, fora do porto, a uma escolta que vinha de Salvador com outro pequenino comboio, recebendo os navios de seu trem em escolta até à entrada no Recife.

O comboio que vinha da Bahia, tinha por escolta o C. "Rio Grande do Sul" e o "Carioca", e a cujo comandante, o CMG Soares Dutra, foi transmitida por mensagem visual a ordem emanada do Almirante Ingram. O Comandante da Divisão de Cruzadores não atendeu, entretanto, a essa determinação e entrou no porto, seguido, mais tarde, pelo "Caravelas", por isso que nenhum outro navio saíra mais dalí; julgara ele estarem sendo transmitidas tais ordens indevidamente pelo Almirante Americano, visto que nenhuma comunicação oficial do Estado-Maior da Armada havia recebido, sobre a subordinação de sua força aquele Almirante. Indo avistar-se, entretanto, com este, mal atracara seu navio, encontrou uma atmosfera carregada, o que tudo logo se desfez e explicou, com o conhecimento, só então, das decisões do Estado-Maior da Armada, em cumprimento aos acordos havidos em Washington no seio da Comissão Militar Mista.

O memorando da Divisão de Cruzadores, datado de 25 de setembro, em cumprimento a uma determinação do Estado-Maior da Armada em ofício de 12 de setembro, dava conhecimento aos navios da incorporação da Divisão à Força Naval Norte-Americana em operações no Atlântico Sul. A distância que foi entre a data dêste ofício (12) e a daquele memorando (25) mostra bem a importância que, têm as comunicações, máxime em tempo de guerra, atribuindo-se somente a tão grande falta à desinteligência inicial que houve entre os dois chefes - o brasileiro e o americano, na qual estiveram em jogo, por algum tempo, o prestígio disciplinar e o bom nome dos oficiais brasileiros.

A 24 de setembro, o Comando da Fôrça do Atlântico Sul, já promovido ao posto de Vice-Almirante, baixava uma "Ordem de Operações Combinadas", a de n° 1 de 1942, datada do Recife, Pernambuco mas citando ainda o C. "Memphis" como navio-capitânia, ordem essa para as Forças Navais Brasileiras do Nordeste, as quais constituíam, assim, a Força-Tarefa n° 1 sob o comando do Capitão-de-Mar-e-Guerra Dutra. A Organização por Tarefas estabelecia:a) 1.1 - Grupo-Tarefa Afir - C.M.G. Dutra

"Rio Grande do Sul"b) 1.2 - Grupo-Tarefa Bala - C.C. Macedo Soares "Caravelas"

"Carioca""Cabedelo""Cananéia""Camaquã"

c) 1.3 - Grupo-Tarefa Cruz - C.F. Cox"CS-1""CS-2".

1. Esta força foi posta sob a direção operacional do Comandante da Força do Atlântico Sul da Esquadra do Atlântico dos Estados Unidos.Submarinos estão operando ao largo da costa nordeste do Brasil contra a navegação aliada e neutra. Devem ser esperados raiders de superfície. É provável que as proximidades dos portos sejam minadas. O desembarque de agentes e o bombardeio de estabelecimentos em terra podem ser tentados por submarinos inimigos.2. Esta Força, em cooperação com a Força do Atlântico Sul da Esquadra Americana do Atlântico, protegerá a navegação mercante do Rio de Janeiro até Trinidad. Localizará e destruirá forças inimigas que cheguem às áreas marítimas contíguas à costa dentro da área de operações designada.3. a) O Grupo-Tarefa Afir dará escoltas à navegação mercante e patrulhará as rotas marítimas, como for determinado. b) O Grupo-Tarefa Bala e c) O Grupo-Tarefa Cruz fornecerão escoltas para os comboios. x) - (1) - Localizar e destruir os submarinos inimigos e navios de superfície que entrem na área designada e proteger as cidades litorâneas do Brasil. (2) - O Comandante da Força do Atlântico Sul baixará diretivas para o Comandante das Forças Navais Brasileiras do Nordeste, o qual solicitará a designação de navios para operações específicas. y) - Esta Ordem de Operações será tornada efetiva às 11.00 GCT do dia 25 de setembro de 1942.4. O Comandante da Divisão de Cruzadores será responsável pelas providências logísticas de sua Força, mas todo auxilio será prestado pelas Forças dos Estados Unidos, mediante requisição.5. O Comandante da Força do Atlântico Sul não será de modo algum responsável pelo Comando administativo dos navios brasileiros. Quando as escoltas forem constituídas de unidades de ambas as

Page 12: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

marinhas, o "Oficial mais antigo presente" será o Comandante.Um plano de comunicações será posteriormente distribuído.Fuso de + 3 horas.O Comandante da Força do Atlântico Sul estará temporariamente no USS "Potoka".(a) Jonas H. IngramVice-Almirante, USN - Comandante da Força do Atlântico Sul.

Nesta Ordem de Operações, o Capitão-de-Corveta Macedo Soares foi designado como Comandante de um Grupo-Tarefa, porque era, no momento, o comandante do navio-mineiro mais antigo; desses navios, o "Camocim" e o "Cananéia" não estavam agindo, na ocasião, no nordeste: fizeram parte do Grupo-Patrulha do Sul e só mais tarde foram incorporados à fôrça que agia no norte. O Capitão-de-Fragata Cox (Harold Reuben Cox) figurava como outro comandante de Grupo-Tarefa, mas, na realidade, ele se achava em Miami, Estados Unidos, chefiando a Comissão de Recebimento de Caça-Submarinos, dos quais os dois primeiros (os que figuram na Ordem, CS-1 e CS-2 "Guaporé" e "Gurupi") foram, naquela ocasião, entregues às guarnições bra-sileiras em Natal.

Ficou suficientemente esclarecido, desde essa 1ª Ordem de Operações, que a subordinação da nossa Força Naval (ainda a Divisão de Cruzadores) ao Comando Norte-Americano era tão-somente quanto a operações de guerra, estrategicamente, não se imiscuindo, de maneira alguma, o Almirante Ingram na parte administrativa; quanto à direção tática, poderia pertencer a um oficial brasileiro ou a um americano, conforme fosse, no evento, mais antigo este ou aquele no comando da escolta.

Graças a tão sábias e precisas disposições iniciais, jamais houve, em todo o correr das operações até ao término da guerra, qualquer atrito entre americanos e brasileiros ou suscetibilidades quanto a comando: a harmonia de vistas e o de procedimento foi sempre total.

Essa 1ª Ordem de Operações, por cujo modelo se pautaram todas as demais que, em reduzido número, foram baixadas até ao final, referia-se ainda à Divisão de Cruzadores. Esta foi extinta a 5 de outubro de 1942, criando-se, por aviso, em seu lugar, na mesma data, a Força Naval do Nordeste (FNNE), composta inicialmente dos cruzadores "Rio Grande do Sul" e "Bahia", dos navios-mineiros "Caravelas", "Cabedelo", "Carioca" e "Camaquã", e dos iça-submarinos "Guaporé" e "Gurupi" de uma classe conhecida, mais tarde, por "caças-ferro", por serem construídos de chapas de ferro.

A história desses novos elementos que reforçaram, ainda que tenuamente, a nossa força naval, vinha de alguns meses antes. De acordo coms os termos da Lei de Empréstimos e Arrendamentos, os Estados Unidos podiam ceder ao Brasil, mediante certos compromissos de devolução, navios de guerra de que precisássemos para nossa defesa e serviço de comboios; nesse sentido foi criada uma Comissão especial para recebimento de caça-submarinos, cuja chefia foi dada ao dinamismo e operosidade do Capitão-de-Fragata Haroldo Reuben Cox. Em breve instalava-se essa Comissão Brasileira em Miami e para lá seguiram oficiais, suboficiais e praças a fim de tirar cursos expeditos, de modo a formar as guarnições especializadas para as novas unidades; logo se colheram os mais benéficos frutos desses cursos, graças à capacidade da gente brasileira em aprender tudo o que havia de mais moderno e adequado ao gênero de guerra que possivelmente teríamos de enfrentar.

Foi devido à notícia dessa Comissão espalhada a grosso modo pelo povo, no Brasil inteiro, que, ao entrar nosso país em guerra, surgiram em todos os recantos os arroubos patrióticos em subscrições e donativos para ofertar à Marinha "lanchas-torpedeiros", confusão que se fazia nos espíritos pouco esclarecidos sabre o assunto, e o que seria, afinal, inteiramente desarrazoado, pois a necessidade que surgiu, premente, não era a de possuirmos embarcações "torpedeiras", mas, ao contrário, das que dessem caça, sem quartel, aos submarinos "torpedeiros", devendo, assim, ser armadas, de preferência, com bombas de profundidade e tipos semelhantes.

Graças às providências tomadas pela Comiissão Brasileira em Miami, puderam logo, em Setembro de 1942, ser entregues, na Base Naval de Natal, os dois primeiros caça-submarinos, o "Guapore" (CS-1) e o "Gurupi" (CS-2). Daí figurarem eles na 1ª Ordem de Operações, para a Força Naval Brasileira, baixada pelo Almirante Ingram, formando o Grupo-Tarefa Cruz, sob o comando do C. F. Cox. Esses navios foram os primeiros, na Marinha Brasileira, dotados de aparelho de escuta submarina.

Como o comboio era a solução única para a segurança da navegação mercante, todos os esforços do

Page 13: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

Almrante Ingram foram, desde logo, dirigidos no sentido de sua organização e sistematização, entre o parto do Recife, a cujo largo já vinham passando os comboios internacionais, e o Rio de janeiro.

De outubro a dezembro de 1942, três dêsses comboios singraram entre aqueles dois portos, tendo, entratanto, vindo de Trinidad, com escolta exclusivamente americana até à altura do Recife, a qual foi então substituída por uma outra mista brasileiro-americana, agregando-se ali novos mercantes ao trem ou saindo deste os que se destinavam a Pernambuco. As escoltas desses primeiras comboios eram constituídas do C. "Rio Grande do Sul", dos mineiros "Caravelas" e "Carioca" ou "Camaquã" e de um cruzador e um contratorpedeiro americanos, entre os quais o "Omaha", o "Milwaukee" e o "Greene". Dois dos comandantes desses cruzadores, os Captains Royal e Chandler, aquele antigo assessor de ensino na nossa Escola de Guerra Naval, mais tarde, já promovidos a almirantes, perderam a vida nas campanhas aeronavais do Pacífico.

