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O AUDIOVISUAL AUTORAL COMO FERRAMENTA DE ATUALIZAÇÃO DAS
REPRESENTAÇÕES DOS INDÍGENAS NO IMAGINÁRIO CONTEMPORÂNEO:
índios de MS se apropriam das novas tecnologias para desfazer um imaginário
historicamente eivado de estereótipos e preconceitos
MIGUEL ANGELO CORRÊA*
Esta comunicação apresenta resultados de pesquisa sobre a apropriação de ferramentas
oferecidas pelas novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) por indígenas das
diversas etnias de Mato Grosso do Sul, e como eles as têm utilizado para tentar reverter suas
representações no imaginário contemporâneo que lhes é historicamente desfavorável. Neste
sentido, conforme Gambini (2002), Garfield (2000) e Gerbi (1996), ao longo dos séculos os
diversos povos indígenas do continente foram submetidos a várias situações adversas por
conta de relações de poder subjacentes aos discursos estereotipados e contaminados pelo
imaginário eurocêntrico. Cada um a sua maneira, observa que, grosso modo, desde o período
pré-colombiano a gênese do imaginário sobre a natureza e os habitantes do novo mundo os
apontava, equivocadamente, como selvagens ou inumanos e que mesmo quando,
posteriormente, interesses políticos e econômicos governamentais geraram estratégias
geopolíticas que tentaram reconfigurar este imaginário, o fizeram de forma autoritária,
desacertada e prejudicial à maioria dos povos indígenas então remanescentes. Esta situação,
conforme denunciam inúmeros videastas, educadores e pesquisadores indígenas de Mato
Grosso do Sul, parece estar presente até os dias atuais. Vários destes videastas, professores e
coletivos de audiovisual indígenas, entretanto, refletem a respeito deste imaginário
prejudicado e buscam alterá-lo e atualizá-lo por meio da realização, veiculação e divulgação
de filmes e outros trabalhos audiovisuais para as sociedades envolventes e internamente em
suas comunidades. Procuram, também, disseminar seus conhecimentos e técnicas, com o
objetivo de sua replicação e da formação de novos grupos.
Palavras-chave: Audiovisual indígena; Cinema indígena; Mato Grosso do Sul; Imaginário;
Audiovisual autoral.
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* Mestre em Comunicação (UFMS); Especialista em Cultura e História dos Povos Indígenas (EAD-UFMS);
Graduado em Jornalismo e em Administração de Empresas (UFMS); Técnico em Eletrônica (ETEL); Aluno
especial do Doutorado em Historia Indígena (UFGD).
Inúmeros pesquisadores de diversas áreas do conhecimento têm observado com
frequência que boa parte dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul encontram-se numa
situação bastante precária, resistindo há séculos a diversos processos de espoliação de suas
terras e de seus direitos1. A maioria destes povos encontra-se na faixa de fronteira de MS e
têm problemas em sua representação social na mídia de massa nacional e na local que, via de
regra, os discriminam e divulgam inverdades a seu respeito2 sendo que os mesmos figuram,
amiúde, no imaginário3 contemporâneo em representações que lhes são bastante
desfavoráveis.
Esta comunicação oferece apontamentos de uma revisão bibliográfica que mostram como
foi construído, ao longo dos séculos, o imaginário desfavorável aos povos ameríndios,
baseados, principalmente, nas obras do cientista social e psicólogo Roberto Gambini, do
historiador e economista Antonello Gerbi e do historiador Seth Garfield. Cada um a sua
maneira, observa, grosso modo, que desde o período pré-colombiano a gênese do imaginário
eurocêntrico sobre a natureza e os habitantes do novo mundo os apontava equivocadamente,
como selvagens ou inumanos (GAMBINI, 2002; GERBI, 1996) e que, mesmo quando,
posteriormente, interesses políticos e econômicos governamentais locais geraram estratégias
geopolíticas que tentaram reconfigurar este imaginário, o fizeram de forma autoritária,
desacertada e prejudicial à maioria dos povos nativos então remanescentes (GARFIELD,
2000). Oferece, também, observações e reflexões sobre as declarações de alguns índios de
Mato Grosso do Sul sobre o tema, baseadas nos dados obtidos em trabalho de campo que
mapeou boa parte das recentes produções audiovisuais autorais realizadas pelos indígenas de
MS (CORRÊA, 2015).
Muitos índios de MS, em especial das etnias Kaiowá, Terena e Guarani, observam que o
quadro atual não é recente, com o que corroboram Gambini (2002), Garfield (2000) e Gerbi
(1996), e ponderam que, desde o contato, ao longo dos séculos, os diversos povos indígenas
do continente foram submetidos a incontáveis situações adversas, e de várias formas foram
1 Cf.: Brand (1993; 1997); Chamorro (2008; 2015); Ferreira (2007); Martins (2003); Pereira (1999; 2004;
2009; 2013). 2 Cf.: Foscaches (2010); Maldonado (2014).
3 Para o conceito de imaginário ver: Bartolomé Ruiz (2004) e Maffesoli (2001).
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estereotipados por conta de relações de poder subjacentes aos discursos contaminados pelo
imaginário eurocêntrico as quais se viram submetidos. Depoimentos obtidos em trabalho de
campo realizado pelo autor (CORRÊA, 2015), no qual foram entrevistados indígenas de
várias etnias de Mato Grosso do Sul envolvidos com as chamadas novas tecnologias de
informação e comunicação (TICs) e com uma produção audiovisual4 autoral consolidada,
indicam que os mesmos, além de possuírem conhecimento e posturas críticas em relação a
este imaginário de longa data prejudicado, atuam, de diversas maneiras, buscando alterá-lo
e/ou reconfigurá-lo em seu favor. Vários deles são videastas, professores, músicos,
dançarinos, políticos, fotógrafos, dentre outras atividades. Costumam refletir a respeito deste
imaginário “deteriorado”, trabalham individualmente ou em coletivos por meio da realização,
veiculação e divulgação de filmes e outras mídias audiovisuais para as sociedades envolventes
e internamente em suas comunidades. Procuram, também, disseminar seus conhecimentos e
técnicas com o objetivo de sua replicação e da formação de novos grupos, de maneira algo
diversa da forma convencional como isso é feito nas sociedades não indígenas.
