o ato de brincar na escola: um estudo sobre o seu...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA GABRIEL DA COSTA SPOLAOR O ATO DE BRINCAR NA ESCOLA: UM ESTUDO SOBRE O SEU PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO Campinas 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA

GABRIEL DA COSTA SPOLAOR

O ATO DE BRINCAR NA ESCOLA:

UM ESTUDO SOBRE O SEU PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO

Campinas

2019

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GABRIEL DA COSTA SPOLAOR

O ATO DE BRINCAR NA ESCOLA:

UM ESTUDO SOBRE O SEU PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação Física

da Universidade Estadual de Campinas como parte dos

requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em

EDUCAÇÃO FÍSICA na área de EDUCAÇÃO FÍSICA E

SOCIEDADE.

Orientadora: Prof(a). Dra. Elaine Prodócimo.

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO

FINAL DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO

ALUNO GABRIEL DA COSTA SPOLAOR, E

ORIENTADA PELA PROF(A). DR(A). ELAINE

PRODÓCIMO.

Campinas

2019

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COMISSÃO EXAMINADORA

Dra. Elaine Prodócimo

Orientadora

Dra. Ana Cristina Zimmermann

Membro titular da banca

Dr. Guilherme do Val Toledo Prado

Membro titular da banca

A ata da defesa, com assinatura dos membros da comissão organizadora consta no SIGA/

Sistema de fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer os meus pais, Arnaldo e Rosely. Obrigado

por todo o carinho, amor, respeito e possibilidade de diálogo com que me educaram! Esse

trabalho é fruto de todo esforço que vocês tiveram ao longo dos anos, para garantir que eu

tivesse uma boa educação, assim como, para que eu me tornasse uma pessoa melhor a cada

dia! Acho que tudo começou com vocês, né? Vocês foram as minhas primeiras referências

sobre o brincar!

Agradeço a minha parceira Juliana, por todo companheirismo e amor em todos os

nossos momentos juntos! Obrigado por toda a paciência e carinho durante todo o processo

de escrita, assim como, sua leitura cuidadosa! Nossos diálogos e trocas me constituem um

sujeito mais sensível, espero contar com a sua presença por muito tempo ainda!

Agradeço as minhas sobrinhas de coração Bia e Agnes, que sempre brincaram muito

comigo e não deixaram meu ser brincante adormecer!

Agradeço aos professores com quem pude dialogar durante o Mestrado! Mário

Nunes, Inês Bragança, Ana Aragão, Ana Zimmermann e Tizuco Kishimoto, vocês me

proporcionaram importantes momentos de reflexão e aprendizado durante as aulas!

Agradeço também a minha querida professora, orientadora, amiga, brincante, Elaine,

pelo companheirismo e orientação carinhosa desde a graduação! Sempre muito paciente e

cuidadosa com meus processos de estudo e escrita, permitiu que eu traçasse meu caminho

com liberdade! Ser seu aluno e ter a oportunidade de trabalhar contigo tem sido muito

importante para a minha constituição, não só de professor, mas, sobretudo, como pessoa!

Agradeço aos parceiros do Grupo EscolaR, pelas ótimas reuniões, discussões e

espaços de diálogo sobre Educação Física e Educação! Muito obrigado!

Agradeço aos parceiros do GRUBAKH, Guilherme, Liana, Marissol, Vanessa, Ruy,

Heloísa, Adriana, Grace, Luciane, Márcia, Marcos, Ana Cristina, Nara e Fernando! Tenho

muito carinho por tudo o que vocês me ensinam!

Agradeço a todos os meus alunos e parceiros de trabalho, em especial, Natália, Zezé,

Ana Helena, Adilson, Gilson, Maria Ida, Alba, Sandra, Marcos, Vanessa, Dani, Gabi,

Juliana, Cris, Dri, Lilia, Silmara, Silvinha, Maria Helena, Sérgio, Fátima, Fernanda, Rita,

João, Edu, Magali e Caio! Cada um com seu modo singular, me permite aprender e

amadurecer como professor!

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Agradeço aos meus amigos, André, Giovane, Gustavo, Lari, Poliana, Marcela,

Leonora, Aninha, Rogério, Gilson e Debora! Sou muito feliz pelo apoio e carinho de vocês!

Agradeço a diretoria, professoras e crianças da escola onde a pesquisa foi realizada!

Muito obrigado pela confiança e por compartilharem um pouco do trabalho e esforço diário

para construir uma escola comprometida com uma Educação Pública, crítica, laica, gratuita

e democrática!

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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RESUMO

O brincar como ato expressado nas relações dialógicas e sociais permeia os diferentes

momentos do cotidiano escolar. Há muitos anos, seu uso e potencial educativo nos processos

de ensino-aprendizado são objeto de estudo, porém, encontramos poucas pesquisas que

buscam compreender os diversos sentidos e significados que o brincar assume na cultura

escolar, assim como, os efeitos na prática pedagógica dos professores. Neste trabalho me

propus a compreender como o brincar é significado no cotidiano das aulas de uma professora

da rede municipal de Campinas. O estudo se configura com uma Pesquisa Narrativa de

perspectiva bakhtiniana, construída por meio de observações das aulas e encontros para

conversas realizados durante o período de um semestre, no ano de 2018. Narrativas verbais,

escritas e imagéticas foram tratadas como possibilidades, reflexão e produção de

conhecimentos, entre os professores/pesquisadores/brincantes que construíram a investigação

em diálogo. Nas tramas da cultura escolar, para que o trabalho educativo se concretize, as

regras, normas e discursos atravessam as práticas pedagógicas e criam variados efeitos em

relação à importância do brincar. Esses discursos orientam a postura da professora, fazendo

com que esta busque agir de maneira mais aberta, dialógica, curiosa ou também, controladora

em relação ao agir das crianças. Diversas possibilidades de ser professora entrelaçam e

constituem sua prática pedagógica frente ao brincar. Nesse alinhavado de intencionalidades, o

brincar assumia diferentes significações. Nas narrativas apresentadas, refletimos e

compreendemos, principalmente, como em algumas dinâmicas de aula se fazia presente uma

tentativa de controle, também, de busca por se permitir brincar e dialogar com as crianças,

valorizando outras formas de expressividade. Ao tentar assumir esse posicionamento

pedagógico brincante, a professora abriu mão de ser a controladora de tudo o que acontecia

nas aulas e passou a construir sua atuação na relação com o vivido, com a cultura e modos de

agir das crianças com quem dialogava. Ser professor-brincante não tem a ver com abrir mão

das regras e fundamentações pedagógica, mas permite que as compreensões ganhem vida na

relação com o chão da escola. Busca-se a potência da infância, expressividade humana e

liberdade de criação de novas formas de significar e agir no mundo, como possibilidade de

educação.

Palavras-chave: Brincar; Escola; Pesquisa narrativa; Prática Pedagógica.

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ABSTRACT

Playing as an act expressed in dialogical and social relations permeates the different moments

of daily school life. For many years, it’s use and educational potential in teaching-learning

processes have been the object of study, however, we found few researches that seek to

understand the various senses and meanings that play assumes in school culture, as well as the

effects on the pedagogical practice of the teachers. In this paper I proposed to understand

what is the meaning of playing in the daily classes of a teacher from the Campinas municipal

schools. The study is configured as a Narrative Bakhtinian Perspective Research, constructed

through observations of the classes and meetings for conversations held during a semester, in

2018. Verbal, written, and imagery narratives were treated as possibilities, reflection, and

knowledge production among the teachers / researchers / playmates who built the research in

dialogue. In the plots of school culture, for the educational work to be realized, rules, norms

and discourses cross pedagogical practices and create various effects in relation to the

importance of playing. These speeches guide the teacher's posture, making her seek to act in a

more open, dialogical, curious or controlling way in relation to the children's acting. Several

possibilities of being a teacher intertwine and constitute their pedagogical practice when

playing. In this tangle of intentionality, play assumed different meanings. In the narratives

presented, we reflect and understand, mainly, how in some class dynamics there was an

attempt to control, also seeking to allow themselves to play and dialogue with children,

valuing other forms of expressiveness. In trying to assume this playful pedagogical position,

the teacher gave up being the controller of everything that happened in the classes and began

to build her role in relation to the lived, the culture and ways of acting of the children with

whom she dialogued. Being a teacher-playing is not about giving up the rules and pedagogical

foundation, but it allows understanding to come to life in relation to the school floor. It seeks

the power of childhood, human expressiveness and freedom to create new ways of meaning

and act in the world, as a possibility of education.

Keywords: Play; School; Narrative research; Pedagogical practice.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

TCC – Trabalho de Conclusão de Curso

ETI – Escola de Tempo Integral

IC – Iniciação Científica

GRUBAKH – Grupo de Estudos Bakhtinianos

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

FEF – Faculdade de Educação Física

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SUMÁRIO

BUSCANDO UMA ESCRITA BRINCANTE.................................

1. SOBRE AS MARCAS DO BRINCAR.......................................

1.1 O que estou chamando de brincar?................................................

1.2 Brincar na/com a cultura escolar....................................................

1.3 Demarcando as questões da pesquisa ............................................

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26

29

36

2. APRENDENDO POSSÍVEIS CAMINHOS PARA UMA

METODOLOGIA BRINCANTE...............................................

41

2.1 O local do estudo e a professora parceira de diálogo.................... 48

2.2 Construindo um diálogo brincante................................................. 49

3. O ATO DE BRINCAR NA ESCOLA......................................... 54

3.1 Agora não é hora de brincar!..........................................................

3.2 O brincar como tema da aula.........................................................

3.3 O brincar como ato responsável.....................................................

54

61

72

4. POR UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA BRINCANTE............

5. ACABAMENTO PROVISÓRIO................................................

Referências bibliográficas.................................................................

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88

91

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BUSCANDO UMA ESCRITA BRINCANTE

Na minha família, sempre tivemos o costume de tirar fotos dos nossos momentos

juntos, em casa e nos passeios. Temos caixas e caixas de fotos guardadas!

Ao olhar para as fotos e buscar aquelas que me mostravam brincando, percebi que

tinha um acervo enorme!

Emocionei-me ao perceber o quanto o brincar se fez presente em minha constituição

humana. Alguns elementos destas experiências resgato e dialogo até hoje no meu modo de

pesquisar!

Percebi que já fui

brinquedo

dos meus pais!

Revisitei momentos do meu

aprender a brincar com o

corpo!

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Meu pai, sempre foi aquele amigo mais experiente, que nos apresenta esse mundo do

brincar...

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Foi com ele,

que aprendi

a jogar bolinha de

gude...

subir nas coisas...

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montar e

empinar pipa...

dirigir carros em alta

velocidade...

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e bicicletas também!

Levei tombos nesses trajetos e descobri que

algumas brincadeiras

machucam!

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Descobri

que adorava subir

nas árvores!

Tinha inúmeras

fotos lá no alto!

Talvez, ensaios

de olhar o mundo

de outro lugar...

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Sempre adorei uma bola!

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Porém, o que mais me chamou atenção ao entrar nesse mundo das memórias...

Foi perceber que todas essas experiências que me constituíram ser brincante, me

permitiram aprender, sobretudo, como olhar para o brincar!

Olhar cuidadoso e amoroso do meu pai, que ao brincar comigo, via, de dentro da

brincadeira, possibilidades para me ensinar a caminhar de forma sensível pelo mundo...

Mas, sobretudo, de minha mãe, fotógrafa e narradora de todos esses momentos que

partilho, aqui, agora!

Em tudo

eu via a voz de minha mãe

Em tudo

eu via nóis (EMICIDA)

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O ato de olhar para o mundo, as coisas, os outros...

Olhar reconhecido, mediado...

Olhar humanizado no encontro...

Olhar que escuta, que responde...

Olhar dialógico...

Olhar que não se restringe aos olhos...

Olhar com os ouvidos, com as mãos, com as emoções, com o coração...

Olhar de Corpo Inteiro...

Olhar sempre com um ponto de vista...

Olhar que se permite ampliar com os outros?

Olhar que impõe e não permite borrar sua identidade?

Olhar diferente, mas não indiferente...

Olhar que precisa de outro olhar para se perceber...

Olhar inconcluso, inacabado...

Como sensibilizar e tornar o olhar dialógico?

Como sensibilizar o olhar que se fecha para outros olhares?

Olhar que constrói, desconstrói e dinamiza realidades provisórias...

Como seria o mundo, as coisas, os outros, se apenas alguns olhares fossem possíveis?

Como seria, se vários olhares fossem possíveis?

Que mundos poderíamos borrar?

Que outros mundos poderíamos criar?

Percebi que muito do que realizo no meu ato de pesquisar e olhar o brincar no

cotidiano da escola tem diálogo com o que meus pais já faziam comigo na infância. Sem

saber, minha mãe, narradora fotográfica do brincar, mostrou caminhos para o que hoje realizo

como pesquisador. Sinto que o processo de construção da minha metodologia de pesquisa seja

anterior ao estudo na graduação. Talvez, ela tenha começado, nas marcas da minha

experiência como brincante, nos diálogos e aprendizados que tive com os meus pais que, no

decorrer da formação, encontrou caminhos para se renovar e (re)contextualizar.

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Com essas compreensões em processo de amadurecimento, sentia que, cada vez mais,

me aproximava do encontro com um campo que me interessava. Foi com Elaine, minha

orientadora e parceira de diálogo, desde 2013, que a vontade de estudar o brincar se

concretizou. Durante suas aulas, aprendi a valorizar o meu modo de olhar para o brincar e

ampliar a compreensão sobre sua inserção no mundo cultural, sua importância no contexto

educativo, assim como, problematizar o seu significado no contexto escolar. Quantas vezes fiz

a sua disciplina de Jogo? A cada leitura, ampliação do olhar e confirmação da escolha do tema

de estudo.

Encontrei com ela, mais do que uma oportunidade de estudo, aprofundamento em um

tema específico, mas, sobretudo, fui acolhido e tive abertura para reaproximar minha história

brincante com minha atuação profissional e acadêmica.

Elaine é daquelas que brinca de dar aula, brinca de ensinar, brinca de viver e nos

convida, com seu sorriso, a brincar junto.

Vislumbrar esta possibilidade de existir no mundo, me encantou na época e me faz

continuar na parceria até hoje!

Percebo que essa abertura para o diálogo, para a reflexão conjunta que sempre

tivemos, algo tão familiar na minha constituição humana, potencializou a minha formação de

pesquisador.

No descomeço era o verbo.

Só depois é que veio o delírio do verbo.

O delírio do verbo estava no começo, lá, onde a criança diz:

Eu escuto a cor dos passarinhos.

A criança não sabe que o verbo escutar não funciona

para cor, mas para som.

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Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.

E pois.

Em poesia que é voz de poeta,

que é a voz de fazer nascimentos –

O verbo tem que pegar delírio.

(MANOEL DE BARROS)

Como fazer nascimento do contínuo? Como (re)iniciar o contínuo do processo de

investigação, que aconteceu em tempo-espaço outro da escrita atual? Como fazer nascimento

de uma pesquisa, de uma escrita sem ter dúvidas? Ou melhor, sem mostrar as dúvidas que me

permitiram chegar até aqui? É possível produzir novos conhecimentos sem ter perguntas a

serem respondidas? É possível compreender o processo de produção de respostas sem

conhecer as dúvidas?

Estou cheio de dúvidas que me mobilizam, me deslocam, me deixam com medo de

começar a escrever.

O que fazer? Passar por cima e fingir que elas não estão aqui? Tentar me abrir para

escutar e compreender o porquê tanto elas me mobilizam?

Talvez sim...

Talvez não...

Possibilidades...

Vou arriscar um primeiro ato, um primeiro passo então. Talvez, nem tudo precise de

respostas acabadas, talvez nem tudo “funcione” como a regra diz. Escolho, então, o caminho

de não esconder a constante existência das dúvidas. Mesmo que sem respostas prontas, a sua

presença cotidiana na nossa existência é o que, talvez, nos permita continuar o caminhar e

agir.

Se já soubéssemos as respostas, se as respostas já encontradas acabassem em si

mesmas, não haveria a necessidade de olhar por outros pontos de vista, traçar novos caminhos

e novas perguntas.

Qual seria a importância de uma investigação, se as respostas já produzidas apagassem

por completo a possibilidade de re(com)figurar as respostas e, sobretudo, as perguntas?

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Chamo sentidos às respostas a perguntas. Aquilo que não responde a

nenhuma pergunta não tem sentido para nós (BAKHTIN, 2017, p.41)

Ao longo da pesquisa fiz muitas perguntas, sobre o brincar na escola e na Educação

Física; sobre identidade, linguagem, diálogo e escrita; sobre como pesquisar e investigar o

brincar na relação com o campo e os sujeitos que atuam ali.

Penso que esta narrativa, além de tratar destes temas, na medida em que escolhe o

caminho das dúvidas, tem uma dupla responsabilidade: a primeira justamente de explicitar e

partilhar estas dúvidas, inquietações, incertezas, incompletudes, medos e perguntas. Todavia,

percebo também a responsabilidade de contar como construí respostas, como dei sentido e

resolvi provisoriamente algumas questões que atravessaram a minha trajetória de investigação

sobre o brincar.

Diante desta dupla responsabilidade, de mostrar e contar sobre as dúvidas que me

permitiram deslocamento e as experiências de investigação, é possível perceber que o que

pretendo escrever neste texto já anuncia a necessidade de um tipo diferente de comunicação.

Talvez, mais coerente e fiel ao conteúdo.

Todavia, outras inquietações começam a rondar meu pensamento:

Quem estará do outro lado lendo minhas palavras?

Para quem estou escrevendo?

Com quem quero me comunicar?

Com quem quero partilhar o que descobri no percurso da pesquisa?

Não consigo começar a escrever sem ter claro, para mim mesmo, que tipo de texto

estou escrevendo. Escrevo rascunhos... descumpro prazos de entrega.

Dependendo de quem ler, muda tudo! Muda minha maneira de dialogar e interlocutar!