No segundo desses comboios, o navio-mineiro "Caravelas", na altura do porto do Salvador, foi destacado para escoltar até ao fundeadouro dois grandes navios petroleiros, os quais iam abastecer sete grandes transportes, que ali se achavam, e respectiva escolta de apenas um cruzador e um contratorpedeiro ingleses, cheios de algumas dezenas de milhares de homens de tropa britânica.

Como a praxe adotada era designar os comboios por letras indicativas de seu ponto de origem e do de destino, seguidas do número de ordem, esses que vinham de Trinidad e iam até ao Rio de Janeiro, foram batizados com as letras TJ e chamados Tupi-Jóia num sentido e Jóia-Tupi (JT) noutro, empregando-se a letra J de janeiro, pois o R designaria também Recife. Nos seus trens, às vazes bem numerosos, chegando até mais de vinte navios, incluíam-se mercantes de várias nacionalidades - americanos, inglêses, holandeses, suecos, brasileiros vindos da América, - entre os quais uma boa percentagem de navios-tanque, transportando óleo combustível para o Rio de Janeiro e portos do Prata; alguns desses mercantes destinavam-se à África do Sul e eram desligados do comboio em pontos predeterminados, ao largo da costa da Bahia. Em muitas ocasiões, as condições de escolta e de manutenção desses comboios eram particularmente difíceis, máxime para os navios brasileiros que ainda não dispunham de aparelho de escuta submarina nem de radar; em dezembro, um desses comboios, com escolta do "Rio Grande do Sul", "Caravelas", "Carioca e U.S.S. "Greece", com 14 mercantes de trem, muitos dos quais foram destacados para a África e para o Rio da Prata, chegou às proximidades do Rio de Janeiro com um nevoeiro intensíssimo e tenaz, fazendo-se a entrada no porto sob condições sobremodo perigosas - fato que se havia de repetir por várias outras vazes.

Uma das primeiras sugestões do Almirante Ingram às autoridades navais brasileiras fôra a da necessidade de defender eficientemente os grandes portos do Recife e do Salvador contra ataques ex-abrupto de raiders ou submarinos vindos à superfície e que lhes bombardeassem as instalações portuárias e outras, sem que houvesse possibilidade de reação a tempo; alvitrava, assim, a ida dos encouraçados "São Paulo" e "Minas Gerais", até então inúteis na espécie de guerra anti-submarina que se desenvolvia, os quais, com uma bordada de dez canhões de grosso calibre, poderiam, convenientemente dispostos, servir de verdadeiras fortalezas flutuantes. Com esse fim, saiu o "São Paulo" para o Recife, em outubro de 1942, escoltado por contratorpedeiros americanos, e, mais tarde, o "Minas Gerais" para o Salvador, nas mesmas condições.

No Recife, o "São Paulo" ficou subordinado ao Comamdo Naval do Nordeste, mas, por um acordo, ali se instalou o Comando da Força Naval de Nordeste, isso é, o Comandante Soares Dutra com seu Estado-Maior, então constituído do Capitão-de-Fragata Augusto Pereira, Chefe do Estado-Maior Capitão-de-Corveta Aroldo Zany, oficial de armamento, Capitão-de-Corverta M. Jaime de Magalhães Barreto, oficial de máquinas e reparos, Capicão-de-Corveta Gastão Monteiro Moutinho, assistente, Capitão-Tenente Afrânio de Faria, oficial de comunicações, e Tenentes Floriano de Faria Lima e Carlos Eduardo Neiva, ajudantes-de-ordens.

O "São Paulo" estava, entretanto, amarrado a 4 ferros, junto do molhe, com comunicações com a terra muito precárias para poder atender ao movimento crescente da Força. Ficou decidido, então, que o navio-oficina "Belmonte", até pouco tempo tender da Flotilha de Contratorpedeiros, agora extinta, seguisse para o Recife, onde serviria de capitânia e base para a Força Naval do Nordeste. Aparelhado convenientemente, saiu do Rio de Janeiro a 26 de janeiro de 1943, levando a seu bordo o Capitão-de-Mar-e-Guerra Felicíssimo Vilanova Machado e o Capitão-de-Fragata Gerson de Macedo Soares; novos Encarregados de Reparos e Chefe do Estado-Maior da Força, chegando a Pernambuco a 2 de fevereiro; a escolta foi feita pelas corvetas "Rio Branco" e "Carioca". O "Belmonte" e o "Rio Branco", navio-hidrográfico armado em corveta, foram incorporados à Força Naval do Nordeste.

Page 14: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

Enquanto se desenrolavam esses acontecimentos até janeiro de 1943, não parava a ação nefasta dos submarinos alemães e italianos, transformando as águas da costa do Brasil, desde o norte até ao sul de São Paulo, em ativíssimo teatro de operações de guerra, comparável aos em que, alhures, mais se distinguiam pela virulência dos ataques, seguidos de afundamentos, avarias e perdas de vida.

Cronologicamente, deram-se os seguintes fatos mais característicos, ainda em 1942:

Agosto, 20 - O veleiro-barcaça "Jacira" foi afundado a tiro por um submarino, próximo à costa da Bahia;

Agosto, 24 - Seis trawlers de carvão, que estavam sendo construídos pela Casa Lage para o Governo inglês, foram transferidos para a Marinha do Brasil, com a designação de corvetas e os nomes de "Matias de Albuquerque", "Felipe Camarão", "Henrique Dias", "Fernandes Vieira", "Vidal de Negreiros"e "Barreto de Menezes";

Na mesma data são incorporados, por decreto-lei ao patrimônio nacional, os navios mercantes de nacionalidade alemã e italiana em portos nacionais;

Agosto, 31 - Um decreto declara o estado de guerra em todo o terri tório nacional; um outro divide em seis Comandos Navais o litoral e rios navegáveis do Brasil;

Setembro, 2 - São incorpandos ao patrimônio nacional os bens e direitos de várias empresas cujas atividades se entrelaçam com as necessidades da guerra, como todas as companhias de navegação, de mineração, etc.;

Setembro, 17 - É declarada, por decreto, a mobilização geral em todo o território nacional;

Setembro, 17 - Os paquetes "Cuiabá" e "Bagé", ambos do Loide Brasileiro, partem do Rio de Janeiro para Lisboa, transportando os Embaixadores da Alemanha e da Itália, bem como demais funcionários diplomáticos e súditos dos dois países; não são escoltados, mas levam, no costado, grandes dizeres que indicam sua missão diplomática;

Setembro, 24 - O Ministro das Relações Exteriores transmite às Missões Diplomáticas Estrangeiras, no Rio de janeiro, a lista de 3 navios alemães, 11 italianos e 5 dinamarqueses que passaram a navegar com novos nomes, sob a bandeira brasileira, por terem sido incorporados ao patrimônio nacional;

Setembro, 27 - São torpedeados e afundados os cargueiros do Loide Brasileiro "Osório" e "Lajes", em viagem entre Belém e Nova York;

Setembro, 28 - Foi afundado por submarino, a tiro de canhão, o vapor "Antonico", de propriedade particular, entre Belém e Paramaribo;

Setembro, 29 - Em visita oficial, chegou ao Rio de Janeiro, o Sr. Frank Knox, Secretário da Marinha dos Estados Unidos, com grande comitiva, entre cujos membros estavam o Almirante Ingram e o Almirante Spears, velho amigo do Brasil onde já servira na Esquadra por largo tempo;

Novembro, 3 - Foi torpedeado e afundado o cargueiro "Porto Alegre" da Companhia Carbonífera Rio-Grandeau, em viagem de Cape-Town para Durban,

Novembro, 22 - Quando em viagem de Belém para Nova York, foi afundado por torpedo inimigo, o "Apaloide" do Loide Brasileiro;

Dezembro, 7 - Começam a ser entregues, em Miami, ao Comandante Harold Reuben Cox, representante do Brasil como chefe da Comissão de Recebimento, os primeiros caça-submarinos de casco de madeira da classe "Javan", os quais ficaram conhecidos por "caças-pau" em contraposição aos "caças-ferro" da classe "Guaporé"; eram aqueles verdadeiras lanchas de reduzidas dimensões, mas perfeitamente aparelhados para a campanha anti-submarina e esplêndidos para o mar; à proporção que esses caça-submarinos iam sendo entregues em Miami, após curto período de exercícios, partiam, logo em serviço de guerra, integrando escoltas de comboios para Cuba, Trinidad, Belém e Recife, sendo incorporados à Marinha Brasileira e, a seguir, à Força Naval do Nordeste; da série G (os giants na classificação pitoresca do Captain Charles R. Will, subchefe do Estado-Maior do Almirante Ingram), o "Guaíba" (CS-3) foi o primeiro navio de guerra

Page 15: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

brasileiro dotado de radar, então ainda sob grande segredo e cuja cessão à Marinha do Brasil indicava uma grande confiança a que fazia jus a sua gente; os da série J (os juniors em oposição aos giants, os "caças-pau", não comportavam a instalação desses preciosos aparelhos que, depois, foram montados nas corvetas da classe "Carioca", nos cruzadores e nos demais navios que nos foram entregues; todos eles, entretanto, sem exceção, foram dotados de aparelhos de escuta anti-submarino, os ASDIC, também chamados vulgarmente "aparelhos de som";

Janeiro de 1943, 28 - O Presidente Getúlio Vargas chegou a Natal; ali, a 29, a bordo de um navio de guerra americano, avistou-se com o Presidente Franklin Roosevelt, que voltava de Casablanca, onde tivera uma conferência com Churchill; como resultado desse avistamento, reuniam-se a 30, no Ministério da Marinha, em conferência, o Ministro da Marinha, Almirante Henrique A. Guilhem, o Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Vieira de Melo, e os Almirantes Jonas Ingram e Augustin Beauregard, este Chefe da Missão Naval Norte-Americana no Brasil, para tratar dos problemas referentes à segurança da navegação no Atlântico Sul-ocidental e dos novos recursos a mobilizar.

