o boêmio

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o boêmio Qual a importância social do boteco? Ele pode ser tratado como um segundo lar? Entrevista em quadrinhos com Xico Sá, o maior boêmio do Brasil Conheça os processos de produção da cerveja, do vinho e da cachaça

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Suplemento produzido para a disciplina de Jornalismo Impresso II, 2012, do curso de Jornalismo da Unesp, câmpus Bauru, sob a orientação do Prof. Dr. Angelo Sottovia Aranha

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Page 1: O Boêmio

o boêmio

Qual a importânciasocial do boteco?

Ele pode ser tratadocomo um segundo lar?

Entrevista em quadrinhos com Xico Sá,

o maior boêmio do Brasil

Conheça os processosde produção da

cerveja, do vinho e da cachaça

dezembro 2012

Page 2: O Boêmio

o boêmioUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp)Suplemento produzido pelos alunos do 4º termo do curso de Comunicação Social - Jornalismo, para as disciplinas de Jornalismo Impresso II e Planejamento Gráfico-Editorial em Jornalismo II

ReitorJulio Cezar Durigan

Diretor da FAACNilson Ghirardello

Coordenação do Curso de JornalismoJuarez Tadeu de Paula Xavier

Professores OrientadoresAngelo Sottovia AranhaTássia Zanini

EndereçoDepartamento de Comunicação SocialAv. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01. Vargem Limpa, Bauru - SP

Telefone(14) 3103-6000 Ramal 6066

ReportagemAmanda TiengoBreno ThadeuBruno FerrariCarolina ItoCarolina Baldin MeiraIsadora de MouraJulia Germano TraviesoLeonardo ManffréLucas CésarLucas LeiteRicardo Coslove

EdiçãoAngelo Sottovia Aranha

DiagramaçãoJulia Germano TraviesoLucas Leite

AgradecimentosAna Cristina Amgarten, Antônio Reginaldo Tonon, Ayrton Jesus Fernandes, Bar Estação Panorama (Valdir), Capitão PM Alan Terra, Carmen Cecília Fernandes, Cervejaria Rasen Bier, Cláudio Bertolli Filho, Eliana do Carmo Robis, Galpão Paulista, Hélio de Souza, Irineu Bessi, Jornal da Cidade de Bauru, Mariana Canela, Rafael Mariachi, Sandra Calais, Vi-nícola Miolo, Wagner Dalilio, Xico Sá

Nossa capa Foto: Lucas Leite Cenário: Galpão Paulista

2 O SEGUNDO LARNós viemos aqui pra beber ou pra conversar?

Quem nasceu pra malandragem não qué ser dotô

3 QUADRINHOSEntrevista com Xico Sá

4 CERVEJAA artesanal é mais gostosa

Na terra do chimarrão

Sob a sirene da Antárctica

7 VINHOPor dentro do Lote 43

8 CACHAÇA

Ela é a mais brasileira das bebidas

9 CULTURA ETÍLICADicas do Tonon

Quem é quem?

10 BOEMIA PRUDENTEEquilibrando a dose

Lei Seca versus Balada

11 PONTO DE VISTASertanejo regado a álcool

Do outro lado do balcão

índice

– Ei, moça, me traga mais uma dose de pinga e também aquela breja bem gelada, trincando!

Fui ao bar que costumo frequentar, encontrei alguns amigos que estão por ali quase sempre, cumprimentei a Loira dona do bar (que mesmo depois de al-gum tempo não sei seu nome) e pedi uma mesa. “Tá sozinho hoje?” – me pergun-tou a garçonete. Respondi que sim: “vou escrever um trabalho hoje”. Ela riu, como se não acreditasse no que eu havia dito. Trouxe uma porção de amendoim japo-nês, bem como eu gosto.

Fiquei imaginando quais seriam os motivos para aquelas pessoas estarem ali, tomando uma gelada, trocando uma ideia. Uma delas me chamou a atenção: um homem que sempre está por lá. Ás vezes acompanhado de seu filho, e sem-

pre com um copo cheio na mão. Por que será que ele sempre está por ali? Seriam problemas em casa, talvez? Ou mesmo um vício, ou prazer de beber uma gela-da ao final do dia?

Bom, essa reflexão me levou a outro ponto. Quantas histórias diferentes de-vem ter sido contadas naquele lugar? Várias pessoas chorando, seja por pro-blemas de relacionamento ou de famí-lia. Muitas outras às gargalhadas, com amigos, contando como se deram bem naquela prova da faculdade ou comemo-rando uma promoção no trabalho.

Concluí que não importa se estão feli-zes ou tristes, as pessoas sempre recor-rem ao bar como uma segunda casa, uma segunda família, é um local onde se en-contram amigos, se fazem novas amiza-des, é uma terapia descontraída.

No mesmo bar, na mesma mesaeditorial

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“Não adianta por bote-quim no nome, boteco é um estilo de vida”

Depois de uma sema-na inteira trabalhando, na hora que o relógio bate seis da tarde da sexta-feira todo mundo já começa a se agi-tar para ir tomar uma. Não adianta falar, lugar bom é no boteco, aquele bem esti-lo “copo sujo”, com ovo em conversa, salsicha, amen-doim e o sempre famoso dono, que é amigo de todo mundo e a gente conhece por nome e apelido.

O bar é uma atração à parte, não falo porque te-ria música ao vivo, gente bonita e bem arrumada, o esquema é ir e ficar bem à vontade. Chinelo, camisa com o botão aberto e mos-trando a bela barriguinha que a cerveja construiu des-de o primeiro gole até hoje. É isso que torna o boteco o bom lugar pra descansar.

Se a gente falar do bote-co, tem que falar do dono e que às vezes um se confun-de com o outro. O nome do boteco e do dono são iguais, formando uma espécie de pessoa jurídica e física ao mesmo tempo. Boteco do Vardi, do Wagnão, do Tio Tonho, o dono é a alma do boteco e mesmo que um dia ele mude de lugar, todos os seus seguidores vão junto e nunca o traem.

Lá não tem frescura, o dono mesmo te atende e te trata com uma cumplicida-de sem igual, mesmo que você nunca tenha ido lá. Se você quiser ir de terno ou de chinelo e sem cami-sa pode ir, se quiser comer um ovo em conversa há mais de 10 anos no balcão vai em frente. Só não vale pedir pra pendurar.

O negócio é já sentar no bar e mandar descer o fa-moso amendoim e uma cer-veja trincando, aí logo de-pois vem toda a sequência de porções, uma salsicha picada com um queijo, tor-resmo, tremoço e se tiver cozinha aí o cardápio de porções fica mais chique.

Se o seu time de coração vai jogar o lugar pra ver o

jogo é lá, todo mundo tor-cendo contra ou a favor e rola o famoso bolão, dois reais de cada um e no final o prêmio acaba sendo di-vidido entre todo mundo, porque no boteco porção e cerveja sempre tem que se oferecer a todos os que es-tejam no bar, mesmo que você nem conheça a pessoa.

E o jogo continua até o boteco fechar e pra fechar tem que todo mundo ter ido embora, mesmo que tenha um único e solitário bebum no bar, o dono não pode co-meçar a recolher as cadei-ras e ir fechando as portas.

Quando o bar fechar é só pegar o rumo de casa mais pra lá do que pra cá e começar a caminhada, no boteco quase ninguém vai de carro, é todo mun-do da região e o boteco vira uma segunda casa para a maioria das pes-soas do bairro. O boteco bom é o mais perto da sua casa, que você não preci-sa andar quilômetros só pra poder chegar, o negó-cio é chegar rápido pra ir logo sentando e pra isso não pode ter f i la.

N o b o t e c o t o d o m u n d o t e m s e u c a n t i n h o q u a s e q u e r e s e r v a d o , s e u h o -r á r i o d e p e r m a n ê n c i a e s e u s h á b i t o s . S e m p r e t e m o c l i e n t e q u e p e d e u m c o n h a q u e c o m d u a s p e d r a s d e g e l o e s e n -t a e n c o s t a d o n a p a r e d e s e m p r e n o m e s m o h o r á -r i o e n o m e s m o c a n t o .

Se você passa lá e ele não está, a galera já co-meça a f icar preocupada e a pensar no que acon-teceu pra ele não ter ido bater o ponto.

Quem vai ao barzinho para ver a mulherada e os homens todos arruma-dos para se exibirem, para gastar altas quantias para beber a mesma marca do boteco, paga couvert para ver umas bandinhas me-quetrefes e não saber nem o nome do garçom direito, pode ficar a vontade Mas é no boteco que temos nossa segunda vida, numa outra casa e com outra família.

Nós viemos aqui pra beber ou pra conversar?