De imediato, sei que minha orientadora e minha banca, com certeza lerão! Talvez alguns

amigos também...

Mas, ficaria muito feliz se professores se aproximassem desta escrita! Penso que

talvez, ao partilhar e contar as minhas experiências de investigação, eles... vocês... sintam-se

tocados, mobilizados ou instigados para também começar a ouvir suas dúvidas, organizar e

sistematizar as suas próprias narrativas.

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Gostaria que este texto, que busca brincar com os limites que afastam a academia da

escola, o professor do pesquisador, contribuísse com a abertura de novos espaços de diálogo e

possibilidades de compreensão sobre a produção de conhecimento.

Aqui não pretendo apresentar soluções rápidas e imediatas para os desafios do brincar

na escola. Tampouco gostaria de fazer discussões cansativas sobre um brincar “abstrato”,

desconectado do cotidiano, desconectado da vida e da atuação docente. Esse é um tipo de

escrita e produção de conhecimento que não me agrada. Não me agrada porque parece que se

afasta e não se responsabiliza necessariamente pelo encontro com quem está lendo.

Assim, me agrada mais pensar e tentar estabelecer um diálogo. Diálogo com quem

deveria mais importar em um texto preocupado com a Educação... os professores.

Na maioria das vezes, até mesmo em textos que tratam de prática pedagógica e

atuação docente, vocês, nós, professores, somos deixados de lado e não somos convidados

para a conversa. Não somos convidados para brincar na interpretação e reflexão conjunta!

Por conta disso, gostaria que vocês se aproximassem desta narrativa, que propõe uma

escrita outra. Escrita outra que não subestima a sua capacidade de reflexão sobre o cotidiano

escolar, e, tampouco, exige e pretende que você seja um leitor assíduo de Bakhtin, Vigotski

ou qualquer outro pensador que citarei aqui, para se sentir implicado com o que estou

discutindo. Eu também estou em processo de constituição como escritor, pesquisador e trago

as citações, justamente para me ajudar no aprofundamento das reflexões e amadurecimento

das compreensões.

Penso que para que se consiga ser compreendido, é necessário mais do que a escrita

rebuscada, mas, talvez, como nos disse Manoel, um caminho possível seja mais simples... o

investimento no delírio do verbo, no delírio da palavra, no delírio das expressões, como

possibilidade de tecer respostas e sentidos para as perguntas da pesquisa.

Ao tentar escrever de forma outra, percebo que ela exige esforço, dedicação, reflexão

tanto de quem constrói o texto, quanto de quem o lê, pois busca-se, sobretudo, o encontro no

diálogo!

Assim, para dialogar precisamos de abertura para encontrar com outros. Outros que,

por serem diferentes, nos colocam em movimento, em dinâmica. Minha escrita brincante

dialoga com os outros que leio, com os outros que me circundam, com os outros de mim

mesmo para se constituir texto!

Mas também com você, meu caro leitor, para se constituir sentido!

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Por isso, como busco diálogo, me esforço aqui para construir essa escrita brincante.

Todavia, necessito da sua abertura e implicação para brincar junto comigo!

Como pesquisador brincante, acredito que o texto de dissertação é espaço de reflexão,

mas, sobretudo, possibilidade de tensão, disputa e transgressão.

Como autor desta investigação, cada vez mais, acho necessário romper com os limites

do suposto distanciamento, neutralidade e assumir minha condição de autor participante desta

pesquisa! Penso, sobretudo, no meu lugar dentro deste tipo de escrita!

Coloco-me na primeira pessoa do singular e assumo uma identidade! Todavia, na

perspectiva que gostaria de adotar, assumir identidade, representa algo diferente de me fechar

e fixar em um lugar acabado, enquadrado. Significa, sobretudo, colocar-me em lugar

constantemente provisório, circunscrito, inacabado, cheio de dúvidas... como um EU que no

ato de observar, dialogar e interlocutar com OUTROS, se abre para transformar e constituir

junto.

Esse movimento de olhar e escutar com mais sensibilidade, me parece uma

possibilidade interessante para contribuir com mudanças na escola.

Para muitos, esse movimento seria indevido, para outros, apenas uma mudança no

lugar de escrita! Todavia, coloco como um esforço possível e, talvez, fundamental para

escrever brincando sobre o brincar escolar!

O que eu via antes, no agora já mudou, tornou-se outro. O que desloca, excede, muda,

normalmente é apagado em uma escrita acadêmica que preza pela certeza, pela verdade

universal, pelo distanciamento e neutralidade do pesquisador com seu objeto.

Falar do meu lugar singular, do EU em diálogo com OUTROS, significa que não estou

concordando com a rigidez de ocupar uma identidade fechada, um lugar fixo e acabado.

Rigidez também encontrada no contexto da escola, na atuação dos professores.

Significa que estou me assumindo como sujeito, como interlocutor e me colocando,

sim, em algum lugar! No lugar do movimento do brincar de pesquisar o brincar!

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Assumo, assim, caminhar em um terreno movediço, sempre provisório, inconcluso,

incerto, turbulento e aberto para as descontinuidades e incertezas. Coloco-me no estudo como

pesquisador que reflete sobre o próprio processo de constituição na relação com o tema e com

os sujeitos do estudo!

Brincar de pesquisar o brincar, se constitui nesse gesto constante e ininterrupto de

pular de um lado para o outro e tentar compreender como o diálogo e a compreensão se

construiu... diria então, que sou um professor-pesquisador-brincante em estado de

incompletude e constituição no diálogo!

A maior riqueza do homem é a sua incompletude [...]

Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,

que puxa válvulas,

que olha o relógio,

que vai lá fora,

que aponta lápis,

que vê a uva etc. etc.

Perdoai

Mas eu preciso ser Outros."

(MANOEL DE BARROS)

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1. SOBRE AS MARCAS DO BRINCAR

1.1 O que estou chamando de brincar?

Gostaria de começar esta narrativa, partilhando algumas reflexões que teci com as

minhas leituras sobre o brincar, assim como, com investigação das marcas do meu próprio

envolvimento como brincante.

O psicólogo russo, Vigotski (2007), percebe em seus estudos a relação do aprendizado

do ato de brincar com o desenvolvimento psicológico dos seres humanos. Para ele, brincar é

parte fundante do processo de aquisição das capacidades de se utilizar linguagem, capacidade

de se comunicar e pensar, não mais por meio de estímulos e respostas, mas de forma mediada

pela cultura, pelos signos.

Compreendo cultura como esse conjunto complexo, inacabado, dinâmico de signos,

produzidos pelo próprio ser humano em suas relações sociais e históricas. Ao entrar em

contato, acessar e incorporar estes signos, nos constituímos humanos, afirmando nosso

pertencimento social.

Segundo Vigotski (2007), no encontro, no diálogo com outros seres humanos

iniciamos nosso processo de imersão neste mundo cultural, neste mundo semiótico. Desde o

nosso nascimento, os gestos dos nossos pais, o som das suas palavras, as roupas vestidas, a

comida que nos é dada, enfim, todo esse conjunto de atos corporais, afetivos, culturais,

deixam marcas na nossa constituição (PINO, 2005).

No nosso desenvolvimento, o que antes era exterior, do outro, torna-se nosso,

partilhado. Os signos que nos permitem dialogar, tornam-se material da consciência,

permitem a nossa participação no processo de significar o mundo, as coisas, assim como as

nossas próprias experiências. Vigotski (2007) e Bakhtin (2017) chamam atenção para a

constituição semiótica de nossa consciência.

Trago estas considerações, pois concordo com Vigotski e acredito que, para brincar,

necessitamos deste processo de incorporação da cultura, processo de marcar na carne, no

corpo, os signos.

Em perspectiva próxima, Brougère (1998) sociólogo francês, nos mostra que o brincar

é manifestação produzida pelos próprios seres humanos, nas relações sociais e históricas. É

parte da cultura socialmente compartilhada que precisa de aprendizado para se realizar. E que,

como qualquer ato humano, pode ser significado de diferentes formas, de acordo com o

contexto de sua realização.

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Todavia, o mundo da cultura, apesar de complexo, inacabado, dinâmico, se mantém,

sobretudo, na repetição, na identificação das coisas, dos atos e das experiências. O brincar,

como ato criativo, curioso, contestador, se consolida no descolamento dos significados das

coisas, dos objetos, das ações. Ele deflagra o caráter de provisoriedade dos significados, pois

tecemos outras relações, imaginamos outras possibilidades, criamos outras realidades e

conferimos outros sentidos.

Assim, chamo atenção para uma importante questão: Apesar de ser manifestação

produzida coletivamente, não podemos esquecer que brincar é ato, ato singular e

espontâneo de conferir sentidos outros ao mundo.

Certamente, dentro do escopo do jogo ou do brincar, as crianças encontram

muitos objetivos e finalidades intrínsecas aos próprios atos. Desejam subir, e

se esforçam até conseguir. Constroem cabanas que acolham seus desejos.

Jogam para ganhar. Nisso aplicam conhecimento, finalidades, relações

causais, desenvolvimento motor [...] os objetivos e finalidades estão

colocados pela criança, na manifestação genuína de seu brincar. Por isso,

dizemos de um brincar espontâneo. (MEIRELLES et al, 2016, p. 9)

Assim, quando brincamos junto com colegas, parceiros, no que aparentemente

parece ser o mesmo ato, com significação social estabilizada, quando olhado mais de perto,

com mais cuidado, com mais atenção, para o sentido e percepção singular da realidade

atribuído por cada sujeito brincante, revela-se outro.

Diante da provisória estabilidade do significado, das identidades, da repetição, da

aproximação e semelhança concedida pela cultura ao ato de brincar, rompemos com essa

lógica e brincamos em outra dimensão, muito mais próxima do imaginário, da relação

dialógica, do campo da produção de sentidos! Nossos atos respondem a outros atos e abrem

possibilidade de novas respostas.

É justamente nesse encontro do mesmo com o outro, da identidade com a alteridade,

da repetição com a diferença, da pergunta com a resposta, da cultura com a vida, que a

dinâmica do brincar se concretiza.

Como ato, o brincar está circunscrito e contextualizado em tempo e espaço presente.

Brincamos no existir histórico do agora! Sim, nesse agora que nos escapa constantemente,

como o vento que nos atravessa no simples balançar.

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(FOTO DO ACERVO PESSOAL DO PESQUISADOR)

O gesto brincante, que escapa assim como o agora, nessa perspectiva, torna-se

único e irrepetível. Apesar de aparentemente ser o mesmo balançar, nessa dinâmica de vai e

vem, revela-se sempre outro!

Porém, não se engane, apesar de único e irrepetível, o ato presente deixa suas marcas e

dialoga com atos do passado para se constituir. O que já existe no mundo estabelece diálogo,

torna-se base para o presente e se renova nesse encontro. Encontro que conserva, mas também

afasta o que os sujeitos consideram adequado, permitindo a produção de efeitos e abertura de

possibilidades de futuros outros. O ato de brincar é, sobretudo, um ato dialógico entre

presente, passado e futuro.

(FOTO DO ACERVO PESSOAL DO PESQUISADOR)

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Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto

dialógico (este se estende ao passado sem limites e ao futuro sem limites).

Mesmo os sentidos do passado, isto é, nascidos no diálogo dos séculos

passados, jamais podem ser estáveis (concluídos, acabados de uma vez por

todas): eles sempre hão de mudar (renovando-se) no processo do futuro

desenvolvimento do diálogo. Em qualquer momento do desenvolvimento do

diálogo existem massas imensas e ilimitadas de sentidos esquecidos, mas em

determinados momentos do sucessivo desenvolvimento do diálogo, tais

sentidos serão relembrados e reviverão em forma renovada (em um novo

contexto). Não existe nada absolutamente morto: cada sentido terá sua festa

de renovação. (BAKHTIN, 2017, p. 79)

Fico pensando, então, que o brincar, é agir que não se fecha nos significados

estabilizados socialmente, mas que tenta compreendê-los e abrir-se para festejar a renovação

dos sentidos. Como ato, o brincar é um modo de utilizar e dar nova vida à cultura, um

modo de utilizar a linguagem, um modo outro e possível de se expressar, pensar e existir

no mundo que nos cerca!

Eu encontrei um bando de crianças com uma pipa na mão e os outros

atrás dizendo: Batiza! Batiza! Batiza!

Eu parei e perguntei: Gente o que vocês estão batizando?

O menino, disse assim: Aquela pipa, porque o menino usou o fio

inteiro da linha. A pipa é batizada e ninguém mais pode cortar ela!

Ai eu associei: Brincar para mim, é usar o fio inteiro de cada ser!

Quando você está usando o fio de vida inteiro, você está brincando! E

é profundamente sério isso!

(MARIA AMÉLIA PEREIRA)

1.2 Brincar na/com a cultura escolar

ENTRE DRIBLES E FUGAS1

Em 2001, eu, Gabriel, pequeno, magrelo, ligeiro, brincante, estava na

segunda série. Nessa época senti algo que acho que todo mundo já sentiu

um dia... sabe quando a gente aprende uma brincadeira nova? Aquela

sensação de arrebatamento que nos movimenta e coloca em tensão!

Parece que brincar só uma vez, não basta! Queremos sempre uma vez mais,

na tentativa de tentar sentir novamente o que passou. Repetir as

1 Optamos por destacar as narrativas com outra fonte, como forma de diferenciação no texto.

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experiências vivenciadas antes! Pois é, senti isso quando aprendi o Pique

Bandeira!

Lembro bem daquela sensação... me sentia um guerreiro dentro de uma

arena de batalha! Era muito legal perceber como meus adversários se

organizavam, como o terreno se produzia, configurava, fechava caminhos,

abria brechas e frestas nas diversas movimentações... poder construir

estratégias de ataque e correr o mais rápido possível desviando, com fintas e

giros, de quem estivesse na frente...

Admito, não gostava tanto de ficar na defesa! Defesa tem outras formas de

ação. No momento da corrida, da fuga, do drible, a visão em estado de

turbulência e o vento batendo veloz no corpo eram as sensações que mais

me encantavam!

Aprendi o jogo nas aulas de Educação Física e, a todo momento que podia,

junto com meus colegas de escola, tentávamos organizar uma nova partida.

Brincávamos no/com o pátio, sala, quadra... enfim, onde conseguíamos.

Para representar as bandeiras, utilizávamos estojos, tênis, caixinhas de bala,

papel! O que tínhamos por perto! Era uma daquelas práticas que viram febre

na escola, sabe? Porém, como febre, dependendo da perspectiva, ela

também pode ser controlada e combatida...

Um certo dia, bem cedinho, antes do começo das aulas, começamos a

brincar no pátio da escola, que, para nós, era espaço mais que propício

para a prática! Chão plano de cimento, as linhas marcadas com uma pedra

do “bosquinho”!

Brincamos bastante naquele dia e o que no começo era um pequeno

grupo, ficou cada vez maior com a chegada de outros colegas. As

inspetoras olhavam de longe, parecendo avaliar os riscos, mas não falavam

nada, sinal de que não estávamos fazendo nada de errado, certo? Nem

tanto!

Eis que desce a Diretora da escola, com passos largos, expressão fechada,

sem muita conversa e solicita que a brincadeira termine! Segundo ela,

estávamos brincando em tempo e espaço inapropriado.

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Quando a gente tem 7 anos, os códigos da cultura escolar ainda estão em

processo de incorporação, ainda não compreendemos muito bem os seus

significados. O que é certo e errado? O que é apropriado e o que não é?

Assim, perguntamos o motivo de não ser permitido brincar ali. Realmente

ficamos na dúvida, pois era uma brincadeira que havíamos aprendido

dentro da escola, na própria aula de Educação Física! Como agora ela

poderia ser proibida? A Diretora sem muita paciência, entendeu o

questionamento como uma afronta às normas e além de acabar com a

brincadeira, pediu que eu e mais três colegas subíssemos na sua sala para

uma conversa!

Fiquei extremamente apreensivo! Ser chamado na sala da Direção

provocava em mim tensão similar à de alguém que cometeu um delito

grave!

Sentamos todos nas cadeiras, em volta de uma grande mesa de madeira.

Sem explicar novamente o que tínhamos feito de errado, ela solicitou nossas

agendas. Na época elas eram utilizadas para que a escola se comunicasse

com as famílias. Todos entregamos, menos um dos meus colegas. Ele havia

esquecido a agenda no dia e recebeu a anotação em um papel.

O escrito curto era o mesmo para todos, lembro pouco do que estava

escrito de fato, mas me recordo muito bem das marcas daquelas palavras

na minha constituição! Suspeito que era algo mais ou menos assim:

“Senhores pais, encaminho esta carta para informar que nesta manhã, antes

do início das aulas, o aluno Gabriel Spolaor, descumpriu as normas da escola

ao brincar em espaço e tempo inapropriado! Peço que uma conversa seja

feita para que isso não volte a acontecer! Lembro também que a escola é

espaço de estudo e aprendizado! Atenciosamente Diretoria do Colégio!”.

Fiquei extremamente chateado no dia, era a primeira anotação que

ganhara em toda a minha vida escolar. Fiquei me sentindo como o pior

aluno da escola. Ocupar esse lugar de infrator não era algo que me parecia

confortável. Passei o resto da manhã quieto nas aulas. No recreio decidi não

participar de nenhuma outra brincadeira, fiquei apenas comendo sentado

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em um banco. Na volta para casa, ainda em silêncio, decidi não contar

para a minha mãe. Esperei meu pai chegar em casa e mostrei o bilhete para

os dois juntos. Contei o que aconteceu e levei uma boa chamada de

atenção!

Ver meus pais decepcionados comigo, diante de tanto esforço que eles

tinham para possibilitar o meu estudo, era uma sensação horrível de sentir!

Além da bronca, passei a noite proibido de brincar, pensando no que fiz de

errado. O único problema era que ainda não havia compreendido o que de

fato eu tinha feito de errado!