Os torpedeamentos de navios mercantes brasileiros, entretanto, ainda continuaram por algum tempo, a saber:"Brasiloide", do Loide Brasileiro, próximo ao farol de Garcia d'Avila, na costa da Bahia, a 18 de fevereiro de 1943;"Afonso Pena", navio de passageiros do Loide Brasileiro, a 2 de março, ao largo dos Abrolhos, quando, desgarrado de um comboio, por seguir erroneamente, à noite, navios destinados à Africa do Sul, se dirigia para o Rio de Janeiro; pereceram 33 tripulantes e 92 passageiros;"Tutoia", também do Loide Basiieiro, no dia 30 de junho, ao norte da costa de Iguape, no Estado de São Paulo, quando singrando de Paranaguá para Santos; mortos 7 tripulantes;"Pelotasloide", ainda do Loide Brasileiro, no dia 4 de julho, próximo do farol de Salinas, Pará, onde recebera prático para entrar no porto; vinha de Trinidad, escoltado com segurança até ali pelos caça-submarinos "Jacuí" e "Jundiaí", que chegavam ao Brasil, vindos de Miami; esse afundamento se deu em condições misteriosas, não se podendo certificar se foi por efeito de torpedo, de mina ou mesmo de bomba-relógio quiçá colocada a bordo por sabotagem;"Bagé", o maior e melhor navio de passageiros do Loide Brasileiro, a 31 de julho, à noite, ao largo da costa de Sergipe, quando, por fazer fumaça excessiva, fôra mandado destacar de um comboio TJ, pouco depois da saída do Recife; salvaram-se 87 dos 107 tripulantes e 19 dos 27 passageiros, perdendo-se o Comandante;"Itapagé", da Companhia Nacional de Navegação Costeira, a 26 de setembro, próximo à costa de Alagoas, em pleno dia; 18 mortos e desaparecidos entre os 70 tripulantes e 4 passageiros desaparecidos dos 36;"Campos", ainda do Loide Brasileiro, a 23 de outubro, ao sul de Alcatrazes, próximo a Santos; perderam-se 10 tripulantes e 2 passageiros.

Este foi o último da longa série dos 30 navios mercantes brasileiros afundados, pesado tributo com que o Brasil concorreu para a luta pela justiça e pela civilização, com a perda de 470 vidas só de tripulantes, afora mais algumas centenas de não combatentes, entre homens, mulheres e crianças, passageiros.

O estancamento dos torpedeamentos de navios mercantes, os quais se haviam estendido até ao sul de Santos, em outubro de 1943, indicava uma maior eficiência no serviço de comboios, cujas escoltas eram mais numerosas e treinadas, marcando também um decréscimo acentuado na campanha submarina inimiga nas águas adjacentes ao litoral brasileiro, atribuível a várias causas ainda: perda de material e de guarnições bastante experimentadas, cansaço, indícios de enfraquecimento do potencial alemão, etc..

Enquanto a Força Naval do Nordeste organizava, ampliava e matizava os seus serviços, no sul, com base no Rio de Janeiro, era criado o Grupos Patrulha do Sul, composto do C. T. "Maranhão", dos navios-mineiros "Cananéia" e "Carrocim" depois transferidos para aquela Força, alguns velhos contratorpedeiros da classe "Amazonas" e, posteriormente, do "Jaceguai", navio-hidrográfico adaptado em corveta, e das corvetas da classe "Matias de Albuquerque". Esse Grupo-Patrulha do Sul encarregou-se de fazer a escolta de comboios organizadas com navios brasileiros que, do Rio, se destinavam a Santa Catarina, com escala pelos vários portos intermediários. Esteve sob o comando de oficiais de alto valor, como os Comandantes Edmundo Williams Muniz Barreto, Ernesto de Araujo, Braz Paulino da Franca Veloso e, por último, do Almirante Gustavo Goulart, quando já constituindo a Força Naval do Sul, coam a incorporação daquelas últimas unidades.

A Comissão Brasileira de Miami trabalhara ativamente; os oficiais, suboficiais, sargentos e praças que lá se encontravam, faziam os seus cursos em em Key-West e outros pontos, freqüentando principalmente as

Page 16: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

"escolas de tática anti-submarino; com esse excelente treinamento, puderam oficiais e subalternos guarnecer com eficiência os oito (8) "caças-pau" - "Javari", "Jutaí", "Juruá", "Juruena", "Jaguaribe", "Jaguarão", "Jacuí" e "Jundiaí" -, transportando-os, já como escoltas de comboios internacionais até ao Brasil, e seis (6) "caças-ferro", além do "Guaporé" e do "Gurupí", já entregues em Natal, a saber - "Guaiba", "Gurupá", "Guajará", "Goiana", Grajaú" e "Graúna". Assim, aqueles até julho de 1943 e estes até princípios de 1944 já estavam incorporados à Força Naval do Nordeste, aumentando-lhe de muito as possibilidades de ação.

Em março de 1943, a Força do Atlântico Sul passou a constituir uma Esquadra, a Fourth Fleet sob o comando do mesmo Vice-Almirante Ingram, cujo indicativo passou de Comsolant para Comfleet Fourth; dessa 4ª Esquadra, a Força Naval do Nordeste, sob o comando do Contra-Almirante Alfredo Carlos Soares Dutra, promovido a este posto desde janeiro, era a Força-Tarefa 46.

Naquela ocasião, já as operações haviam tomado tal vulto que a sua direção, que nascera a bordo do "Potoka", no camarote do Comandante Goodwin, sobre cujo beliche uma prancheta de rebater encerrava a carta do Atlântico Sul em que se fazia a plotagem de derrotas de comboios, submarinos, etc., - teve que se transferir para um edifício recém-construído, de propriedade de um Instituto de Aposentadorias e Pensões, contando 10 andares, na nova Avenida 10 de Novembro, onde o Estado-Maior do Almirante Ingram, já com cerca de 70 oficiais, incluindo os serviços administrativos, se instalou convenientemente. E, quando o prédio contíguo, o da Sulacap, ficou pronto, ainda se rasgou uma porta no 7º andar daquele para comunicar-se com mais dois andares deste último. Em cada um dos pavimentos funcionava um serviço diferente: aqui operações (2º andar, com dois balcões internos, dando para poços no térreo, onde se colocaram duas gigantescas cartas do Atlântico Sul, uma para plotagem dos comboios, posição de submarinos, patrulhas aéreas e navios de guerra, outra para a localização de todos os navios mercantes no mar, na vasta área sul-atlântica); ali, abastecimentos, escritório do observador naval; mais acima (7º), o salão de canferências diárias, as dependências do Almirante e de seu Estado-Maior, cuja chefia já estava confiada à inteligência clarividente do Captain depois, Comodoro, Clinton E. Brainer; mais acima ainda, ficavam os manipuladores dos transmissores-rádio, cuja estação, a poderosa NKM, fôra instalada no Jiquiá (subúrbio do Recife), com os seus múltiplos aparelhos transmitindo simultaneamente em quatro ondas.

Tudo isso se fazia principalmente para que mais eficiente fosse o serviço de escoltas aos comboios Tupi-Jóia e Jóia-Tupi que, incessantemente, se cruzavam no mar, para o sul e para o norte, em derrotas pré-fixadas, e para que inúmeras outras pequenas missões e escoltas de outros menores comboios fossem devidamente cumpridas, além das parulhas oceânicas até ao meridiano de 20° e à ilha de Ascensão.

Então para abastecer, suprir, guarncer e reparar essa Esquadra e sua Força Aérea, cada vez mais numerosa, de que a Força Naval do Nordeste era parte importante e comando administrativo independente, foi preciso tratar de uma série enorme de problemas de instalações e logística, os mais variados, para atender até as mínimas necessidades. Assim a surpreendente organização logística americana ocuparia, mediante arrendamento, na área do cais do porto, armazéns das Docas para depósitos de sobresselentes, mantimentos e suprimentos de toda ordem; alugara edifícios e construíra galpões a fim de instalar oficinas de reparos para os navios pequenos (Destroyers'-repairs 12 ou, pela abreviação logo popularizada DESREP 12), e mais oficinas de artilharia, de torpedos, de óptica e de motores Diesel; construíra um vasto acantonamento, que, se chamou Camp Ingram, com alojamentos, cozinhas, padarias, cantinas, campos de desportos, salão de recreio servindo ao mesmo tempo para os ofícios religiosos de três cultos diferentes - o católico, o protestante e o judaico; na praia de Piedade, instalara um hospital de emergência em pequenos pavilhões separados, entre o coqueiral, - o Hospital Knox, aparelhado como poucos no nosso país; no Tegipió, bairro do Recife, concluíra e equiparara um vasto edifício hospitalar do Estado de Pernambuco, mediante contrato com o governo, destinado a estação de repouso para as guarnições de seus numerosos navios de pequeno porte, ao chegarem ao porto, depois de extenuantes tarefas no mar, construíra paióis de pólvora no Jiquiá; estabelecera um vasto depósito de sobresselentes de máquinas e motores Diesel em grande armazém da rua da Aurora (o Spare Parts Distribution Center - SPDC); organizara um completo serviço próprio de ônibus e outras conduções de todos os tipos, pois não podia contrar com os meios comuns de comunicações da cidade, já insuficientes para o uso da população civil; instalara, enfim, escolas técnico-profissionais, como a "de Som", com o aparelhamento mais moderno de attack-teacher, a de metralhadoras antiaéreas e a de vigilância noturna, prodígios de técnica e perfeição para treinamento de comandantes, oficiais e guarnições na guerra espe-cializada anti-submarino.

De tudo isso participava, com grandes benefícios, a nossa Marinha.

Page 17: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

O primeiro daqueles aparelhos de attack-teacher fora montado no andar térreo do edifício-sede do Comando da 4ª Esquadra e nele todo o pessoal, quer americano, quer brasileiro, que constituía os teams de ataque dos navios de escolta, encabeçados pelos respectivos comandantes tinha a necessária instrução durante a permanência naquele porto. Em breve, entrou a funcionar uma "Escola de tática anti-submarino" no "Campo Ingram", para ande focam depois transportados os attack-teachers, a princípio funcionando sob a direção de oficiais e especialistas americanos e, por fim, sob exclusiva orientação de brasileiros. Formaram-se então em cursos de poucas semanas, turmas e turmas de especialistas em "tática anti-submarino". Para o treinamento adiantado e final, em exercícios ao vivo em pleno mar, foram, por solicitação do Almirante Ingram, mandados os nossos submarinos para o porto do Recife. Partiam então do Rio, incorporados a um comboio JT, e, naquele porto, ficavam temporariamente sob o Comando da Força Naval do Nordeste, por poucos meses; o "Tupi" (por duas vêzes), o "Timbira", o "Humaitá" e o "Tamoio" lá estiveram, nessas condições, prestando ótimos serviços ao treinamento do pessoal. Desse modo, logo que chegavam ao porto, na escolta de algum comboio, os navios, quer da Força Naval do Nordeste, quer da 4ª Esquadra, propriamente, eram escalados para toda sorte de exercícios, inclusive esse, fora do porto, com o submarino "amigo", e mais os de tiro de superfície e antiaéreo e os de torpedos: - não havia praticamente descanso algum, senão o que pudesse resultar da mudança contínua de atividades...