Algumas das reflexões e o trabalho de campo derivaram, principalmente, das seguintes
obras do autor: a dissertação de mestrado em comunicação “Audiovisual autoral dos povos
indígenas de MS: mapeamento e análise” (CORRÊA, 2015), e o livro “O índio e o cinema em
Mato Grosso do Sul” (CORRÊA, 2017). Baseou-se, para a realização das pesquisas e do
trabalho de campo destas obras, na metodologia desenvolvida por Gil (1995) e foi feita uma
pesquisa exploratória, através de entrevistas estruturadas com os realizadores indígenas de
obras de vídeo/cinematográficas de ficção e documentário, para iniciar a elaboração de um
mapeamento da produção cinematográfica autoral no estado de MS no século XXI. O
questionário base das entrevistas está disponível em Corrêa (2015, apêndice B). É importante
observar que se tratou de um mapeamento preliminar, não definitivo, e repleto de lacunas,
longe de esgotar todas as obras existentes, tanto em função da dinâmica cada vez mais
acelerada que as mídias e tecnologias oferecem nos dias atuais proporcionando o constante
aparecimento de novos filmes, bem como pelas limitações de prazo e condições disponíveis
para realização do mesmo. Os depoimentos recolhidos fazem parte de uma realidade
complexa e violenta, porém, paradoxalmente, delicada e frágil, em função da situação
4 Neste trabalho uso a definição de Jacques Aumont: “Audiovisual [...] designa as obras que mobilizam, a um
só tempo, imagens e sons, seus meios de produção, e as indústrias ou artesanatos que as produzem. O
cinema é, por natureza, ‘audiovisual’; ele procede de ‘indústrias do audiovisual’[...]” (AUMONT, 2006).
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histórica das diversas etnias indígenas na região Centro-Oeste e das disputas judiciais e
conflitos armados envolvidos. Preferiu-se, por isso, garantir o anonimato das fontes e a não
identificação de entidades, organizações e similares quando solicitado ou nas situações onde
estas informações pudessem prejudicar os indígenas.
O cientista social e analista junguiano Roberto Gambini especula em “O espelho índio”
sobre a negação da cultura nativa ameríndia presente na gênese da cultura e da sociedade
brasileira, a partir de uma leitura crítica e uma análise psicológica das cartas dos primeiros
jesuítas enviados ao Brasil para catequizar os índios no século XVI. Com base na premissa de
que os jesuítas chegaram ao continente americano com uma ideia preconcebida do que eram
os ameríndios, projetando - no sentido junguiano5 - em cima deles sua sombra, Gambini
(1988) faz, na primeira parte da obra, uma explanação detalhada do conceito de projeção
conforme desenvolvido por Carl Jung e, na segunda, aplica os conceitos em uma interpretação
crítica das missivas e das posturas política, social, econômica, espiritual e pedagógica dos
clérigos. Ele descreve como viviam os indígenas e como era a sociedade brasileira na visão
dos jesuítas durante os séculos em que a Cia. de Jesus foi um dos principais atores na
formulação do que viria a se tornar o imaginário acerca dos habitantes do novo mundo:
tentaremos destilar das cartas uma imagem, desta vez a de ‘homem primitivo’ visto
pelos olhos do ‘civilizador’. Creio que essa imagem, que analisaremos em seus
elementos constitutivos, continua viva e ativa no inconsciente coletivo de nosso
tempo, quando praticamente todas as culturas nativas do planeta são ameaçadas de
extinção. E por isso que é importante examinar essa imagem e perguntar qual o seu
significado para nós (GAMBINI, 1988, p. 121).
Gambini descreve como os portugueses impuseram a catequização e sistematicamente
negaram os símbolos indígenas para “quebrar o espelho” que refletia o lado sádico, cruel,
luxurioso e sedento de poder inerente ao cristão europeu convencional:
Na figura dos pajés encontramos corporificada a projeção específica da sombra dos
jesuítas, que neles viam estampado tudo aquilo que não conseguiam ver em si
mesmos. A luta pela eliminação dos pajés era assim uma manobra tática que
correspondia, no plano interior, ao fato psicológico de que os missionários
pretendiam suprimir sua dimensão inconsciente sombria. Já nos primeiros contatos
os jesuítas retratavam os pajés como mentirosos e enganadores, recusando-se a
admitir neles a existência de um mínimo grau de integridade ou de que cumprissem
uma função social específica, a de guias religiosos encarregados da intermediação
entre este mundo e o outro - pois de fato os pajés estavam para os índios mais ou
menos como os jesuítas para os portugueses (GAMBINI, 1988, p. 166).
5 Grosso modo, mecanismo de defesa psicológico pelo qual julgamos ver no outro nossos atributos pessoais,
nossos próprios sentimentos e motivações e/ou aquilo que reprimimos em nós.
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Em algumas cartas, conforme Gambini (1988), surgem evidências dos equívocos e
estereótipos que a partir de então aparentemente se perpetuariam na imagem dos ameríndios:
A acusação de que os índios brasileiros eram comedores de carne humana era
obviamente o argumento supremo em favor da conversão - ou na verdade de
qualquer ato praticado contra eles. Impossível conceber-se crime mais atroz, frente
ao qual mesmo o mais torpe dos colonizadores sentir-se-ia cheio de virtudes.
Colombo foi o primeiro a falar dos canibais antilhanos, apesar de nunca ter
pessoalmente visto o que relatava. Nas cartas jesuíticas há inúmeras referências a
antropofagia, mas nenhum testemunho pessoal: e como se tratasse de um fenômeno
patente e acima de qualquer controvérsia, sem a menor necessidade de verificação
empírica ou compreensão. Os jesuítas falam de canibalismo como se os índios não
fizessem outra coisa e se nutrissem de carne humana, estabelecendo como meta acabar imediatamente com tal prática (GAMBINI, 1988, p. 149).
Após uma densa investigação sobre as cartas, Gambini relata o reconhecimento, pelos
clérigos, de seu próprio fracasso: “Com os anos os jesuítas se convenceram que converter os
nativos não era tão fácil […] a questão evoluiu e o trabalho escravo lhes pareceu a melhor solução
[…], Anchieta declara que o problema da conversão resume-se à escolha entre Evangelho ou
escravidão” (Gambini, 1988, p. 204). E lembra, finalmente, que a experiência serviu como
uma semente maligna, pois “150 anos depois os jesuítas já tinham acumulado saber suficiente
para produzir tratados doutrinários para ensinar aos senhores como tratar os escravos
africanos (sic) conforme a religião e puni-los segundo a conveniência” (Gambini, 1988, p.
205).
