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1 O Brasil e a Unifil: Considerações sobre a Participação Brasileira na Força Tarefa Marítima Rodrigo Gallo 1 Alex Daniel, Beatriz Oliveira, Evelyn Kitano, Larissa Silva e Leonardo Delduque 2 Resumo O objetivo deste artigo é discutir a participação brasileira na Força Tarefa Marítima da Forca Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil), cujo comando foi concedido ao Brasil em 2011. Basicamente, a atuação brasileira na operação esteve ligada ao combate ao tráfico de drogas e armas, além das responsabilidades quanto ao treinamento da marinha de guerra libanesa. Trata-se de um tema fundamental para compreender os possíveis ganhos obtidos nessa empreitada lembrando que historicamente o Brasil tem se comportado sistematicamente para o aumento da projeção de poder no sistema internacional, o que inclui a ambição de integrar o Conselho de Segurança da ONU de forma permanente. Do ponto de vista metodológico, o artigo utiliza a base teórica da geopolítica clássica, tomando como marco conceitual a teoria do poder naval de Alfred Thayer Mahan. A conclusão é que, por essa perspectiva, integrar a Unifil é de extrema importância não apenas para o treinamento da marinha de guerra brasileira, mas principalmente para demonstrar capacidade em operações navais em zonas de conflito, que pode, futuramente, pesar numa eventual reforma do Conselho de Segurança da ONU, mas principalmente garantir a possibilidade de acordos econômicos na área militar, com a venda de aviões e blindados. Palavras-chave: Unifil; missão de paz; geopolítica; poder naval. 1 Cientista político. Professor do curso de Relações Internacionais das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). 2 Estudantes do curso de Relações Internacionais das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

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Page 1: O Brasil e a Unifil: Considerações sobre a Participação ... · Alex Daniel, Beatriz Oliveira, Evelyn Kitano, Larissa Silva e Leonardo Delduque2 Resumo O objetivo deste artigo

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O Brasil e a Unifil: Considerações sobre a Participação Brasileira na Força Tarefa

Marítima

Rodrigo Gallo1

Alex Daniel, Beatriz Oliveira, Evelyn Kitano, Larissa Silva e Leonardo Delduque2

Resumo

O objetivo deste artigo é discutir a participação brasileira na Força Tarefa Marítima da Forca

Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil), cujo comando foi concedido ao Brasil em

2011. Basicamente, a atuação brasileira na operação esteve ligada ao combate ao tráfico de

drogas e armas, além das responsabilidades quanto ao treinamento da marinha de guerra

libanesa. Trata-se de um tema fundamental para compreender os possíveis ganhos obtidos

nessa empreitada – lembrando que historicamente o Brasil tem se comportado

sistematicamente para o aumento da projeção de poder no sistema internacional, o que inclui a

ambição de integrar o Conselho de Segurança da ONU de forma permanente. Do ponto de

vista metodológico, o artigo utiliza a base teórica da geopolítica clássica, tomando como

marco conceitual a teoria do poder naval de Alfred Thayer Mahan. A conclusão é que, por

essa perspectiva, integrar a Unifil é de extrema importância não apenas para o treinamento da

marinha de guerra brasileira, mas principalmente para demonstrar capacidade em operações

navais em zonas de conflito, que pode, futuramente, pesar numa eventual reforma do

Conselho de Segurança da ONU, mas principalmente garantir a possibilidade de acordos

econômicos na área militar, com a venda de aviões e blindados.

Palavras-chave: Unifil; missão de paz; geopolítica; poder naval.

1 Cientista político. Professor do curso de Relações Internacionais das Faculdades Metropolitanas Unidas

(FMU). 2 Estudantes do curso de Relações Internacionais das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

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Introdução

Historicamente, desde a criação da Organização das Nações Unidas, em 1946, muitos

países que compõem o sistema ONU têm se engajado em participar de missões especiais

criadas com o intuito de estabelecer e manter a paz em Estados que, por razões diversas,

passaram por situações de rupturas políticas graves ou guerras civis. O Brasil é um dos países

mais ativos nesse quesito e já integrou mais de 30 campanhas desse tipo desde 1948, inclusive

cedendo tropas para as operações em algumas oportunidades (UZIEL, 2015: 98), como Timor

Leste (Untaet/Unmiset) e Haiti (Minustah).

Os motivos para a participação em missões de paz, no entanto, não se restringem

unicamente à pacificação de uma região de conflito. Cada Estado tem suas motivações, que

incorporam, inclusive, a adequação da operação com os objetivos de ampliação de projeção

de poder por parte destes países. O Brasil, por exemplo, tem buscado construir condições para

ser aceito como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, portanto, tais

operações acabam servindo como forma de demonstrar comprometimento com o dispositivo

de segurança coletiva e competência para lidar com conflitos. A busca pela vaga permanente

é, na verdade, um objetivo mais antigo que está ligado à necessidade de ampliação de

participação internacional oriunda da Liga das Nações na década de 1920 (CHEIBUB, 1984:

129).