A ação dos nossos submarinos foi tão eficiente no treinamento dos navios de escolta brasileiros e americanos, nas águas ao largo do Recife, que o Almirante Ingram, a 10 de janeiro de 1944, fêz um elogio ao "Tupi", primeiro a executar os exercícios, prestando "serviços inestimáveis" numa "tarefa que envolveu vários problemas novos, ainda não resolvidos".

Enquanto isso tudo ia assim crescendo e instalando-se, sempre para melhorar o serviço e a eficiência dos que iam para o mar, os navios de nossa Esquadra, quer no nordeste, quer no sul, não paravam senão o tempo estritamente necessário ao reabastecimento e aos reparos, assim nas escoltas dos comboios, como em missões isoladas de salvamento de náufragos, de socorro a navios desarvorados depois de atacados por submarinos ou por outras motivos, etc. Entre essas missões, podem contar-se as seguintes: a) o transporte dos suprimentos para a guarnição de Fernando de Noronha, quer em gêneros alimentícios quer em material de toda espécie, assim como de pessoal, sempre foi assegurado pela Marinha de Guerra, fazendo escoltar esta os navios que, do Recife ou de Natal, saíam para aquele arquipélago, desde o primeiro comboio, com o "Santarém", no trartsporte das tropas de ocupação; o pequeno navio a motor "Tupiara", fretado ao Loide Brasileiro pelo Exército, celebrizou-se nesse transporte, graças ao número de viagens que fêz, nesse serviço, sempre escoltado por uma corveta ou um um caça-submarino, mesmo durante o período mais ativo da campanha submarina inimiga, e a despeito das piores condições de tempo; numa das viagens, em que se formou um pequeno trem de três naviozinhos com o "Tupiara", essas condições foram tais que, aproximando-se demasiadamente o comboio da costa do Rio Grande do Norte, sem posição segura, o escolta, CS "Javari", teve a infelicidade de encalhar em recifes do canal de São Roque, safando-se milagrosamente e submetendo-se depois a reparos de casco, no Recife, com recursos locais; b) - transporte de suprimentos para a guarnição naval da ilha da Trindade, feito inteiramente pela Marinha de Guerra, com um de seus navios auxiliares escoltado por um caça-ferro ou um cruzador da Força Naval do Nordeste, quando o material, ou a munição de boca ou ainda o pessoal rendido periodicamente, não era transportado pelo próprio cruzador ou, mais tarde, por um contratorpedeiro da classe "Marcílio Dias"; c) - salvamento de náufragos, como no caso do "Caravelas" que, em viagem do Rio de Janeiro para o Recife, salvava um casal de inglêses que, numa baleeira, vogava, havia já 52 dias, ao sabor das correntes; como no caso do CT "Maranhão", salvando os náufragos do "African Star", americano, torpedeado e afundado no Atlântico Sul; d) - a assistência prestada ao iate americano "Perseverance", pela corveta "Carioca", quando, de viagem dos Estados Unidos para o Recife, onde ia servir ao Almirante Ingram, viu-se em sérios apuros nas costas do Ceará; o "Carioca" tomou-o a reboque e levou-o a Fortaleza, onde se reparou a avaria do iate, escoltando-o depois ao Recife; este fato mereceu do Almirante Ingram um elogio ao comandante do navio brasileiro por ser julgado "meritório e conforme as melhores tradições do serviço naval", sendo "indicação de habilidade, eficiência dos oficiais e guarnição do "Carioca"; e) - notável ainda, o socorro dado pelos "caças-pau" "Jagua -rão" e "Jaguaribe" a navios torpedeados do comboio BT-18, sob escolta americana, ao largo da costa do Ceará, saindo do Recife e de Natal, respectivamente, em poucos minutos após à ordem recebida; o comboio saíra de Salvador, Bahia, com 9 mercantes americanos, 2 inglêses, 1 egípcio e 3 nacionais, com a escolta brasileira "Rio Grande do Sul", "Caravelas", "Javari" e "Jaguarão", rendida, ao largo do Recife por outra americana; o ataque feito por 2 submarinos, foi a 6 para 7 de julho de 1943; recebida a notícia pelo Comando da 4ª Esquadra, foi determinado o socorro pela Força Naval do Nordeste, tornando a sair o CS "Jaguarão" e ordenando-se que, de Natal, saíssem o CS "Jaguaribe" e o rebocador "Heitor Perdigão"; na madrugada de 8, o "Jaguaribe" teve contato, pelo aparelho de som, com submarino e fez o ataque, não tendo podido observar

Page 18: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

resultado, pelo mau estado do tempo; nesse mesmo dia 8, à tarde, orientado pelo avião "Catalina", recolheu náufragos em duas baleeiras e encontrou o mercante americano "James Robertson", alquebrado e abandonado, indo aos poucos soçobrando; encontrou depois o navio-Comodoro, o petroleiro americano "William Boyce Thompson" semi-submerso, só com a proa de fora; com bombas de profundidade lançadas por morteiros e a tiros de canhão, acabou de afundá-lo, a fim de que não constituisse perigo à navegação; o "James Robertson" submergiu também completamente, conforme observação da aviação americana; além desses dois afundamentos, houve ainda no comboio muitas avarias, inclusive por abalroamento entre mercantes do trem, um dos quais foi o brasileiro "Goiásloide"; o comandante do CS "Jaguarão", Capitão-tenente Oswaldo de Macedo Côrtes, agiu com rara eficiência e tanto ele como seus oficiais e guarnição fizeram jus a um merecido elogio; f) - outro socorro semelhante fora ordenado ao CS "Javari", numa de suas estadias em Fernando de Noronha, quando recebeu ordem de suspender para socorrer náufragos assinalados a algumas dezenas de milhas daquela ilha; em caminho, foi, ele próprio, atacado por um avião americano que, das alturas, o confundiu com o submarino que operava nas cercanias; tendo um marinheiro morto nessa refrega, voltou a Fernando de Noronha e, enquanto ali se achava na cerimônia de inumação de seu morto, tornou a receber ordem para suspender imediatamente para novo socorro; era seu comandante, sempre fazendo jus aos maiores elogios, o CT Aristides Pereira Campos Filho; g) - uma outra modalidade de serviço foi a escolta, por inúmeras vezes, dada ao navio do cabo submarino inglês "Cambria", que, mesmo durante o período mais intenso da guerra submarina, levou a fazer reparos nas linhas telegráficas submarinas em toda a costa do Brasil; no norte, ao largo da costa do Maranhão, por exemplo, sob escolta do CS "Guaporé", por dias e dias a fio em vários pontos a reparar; depois no nordeste, a leste e, finalmente, no sul, onde, sob escolta do CS "Gurupi", chegou até Montevidéu, o que fez estender a ação protetora dos navios da Força Naval do Nordeste, desde Trinidad até ao Uruguai, só na costa atlântica da América do Sul, por isso que, mais além, ela também se fez sentir.

Em certa época, antes do rorpedeamento do "Tutóia", ao sul de Santos, em 30 de junho de 1946, parecia ao Comando da Força do Atântico Sul que a ação dos submarinos inimigos não se faria sentir da Bahia (porto de Salvador) para o sul. Por isso, os comboios regulares entre Trinidad e o Rio de Janeiro sofreram uma reduçã de percurso, até aquele porto da capital bahiana, o que representaria uma grande economia e facilidades outras nas operações navais. Os comboios passaram então a ter o prefixo TB (Tupi-Bala) e BT, entre Trinidad e Bahia, organizando-se os Bala-Tupi no porto do Salvador, aonde iam ter navios provenientes da África do Sul, do Prata, de Santos e do Rio de Janeiro. Isso, porém, durou pouco tempo, voltando os comboios JT a organizar-se na capital brasileira e os TJ a dispersar à entrada da Guanabara.

A Força Naval do Nordeste, como uma Força-Tarefa da 5ª Esquadra, precisava ter uma organização, baixando uma Ordem de Operações própria em que se fizesse uma "Distribuição por tarefas", de acordo com as linhas básicas da Ordem de Operações da 4ª Esquadra. O seu reduzido número de navios, entretanto, tornou esse propósito quase insuperável, pois não havia agrupamentos de navios (Grupos-tarefa) que resistissem à necessidade constante de trocar uns por outros, por vários motivos e para atender a missões supervenientes.

Como, entretanto, a missão principal dos navios da Força era garantir a segurança da navegação mercante, constituindo as escoltas dos comboios, três Grupos-tarefa ou Grupos-escolta foram organizados, cada um dos quais capitaneado pelo C. "Bahia", pelo C. "Rio Grande do Sul" e pela corveta "Rio Branco", completando cada grupo duas corvetas da classe "Carioca" e um número indeterminado de caça-submarinos.

Nas ordens diretivas da 4ª Esquadra, a Força Naval do Nordeste figurava como Força-Tarefa 46; dentro desta adotou-se uma numeração daí decorrente para os seus Grupos-tarefa. Assim, ficou estabelecida a seguinte "Distribuição por tarefas":Grupo-Tarefa 46.1 - Capitão-de-Fragata Nelson Noronha de Carvalho

Td. "Belmonte"Grupo-Tarefa 46.2 - Capitão-de-Fragata Armando Berford Guimarães

C. "Bahia"2 corvetas classe "Carioca"Caça-submarinos classes G e J.

Grupo-Tarefa 46.3 - Capitão-de-Fragata Carlos Penna BottoC. "Rio Grande do Sul"2 corvetas classe "Carioca"Caça-submarinos classes G e J.

Grupo-Tarefa 46.4 - Capitão-de-Corveta Paulo Bosísio

Page 19: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

CV "Rio Branco"2 corvetas classe "Carioca"Caça-submarino classes G e J.