A presença do continente americano no imaginário europeu também foi estudada pelo
historiador italiano Antonello Gerbi, que traçou um enorme e bem humorado painel a respeito
da polêmica que esteve em voga entre os europeus durante muito tempo após as grandes
navegações ‘revelarem’ o continente americano. Conforme o autor, principalmente a partir de
meados do século XVIII, por muitos europeus era atribuído à América o estado de
imaturidade e degradação em relação à Europa e na visão de vários filósofos, poetas, clérigos,
cientistas e outros letrados, havia uma flagrante e generalizada ideia da inferioridade do
continente americano, defendida por muitos ao longo do tempo de forma a criar um
imaginário desfavorável dos ameríndios e da natureza do chamado Novo Continente (GERBI,
1996). Um dos citados por Gerbi (1996) foi o naturalista Conde Georges-Louis Leclerc
Buffon, que tentava dar alguma cientificidade à suas análises sobre a América e afirmava que
lá não existiam animais de grande porte, que a natureza era hostil, pantanosa, fria e úmida, os
animais domésticos eram degenerados, que répteis e insetos eram exageradamente grandes e
numerosos e que os ameríndios eram poucos, débeis e impotentes:
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Os cavalos, os asnos, os carneiros, as cabras, os porcos, os cães, etc., […] tornaram-
se menores. […] Existe, portanto, na combinação dos elementos e demais causas
físicas, qualquer coisa oposta ao engrandecimento da natureza viva neste novo
mundo: há obstáculos ao desenvolvimento e talvez à formação dos grandes germes;
os mesmos que sob a doce influência de um outro clima, receberam sua plena forma
e sua completa extensão, se restringem se amesquinham sob este céu avaro e sob
esta terra desolada, onde o homem, em pequeno número, era esparso errante; onde,
longe de usar este território como um mestre a seu domínio, ele não possuía
qualquer império; onde, não tendo jamais submetido nem os animais nem os
elementos, não tendo domado os mares nem direcionado os rios, nem trabalhado na
terra, ele era, em si, somente um animal de primeira classe e existia para a natureza
apenas como um ser sem consequência, uma espécie de autômato impotente, incapaz
de reformá-la ou auxiliá-la: ela o tinha tratado menos como mãe que como madrasta,
recusando-lhe o sentimento do amor e o vivo desejo de multiplicar-se; pois, ainda
que o selvagem do Novo Mundo possua aproximadamente a mesma estatura do
homem do nosso mundo, isso não é suficiente para que ela constitua uma exceção ao
fato geral do apequenamento da natureza viva em todo este continente. O selvagem
é débil e pequeno nos órgãos da reprodução; não tem pelos nem barba, nem qualquer
ardor por sua fêmea: embora mais ligeiro que o europeu, pois possui o hábito de
correr, é muito menos forte de corpo; é igualmente bem menos sensível e, no
entanto, mais crédulo e covarde; não demonstra qualquer vivacidade, qualquer
atividade d’alma; quanto à do corpo, é menos um exercício, um movimento
voluntário, que uma necessidade de ação imposta pela necessidade; prive-o da fome
e da sede e terá destruído simultaneamente o principio ativo de todos os seus
movimentos; ele permanecerá num estúpido repouso sobre suas pernas ou deitado
durante dias inteiros (BUFFON apud GERBI, 1996, p. 20-21).
Outro europeu lembrado por Gerbi é o filósofo prussiano abade Corneille De Pauw, para
quem a espécie humana encontrava-se ainda mais debilitada e degenerada no ‘Novo
Continente’, os homens não eram animais imaturos ou crianças crescidas, mas sim seres
degenerados:
[Eles] odeiam as leis da sociedade e os obstáculos da educação, vivem cada um por
si, sem se ajudarem reciprocamente, em um estado de indolência, de inércia, de
completo aviltamento. O selvagem não sabe que é preciso sacrificar uma parte de
sua liberdade para cultivar seu gênio: sem cultura ele não é nada […] É sem dúvida
um grande e terrível espetáculo ver a metade deste globo a tal ponto desgraçada pela
natureza que tudo é ou degenerado ou monstruoso” (DE PAUW apud GERBI, 1996,
p. 56-60).
O painel traçado por Gerbi é bastante amplo e apresenta com detalhes outros autores
como Abade Raynal, Friedrich Hegel, William Robertson, Francis Bacon, ou Voltaire, que
atestariam a debilidade da natureza americana, e até que garantiriam a existência de gigantes
na Patagônia. Mas, de outro lado, também apresenta pensadores que defenderiam a
benignidade dos ameríndios, a exuberância e fartura da natureza, que recusariam a imputação
de fraqueza, covardia, preguiça e inferioridade dos indígenas americanos, ou que estariam em
posições intermediárias e mesclariam ideias, como Benjamin Franklin, Immanuel Kant,
Goethe, Giacomo Leopardi, Alexander Humboldt, padre Francisco Javier Clavigero, jesuíta
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Juan Ignacio Molina, Thomas Jefferson, Thomas Paine, que se posicionariam ao longo da
outra extremidade da polêmica. Gerbi alerta, porém, que o quadro não era rígido, mas sim
preenchido por nuances e que a presença do continente americano no imaginário europeu, de
forma curiosa, por meio de um viés eurocêntrico e ideológico, parecia simultaneamente
projetar e refletir os desejos e/ou os horrores que seduziam e/ou assustavam os próprios
europeus.
Já o historiador Seth Garfield estuda as relações entre os indígenas brasileiros e as
políticas nacionalistas do Estado Novo em meados do século XX, principalmente no governo
de Getúlio Vargas durante a chamada “Marcha para Oeste6”. Garfield (2000) observa que
alterações nas situações social, econômica e política do país proporcionaram uma mudança
radical na abordagem dada pelo governo e por intelectuais aos indígenas e discorre como se
deram estas alterações, como elas afetaram os ameríndios e qual postura eles manifestaram
em resposta a esta nova situação. Estratégias governamentais buscaram aproveitar os índios
para atuar como mão de obra gratuita na produção de infraestrutura para o povoamento do
interior do país e para garantir os limites territoriais ocidentais; enquanto pensadores,
políticos, artistas e burocratas tratavam de dar nova roupagem para a representação dos
indígenas no imaginário brasileiro, passando a resgatar o índio genérico e heroico dos
românticos do século XIX, porém com uma nova “camada de verniz moderno”.