Desta forma, a participação brasileira da Unifil também busca atender a expectativa de

que com essa experiência naval, o país tenha mais condições para conquistar a vaga

permanente na ONU – ou, pelo menos, ampliar o grau de projeção de poder no sistema

internacional. É possível admitir que as operações das Nações Unidas servem para

demonstração de capacidade de utilização do chamado poder duro do Estado, o hardpower,

expresso sobretudo pela força militar; entretanto, os países ainda utilizam outros dispositivos

para demonstrar força no cenário internacional, valendo-se do softpower, o poder brando,

expresso por vias não tangíveis e militarizadas, como o cinema, as artes, a diplomacia e,

também, programas sociais e educacionais (que ganham importância nas campanhas da ONU

pois servem como forma de trabalhar sob as razões primárias que levam aos conflitos, como

miséria, fome e desigualdade social).

A proposta deste artigo é discutir a missão de paz pela perspectiva teórica de Alfred

Thayer Mahan. Desta forma, podemos observar que a nossa base teórica está ligada à

geopolítica, que conceitualmente pode ser definida como uma ciência que une os interesses

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militares do Estado com as perspectivas geográficas de território/fronteira, relevo, clima,

hidrografia, dentre outros (MAGNOLI, 1981: 84). Isto implica dizer que é possível estudar a

projeção de poder de um país a partir das relações territoriais – que podem ser expressas pela

conquista ou pela criação de uma zona de influência em uma região marítima, por exemplo.

Para discutir esta questão, dividimos o artigo em quatro partes. Na primeira seção

vamos apresentar os principais conceitos que norteiam a discussão acerca do poder marítimo,

com base nas teorias de Alfred Mahan, associando-as à Unifil. A ideia é discutir o conceito de

poder naval, bem como os elementos que o compõem e demonstrar como a missão no Líbano

se enquadra nesta lógica. Na segunda parte, vamos discutir brevemente a história da própria

Unifil, de modo a compreender os problemas que levaram a ONU a aprovar a missão, em

1978. Na terceira etapa, o artigo vai focar a importância das missões de paz para os planos de

projeção de poder do Estado brasileiro que visam à vaga permanente no Conselho de

Segurança da ONU ou, pelo menos, a ampliação da projeção de poder político. Por fim, a

quarta seção será dedicada à análise da participação do Brasil na Unifil, de modo a avaliar os

possíveis ganhos obtidos por meio da operação – como a venda de equipamentos militares

para o Líbano.

1. A teoria do poder naval

Esta primeira parte da discussão tem a proposta de tecer considerações sobre o

conceito de poder marítimo, destacando os elementos que influenciam sua formação e

manutenção, além de sua importância estratégica quando expresso por meio dos interesses

dos países ou, como no caso Força-Tarefa Marítima da Unifil, empenhados pelos Estados por

meio de uma Organização Internacional para alcançar seus objetivos no sistema internacional.

Desta forma, podemos considerar que os interesses dos Estados integrantes da missão podem

se sobrepor aos objetivos da própria campanha de paz.

Antes de investigar as questões pertinentes ao conceito, vale salientar duas importantes

considerações para o entendimento do encadeamento lógico desta exposição. A primeira delas

é que trazemos como postulado para este trabalho a seguinte premissa das abordagens

realistas das Relações Internacionais sobre as Organizações Internacionais: “as Organizações

(Internacionais) são fundamentalmente instrumentos usados pelos Estados mais poderosos

para atingir seus objetivos. O poder dos Estados pode, em alguns casos, ser acrescido a partir

do papel das Organizações” (HERZ; HOFFMANN; TABAK, 2015: 31). Ademais, teremos

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como pilar para este debate o pensamento teorizado por um renomado representante da escola

clássica da geopolítica, o almirante norte-americano Alfred Thayer Mahan, autor da obra The

Influence of Sea Power Upon de History, 1660-1783, texto que nos servirá como alicerce para

mostrar os elementos que afetam o poder marítimo e sua importância estratégica no que toca

prosperidade, segurança e função social.

O que nos leva a nossa segunda questão: apesar de o autor não definir objetivamente o

conceito de poder naval, trabalharemos com a ideia de que

o Poder Marítimo de um país corresponde aos elementos do seu Poder Nacional, ou

Força Total, que contribuem para a realização dos seus Interesses Marítimos. Poder

Marítimo tem também sido definido como a integração das manifestações do Poder

Nacional que têm o mar como meio de atuação. (CARVALHO, 1982: 126).

A partir da leitura do autor, e levando em consideração a definição de poder marítimo

apresentada, entendemos que o mar em si se constitui sob uma perspectiva política e social,

ou seja, os interesses relacionados a ele não aparecem separados da realidade como um todo,

não são uma categoria fixa que pode ser observada isoladamente em detrimento de outros

fatores do tecido social, esses interesses são, inclusive, modificados pelas questões sociais e

podem modifica-las.