Outros Grupos-Tarefas eram formados para outras missões que frequentemente apareciam. Durante todo o período das operações, os Comandantes, quer dos grupos, quer dos navios isoladamente, foram, por mais de uma vez, substituídos, depois de certa permanência regulamentar no mar. O Comandante Jerônimo Gonçalves, promovido a Capitão-de-Mar-e-Guerra, foi nomeado Comandante do E. "São Paulo", estacionado no Recife, e o Comandante deste, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Theobaldo Pereira, promovido a Contra-Almirante, foi comandar o Distrito Naval do Norte (Comando Naval do Amazonas, com sede no Pará).

Enquanto não se processou o recebimento de todos os "Caças-ferro", o trabalho dêsses Grupos-escolta foi excessivo: mal chegava um ao Recife, atracava ao cais, passando as mangueiras de óleo combustível, e tinha logo ordem de sair novamente para o mar três ou quatro dias depois e, não raro, no dia seguinte, escoltando novo comboio para o Rio de Janeiro, onde também a permanência andava sempre em tôrno dos seis dias apenas; nesse período, além dos abastecimentos, das trocas necessárias de homens da guarnição, faziam-se também os reparos sempre solicitados por uma movimentação tão intensa; mal, pois, chegava uma escolta ao porto, as listas de pedidos de reparos, quer de máquinas em geral, quer de armamento, quer de rádio, de radar ou de aparelho de som, eram apresentadas, por cada navio, e o pessoal do Departamento de Reparos da Força Naval do Nordeste, ou do AMIC no Rio de Janeiro, tinha que trabalhar, que "virar redondo" no serviço, noite e dia, sem parar um só momento, até dar os navios prontos a se fazerem de novo ao mar! Trabalho semelhante era levado a efeito nas oficinas do Salvador, na Bahia, com o concurso dos americanos ou não, graças à operosidade do Almirante Lemos Basto, Comandante Naval de Leste, e na Base Naval de Natal, sob a dinâmica direção do Almirante Ary Parreiras, para os reparos de motores Diesel, principalmente, dos caça-submarinos das duas classes.

Os comboios TJ e JT se sucediam regularmente de 10 em 10 dias em cada sentido; como o percurso Recife-Rio se fazia regularmente em 5 dias e o de Trinidad-Recife, em cerca de 12 dias, quando em breve, nossas escoltas foram atendidas até aquela colônia inglesa, havia, geralmente, no mar, ao mesmo tempo, quatro (4) comboios com escoltas brasileiras, sem contar com as de comboios de menor importância, com as missões isoladas e as patrulhas oceânicas, que também em breve se iniciaram. A escala desses comboios tinha a aprovação das altas autaridades navais de Washington e conhecimento do Almirantado Britânico, pois que navios de todas as bandeiras aliadas constituíam os trens dessas caravanas de tão precioso valor para alcançar a vitória. Com efeito, navios provenientes até de Murmansk e do Canadá reuniam-se em portos dos Estados Unidos, grupados de acordo com o destino; os que deviam seguir para a África do Sul, portos do ïndico e da América do Sul, entravam em comboios geralmente passando por Guantânamo, em Cuba, até Trinidad, cuja área de ação estava sob o comando de uma outra esquadra americana, que não a 4ª do Atlântico Sul. A princípio, a colaboração brasileira nessas escoltas cingia-se à inclusão de um "Caça-ferro", por determinação do Almirante Ingram, que dizia sempre ser necessário mostrar alhures à nossa bandeira, para prestígio da Marinha Brasileira que devia mostrar ao mundo o que estava fazendo na guerra, embora este não fosse o modo de pensar das autoridades navais brasileiras, sempre embiocadas numa modéstia excessiva, em prejuízo da propria corporação e da nação que vivia na quase igonorância completa do que faziam seus marinheiros.

Se se imaginar que os navios-escolta necessitavam, periòdicamente, de docagem para limpeza de casco, das aspirações no costado, das válvulas de fundo, bem como para reparos de hélices, buchas, lemes, etc., e se se considerar que só o Rio de Janeiro possuía diques em condições de atender a esse serviço, bem se pode aquilatar das dificuldades a vencer, para manter o ritmo dos comboios. Foi quando os americanos fizeram transportar dois diques flutuantes, um para Natal e outro para o Salvador, porto este em que seus cruzadores e contratorpedeiros passaram a fazer base, para as suas patrulhas oceânicas, devido ao grande congestionamento do Recife. Nossos navios começaram a utilizar asses diques; mas além desse precioso auxílio dado pela Fourth-Fleet, outros muitos nos eram prestados, para atender às novas unidades e ao moderno aparelhamento: - os técnicos americanos, especialistas que nós não possuíamos, e os sobresselentes de motores Diesel, de máquinas auxiliares dos caça-submarinos, de rádio, de aparelhos de som e de radar eram pedidos continuamente, no Recife, em Natal, em Salvador e até de portos distantes como de Belém, de Fortaleza, de Vitória, do Rio e mesmo de Montevidéu, sempre transportados por via aérea, pela magnífica rede de aviões de transporte norte-americanos, - visto que nós próprios não tínhamos formado os nossos técnicos, nem constituído os nossos estoques de material moderno, assim como estava esgotada a capacidade

Page 20: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

de transporte da Força Aérea Brasileira, cujos aparelhos fizeram mais do que o possível, mesmo com risco de segurança.

A 29 de novembro de 1943 haviam sido incorporados à Armada os novos contratorpedeiros "Marcílio Dias", "Mariz e Barros" e "Greenhalgh", que, segundo desenho americano, haviam sido construídos com material quase exclusivamente da mesma procedência, nos estaleiros da Ilha das Cobras, pelo AMIC; não havia, entretanto, para eles o armamento moderno que lhes estava indicado e, com a guerra, não era fácil obtê-lo no Rio de Janeiro, para instalação pelo mesmo Arsenal, que havia construído os navios; o Almirante Ingram insistia para que estes fossem enviados aos Estados Unidos para receber o novo armamento, alça-diretora e aparelhamento correlato, suscitando-se, então, uma questão de amor-próprio afetando o diretor da AMIC, a qual fez demorar as providências, com decisões e recuos; mas afinal seguiram os novos contratorpedeiros da série M para o Arsenal de Filadélfia, escalonadamente, ali montando a sua artilharia definitiva. Mas, mesmo antes desse fato, já o "Marcílio Dias" havia sido incorporado à Força Naval do Nordeste (13 de março de 1944) e começou a fazer patrulhas oceânicas, sob o comando do Ca pitão-de-Mar-e-Guerra Renato Guillobel, em grupos-tarefa com cruzadores americanos da classe "Omaha".

Consistiam essas patrulhas oceânicas em bater, durante cêrca de 15 dias a fio, certas áreas do Atlântico Sul, entre a costa do Brasil e a da África, para interceptar a passagem de submarinos, de raiders e de "varadores de bloqueio", vindos de Singapura, com carregamento principal de borracha para a Alemanha, muitos dos quais foram postos a pique.

Em pouco tempo, o treinamento assim obtido foi tão auspicioso que o Almirante Ingram pensou em ir fazendo substituir os navios americanos, urgentemente solicitados em outros teatros mais importantes da guerra naval, como o Atlântico Norte e o Pacífico, pelos navios brasileiros, quer nas escoltas de comboio até Trinidad, quer nas patrulhas oceânicas. Já os contratorpedeiros da classe do "Davis" e do "Winslow" iam sendo retirados de nossas águas.

Depois de intensa preparação, deixava finalmente, a 2 de julho de 1944, a Guanabara o transporte de guerra norte-americano, "General Mann" que levava para a Itália, a Força Expedicionária Brasileira, isto é, o primeiro dos cinco Escalões de Embarque, sob o comando do General Zenóbio da Costa, indo no mesmo navio o Comandante-em-chefe, o General Mascarenhas de Moraes. Tanto a esse transporte como a outros que conduziram os demais escalões da FEB, deram escolta navios da Força Naval do Nordeste, conjun-tamente com outros americanos; assim, ao longo da costa até às águas do nordeste, os cruzadores "Bahia" e "Rio Grande do Sul", que podiam desenvolver boa velocidade, mas com reduzido raio de ação, se revezaram no serviço desses comboios e os contratorpedeiros da classe "Marcílio Dias", mesmo tendo que se reabastecer, um deles, de combustível no Recife, fizeram toda a escolta até Gibraltar. Esse trabalho foi devidamente apreciado pelo General Mascarenhas de Moraes que, ao deixar a escolta brasileira o primeiro comboio, naquele porto europeu, transmitiu ao comandante do "Mariz e Barros" uma sugestiva mensagem: "Em nome dos brasileiros aqui a bordo, que partem para a linha de frente, a fim de continuar o trabalho de nossa Marinha na defesa da nossa soberania, apresento minhas despedidas, gratíssimo pela vossa excelente proteção anti-submarino". A resposta do Capitãode-Mar-e-Guerra Antônio Alves Câmara Junior foi: "Os representantes da Marinha do Brasil tiveram grande honra em comboiar vossas forças e fazerem votos todo sucesso, para maior glória das armas brasileiras."

O General Mascarenhas de Moraes, antes de ser convidado para comandar a Força Expedicionária Brasileira, fôra comandante da 7ª Região Militar, com sede no Recife, e ali fôra testemunha ocular dos esforços desenvolvidos pela Marinha de Guerra desde a fase da manutenção de neutralidade.

Os navios-auxiliares da Marinha Brasileira não tinham também descanso: o navio-tanque "Marajó", metido em comboios JT, ia a Trinidad, seguidamente, para buscar óleo combustível; os pequenos transportes "José Bonifácio" e "Vital de Oliveira" estavam sempre em atividade para o norte e para o sul, transportando suprimentos e homens, bem como, por vezes, material de guerra, entre vários portos; como eram, entretanto, de pouca marcha, nem sempre podiam ser incluídos nos comboios TJ ou JT e precisavam de escolta especial, pois só dispunham de precaríssimo amamento.

Numa dessas viagens, aproximava-se o "Vital de Oliveira" do Rio de Janeiro, sob escolta do CS "Javari", comandado pelo Capitão-Tenente Durval Pereira Garcia, quando foi torpedeado, no dia 19 de julho, cerca de 25 milhas da costa ao sul do cabo de São Tomé, submergindo em 3 minutos. Pereceram cem (100) homens, inclusive 3 oficiais subalternos; o comandante, Capitão-de-Fragata. João Batista de Medeiros Guimarães

Page 21: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

Roxo, salvou-se.