Quem nasceu pra malandragem não qué ser dotô

texto de Leonardo Manffré texto de Breno Thadeu“silêncio, charóp,Afinal de contas finarmente,Nóis viemos aqui pra beber ou

pra conversar?”João Rubinato, mais conheci-

do como Adoniran Barbosa, esta-belece a questão: Vamos ao bote-co para beber ou para conversar? O compositor argumenta na mú-sica que quem gosta de discurso é orador, tal como quem gosta de conversa é camelô. Assim, pede que não o amolem, pois combi-nou de ir beber, e não conversar.

Tio Norberto, grande tio avô, já falecido, não era italiano. Era alemão, mas também vivia no boteco. Já velho, evitava falar sobre a vida boêmia. Mas todos sabiam desse seu lado. A mãe, bióloga, fazia questão de lembrar a cada dia: “Não beba demais, é genético.” Que nada! Tio Norber-to e suas piadas, suas histórias da época, seus amigos de noitada. Tudo parecia tão fictício à manei-ra que era incrível!

O alemão trazia a boemia para dentro de casa. Sempre vinha à imaginação a lembrança do Tio: traje social, cabelos puxados com gel e um pente de bolso, senta-do por horas no bar, sozinho ou entre amigos, com um sorriso aberto. O maço de cigarros: um potencial parceiro.

Tanto para Adoniran, quanto para tio Norberto, o boteco era necessário. Ali, parecia ser um subterfúgio, uma “fuga” essencial para a rotina. Ou aquilo já fazia parte da rotina? Em muitas orga-nizações sociais, em muitos coti-dianos, temos a presença desse ambiente. Mas, afinal, qual seria a sua real importância?

Entre conversas de barO bar tem um grande papel

social, tanto individualmente quanto coletivamente. Adoni-ran, na música, parece não fazer questão de um acompanhante. Privilegia a bebida, mas isso é momentâneo, histórias de suas músicas; o sambista colecionava amigos pelos bares, tal como Tio Norberto, e, inclusive, compunha suas músicas no boteco.

Pedro Paulo Thiago de Melo, estudioso na relação do bote-quim com a cidade do Rio de Ja-neiro, ressalta, em seu artigo “O pé sujo que recusa saideira”, o papel social que o bar tinha para os operários cariocas. Ele usa a metáfora de que o ambiente pas-

sou a ser visto como um desvio no caminho entre o lar e o traba-lho. “Nele, o trabalhador escapa-va da rígida hierarquia das fábri-cas, com seus chefes, capatazes, gerentes e diretores, e também de suas responsabilidades como provedor do lar”.

Mais do que uma fuga da casa, o boteco é, para muitos, um cô-modo fora dela, a extensão do lar.

O cômodo mais livre Cada boteco é um boteco. Só

quem frequenta o conhece. No Bar do Valdir, Nenão, Mané, Zé, Português, Gaucho, o ambiente é leve. No boteco, tudo se torna assunto. A maioria é de homens, mas não só. Hoje, as mulheres marcam forte presença. A solida-riedade é forte, os grupos de di-ferentes frequentadores travam grandes amizades entre uma cer-veja e outra. Estão à vontade, es-tão em casa, entre amigos e pas-sam muitas horas por ali.

O bar e a articulação socialO Bar representa o espaço

público, tão escasso nos dias de hoje. Em um tempo em que tudo é de alguém e é controlado por outrem, o bar propôs a diversi-dade de vozes e o contato entre elas. Discussões sobre a situação do Palmeiras até a política na-cional do Partido dos Trabalha-dores fazem do bar um ambien-te democrático, escancarando o conflito de classes, mas favore-cendo o contato, a articulação e a movimentação delas.

O boteco hojeHoje é diferente. As re-

lações interpessoais mu-daram, a individualidade triunfa e o tempo não para. Mas o boteco continua lá, agora com menos força. Tio Norberto se surpreenderia com a predominância de “barzinhos” onde a relação entre pessoas é artificial, fluida e instantânea, onde o garçom é um mero emprega-do e nem se conhece o dono.

Hoje, o boteco é um mi-crocosmo que contraria, é fuga dos conformados e dos adeptos de uma cerveja ge-lada e do velho bom papo. Mas, pelo que tudo indica, sempre trará consigo um grande potencial de huma-nização e conforto.

Carolina Ito

índice

o segundo lar

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quadrinhos 4

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Antônio Reginaldo Tonon é um ho-mem que gosta de fazer as coisas com as próprias mãos. Trabalha como serralhei-ro, está fazendo trabalho de reforma da casa, tirava e revelava suas próprias fotos na época das câmeras analógicas e cons-truiu seu computador com partes de ou-tros que tinham sido jogados fora.

Esse gosto pelo trabalho manual, além do incentivo de um amigo, fizeram com que Tonon começasse a produzir sua cer-veja. Fora um ou outro item que precisou comprar, sua própria cozinha, com o fo-gão, o moinho e as panelas improvisadas de casa serviram como ponto de partida.

A decisão de começar a fazer a bebida veio junto com a aposentadoria e, depois de um cursinho específico, em 2009, ele foi atrás dos maltes, lúpulos e fermen-tos que comporiam seus experimentos. Como qualquer iniciante, Tonon baseou suas primeiras receitas em kits, conjun-tos que contém quantidades determina-das de malte, lúpulo e fermento. Mas na terceira já tinha desistido deles: “pensei ‘poxa, vou ficar fazendo kit, ficar na mão do fornecedor, sem saber o que tem den-tro?’ aí não tinha graça. A partir de então, nunca mais comprei kit. Agora eu compro o que acho que devo”.

Mas por que, afinal, ele havia esco-lhido a cerveja, não o vinho ou a pinga? “Vinho depende da uva, da safra. A pin-ga depende da cana, da chuva. A cerveja depende só de mim!”. E, exatamente por isso, pelo desafio, pelas inúmeras possibi-lidades de combinação dos vários tipos de malte com os vários tipos de lúpulo e fer-mentos, é que essa foi a bebida escolhida. Seria um hobby muito mais interessante e animador que o esporte, por exemplo. “Nunca funcionou pra mim. Tentei atle-tismo, mas não deu, nunca fui esportista, não nasci pra isso”, explica.

A diversão está na criação constante de algo novo. Tonon está agora na recei-ta de número 76 e ainda não fez uma que fosse exatamente igual à outra. “Não por-que eu não queira, tenho tudo anotado, se quiser repetir é só olhar lá e fazer. Mas

sempre acontece de alguém falar ‘poxa, você já fez isso? E se botar tal fermento? Pô, por que você colocou tanta água? Ah, achei essa com pouca espuma’. Então es-sas sugestões me fazem ir atrás de mu-dar uma característica ou outra, criando sempre algo novo”, comenta.

Apesar da liberdade de criação, exis-tem algumas regras para a produção de cerveja. Não é bom guardar a garrafa deitada porque o precipitado que fica no fundo tem mais proteínas e um gosto di-ferente; existem também “macetes e téc-nicas corretas de engarrafamento, se você não tomar cuidado pode acabar criando uma bomba”, adverte Tonon, lembrando: “uma das primeiras vezes em que tentei acabei colocando muito açúcar fermen-tável na garrafa e ela explodiu dentro da geladeira. Eram 3 horas da madrugada, aquele barulho de vidro, eu saí voando e fui direto no carro, pensando: quebraram o vidro do meu carro!, não era. Quando voltei, a geladeira com a porta aberta, um monte de garrafa quebrada...”

Além disso, há um obstáculo um pouco problemático: o fornecimento de material, que não existe para pequenos compradores em Bauru ou São Paulo. Mas com fornecedores de Campinas, Belo Horizonte e do Rio Grande do Sul é possível realizar todo o processo pela

internet, depositar o pagamento em con-ta no banco e receber a encomenda por transportadora. “Eu gosto desse cara de Porto Alegre pelo tratamento, o cara me manda copinho, camiseta, chaveirinho, telefona: ‘ó, não tem tal coisa, tem isso ou aquilo’”. O motivo seria a tradição maior que existe no sul, quando compa-rado com as outras regiões do país. Na vi-são de Tonon, o brasileiro não tem muita tradição de bebida nenhuma, mas com o crescimento da indústria de cerveja ar-tesanal, o Brasil vem ganhando vários prêmios em festivais internacionais e é muito bem reconhecido lá fora, porque é a cerveja “que o cara fez porque gosta, não pra ganhar dinheiro. Preza pela qua-lidade e não pela quantidade”.

Tonon é um desses. É possível per-ceber seu orgulho ao sentar à mesa e abrir uma de suas garrafas para a de-gustação das visitas. Seu forte não é a quantidade – uma vez que ele produz entre 50 e 55 litros por mês – mas sim a qualidade, pois faz o que ama.