Seguindo com a discussão, é importante mencionar a reflexão do autor que serve como

axioma chave para o seu pensamento e para uma grande parte da História Militar em si.

Segundo Mahan,

Existe uma concordância geral entre os escritores profissionais que, enquanto muitas

condições da guerra variam de época para época com o progresso das armas,

existem certos ensinamentos na escola da história os quais permanecem constantes,

e sendo, portanto, de aplicação universal, e podem ser elevados a categoria de

princípios gerais (MAHAN, 2007: 2,)

Justamente estes princípios gerais, os quais influenciam a construção e manutenção de

um poder marítimo, serão apresentados a seguir. Apesar de o pensamento do autor estar

relacionado em grande parte a reflexões militares, seu arcabouço de ideias não se limita

exclusivamente a este aspecto do poder marítimo. Permitindo-nos também entendê-lo sob

perspectivas não bélicas.

O primeiro ponto trabalhado é a posição geográfica dos Estados. Ela contribui,

segundo o autor, para a concentração ou dispersão das forças marítimas, ou seja, a defesa e as

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demais atividades relacionadas ao mar que banha os países3 tendem a ser mais complexas em

Estados que têm saídas para dois mares (com fronteiras marítimas não contíguas) do que em

relação a países com uma costa apenas, uma vez que, no primeiro caso, se necessita que a

frota ou a esquadra destacadas a uma determinada função separem-se, podendo diminuir a

capacidade reativa deste tipo de Estado.

Além disto, uma posição geográfica vantajosa também pode servir para o controle de

rotas comerciais (MAHAN, 2007: 30-32), assegurando assim a capacidade que os Estados

têm em fazer seus interesses econômicos serem atendidos em áreas de interesse comum,

podendo se utilizar para isto, inclusive, de meios militares. Atualmente, ainda é possível

destacar a importância geográfica para outras operações, como o combate ao tráfico e a

prestação de ajuda humanitária.

O segundo ponto destacado por Alfred Mahan é a conformação física de um país, ou

seja, a discussão de como sua fronteira marítima e o acesso à região que está além dela

influenciam nas atividades relacionadas ao mar. Considerando que este acesso pode ser fácil

ou difícil, isto impactará na construção do comércio do país com as demais nações, na

construção de sua marinha, na construção e na manutenção de seus portos ou ainda na forma

como controla o escoamento de suas importações e exportações.

Ainda relacionado às condições físicas do país, o autor nos mostra também que a

quantidade de portos – bem como a profundidade desses portos em relação à contiguidade do

território – o clima e o meio ambiente são fonte de força ou de fraqueza para o Estado,

dependendo de suas características evidentes e como são utilizadas (MAHAN, 2007: 35-36).

Outra característica que afeta o poder marítimo de uma nação é a extensão de seu

território. Este traço não está relacionado necessariamente ao número de quilômetros que o

país apresenta, mas sim ao comprimento de sua costa e às características de seus portos. De

acordo com Mahan, um Estado se parece com uma fortaleza e a costa seria “seu portão”,

sendo preciso ter condições humanas e materiais para defendê-lo, utilizando-se bem das

possibilidades oferecidas. Todavia, esta questão também está atrelada ao tamanho da

população do país (MAHAN, 2007: 43).

Quanto à demografia, a principal observação relaciona-se à população que “segue o

mar”, para além do contingente que está literalmente em água: homens em navios de

comércio, navios de guerra, dentre outros. Destaca-se que toda a cadeia por trás do poder

3 A defesa pode ser realizada pelo próprio Estado ou por terceiros.

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marítimo deve ser levada em consideração, como os indivíduos que fazem e consertam

materiais navais, professores de áreas ligadas a assuntos marítimos, meios de vigilância e

controle marítimo, dentre outros que se relacionam direta ou indiretamente a esse contexto.

Além da forma como esta cadeia está distribuída pelo território costeiro (CARVALHO, 1982:

126).

O quinto elemento é o caráter nacional, mais especificamente a aptidão de

determinadas nações para o comércio e para empresas individuais, o que pode ser entendido

em como o caráter da população pode moldar ações que farão com que o poder marítimo

naturalmente se desenvolva, inclusive, tendo a oportunidade de moldar as ações do governo

em torno desta característica. Salientamos que o caráter nacional também está relacionado ao

modo como os Estados se relacionam com outras nações para alcançar seus objetivos, no

período destacado por Mahan: a questão colonial e sua utilidade, nos dias de hoje: o

relacionamento comercial com os demais Estados soberanos (MAHAN, 2007: 50-58).