Foi este o primeiro navio de guerra do Brasil que se perdeu durante toda a campanha naval, por ação submarina do inimigo.

Ainda bem, porém, não se achava a nação refeita do abalo produzido por esse afundamento, já a 21 do mesmo mês, uma catástrofe marítima, esta não por ação inimiga, mas em conseqüência dos percalços da guerra, enlutava muitas outras famílias brasileiras. Desta vez era a corveta "Camaquã", que, chegava ao largo de Recife, como escolta de um comboio, em cujo serviço teve que se movimentar além do normal, com variações de rumos e velocidades para atender a diversos incidentes na navegação, virou, soçobrando, por ter gasto o óleo combustível até ao lastro, bem como a água; agravam a situação da falta de lastro, levava o navio do Rio para Recife, passageiros militares em número maior do que o recomendado e volumes de caga, constituindo tudo isso peso alto que contribuiu para o desequilíbrio, condição agravada pelo estado do mar. Nesse sinistro, havido em conseqüência de operações de guerra, pereceram trinta e seis (36) homens, entre praças, sargentos, suboficiais, um oficial e o próprio Comandante, Capitão-de-Corveta Gastão Monteiro Moutinho, que fôra assistente do então Comandante Dutra, quando ainda no comando da Divisão de Cruzadores.

A organização dos comboios era sempre objeto de cuidadoso estudo e de múltiplas providências destinadas a garantir o êxito das travessias e a chegada dos navios aos portos de destino com a maior segurança. O que se passava a este respeito no Recife era, enfim, o mesmo que se passava no Rio de Janeiro, Salvador, em Trinidad ou em qualquer outro porto em que os Aliados organizassem comboios marítimos. Até as instruções completas e os ensinamentos táticas a serem empregados em qualquer ação das escoltas contra o inimigo, eram, para nós, a tradução das americanas FTP (Fleet tatical publications), que, por sua vez, eram adaptação ou reprodução das instruções inglesas. Assim, no Recife, por exemplo, quando os navios mercantes, des -tinados ao norte ou ao sul, ficavam prontos, com a sua carga completa, aguardavam o dia da saída do próximo comboio; a Força Naval do Nordeste escalava a escolta respectiva, ou um de seus grupos-escolta, e a indicava às autoridades navais americanas da 4ª Esquadra (departamento de operações); na véspera do dia em que devia passar o Tupi-Jóia ou o Jóia-Tupi ao largo do Recife, realizava-se uma conferência de endoutrinamento para os comandantes dos mercantes e dos navios da escolta com o respectivo Comandante mais antigo, ou do grupo-escolta, que seria o de todo o comboio; essa conferência realizava-se em uma das salas do edifício-sede do Comando da 4ª Esquadra, ou a bordo do tender "Belmonte", sempre com a presença do Chefe do Estado-Maior da Força Naval do Nordeste; as instruções eram fornecidas pelas autoridades americanas e consistiam geralmente no seguinte: - relação dos navios do comboio, trem e escolta, com informações sobre destino, carga, armamento, etc.; derrota a seguir; derrota para os navios desgarrados do comboio; ordem de saída do porto e posição a ocupar na formatura do trem de acordo com o número recebido; modo de agir dos mercantes na travessia, evitando fumaça excessiva, lixo atirado nagua, luzes de qualquer natureza à noite, funcionamento de aparelhos-rádio, etc.. As escoltas tinham ainda as suas instruções privativas constantes das publicações secretas especiais e das que cada comandante de grupo-escolta baixava, dentro da doutrina. A derrota a seguir era uma das que constavam dos planos gerais de operações, umas destinadas aos comboios do sul, outras para os que vinham do norte, designadas todas por nomes pitorescos como "Bacon", "Porck", "Eggs", "Tomatoes", etc., e afastadas desigualmente da costa. Com todos asses elementos, o comando da Força Naval do Nordeste baixava, em memorando, a necessária "ordem de operações" para cada comboio.

No dia seguinte, quando devia passar o TJ ou o JT ao largo do porto, em ponto prefixado da derrota, iam saindo do ancoradouro ou do cais, à hora conveniente, mas geralmente muito cedo, às 5 ou 6 horas, em primeiro lugar os navios da escolta - os "caças-pau", os "caças-ferro",' as corvetas e o Cruzador, cujo comandante seria o de todo o comboio; cada um que contornava a extremidade do molhe, seguia logo o "canal varrido", limpo de quaisquer minas quiçá lançadas insidiosamente pelo inimigo, e, já mais ao largo, iniciava a "varredura sonora", com seus aparelhos de escuta anti-submarino, aguardando a saída dos mercantes. Quando estes se achavam todos ao largo, depois de uma manobra de desatracação e saída demorada e difícil, em que apenas dois rebocadores, o "4 de Outubro" e o "Cabedelo", durante tôda a guerra, desenvolveram um trabalho porfiado e louvável, os escoltas tomavam posição e o pequeno comboio seguia assim para o ponto de encontro com o grande comboio internacional TJ; a escolta americana era rendida pela brasileira e entrava no porto conduzindo os navios para ali destinados; os que se iam agregar ao comboio, tomavam então as suas posições nas respectivas colunas de acordo com as instruções recebidas na véspera, na conferência de endoutrinamento dos comandantes, enquanto os navios de guerra da escolta já haviam ocupado, com maior velocidade, seus postos na vanguarda, dos flancos e na retaguarda da formatura do trem,

Page 22: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

ziguezagueando ininterruptamente e fazendo funcionar seus aparelhos de som, estabelecendo uma "cortina sonora" impenetrável ao inimigo, e os seus radares, quando ordenado pelas instruções recebidas do comandante do comboio. Navegação completamente às escuras, mantendo-se, nos primeiros tempos da campanha submarina, também completo silêncio-radio. E seguiam-se cinco ou seis dias de travessia marítima cheia de cuidados, perigos e atribulações, fosse qual fosse o estado do tempo; mais tarde, nas travessias para Trinidad, a duração da viagem era de 12 a 15 dias, daquela ilha até ao Recife, contra a forte correnteza, principalmente a do estuário do Amazonas, e contra o vento; na ida, em condições favoráveis, gastavam-se 10 a 12 dias.

Saídas como essas se repetiram, no Recife e no Rio de Janeiro bem como Salvador, muitas dezenas de vezes, que tantos foram os comboios grandes, internacionais, cujas escoltas foram feitas pelos navios de nossa Marinha de Guerra, protegendo cerca de 3.000 navios de múltiplas nacionalidades, correspondendo a um montante de 15 milhões de toneladas, com uma regularidade elogida pelas mais altas autoridades americanas, fosse qual fosse o tempo, roncasse como roncasse a tormenta, houvesse a cerração que houvesse, despejassem-se as cataratas do céu ou não...

O trabalho dos "caças-pau", dos cacinhas, como eram carinhosamente chamados, foi, nessas escoltas, de inestimável valor, pela fibra, pela abnegação e pelo patriotismo indomável da gente brasileira que os guarnecia; como verdadeiras lanchas que eram, sua permanência por seis dias no mar, em tão exaustivo serviço, era por demais penoso; por isso, eram geralmente rendidos a passagem dos comboios por Salvador, em cujo porto ficavam sempre estacionados dois deles.

E assim, tão eficiente foi a ação dessa nossa gente valorosa do mar que, em tantos comboios feitos, nunca se perdeu um navio mercante que estivesse diretamente sob a guarda de uma escolta brasileira. De fato, os poucos casos de perda de navios, verificados em comboios sob a responsabilidade de escol tas brasileiras, demonstram que as circunstancias foram todas fortuitas e independentes da eficiência da nossa ação protetora ou repressora. Além do caso já citado do "Pelotaslóide", em condições até hoje não identificadas, à entrada do canal de Bragança, depois de ter tomado prático em Salinas; do caso do "Afonso Pena", seguindo, à noite, por engano, navios que iam para a África do Sul, desgarrando-se assim de seu verdadeiro comboio; do caso do "Bagé", destacado de um comboio TJ, ao qual estava comprometendo com a sua irreprimível fumaceira, houve ainda um caso, o do cargueiro americano "Fitzjohn Porter": saía este de Salvador, num comboio BT com quase trinta mercantes no trem, e atrasara-se, perdendo a sua posição na formatura e passando à condição de desgarrado, quando foi torpedeado, à noite; sua guarnição foi salva pela corveta "Carioca", do comando do Capitão-de-Corveta Pedro Paulo de Araujo Suzano. Dentre os navios de guerra, o único caso de torpedeamento foi o do navio auxiliar "Vital de Oliveira", presumindo-se que o ataque fora feito estando o submarino à superfície, por isso que o escolta, CS "Javari", nada tinha percebido no seu aparelho de escuta submarina e, não possuindo radar, não podia pressentir o inimigo emerso.

Essa eficiência das escoltas brasileiras despertou a confiança do Comandante-em-Chefe do Atlântico Sul, Almirante Ingram, e além da deste, a das altas autoridades navais americanas. A conseqüência disso foi a anuência à aspiração brasileira de receber novos e melhores navios, começando então, depois do feliz êxito das negociações, a transferência, para a nossa Marinha de Guerra de oito Destroyers-escort (DEs) ou "Contratorpedeiros de Escolta" (CTEs).

Para o recebimento dessas novas unidades dotadas de máquinas e aparelhamentos de uma técnica moderna mais adiantada que a dos então manejados por nós, foi necessário enviar ainda aos Estados Unidos, grupos de comandantes e oficiais e núcleos de suboficiais, sargentos e praças - os homens-chave - para cada um dos navios que deviam ser entregues, a fim de tirar cursos expeditos e fazer estágio em contratorpedeiros da mesma classe. Ao mesmo tempo, outras turmas mais ou menos numerosas, chefiadas por um oficial, eram embarcadas, no Recife e em Natal, em navios americanos do tipo DE, para se exercitarem no mar, em comissões demoradas.