Como qualquer hobby que se preze, a produção não visa lucro. A bebida não está à venda. “A intenção é a seguinte: é o seu aniversário, você vem aqui, com seus amigos e bebe a cerveja. Depois, no fim do dia, a gente conta quantas gar-rafas você bebeu e você paga o custo. Sempre um grupo fechado, aniversário de alguém, um jogo, assistir a um filme, jogar videogame”, brinca.

Sem medo de dividir seus truques, Tonon exibe no rótulo da garrafa as por-centagens de malte, lúpulo e fermento que utilizou na receita. Além disso, está sempre disposto a dar algumas dicas aos eventuais curiosos que desejam começar sua própria empreitada: “o que os cer-vejeiros fazem é a divulgação da cultura. É bebida, é alcoólica? É. Mas você já viu algum bêbado caído por causa de cerveja artesanal? Aposto que não”.

Leia algumas dicas do Tonon na página 10.

sempre acontece de alguém falar ‘poxa, você já fez isso? E se botar tal fermento? internet, depositar o pagamento em con-

cerveja

A artesanal é mais gostosatexto e fotos de Julia Germano Travieso

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Quem acredita que a bebida preferida dos gaúchos é o chi-marrão está muito enganado. O frio da região não é desculpa, e a tradicional cuia com água quente e erva mate tem uma concorrente à altura, gelada e à base de cevada.

Essa relação começou com a grande imigração alemã, em 1824, passou por gerações e se mantém até hoje, fazendo do estado do Rio Grande do Sul o maior produtor brasileiro de cerveja. Milhares de litros saem de grandes indústrias e alguns poucos das casas de pequenos produtores artesanais, mas os rótulos mais apreciados têm a mesma origem: as microcerve-jarias. Elas são pequenas cer-vejarias, com capacidade para produzir até 300 mil litros por mês, o que tira o foco da quan-tidade e prioriza a qualidade.

A pioneira foi a porto-ale-grense Dado Bier, de 1995, que inspirou muitas outras na capi-tal. Mas elas não pararam por ali e, desde então, se multipli-caram pelo interior do estado. Fui conhecer justamente uma delas, na cidade mais famosa da serra gaúcha.

Gramado fica a 120 quilô-metros de Porto Alegre e na alta temporada é inundada por turistas, atraídos pelas bai-xas temperaturas, instalações aconchegantes, parques, boa comida e chocolate melhor ainda. Mas fora do centro e longe das atrações turísticas é que estava meu destino.

A Rasen é a primeira micro-cervejaria de Gramado, funda-da em 2006. Discreta e com a fachada semelhante à de um celeiro, ela passaria desper-cebida, se não fosse pela faixa que anuncia o nome da marca. Ao cruzar a primeira porta, po-rém, tudo muda, e me deparo com um bar minimalista, mas de fazer inveja aos grandes. Enquanto o admiro, a recep-cionista aparece me oferecen-do um chopp, que aumenta a curiosidade de conhecer o pro-cesso de fabricação.

Cevada maturadaTudo começa quando o mal-

te – grão que resulta da ger-minação e dessecação da ce-

vada – é misturado com água e aquecido, liberando o açúcar e outros componentes impor-tantes. Em seguida, a mistura passa por uma peneira e o lí-quido volta para a panela, onde é acrescentado o lúpulo, res-ponsável pelo amargor. Essa nova mistura chega a 99ºC e o lúpulo é diluído, não havendo a necessidade de uma nova sepa-ração. Ao passar pelo trocador de calor, a temperatura chega a 12ºC e é acrescentado o fer-mento, que varia de acordo com o teor alcoólico desejado.

São quatro dias de fermen-tação e em seguida a matura-ção, quando o fermento decan-tado é retirado dos tanques. A Pilsen, a Dunken e a Âmbar Ale maturam por oito dias e pas-sam por um filtro para a retira-da de impurezas. Já a Weizen, de trigo, matura por vinte dias e vai direto para a garrafa.

Até ai, todas são chopp. Só podem ser chamadas de cerve-ja quando são lacradas na gar-rafa e pasteurizadas – aque-cidas a altas temperaturas e logo em seguida resfriadas –, o que as torna um pouco mais amargas, mas mata o fermen-to e prolonga sua duração para até seis meses em temperatura ambiente.

A Rasen também disponi-biliza o chopp no barril – que dura um mês lacrado e resfria-do e seis dias depois de aberto – e em garrafas retornáveis de cerâmica, mantidas resfriadas e consumidas no mesmo dia.

O processo é parecido com o de uma cervejaria industrial. Mas com particularidades que fazem a diferença. Enquanto ele leva quinze dias e segue a Lei de Pureza da Alemanha – determina que a cerveja deve ser feita apenas com água, malte, lúpulo e levedura –, as grandes produtoras precisam apenas de seis dias, mas usam corantes e conservantes.

Entre a menor qualidade da industrial e a dificuldade de achar uma artesanal, a micro-cervejaria surge dando um óti-mo equilíbrio. Muitos já prova-ram e aprovaram; garanto que para ser um desses ninguém precisa ir até Gramado, mas seria uma ótima idéia.

cerveja

Na terra do chimarrãotexto e fotos de Lucas Leite

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vada – é misturado com água e aquecido, liberando o açúcar e outros componentes impor-tantes. Em seguida, a mistura passa por uma peneira e o lí-quido volta para a panela, onde é acrescentado o lúpulo, res-ponsável pelo amargor. Essa nova mistura chega a 99ºC e o lúpulo é diluído, não havendo a necessidade de uma nova sepa-ração. Ao passar pelo trocador de calor, a temperatura chega a 12ºC e é acrescentado o fer-mento, que varia de acordo com o teor alcoólico desejado.

São quatro dias de fermen-tação e em seguida a matura-ção, quando o fermento decan-tado é retirado dos tanques. A Pilsen, a Dunken e a Âmbar Ale maturam por oito dias e pas-sam por um filtro para a retira-da de impurezas. Já a Weizen, de trigo, matura por vinte dias e vai direto para a garrafa.

Até ai, todas são chopp. Só podem ser chamadas de cerve-ja quando são lacradas na gar-rafa e pasteurizadas – aque-cidas a altas temperaturas e logo em seguida resfriadas –, o que as torna um pouco mais amargas, mas mata o fermen-to e prolonga sua duração para até seis meses em temperatura ambiente.

A Rasen também disponi-biliza o chopp no barril – que dura um mês lacrado e resfria-do e seis dias depois de aberto – e em garrafas retornáveis de cerâmica, mantidas resfriadas e consumidas no mesmo dia.

O processo é parecido com o de uma cervejaria industrial. Mas com particularidades que fazem a diferença. Enquanto ele leva quinze dias e segue a Lei de Pureza da Alemanha – determina que a cerveja deve ser feita apenas com água, malte, lúpulo e levedura –, as grandes produtoras precisam apenas de seis dias, mas usam corantes e conservantes.

Entre a menor qualidade da industrial e a dificuldade de achar uma artesanal, a micro-cervejaria surge dando um óti-mo equilíbrio. Muitos já prova-ram e aprovaram; garanto que para ser um desses ninguém precisa ir até Gramado, mas seria uma ótima idéia.

cerveja

Na terra do chimarrão Sob a sirene da Antárcticatexto de Ricardo Coslove

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Que uma cervejinha gelada ao fim de uma sexta-feira é um ótimo pretexto para unir os amigos, todos sabem, mas qual cerveja pedir?

Das diversas marcas disponíveis no mercado, 69% são do grupo AmBev, o maior produtor de cerveja da América Latina. Com um volume anual superior a 17,6 bilhões de litros, dos quais 12,8 bilhões de litros são produzidos no Brasil, a empresa se destaca com 17 di-ferentes marcas de cerveja, para agra-dar a diversos paladares.

Dentre as marcas da AmBev que se destacam nos copos dos brasileiros es-tão a Skol (3ª cerveja mais consumida no mundo), Brahma, Antárctica, Bohe-mia, Original e Stella Artois. Além des-sas, há aquelas para os que apreciam saborear um lúpulo e um malte mais artesanal, como a Hoegaarden e Leffe, para os que apreciam uma cerveja com sabores mais acentuados.

A história da Companhia de Bebidas das Américas, a AmBev, iniciou-se em 1999, a partir da fusão entre duas gran-des cervejarias brasileiras, a Brahma e a Antárctica. Na época, 16 mil pessoas esta-vam empregadas, hoje já são mais de 40 mil, fator importante para o desenvolvi-mento econômico do país.

De acordo com o estudo “Cerveja, uma indústria a serviço do Brasil”, da FGV, a contribuição econômica e a im-portância do setor de cerveja no Brasil, somente na cadeia produtiva da bebida, extrapola os R$ 16,4 bilhões pagos em salários para seus empregados. No ano de 2011, R$ 14,9 bilhões foram gerados de impostos pela Ambev, um aumento de 11,4%, em relação a 2010.