O sexto e último princípio é a característica do governo, pois ao longo da história

diferentes tipos de governos, sejam quais forem suas orientações no espectro político, têm

influenciado na criação de um poder marítimo, por majoritariamente duas causas. Primeiro,

em tempos de paz o governo pode favorecer as características de seus governados,

direcionando a força e o dinheiro de suas instituições para este fim, além de também tentar

criar características empresariais essenciais ao desenvolvimento do poder produtivo de sua

população, se ela não existir. Segundo, em tempos de guerra, o governo pode fomentar uma

marinha e direcionar adequadamente o poder do Estado, juntamente com o orçamento de suas

instituições, para o equipamento naval e a cadeia a ele correspondente (MAHAN, 2007: 82).

Deste modo, a base teórica do poder marítimo destacada até aqui, nos permite fazer

inferências acerca da participação brasileira da Unifil. Primeiramente, vale dizer que o Brasil

atende, em nossa visão, algumas das condições gerais imperativas para um expressivo poder

marítimo, segundo a perspectiva de Mahan. Podemos destacar: a) a extensão da costa do

Atlântico, embora não seja um país bioceânico; b) a densidade demográfica da população que

vive no litoral, bem como o tamanho da marinha mercantil; c) a quantidade de portos

comerciais, como Santos (São Paulo), Paranaguá (Paraná) e Rio de Janeiro, por exemplo. Não

obstante estas características, a missão configura-se como um investimento para a expansão

do poder marítimo, ainda que os resultados sejam modestos.

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A Unifil, dentro do sistema ONU, atende uma tripla expectativa por parte do Brasil:

serve como catalisador para a expansão de seu poder marítimo, uma vez que tem servido

como palco, em um importante teatro de operações, para atuação de oficiais e equipamentos

militares brasileiros, contribuindo assim para o aprimoramento de ambos; favorece o aumento

e a presença de seus interesses na região, como, por exemplo, os acordos de venda de aparatos

bélicos firmados entre Brasil e Líbano; além de projetar o hardpower brasileiro naquela área,

utilizando estrategicamente seu poder marítimo, como forma de inserção internacional.

Mostrando assim, como salientado por (CARVALHO 1982: 142), que há a concreta

possibilidade de que o “Poder Marítimo pudesse ser parte integrante de um projeto nacional

mais vasto, suficientemente mobilizador para contribuir para o desejado arranque do País”.

2. Forca Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil)

A Forca Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil) foi estabelecida pelo Conselho

de Segurança das Nações Unidas em março de 1978, por meio da resolução 425, em

atendimento à solicitação do governo libanês, com a missão de confirmar a retirada das tropas

do Israel do Líbano, assegurar a paz e a segurança internacional e auxiliar o governo local a

restaurar a autoridade. O litígio teve início após um ataque israelense contra o território

libanês, sob a justificativa de ser parte de uma estratégia de defesa contra combatentes da

Organização para a Libertação da Palestina (OLP).

A Unifil auxiliou o exército libanês ao longo da fronteira com Israel. Inicialmente, a

operação contava com seis mil soldados, número que aumentou gradativamente conforme as

tropas de apoio dos países membros eram alocadas para a missão, chegando a pouco mais de

sete mil soldados no ano de 1982, chegando a 11.746 soldados e 1.007 funcionários civis no

ano de 2011. Atualmente, a missão conta com 10.511 soldados e 848 civis.

Em maio de 2000, o governo israelense iniciou a retirada das tropas, processo

concluído em 16 de junho do mesmo, quando Israel comunicou ao Conselho de Segurança

que havia retirado por completo os soldados que ocupavam a fronteira. Além disso, todos os

prisioneiros foram libertados. No entanto, o problema não foi completamente solucionado.

Mesmo após a desocupação, a Unifil foi mantida, como forma, agora, de auxiliar o exército

libanês e a polícia local a estabelecerem postos de controle para monitorar o acesso, manter a

lei e a ordem na região desocupada.

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Em um relatório4 datado em 16 de janeiro de 2002 sobre a Unifil, Kofi Annan, o então

Secretário-Geral da ONU, afirmou uma situação de calmaria na zona de atuação da força

tarefa, com apenas alguns níveis baixos de tensão registrados, principalmente na região das

fazendas de Shab’b. O foco das operações da missão nesse momento permaneceu na Linha

Azul (fronteira entre Líbano e Israel), trabalhando na localização e desarmamento de minas

terrestres e em conjunto com as partes para evitar possíveis violações na região.

Os picos de tensão aumentaram com o advento de incidentes violentos no perímetro da

Linha Azul, como a prática de atividades militantes pelo Hezbollah e as frequentes incursões

israelenses não justificadas no espaço aéreo do libanês, fazendo com que o Líbano recusasse

colaborar com o mantimento das suas forças armadas ao longo da Linha Azul, criando um

vácuo de poder na fronteira que viria a ser preenchido pelo Hezbollah. Em 3 de outubro, o

Hezbollah disparou 18 mísseis e 3 morteiros nas Forças de Defesa de Israel (FDI) e em 22 de

outubro quando atacou novamente, disparando 10 mísseis e 61 morteiros. Em ambos ataques

as FDI responderam com artilharia pesada na Linha Azul, derrubando dois mísseis ar-solo.