As chamadas de atenção me deixaram triste, me marcaram com uma

identidade que eu não concordava em assumir. Além disso, a dúvida de

não compreender o que havia feito de errado, me deixou com raiva! Nos

dias seguintes da semana, observei vários momentos da rotina da escola e

junto com alguns colegas armamos o contragolpe, decidimos mudar o local

da brincadeira, pois ficar sem brincar não era uma opção válida para nós!

Mais ou menos no mesmo horário de entrada, organizamos uma partida não

mais no pátio, mas em um corredor largo, nos fundos da escola. Sabíamos

que ali não seríamos vistos. Tensão a flor da pele pela dinâmica do brincar e

também pelo medo de levar outra anotação. Porém, com apenas alguns

minutos de brincadeira, resultado incerto, uma das inspetoras da escola nos

avistou! Aproximou-se rápido, gritando e pedindo que parássemos de

brincar!

Saímos em debandada! O que antes era uma disputa entre guerreiros de

reinos rivais, transformou-se em um grupo de fugitivos da “polícia”!

Abandonamos as bandeiras/caixinhas de bala no chão, que logo tornaram-

se provas do nosso “crime”. Nos escondemos até o início da aula, sentia

aquele frio na barriga, de quem sabe que fez coisa errada (mesmo quando

não entendíamos muito bem o que era).

No meio da primeira aula, a porta bate, vejo a Diretora pelo vidro. Boa coisa

não vinha! Não era mesmo, eu e meus “camaradas” fomos chamados

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novamente para uma conversa! A segunda vez na semana! Novo record da

turma!

Em sua sala, a Diretora repreendeu nossa atitude de brincar em

espaço/tempo indevido e ainda fugir da inspetora! Indisciplina como esta

era inadmissível no contexto escolar! Dessa vez ela explicou que não

podíamos brincar porque esta prática atrapalha nosso rendimento e

concentração no estudo, além de logo cedo já ficarmos todos suados e

fedidos.

Novamente ela solicitou a agenda para fazer a anotação. Porém, sabendo

dos efeitos que aquilo traria quando chegasse em casa, sem concordar

muito com o que acabara de escutar, em questão de segundos lembrei da

cena do meu colega recebendo o bilhete no papel e sem pensar duas

vezes, eu minto! Disse que esqueci a agenda em casa!

Naquele momento senti chateação por novamente estar ocupando o lugar

de aluno infrator, indisciplinado, mas também, alegria e vontade de rir, por

me perceber no meio de uma finta, muito bem feita, na adversária que

estava quase me pegando e congelando! Escapei de raspão!

Com o bilhete/bandeira na mão, tinha de retornar para meu território sem

ser pego novamente. O território agora não era mais a minha casa, mas o

lixo! Chegar nele, garantiria a minha liberdade! No entanto, não podia ser

qualquer lixo... passei as aulas pensando, refletindo e preparando uma

estratégia.

Se jogo na sala, a professora me pega...

O banheiro na época, por algum motivo que não me recordo agora, não

veio na minha cabeça.

Em casa, meus pais poderiam ver e ficar sabendo do ocorrido...

Sobrava apenas o lixo do pátio, perto da saída da escola!

Sinal toca, bandeira no bolso. Observo o campo adversário e nenhuma

inspetora a vista. A brecha estava aberta! Corro o mais rápido que posso...

visão novamente em estado de turbulência, desvio dos alunos do ensino

médio, chego perto do lixo e solto o papel amassado! Nesse instante,

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consegui transgredir o limite que dividia o campo da brincadeira... o campo

das normas... o campo das identidades... volto a ser Gabriel, pequeno,

magrelo, ligeiro... brincante!

Apesar das inúmeras características descritas sobre o brincar, quando o observamos na

escola, temos que compreender a sua relação de tensão no encontro com a cultura escolar.

Entendo cultura escolar por um conjunto de práticas, valores, normas, ideias e

procedimentos que se expressam em modos de fazer e pensar o cotidiano da escola. Esses

modos de agir e de pensar (representações, atitudes, discursos, ações, punições, formas de

controle e avaliação, dentre outros) são compartilhados, assumidos e internalizados (muitas

vezes não refletidos e/ou colocados em debate) pelos sujeitos na e da escola, tendo como

objetivo a orientação, a inculcação de valores e o direcionamento desses sujeitos para

desempenharem determinadas tarefas cotidianas com eficiência e disciplina, segundo as

normas postas pela instituição (CANDAU, 2013).

A cultura escolar torna-se, assim, elemento resultante sempre provisório e inacabado

da negociação entre diferentes culturas, do encontro entre sujeitos de diferentes lugares

sociais, que, no agir, deixam suas marcas no processo de significação da escola (CANDAU,

2013). Nesse sentido, podemos dizer que todo o conjunto de práticas que acontecem no

interior da escola, é permeado e atravessado pela cultura escolar, inclusive o brincar.

Incluímos também, nesse conjunto de práticas, a própria educação do corpo dos

sujeitos que ali interagem. Corpo que acessa, aprende, incorpora esse conjunto de sentidos e

significados presentes e circulantes na cultura escolar. Corpo que, na relação com a cultura,

encontra limites e restrições, caminhos e possibilidades para agir e se constituir. Corpo como

signo a ser interpretado e compreendido, mas também, modelado, controlado, docilizado em

sua possibilidade de expressão na trama cultural complexa e contraditória das práticas

escolares. Práticas que acontecem a cada instante, a cada momento da rotina. São olhares,

gestos, discursos que deixam marcas e inscrevem nos corpos, as formas de ser e agir no

contexto da escola (FONTANA, 2001).

Em cada tempo e espaço da rotina escolar os corpos encontram diferentes

possibilidades de expressão. Cada escola pensa no seu funcionamento, distribuição de tempos

e ritmos em relação com os diversos espaços físicos, organização da jornada de trabalho dos

funcionários, número de alunos, além das demandas colocadas pelas diferentes redes de

ensino (FORQUIN, 1993).

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Assim, a forma como o corpo interage, aprende e se constitui na rotina escolar é

produzida a partir de um sistema de significação e hierarquia específico de cada contexto

cultural, e está permeada por intencionalidades políticas e ideológicas, portanto, não é neutra

(CANDAU, 2013).

Apesar das importantes contribuições do brincar no processo de desenvolvimento da

criança, no contexto da escola atual, dá-se pouco valor ao brincar por ser encarado, muitas

vezes, como perda de tempo, atividade subversiva, sem benefícios que não sejam o

relaxamento ou gasto de energia. Outras vezes é introduzido com um caráter utilitário,

servindo para outros objetivos que não são o próprio brincar, como brincar para ensinar

tabuada, para ensinar as letras ou outros conteúdos (SPOLAOR et al, 2019).

Nessas condições, o corpo na escola passa a ser objeto de controle, medido e

examinado, gerando uma espécie de “assujeitamento” do aluno (FOUCAULT, 1995). Em

virtude disso, a escola sendo detentora de mecanismos disciplinares, reprodutora e reguladora

de ações, carrega consigo dispositivos de controle advindos da própria sociedade.

Sob essa perspectiva, no âmbito escolar, o corpo controlado sobrevém das relações de

poder que ocorrem mediante um misto de táticas e estratégias que fomentam a normalização.

Esse poder, por consequência, promove a disciplinarização e a naturalização quanto às

práticas escolares e o governo dos corpos em tempos e espaços esquadrinhados. O corpo

controlado é produto de um processo de produção e reprodução de normas, regras e discursos

que, por seu turno, normatizam e limitam as possibilidades de expressão das crianças

(FOUCAULT, 1995).

Devido ao contexto e suas especificidades, muito diferentes de outros lugares, o

brincar na/com a cultura escolar deixa algumas marcas. Marcas corporais que nos concedem

identidades produzidas tanto pelas narrativas das próprias brincadeiras, mas, sobretudo, pelas

narrativas da cultura escolar que significam o brincar.

Somos Corpo Aprendiz, no sentido que Fontana (2001) trabalha em seu texto. Quando

entramos no contexto escolar e acessamos as culturas que ali circulam aprendemos

corporalmente as formas permitidas ou não de gestualidade, expressão, pensamento e ação.

Nossos corpos são modelados, conformados para se encaixar nas identidades desejadas pela

instituição no processo disciplinar de formação.

Ao estudar o brincar escolar, penso que não há possibilidade de fuga e isenção desta

lógica disciplinar por completo. Porém, acredito na existência de formas de questionamento

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possíveis. Por isso, tratar do brincar no contexto escolar, se aproxima muito de uma

possibilidade de resistência e tentativa de transgredir o que está posto.

Transgredir se constitui nesse movimento dialógico de ler, interpretar o contexto, o

lugar, as identidades em que estamos inseridos, imersos, conformados... compreender as

linhas, os limites, as brechas, as fissuras na busca de deslocamentos, rupturas provisórias e

possíveis naquele instante... instante, pois nosso movimento produzirá efeitos... e, certamente,

no momento seguinte, o contexto já será outro, reorganizado para que novos escapes e

rupturas não voltem a acontecer.

Brincar na/com a cultura escolar deixa marcas que nos constituem como sujeitos.

Assumimos identidades dentro das brincadeiras. Identidades estas que nem sempre

correspondem com a identidade de estudante desejada dentro da escola. A escola tem a função

republicana de garantir o acesso à cultura produzida pela humanidade. Ela é responsável pelo

processo de humanização dos sujeitos, na medida em que trata pedagogicamente da cultura

(GONZÁLEZ e FENSTERSEIFER, 2009).

Porém, para cumprir com esta responsabilidade, durante o processo de realização, atua

como maquinaria de um sistema mais amplo de formação, que disciplina, controla e conforma

os corpos (VARELA e ALVAREZ-URIA, 1992).

Assim, no contexto escolar é possível perceber o encontro, tensão e atrito, destes

diferentes modos de ser, agir, pensar as identidades dos sujeitos. Justamente nesta disputa por

maior legitimidade, disputa de narrativas médicas, psicológicas, pedagógicas e também,

brincantes, que a escola torna-se palco de luta e resistências, de modos de controle e

transgressão, que visam manter ou alterar as regras e normas institucionais.

1.3 Demarcando as questões da pesquisa

Diante do que partilhei sobre meu olhar para o brincar, para a cultura escolar e para o

processo de investigação, gostaria de dividir as questões que provocaram o início deste

estudo, assim como os objetivos que orientaram a pesquisa.

Acredito que um primeiro motivo de estudar o brincar na escola, já ficou explicitado.

Tem relação com a minha própria constituição e história de brincante. A narrativa sobre o

pique-bandeira é apenas uma, de várias outras experiências que vivenciei. Nelas, a rigidez das

escolas que estudei, muitas vezes, sem sentido claro, me chamava muita atenção. Mais que

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isso, me permitiram, hoje, aproximação com outros brincantes e a compreensão de seus atos

de forma mais sensível.

Todavia, para além destas experiências, quando entrei na graduação em Educação

Física, comecei a estudar o brincar. As leituras e discussões me movimentaram, me deixaram

com dúvidas. Permitiram-me resgatar o Gabriel brincante e também, aprender sobre um outro

lugar, o de Gabriel professor.

As dúvidas também me fizeram ir atrás de mais pesquisas que tivessem tratado do

tema do brincar. Ao ler alguns estudos (NAVARRO, 2009; SILVA, 2010; AZEVEDO, 2012;

OLIVEIRA, 2013; FABIANI, 2016), percebi, na época, que eles tinham como foco principal,

compreender como o brincar aparecia no contexto da escola, em diferentes níveis de ensino e

propostas. Eles trouxeram muitas contribuições para a minha formação, assim como para a

área da Educação, principalmente por tratarem do brincar/jogar na Educação Infantil, na

transição para os anos iniciais do Ensino Fundamental I, na Escola de Tempo Integral (ETI),

do papel exercido pelos professores, sua relação com os conhecimentos tratados nas aulas,

sobre o recreio, entre outros temas.

No início, o brincar nos diferentes momentos da rotina me chamava atenção. No

entanto, mais do que o mapeamento e descrição que aquele conjunto de pesquisas ofereceu, as

questões que o Gabriel pesquisador de Iniciação Científica (IC) tentava responder eram: Qual

o significado do brincar no contexto escolar? Como as/os docentes significam o brincar nos

diferentes momentos da rotina?

Estas foram as perguntas principais das minhas primeiras pesquisas, que

posteriormente transformaram-se em TCC. Na época, devido a grande proliferação de

discursos e políticas públicas de implementação de Escolas de Tempo Integral, esse foi o

contexto escolhido para a investigação. Acompanhei uma turma de 1º ano durante toda sua

rotina escolar em contato com uma pedagoga e professoras de Educação Física, Artes e

Projetos. Tentava observar, ouvir, sentir, registrar e refletir tudo o que encontrava ali sobre o

brincar. Falas, comentários, broncas, risos, gestos, objetos, compunham o meu material de

trabalho.

Com estas pesquisas, dei continuidade no meu processo de constituição de pesquisador

brincante. Estar na escola, atento para a cultura que circula ali, é, sem dúvida, experiência

muito rica de se vivenciar durante a graduação. Perceber que não só você, mas professores,

professoras e crianças nas relações, nos encontros, estão também em processo de constituição

e formação como sujeitos, incorporando discursos, narrativas, tradições e marcas.

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Sobre o brincar em específico, percebi que ele assume diversos significados de acordo

com os momentos da rotina, assim como, com os espaços onde aparece. Vários são os

discursos veiculados para permitir ou não a sua presença na escola, assim como, sua

ancoragem na pedagogia, psicologia, medicina, experiência, senso comum, entre outros:

“O brincar permite o desenvolvimento motor e cognitivo das

crianças...”

“Chega de brincar, agora é hora de trabalhar, vamos pegar o

caderno!”

“Vocês acabaram de comer, não podem brincar agora, tem que

esperar!”

“Fila não é lugar de brincadeira!!!”

“Se vocês continuarem a brincar, vão ficar sentados do meu lado no

recreio!”

“Brincar é uma forma de expressão da criança, momento de

liberdade dela!”

(FALAS DAS PROFESSORAS INVESTIGADAS - SPOLAOR, 2016)

Ao entrar em contato com a escola, foi possível observar, que, ao mesmo tempo em

que o brincar representa prática divertida, espontânea, descontraída, podia também ser

entendido como um meio para tornar o aprendizado mais prazeroso, como algo

contrário ao estudo e trabalho escolar. Como conteúdo principal das aulas, mas também

como bagunça, indisciplina e mau comportamento. Moeda de troca, forma de

resistência, produção cultural, objeto de ameaças e chamadas de atenção, violência,

entre outros.

Esses discursos mostram não só a pluralidade de sentidos e significados que

circulam e atravessam o contexto escolar, mas, sobretudo, a diversidade de processos de

formação propiciados, tanto para as crianças quanto para os professores, uma vez que isso é

compartilhado, negociado, reformulado, sempre nas relações sociais, inscrevendo a

constituição dos sujeitos.

Nos diálogos e tensões sobre os modos de agir, pensar e se expressar no contexto

escolar, as identidades tornam-se arena de luta e disputa. O discurso que exercer mais poder

para significar a palavra brincar, torna-se legítimo.

No mestrado, com esta pesquisa narrativa, pretendi aprofundar os estudos que realizei

anteriormente. Decidi acompanhar uma professora de Educação Física, na mesma escola em

que realizei as pesquisas anteriores. Todavia, nesta nova investigação algumas questões ainda

pareciam carecer de novas compreensões:

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Quais sentidos/significados constituem o brincar na escola?

Como eles mudam de acordo com os momentos da rotina?

Que tipos de brincar são permitidos?

Que tipos de brincar não são permitidos?

Por que as crianças brincam mesmo quando não podem?

Por que elas brincam no meio de outras brincadeiras?

O que o(a) docente faz diante destas situações?

Como o(a) docente reflete e constrói estratégias para lidar com esse brincar?

Elas dizem respeito ao brincar na escola, não só como conteúdo e meio para o

aprendizado do tema da aula como convencionalmente é estudado, mas também, como forma

de resistência, transgressão e, talvez, pedido de uma prática pedagógica outra, mais dialógica.

Essa multiplicidade de significações do brincar, materializada nas expressões docentes

e também das crianças no cotidiano escolar me provoca. Tira minhas certezas sobre a atuação

docente. Gostaria de compreender melhor, complementando os questionamentos pontuados

acima:

Como, na relação dialógica, docente e crianças produzem ou criam, reproduzem ou

mantém, negociam as significações sobre o brincar?

Como são significadas as ações que escapam da norma? Elas são combatidas,

controladas, ignoradas, permitidas, incentivadas ou ainda algo mais?

Como o brincar torna-se possibilidade de ruptura e resistência às normas da aula?

Quais efeitos ele produz?

Teriam mais inúmeras outras questões para listar aqui, porém, digo, desde já, que,

apesar de buscar refletir e me aprofundar no assunto, a maioria continua ainda sem resposta,

em aberto. Considero isso muito bom, na verdade. Todas servem como pano de fundo para o

movimento da investigação.

Diante destas problemáticas, delimito como objetivo desta pesquisa, compreender as

diferentes significações do brincar que permeiam o cotidiano da escola, assim como, refletir

sobre seus efeitos na constituição e atuação de uma docente de Educação Física.

Na tentativa de elaborar uma narrativa que permitisse partilha dos caminhos traçados e

respostas provisórias para as questões encontradas, organizei o texto da seguinte forma:

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No presente capítulo da narrativa, intitulado “Sobre as marcas do brincar” trago,

sobretudo, o início de uma reflexão sobre as marcas e sentidos que compõem a minha

compreensão do brincar, que constituem as justificativas desta pesquisa existir, assim como, o

olhar para o problema de investigação.

No segundo capítulo intitulado “Aprendendo possíveis caminhos para uma

metodologia brincante”, busco narrar a forma como aprendi, refleti e amadureci esta questão

no meu processo de formação como pesquisador. Penso que esse texto diz muito a respeito de

um modo de olhar o mundo, perceber sua dinâmica e compreender como o conhecimento se

produz e pode ser compartilhado.