A ditadura de Vargas centralizou o poder, reprimiu a oposição, impôs severa censura à
imprensa e com o suporte do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), do Serviço de
Proteção ao Índio (SPI) e de intelectuais de diversas áreas passou a disseminar uma ideologia
favorável aos ameríndios, exaltando seu vigor físico, seu caráter patriótico, suas qualidades
lúdicas, colocando-os como verdadeiros representantes da nacionalidade brasileira. Vargas
cria o dia do índio e incentiva a colonização do interior do país, criando pequenas reservas
territoriais, para onde deveriam ser levados os indígenas após serem pacificados, e onde
supostamente teriam assistência governamental para “aprenderem” a trabalhar e sobreviver na
sociedade nacional. Garfield (2000) coloca que desta forma seria possível liberar os sertões do
continente para incentivar o povoamento pelo excedente populacional que habitava os litorais,
6 Projeto do governo Getúlio Vargas durante o Estado Novo, que visava povoar e desenvolver o norte e o
centro-oeste do país, incentivando a migração interna, facilitando a cessão e documentação de terras para
colonos e grileiros e confinando indígenas em pequenas reservas.
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com o discurso de que nas reservas estaria garantida a não extinção dos indígenas e sua
integração à nação após sua pacificação, e que
Ao difamar o europeu e consagrar o indígena, os ideólogos e intelectuais brasileiros
da Era Vargas inverteram ou subverteram a concepção eurocêntrica da história da
cultura e do destino nacional, vigente na elite brasileira. A essência da brasilidade
havia sido redefinida por membros da elite e da intelligentsia: ela não atravessou
mais o Atlântico, mas brotou do solo da nação, da sua fauna, flora e de seus
primeiros habitantes (GARFIELD, 2000, p. 20).
Haveria certa “tradição” brasileira nesta exaltação dos nativos. Por motivos e
circunstâncias diferentes diversos artistas e intelectuais esporadicamente já a praticavam
desde o século anterior: José de Alencar, Gonçalves Dias, Oswald de Andrade, Mário de
Andrade, Plínio Salgado, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo e Gilberto Freyre, dentre
outros. Porém, agora a situação era diversa. Enquanto
o nativismo do século XIX teve como meta a separação de Portugal e a literatura
romântica serviu para camuflar a instituição da escravidão africana, sob o regime
Vargas a retórica indigenista transmitiu […] um discurso indigenista que ecoava
todas as questões proeminentes na política mundial da época: racismo, xenofobia e
chauvinismo. Numa época de crise econômica mundial e nacionalismo exacerbado,
os brasileiros foram criticados por admirarem ideologias estrangeiras. O marxismo e
o liberalismo, afirmavam os funcionários do Estado Novo, eram inapropriados às
realidades nacionais. O mesmo valia para as teorias europeias de superioridade
racial, as quais eram criticadas por provocar ultraje – para não mencionar
desconforto, uma vez que muitas famílias influentes careciam de ascendência
puramente branca. Como Angyone Costa ironizava, apesar das deferências e
pretensões da elite, todos os brasileiros eram considerados pelos europeus como
“povo situado pouco acima dos negroides, abaixo dos amarelos e infinitamente
distanciados dos brancos”. Costa, portanto, convocava a nação para valorizar suas
raízes indígenas (Garfield, 2000, p. 20).
A estratégia de Vargas, entretanto, fracassou:
De fato, o abraço simbólico do índio pelo Estado Novo acabou por sufocá-lo.
Esmagados pela retórica do governo, os índios teriam de lutar para expressar seus
próprios pontos de vista em relação a sua terra, comunidade, cultura e história [...]
Mas, ao mesmo tempo, a tutela e outras políticas paternalistas endossadas pelo
regime Vargas possibilitavam o abuso e a repressão pelo Estado. O sistema de tutela
permitiria o descuido sistemático dos interesses indígenas; políticas foram
implementadas pelo Estado sem consulta aos grupos indígenas, considerados
incompetentes para cuidar de seus próprios assuntos. […] Os esforços para
disciplinar a força de trabalho e eliminar o nomadismo – disfarçados em temas de
redenção - exemplificavam este tratamento autoritário; nesse sentido o Estado
procurou redesenhar as fronteiras do território indígena com a Marcha para o Oeste.
Embora aproximadamente duzentos grupos diferentes vivessem no Brasil com
diversas culturas, línguas e relações com a sociedade brasileira, o Estado reduziu-os
todos a “índios”, uma construção cultural que incorporou objetivos e ideias dos
brancos. Rica em seu valor simbólico, a invenção estadonovista do índio contradizia
as realidades atuais e passadas dos índios. Além do mais, os objetivos quixotescos e
as instituições governamentais seriam sistematicamente lesados pela corrupção
burocrática, pela oposição da elite e pela resistência indígena. Não obstante, os
índios, junto com o governo e seus críticos, teriam de lidar com as imagens e
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políticas ambíguas popularizadas na era Vargas durante muito tempo […] Alguns
índios rejeitaram totalmente a política governamental. Outros colaboraram com os
esforços do Estado para “civilizar” a fronteira, aliando-se aos funcionários do SPI,
que lhes ofereciam a promessa de uma vida melhor. Contudo, outros abraçaram a
retórica indigenista do Estado Novo, apesar de criticarem a atuação do Estado e de
proporem alternativas (Garfield, 2000, p. 24-25).
Desta forma, observamos que o legado da era Vargas no que se refere à representação do
indígena no imaginário nacional foi bastante confuso, antagônico e, de certa forma,
catastrófico, pois a estratégia utilizada durante o Estado Novo provocou uma espécie de
esquizofrenia na forma como os brasileiros encaravam os indígenas e de outro lado
“ludibriou” duplamente os nativos, pois lhes ofereceu algo que não poderia cumprir, usou a
mão de obra dos que se renderam às promessas governamentais e ainda surrupiou os
territórios de ambos, os que resistiram e os que cederam aos apelos do governo.