No ano de 2004, a Ambev e a cerve-jaria belga Interbrew se fundiram, for-

mando um gigantesco grupo sob o nome de Inbev. Anos depois, em 2008, a Inbev comprou a maior cervejaria norte-ame-ricana, Anheuser-Busch (dona das mar-cas Budweiser e Budlight), tornando-se assim, a maior cervejaria do mundo. Neste ano, ainda sob o nome de Ambev, a cervejaria brasileira negocia a compra da SABMiller, a segunda maior produ-tora de cerveja do mundo, líder anglo--africana, jogada essa que divide opini-ões. Alguns economistas temem a falta de concorrência no mercado.

Quem foi o Grupo Antárctica?A companhia Antárctica foi um gru-

po que originalmente produzia cerveja, mas que posteriormente estendeu sua participação no ramo de bebidas, pas-sando a industrializar também refrige-rantes. Durante vários anos, foi líder no mercado cervejeiro, junto com sua concorrente, a Brahma. Essa disputa somente parou com a fusão das duas, dando origem à Ambev.

Fundada no ano de 1885, a cerveja-ria Antárctica sempre esteve presen-te nos copos dos brasileiros. Com sua crescente participação e aceitação de mercado, abriu diversas filiais de Nor-te a Sul do Brasil.

As fábricas da Antárctica tinham grande importância nas cidades em que se instalavam, pois eram responsáveis pela geração de um grande número de empregos. Ayrton Jesus Fernandes, apo-sentado pela Antárctica relembra como foi trabalhar nessa companhia por quase 30 anos: “Trabalhar nessa empresa foi algo que gerou boas recordações. Iniciei minha carreira como auxiliar de escritó-rio, sai de lá como membro da diretoria. Aprendi muito enquanto estive por lá,

afinal, foram muitos anos trabalhando em uma mesma empresa”.

Reconhecida por auxiliar seus funcio-nários por meio da fundação ‘Antonio e Helena Zerrener’, tanto na compra de alimentos, quanto para medicamentos e auxílios médicos para seus funcionários, a cervejaria Antárctica hoje seria consi-derada paternalista. “Posso dizer que a relação da Antárctica com seus funcioná-rios foi paternalista. Sempre preocupada com seus funcionários, oferecendo opor-tunidades para a gente crescer, além dos auxílios médicos que a fundação oferecia e ainda oferece aos antigos funcionários”, reconhece Ayrton.

A Companhia Antárctica aumentava sua produção a cada ano por meio da cria-ção de novas filiais ou de empresas coliga-das à cervejaria, sempre valorizando sua qualidade, utilizando ingredientes de qua-lidade, incluindo a água, que é o principal deles no processo de produção da cerveja.

Bauru também gosta de cerveja!A cidade de Bauru recebeu, com mui-

ta expectativa, a abertura de uma fábrica de cervejas, refrigerantes e gelo no ano de 1923. Foi instalada na avenida Nações Unidas, em área próxima à rodoviária e era cortada pela linha do trem que, à épo-ca transportava passageiros.

O local onde seria construída a cerve-jaria começara as terraplanagens. Tão grande foi a importância da vinda da fábrica a Bauru, que a região ao redor da construção foi chamada de Vila An-tárctica, em homenagem à empresa que geraria centenas de empregos para a co-munidade bauruense.

Às onze horas ouvia-se a sirene vinda da fábrica, todos sabiam que já era horá-rio de almoço. As crianças corriam para casa, o marido chegava em casa, a espo-sa já deveria estar com o almoço pronto. Muitos viveram em função daquele apito.

Alguns anos depois veio a terrível notí-cia para o povo bauruense, a água que era retirada dos poços artesianos da cidade não era de qualidade suficientemente boa para a produção de cerveja. A produção ficou apenas nos refrigerantes.

Em 21 de maio de 1995 veio a “bomba”. A fábrica da Antárctica iria encerrar suas atividades em Bauru, demitindo, ao todo, 90 dos 110 funcionários, sendo transferi-da para Ribeirão Preto. Quatro anos mais tarde, todas as unidades do país fecha-ram, com a fusão com a Brahma, somen-te algumas reabriram as que não foram consideradas obsoletas. Não foi o caso de Bauru, tampouco de Ribeirão Preto.

Hoje, 7 anos depois da desativação da fábrica, um shopping está sendo cons-truído no local. Mas a chaminé, que marcou a memória do povo bauruense, ainda permanece intacta para aqueles que gostam de recordações.

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Page 8: O Boêmio

Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, é considera-da a Capital Brasileira do Vi-nho, mas mesmo quem não sabe dessa fama pode imagi-nar. E a imaginação dá lugar à certeza, quando uma placa na beira da estrada anuncia a chegada ao Vale dos Vinhe-dos da serra gaúcha.

A ocupação do vale começou com a chegada de imigrantes no fim do século XIX, e Giuse-ppe Miolo era um deles. O ita-liano desembarcou por lá em 1897 e, com as economias que havia guardado, comprou um pedaço de terra, o lote de nú-mero 43. O clima frio e úmi-do ajudou, a família começou a produzir uvas e, em 1989, a vinícola foi fundada.

Os negócios deram certo, e hoje o grupo Miolo é o maior produtor do país, com terras espalhadas por várias regi-ões. Em Bento Gonçalves, são 320 hectares produzin-do as uvas Merlot e Cabernet Sauvignon, utilizadas para a produção do vinho ícone da marca, o Lote 43.

A estrutura impressiona, centenas de turistas são rece-bidos todos os dias com água na boca e curiosos para co-nhecer a história e o processo de produção. A história você já sabe, o que significa que é hora de conhecer a prática.

Da parreira à garrafaCada parreira dura em mé-

dia 25 anos, e os ciclos no sul são regulados pela temperatu-ra – diferentemente do nor-deste, por exemplo, onde são controlados pela água. A co-lheita acontece de janeiro a abril, e as uvas vão direto para os tanques de fermentação.

No caso do vinho branco, elas são prensadas para eli-minar casca e semente. No vi-nho tinto, porém, vão inteiras para o tanque, e a casca é que

dá a cor. Quanto mais tempo ela fica, maior a quantidade de tanino – responsável pela adstringência e conservação. A fermentação dura 25 dias, mas pode chegar a 55, caso o objetivo seja uma bebida mais estruturada e com mais cor.

Nessa fase são adicionadas as leveduras, que transfor-mam o açúcar da uva em ál-cool e gás carbônico. O álcool interessa, mas o gás não, por isso os tanques ficam abertos. Os primeiros eram feitos de madeira de araucária, mas ela deixa a bebida muito amarga e retém o calor, podendo chegar a 40ºC. Por isso, foram subs-tituídos em 1998 por tanques de aço, que preservam as ca-racterísticas e o aroma do vi-nho e possibilitam o controle da temperatura – 12 a 14ºC no branco e 25 a 28ºC no tinto.

O próximo passo é a matu-ração, que dura cerca de um ano e nada mais é do que o descanso da bebida em barri-cas de carvalho. Elas agregam características agradáveis e aromas de baunilha, pimen-ta, coco, cravo e canela. Mas como a madeira dos barris é queimada por dentro, também é possível sentir aromas de café e chocolate.

Em seguida, o vinho vai para a garrafa, onde fica por um determinado tempo até ser comercializado. O Lote 43, por exemplo, atinge seu auge 10 anos após ser engar-rafado, e não pode esperar muito para ser consumido.

Pois é, aquela história de “quanto mais velho melhor” é lenda. O vinho é considera-do um ser vivo: é elaborado, evolui por um período e che-ga no seu ápice, mas a partir daí começa a morrer, ou seja, oxidar até virar vinagre. Por-tanto, não tenha dó de abri-lo, afinal, quem merece um Lote 43 é você, e não a sua salada.

Por dentro do Lote 43

texto e fotos de Lucas Leite

Como é feita

a cachaça?

Page 9: O Boêmio

dá a cor. Quanto mais tempo ela fica, maior a quantidade de tanino – responsável pela adstringência e conservação. A fermentação dura 25 dias, mas pode chegar a 55, caso o objetivo seja uma bebida mais estruturada e com mais cor.

Nessa fase são adicionadas as leveduras, que transfor-mam o açúcar da uva em ál-cool e gás carbônico. O álcool interessa, mas o gás não, por isso os tanques ficam abertos. Os primeiros eram feitos de madeira de araucária, mas ela deixa a bebida muito amarga e retém o calor, podendo chegar a 40ºC. Por isso, foram subs-tituídos em 1998 por tanques de aço, que preservam as ca-racterísticas e o aroma do vi-nho e possibilitam o controle da temperatura – 12 a 14ºC no branco e 25 a 28ºC no tinto.