No terceiro capítulo começo a partilhar as reflexões que teci, a partir das narrativas

sobre “O ato de brincar na escola”. Ali, é possível compreender os efeitos e aproximações que

as diferentes significações do brincar estabelecem com a prática pedagógica da professora

investigada.

No último capítulo avanço nos desdobramentos da pesquisa, que possibilitaram a

professora participante, refletir e problematizar seu lugar, como controladora do agir das

crianças e passar a buscar “Por uma prática pedagógica brincante”

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2. APRENDENDO POSSÍVEIS CAMINHOS PARA UMA METODOLOGIA

BRINCANTE

Escrever de forma reflexiva sobre o processo de construção da metodologia não é

prática fácil de se realizar. Esse tipo de escrita demanda maturidade, humildade e abertura

para, no diálogo, deslocar o olhar para o próprio caminhar como pesquisador.

Minha orientadora soube, como ninguém, o quanto isso era importante para mim e me

abriu espaço para tentar traçar meu trajeto com autonomia. Mesmo nos momentos em que fui

mais teimoso na argumentação, ela esteve sempre ali, para deslocar meu olhar. Às vezes, com

considerações tão simples, me permitiu compreender elementos que persistiram, por tanto

tempo, no meu pensar. Suas provocações me fazem lembrar, que se não tivesse vivenciado

outros modos de pesquisar, não teria percebido o valor deste processo reflexivo em minha

constituição.

Olhar para si próprio, como outro e refletir sobre como aprendi, e venho aprendendo, a

ser pesquisador no processo das pesquisas, é algo que julgo de extrema importância. Sinto

necessidade de aprender e tomar cuidado com o lugar que, às vezes, insisto em querer ocupar.

Tenho muito o que aprender e compreender ainda, escrever me ajuda a refletir.

No percurso do mestrado, busquei iniciar uma reflexão mais cuidadosa para tentar

encontrar possibilidades para o estudo do brincar. Na procura por caminhos percebi que não

estava só. Encontrei outros brincantes (PRADO, 1992; SERODIO, 2014; PREZOTTO, 2015;

CHAUTZ, 2017; SIMAS, 2018) que também sentiram necessidade de brincar no/com o

processo de investigação.

Resolvi me aproximar, dialogar e aprender. Antes de mim, eles já haviam percebido

que, para produzir uma pesquisa dialógica, brincante, o gênero discursivo e a maneira de

articular sentidos e interpretações sobre os temas de estudo, poderiam e deveriam ser

tensionados, para que conhecimentos outros fossem possíveis de se explicitar.

O mundo da cultura e da literatura é, em essência, tão ilimitado quanto o

universo. Não estamos falando de sua amplitude geográfica (aqui ela é

limitada) mas das profundas idades dos seus sentidos, as quais são tão

insondáveis quanto as profundezas da matéria. A infinita diversidade de

interpretações, imagens, combinações figuradas dos sentidos, de materiais e

de suas interpretações, etc. Nós o restringimos terrivelmente por meio de

seleção e modernização do material selecionado. Empobrecemos o passado e

não nos enriquecemos. Ficamos sufocados na prisão das interpretações

estreitas e do mesmo tipo (BAKHTIN, 2017, p. 33).

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Narrativas, poemas, fotos, memórias, reflexões e tantas outras formas de expressão

possíveis, que marcam a autoria e criação do pesquisador, quase sempre são suprimidas ou

afastadas para as margens dos textos acadêmicos. Porém, aqui, em diálogo com os parceiros

que encontrei na caminhada, outras formas de expressão começaram a ser consideradas como

centrais e principais possibilidades de produção de conhecimento.

Não queria uma pesquisa distanciada e impessoal, mas sim, construída com diálogo.

Talvez, por isso, buscava no campo da linguagem uma abertura. A pesquisa narrativa me

pareceu possibilidade.

Voltei no meu diário de campo do TCC e comecei a reler e refletir sobre meus

escritos. Percebi que durante todas as pesquisas anteriores, nas observações eu escrevia em

forma de narrativa. Algo tão cotidiano para a minha forma de pesquisar, que até então, não

havia tomado consciência. Partilho uma das narrativas que me permitiram esta compreensão:

O brincar e suas várias facetas

A professora pergunta o que eles fizeram na outra aula e fala que eles

precisam se acalmar. Para isso ela chama todos para uma roda e começa a

cantar: "Levanta o braço, faz bambolê, mexe o pescoço, olha para o céu,

vem me dar um abraço..."

Após a música a professora escuta pedido de uma menina e começa a

fazer uma brincadeira de morto/vivo: "morto, vivo, zumbi, vivo em dia de

festa". Quem erra, senta nas cadeiras novamente. Durante a atividade a

professora assume o papel de juíza, além dela falar "vivo ou morto", com

gestos ela faz sinais para cima, para baixo, muitas vezes trocando o sentido

como pegadinha para as crianças. As crianças se arrebatam rápido na

brincadeira, quem vai saindo torce pelos colegas. Quando sobram dois eles

cantam em coro o nome de uma das meninas. Ela ganha e todos vão se

abraçar no meio da sala.

Muitos gritos e a professora faz cara de susto, percebendo que a sala não

para de fazer barulho. Ela escolhe uma criança que empurrou várias outras

para dar bronca! No fim a bronca se estende para todos: "Nós já brincamos,

nós já relaxamos, agora é hora de focar no trabalho e na escrita! Quem não

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conseguir parar de brincar agora, vai ficar sentado comigo no recreio!". Um

dos meninos já havia perdido 5 minutos antes, toma nova bronca da

professora: "Já era perdeu todo o recreio, já era!".

Após a bronca a turma volta à calma, a professora começaria a passar

vídeos para ideias de brinquedos para a caixa do recreio. Porém, o menino

que ela tirou o recreio não para de brincar, ela perde a paciência e decide

tirá-lo da sala. Quando ela sai e deixa a turma sozinha vários alunos

levantam, se empurram, dão estrela e uma menina fala: "O tio tá aqui, senta,

senta!" Eu era o tio que a menina falava. Estava sentado no canto da sala,

olhando para o caderno, fingindo não prestar atenção no que acontecia.

Logo em seguida, uma outra menina percebendo o meu movimento,

responde: "Ele não é professor, ele não vai contar nada!". Por alguns

momentos eles ficaram na dúvida, mas decidiram continuar brincando,

rindo, pulando, se jogando no chão. A primeira menina começa a cantar a

música da vaca amarela: "Vaca amarela, pulou a janela, quem falar

primeiro, come a bosta dela!". Nesse momento a turma toda canta a música

junto com ela e assim voltam para os lugares, sentando-se em silêncio. Logo

em seguida a professora retorna para a sala e vê as crianças cantando a

música. Ela fala que na semana que vem ninguém fará aula na sala de

vídeo, porque não estão aproveitando o espaço da aula, estão brincando

demais. Além disso, complementa: "Não tem problema brincar, no meio da

aula a gente parou para brincar não foi? [tinham feito o morto-vivo] Mas tem

que saber brincar na hora certa, não dá para brincar o tempo todo!"

(TRECHO EXTRAÍDO DO DIÁRIO DE CAMPO, 06/04/2015).

Sentia que depois de tanta busca, havia encontrado um caminho para definir uma

metodologia mais coerente com o conteúdo da pesquisa que gostaria de fazer. Todavia, sabia

que tinha muito o que aprender ainda. Com as aulas, reuniões, estudos e diálogos com meus

interlocutores comecei a tatear esse campo desconhecido.

De acordo com Simas (2018) o surgimento das metodologias narrativas tem relação

com a mudança de um paradigma positivista para um paradigma compreensivo.

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a noção de ciência positivista começou a ser contestada, pois os referenciais

teóricos e metodológicos das ciências naturais já não eram vistos como

meios para compreender as questões das ciências sociais — que possibilitou

que as memórias, as narrativas e as biografias e autobiografias ganhassem

espaço e reconhecimento, como fontes de produção de conhecimentos nas

pesquisas (SIMAS, 2018, p. 200-201).

Pude compreender que a origem da pesquisa narrativa não é propriamente do campo

da Educação, mas sim, das Ciências Sociais de maneira mais ampla. A tentativa era construir

uma forma de produzir conhecimento a respeito da experiência do ser humano no mundo.

Rabelo (2011) em diálogo com Bolívar (2002) diz que a narrativa é um relato que permite a

percepção da experiência, pois capta a riqueza e os detalhes dos significados dos vários

assuntos humanos. Ao narrar “reconstrói-se a experiência refletindo sobre o vivido e dando

significado ao sucedido” (RABELO, 2011, p. 172).

Nessa perspectiva, a própria maneira do ser humano vivenciar o mundo já é

atravessada pelas narrativas aprendidas com os outros, que compõem a sua forma particular

de olhar para a realidade. O que estas pesquisas tentam fazer é compreender, por meio das

narrativas dos sujeitos, como eles atribuem significado para as suas experiências.

Se eu queria compreender o significado do brincar no cotidiano das aulas e da escola,

talvez, ao invés de fazer perguntas gerais, poderia propor outro movimento, com mais

momentos de conversa, solicitando narrativas sobre determinadas situações ou passagens que

aconteceram durante as aulas.

Talvez, algumas perguntas possíveis fossem: Conta como foi aquela aula que você

estava tematizando a caixa de brinquedos do recreio com as crianças? O que aconteceu?

Ao mudar o tipo de pergunta, a resposta também poderia mudar, chegar em forma de

narrativa. Poderia revelar outros elementos, saberes e conhecimentos docentes que eu não

tinha percebido do meu lugar de pesquisador com a observação e registro no diário de campo.

Simas (2018) conta que no campo da Educação esse tipo de pesquisa passa a ser

incorporado como forma de possibilitar que os conhecimentos da prática pedagógica

pudessem ser revelados, refletidos e discutidos. A ênfase anteriormente atribuída ao

conhecimento científico, abstrato, distante da vida cotidiana da escola começa a ser

questionada como possibilidade de responder as questões mais próximas da atuação e

formação docente.

Ela descreve vários tipos de pesquisa que se utilizam da narrativa como parte do

processo de investigação, como, por exemplo, a pesquisa-ação e a pesquisa autobiográfica,

entre outras. Em algumas delas o pesquisador assume o lugar daquele que “coleta” as

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narrativas de outros sujeitos; em outras, o próprio pesquisador é o narrador; em algumas a

narrativa é utilizada e analisada apenas como fonte de dados; em outras se constrói um texto

narrativo para dialogar e refletir sobre as narrativas escolhidas para compor os dados da

pesquisa (SIMAS, 2018).

Essas diferentes formas de abordar as narrativas na investigação, marcam diferenças

de apropriação dos grupos de pesquisa, assim como, as compreensões quanto à produção de

conhecimento, linguagem e constituição humana.

Na época, eu não compreendia bem estas questões, mas sentia que havia alguma

especificidade que marcava a singularidade da pesquisa narrativa realizada no GRUBAKH

(Grupo de Estudos Bakhtinianos), grupo que comecei a participar.

Comecei a compreender que quando autores deste círculo de estudos bakhtinianos

falam de narrativa, eles trazem em suas palavras mais do que a compreensão difundida de

maneira geral nas abordagens narrativas. Eles olham para as narrativas a partir de um lugar

singular, com ancoragem na filosofia bakhtiniana, apropriada por cada um, a sua maneira e

unicidade.

A narrativa extrapola uma metodologia, deixa de ser meramente uma fonte de dados a

ser coletada, analisada e discutida. É tomada como modo de produzir conhecimento, como

modo de se construir sentido para a vivência, como postura investigativa, como possibilidade

de constituição humana.

Na maneira de olhar do grupo, a narrativa, é compreendida, como ato. Para mim, essa

noção era elemento importante, pois possibilitava diálogo com a minha maneira de

compreender o ato de brincar. Ato que, na filosofia bakhtiniana (BAKHTIN, 2012), tem

sentido de “dar um passo”. Ato como gesto.

A narrativa, então, não é percebida como fonte de conteúdo, de dados coletáveis a

serem analisados, mas, sobretudo, como material verbal ou escrito resultante do ato de narrar

experiências de um sujeito singular. Conjunto de signos, constituído de sentidos a serem

interpretados e respondidos por aquele que escuta ou lê a narrativa. Pois, mesmo circunscritos

em tempo-espaço, contextualizados na vivência única e irrepetível do narrador, está sempre

direcionado para um Outro que se busca em diálogo, que se busca em partilha da experiência.

Serodio e Prado (2017), em um de seus trabalhos, falam sobre a radicalidade da narrativa

como existir-evento, como ato singular de um EU que busca diálogo com OUTROS.

Assim, o ato do qual estou falando, apesar de singular, único e irrepetível, não é

percebido de maneira individualista, isolada de relação, de história, de diálogo. Falo de um

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ato responsável em seu duplo sentido: responsivo, dialógico a outros atos meus e dos outros

que me circundam e que me antecederam; e responsável, por seus efeitos de continuidade

possível, de novos passos possíveis.

O EU que age nesse sentido, não é um EU isolado, fechado em si mesmo, pois em sua

responsabilidade, reside, sobretudo, a sua necessidade de OUTROS. Sua incompletude e

necessidade de participação, sua não indiferença.

Quando realizo o ato de pensar, narrar, me comunicar, dar um passo, existo sem álibi,

responsavelmente pelo gesto/resposta que construí, pela continuidade no diálogo que

propiciei, pelos efeitos do que realizei na relação. Esse deslocamento no olhar parece algo tão

singelo, tão pequeno. Porém, foi algo muito complexo de compreender.

Deixar de olhar exclusivamente para a narrativa como fonte de informação, como

conjunto de significados a serem analisados e passar a olhar, como material semiótico prenhe

de sentidos, como expressão de um ato responsável, como resultado do existir singular,

circunscrito, contextualizado de um sujeito em diálogo, parece pouco, mas é um deslocamento

que marca a singularidade do tipo de pesquisa narrativa realizada no GRUBAKH, do qual me

aproximei para fundamentar este estudo brincante.

[...] a questão não é simplesmente se é possível o conhecimento da

singularidade, se é possível uma mathesis singularis, ou, antes

inevitavelmente, apenas uma mathesis universalis. Questão bastante

inusitada, dado que resulta óbvio que o conhecimento deva ser

necessariamente conhecimento do geral, procedendo por conceitos, por

classificações, por montagem, sobre a base de conjuntos, de gêneros, nos

quais o singular, de um modo ou de outro, reaparece sob a forma de

indivíduo identificado pelo pertencimento a este ou àquele conjunto, a este

ou àquele gênero. (PONZIO, 2012, p. 16-17)

No distanciamento entre o que a professora falava sobre o brincar e o que ela fazia; no

distanciamento entre mim, Gabriel pesquisador, e ela, professora; uma questão importante

começava a se revelar para a continuidade da minha maneira de investigar: Qual o meu lugar

como pesquisador na pesquisa narrativa de perspectiva bakhtiniana?

Essa questão se manteve durante toda a pesquisa de campo, demorei até compreender

o meu lugar e as formas de agir possíveis, que, mesmo em diálogo com a professora, eram

diferentes.

Considero que dentro do GRUBAKH, minha pesquisa tinha ainda uma singularidade

perante as outras construídas ali. As outras pesquisas eram sobre a própria prática. Pesquisas

produzidas pelas próprias professoras, que assumiam, pelo menos, um duplo lugar de

professoras-pesquisadoras (SERODIO, 2014; CHAUTZ, 2017; SIMAS, 2018).

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Nessa perspectiva, quando olhavam para as suas narrativas docentes, procuravam

compreender os sentidos de seus atos e seus pensamentos de um lugar privilegiado, de dentro,

apesar de já ser outro. O trabalho consistia em tentar compreender e refletir o contexto

daquela narrativa, que diálogos e relações passadas com os outros permitiram aquele ato,

assim como, seus efeitos futuros.

Todavia, no meu caso, o meu lugar de interpretação era outro, diferente das

professoras que estavam investigando a própria prática. No meu caso, eu investigava a prática

pedagógica de uma outra professora.

Diante destas questões complexas, revelava-se a compreensão de que, assim como a

narrativa docente não era mais simples fonte de informação a ser analisada, era expressão do

ato responsável de uma professora singular, a interpretação desta, também passaria a ser

resultante do ato responsável de um pesquisador singular, que buscaria diálogo e

aproximação. Nesse processo, se materializava a radicalidade da pesquisa narrativa

(SERODIO e PRADO, 2017).

Até hoje ainda existem na linguística burguesa ficções como o “ouvinte” e o

“entendedor” (parceiros do “falante”, do “fluxo único da fala”, etc). Tais

ficções dão uma noção absolutamente deturpada do processo complexo e

amplamente ativo da comunicação discursiva. Nos cursos de linguística

geral (inclusive em alguns tão sérios quanto o de Saussure) aparecem com

frequência representações evidentemente esquemáticas dos dois parceiros da

comunicação discursiva – o falante e o ouvinte (o receptor do discurso);

sugere-se um esquema de processos ativos de discurso no falante e de

respectivos processos passivos de recepção e compreensão do discurso no

ouvinte. Não se pode dizer que esses esquemas sejam falsos e que não

correspondam a determinados momentos da realidade; contudo, quando

passam ao objetivo real da comunicação discursiva eles se transformam em

ficção científica. De fato, o ouvinte, ao perceber e compreender o significado

(linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa

posição responsiva; concorda ou discorda dele (total ou parcialmente),

completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.; essa posição responsiva do

ouvinte se forma ao longo de todo o processo de audição e compreensão

desde o seu início, às vezes literalmente a partir da primeira palavra do

falante. Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza

ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso);

toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera

obrigatoriamente; o ouvinte se torna falante. (BAKHTIN, 2016, p.24-25)

Tornei-me, então, sujeito da minha própria investigação. Professor-pesquisador-

brincante que buscaria diálogo com a professora, implicado em um exercício de tessitura

conjunta sobre o processo de significação do ato de brincar na escola.

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2.1 O local do estudo e a professora parceira de diálogo

A pesquisa foi realizada em uma Escola de Tempo Integral de uma prefeitura do

interior de São Paulo. Desde 2014, realizo pesquisa nesse local.