Vários videastas, professores e coletivos de audiovisual indígenas refletem a respeito
destas representações ameríndias prejudicadas no imaginário contemporâneo desenvolvidas
ao longo dos séculos desde o contato, e buscam alterá-lo e atualizá-lo por meio da realização,
veiculação e divulgação de filmes e outros trabalhos audiovisuais para as sociedades
envolventes e internamente em suas comunidades. Procuram, também, disseminar seus
conhecimentos e técnicas, com o objetivo de sua replicação e da formação de novos grupos. O
professor e videasta Kaiowá Eliel Benites enfatiza que
Muitos são os efeitos do discurso colonial moderno na perspectiva indígena dos
Kaiowá e Guarani. O modelo de ser não indígena da sociedade ocidentalizada torna-
se o modelo único e desejável, a partir do imaginário representado pelo discurso
colonial. Constrói-se, deste modo, no interior dos Kaiowá e Guarani, a necessidade
de ter outra postura, outras lógicas de pensamento, outras formas de organização
social […] Por outro lado, as gerações mais tradicionais da sociedade kaiowá e
guarani, a partir dos contextos específicos de formação de sua subjetividade,
possibilitam maior grau de resistência ao imaginário colonial do que as gerações
mais recentes. Tal situação possibilita um porto seguro para a geração atual, tendo
em vista produzirem negociações com o mundo externo. A resistência kaiowá e
guarani ao modelo homogeneizador e suas várias formas de representação,
assumidas diante do colonizador ou no mundo externo, refere-se a formas
estratégicas para corresponder ou não ao desejo do outro. […] Os Kaiowá e Guarani,
nesta relação colonial, são inventados ou reinventados no contexto das experiências
e histórias marcadas pela colonialidade. A colonialidade subalterniza, invade o
imaginário do outro, ocidentaliza-o. Assim, as subjetividades indígenas kaiowá e
guarani foram produzidas no embate entre os seus saberes, considerados legítimos
em sua cultura, e as ações colonizadoras que, no intuito de civilizar, promoveram a
imposição de valores, de conhecimentos, de espiritualidade/ancestralidade,
concepções de mundo e do bem viver, opostos ao jeito de ser e de viver dos povos
indígenas (BENITES, 2014).
Eliel é membro fundador da Associação Cultural dos Realizadores Indígenas (ASCURI,
2018), um dos principais coletivos audiovisuais indígenas de Mato Grosso do Sul, com vasta
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produção desde 2012. Coordenou o curso de Licenciatura Intercultural Indígena da UFGD e
tem uma história de vida que se confunde com a da educação indígena de MS. Participou
ativamente do Movimento dos Professores Guarani/Kaiowá, ajudou a construir a proposta
pedagógica do Curso Normal em nível médio - Ára Verá, foi um dos formandos da primeira
turma em 2003 e da Licenciatura Indígena - Teko Arandu, pela UFGD, em 2011, área
específica de Ciências da Natureza, e em 2014 concluiu mestrado em educação na UCDB. É
membro do Movimento e Comissão dos Professores Indígenas Guarani Kaiowá do Mato
Grosso do Sul, desde julho de 2013 atua como professor efetivo no Curso da Licenciatura
Intercultural Teko Arandu da UFGD e, talvez, tenha sido o primeiro indígena da etnia Kaiowá
a ser aprovado em concurso para professor em uma Universidade Federal.
As preocupações e reflexões colocadas por Eliel Benites têm reflexo na produção da
ASCURI (2018), pois nela aparece uma atenção na utilização dos recursos existentes para o
desenvolvimento de uma visão crítica e reflexiva da relação com eles e à forma como os
indígenas se apropriam dos mesmos. Existe a preocupação de ensinar o uso das chamadas
novas tecnologias, porém sem torná-las um objetivo em si, e em não dar prioridade para a
criação de obras para consumo externo (embora também não haja exclusão desse tipo de
atuação). Haveria a ideia de que, grosso modo, ao usar a tecnologia e o audiovisual para
registrar a cultura Kaiowá e Guarani para o “consumo interno” da escola e da comunidade,
aconteceria simultaneamente, de forma espontânea, um fortalecimento dessa cultura, porém
ao mesmo tempo uma ressignificação da mesma, que de alguma forma estaria sendo,
paradoxalmente, atualizada e resgatada (CORRÊA, 2017). Um dos exemplos citados por Eliel
em entrevista clareia a postura e atuação do coletivo:
O que é a natureza para o Kaiowá Guarani? Os elementos da natureza estão sendo
um problema para o Kaiowá hoje, o impacto ambiental etc. Então, o que fazer? Só
mostrar o problema? Tem a solução, mostrar também a solução do problema, esta é a
ideia. [...] É muito interessante: nas entrevistas com a câmera eles aprendem muito,
ou seja, as novas tecnologias, a câmera acaba potencializando a aprendizagem
indígena. Por exemplo, uma coisa que ficou distante, [a relação entre] o jovem e o
mais velho: quando você produz o material, eles se aproximam, ou seja, a câmera é
um elemento que vai retomando [a relação], é uma ponte. A nova tecnologia, e o que
vem com ela, cheio de máquinas modernas etc. e tal, nada contra ela, mas o
conteúdo em volta é tradicional, é muito interessante isso! Na edição [dos vídeos] o
sujeito fica vendo, vendo, revendo aquilo... os cantos, na reza do Jerosy, por
exemplo, muitos cantos são repetidos até o amanhecer. Então, nas novas tecnologias,
na ilha de edição também acontece isso, e ele acaba gravando [na memória] os
cantos. A mídia, se você trabalhar ela de uma forma consciente, ela tem muita força,
para ajudar, mas se você trabalhar ela de uma forma inconsequente, ela traz muita
coisa ruim! (Entrevista ao autor, 2015)
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Outro membro da ASCURI (2018) é o Terena Gilmar Galache, que não só manifesta
incômodo com a representação dos indígenas no imaginário contemporâneo, mas que tem um
trabalho teórico e artístico que procura refletir sobre o problema e estabelecer estratégias de
ação além de produzir conteúdo para buscar superar a situação:
No caso do meu Povo, Terena, a língua vem desaparecendo ao longo do tempo, em
muitas aldeias, é considerada somente a língua dos avós, não sendo mais ouvida em
muitos lugares, com isso a sonoridade e os significados do vemóu (nossa língua)
está cada vez mais distante, mesmo com esforços por parte dos professores
indígenas. E a prática de produções audiovisuais, como filmes e músicas, pode ser
um exercício para nosso idioma, treinando os ouvidos que nunca ouviram a língua
antes, e fazendo uma ponte com os tempos antigos, pois é isso que a língua é, muitos
que já morreram e viveram tempos longínquos falavam essa mesma língua, que
seguia um estrutura complexa de significados. A língua em um filme demarca um
território, que ultrapassa os limites das terras tradicionais físicas e espirituais […]
Porém, após anos de colonização, e da replicação das práticas colonizadoras, nos
fragmentou muito, em nosso próprio território, os saberes tradicionais estão
esparramados como pedaços, e o papel do audiovisual pode ser o de costura desses
fragmentos, podendo exercitar a memória de quem já havia esquecido e trazer de
volta discussões importantes, como nossas práticas religiosas tradicionais, muitas
vezes demonizadas pelas correntes cristãs, ou de começar a discussão em um
momento mais contemporâneo do que já não se pratica mais (GALACHE, 2017).