O próximo passo é a matu-ração, que dura cerca de um ano e nada mais é do que o descanso da bebida em barri-cas de carvalho. Elas agregam características agradáveis e aromas de baunilha, pimen-ta, coco, cravo e canela. Mas como a madeira dos barris é queimada por dentro, também é possível sentir aromas de café e chocolate.

Em seguida, o vinho vai para a garrafa, onde fica por um determinado tempo até ser comercializado. O Lote 43, por exemplo, atinge seu auge 10 anos após ser engar-rafado, e não pode esperar muito para ser consumido.

Pois é, aquela história de “quanto mais velho melhor” é lenda. O vinho é considera-do um ser vivo: é elaborado, evolui por um período e che-ga no seu ápice, mas a partir daí começa a morrer, ou seja, oxidar até virar vinagre. Por-tanto, não tenha dó de abri-lo, afinal, quem merece um Lote 43 é você, e não a sua salada.

Ela é a mais brasileira das bebidastexto e fotos de Carolina Baldin Meira

Aguardente, pinga, caninha, cachaça. Quatro termos, dentre uma infinidade, para denominar o mesmo produto – só o escri-tor pernambucano Mário Souto Maior levantou, em 1973, mais de mil palavras designativas no “Di-cionário Folclórico da Cachaça”. Mas qual seria, então, a diferença entre esses nomes?

Essas denominações, além de variarem de acordo com as regiões do Brasil, também levam em con-ta nuances de produção: o último termo, cachaça, se refere a uma bebida com graduação alcoólica mais controlada, que varia de 38% (fraca) a 45% (forte). No caso da artesanal a preparação também é um pouco diferente.

A cachaça é obtida da destila-ção do caldo de cana-de-açúcar fermentado (vide infográfico). As pingas e aguardentes mais ba-ratos são os que contêm o óleo fúsel (“cauda”), considerado um subproduto prejudicial: é ele um dos responsáveis pela ressaca. Já nas cachaças artesanais, durante a destilação, há separações para eliminar os contaminantes e subs-tâncias impróprias para o con-sumo, como o metanol. Depois, aproveita-se 80% da produção, o chamado “corpo” da cachaça, a parte nobre. Curiosidade de pro-dução: consegue-se somente 80 litros de cachaça em uma tonelada de cana, enquanto de aguardente são aproveitados 180 litros, mas com qualidade inferior.

História popular É impossível pensar em história

do Brasil sem pensar em história da cachaça – uma das primeiras atividades da colônia portugue-sa em meados do século XV foi a produção de cana-de-açúcar nos grandes engenhos. Mas onde en-tra a pinga nesse processo?

Há diversos mitos sobre a sua origem. O mais famoso no

nordeste é o da “água ardente”. Essa versão conta que o vapor de álcool obtido na fervura do melado, depois da condensação, caiu nas costas dos escravos e os queimou: daí os nomes “pinga” e “aguardente”. Não demorou muito para que eles experimen-tassem o líquido da goteira e se sentissem mais “leves”, “alegres”. A partir disso, a bebida se tornou frequente nos engenhos e era to-mada pelos escravos como uma espécie de droga para suportar o trabalho pesado na plantação.

Pinga artesanal“Cachaça Bessi: no calor re-

fresca e no frio aquece”. A frase vem de Pederneiras, cidade que abriga o Engenho Bessi. Uma discreta placa indica a estrada de terra no quilômetro 202 da ro-dovia de Jaú sentido Bauru. Em um galpão aos fundos, os tonéis de madeira não deixam enganar: ali são armazenados os litros de cachaça produzidos em um dos engenhos pioneiros da região.

Quem recebe os visitantes com simpatia é o proprietário, Irineu Bessi. Empresário e técnico em química, ele toca o negócio da fa-mília desde 1991, mas a vivência no engenho vem desde que ele se entende por gente. “Minha família não tinha condições de comprar muito mais terras para agricultu-ra. Nós tínhamos uma matéria--prima de qualidade [cana-de--açúcar] e repassávamos para a indústria a preços muito baixos, não valia quase nada. Foi aí que

surgiu a ideia de agregar valor a essa matéria-prima com a produ-ção de cachaça”, conta Bessi.

No começo, o intuito era pro-duzir única e exclusivamente a ca-chaça – Irineu confessa que, par-ticularmente, gosta da cachaça forte. Lembra que naquela época o público era apenas masculino, mas, com a necessidade de am-pliar o mercado consumidor a jo-vens e mulheres, o Engenho Bes-si passou a fabricar licores, com receitas que vêm desde sua avó. Ao todo, são 25 sabores de licor, como os tradicionais de jabutica-ba, figo, café e mel. “São produtos a base de cachaça. O nosso licor nada mais é do que a fruta ou ex-trato natural e uma calda adoçada à base de cachaça. A finalidade do licor seria um aperitivo pós-refei-ções, mas essa ‘cachaça de sabor’ tem sido muito atrativa em fes-tas”, constata o proprietário.

SegredoHoje em dia, apesar da gran-

de saída de bebidas como o licor de marula e a jurupinga, o carro--chefe de vendas é a pinga Segre-do. “Foram várias tentativas, e quem decidiu qual seria a Segredo foi o próprio público: na época eu fiz três tipos de cachaça, numerei e foram para votação dos aprecia-dores, que elegeram essa receita. É o que eu sempre digo: se contar a receita, deixa de ser Segredo”, brinca Irineu. O máximo que ele revela da fórmula é que a cachaça é misturada a mel e mais oito com-ponentes, como raízes e ervas, que

ficam em fusão. Com tantas inova-ções no mercado, o Engenho Bessi criou também a pinga Juízo, como uma brincadeira: todo mundo quando sai de casa escuta da mãe “tome juízo”, mas não encontra. O Engenho garante que agora o pes-soa encontra juízo por lá. A cacha-ça vai ser lançada em breve.

Quebra-geloIrineu conta que uma das fina-

lidades da cachaça seria ser toma-da antes de refeições. Existe uma tradição também do “quebra-ge-lo”, de se tomar cachaça antes de beber cerveja, por exemplo. So-bre a relação entre bebida e vida social, ele conta: “uma coisa que me deixa feliz é que hoje em dia o número de consumidores que bebem ‘pra cair’ diminuiu. Atual-mente, quem bebe cachaça quer apreciá-la.” E isso vai além do pú-blico mais conservador: cada vez mais os jovens se interessam por essa tradição também.

Outra coisa que mudou, segun-do Irineu, é que dez anos atrás, se você abrisse um cardápio de bar ou restaurante, dificilmente en-contraria cachaça nele. Atualmen-te, é possível que você abra e não encontre apenas uma, mas várias marcas de cachaça. Em geral, quem quer se embebedar escolhe a “caninha”, até pelo valor mais baixo, e não a cachaça. O correto seria degustar o produto, sabore-ar, e não “virar” a dose cachaça. “Eu acho que não tem serviço que seja semelhante ao boteco. As pes-soas que sabem degustar a bebida costumam frequentar bares para encontrar os amigos, aproveitar o ambiente, jogar uma conver-sa fora. Tem também os que be-bem para ficar mais desinibidos. Quando bem apreciada, a bebida facilita a vida social”, conclui o proprietário do Engenho Bessi, encerrando a conversa com a de-gustação do Segredo da casa.

Como é feita

a cachaça?Cana

moídaPreparação do

caldo ou melado (diluição em água)

Álcool(80% é a CACHAÇA,

ou “parte boa”)

Destilação(vapor é

condensado)Fermentação

do caldo

Page 10: O Boêmio

Se quiser começar a fazer cerveja hoje, do que eu preciso?Panelas com torneira, um moi-nho, termômetro, densímetro, um chiller (resfriador), galões de água, um balde fermenta-dor e um fogão.

O que é o lúpulo?O lúpulo é a flor de uma trepa-deira, que dá o amargo da cer-veja e a conserva. Alguns a gen-te usa só pra dar aroma, outros dão o amargo. Dependendo do tempo em que eu acrescentar cada um, vou ter um resulta-do diferente. Alguns preferem as cervejas mais doces, outros as mais amargas. Os ingleses têm tradição de tomar cervejas muito lupuladas, como a India Pale Ale (IPA).

O que é o fermento?Existem duas grandes famí-lias de fermentos, os lager (trabalham a 12ºC na super-fície do fermentador) e os ale (trabalham a 20ºC no fundo do fermentador).