Nesses anos pude acompanhar as mudanças e amadurecimento da proposta de

educação integral. Para além das pesquisas de IC e TCC, participei de outras pesquisas junto a

um coletivo de estudos da FEF. Refletimos sobre as possibilidades de Educação para o lazer

na Escola de Tempo Integral (RIBEIRO et al, 2017). Em outra buscamos compreender o lugar

dos professores de Educação Física no processo de implementação dessa proposta de escola

(ZAMBELLI et al, 2019, no prelo).

Em relação à necessidade de reforma do espaço físico, um dos desdobramentos do

meu TCC, contribui com um projeto mais amplo da escola para mobilização e organização de

mutirões comunitários, assim como, parceria com a prefeitura, para revitalização dos espaços

de brincar na escola.

A narrativa deste processo foi compartilhada no Seminário Fala Outra Escola, no eixo

“Escola como experiência política” (BISSE et al, 2017). Considero sua importância pois

mostra não só meu envolvimento com esta escola, mas sobretudo, os efeitos que as pesquisas

sobre o brincar movimentaram ali.

A escola é localizada na região noroeste da cidade, especificamente em um bairro

residencial, com pequenos estabelecimentos comerciais. A população é de classe econômica

baixa e grande parte das crianças moradoras da comunidade está matriculada na escola.

Porém, crianças de outros bairros também frequentam o contexto, visto que, nos horários de

entrada e saída é comum ver algumas chegando de ônibus e carro.

Para atender cerca de 600 alunos de Ensino Fundamental I, a escola pode ser

considerada com grande espaço físico. Apesar disso, os quase 50 professores que atuavam ali,

enfrentavam problemas com o número de salas de aula disponível para o número de turmas.

Algumas aulas aconteciam em quiosques sem preparação para comportar algumas ações

pedagógicas.

Quanto aos espaços de brincar, apesar da falta de manutenção no parque realizada pela

prefeitura, a escola tem privilégio de contar com muitas árvores, pátio, quadra e espaços

abertos. Durante as narrativas, trarei algumas fotos sobre lugares específicos, para que seja

possível visualizar melhor o contexto da escola.

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Como forma de dar continuidade nas pesquisas anteriores, decidi convidar uma

professora que eu sabia que daria abertura para se colocar em diálogo comigo. Escolhi a

professora Joana2, para me acompanhar no processo de investigação. Ela é uma professora

com mais de quinze anos de carreira docente no setor público, grande incentivadora do

brincar na escola, que já havia participado de outras pesquisas comigo durante os anos

anteriores. Sua abertura para reflexão sobre sua atuação pedagógica, foi elemento de suma

importância para a definição da parceria.

2.2 Construindo um diálogo brincante

Como é por dentro outra pessoa

Quem é que o saberá sonhar?

A alma de outrem é outro universo

com que não há comunicação possível,

com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma

senão da nossa;

As dos outros são olhares,

são gestos, são palavras,

com a suposição de qualquer semelhança

no fundo.

(Fernando Pessoa)

Gosto deste poema, porque ele consegue expressar em poucas palavras uma das

maiores dúvidas que carreguei durante todo o estudo. Ele anuncia pistas, caminhos que

dialogam muito com o que procurava em minhas pesquisas anteriores e que daria ainda mais

atenção no Mestrado.

No distanciamento destes dois universos, o meu olhar e o da professora, não há

verdadeiro entendimento. Todavia, penso que há possibilidade de busca de aproximação,

diálogo, interlocução, no sentido de tecermos juntos uma compreensão comum, provisória e

inacabada.

Busquei os olhares, os gestos, as palavras para compreender a relação de Joana com o

brincar em suas aulas. Olhares, gestos, palavras, expressões corporais, signos que, para além

de sua materialidade, refletem e refratam uma outra realidade fora dos seus limites, um outro

mundo inacabado, complexo, acessível apenas no encontro, na presença, na troca, na

interpretação.

2 A professora solicitou a criação de um nome fictício, devido ao contexto político em que vivemos atualmente

com a perseguição aos professores.

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Para Volóchinov (2017), o signo representa e substitui algo encontrado fora dele.

Representar e substituir. Relacionar. É a relação que constitui o signo, pois sozinho ele se

fixa, não responde a nada, perde sentido. Ele depende do encontro com outros signos para se

manter em dinâmica. Signos do passado, em diálogo com o presente, abrindo possibilidades

de futuro. A cadeia criativa, dialógica, não se quebra, está sempre em terreno intersubjetivo.

Não é criação individual, solitária, mas sim, social, colaborativa.

A partir do segundo semestre de 2017 iniciamos a pesquisa e estabelecemos um

momento semanal, para conversar sobre o que aconteceu na aula observada daquela mesma

semana. Não sabíamos ao certo se conseguiríamos e nem quanto tempo teríamos para isso.

Tinha em linhas gerais, como intencionalidade, ouvir a professora, compreender o seu olhar

para as diferentes situações, para conseguir deslocar o meu próprio olhar. Pensei que, ao ouvir

suas narrativas, conseguiria me colocar no lugar dela, estranhar o que eu não via do meu,

perceber as diferenças e retornar, com olhar modificado. Exercitar a alteridade, na intenção de

dinamizar as identidades.

Nesses encontros para conversar, na partilha das narrativas e compreensões do que foi

vivenciado, dinamizamos essa cadeia dialógica. Todavia, senti dúvidas sobre o meu lugar

como interlocutor: Até onde poderia falar? Que efeitos isso teria na prática da Joana? Poderia

eu responder as suas perguntas? Partilhar também as minhas narrativas e observações?

Ela também teve dúvidas: Teria que tomar cuidado na seleção das narrativas para não

fugir do tema? Como responder as perguntas? Quais palavras escolher para compor os

enunciados?

No processo de aproximação e construção do diálogo, descobrimos, juntos, que não

havia protocolo ou jeito certo ou errado de tecer os encontros, apenas a necessidade de buscar

a compreensão do olhar do outro. Sabíamos da diferença de lugares e papéis que estávamos

ocupando no movimento dialógico e alteritário de construção da pesquisa. Mas até

compreender a brincadeira proposta, realizamos um duplo movimento, de experimentação das

possibilidades de agir e se relacionar, como professores – pesquisadores – brincantes. Na

radicalidade de uma pesquisa assim, o simples fato, de estarmos em diálogo e reflexão, já

mudava completamente a dinâmica do campo.

A escola, por sua vez, estava cheia de signos a serem observados e interpretados. Seus

espaços, objetos, sons, a forma como tudo isso é organizado na temporalidade, são signos. O

uso dos espaços, as gestualidades dos alunos e das professoras no brincar, nos modos de se

comunicar, dialogar, eram compostos por signos. A escola como produção humana, era

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espaço de circulação, movimentação, produção de signos. A cada ato, a cada encontro, a cada

diálogo, a dinâmica semiótica ganhava novo impulso, nova composição, cabia a mim,

movimento de interpretação.

Quando olhava para a escola, sua arquitetura, seus espaços, salas de aula, cadeiras,

lousa, quadra, bolas, cordas, via signos. Quando escutava os gritos, as palavras, os discursos

cotidianos, signos que rondavam o meu pensamento, me permitiam perceber suas

materialidades, que não se limitavam às coisas, às palavras, aos gestos em si, mas às relações

dialógicas que estabelecia. O encontro dialógico que compõe a significação daqueles

elementos era sempre inacabado, aberto, cheio de possibilidades. Ele compunha uma outra

dimensão que me permitia identificar, significar e dizer que tudo aquilo que está no meu

entorno era escola, sala de aula, cadeira, lousa, professora, alunos. Que me permitia relembrar

experiências que já vivi anteriormente; que me permitia sentir emoções que marcaram as

relações afetivas com aquele lugar, objetos e sujeitos.

Essa localização nas várias observações que realizei ao longo do semestre de pesquisa,

marcou meu acesso àquele conjunto de signos; marcou a forma como percebi e compreendi

sua movimentação, assim como, a forma como narrei minhas experiências. Alterar a posição

de observação, não só quanto ao lugar, mas também quanto à identidade, me permitiu outros

pontos de vista, um deslocamento em relação ao meu olhar da margem.

Nas narrativas tentei contar sobre minhas experiências, dizer o que percebi, senti,

estranhei, pensei, além de tentar uma aproximação da compreensão de brincar revelada pela

Joana durante seu trabalho. Dependia de suas expressões, seus gestos, enunciados para

significar as minhas palavras na narrativa. Palavras outras, tornando-se palavras minhas

(BAKHTIN, 2017).

Retomar o costume de observar e escrever no diário de campo, se mostrou, também,

algo complexo de se realizar. Fazia isso com facilidade anteriormente, porém, sinto que

perceber essa dinâmica semiótica da escola, mudou minha percepção.

Traduzir aquelas imagens, sons, experiências de observador em enunciado, ganhava

outra importância também. Senti que meu próprio processo narrativo havia mudado. Talvez,

tenha compreendido que o que fazia com o diário de campo na verdade era muito mais do que

uma descrição, mas sim uma narrativa. Precisava de mais tempo para que as situações

observadas se fizessem presença em meu pensar, que estabelecessem relação dialógica com

outros elementos e se transformassem em palavras.

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Passei a refletir sobre a questão do gênero discursivo. Para Bakhtin, (2017) o gênero

do discurso, tem relação com o conjunto de elementos que mantém os enunciados

estabilizados em sua forma de expressão, sejam eles verbais ou orais. Apesar dos estilos

individuais possibilitarem variação de sujeito para sujeito, falante ou escritor, é possível

identificar algo comum, estável, no que constitui os gêneros, enfim, no modo de construir os

enunciados.

No caso da narrativa, apesar da ampla variedade de possibilidades de escrita e

expressão, desde as narrativas cotidianas, até as grandes obras literárias, um elemento que

mantém o gênero estabilizado, é a intencionalidade do sujeito enunciador em partilhar com

um outro, alguma vivência, situação, experiência. Apesar do estilo, a intencionalidade do ato

enunciativo se mantém circunscrita a uma certa maneira de se expressar e narrar.

Tentei ao máximo preservar essa intencionalidade assumindo a posição de narrador.

Contava o que vivenciava na escola para um outro. Imaginava um EU do futuro, acessando

aqueles registros de observações, não mais na dinâmica da experiência em si, mas já

distanciado em outro tempo-espaço.

Com base nestas reflexões, influenciado, sobretudo, pelo trabalho de Almeida Junior e

Prado (2013), abri possibilidade também da Joana partilhar suas narrativas em outros

contextos e formas de linguagem. Criamos um grupo no WhatsApp3 e sempre que ela

quisesse poderia partilhar áudios, fotos, vídeos, contando de suas experiências com o brincar

no cotidiano escolar. Ficamos surpresos com a potência desta forma de partilhar e produzir

conhecimento sobre o brincar. Nessa proposta, ficou claro o esforço de Joana em se deslocar

do seu lugar de professora e atuar também como pesquisadora em um determinado nível,

professora – pesquisadora – narradora.

De acordo com os dias e horários que tinha para frequentar a escola, definimos que eu

acompanharia uma turma de 2º ano do Ensino Fundamental I, o 2º A, todas as segundas-feiras

no último bloco de aulas do dia, que acontecia das 13:00 às 15:30.

Foram quase cinco meses de parceria, com observações, trocas de narrativa e

conversas sobre as aulas. Salientamos que durante a realização do estudo, no ano de 2017,

seguimos todos os procedimentos éticos e o projeto foi aprovado no Comitê de Ética e

Pesquisa da UNICAMP, com o CAAE: 71182217.6.0000.5404.

3 WhatsApp é um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones.

Além de mensagens de texto, os usuários podem enviar imagens, vídeos e documentos em PDF, além de fazer

ligações grátis por meio de uma conexão com a internet.

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Todo o material de dados composto por narrativas, conversas e fotos foi organizado e

sistematizado para compor a interpretação. Selecionamos algumas narrativas principais para

serem interpretadas no próximo capítulo.

Como critério para escolher as narrativas deste capítulo, optamos por aquelas que nos

permitiram contar sobre o brincar na escola, assim como, da postura da professora frente a

situação. Ao delimitar o foco na prática pedagógica da docente, acabamos optando por deixar

de trabalhar com algumas outras narrativas encontradas durante a pesquisa.

A partir delas, buscamos tecer reflexões, no sentido de ampliar o olhar e as

compreensões em relação àquele momento vivido e narrado (PRADO, et al, 2015). Estas

compreensões ampliadas ajudaram a responder as questões explicitadas no capítulo anterior,

sobre os diferentes sentidos do ato de brincar na escola e a sua relação com o processo de

constituição e atuação docente.

Assim, organizamos a próxima parte do trabalho, a partir das seguintes temáticas:

“Agora não é hora de brincar!”; “O brincar como tema da aula”; “O brincar como ato

responsável” e “Por uma prática pedagógica brincante”.

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3. O ATO DE BRINCAR NA ESCOLA

A escola com suas regras e cultura, cria uma dinâmica de uso e vivência dos tempos e

espaços, que permite diversas ações, mas que também proíbe e constrange várias outras.

Nesse contexto, as normas vigentes nos diferentes momentos do cotidiano, constituem e

educam os corpos das crianças, dos professores e dos tantos outros personagens que ali atuam.

Corpos educados na sua possibilidade de expressão e comunicação com outros corpos.

Corpos que no seu agir, aprendem, interagem e também dinamizam a cultura escolar

(FONTANA, 2001).

O brincar como ato, como expressão destes corpos, aparece em diversos momentos do

cotidiano escolar, assumindo diferentes sentidos de acordo com a interpretação dos sujeitos.

Investigar o brincar em sua pluralidade de significações, permite reflexão sobre como a

cultura escolar opera no processo de educação corporal dos envolvidos. Nos enunciados das

narrativas tecidas na relação dialógica com a Joana, encontrei possibilidade de compreender

como o encontro do brincar com a cultura escolar, permeou e constituiu sua atuação docente.

A partir de agora, trarei algumas destas narrativas selecionadas, para, a partir delas,

construir interpretações, problematizando e refletindo sobre o ato de brincar na escola.

3.1 Agora não é hora de brincar!

Era só uma brincadeira!

Joana está em roda com as crianças fazendo a chamada para iniciar a

aula. Alguns meninos mais ao canto, jogam bolinhas de papel uns nos outros.

Cada vez que Joana anuncia um possível olhar para o lado deles, eles

escondem as bolinhas e fingem prestar atenção.

Eles jogam, jogam e jogam até que ela termina a chamada, percebe uma

bolinha no chão e fala para o menino que estava mais próximo: “Viu, pode

parar com essas bolinhas, agora não é hora disso!”

Em resposta, ele diz bravo que não estava fazendo nada, que eram os outros

meninos da turma! Com um gesto ele aponta para os meninos que tomam

um susto!

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Um deles comenta: “Ixi, ele ficou nervoso! Agora ele vai pegar o caderno

inteiro e fazer bolinha para jogar na gente!”

Mesmo com a fala baixa, Joana escuta o comentário e com tom de

repreensão, fala: “Não, vocês não vão jogar mais nada em ninguém!”

Percebendo que havia passado dos limites, o mesmo menino tenta amenizar

a situação: “Tudo bem professora, era só uma brincadeira!”

“Era só uma brincadeira”

Na fala de uma criança a presença da minimização da importância do ato de brincar na

escola.

Que efeitos esse simples ato de brincar com bolinhas de papel produziu no grupo?

A professora que tentava fazer a chamada e iniciar a aula, vendo indícios da

brincadeira (bolinha no chão) deu bronca em um dos meninos que estava mais próximo.

O menino que antes estava prestando atenção, recebeu a bronca, ficou nervoso e

contou quem realmente estava brincando.

Os meninos da brincadeira, seguros como brincantes, além de jogar as bolinhas, se

escondiam do olhar da professora, disfarçando com seus gestos, a suposta atenção.

Quando o brincar foi revelado, perceberam no olhar da professora, que aquele ato não

era permitido. Na desqualificação de sua importância tentaram se esconder. Sentiram com o

tom de voz da professora que haviam ultrapassado a linha e que deveriam retornar para “os

limites” da aula.

Por meio de um aprendizado continuado e sutil, gestos, ritmos, movimentos,

cadências, disposição física, posturas e sentidos iam sendo inscritos em

nossos corpos. Na escola aprendíamos a olhar e a nos olhar, a modular a voz

ao falar, a ouvir, a calar, a regular os movimentos do corpo. (FONTANA,

2001, p. 43)

O brincar nessa situação, se constituía nesse vai e vem dos corpos dos meninos, para

dentro e fora dos limites da aula. A linha foi construída na relação, nos combinados, nos

gestos e discursos do que podia ou não ser realizado naquele momento. Os corpos que

aprendem na cultura escolar, com seus atos, também criam e dinamizam outras possibilidades

de ser e existir.

Aula e brincar como limites de dois universos opostos!? A interrogação é o que o

brincar tenta provocar. No caso em específico, provocar, mas não romper. Ao esconderem-se,

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mudando a gestualidade para uma postura mais “comportada”, demonstravam certo respeito e

cuidado com a norma. Todavia, quando descobertos, seguindo o discurso presente na cultura

da escola, tentaram reduzir a importância do brincar. Era só uma brincadeira.

O menino que levou a bronca, também compreendia as tramas da cultura, ficou

nervoso porque, de alguma forma, sua identidade de bom aluno, foi deslocada para a de

bagunceiro. A bolinha de papel torna-se “batata quente” e se ele ficasse segurando por muito

tempo, ficaria com as mãos queimadas, assumiria a culpa e a identidade de bagunceiro. Mais

do que depressa, se rebela, não aceita e joga a “batata” para os meninos que estavam

realmente brincando. Mas como ele sabia quem eram? Será que, de alguma forma, ele

também estava na brincadeira, fingindo não saber o que estava acontecendo, e mantendo a

postura comportada? O que leva uma criança a escolher deixar a brincadeira de lado, para

prestar atenção na aula? Respeito? Interesse? Medo?