Em workshop apresentado na Bolívia em 2008, pelo o cineasta e professor Quéchua Iván
Molina7, Gilmar conheceu Eliel Benites, que se tornaria seu parceiro em diversas produções e
com o qual (dentre outros indígenas) coordena as ações da associação. Assim como Eliel,
Gilmar tem uma visão bastante crítica em relação ao cinema em geral, e nas formas como o
audiovisual é usado na educação, principalmente pelo potencial que ele carrega e que em
geral não é plenamente realizado:
A gente conheceu o Iván Molina, que já tinha 20 anos de cinema naquela época, que
trabalhou com o [vários profissionais e acadêmicos e tem um currículo respeitável],
então tem um cinema político bem forte. A gente se conheceu lá, em 2008, então ele
começou a falar: é possível, vocês têm uma linguagem, vocês tem como passar e
construir, e pouco a pouco, a gente começou...[...]. A ideia começou a ficar clara, era
um cinema como uma ferramenta de luta pelos direitos, então, umas das ideias, uma
das filosofias do grupo, era que o cinema é uma ferramenta que vai contribuir para a
gente fortalecer a nossa cultura, para refletir sobre a nossa realidade, e mostrar para
a sociedade que a gente é importante, mostrar para a sociedade que nós temos
nossos valores, essa é uma das ideias que orienta [o trabalho]. Mas a gente busca
muito a coisa da horizontalidade, não é? [...] a gente tenta fazer o máximo para o
outro aprender; quanto mais o outro aprender, menos você vai fazer; então, mais
gente vai te ajudar a multiplicar e menos preocupação com uma pessoa só fazendo
[...] A gente também busca não fazer pressão sobre o grupo: ‘você vai ser o da
7 Iván Molina Velasquez, da etnia Quéchua, formou-se na Escuela Internacional de Cine y TV San Antonio de
Los Baños (EICTV) em Cuba, onde foi aluno do escritor Gabriel Garcia Marques, tem mais de 20 anos de
experiência em cinema e audiovisual e atualmente é Director Académico da ECA em La Paz. Disponível em:
<http://www.cinemascine.net/entrevistas/entrevista/Este-trabajo-requera-un-compromiso-social-y-
acadmico>; e em: <http://www.pmcg.ms.gov.br/cgnoticias/noticiaCompleta?id_not=6403>. Acesso em: 05
jun. 2015.
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câmera, você vai ser o editor!’. A pessoa vai se envolvendo naturalmente, que é a
maneira tradicional de educação também, porque, o rezador não diz: ‘você vai ser o
futuro rezador!’. Você vai mostrando quem ele é, o cara vai mostrando a sua
potencialidade, e vai potencializando o que ele tem de bom, o perfil do cara, então
cada um tem o seu perfil, não é? Sai naturalmente, você vai só apoiando aquilo, é a
metodologia. Nossa metodologia também é que tem de respeitar a cultura, respeitar
o sistema, o momento, registrar esse processo sem interferir. Então, por exemplo, o
Kiki [um dos operadores de câmera da ASCURI] que faz mais a filmagem do Jerosy,
ele já espera o momento certo de chegar, ele tem o momento certo de onde que vai
filmar, então, o indígena já sabe sua cultura, não é? Ninguém outro sabe, pode
estudar, pode ser doutor, mas, por exemplo, tem objeto que você não pode filmar,
também, tem que pedir autorização, chegar lá pedir pro liderança ou rezador, se pode
filmar ou não pode. Aí, tem um que não sabe das coisas, chega a TV filmando tudo,
faz tudo, chega lá tirando foto, eu já vi várias cenas constrangedoras da Globo. O
Kiki já sabe tudo, o roteiro na cabeça, qual o momento mais importante desse
evento, então ele vai no momento certo, sem interferir. Se um gringo chega lá, ele
atrapalha tudo. E ai a equipe de televisão chega lá vai filmando lá, filmando aqui, tá
sabendo que tá acontecendo Jerosy, mas o que vai acontecer exatamente, qual o
momento, qual o lugar, qual o ponto de vista é muito mais importante, ou seja, o
olhar indígena, não é? (Entrevista ao autor, 2015).
Dessa forma, embora não evite a exposição e divulgação de suas produções nos circuitos
de festivais de cinema, nos simpósios e congressos do universo acadêmico, ou no recheio de
currículos para eventos similares do “circuito de projetos e editais”, este não é o objetivo
principal. O foco seria a valorização e a (re)construção das culturas tradicionais usando as
ferramentas midiáticas como ponte para levar os velhos até os jovens, que passam a enxergá-
los com outros olhos, e levar os jovens até os velhos, sugerindo que estes os olhem com
outras lentes, e os ouçam com novos ouvidos, transformar a cultura oral em visual e vice-
versa, transformar os microfones em ouvidos, sem perder a essência de uma cultura, nem as
facilidades tecnológicas da outra. Dessa forma se disseminaria a semente de uma práxis que
deveria interferir e alterar a exposição dos indígenas nas mídias e como consequência
melhorar a representação dos mesmos no imaginário contemporâneo.
O professor e coreógrafo Kaiowá Ismael Morel é outro indígena de MS envolvido com o
audiovisual e que manifesta preocupações com a desprestigiada representação de seus pares
no imaginário nacional desde séculos atrás, e atua buscando superar o problema. É um dos
mentores do coletivo Jovens Indígenas Guarani-Kaiowá em Ação (JIGA, 2015), organização
da sociedade civil de interesse público sediada em Amambai, MS. Conforme Ismael, o grupo
é bastante ligado a danças e esportes, edita um jornal impresso, organiza campeonatos
esportivos e têm filmes postados na rede social Facebook, além de vários depoimentos curtos,
que ele não considera como filmes. Ismael, graduado em educação física e, atualmente,
vereador no município de Amambai, MS, recebeu em 2006 o prêmio “Professor nota 10” por
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ter promovido a revitalização da dança, e foi um dos debatedores da edição de Campo Grande
do Vídeo Índio Brasil 2014, que aconteceu em maio de 2015 no Armazém Cultural Helena
Meireles em Campo Grande, MS. Ismael relata que desde sua infância enfrenta uma situação
crônica de opressão, censura e enfrentamento com igrejas, crenças e seitas alheias às de sua
origem tradicional, e a utilização que faz do audiovisual para tentar reverter o quadro é
bastante relevante:
[...] cinco, seis anos. Aí com 14, 15 anos eu me revoltei com aquele sistema que
tentava amansar a gente de qualquer jeito. Aí eu percebi que todas aquelas coisas
que eles estavam pregando não tinha nada a ver comigo. Aí comecei a montar um
grupo, ‘a partir de hoje eu vou, não lutar contra, mas combater eles, mostrar que tem
outro caminho!’ [...] Foi nesse ponto que entrou o audiovisual! Eu comecei a
perceber, nós temos vários vídeos com depoimentos dos mais velhos, porque até
então meu interesse era só brincadeiras e jogos tradicionais, perguntava aos mais
velhos quais eram as brincadeiras que eles faziam, aí comecei a perguntar sobre a
pessoa, muitas destas pessoas já faleceram, aí, semana passada nós estávamos
passando estes vídeos na aldeia e falei, como uma brincadeira, vou selecionar esses
vídeos e passar todos. Aí as pessoas começaram a se emocionar, porque as pessoas
falam de uma coisa triste, e o que é mais triste ainda é que essa pessoa também já
faleceu, então eu comecei a perceber que o audiovisual tem esse poder de revitalizar
e formar opiniões, a coisa está imposta, mas não precisa, necessariamente ser assim!