O que é o malte?Malte é qualquer cereal que começa a germinar, você in-terrompe o processo e depois torra. Então se pode fazer mal-te de arroz, feijão, milho, etc. Para a cerveja se usa, basica-mente, o malte de centeio, de cevada e de trigo. O quanto o malto é torrado determina a cor da cerveja. O pilsen é o malte base, mas são infinitas possibilidades. Você vai mor-rer sem saber nada de cerveja!

Como a temperatura in-fluencia o paladar?Quando minha cerveja fica pronta eu bebo ela quente, pra saber o sabor verdadeiro. Por quê? Porque abaixo dos 4ºC a sua língua começa a perder a sensibilidade, abai-xo de -4ºC, qualquer água colorida, amarela e que fizer espuma, se falar que é cerveja você bebe. Se você meter um detergente amarelo, encher de água e gelar como as gela-deiras de bar, você bebe e não consegue sentir o gosto.

O que acontece que faz a gente ter ressaca?No processo de fermentação são produzidas cadeias de ál-cool, no caso da cerveja arte-sanal, só há cadeias pequenas de álcool, as grandes são ar-rastados pelo gás carbonico.

Cerveja, caipirinha, cacha-ça, canelinha. Uma, duas, três...quantas doses dessas bebidas você tomou na sua última ida ao bar? Nem todos sabem a partir de qual quantidade a bebida dei-xa de ser saudável.

A nutricionista Ana Cristina Amgarten, formada pela USP, explica que o consumo de álcool não é recomendado diariamen-te, mas quando for consumido deve ser limitado a duas por-ções para homens e não mais que uma porção para mulheres. Uma porção corresponde a uma latinha de cerveja de 355 ml, ou uma taça pequena de vinho de 150ml, ou uma dose de 30 ml de cachaça e suas variações.

Esse consumo moderado de bebida alcoólica pode até redu-zir os riscos de doença cardía-cas, como obstrução das artérias e infartos. Por outro lado, se for consumido em exagero o álcool se torna vilão e aumenta os ris-cos para essas doenças. Além disso, o consumo excessivo e frequente pode causar lesões no fígado, no cérebro, na cavidade oral, no esôfago e no estômago. O armazenamento de vitaminas e minerais também fica preju-dicado, o que leva o indivíduo a certa deficiência nutricional.

Hélio de Souza, clínico ge-ral, defende que o álcool deve ser melhor visto na sociedade, uma vez que seus efeitos não são apenas prejudiciais. O médico é apreciador de um bom whisky e acha que “devemos ser mais jus-tos em relação ao álcool”. Para ele, “a bebida alcoólica facilita a relação social, se for ingerida em pequenas doses” e ameniza os sintomas depressivos. Mas a professora Sandra Calais, do Departamento de psicologia da Unesp de Bauru alerta: “o álcool aumenta os sintomas de depres-são, ele é um inibidor. No início, ele tem um efeito de relaxamen-to, por isso a pessoa fica mais descontraída, mas no momento seguinte ele deprime. Beber só piora o quadro depressivo”.

Considerando que nem toda ida ao boteco fica isenta de ex-cessos, a nutricionista Ana Cris-tina dá a dica para quem exage-rou na dose: “a melhor forma de curar uma ressaca é a reidrata-ção, por isso beba muito líqui-do antes, durante e após beber. É importante também fornecer energia ao corpo, porém procu-re fazer uma alimentação mais branda, evitando alimentos muito gordurosos e de difícil di-gestão. Não faça jejum, prefira comer menores quantidades a cada três horas. Não se esqueça das porções de frutas e verduras, importantes para reestabelecer

As industrializadas têm mais álcool de cadeia grande por-que os barris de fermentação são gigantes, o que impede o gás carbônico de arrastar a cadeia grande para a atmos-fera, então ela permanece na cerveja e causa ressaca. O meu fermentador tem menos de um metro de altura, é fácil de sair. As melhores são fer-mentadas em umas piscinas de meio metro de profundida-de. Quem faz a cerveja artesa-nal se preocupa com isso, a in-dústria não tem nem espaço, e retirar o álcool quimicamente encarece o processo. Eu deixo as proteínas, pra que vou fil-trar duas vezes? A cerveja é uma grande fonte das vitami-nas do complexo B. Além de vários minerais que vêm da água utilizada no processo.

Porque não se faz uma cerveja com índices alcoó-licos maiores?É preciso encontrar um fer-mento que aguente, porque, na verdade, o álcool é vene-no para o fermento. O fer-mento é tão bobinho, coi-tado, que ele faz o próprio veneno. E ele produz mais álcool quanto mais malte e mais açúcares eu der pra ele. Existem cervejas comerciais com 25%, é uma das maiores porcentagens conseguidas com fermento cervejeiro.

Você já pensou em inter-romper o processo e fazer o chopp, ao invés da cer-veja?E você sabe qual é a diferença entre o chopp e a cerveja?

A cerveja é pasteurizada.Então eu nunca fiz cerveja, sempre fiz chopp, porque nun-ca pasteurizei, não precisa, só serve pra tirar os nutrientes. O Brasil é um dos poucos pa-íses que pasteuriza cerveja, eles fazem isso porque têm medo dela estragar. Aqui é o único lugar do mundo em que se conhece esse significado de chopp, nos outros lugares cho-pp significa a medida de uma caneca, assim como o pint.

De onde vem a ideia de que em alguns países europeus as pessoas tomam cerveja quente?Na verdade é uma grande confu-são. Não é quente, é em tempera-tura ambiente, que nesses países é mais baixa, por volta de 12 graus.

cultura etílica 10

Equilibrando a doseIr ao boteco é mais do que sair pra beber, é uma descontração em meio a correria do dia-a-dia. Mas saber a hora de “largar o copo” é importante

Dicas do Tonon Quem é quem? texto de Julia Germano Travieso texto de Isadora de Moura

ilustrações de Carolina Baldin Meira

cerveja 4 a 15%

vodka 40%

whisky 38 a 54%

vinho 9 a 14%

cachaça 38 a 54%

tequila 40%

Bebida fermentada de grãos de cevada ou trigo, com água e lúpulo

- 60% dos brasileiros preferem cerveja - O país que mais consome cerveja é a República

Tcheca, o Brasil está em 33º lugar- 3 cervejas brasileiras (Baden Baden, Bamberg e Bierland)

foram premiadas no World Beer Awards 2012

Bebida destilada de cereais ou tuberculos, como a batata- Junto com outros destilados, a vodka soma 12% da consu-mo nacional- Os estilos ocidental, polonês e russo são definidos com base nas variações de aroma, sabor, suavidade e pureza

Bebida destilada de cereais envelhecido em barris de madeira

- O whisky não envelhece na garrafa, apenas nos barris, que acrescentam sabor

- Os brasileiros ingerem cerca de 300ml por ano, enquanto os franceses chegam a 2,8 litros

Bebida fermentada do sumo da uva- 25% dos brasileiros consomem vinho- A garrafa deitada e o líquido em contato com a rolha impe-dem a entrada de ar, evitando a oxidação- Mas após aberta, a garrafa na vertical evita contaminação entre a bebida e o ar que já entrou na embalagem- O saquê também é um vinho, mas obtido a partir de arroz- Se destilado e envelhecido, o vinho chega a 40% e se torna conhaque

Bebida destilada de caldo de cana-de-açucar previamente fermentado- A cachaça e a pinga variam de 38 a 48% e a aguardente de 49 a 54%- A fermentação do melaço dá origem ao rum

licor 15 a 54%Mistura de uma fonte de açúcar e uma fonte de álcool

(como whisky ou vodka), além de ervas ou frutas- O licor Curaçau, um dos mais conhecidos, é feito a base

da casca das laranjas da ilha de Curaçau, hoje, qualquer licor de laranja é chamado assim

- O licor mais antigo data de 1510, é o francês Benedictine, feito à base de ervas e destilados

Bebida destilada da babosa Agave tequiliana, previamente fermentada

- Pode ser 100% agave ou blended (misturada) e varia com o tempo de envelhecimento

- Caballito é o copo de 60ml, específico para essa bebida- O Mezcal é o parente casca-grossa da tequila,

que traz na garrafa a larva que se desenvolve na planta

absinto 40% a 89%Bebida destilada de anis e ervas- A Artemisia absinthium, principal erva do destilado, é responsável pela polêmica sobre a bebida, por conter subs-tância alucinógena conhecida como tujone- No Brasil, o teor máximo é de 54% de álcool e 10mg de tujone, mas ele já foi produzido com até 350mg por quilo de bebida em outros países

Teor AlcoólicoFontes: Arte e Ciência da Cerveja (Kaiser), Inmetro, Associação Brasileira de Enologia (ABE), Rafael

Mariachi colunista do site Mixology News), “Tecnologia, composição e processamento de licores”(UFES).