Por conta dos acontecimentos supracitados, o Conselho de Segurança adotou a

resolução 1428 (2002), condenando e manifestando preocupação com os atos violentos e as

incursões territoriais, além de apelar às partes para que certifiquem a livre circulação das

tropas da Unifil durante o cumprimento de seu mandato.

Em um novo relatório5, de 20 de janeiro de 2004, o Secretário-Geral afirmou que a paz

relativa no semestre anterior foi substituída por incêndios na região de exploração das

fazendas de Shab'a, novos ataques aéreos e mortes de três israelenses e três libaneses na

fronteira. No entanto, houve avanços na questão do desarmamento das minas terrestres, se

concretizando através da liberação de um total aproximado de 4,8 milhões de metros

quadrados de terra, sendo meio milhão de metro quadrado para uso produtivo.

Preocupado com as frequentes hostilidades – principalmente no espaço aéreo, com a

realização de incursões de ambos os lados e o assassinato de militares da Nações Unidas – o

Conselho de Segurança adotou a Resolução 1583 (2005), que condenou todos os atos de

violência na Linha Azul e apoiou os trabalhos da Unifil para prosseguir com o cessar-fogo e

instaurar a segurança internacional. Por conta dessas ocorrências, houve a discussão de uma

4 Report of the Secretary-General on the United Nations Interim Force In Lebanon. 2002. Disponível em:

<http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/2002/55> 5 Report of the Secretary-General on the United Nations Interim Force In Lebanon. 2004. Disponível em:

<http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/2004/50>

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possível mudança na atuação da Unifil, tornando-a mais militarizada, mas essa possibilidade

foi invalidada por uma conclusão do Secretário-Geral de que a situação no Líbano não daria

suporte à uma reconfiguração na missão.

Em 18 de janeiro de 2006, o Secretário-Geral elaborou outro relatório6 sobre a Unifil,

no qual retratava a situação política e de segurança como frágeis, ressaltando o ataque

efetuado pelo Hezbollah em novembro de 2005 ao FDI. No dia 12 de julho de 2006, o grupo

Hezbollah realizou um ataque com foguetes que atingiu a cidade de Zarit, em Israel.

Paralelamente, as forças libanesas combateram uma patrulha israelense, com o saldo de dois

soldados capturados, três mortos e dois feridos. Israel respondeu a ofensiva com ataques

terrestres, aéreos e marítimos, destruindo rodovias e pontes no território libanês que estavam

localizadas dentro e fora das áreas de ação da Unifil.

Devido a intensa hostilidade e as tragédias ocorridas entre julho e agosto de 2006, o

Conselho de Segurança se viu obrigado a alterar forma de operação da missão de paz. Após a

realização de inúmeras negociações, em 11 de agosto o Conselho de Segurança aprovou a

resolução 1701, exigindo o cessar fogo para ambos os Estados e aumentando massivamente a

quantidade de tropas na chamada Linha Azul, passando de dois mil para quinze mil soldados,

assim expandindo o território de mandato da Unifil.

Na mesma época, o Conselho de Segurança incluiu uma Força Tarefa Marítima (FTM)

que, em consonância com a resolução 1701, visava o fim do contrabando de armas e drogas

na região e o treinamento da marinha libanesa – essencial para que o Líbano pudesse,

futuramente, assumir as ações necessárias para garantir a segurança do perímetro marítimo.

Além dos fins militares pertinentes a atuação da Unifil, a força de paz também

executou ações de cunho humanitário desde 1982, sendo uma das primeiras a receber esse

tipo de missão. Os capacetes azuis foram incumbidos de promover tarefas como assistência

humanitária à população que estava localizada na área de operação e auxiliar as pessoas que

foram deslocadas a voltarem para casa. Nesse sentido, após 2006 é possível notar o apelo

feito à comunidade internacional para que houvesse uma maior colaboração humanitária,

expresso no sexto ponto da resolução de 1701:

Incentiva a comunidade internacional a tomar medidas imediatas para aumentar a

sua assistência financeira e humanitária ao povo libanês colaborando com o regresso

em seguro das pessoas deslocadas e, sob a autoridade do Governo do Líbano, da

6 Report of the Secretary-General on the United Nations Interim Force In Lebanon. 2006. Disponível em:

<http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/2006/26>

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reabertura dos aeroportos e dos portos, em conformidade com os parágrafos 14 e 15,

e solicita igualmente que considere uma futura assistência para contribuir para a

reconstrução e desenvolvimento do Líbano. (ONU, 2006, Resolução 1701, art.6)7

Em um mundo globalizado, onde o comércio internacional é de suma importância para

a economia dos Estados, bem como a necessidade de formas mais ágeis e produtivas de

transportes de mercadorias, as rotas marítimas passaram a ser pontos estratégicos pelo volume

que se pode transportar e pela continuidade da viagem. Visto que o território marítimo

libanês, situado no mar Mediterrâneo, é uma das principais rotas comerciais entre a Ásia e a

Europa, a importância estratégica da região carece de um governo com autoridade efetiva,

tanto político quanto militar, que possa controlar o fluxo de mercadorias e pessoas nas zonas

marítimas.