A primeira transferência desses navios se fêz em Natal, a 1º de agosto de 1944, na ponte da Base Naval, onde se achavam atracados os DEs "Herzog" e "Pennwill", que passaram para a Marinha Brasileira, com os nomes de CTEs "Bertioga" (Bel) e "Beberibe" (Be2). Discursaram os Almirantes Ingram, fazendo a entrega pelo Governo Norte-Americano, e Ary Parreiras, recebendo como representante do Governo Brasileiro. Do discurso daquele, consta o seguinte trecho: - "Os oficiais e praças da Marinha do Brasil têm trabalhado em perfeita harmonia com seus irmãos do Norte. Aceitaram e de tal modo assenhorearam-se de nossos métodos de treinamento que guarnições novas estão neste momento reunidas e prontas para marchar para bordo e

Page 23: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

imediatamente operar com estes navios, com a mesma eficiência das guarnições que estão para deixá-los".

A Segunda transferência, ainda realizada em Natal, se deu a 12 de agosto: os DEs "Reybold" e "Mc-Ann" passaram a ser os CTEs "Bracuí" e "Bauru".

Depois dessa entrega, pareceu que as autoridades americanas haviam recuado no propósito de fazer entrega ao Brasil de mais quatro contratorpedeiros; o tempo ia passando e não havia notícia de nova cerimônia de transferência.

Com os quatro já sob a bandeira brasileira, o Almirante Ingram, sempre demonstrando a preocupação de elevar o prestígio de nossa Marinha de Guerra com a anuência de nossas próprias altas autoridades navais e seguro da eficiência longamente comprovada de nossas guarnições, começou a aumentar o número dos navios de guerra brasileiros nas escoltas do Recife até Trinidad.

Entretanto, a 12 de novembro de 1944, o Vice-Almirante Jonas Howard Ingram despedia-se dos brasileiros, deixando o Comando da 4ª Esquadra, que passou ao Vice-Almirante William Munroe, a fim de, com o posto de Almirante (4 estrelas) ir comandar toda a Esquadra do Atlântico dos Estados Unidos. Dentre os vários elogios que então fêz, foram dos mais justos os dirigidos aos Capitães de Corveta Archimedes Botelho Pira de Castro e Pedro Paulo de Suzano, ambos oficiais brasileiros de ligação junco ao Comando da 4ª Esquadra, aquele desde os tempos do "Potoka", e este passando o comando da Corveta "Carioca" ao primeiro para ir ocupar-lhe o lugar no Estado-Maior Americano.

Assumindo o seu novo posto, o Almirante Ingram teve como uma de suas primeiras preocupações a de retirar do Atlântico Sul, da 4ª Esquadra, quase todos os navios dos seus grupos-escolta para que fossem substituídos, obrigatoriamente, por navios brasileiros. Como os últimos DEs não eram entregues, esse fato causou dificuldades ao Comando Brasileiro. Apelou, então, o Almirante Soares Dutra, em mensagens radiográficas, para o seu particular amigo, o Almirante Ingram, cujo prestígio foi posto à prova, com êxito; assim, a 20 de dezembro de 1944, eram entregues à Marinha Brasileira, pelo Almirante Munroe, em Natal, mais dois DEs, o "Cristopher" e o "Cannon" que arvoraram o pavilhão nacional com os nomes de "Benevente" e "Baependi".

Houve, entretanto, nova pausa e indícios de que não seriam mais transferidos navios de guerra para o Brasil. Apelou ainda o Almirante Soares Dutra para o grande prestígio pessoal do Almirante Ingram, que respondeu tranqüilizadoramente. Graças a asses passos, a 10 de março de 1945 era recebido o "Babitonga", ex-"Alger", entregue pelo Comodoro Nixon, Chefe do Estado-Maior do Almirante Munroe, e, finalmente, a 20 de março, e "Marts" passava a chamar-se "Bocaina", com o pavilhão brasileiro; assistiu a esta última cerimônia o Ministro da Marinha, Almirante Henrique Guilhem, que chegara a Natal, a bordo do CT "Greenhalgh", do comando do Capitão-de-Mar-e-Guerra Ernesto de Araujo.

Do fim de 1944 para os primeiros meses de 1945, enquanto os comboios do Recife para o Rio e deste porto para Santa Catarina continuavam regularmente, feitos pelos navios da Força Naval do Nordeste e da Força Naval do Sul, - na seção dos Jóia-Tupi e Tupi-Jóia entre o Recife e Trinidad, as escoltas passaram gradativamente a ser constituídas exclusivamente por unidades brasileiras dos tipos CTEs e CSs classe "Guaporé"; os comandantes de escolta norte-americanos, oficiais de reserva dos postos de Capitão-de-Corveta e de Fragata, foram também substituídos por oficiais brasileiros deste último posto, que fizeram um treinamento prévio em viagens redondas Recife-Trinidad. Esses oficiais foram os Capitães-de-Fragata Silvino José Pitanga de Almeida, Jorge da Silva Leite, Aldo de Sá Brito e Souza e João Batista de Medeiros Guimarães Roxo; seus grupos-escolta, a princípio de seis navios, foram secionados em dois subgrupos de três cada um, para atender ainda ao serviço completo, com a retirada total dos navios americanos. Foi necessário então manter um oficial brasileiro de ligação em Port of Spain, Trinidad, para facilitar nossas operações, junto ao comando americano daquela área.

Enquanto esses comboios continuavam assim, num percurso de cerca de 3.000 milhas, entre Trinidad e Rio de Janeiro, sempre contando com o concurso da da aeronáutica, na forma de coberturas aéreas feitas por aviões "Catalina" e por blimps, dirigíveis apropriados a esse fim, também não tinham tido interrupção as patrulhas oceânicas de nossos contratorpedeiros da classe "Marinho Dias", com os cruzadores americanos, até Ascensão, assim como as escoltas aos transportes que levaram os últimos escalões da Força Expedicionária Brasileira para a Itália, e aos navios abastecedores das Ilhas de Trinidad e de Fernando de Noronha.

Page 24: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

Ações outras de menor importância podem ser relacionadas em rápidos traços: - a) quando se iniciou a campanha da borracha, para a qual era necessário transportar os "soldados da borracha" do Ceará ou do Maranhão para Belém do Pará, as comissões encarregadas desse serviço apelaram para a Marinha e, afinal, o Comando da 4ª Esquadra dava mais esta incumbência à Força Naval do Nordeste: escoltar de Fortaleza ou de S. Luiz do Maranhão para Belém, o "navio da borracha", geralmente o "Comandante Ripper", que, carregado de centenas, às vezes um milhar, de cearenses aventurosos, fazia quinzenalmente a travessia entre aqueles portos sob a escolta de um caçasubmarino; - b) - em certa época, nosso Exército teve necessidade de trans-portar tropas e copioso material de guerra do Rio de Janeiro para o Rio Grande do Sul e para pequenos portos do sul do Estado da Bahia; os transportes, mercantes nacionais, foram escoltados por navios da Força Naval do Nordeste: o C. "Bahia" e algumas corvetas; - c) - umas poucas ações características da vida do mar e da época de guerra, como o reboque da corveta americana "Saucy" pela corveta "Caravelas" e o auxilio prestado pelo "Cabedelo" ao U.S.S. "Florida", encalhado em Fortaleza (julho de 1943); como o salvamento de náufragos do mercante "Litzjohn" da Frota da Liberdade, afundado; como o salvamento de outros náufragos de um navio da "Mala Real Inglesa" pelo caça-submarino comandado pelo Capitão-Tenente Hélio Leônco Martins; como o contra-ataque a um submarino inimigo pelo C.T. "Greenhalgh" ao largo de Cabo Frio (julho de 1944); - d) - a ida para o porto de Salvador, Bahia, dos dois monitores da Flotilha Fluvial de Mato Grosso, o "Parnaíba" e o "Paraguassu", sob escolta de corvetas, a fim de servirem de força local de patrulhamento no Comando Naval de Leste, que, sob a dinâmica direção do Almirante Lemos Basto, foi o mais eficiente dos Comandos Navais.

Durante as travessias realizadas pelos comboios, inúmeras vezes tiveram os nossos navios-escolta que fazer ataques, com bombas de profundidade, a submarinos pressentidos pelos aparelhos de escuta; embora não haja dessas ações resultados como prova palpável, irretorquível de sua veracidade, muitos de nossos navios, como o "Caravelas", o "Cananéia", o "Carioca" e outros, contam no seu ativo ataques ao inimigo caracteristicamente certos e considerados incontestáveis pelos seus tripulantes.

Como quer que seja, sem levar em linha de conta os pequenos serviços assinalados (escolta aos abastecedores das ilhas guarnecidas; escolta aos "navios da borracha", ao navio do cabo-submarino e tantas e tantas outras), desde o início das operações até fins de abril de 1945, podia-se computar o número de comboios realizados pelas Forças Navais Brasileiras, cooperando com unidades americanas, em 251, dos quais 181 em águas ao largo da costa brasileira e 70 em águas estrangeiras; a cargo exclusivo de nossos navios-escolta, realizaram-se 195 comboios, sendo 174 em águas nacionais e 21 em águas estrangeiras. Ascendeu a 2.981 o número de navios escoltados pela Marinha de Guerra Brasileira, dos quais 1.396 nacionais, 1.051 americanos, 235 inglêses e os demais pertencentes a várias outras bandeiras; a tonelagem bruta desses navios escoltados chegou à respeitável cifra de 14.175.970 toneladas, cujo valor aproximado é de 57 bilhões de cruzeiros; a extensão das rotas percorridas por esses comboios foi calculada em 600.000 milhas ou cerca de 1.200.000 quilômetros, formidável trabalho de proteção à navegação mercante das Nações Unidas, só no Atlântico Sul, se se considerar que este número representa trinta vêzes a volta ao mundo sôbre o equador. Calculou-se que esse admirável serviço, o esforço feito pela Esquadra Brasileira em relação à Americana, foi na razão de 4:1, considerando o número de navios de guerra que fizera as escoltas e o número de mercantes escoltados por uma e outra Marinha.

A campanha submarina fora inteiramente subjugada, mas os submarinos varadores de bloqueio continuavam teimando na sua travessia de Singapura para a Alemanha, fazendo vítimas esporádicas, nas águas remotas do Atlântico Central, dobrando o cabo da Boa Esperança e procurando varar os mares a meio caminho entre Ascensão e a África ou entre aqula ilha e a costa brasileira.

Findava a guerra na Europa. Era maio de 1945. Os comboios, ainda que regulares, foram diminuindo de importância e já se tratava de libertar deles certos navios de boa marcha; primeiro foram os navios-tanques que passaram a navegar escoteiros para ganhar ma entrega do combustível líquido que transportavam; logo após, os mercantes bastante rápidos, ficando apenas sujeitos aos comboios os navios de passageiros e os de velocidade média de 8 a 9 milhas horárias.