*

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Page 11: O Boêmio

o balanço de vitaminas e mine-rais. Dê um tempo para seu cor-po se recuperar, descanse e evite exercícios excessivos”.

Ana Cristina lembra ainda que o ideal seria evitar abusos, quando se trata da bebida, mas uma vez que já tenha aconteci-do é necessário se cuidar. Vale ressaltar que o álcool também é calórico - cada grama de álcool fornece sete calorias - e se con-sumido com os famosos petiscos de boteco podem causar um acú-mulo de calorias indesejadas.

A nutricionista explica que ser saudável é mais do que se alimentar de maneira adequa-da, relaciona-se também com um bem estar psicológico e so-cial. Frequentar o boteco pode proporcionar esse bem estar, levando-se em conta os efeitos do álcool no sistema nervoso, que provocam sensação de re-laxamento e também momen-tos de interação social que caracterizam o ambiente do bar. Hélio concorda com o que Ana Cristina diz: “o consumo de bebidas alcóolicas pode faci-litar a inte-ração social uma vez que é possí-vel identifi-car um com-ponente social no ato de alimen-tar-se”. Ir ao bote-co, portanto, pode até ser considerado terapêutico, nessa medida, como também ressalta a professora Sandra.

O que a nutricionista, o mé-dico e a psicóloga acham im-portante é que as pessoas de-vem saber beber, pois se a dose ingerida for maior do que a moderada e necessária para a interação social, o álcool pode trazer prejuízos. A professora da Unesp explica que a maio-ria das pessoas tem sua marca genética para o alcoolismo, que já pode ser considerado a par-tir do momento que a pessoa causa algum prejuízo para ela mesma – como perder com-promissos ou bater o carro, por exemplo. “Quando chega nes-sas condições a pessoa já é con-siderada alcoolista”, adverte.

Hélio de Souza conta que todas as civilizações fizeram uso de bebida alcoólica, as-sim, o alcool “não pode ser tão mal”. O interessante é cuidar para não exagerar na dose a ponto de prejudicar a saúde física e psicológica.

Cerveja, caipirinha, cacha-ça, canelinha. Uma, duas, três...quantas doses dessas bebidas você tomou na sua última ida ao bar? Nem todos sabem a partir de qual quantidade a bebida dei-xa de ser saudável.

A nutricionista Ana Cristina Amgarten, formada pela USP, explica que o consumo de álcool não é recomendado diariamen-te, mas quando for consumido deve ser limitado a duas por-ções para homens e não mais que uma porção para mulheres. Uma porção corresponde a uma latinha de cerveja de 355 ml, ou uma taça pequena de vinho de 150ml, ou uma dose de 30 ml de cachaça e suas variações.

Esse consumo moderado de bebida alcoólica pode até redu-zir os riscos de doença cardía-cas, como obstrução das artérias e infartos. Por outro lado, se for consumido em exagero o álcool se torna vilão e aumenta os ris-cos para essas doenças. Além disso, o consumo excessivo e frequente pode causar lesões no fígado, no cérebro, na cavidade oral, no esôfago e no estômago. O armazenamento de vitaminas e minerais também fica preju-dicado, o que leva o indivíduo a certa deficiência nutricional.

Hélio de Souza, clínico ge-ral, defende que o álcool deve ser melhor visto na sociedade, uma vez que seus efeitos não são apenas prejudiciais. O médico é apreciador de um bom whisky e acha que “devemos ser mais jus-tos em relação ao álcool”. Para ele, “a bebida alcoólica facilita a relação social, se for ingerida em pequenas doses” e ameniza os sintomas depressivos. Mas a professora Sandra Calais, do Departamento de psicologia da Unesp de Bauru alerta: “o álcool aumenta os sintomas de depres-são, ele é um inibidor. No início, ele tem um efeito de relaxamen-to, por isso a pessoa fica mais descontraída, mas no momento seguinte ele deprime. Beber só piora o quadro depressivo”.

Considerando que nem toda ida ao boteco fica isenta de ex-cessos, a nutricionista Ana Cris-tina dá a dica para quem exage-rou na dose: “a melhor forma de curar uma ressaca é a reidrata-ção, por isso beba muito líqui-do antes, durante e após beber. É importante também fornecer energia ao corpo, porém procu-re fazer uma alimentação mais branda, evitando alimentos muito gordurosos e de difícil di-gestão. Não faça jejum, prefira comer menores quantidades a cada três horas. Não se esqueça das porções de frutas e verduras, importantes para reestabelecer

Os bares, baladas e botecos, apesar da diversão e do convívio social, têm a ver também com al-guns fatos alarmantews. O álcool, como substância depressora do sistema nervoso central, prejudica a ação humana de dirigir. Misturar álcool e direção é, em toda situa-ção, perigoso. Segundo a Organi-zação Mundial de Saúde (OMS), morrem 35000 brasileiros por ano no trânsito. Pesquisa do Programa Acadêmico sobre Álcool e outras Drogas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por sua vez, afirma que, em 75% desses ca-sos, o álcool está envolvido.

O grande número de mortes e acidentes acarretou a mudança da legislação brasileira referente a álcool e direção. A “Lei Seca”, pro-

mulgada em 2008, ele-vou o Brasil à con-

dição de um dos países mais rígi-

dos do mundo em relação a esse assunto. O teto esta-belecido para a combinação

de álcool e di-reção passou a

ser 0,6 gramas de álcool por litro

de sangue, o equivalen-te a 3 latas de cerveja. Uma

das polêmicas envolvendo a lei, entretanto, é a sua aplicabilidade. Quem não se submeter ao teste do bafômetro é protegido pelo prínci-pio constitucional segundo o qual “nenhum indivíduo é obrigado a produzir provas contra si mesmo”.

Olha a blitz!Em Bauru e região, a lei vem

apresentando bons resultados, segundo o capitão da Polícia Mi-litar Alan Terra, oficial de relações públicas do 4º Batalhão de Polícia Militar do Interior, unidade da PM responsável pela segurança pública em Bauru e nos outros de-zoito municípios ao seu redor. O oficial conta que, nessa região, há um bafômetro para cada cidade, e, em Bauru, são pelo menos qua-tro. No município são realizadas de quatro a seis “Operações Di-

reção Segura” (operações envol-vendo blitz e uso do bafômetro) por semana, além de fiscalizações esporádicas por conta de ocorrên-cias ou denúncias pontuais.

Nessas operações, só neste ano, até o dia 25 de setembro, 4409 condutores foram abordados, dos quais 63 se submeteram ao teste do bafômetro. Apenas um deles foi autuado em flagrante delito por in-fringir o disposto na legislação bra-sileira, de acordo com o capitão. O número de policiais militares e de viaturas em cada ponto de bloqueio pode variar de acordo com a estra-tégia e a necessidade no momento, mas, diariamente, uma dezena de viaturas se dedica à atividade de fiscalização de trânsito em Bauru. Os horários, assim como os locais, variam conforme critérios estabele-cidos pelos próprios comandantes territoriais de polícia preventiva, além daqueles de interesse da pró-pria polícia estadual, quando ope-rações simultâneas são desencade-adas em todo o Estado.

Lei Frouxa?O caminho para a impunidade da

Lei Seca no Brasil está justamente na não obrigatoriedade da submissão ao teste do bafômetro. José Nivaldi-no Rodrigues, mestre em Sociologia e especialista em Educação para o Trânsito pela Universidade de Bra-sília (UnB), salienta que a lei obteve maior sucesso no começo, mas a ten-dência é ser cada vez mais afrouxada e desconsiderada pelos motoristas: “Nos primeiros trinta dias de aplica-ção da lei seca houve uma redução aproximada de 30% na quantidade de acidentes com feridos e mortos, comparados os períodos correspon-dentes nos anos de 2007 e de 2008, respectivamente.”. No segundo mês, a redução foi menos acentuada fi-cando na casa dos 20% e, no terceiro mês, reduziu mais lentamente ainda, se aproximando dos 10 %. “A partir de então, a tendência é que haja uma estabilização nessa taxa de redução de acidentes com feridos e mortos. Essa estabilidade decorrerá da atenu-ação na fiscalização, que atua muito pautada pela mídia e esse assunto tende a ser cada vez menos tratado”, lamenta Rodrigues.

11 boemia prudente

Equilibrando a dose Lei Seca versus Baladatexto de Amanda Tiengo texto de Lucas César

Ir ao boteco é mais do que sair pra beber, é uma descontração em meio a correria do dia-a-dia. Mas saber a hora de “largar o copo” é importante

Aplicação da lei sobre álcool e direção ainda é deficiente em Bauru e na maior parte das cidades brasileiras

Quem é quem?