A professora, por sua vez, buscando iniciar a aula, durante a chamada não conseguiu

observar e compreender tudo o que as crianças faziam. Apesar do suposto lugar de controle,

seu olhar é sempre limitado, dependente de diálogo e encontros para tecer compreensões

provisórias sobre os aprendizados, sobre os atos, sobre quem são as crianças a sua volta.

Suas palavras, gestos e olhares, deixam marcas nos alunos. Os combinados da aula não

são estanques, acabados, a todo momento necessitam ser relembrados, circunscritos,

ganhando novo contexto, novo sentido.

Talvez, esse embate com os alunos seja necessário para a tarefa da escola de educar. E,

talvez, para que isso realmente aconteça, seja necessário tornar aquilo que os meninos

estavam fazendo, como “apenas” uma brincadeira!

Vamos descansar!

A última aula do dia começa! Os 15 minutos iniciais são destinados para o

descanso das crianças, visto que, já é de tarde e elas passaram o restante

do dia sentados nas outras aulas.

Joana libera a turma para entrar na sala de Corpo e Movimento, mas

chama 3 meninos para fora da sala, para conversar um pouco mais. Ela fala

que eles tiveram tempo para brincar no recreio. Eles conseguiram bater

figurinha, correr, pular, conversar, porém, a partir dali eles precisavam seguir

as regras da aula e do momento do descanso.

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Durante sua fala era perceptível que eles não queriam ouvir a advertência.

Eles criavam maneiras de interromper e mudar o tema da conversa: “Mas,

olha lá na sala! Eles estão fazendo barulho! Não é horário de descanso? Por

que estão fazendo barulho?” Suas falas tentavam resistir e contradizer o que

Joana estava falando. Ela ficou firme e tentou reforçar os combinados sobre

os horários do brincar e do descansar, mostrando sua separação.

Porém, logo em seguida, uma menina saiu correndo de dentro da sala, se

aproximou da conversa e começou a narrar o que outro menino fez

enquanto Joana estava fora: “Olha, eu não quero ser dedo duro, mas o

Gustavo pegou a blusa do João e jogou lá para longe! Tem um monte de

gente brincando e eu não consigo descansar, só estou avisando só, ok?”

Assim que terminou de contar, a menina voltou correndo para a sala,

abrindo um sorriso largo para os meninos que haviam participado da

situação.

Joana olhou novamente para os 3 meninos, que sorriam para ela também,

respirou fundo e reafirmou: “Agora não é hora de brincar!”.

A escola com seus tempos e horários. Cada momento da rotina escolar marca os

ritmos, os atos, os gestos e possibilidades de existência. O brincar espontâneo, ainda

negligenciado, acaba permitido ou suportado nas margens, nas pequenas frações de tempo do

recreio e intervalos entre uma e outra aula. A Educação Física como espaço possível para o

brincar, defendido por esta professora, ainda assim, é aula, tem regras e modos de agir como

qualquer outra disciplina.

Na conversa inicial, os meninos ainda não haviam começado a brincar. Foram

advertidos com antecedência, devido ao que aconteceu em aulas anteriores.

A regra como limite e linha provisória, que separa atos que podem ou não serem

realizados naquele momento. Crianças e professora sabem desta condição e quando não

conseguem encontrar ponto de encontro, inicia-se imposição pelo lugar destes limites.

Por trás das falas dos meninos, a pergunta: Por que estamos sendo prevenidos (ou

advertidos) por algo que ainda não fizemos? Por que quem está descumprindo as regras não

está aqui conosco? A linha se movimenta com suas falas explicitando as contradições do

momento.

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A fala da menina, que estava apenas narrando o que observou faz eco às questões dos

meninos. Entre olhares e sorrisos, as crianças, de alguma forma, acreditam estar na vantagem

da brincadeira.

A aceitação [e a recusa] das mensagens e dos modelos opera-se sempre

através de ordenamentos, de desvios, de reempregos singulares. Em sua

singularidade, professores e alunos são, a um só tempo, portadores de signos

e aprendizes. Seus corpos, em si mesmo, já são linguagem, e como tal,

oferecem-se, reciprocamente, possibilidades de ver, de falar, de pensar, de

existir. (FONTANA, 2001, p. 51-52)

A professora se percebe defendendo algo que, naquele momento, não tinha sentido.

Foi pega na contradição e a provocação brincante das crianças reverbera por vários dos nossos

encontros da pesquisa. Narrar e ouvir as crianças com mais atenção, permite a reflexão sobre

sua atuação. Porém, algumas questões ficam latentes nos diálogos: O brincar é de extrema

importância, mas será que tudo precisa ser brincadeira? Será que outros elementos não são,

também, importantes para a educação das crianças?

Ainda sem resposta definitiva para as questões, ela se utiliza da maneira já existente de

lidar com a situação, e assim, reafirma com prontidão: “Agora não é hora de brincar!”

Todavia, não seria possível pensar em outras formas de descanso? Será que brincar por

quinze minutos também não possibilitaria momento de descanso? Ao optar pelo descanso

deitado e comportado, a professora revela que, apesar de valorizar o brincar, o percebe como

elemento que poderia desorganizar e produzir outros efeitos nesse momento da aula.

Quem pode brincar?

Joana entra na sala e pede para as crianças se deitarem e ficarem em

silêncio para o momento do descanso. Sua fala é atravessada por um tom

leve, mas sério.

Algumas ficam quietas, deitam e obedecem. Outras, fingem que estão de

olho fechado, só que assim que percebem o som dos passos da professora

ganharem distância, viram de costas, abrem os olhos, começam a se

comunicar por sorrisos, sons com a boca, palmas e barulhos no chão com as

mãos. As meninas deitam, fazem uma cabana, com as cabeças em baixo

do banco sueco, cobrindo-se com as blusas de frio, como se fossem

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cobertores. Alguns meninos mais próximos se cutucam e outro brinca com

seu handspiner na mão.

Tudo parece que gira em torno da presença da professora. O caminhar de

Joana na sala, sua forma e direcionamento do olhar, criam uma espécie de

linhas de tensão, com o ato de brincar das crianças. A maior parte das

brincadeiras é revelada nas brechas, sempre muito rápidas de serem

percebidas.

Nessa dinâmica ela anda pela sala, passando, olhando para as crianças,

pedindo silêncio para alguns que ainda não se acalmaram; fazendo carinho

na cabeça de outros; novamente aparece a figura do “dedo duro” que

conta para a professora algo de errado que está acontecendo. Joana

escuta com atenção e chegando perto da criança, diz que é momento

para descansar, sem mudar o tom leve do início da proposta.

São 15 minutos de descanso. Joana no centro das atenções, conduzindo a

proposta com calma e observando o movimento das crianças. Ela mantém

a postura séria o tempo inteiro e as crianças interpretam sua atitude como

algo a ser respeitado.

Todavia, quando ela percebe que as crianças não estão olhando, observo

que ela visualiza algumas brincadeiras acontecendo e com um olhar

brincante, faz sinal para que eu visualize também.

Com essa situação, me pergunto, quem estava brincando, as crianças ou a

professora?

Para Joana, o momento do descanso tinha sentido de voltar atenção para si mesmos,

para a respiração, para o que estavam sentindo, reorganizando os corpos para as propostas

posteriores. Em uma das conversas que tivemos ela disse: “Penso que esse momento seja

necessário para que possamos, primeiro, acessar nossa dimensão individual, singular, para

então, avançar para um olhar de grupo, coletivo”.

A escolha do tom de voz, do modo de conduzir a proposta e dialogar com as crianças,

parecia estar ancorada nessa intencionalidade primeira. Ela sabia que um clima de descanso e

olhar para si, não seria possível ao som de gritarias ou broncas, quando algo escapasse do

controle.

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A seriedade na mediação de Joana, provocava cuidado e atenção por parte das

crianças. O ato de brincar aparecendo de modo muito calculado para não ser descoberto.

Brincar nas brechas dos olhares, como conhecimento imprescindível e necessário para o bom

brincante, pois permite que a brincadeira se mantenha viva, em dinâmica, protegida das

possíveis proibições.

Todavia, porque optar por deixar a brincadeira nesse contexto de brecha? Por que não

assumir o brincar como possibilidade de descanso e acesso dessa dimensão individual do ser?

Esses quinze minutos de descanso, de encontro consigo, poderiam ser ocupados por um

brincar livre, com oferecimento de materiais como jogos de tabuleiro, livros, assim como,

colchonete para a livre escolha da criança de ficar em silêncio deitada.

No distanciamento de lugares e compreensões, a professora, proibindo a escolha e

insistindo no controle dos sons e dos corpos, passava a ser identificada pelas crianças como

uma espécie de vigia, sentinela. Joana, por sua vez, interpretando e brincando com essa

condição, fingia ocupar esse lugar, para propiciar constituição de um espaço adequado para a

proposta, mas, também, para olhar e investigar o brincar das crianças com mais atenção. Na

busca por outras compreensões, ela parecia querer começar a flertar com esse terreno do

brincar.

Cada um ali valorizava o momento de maneira singular. Joana em sua investigação,

parecia buscar compreender melhor, essa relação do ato de brincar, como possibilidade de

olhar e encontro consigo mesmo.

Nos diálogos com Joana, percebia sua compreensão do brincar, como possibilidade de

inteireza e liberdade de expressão. No entanto, quando investigamos esse ato no contexto

escolar, a dúvida que se revelou foi a de como o universo da escola, tão rígido, fragmentado e

controlador, poderia dialogar com o mundo do brincar, potente e criativo? Quais os limites e

potencialidades? Qual lugar ocupar o professor? Seria possível sair do lugar de controlador e

assumir posição de abertura para a aula como acontecimento?

Nesse flerte investigativo inicial, Joana parecia ainda não conseguir abrir mão de seu

lugar de controle. Porém, começava também a perceber a transgressão como elemento

inerente ao ato de brincar na escola. Transgressão como modo de expressão que ultrapassa os

limites, normas e identidades estabelecidos, visto que nem sempre o brincar poderia ser

permitido. As crianças ao brincarem nas brechas e a professora ao querer o controle de tudo,

se aproximavam, a cada ato do terreno híbrido do brincar. Aquele não era o momento de

brincar, mas mesmo assim, ele se fez presente nas brechas da cultura escolar.

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3.2 O brincar como tema da aula

Sobre as regras da brincadeira

Hoje a aula é sobre jogos e brincadeiras. As crianças montaram uma lista de

brincadeiras e dentre as várias opções, a escolhida pela turma foi o

esconde-esconde. Todas as crianças comemoram, parece ser uma prática

querida por todos!

Joana está sentada junto com elas em roda, ainda dentro de sala e pede

para que duas crianças levantem para explicar a brincadeira. Há uma certa

disputa, mãos levantadas suplicando para assumir o papel. Joana escolhe

um menino e uma menina.

Eles levantam comemorando, os outros tristes por não terem sido escolhidos,

começam a conversar com outros colegas sem se importar com a atividade.

Aos poucos as conversas aumentam e os dois responsáveis pela explicação

passam a explicar apenas para a professora que parece ser a única que

ainda presta atenção.

Joana percebendo que a proposta não está dando certo, demonstra

descontentamento com a postura da turma, falando mais alto que todos,

com um tom de voz bem sério: “Olha, é importante ter atenção enquanto

alguém está explicando a brincadeira! Como vocês vão brincar se não

sabem as regras? Se não combinam de forma coletiva? Não tem problema

nenhum não ser escolhido para explicar hoje, teremos outras brincadeiras

nos outros dias, mas o respeito aos colegas tem que existir! Se vocês não se

comportarem aqui, não levarei vocês lá para fora para brincar!”.

A turma percebe o tom de voz da professora e fica mais quieta, alguns

comentam baixo já conhecerem as regras da brincadeira, mas mesmo

assim, a dinâmica proposta tem continuidade. Joana deixa os dois

explicarem do jeito deles e depois intervêm com algumas problematizações

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quanto aos espaços permitidos e os combinados de “bater cara” e “salvar o

mundo”.

Fica estabelecido que as crianças poderiam utilizar apenas o pátio e o

parque para se esconderem, que era proibido subir para o teatro, salas de

aula e quiosques.

Depois dos combinados, todos saem da sala e vão para o pátio. As crianças

estão muito animadas, pulam, gritam e correm para o local de início da

brincadeira.

Joana, organiza quem vai contar e procurar os colegas. Ela faz a mediação

retomando as regras, os espaços onde a prática iria acontecer. Com tudo

combinado, a brincadeira tem início autorizado, promovendo um

verdadeiro “estouro da boiada”!

(FOTO DO PESQUISADOR)

No entanto, mesmo com a grande animação das crianças, Joana se

aproxima e comenta comigo: “Cada vez mais estou preocupada com a

construção dos momentos de diálogo com a turma, eles não se escutam e

comprometem o trabalho coletivo!”

A brincadeira como tema da aula. Saber suas regras e dinâmicas como conhecimento

produzido pelos seres humanos constitui-se como objeto de ensino e aprendizado nas aulas de

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Educação Física. Pretende-se que, a partir das vivências e discussões, as crianças acessem e se

apropriem destes elementos da Cultura Corporal (SOARES et al, 1992).

Nas intencionalidades pedagógicas de Joana, a lista de brincadeiras, aparece como

recurso para mapear as práticas conhecidas pelas crianças, organizar a sequência de vivências,

assim como, dividir a responsabilidade de contar para a turma como a brincadeira poderia

acontecer.

Ao iniciar a tematização pela construção da lista, Joana mostra abertura e sensibilidade

para valorizar os saberes das crianças, afinal, elas já estão inseridas e atuantes na Cultura

Corporal. Trazer práticas de fora da escola para o seu interior, partir dos conhecimentos dos

estudantes e no diálogo com suas compreensões, organizar o processo de aprofundamento e

desvelamento da temática de estudo, torna-se passo importante para o professor dialógico

(FREIRE, 2011).

A oralidade nesta proposta é reconhecida como maneira de partilha e construção de

conhecimento sobre a brincadeira. Em alguns casos, Joana conta que conseguiu, após a

realização de um trabalho com entrevistas com os familiares, trazer para as aulas até mesmo

os avós das crianças, para contar e vivenciar brincadeiras desconhecidas do grupo.

Olhar para a brincadeira em sua relação com a cultura, parece ser uma marca deste

trabalho. Avanço no trato pedagógico da manifestação, uma vez que retira o estatuto

instrumental da brincadeira, utilizada, muitas vezes, para ensinar habilidades e outros

conteúdos, e relembra que ela é produção humana, importante de ser aprendida, vivenciada e

reconstruída.

Todavia, nas súplicas para explicar as regras da brincadeira, as crianças demonstravam

certa apropriação da sua dinâmica. Pareciam sentir-se confortáveis para falar em público e

dividir seus saberes com a turma. Da animação inicial passam ao sentimento de frustração

pela não escolha, por não poderem assumir a responsabilidade maior daquele momento da

proposta. Talvez, para além do deslocamento dos alunos para o lugar de expositores da

brincadeira, para que a proposta se concretizasse dialógica de fato, fosse necessária a

assunção da participação de todos para a construção das regras da brincadeira e não só de

alguns. Ao passo que apenas alguns são convidados a assumir esse papel, o sentimento

entusiasmo pela possibilidade de participação é ocupado pela frustração.

Em que medida, a falta de preocupação com a escuta e explicação dos colegas, não

demonstra um limite da própria proposta, que acaba organizando e estruturando saberes que

os alunos já possuem? Em que medida, as intencionalidades pedagógicas no trato das

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brincadeiras, criam uma forma de organização que limita a própria experiência de descoberta

de como brincar?

Escolas e instituições ainda encontram dificuldade para assumir o

espontâneo como construtivo, formador e um primordial espaço de escuta de

si e do outro [...] sem espaços livres e autônomos, crianças crescem afastadas

de seus desejos, aprendendo que escutar o que estão lhe dizendo ou

propondo, vem antes de uma escuta interna (MEIRELLES et al, 2016, p. 6-

7)

Aprendemos a brincar ouvindo explicações, observando outros brincantes, mas,

sobretudo, brincando junto. Durante o processo de aprendizado e tematização, esses diferentes

lugares, às vezes, acabam esquecidos, ou hierarquizados de forma a desvalorizar o saber da

vivência. Não seria possível brincar com esta organização?

O acesso aos saberes do brincar nem sempre se dá pela linguagem verbal, na fala sobre

como brincar. Existem outras possibilidades de comunicação e diálogo que em alguns

momentos a escola negligencia, sem sensibilidade para a sua compreensão.

O corpo e sua gestualidade, mais uma vez, fragmentados na sua potencialidade de

expressão. O brincar, organizado e estruturado, perde seu estatuto de ato, torna-se brincadeira,

conteúdo curricular.

Brincar ou não? Eis a questão?

O comentário de Joana sobre a falta de diálogo com a turma rodava no

meu pensar. Sentia que ela estava mais séria do que nos dias anteriores...

Quando um dos meninos começa a contar, vejo as crianças correndo...

deixo meu caderno no chão e saio correndo para me esconder.

Sinceramente não pensei muito nos efeitos que aquilo traria para a pesquisa,

mas me senti extremamente provocado a olhar o brincar de dentro. No meio

do trajeto, percebo que Joana me olha estranhada, de impulso, puxo sua

mão para entrar na brincadeira, ela não resiste e vai se esconder junto

comigo!

Nos escondemos junto com outras crianças e a recepção delas foi muito

interessante. Elas abriram sorrisos, começaram rapidamente a incluir a gente

nas estratégias, indicando por onde correr e o que fazer caso o colega que

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estava procurando os outros, chegasse perto. Falavam em tom baixo para

não serem ouvidas, uma escutando a outra e combinando um plano

coletivo. Eu e Joana ficamos juntos nesse primeiro momento e depois nas

rodadas seguintes nos separamos para ficar com as crianças, éramos alvo

fácil de ser encontrado!