Ao implementar a resolução 1701, um dos objetivos da ONU com a Unifil e a Força

Tarefa Marítima era conter o intenso tráfico de armas e drogas na região. A própria resolução

indica que uma das prioridades da missão seria a restauração completa da soberania libanesa e

a garantia do controle do território:

Salienta a importância da extensão do controle do Governo do Líbano sobre todo o

território libanês, em conformidade com as disposições das Resolução 559 (2004) e

da Resolução 1680 (2006), bem como das disposições pertinentes aos Acordos de

Taif, para sua plena soberania, de modo que não haverá armas sem o consentimento

do Governo do Líbano e nenhuma autoridade que não seja a do Governo do Líbano.

(ONU, 2006, Resolução 1701, art.3)8

Em vista da importância estratégica dessa área, foi necessário a proteção para evitar

problemas com países vizinhos e diminuir os conflitos na região. O fortalecimento do Estado

libanês e o treinamento das forças armadas do Líbano, para enfrentar e controlar situações de

tensão, são as formas não apenas de garantir a segurança internacional, mas também uma

forma de gerar deterrência, ou seja, desencorajando ataques e hostilidades por parte de

Estados fronteiriços como Israel.

7 Calls on the international community to take immediate steps to extend its financial and humanitarian

assistance to the Lebanese people, including through facilitating the safe return of displaced persons and, under

the authority of the Government of Lebanon, reopening airports and harbours, consistent with paragraphs 14 and

15, and calls on it also to consider further assistance in the future to contribute to the reconstruction and

development of Lebanon. 8 Emphasizes the importance of the extension of the control of the Government of Lebanon over all Lebanese

territory in accordance with the provisions of resolution 1559 (2004) and resolution 1680 (2006), and of the

relevant provisions of the Taif Accords, for it to exercise its full sovereignty, so that there will be no weapons

without the consent of the Government of Lebanon and no authority other than that of the Government of

Lebanon.

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3. O Brasil e as missões de paz

O Estado brasileiro tem buscado formas de ingressar em dispositivos de segurança

coletiva desde o início do século passado, quando a Liga das Nações foi criada (SANTOS,

2013: 106). Na década de 1920, a gestão do presidente Artur Bernardes reivindicou o ingresso

do Brasil no Conselho Executivo da organização, sem sucesso. O objetivo da época seria

tornar o Brasil uma potência global ou, pelo menos, regional (ARRAES, 2005: 3). Essa meta

foi reavivada com a criação da ONU, após a II Guerra, quando o país passou a pleitear a

reforma do Conselho de Segurança e a aceitação de novos membros permanentes.

O maior debate dentro da Organização Internacional, desde então, tem sido a

ampliação do número de membros permanentes. Há uma vasta bibliográfica sobre o assunto.

Basicamente, os autores compreendem que a estrutura do Conselho de Segurança reflete uma

realidade política do momento imediatamente posterior ao fim da guerra, de modo a refletir os

interesses das potências da época (ARRAES, 2005: 4). Nesse aspecto, a própria diplomacia

brasileira tem sustentado que a reforma do Conselho seria fundamental inclusive para que o

órgão fosse adaptado às demandas crescentes em um mundo pós-Guerra Fria:

O surgimento de novas potências econômicas e de um número de países em

desenvolvimento com projeção global alterou significativamente a dinâmica da

política mundial. Esses atores chegaram ao primeiro plano do cenário internacional e

devem estar presentes no núcleo de membros permanentes, de modo que a

composição do Conselho se torne mais equilibrada e reflita melhor a diversidade de

visões de mundo. (LAMPREIA apud CORRÊA, 2006: 603)

Por conta de todas as mudanças no sistema internacional e na ordem internacional

desde então, o órgão se tornou pouco representativo, sobretudo pela ausência de nações do

hemisfério Sul (HERZ, 1999: 85-86). Esse problema, por sua vez, leva a outra questão: a

pouca eficiência da ONU no cumprimento de suas funções elementares (PECEQUILO, 2012:

313), inclusive como reflexo da baixa representatividade.

Isso significa que, no limite, os processos de manutenção da paz são conduzidos pela

vontade dos cinco membros permanentes, que não conhecem efetivamente os problemas e as

particularidades dos Estados localizados na África, em boa parte da Ásia e na América Latina.

Além disso, as missões de paz conduzidas pelas potências tradicionais seguem, normalmente,

o uso de dispositivos militares igualmente tradicionais: inclusive porque boa parte dessas

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operações são baseadas sustentadas pelo capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que

outorga a imposição da paz – o que tende a criar tensões.