A 18 de maio, o Contra-Almirante Alfredo Carlos Soares Dutra, Comandante da Força Naval do Nordeste, baixava a seguinte "Ordem do Dia":"Terminou a guerra."O Brasil está agora certo de perdurar como nação livre, soberana e segura de seus destinos!"Despertadas todas as suas energias potenciais para revidar a injustificada agressão inimiga contra bens

Page 25: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

materiais e vidas preciosas, a grande Nação Brasileira soube apresentar-se perante seus aliados coesa e forte, desde os que, nas retaguardas, preparavam e sustentavam, com o seu esforço de guerra, a ação efetiva e eficaz contra o inimigo, até aos que, nas linhas de frente de terra, ar e mar, agiam firmemente no revide altivo às afrontas recebidas."Esteve a Marinha Brasileira vigilante e pronta na hora da expectativa, enquanto se mantinha a Nação neutra e estrugia o furor das batalhas ao longe; ativa, incansável, arrojada e segura na defensiva e na ofensiva, quando soou a hora de deixar de todo as normas sempre apreciadas do Direito, a fim de empregar a Força como única razão para convencer os insanos agressores."E desde então até à hora já anunciada da Vitória, esteve uma parcela dessa Marinha gloriosa - a Força Naval do Nordeste -, sempre no mais aceso da luta, no largo setor que lhe foi dado guarnecer. Não houve, em toda a duração de suas atividades, para os seus homens, um segundo de descanso completo, fosse à luz do dia ou à incerteza das horas mortas da noite, fossem quais fossem as condições do tempo, fossem quais fossem as agruras ou os sofrimentos físicos."Reboou, enfim, o brado de Vitória: Vencemos!"E o Brasil saiu dessa guerra tão grande quanto qualquer das maiores Nações do Mundo!"Estamos satisfeitos: cumprimos o nosso Dever para com a Pátria! Org ulhemo-nos, pois, da Força Naval do Nordeste!".

O serviço de comboios já havia sido suspenso e os nossos contratordeiros das classes "Marcílio Dias" e "Bertioga" e os caça-submarinos da classe "Guaporé", extintas as escoltas, foram reagrupados em "grupos de ataque" (Killers-groups), que deviam fazer-se ao mar, sob o comando dos mesmos Capitães-de-Fragata Comandantes dos grupos-escolta, a fimd e interceptar os submarinos varadores de bloqueio, devendo patrulhar cettas áreas entre a costa nordeste brasileira e Ascensão. Os demais navios da Força Naval do Nordeste continuavam a patrulhar ininterruptamente os mares, desde o Rio de Janeiro até Belém, tocando nos portos intermediários.

Ao terminar a guerra na Europa, quase que as forças do Atlântico Sul, a 4ª Esquadra sob o comando do Almirante Munroe, se cingiam apenas à Força Naval do Nordeste, cujas unidades foram substituindo as americanas em todas as suas tarefas.

Se a tarefa propriamente de guerra, entretanto, já havia findado, outra ainda complementar e de grande importância surgia, sem transição nem descanso, Atlântico a dentro, qual foi a do emprego dos 3 contratorpedeiros classe "Marcílio Dias", dos 8 classe "Bertioga" e dos 2 velhos cruzadores "Bahia" e "Rio Grande do Sul" como apoio para o transporte aéreo das tropas americanas evacuadas do teatro de guerra europeu e necessárias, com urgência, na campanha do Pacífico que prosseguia.

Duas rotas aéreas transatlânticas haviam sido estabelecidas para as aeronaves americanas - Dakar-Natal e Monrovia-Ascensão-Natal, em cada uma das quais, três pontos denominados "estações" deviam ser guarnecidos por navios de guerra que orientassem os aviões-transporte por marcações radiogoniométricas e prestassem socorro rápido aos que porventura caíssem no mar ou tivessem qualquer avaria. Era intenção das autoridades navais aliadas que essas seis estações fossem guarnecidas por navios brasileiros, incluindo então os caças-submarinos classe "Guaporé" que se agüentavam bem no mar. Nesse sentido foram feitos os entendimentos no Rio de Janeiro, entre o Chefe da Missão Naval e o Ministro da Marinha, concordando este com o novo serviço, mas sem avaliar bem a extensão que devia ter; transmitido o assentimento para o Almirante Munroe, mandou este Chamar o Chefe do Estado-Maior da Força Naval do Nordeste (ausente temporariamente o Comandante) e deu-lhe as ordens necessárias, logo depois ampliada pelo seu próprio Chefe de Estado-Maior, o Comodoro Nixon. Examinada a situação, o Chefe do Estado-Maior da Força-Tarefa 46 da 4ª Esquadra (Força Naval do Nordeste), tratou de reunir os navios necessários e de tomar as providências que incluiam a remessa para Dakar, na África, de um grupo de reparos, prontamente obtido na Base Naval de Natal, de um intendente, pessoal auxiliar, e dos primeiros navios que deviam guarnecer as duas estações da costa da África. Quando, porém, estas providências chegaram ao âmbito da alta administração naval brasileira, houve uma surpresa, com o conhecimento, só então, das realidades e da extensão do serviço que se pedia dos nossos navios; novo entendimento se fez, por isso, partindo agora das autoridades brasileiras, e novas ordens foram dadas: duas estações em cada uma das rotas, num total de quatro, na parte ocidental do Atlântico, deviam ser guarnecidas por navios brasileiros; as duas restantes, uma em cada rota, por ingleses. Perdia, assim, a Marinha de Guerra Brasileira a última oportunidade para mostrar o pavilhão brasileiro no estrangeiro com o prestígio de que tanto fazia questão o Almirante Ingram.

Esse novo e pesado serviço, reclamando muita paciência pela sua monotona e insipidez, iniciou-se no fim de

Page 26: O Brasil na Segunda Guerra Mundial · Web viewA Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial Pelo Cte. Gerson de Macedo Soares A atitude do Brasil, à eclosão da Segunda Grande Guerra

maio de 1945. Cada navio devia permanecer por 10 dias na estação que lhe fora ordenado guarnecer; os que iam para as estações mais distantes, em cada rota Natal-Dakar e Natal-Ascensão, numeradas 12 e 15, permaneciam, assim, cerca de 16 dias no mar, incluindo os de viagem para atingir aqueles pontos e regressar ao porto; os que se destinavam às estações mais próximas, numeradas 13 e 14, ficavam cerca de 13 a 14 dias consecutivos em pleno oceano.

Numa dessas estações, justamente na de número 13, achava-se, na manhã de 4 de julho, o velho cruzador "Bahia", veterano das duas Grandes Guerras Mundiais e cheio de serviços inestimáveis à Marinha e à Pátria; para aproveitar o tempo, cumprindo um programa de exercícios, iniciou um treinamento com metralhadoras antiaéreas; quando ainda se preparavam as armas, uma metralhadora de ré, cuja montagem era defeituosa, em relação à pontaria perigosa em depressão, disparou e projéteis explosivos foram atingir as cargas das bombas de profundidade nos cabides da pôpa, determinando violenta explosão, cuja consequência foi o afundamento do navio em poucos instantes; perderam-se, nesse sinistro, 337 vidas preciosas, entre as quais a do Comandante, Capitão-de-Fragata Garcia d'Ávila Pita de Carvalho e Albuquerque, - todos com assnalados serviços de guerra e quando o navio ainda se achava empenhado numa tarefa complementar, quanto à guerra na Europa, mas ainda em período de guerra com o Japão, a que o Brasil também fôra arrastado.

Foi esse o terceiro navio de guerra afundado durante toda a campanha, enlutando, com a sua perda total, a Marinha de Guerra Brasileira, cujas perdas entre comandantes, oficiais, suboficiais, sargentos e praças subiram a 467 vidas que eram, sem dúvida, de valor inestimável, mas de que se orgulha afinal a Armada Nacional, por estarem a serviço da Pátria, na mais cruenta das guerras, em que tudo se deu, todos os esforços e sacrifícios foram feitos em prol da Civilização e da Liberdade! Se se considerarem outras mortes em vários navios, por efeito de operações de guerra e bem assim entre as guarnições militares dos canhões montados em muitos navios mercantes de nossa heróica e jamais esquecida frota comercial, afundados por torpedos de de submarinos inimigos, o número de vida da nossa Marinha de Guerra subirá ainda bastante mais!

Sucumbiram esses bravos em holocausto à perpetuidade da Pátria Livre e os que sobreviveram à luta cruel e sem quartel que findou gloriosamente para as armas aliadas, entre as quais se inscreveram sobranceiramente as brasileiras, devem estar gratos à sua ação intemerata e nunca terão rendido suficiente homenagem à sua memória pelo bem que o seu sacrifício lhes trouxe e aos seus lares, descansando afinal estes em paz, sem mais temor da opressão, da brutalidade e da escravidão!

Aproximava-se o fim do ano de 1945 e os navios da gloriosa Força Naval do Nordeste ainda lá estavam no meio do Atlântico, em serviço intenso complementar de guerra: - o CT "Greenhalgh" chegou a salvar a tripulação e os passageiros de um avião que caíra no mar. Afinal seus serviços foram dispensados pelas autoridades navais americanas e o velho "Belmonte" pôde desatracar do cais do Recife para regressar ao Rio de Janeiro, a 27 de outubro, com os demais navios da Força, a que servira de Capitânia por tanto tempo. E a 6 de novembro desse mesmo ano de 1945, o cruzador "Rio Grande do Sul", arvorando o pavilhão do Comandante da Força Naval do Nordeste, Vice-Almirante Alfredo Carlos Soares Dutra, transpunha a barra da Guanabara, capitaneando toda a sua força e mais a Força Naval do Sul e a Flotilha de Submarinos, que a ela se haviam reunido.

A Marinha de Guerra do Brasil acabava, assim, por último, depois que qualquer outra força armada, a sua dura tarefa, que começara antes de o País entrar na luta, estendera-se agigantadamente durante esta e ainda se prolongara por meses a fio depois de terminadas as hostilidades, batido desde muito o inimigo. Trabalhando afervoradamente, em silêncio, fora das vistas de testemunhas, entre o céu que nem sempre foi clemente, e as águas profundas do oceano, que nem sempre foram bonançosas, cumpriu, enfim, consciente e tranquilamente o seu dever.

Voltar