[…] (Entrevista ao autor, 2015).
Outro núcleo de criação de audiovisual indígena com grande repercussão fora dos
territórios indígenas e afastado do chamado circuito de festivais de cinema e dos congressos e
simpósios acadêmicos, tornando-se relativamente conhecido nacionalmente - e até fora do
país - é o articulado pelo grupo BRÔ MC’s, a TV GUATEKA e a Central Única das Favelas –
núcleo de Dourados, MS, (CUFA-MS8). O grupo BRÔ MC’s é pioneiro no Brasil –
possivelmente no mundo - em Rap9 Indígena, com letras que mesclam o português e o
guarani, e absorvem a cultura Hip-Hop10 da forma mais aproximada encontrada no
8 A Central Única das Favelas (CUFA) é uma organização criada em 1999 por jovens de várias favelas do Rio
de Janeiro, com o conhecido rapper MV Bill entre os fundadores. Tem no Hip Hop sua principal forma de
expressão, como ferramenta de integração, inclusão social e produção cultural, atuando no Rio de Janeiro e
outros 25 estados e DF. Dentre as atividades desenvolvidas estão cursos e oficinas de DJ, break, grafite,
escolinha de basquete de rua, skate, informática, gastronomia, audiovisual e realização de diversas ações nos
campos da educação, esporte, cultura e cidadania, com mão de obra própria, principalmente de moradores de
favelas. Disponível em: < http://www.cufa.org.br/sobre-cufa.php# >. Acesso em: 01 jun. 2015. 9 Acrônimo de Rhythm and poetry (ritmo e poesia), nomenclatura que define um dos estilos musicais
provenientes das ruas (VIEIRA, 2014, p. 8). 10 Cultura ou movimento composto por quatro elementos culturais distintos que dialogam entre si: o MC
(Mestre de Cerimônia), o Graffite (arte plástica urbana feita em muros, paredes, prédios, etc.), o Break
Dance ou Breaking (dança que mescla movimentos com complexidade e diversidade) e o DJ (Disc Jockey
ou Deejay - o “maestro” do rap), que produz instrumentais a partir do sampler (equipamento que permite
executar amostras de trechos de músicas ou sons em loops (repetições), e manipular ou criar novas melodias,
padrões rítmicos ou efeitos; usado originariamente nos estúdios, passou a ser usado como instrumento
musical em vários gêneros musicais como o pop, rap, rock’n roll e outros) (VIEIRA, 2014, p. 14).
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mapeamento11, ao que Canclini (1997) nomeou de hibridismo cultural, ou nos moldes da new
mestiza de Anzaldúa (1987), muito embora, afirmem eles, considerar seu trabalho: “uma
produção indígena, nossa, pois aborda temas que são importantes pra gente, não apenas lutas,
mas também nossa vida cotidiana, e o que a gente gosta de fazer. É com o nosso olhar”
[Entrevista ao autor, 2015; grifo do autor].
Composto por Bruno Veron, Clemerson Batista, Kelvin Peixoto e Charles Peixoto,
Kaiowás das aldeias Jaguapiru e Bororó, da Reserva de Dourados, MS, eles cantam e dançam
o cotidiano das aldeias e a relação que têm com a sociedade não indígena. Sem formação no
audiovisual ou na música, o contato prévio que tiveram com o cinema foi por meio da
participação de alguns deles apenas como observadores durante a gravação do filme “Terra
Vermelha” no município e, posteriormente, um videoclipe embrionário, gravado durante o
Ava Marandu12. Atualmente o grupo já tem um trabalho consolidado na música. As criações
audiovisuais, entretanto, ainda são incipientes, mas a TV GUATEKA (projeto que tem no
nome as sílabas iniciais das três etnias que compõem a Reserva de Dourados – GUArani,
TErena e KAiowá) aos poucos aglutina os jovens que se interessam pelo audiovisual:
“gostamos muito de aprender coisas novas e o audiovisual chegou para atender as
necessidades da comunidade, assim como também a nossa, pois o grupo acaba gravando
alguns vídeos também” (Entrevista ao autor, 2015).
Hígor Marcelo Lobo Vieira (2014), não indígena, produtor do grupo, informa que o
projeto da TV Guateka ainda é embrionário, que o processo é lento e gradual, e procurou, em
sua dissertação de mestrado sobre o movimento Hip Hop em Dourados, MS, “identificar as
territorialidades construídas pelos MC’s Guarani e Kaiowá com [...] a desconstrução do
próprio rap numa perspectiva da indústria musical, sendo mais uma vez constituído como
instrumento ‘bélico’ para as causas indígenas” (VIEIRA, 2014, p. 16). O imaginário
prejudicado a que estão sujeitos fica evidente na discriminação, racismo e preconceito que
11 Vide Corrêa, 2017, p.211.
12 Projeto realizado em Mato Grosso do Sul pelo Pontão de Cultura Guaicuru e parceiros, denominado “Avá
Marandu – Os Guarani convidam” no período de janeiro a junho de 2010. Foi uma “proposta de realização
de uma ação cultural ampla voltada para os Guarani e os não índios” e resultou, dentre outras atividades, na
produção de dez curta metragens por diversos indígenas, em sua maioria Kaiowá e Guarani (AVA
MARANDU ”Os guarani convidam”: Cultura e direitos humanos dos povos Guarani. Pontão de Cultura
Guaicurú. Catálogo. Campo Grande, MS, 2010). Disponível em:
<www.pontaodeculturaguaicuru.org.br/avamarandu>. Acesso em: 09 fev. 2015.