Nesse contexto, Uziel argumenta que existe uma estratégia contínua adotada pelo

Estado brasileiro de integrar missões de paz para, deste modo, demonstrar capacidade militar

no sistema internacional (2015: 120). A participação em mais de 30 missões fez com que o

país obtivesse meios políticos para ser eleito dez vezes às vagas temporárias – embora ainda

não tenha possibilitado efetivamente o ingresso do país aos assentos permanentes.

O país, entretanto, é seletivo na escolha das missões. Bracey argumenta que,

historicamente, o Brasil tem optado por integrar campanhas ligadas ao capítulo VI da Carta da

ONU, que estabelece operações baseadas na negociação e no consentimento entre as partes

envolvidas, pois permitem que as forças militares atuem principalmente nas causas primárias

dos conflitos, como combate à miséria, fome e desigualdade econômica (2011: 317). Mesmo

assim, a participação nessas empreitadas serve, certamente, como forma de demonstrar

interesse na solução de confrontos.

Por conta disso, o Brasil tem se inserido em missões de paz desde 1948, tendo

conquistado mais espaço a partir da campanha no Timor Leste, no fim da década de 1990,

numa operação que procurou apoiar o país em seu processo de independência. Houve, na

ocasião, o envio de tropas e civis, que atuaram sobretudo em missões humanitárias.

No entanto, o momento de maior importância foi obtido com a missão de paz no Haiti,

aprovada pelo Conselho de Segurança em 20049, que concedeu o comando ao Brasil. Esta foi

uma oportunidade não apenas de treinar militares brasileiros em campo, mas também de

demonstrar as capacidades necessárias para pacificar um país com um longo histórico de

instabilidades políticas e rupturas democráticas.

De todos os meios empregados pelo Brasil na luta pela vaga permanente, Uziel afirma

que houve uma grande concentração de esforços nas missões de paz (2015: 126). Essa

proposta, sem dúvida, está em consonância com a perspectiva de que, independentemente de

quaisquer outros instrumentos de projeção de poder, a promoção da paz é tradicionalmente

ligada à prerrogativa básica da intervenção mediante uso de forma física (FONTOURA, 1999:

9 A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) foi aprovada pelo Conselho de

Segurança da ONU em abril de 2004, por meio da resolução 1542. O país enfrentava problemas internos por

conta da deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide. A operação, cujo objetivo era desarmas os grupos

rebeldes e proporcionar condições para a realização de eleições livres, foi liderada pelo Brasil desde sua criação.

Em abril de 2017, o Conselho de Segurança da ONU decidiu que a missão será finalizada e as tropas retiradas do

Haiti até outubro.

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32). Portanto, hipoteticamente as missões de pacificação são oportunidades apropriadas para

projetar hardpower e, com isso, ampliar a projeção de poder visando a vaga permanente.

4. Participação do Brasil na Unifil e as Relações com o Líbano

Em fevereiro de 2011 o Brasil foi convidado pela ONU para assumir o comando, da

Força-Tarefa Marítima (FTM) da Unifil – posto que ocupa até o momento. É importante

destacar que, pela primeira vez, a missão está sob o comando de um país não membro da

Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) (ITAMARATY, 2011). Ademais, o

Brasil conta com um efetivo distribuído da seguinte maneira: 1 Fragata atuando como nau-

capitânia; 13 militares pertencentes ao Estado-Maior da FTM; 3 militares pertencentes ao

Estado-Maior da Unifil; e 7 militares inseridos na Brigada Espanhola.

É possível supor que o trabalho da força de paz no Haiti, liderada pelo Brasil desde

2004, e os laços mantidos entre Brasil e Líbano conferiram algum prestígio ao Estado junto às

Nações Unidas – o que permitiu que o Brasil fosse selecionado para assumir a

responsabilidade de comandar a força marítima. Levando, inclusive, autoridades brasileiras a

destacar que a força tarefa comandada pela marinha no Líbano havia aumentado o nível de

responsabilidade brasileira perante a comunidade internacional.

Como encarregado pelo comando marítimo, o país conta com a participação de forças

navais de outros Estados, as quais empregam seis embarcações nas operações. Esses navios

provêm da Grécia (48 militares), Turquia (105 militares), Alemanha (123 militares),

Bangladesh (322 militares) e Indonésia (103 militares) (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2015).

Essa frota fica responsável por patrulhar um território marítimo composto por 205

quilômetros de costa, de modo a realizar operações cujo objetivo é evitar o ingresso de armas

ilegais no Líbano e treinar tropas daquele país para sua autarquia em defesa.