Quando entro novamente na brincadeira, sinto a cultura escolar,

atravessando o meu agir. As regras da brincadeira foram combinadas de

acordo com as regras mais amplas da escola. Sentir isso, novamente, de

dentro da brincadeira, não somente de fora, potencializou sobremaneira a

compreensão. Aproximou-me das preocupações de Joana quanto ao

diálogo.

Além de brincar, procuro Joana em alguns momentos para observar o que

ela está fazendo, a percebo como brincante, junto com seus parceiros de

fuga!

(FOTO DO PESQUISADOR)

Quando entro novamente na brincadeira, sinto a cultura escolar,

atravessando o meu agir. As regras da brincadeira foram combinadas de

acordo com as regras mais amplas da escola. Sentir isso, novamente, de

dentro da brincadeira, não somente de fora, potencializou sobremaneira a

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compreensão. Aproximou-me das preocupações de Joana quanto ao

diálogo.

No fim da brincadeira, estou escondido com várias crianças. Estavam quase

nos encontrando. Percebendo isso, resolvi correr para dar a volta no teatro

aberto. Em vez de passar pelo lugar permitido e ser pego!

Dei a volta no lugar proibido, subindo as rampas, passando perto da

diretoria, para sair do outro lado. No momento que corri, não chamei

ninguém, mas me dei conta que as crianças entenderam a estratégia e

subiram junto comigo! Cerca de 6 ou 7 vieram atrás de mim. Não tinha mais

volta, era continuar correndo ou ser pego! Escolhi correr e quando cheguei

na parte mais alta da escola, percebi o olhar de estranhamento das

inspetoras e professoras que passavam por nós. Algo como: “Ué, por que

esse adulto está correndo aqui? E essas crianças correndo atrás dele? O que

está acontecendo?” Senti-me constrangido e diminui a velocidade

orientando as crianças para correrem mais devagar. No fim, a gente

conseguiu bater cara e não ser encontrado!

Logo em seguida veio a Joana e falou, dando risadas com a situação: “Para

onde você levou meus pequenos, Gabriel? Você está colocando a escola

do avesso!”.

Percebi, então, que assim como eu a observava, ela também observou

onde suas crianças foram levadas por mim!

A aula como acontecimento. Aula como espaço de encontro, de vivência, que no

diálogo entre professora e crianças, constrói vias de circulação de conhecimentos e saberes

(GERALDI, 2015).

Dependendo do lugar que ocupamos como professores e estudantes a circulação de

conhecimentos muda, pulsa, ou estabiliza, fixa, enrijece.

Qual identidade o docente deve assumir? Qual identidade de estudante seguir?

Em determinados momentos da aula, para entrar em contato com as crianças e tratar

dos conhecimentos, é necessário assumir lugar de docência comumente encontrado. Percebia

que a preocupação de Joana com a construção de regras tinha a ver com as normas da própria

escola, mas também com o nível das relações entre as crianças. O aprendizado em si da

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brincadeira havia ficado em outro plano. Na falta de aproximação com as crianças, Joana se

escondia, se esquecia brincante e se deixava fixar nas tramas da cultura escolar que controlava

não só os corpos das crianças, mas também, o seu, como docente.

A falta de diálogo, gerava incômodo, frustração, mas também, impulso para reflexão.

Quando conversamos nos encontros essa percepção se fazia presente. Estava ela tentando

organizar o processo de tematização do brincar de maneira interessante, intencional, mas sem

atenção das crianças, sem deslocamento do olhar. Do que estava a se apropriar? Que formas

de relação estava a construir?

Joana era professora experiente. Mostrava no cotidiano das aulas, conhecimento de

estratégias pedagógicas para propor uma boa mediação do brincar (NAVARRO, 2009).

Durante esses momentos iniciais e no próprio brincar, ficava nas margens, problematizando e

organizando questões de espaço, de regras. Assumia com muita clareza, o papel de professora

que tematizava as brincadeiras, por se tratarem de manifestações da Cultura Corporal

(SOARES et al, 1992).

Porém, com essa turma em específico, não se permitia e também não era permitida em

muitos momentos, ir além desse papel. Em alguns momentos via no brincar, a bagunça, falta

de atenção, que atrapalhavam o diálogo, a construção coletiva. Todo o projeto poderia ruir, se

uma questão anterior, de relação, não indiferença com o outro, disponibilidade para escuta,

não fossem exercitados. Não podia ela incentivar ou deixar continuar a desordem. O grito, a

ameaça, foram maneiras encontradas para podar a “bagunça”. Ela sentia não ser esse o melhor

caminho, mas naquele momento específico, circunscrito, era o ato pedagógico “que tinha em

mãos”.

Será que Joana, na busca do diálogo e construção coletiva com as crianças, não estava

fechada no seu ponto de vista? Será que estava aberta a olhar e perceber as outras maneiras de

se comunicar existentes na turma?

Entre o olhar de Joana e o das crianças (não entendidas como bloco único, mas plural

e dinâmico) havia diferenças na maneira de perceber a dinâmica da aula. A aula como

acontecimento nos passa, atravessa, torna-se experiência ou não. O professor nunca sabe ao

certo o que ficou, marcou, mobilizou os alunos. Cada um, apesar de membro de um coletivo,

está no seu lugar, no seu olhar, na sua singularidade, na sua compreensão. Para dialogar torna-

se necessário deslocamento do olhar e ampliação do horizonte de percepção. Desejar esse

encontro no contexto pedagógico implica o professor assumir não mais um movimento

autoritário, mas sobretudo, alteritário (FREIRE, 2011).

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A alteridade é o espaço da constituição das individualidades: é sempre o

outro que dá ao eu uma completude provisória e necessária, fornece os

elementos que o encorpam e que o fazem ser o que é. No corpo biológico

que somos constituímos histórica e geograficamente o sujeito que seremos –

não sempre o mesmo, mutável segundo suas relações, incompleto e

inconcluso. Muitos em um só: unidade e unicidade, que por histórica não

significa permanência do mesmo, mas mutabilidade no supostamente

mesmo. (GERALDI, 2013, p.12-13)

Deslocar e flexibilizar as identidades, talvez fossem passos interessantes. Incertos,

cheios de dúvidas sim, mas necessários para o encontro.

Dentro da brincadeira, a dinâmica dos signos, da linguagem e comunicação assume

outro movimento, outro processo de significação. O que antes era barreira, fronteira, limite,

torna-se caminho, trajeto, possibilidade. O ato de brincar é o ato de redinamizar a cultura,

reorganizar os signos e construir outras formas de circulação.

Escola, pátio, parque, tornam-se provisoriamente arena de batalha, campo de

esconderijo. Espaço que, apesar de esconder, revela outros modos de ser. Outras identidades

possíveis de assumir. Alunos, professora, por breves momentos, tornam-se brincantes.

O campo de batalha, após o brincar volta a ser a escola. Os brincantes voltam aos seus

papéis primeiros, mas também descobrem, aprendem, relembram no processo, a capacidade

de entrar e sair, ir e voltar (GADAMER, 1998). Não se deixar fechar em uma identidade

única, mas compreender o momento certo de se colocar e aparecer. Eu, apesar de brincante,

estava também atuando como pesquisador, buscando compreender os movimentos das

crianças e da Joana. Ela, por sua vez, mantinha um olho no brincar e o outro nos alunos, para

não deixar “a escola ficar do avesso”. Ou talvez, deixar, mas de maneira moderada.

Com essa experiência, percebo que o professor brincante é aquele que permite seus

alunos e a si mesmo, criar espaço de movimento, dinamismo, pluralidade, incerteza e

transformação cultural. Ele não perde de vista as questões pedagógicas, as regras e normas da

cultura escolar, mas busca, também, compreender e sentir seus limites, suas possibilidades,

não deixando as identidades encontrarem rigidez!

O dia do esconde-esconde foi um marco como o início das brincadeiras do lado de fora da sala e começamos com uma brincadeira que eles gostam muito. Foi muito bom! A turma se envolveu bastante no brincar. Também foi interessante a provocação de me tirar de meu lugar de professora e me colocar no lugar de brincante. Foi uma boa “cutucada”, pois como eu vinha de um momento um tanto delicado e tenso com a turma no que tange à

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questão da organização, eu estava com bastante dificuldade de sair deste lugar, de quem está o tempo inteiro observando e controlando, ou ao menos tentando... pois eu acho que, na maior parte do tempo, eu somente tento e isso quase nunca dá certo… (risos). Isso é uma constatação! (COMENTÁRIO DA PROFESSORA)

Nesse dia, Joana foi recebida e acolhida pelas crianças. Foi incluída rapidamente nas

estratégias e percebeu que elas conseguiam sim, dialogar, se escutar, construir maneiras de

agir coletivamente. Ainda levou algum tempo para essa compreensão amadurecer e se

constituir ação, porém, essa experiência foi impulso para o movimento seguinte, de retomar

não só seu modo de Ser Professora – brincante, mas também, pesquisadora.

Se perder para se encontrar

Joana pede para que todas as crianças se levantem, se espalhem no

espaço e ao som da música busquem se movimentar de acordo com o

ritmo.

Todos ficam animamados com a proposta, parecem já conhecer a

brincadeira. Quando ela tira de sua bolsa um instrumento musical de

percussão, que segundo sua explicação tinha origem africana e era

chamado de Djembê, alguns arregalam os olhos, batem palmas, saltitam na

espera da música.

As batidas começam mais leves no início, provocando alguns

deslocamentos, risos e aos poucos fica mais intensa, mais forte. Braços

balançam no ar, pés batem no chão, cabeças acompanham o ritmo das

mãos da professora.

A proposta dura apenas alguns instantes, era uma pequena provocação

para a atividade principal. Assim que Joana percebe que a turma está de

corpo presente, atenta ao seu ritmo, ela reduz a velocidade das batidas e

fala: “Nós vamos brincar da dança do Siri! Agora nessa brincadeira ao invés

de se movimentar livre, nós seremos os Siris!"

As batidas ganham velocidade novamente, a turma se anima, pega fogo

nos deslocamentos laterais. Os gestos mimetizam o caminhar dos Siris. Joana

enquanto toca o instrumento, brinca junto com as crianças, se entrega na

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proposta e começa a cantar uma música que todos parecem já conhecer.

É uma música da Região Nordeste que eles apresentarão no próximo festival

da escola.

Com o passar do tempo, alguns meninos começam a brincar de pega-

pega, correndo pelo espaço; outras meninas, saem da postura de Siri e com

os braços para o alto, começam a dançar separadas do grupo; um menino

sozinho senta, dizendo que não vai mais dançar. Mesmo assim, Joana

continua a brincar com quem sobrou da turma, até a música terminar.

No fecho, diz, ofegante e sorridente: “Ufa, foi muito bom!”

Andar perdido

é melhor

que estar parado.

Quem anda perdido

pode se encontrar.

Mas quem está parado

pode nunca

se perder

(MANOEL DE AREIA) A dança como possibilidade de brincar. Brincar com o corpo, com os gestos, com os

ritmos. Incorporar um personagem na narrativa da música. No vai e vem lúdico (GADAMER,

1998), se perder e se encontrar.

O lúdico como uma manifestação de expressividade humana plena, uma linguagem

singular presente no âmago da experiência singular de várias práticas sociais como o brincar,

a dança, a literatura, as artes plásticas, a música, as ciências, o trabalho, entre outras,

possibilita, ao homem dialogar, criar e romper com as suas limitações (LUCKESI, 2004).

Para Cazeneuve (1967), pelo lúdico o homem encontra um lugar de distensão que

alivia as coerções do cotidiano, e, por isso, pode ser algo transgressor.

Joana conhecedora e participante de grupos de manifestações populares percebe que

ao trazer esses saberes para a escola, pode criar espaço de expressão e valorização da ação

brincante das crianças. Nas manifestações populares,

[...] o conhecimento é transmitido de maneira alegre, dinâmica, útil, não de

maneira estagnada como em tantos locais que são expostas. Os gestos de

cada personagem e cada função são reproduzidos pelas crianças, que vão se

apropriando deles com o passar do tempo e imprimindo uma identidade

própria, só sua: a criação. Na prática universal que é a educação, esta

formação nada mais é do que um processo hereditário e iniciático intenso,

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onde se transita de um momento a outro de desenvolvimento, sendo o mestre

em primeira instância o condutor, mediador disto que se revela como

conhecer-se em forma e potência (MEIRELLES et al, 2016, p. 9).

O corpo brincante do professor, como condutor e mediador da proposta pode provocar

o movimento e expressão do corpo das crianças. Atos que respondem a outros atos e

constroem, assim, um diálogo brincante. Porém, apesar da provocação, o brincar insiste em

não se deixar controlar.

Há várias possibilidades de ser brincante. Além daquele que participa e entra nas

brincadeiras em si, existem também aqueles que mobilizados pelo agir dos outros, vibram,

comemoram, ou também, ficam apenas na observação, porém arrebatados por aquilo que

observam. A dinâmica brincante se apresenta nesta pluralidade de expressões.

acho que a gente tem uma diversidade de seres ali, com intencionalidades

diferentes naquele momento. Para alguns pode estar muito divertido e para

outros pode não provocar nada. Acho que isso vai acontecer sempre na

escola. Acho que quando procuramos, encontramos momentos em que isso

acontece, que a gente olha e fala: Nossa que legal! Está todo mundo se

divertindo! Mas, confesso, isso é super oscilante (COMENTÁRIO DA

PROFESSORA)

Nem sempre o brincar aparece nos momentos em que é permitido pelas normas

escolares. Há o brincar transgressor que surge no meio das rodas de conversa, das explicações

do professor, dentro de outras atividades, mas há, também, o brincar que não vinga, que não

se expressa mesmo quando a escola permite.

Saber lidar com esse silêncio, tanto quanto saber provocar animação, parece ser

conhecimento importante para a docência. É possível encontrar brincadeiras que as crianças

não se sentem arrebatadas, e tudo bem que isso aconteça. O professor sensível a essa questão,

pode tentar criar outras possibilidades de participação, de vivência, ou até mesmo respeitar a

liberdade daqueles que não se propõe a brincar.

Na escola, há formas de expressão comuns, usuais, normalizadas, mas há também

aquelas que escapam, que ampliam o potencial de comunicação dos corpos das crianças.

Talvez, na leitura e mapeamento desta cultura, o papel de um professor brincante possa ser o

de tensionar os limites de expressão, as normas, as brechas, para que o brincar se faça

presente em mais contextos que não apenas os usualmente permitidos. Esse parece ser

conhecimento importante de ser aprendido com as crianças.

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3.3 O brincar como ato responsável

Precisamos de maior concentração

Joana pede para as crianças formarem uma roda de conversa. Cada um

senta próximo daqueles com quem tem mais afinidade. Antes de começar a

tratar do tema da aula, ela conversa com as crianças sobre a importância

da escuta e do respeito para com a fala dos outros naquele espaço.

Em um primeiro momento as regras da roda são respeitadas, Joana

consegue explicar a proposta da aula e as crianças participam da

dinâmica, levantando a mão para falar, esperando o término da fala do

outro para iniciar a sua.

Aos poucos, algumas crianças começam a se cansar da roda, da dinâmica,

das regras e começam a conversar com os parceiros do lado, brincam de

bater as mãos no chão, estalar a língua, começam a girar o corpo no

próprio lugar. Pequenos atos que não escapam ao olhar da professora.

Joana, assim que percebe a movimentação, em resposta, decide iniciar a

primeira atividade da aula. É um alongamento orientado.

A cada novo movimento, Joana direciona a atenção das crianças para

algum elemento do corpo: “Agora quero que vocês levantem os braços

bem lá no alto, como se estivessem puxando um zíper e se fechando dentro

de um casulo!”. As crianças imitam seus movimentos, mas também,

imprimem pequenas variações no momento de realização. Elas pulam

fazendo de conta de que o zíper fica emperrado. Algumas giram o corpo e

conversam com os colegas do lado. Outras abrem os braços e fingem bater

asas de borboleta. Cada uma expressa o que a atividade provoca em seus

corpos.

Joana, percebendo o descompasso dos gestos, parece não contente com

a participação da turma e pede para todos voltarem para a roda de

conversa. Suas palavras e gestos provocam outros efeitos, mobilizam outras

respostas nas crianças. Em tom um pouco mais forte, ela diz: “Gente, vocês

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estão realmente aproveitando a proposta da aula? No nosso alongamento,

precisamos de atenção e cuidado com o nosso corpo! Vocês estão muito

desconcentrados, estão parecendo uns robôs...”

No momento em que a palavra “robôs” é enunciada por Joana, um dos

meninos que está ao seu lado na roda, começa a imitar com gestos, o

deslocamento de um robô. Alguns meninos da turma, acham graça e

decidem entrar juntos na brincadeira.

Joana dessa vez, não percebe o diálogo brincante que sua fala provocou.

Chama todos de volta para o alongamento e diz que eles precisavam

acompanhar suas orientações com maior atenção!

Nossos atos são vistos de pelo menos dois lugares. O ato visto de dentro, do ponto de

vista de quem age. E o ato visto de fora, do ponto de visto do outro (BAKHTIN, 2011). O que

é diferente do lugar de quem age (aqui-agora-único-singular-irrepetível) torna-se outro.

Apesar de distantes, o dentro e o fora, o eu e o outro, complementam-se, misturam-se,

imbricam-se de um modo que eu - outro, interno - externo, dialogam de forma tão intensa que

somente nessa relação, o sentido do mundo e das coisas pode ser produzido.

O que mantém a relação de aprendizado no contexto escolar, é a assunção de que o

outro sempre vê o que desconheço. O outro sempre nos apresenta uma forma de ver o mundo

que só é possível do seu ponto de vista. Somos limitados, e não conseguimos ver nosso

próprio corpo por inteiro, não temos olhos na nuca. Nesse existir inconcluso, crianças e

professora em diálogo se constituem como sujeitos singulares em conjunto com outros

sujeitos singulares. A partir desta diferença de pontos de vista, chamado por Bakhtin (2011)

de excedente de visão, em réplica, em diálogo, atribuímos e tecemos sentidos para nós

mesmos, mas também aos outros e ao mundo (BUBNOVA, 2011).