Uma ou duas doses ao dia:consumo de baixo risco, minimiza os riscosde doenças cardiovasculares

Mais de duas doses ao dia com consumo frequente:risco de doenças como hipertensão, câncer e doenças cardiovasculares

Grandes volumes de álcool com consumo diário:caracteriza a dependência alcoólica, doença física e psicológica. Aumento dos riscos das doenças já cita-das, bem como a cirrose

Este padrão se refere a homens com mais de 30 anos que não tenham predisposição a alcoolismo, infartos e outras doenças cardiovasculares.As mulheres são mais suscetíveis aos efeitos do álcool, por metabolizarem a substância mais rápido. Assim, o consumo de baixo risco para mulheres saudáveis seria metade do padrão masculino.

cerveja 4 a 15%

whisky 38 a 54%

tequila 40%

Bebida fermentada de grãos de cevada ou trigo, com água e lúpulo

- 60% dos brasileiros preferem cerveja - O país que mais consome cerveja é a República

Tcheca, o Brasil está em 33º lugar- 3 cervejas brasileiras (Baden Baden, Bamberg e Bierland)

foram premiadas no World Beer Awards 2012

Bebida destilada de cereais envelhecido em barris de madeira

- O whisky não envelhece na garrafa, apenas nos barris, que acrescentam sabor

- Os brasileiros ingerem cerca de 300ml por ano, enquanto os franceses chegam a 2,8 litros

licor 15 a 54%Mistura de uma fonte de açúcar e uma fonte de álcool

(como whisky ou vodka), além de ervas ou frutas- O licor Curaçau, um dos mais conhecidos, é feito a base

da casca das laranjas da ilha de Curaçau, hoje, qualquer licor de laranja é chamado assim

- O licor mais antigo data de 1510, é o francês Benedictine, feito à base de ervas e destilados

Bebida destilada da babosa Agave tequiliana, previamente fermentada

- Pode ser 100% agave ou blended (misturada) e varia com o tempo de envelhecimento

- Caballito é o copo de 60ml, específico para essa bebida- O Mezcal é o parente casca-grossa da tequila,

que traz na garrafa a larva que se desenvolve na planta

Teor AlcoólicoFontes: Arte e Ciência da Cerveja (Kaiser), Inmetro, Associação Brasileira de Enologia (ABE), Rafael

Mariachi colunista do site Mixology News), “Tecnologia, composição e processamento de licores”(UFES).

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Carolina Baldin Meira

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Page 12: O Boêmio

“Vamos simborapra um bar

Beber, cair, levantar”André e Adriano - Beber,

cair levantar

“As mina pira, piraToma tequilaSobe na mesaPula na piscina

As mina pira, piraEntra no clima

Tá fácil de pegarPra cima!”

Fernando e Sorocaba - As mina pira

“Toquei direto, fui pra praia

Com as gatinhas na gandaiaMinha galera bota pra ferverSegunda de madruga travado

cheguei em casaSete horas acordei com uma

ressacaTinha prova pra fazer”Guilherme e Santiago - Bolo doido

Quando o assunto é bebida alcoólica, a mídia e setores ligados à saúde procuram sempre alertar sobre os riscos do consumo excessivo, mostrando os prejuízos causados por acidentes de trânsito e conflitos familiares. Apesar disso, o tema encontra um espaço de exceção na mú-sica e o consumo parece ser tratado em tom de incentivo em algumas composições de grande sucesso no Brasil.

Nas músicas do sertanejo universitário, a bebida alcoólica geral-mente é relacionada a momentos descontração com os amigos, festa, conquista de mulheres, além de oferecer solução para os mais variados problemas. O tema não é abordado apenas por esse gênero musical, pois, o rock, a música brega, o samba, entre outros gêneros, também

podem ser incluídos na lista. No artigo “O consumo de bebidas alco-ólicas retratado pela música sertaneja: reflexo de valores e crenças na contramão”, os pesquisadores da área de Letras, Alexandre Zanella e Mariana Lioto, esclarecem que o sertanejo é um desdobramento da música caipira que foi rapidamente absorvido pela indústria musical e que precisa ser reproduzido e vendido em larga escala para atingir o grande público. Assim, os cantores “buscam eleger temáticas que con-siderem fazer parte do cotidiano” das pessoas para que elas se identifi-quem e passem a consumir mais esse tipo de música.

Será que a música pode realmente estimular o consumo excessivo de bebida alcoólica? Alguns trechos nos levam a refletir sobre isso:

texto de Carolina Ito

O telefone toca. – Alô? – Fala Brunão, um cara não

pode ir trampar hoje. Você pode-ria ir no lugar dele?

– Hummm, hoje... Tinha pla-nejado ficar de boa em casa, sei lá (pensei). Mas aonde? (Perguntei).

– É lá no Madame Pimenta.– Caramba! (Na semana pas-

sada tinha acontecido um assas-sinato horrível em frente a esse bar... Disseram que foi um acerto de contas... O cara tomou uns vin-te tiros nas costas)

– Quanto?– 50.– Hummm... Vai ter que

ser, né... (pensei)... Demorô, to dentro!

– Cola lá de camiseta preta umas 11h, firmeza?

– Opa, firmeza!Lá vou eu... Nunca tinha tram-

pado nesse bar.De boa, pra mim não interessa-

va o ambiente... O importante era a grana no final da noite. Soube que a atração principal seria uma banda de pagode... E eu odeio pa-gode... Sem problema, tava pre-cisando dessa grana... Cinquenti-nha... Ta ótimo...

Cheguei e encontrei o Fernan-dão, o cara que me contratou.

Ele me passou mais ou menos o esquema do bar.

Troquei uma idéia com o segu-rança, o técnico de som e também com o pessoal da banda, pagodei-ros... É importante conhecer os caras pra flagrar quem tinha di-reito a receber água de graça.

O silêncio era mortal.Dizem que essa é a pior parte...

Os momentos que antecedem a festa... Eternos...

Os segundos que antecedem o caos...

É dada a largada, abrem-se as cortinas, soltam-se os leões...

Em poucos minutos, a casa que parecia espaçosa é tomada por uma multidão insana se-denta por álcool e músicas que entram na mente.

O esquema era bem simples... A pessoa te dava a ficha e você en-tregava a bebida.

Ficha de breja... Vale uma bre-ja... Ficha de caipirinha... Fazer uma caipirinha, sempre aten-tando para colocar dois copos na hora de socar o limão, senão ele rasga embaixo!

Tranquilo, não? É, mais

ou menos... – Ae maluco! Me dá uma breja

e uma caipirinha!– Ei, irmão, vai de boa... Você

só me deu uma ficha... Ta aqui sua cerveja e cai fora!

– Você tá louco, mano? Aca-bei de te dar uma ficha de cai-pirinha também! Você deve ter perdido a ficha!

– Sai fora cara, vou ter que cha-mar o segurança?

É tenso, os nervos à flor da pele... Adrenalina mesmo...

Vários pedidos ao mesmo tempo. Um monte de vozes en-trando na cabeça...

Aquele pagode infernal...Foi então que um cara alto e

grande debruçou no balcão, rode-ado de mulheres lindas, abriu um sorriso e disse:

– Hey irmão, vê uma dose de whisky e um energético!

– Cadê a ficha?– Não precisa de ficha não,

meu irmão...Dou uma olhada pro meu su-

pervisor, ele balança a cabeça di-zendo que sim...

Pego e sirvo a bebida... Cinco minutos depois...– Hey brother! Mais uma

dose e três energéticos pra minhas gatinhas...

O cara tava mandando e des-mandando!

Olho pro meu supervisor e ele confirma com uma piscada de olho.

Passa um tempo e a cena se re-pete... Dessa vez ainda:

– Amigão! Será que você pode dar uma limpadinha aqui no bal-cão... Caiu bebida...

Pego uma toalha e passo no balcão.

Quem é esse maluco? Pensei...Cerveja, cachaça, limão, ener-

gético, whisky, gelo... Ficha vai, ficha vem...E não é que a balada chega

ao fim?!No ar, aquele clima inconfundí-

vel... Fim de festa!Um camarada, então me conta:– Aquele negão é um cara im-

portante aqui no pedaço, saca?– Saquei...Soube que era um dos maiores

traficantes da cidade...Pego meus cinquentinha... E

vou andando pra casa, sentindo a brisa do final da noite...

Quem sou eu pra dizer que al-guma coisa tá errada?

Do outro lado do balcão

Sertanejo regado a álcool

texto de Bruno Ferrari

12ponto de vista

“E daí se eu quiser farrear tomar todas num bar sair

pra namorarO que é que tem?”Guilherme e Santiago - E daí?

“Hoje é sexta-feiraTraga mais cervejaTô de saco cheioTô prá lá do meioDa minha cabeça”

Leonardo - Cerveja