Dado esse contexto, aliado a um histórico destacado por (AMORIM, 2016: 243) nos

seguintes termos: “uma grande comunidade libanesa vive entre nós, e um número crescente

de brasileiros reside no Líbano. Temos uma ligação próxima e direta com aquele país”, criou-

se a possibilidade para uma cooperação econômica-militar bilateral entre Brasil e Líbano,

assim como havia ocorrido em 2012, quando uma parceria entre Embraer e a fabricante

estadunidense Sierra Nevada Corporation rendeu ao Brasil a venda de 20 caças Super

Tucanos às forças de defesa do Afeganistão – outro ator no jogo político do Oriente Médio.

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Esta cooperação tem se delineado cada vez mais e ficou mais clara em novembro de

2016, em Beirute, oportunidade em que se encontraram os ministros da defesa brasileiro e

libanês. O representante do Líbano, Samir Moqbel, enfatizou a importância da cooperação

entre as escolas militares e destacou o acordo de compra de seis aeronaves Super Tucanos da

Embraer, estimadas em US$ 170 milhões, representando cerca de 40% da média anual de

venda brasileira e fazendo parte do contingente das 230 aeronaves deste modelo vendidas

desde o ano 2000, (EMBRAER, 2015). Além de enfatizar a já realizada aquisição de 16

unidades de tanques blindados Guarani, dois mil foguetes de ataque ao solo e diversos

equipamentos de tecnologia militar, conforme revelado pela imprensa na ocasião

(ESTADÃO, 2016).

Recentemente em seu discurso de posse no Ministério das Relações Exteriores, o novo

ministro Aloysio Nunes, seguindo uma clara linha de continuidade da política externa

brasileira, lembrou a força dos laços econômicos do Brasil com países do Oriente Médio, e

destacou a importância da sustentação do contínuo esforço de aproximação entre o Brasil e

Estados da região (ITAMARATY, 2017). Ao analisar o discurso do ministro, observa-se que

os recentes acordos comerciais na área militar por meio da atuação do Brasil na missão de paz

fazem parte de uma ampla estratégia econômica do país para a região, que vem

desenvolvendo-se mesmo com alternâncias de poder.

Desse modo, a atuação e a presença do Brasil em missões além de seu território faz-se

necessária para a construção de maiores possibilidades em diversas regiões do globo, servindo

para manutenção de alianças e do prestígio do país, alavancando questões econômicas em

diversas matizes e ampliando seu poder no sistema ONU. Como um dos membros fundadores

da Organização das Nações Unidas, o Brasil sempre se preocupou em atuar em missões de

paz como forma de manter sua presença no cenário internacional e como salienta (AMORIM,

2016: 244) “deve adotar uma estratégia que conjugue política externa e política de defesa.

Além da proteção de seus interesses, dever fundamental, o Brasil tem também vocação de ser

um país ‘provedor da paz’”.

Por fim, concordamos com (HYAR, 2015: 49) quando afirma que os seguintes

aspectos determinaram a estratégia brasileira no Oriente Médio, incluindo sob a perspectiva

da missão de paz: “criar uma parceria mais profunda e mutuamente proveitosa com o Líbano

e outros países; e utilizar plenamente o potencial que o Líbano representa como porta de

entrada histórica para todo o Oriente Médio (...)”. E com (AMORIM, 2016: 246) de que

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“nossa participação no Líbano sublinha a importância de refletirmos sobre nossos desafios e

de definirmos nossos interesses”, reforçando nossa estratégia de inserção internacional através

de meio militares, como forma de aproximação e obtenção de benefício de nações amigas.

Considerações finais

É possível afirmarmos que comandar a Força Tarefa Marítima da Unifil confere ao

Brasil dois potenciais resultados, um deles subjetivo e outro mais objetivo. O primeiro

resultado, ainda que imensurável, é a demonstração de comprometimento com a causa da

segurança internacional e a capacidade de atuação em cenários de conflito, de modo a servir

como subsídio para o pleito da vaga permanente no Conselho de Segurança. Esse é o objetivo

que, historicamente, tem feito o país se engajar em missões de paz desde 1948, como parte de

uma estratégia contínua que visa o aumento de projeção de poder no sistema ONU – embora

nenhum sinal claro tenha sido dado que possa realmente servir como indicativo que a Unifil

nos dará acesso à esfera de segurança coletiva global.

O segundo resultado, por sua vez, é tangível: a participação na missão de paz do

Líbano, por meio da força naval, nos conferiu transações comerciais importantes na área

militar, que não apenas permitem o aumento da receita com essas negociações, mas também

ajudam a difundir a tecnologia militar brasileira no Oriente Médio.

Por fim, é possível considerar que, todos os esforços empregados na Unifil, pela

perspectiva geopolítica, contribuem para a difusão do poder naval brasileiro no sistema

internacional. Seguindo as premissas de Alfred Mahan, trata-se de um Estado que,

geopoliticamente falando, já dispõe de alguns elementos fundamentais, como litoral extenso,

população e esquadra comercial, e que, com a missão de paz, desenvolve não apenas

conhecimento em operações em zonas de conflito, mas também know how no treinamento de

uma marinha de guerra estrangeira – no caso a libanesa.

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