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15
sofrem de boa parte da sociedade douradense13, ou mesmo quando viajam para shows em
outros países14, eles encontraram alguma resistência dentro da reserva, pois, na maioria das
vezes, os mais velhos têm certa dificuldade em lidar com tecnologias vindas de fora: “por
mais que tenhamos cada vez mais a presença de celulares, máquinas fotográficas e filmadoras
nas mãos dos indígenas. Mas quando eles (liderança) perceberam que usamos o rap como
instrumento de luta ficou mais fácil” (entrevista ao autor, 2015). Já com a sociedade
douradense não indígena a relação é bem mais complexa: de um lado existem pessoas que são
sensíveis à causa indígena, que são os universitários, pesquisadores,
e pessoas com um olhar mais sensível, que abraçaram de bate pronto. Tem a galera
do hip hop, que curtia rap, da quebrada, que passou a conhecer os caras pelo rap e
começam a respeitar os caras através dessa construção, dessa história, e tem a galera
que sempre teve preconceito e que dificilmente vai mudar, e que acaba não
aceitando ou tecendo críticas a respeito do trabalho dos caras. Então é bem
diversificado, tem gente que aceita, curte, pira, e tem gente que vai falar mal sempre
independente do que seja, porque é indígena, porque é indígena cantando rap, etc
(Entrevista ao autor, 2015).
Não obstante, o grupo segue na contramão das grandes produções, tentando influenciar na
representação dos indígenas no imaginário contemporâneo divulgando seu trabalho em
diversas capitais como Campo Grande, São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, e dividindo palco
com artistas de porte como Milton Nascimento, Nação Zumbi e os rappers Xis de São Paulo e
GOG, de Brasília, além de alcançar programas de TV de grande circulação 15 como o “TV
13 Higor Lobo Vieira (2014, p. 138) descreve, por exemplo, caso recente de racismo na rede social Facebook
que gerou grande polêmica, praticado por jovens douradenses a respeito do sucesso da apresentação do
grupo de rap BRÔ MC’s (composto por jovens Kaiowá da Reserva de Dourados) no programa “TV Xuxa”,
veiculado pela emissora de televisão Rede Globo em 2012. Durante a exibição do programa a adolescente de
classe média L. D. publicou frases racistas e preconceituosas a respeito dos músicos Kaiowá estarem
difamando a imagem da cidade na TV e foram acompanhados, inicialmente por “likes” e outros “posts” de
apoio, igualmente preconceituosos e racistas e, posteriormente, por protestos defendendo o grupo. Em
entrevista ao autor (2015), Higor Lobo informa que a consequência foi um debate que repercutiu o suficiente
para a adolescente sofrer ação no Ministério Público. 14 Conforme Higor Lobo, quando fora do palco, os músicos “tornam-se apenas a representação do indígena”.
Tornam-se alvo de chacota numa fila de aeroporto em São Paulo; ou, a passeio no Paraguai, após um show,
são considerados suspeitos e seguidos de perto por seguranças de um supermercado em Assunção: “situação
desconfortável quando notamos que a cada seção éramos vigiados por seguranças diferentes. Mas que logo
virou entretenimento, quando a brincadeira então era, ‘onde está o índio?’. Cansamos os seguranças, nos
espalhando pelas seções, e no final ríamos daquilo tudo” (VIEIRA, 2014, p. 61, 70). 15 Clipe oficial Eju Orendive. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=olbhgyfdmqg>; Eju
orendive ao vivo “Altas horas”. disponível em: <http://globotv.globo.com/rede-globo/altas-horas/v/bro-mcs-
mostram-como-e-o-seu-rap-indigena/2130409/>; Eju orendive ao vivo “Xuxa”. disponível em:
<http://globotv.globo.com/rede-globo/tv-xuxa/v/bro-mcs-apresentam-sua-mistura-musical-na-tv-
xuxa/1904081/> ; entrevista e rap de improviso no “Festival de inverno de Diamantina, MG”. disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=jxvjja8jalc>; ao vivo no yankee “Fase terminal e BRÔ MC’s”:
<https://www.youtube.com/watch?v=uviv0fqjrgo>; Terra vermelha ao vivo no “TV Câmara” disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=qhofxb6wyl4>; acesso em 01 jul. 2015.
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Xuxa” e “Altas Horas”, da emissora Rede Globo de Televisão, e a “Câmara Ligada”, da
emissora TV Câmara, mantendo sempre sua característica e sua ideologia, fato que
dificilmente poderia acontecer caso entrasse para o casting de multinacionais da música e
entretenimento (VIEIRA apud CORRÊA, 2017, p. 109-114).
Isto posto, podemos concluir que as iniciativas de alguns dos videastas indígenas, como
se viu em diversos depoimentos, com a utilização didática do audiovisual internamente nas
comunidades, eventualmente sem a preocupação ou o objetivo de atingir grandes plateias,
conquistar prêmios ou obter retorno financeiro, são distintos do que observa comumente no
mercado. As preocupações e a prioridade dada por alguns grupos e filmakers em utilizar de
forma orgânica o audiovisual, como ferramenta para a luta por direitos, para denunciar
violências e injustiças, para se defender de pistoleiros ou do próprio Estado, e alguns
incipientes resultados práticos conseguidos, revelam um empoderamento proporcionado pela
apropriação destas novas tecnologias pelos povos indígenas de MS. Desta forma, podemos
ainda inferir que vários dos indígenas de Mato Grosso do Sul envolvidos com as novas
tecnologias de comunicação e informação e com o audiovisual em geral não somente
desenvolvem importantes percepções e reflexões a respeito de sua representação prejudicada
desde longa data no imaginário contemporâneo. Eles também se mobilizam de forma algo
inusitada, de modo a realizarem ousadas e inovadoras obras e criações, a partir de posturas e
de práxis que poderão vir a provocar mudanças favoráveis nesse imaginário. Talvez, então,
conforme observado em Corrêa (2015, p. 209) as futuras gerações possam vir a ser melhores
informadas pelas escolas e pela mídia e, eventualmente, o senso comum e a opinião pública
passem a dar sinais de uma melhor compreensão e valorização, passando a tratar de forma
mais justa os povos ameríndios que sobreviveram, durante tantos séculos, à nossa
insensibilidade, estupidez e violência.
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