A situação da roda de conversa mostra bem como essa diferença de pontos de vista

está presente no cotidiano escolar. Todos ali se percebem do seu ponto de vista, mas também

são percebidos a partir do ponto de vista dos outros. Uma professora observando e dialogando

com trinta crianças. O que ela consegue perceber de si e das crianças que estão ao seu lado?

Trinta crianças observando uma professora. O que elas percebem e ensinam para a

professora? Será possível todos olharem para o mesmo tema da mesma forma? Ou assumir e

lidar com a diferença seria possibilidade viável?

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Bakhtin (2012), ao tratar do ato, se opõe radicalmente ao ato desencarnado, abstrato,

mecânico. Para ele, o ato é sempre responsivo, uma réplica, uma resposta a outros atos, que

logo em seguida já mobilizam novos atos. Além de responsivo, é responsável, no sentido de

responsabilidade com os efeitos destes atos (BUBNOVA, 2011).

Na dinâmica das aulas, na relação docente - crianças, quando conseguem escapar da

mecanização do existir escolar, são responsáveis pelo que fazem, não existe álibi para seus

atos. Agir os coloca na centralidade única do existir, que por sua vez, reverbera no existir dos

outros que os acompanham. O ato no presente dialoga com o passado, renovando os sentidos

antes atribuídos e abrindo caminho para que o futuro seja produzido. Cada ato responsável é

único, irrepetível, singular e entrelaça, presente, passado e futuro, em um contínuo

interminável (BAKHTIN, 2012).

O agir docente se constitui nesse movimento, de resgatar o passado no presente e criar

possibilidades de futuro. Isso acontece com a escolha dos temas a serem ensinados ou não;

das práticas realizadas e permitidas em aulas ou não; assim como, das maneiras de agir ou não

presentes naquele contexto. Professora que em resposta ao que as crianças dizem e fazem,

coloca em dialogo, também a sua própria história e experiências como estudante e escolhe um

caminho a seguir.

Nessa dinâmica dialógica, o ato responsável conecta dois mundos que muitas vezes a

própria escola parece tratar de forma isolada. O mundo da vida na historicidade única e

singular de existir de cada sujeito, a partir do ato, aproxima-se do mundo da cultura, conjunto

de todas as produções humanas (BAKHTIN, 2012).

Dessa forma, a cada ato singular, irrepetível, cria-se um novo acabamento estético,

criativo e produtor de conhecimento. Cada ato revela o inacabamento da cultura e a

capacidade humana de inscrever novos sentidos e significações ao mundo. Isso fica evidente

na forma com que crianças e professora atribuem sentidos completamente singulares para ato

do alongamento, para a palavra robô, para a dinâmica da aula. No distanciamento dos pontos

de vista, emergia a possibilidade de construção de diálogo, mas também, a possibilidade de

tentativa de controle por parte da professora.

O diálogo só acontece no encontro, na relação com o outro que nos é diferente. Na

velocidade da rotina escolar e busca pela padronização do agir dos corpos, nem sempre os

professores abrem espaço para essa ação. Quando fechados para a possibilidade de atribuição

de novas significações no agir das crianças, ganha espaço a tentativa de controle de tudo

aquilo que parece diferente do ponto de vista inicial.

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O ato responsável questiona essas representações que visam a reprodução, na medida

que possibilita a criação estética, a produção de conhecimento, na relação do mundo da vida

com o mundo da cultura. Diante desta questão, nos deparamos com a dinâmica de um dos

elementos mais importantes no ato responsável, o signo.

Os signos são material especificamente humano, de criação social, entre indivíduos

organizados, servindo-lhes como meio de comunicação. São produto da capacidade humana

de modelizar sua experiência em materiais de possível compartilhamento com outros

humanos (PONZIO, 2015). Assim, a linguagem é tratada em seu sentido mais amplo,

expressada a partir de signos de diferentes naturezas (verbal, gestual, musical, imagético,

etc.).

Eles são fenômenos externos, assumem objetividade e materialidade nos sons, nas

cores, nas estruturas físicas, no movimento dos corpos, entre outros. São parte da realidade.

Refletem, mas também refratam outras realidades, abrindo espaço para a sua distorção,

manutenção e tensão (VOLÓCHINOV, 2017).

Refletem a realidade porque utilizam-se de outros signos já existentes para se

constituir como elo de uma cadeia criativa. Ao mesmo tempo, também refratam, na medida

que cada signo, carregado de sentido, dialoga com outros signos e cria uma realidade única do

ponto de vista de cada sujeito. Esse movimento de reflexão e refração inerente ao signo,

permite a estabilidade sempre provisória da realidade pois, a cada novo signo expressado, o

que antes era percebido, passa a ser atualizado e reconstruído.

Percebemos esse movimento do signo nos diálogos estabelecidos por Joana com as

crianças. Diálogos em que palavras e gestos, tinham de ser imitados e reproduzidos, porém,

no agir das crianças, acabaram sendo atualizados com outros sentidos. Será que como

professores estamos abertos para essa possibilidade de criação de novas significações? Ou

será que estamos na busca do controle e estreitamento das maneiras de olhar o mundo?

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a

imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás de casa.

Passou um homem depois e disse: Essa volta que o

rio faz por trás de sua casa se chama enseada.

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que

fazia uma volta atrás de casa.

Era uma enseada.

Acho que o nome empobreceu a imagem.

(MANOEL DE BARROS)

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O ato responsável, como signo, carrega em seu interior a historicidade e apropriação

singular dos sujeitos ao conjunto das produções humanas acessadas. Por isso, os signos são ao

mesmo tempo, expressão singular e social. Relacionam-se com signos já existentes,

direcionam-se e abrem caminho para outros que ainda estão por vir. São elos materiais de

uma cadeia dialógica, criativa, ininterrupta, que reconfigura a realidade (BAKHTIN, 2012;

VOLOCHÍNOV, 2017).

Apesar dos signos serem parte, constituírem e permitirem a reprodução da significação

das coisas, dos objetos, dos sons, das cores, dos atos, enfim, do mundo, devido a

singularidade contida em seu interior, seu acabamento estético inconcluso e a possibilidade de

refração, a realidade está sempre passível de transformação (FARACO, 2009). As crianças no

movimento de resposta aos atos da professora, explicitam essa possibilidade de resistência,

questionamento e transgressão.

Repetir repetir – até ficar diferente.

Repetir é o dom do estilo.

(MANOEL DE BARROS)

O ato carrega o sentido/resposta de seu autor em diálogo com tantos outros

interlocutores e abre possibilidade para diversas outras interpretações, outros

sentidos/respostas. Os sentidos necessitam do ato para serem expressos (BUBNOVA, 2011).

Apesar de enunciarmos as mesmas palavras, realizarmos os mesmos gestos, de forma

aparente nas aulas, o ato responsável é sempre singular e situado em tempo e espaço. Seus

sentidos são sempre únicos e irrepetíveis, diferentes para cada um que realiza. Crianças e

professora apesar de fazerem as mesmas ações, podem estar significando de formas

completamente diferentes.

É principalmente o movimento de refração que permite a dinâmica e produção

incessante da cultura e de signos atualizados. Atos produzindo sentidos em diálogo com atos

alheios. Os sentidos produzindo tensões nos significados, significação em movimento

ininterrupto. Não existe significação sem refração (FARACO, 2009).

Para entrar em estado de árvore é preciso partir de

um torpor animal de lagarto às três horas da tarde,

no mês de agosto.

Em dois anos a inércia e o mato vão crescer em nossa boca.

Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato

sair na voz.

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Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

(MANOEL DE BARROS)

No ato de brincar, as regras são implícitas à cultura, à ideologia, aos papéis sociais, ao

contexto onde o ato é realizado. E mesmo sofrendo determinações, sua essência tem a ver

com a refração, alteração, subversão, transgressão desta realidade provisória, desta cultura.

Quando a criança brinca no contexto da roda de conversa, ou do alongamento, criando novos

sentidos ao que a professora e colegas falam e fazem, ela está refratando, subvertendo,

alterando os significados já existentes, ao atribuir novos sentidos. O que antes era

provisoriamente estável, é refratado, no ato de transformação e criação de uma nova

interpretação.

A refração pode ser em menor ou maior acento, dependendo do contexto. Às vezes, o

ato de transformar o sentido das palavras ou gestos, já é algo determinado e ensinado às

crianças na vivência e aprendizado da cultura lúdica escolar.

Há que se considerar também, que esse ato de refração, de criação de signos e

movimento ininterrupto de construção da realidade, que aqui estamos chamando de brincar,

assume diferentes significações e nomes nos vários contextos da sociedade, inclusive na

escola. Isso tem que ser considerado, visto que, permite compreender como os grupos sociais

se relacionam com esta forma de agir.

No contexto escolar, como mostrado nas narrativas, em vários momentos as crianças

dizem que estavam brincando e ao mesmo tempo, a professora chama atenção, porque de

acordo com a sua interpretação, o que elas estavam fazendo era bagunça, falta de respeito.

Então, ao passo que buscamos compreensão do brincar como ato responsável, como

movimento de refração na criação de uma realidade outra, é importante também não cair em

um relativismo, onde tudo é brincar. Para isso, torna-se necessário, considerar a forma com a

que a escola em sua história e construção cultural, nomeia e interpreta os atos como brincar ou

não. Somente na relação com o cotidiano, com o uso concreto das palavras na dinâmica

social, podemos compreender como o brincar é percebido e nomeado na cultura escolar.

Assim, diante da brincadeira dos “robôs”, penso no ato de brincar como a

possibilidade de reflexão e refração do signo. Ato responsável que, como forma de

linguagem, em funcionamento nas relações eu-outro, aproveita-se do inacabamento da

realidade para se manifestar. Ele deflagra a provisoriedade desta realidade, do significado das

coisas, do mundo e abre a possibilidade de romper com o que está posto como universal. O

ato de brincar cria novos mundos, novas realidades possíveis e desloca o brincante como ser

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ativo, criativo, participante e responsável pelos seus atos, na relação com os outros. Diante

desta compreensão, pergunto-me: Será possível a existência de professores e crianças

brincantes no contexto escolar?

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4. POR UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA BRINCANTE

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas

leituras não era a beleza das frases,

mas a doença delas.

Comuniquei ao Padre Ezequiel,

um meu Preceptor,

esse gosto esquisito.

Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.

- gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável,

o Padre me disse.

Ele fez um limpamento em meus receios.

O Padre falou ainda:

Manoel, isso não é doença,

pode muito que você carregue para o resto da vida

um certo gosto por nadas…

E se riu.

Você não é de bugre? – ele continuou.

Que sim, eu respondi.

Veja que bugre só pega por desvios,

não anda em estradas -

pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas

e os ariticuns maduros.

Há que apenas saber errar bem o seu idioma.

Esse Padre Ezequiel

foi o meu primeiro professor de agramática.

(MANOEL DE BARROS)

Nas tramas da cultura escolar, para que o trabalho educativo se concretize, as regras,

normas e discursos atravessam as práticas pedagógicas e criam variados efeitos em relação à

importância do brincar. Esses discursos orientam a postura docente de Joana, fazendo com

que esta busque agir de maneira mais aberta, espontânea, curiosa ou, também, controladora

em relação à ação das crianças. Seus olhares, gestos e atos, com intencionalidades diferentes,

deixam marcas nos corpos. Contribuem com a educação e constituição humana de cada um,

com quem se relaciona.

Acompanhando Joana em suas aulas, tomei contato com diversas facetas que se

entrelaçam e constituem sua prática pedagógica frente ao brincar. Nesse alinhavado de

intencionalidades, o brincar assumia diferentes significações.

Nas primeiras narrativas apresentadas no capítulo anterior, refletimos e

compreendemos principalmente, como em algumas dinâmicas de aula se fazia presente uma

tentativa de controle, que acabava legitimando uma aceitação de que o brincar era ato oposto

e contraditório ao ato de aprender, de se relacionar, se expressar e se conhecer.

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Cada momento da rotina escolar, com seus ritmos, tempos e discursos, cria um sistema

de controle dos corpos que atravessa as possibilidades de brincar e expressar-se das crianças.

Em alguns momentos, vimos que antes mesmo delas realizarem o ato de brincar, acabavam

levando broncas e sendo advertidas. Era preferível o controle dos corpos à abertura para as

possibilidades de criação de outras maneiras de ser e existir. Todavia, mesmo com esta

perspectiva, Joana já parecia perceber as limitações desta forma de agir e ser educadora.

Diante deste contexto, de constante negação, o brincar começa a aparecer nas brechas,

nas entrelinhas, na tentativa de tensionar e transgredir as regras e normas da escola. A

professora quando assume o lugar de controladora das ações e expressões, no ato de brincar, é

transformada em oponente, em sujeito a ser combatido e enfrentado.

Como construir relação educativa nesta posição? Como ser educadora dialógica

assumindo essa identidade? Eram questões que Joana fazia para si mesma, ao longo da

pesquisa.

A escolha por um lugar de controle dos corpos e das expressões, marca principalmente

uma escolha de concepção pedagógica. A insistência por esta forma de atuar encobre, talvez,

medo e insegurança do que aconteceria com a escola se o brincar fosse permitido e aceito

como possibilidade de diálogo e expressão em meio às aulas e momentos de estudo.

Na tentativa de amenizar os anseios das crianças, a escola cria tempos fragmentados

em que pequenas possibilidades de brincar são permitidas. O recreio, os momentos nos finais

das aulas e os momentos de brincadeiras com finalidade de ensinar outros conteúdos, passam

a ser legitimados pelo discurso pedagógico, como os tempos permitidos para as crianças

brincarem na escola. Porém, no que parece ser uma abertura, o controle se mantém como

marcador da ação pedagógica dos professores. As incertezas e possibilidades das brincadeiras

são reduzidas ao máximo para que as respostas e ações das crianças sigam sempre para uma

mesma direção.

Especificamente na área pedagógica, existe uma tendência – ainda a ser

superada – de considerar o brincar como um meio para se atingir

determinados objetivos: o brincar justifica-se na dimensão escolar como um

recurso para se apreender determinadas habilidades. Aprender a contar, por

exemplo. Ou para a aquisição de habilidades motoras. Isso também é

possível. Mas há uma diferença entre admitir o brincar como um meio para

cumprir determinadas metas de aprendizagem ou de considera-lo como

expressão máxima da criança, e assim, como um fim em si mesmo. (SAURA

et al, 2015, p.22)

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Joana em diversos momentos incorporava o discurso pedagógico do controle,

acompanhava os direcionamentos da cultura escolar posta. Mas também, percebia suas

limitações. Sabia que quando o brincar era tratado sem fim em si mesmo, acabava reduzido na

sua potencialidade. Era tratado como instrumento ou mera moeda de troca, que serve para

chantagear e obrigar as crianças a obedecerem às normas do trabalho escolar. Na medida em

que a escola identifica o brincar como elemento de desejo das crianças, ela finge abrir

possibilidades de sua manifestação, em troca da realização das obrigações de estudante.

Brincar e aprender novamente colocados em polos opostos, como se não fosse possível a sua

aproximação. Seria essa, a única via possível de educação?

As mesmas marcas e discursos que podam a expressividade de tantas crianças

impõem, também, aos professores, que delas tomam parte, assumir lugar de restrição de sua

própria expressividade e espontaneidade. Professor que enrijecido pela cultura escolar,

restringe sua sensibilidade ao que é funcional, ao que é objetivo, ao que promove algum

resultado. Aquilo que escapa, que demanda olhar cuidadoso e curioso, deixa de ser procurado

e passa a ser proibido.

Na tentativa de chegar em resultados comuns, em detrimento das intencionalidades

singulares dos gestos brincantes frente as demandas da brincadeira, observa-se como as letras,

os números, as habilidades são exercitadas. A dimensão humana da expressão no ato de

brincar, colocada em segundo, terceiro plano, frente aos resultados e fixação dos conteúdos,

preocupava eu e Joana que buscávamos com a pesquisa, refletir, resgatar e construir outros

caminhos para a nossa prática pedagógica com as crianças. Sentíamo-nos enquadrados nessa

forma de atuar, buscávamos no brincar possibilidade outra de nos constituirmos educadores.

A poesia está guardada nas palavras —

é tudo que eu sei.

Meu fado é o de não saber quase tudo.

Sobre o nada eu tenho profundidades.

Não tenho conexões com a realidade.

Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.

Para mim poderoso é aquele que

descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).

Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.

Fiquei emocionado.

Sou fraco para elogios.

(MANOEL DE BARROS)

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Uma prática pedagógica outra, talvez, fosse possível e, sobretudo, necessária naquele

momento. Ao acompanhar Joana em suas aulas, começamos a refletir e resgatar

possibilidades de se construir uma atuação brincante. Movimento desafiador e nada fácil de se

concretizar, porém, revelador de uma sensibilidade e preocupação com a importância de uma

educação dialógica e humanizadora.

No processo, descobrimos que havia diferentes formas de se afirmar professor-

brincante. Mas talvez, um primeiro movimento necessário, fosse a reaproximação com o olhar

das crianças. Reaprender a brincar com quem ainda detém esses saberes.

Em uma atitude de agachamento e comunicação olho no olho, a intenção é

nos colocarmos lado a lado da criança, anulando hierarquias autoritárias

vindas primeiro pelo mero tamanho físico de um adulto, representação de

sua suposta superioridade em relação aos saberes infantis. O movimento é

oposto: é de aproximação do olhar, em foco e intenção, vendo por meio da

lente própria das crianças. Olhar em estado de devaneio, onde a consciência

possa relaxar o suficiente para assegurar que o subjetivo esteja envolvido.

Recorrer ao mais brando estado de presença e estar aberto ao inesperado,

inusitado, a ponto de poder assumir e reconhecer nosso despreparo para, de

repente, ver o que foi visto. (MEIRELLES et al, 2016, p. 4-5)

Ao olhar o brincar com maior atenção, Joana começou a desvelar a cultura e o

imaginário de suas crianças. Percebeu o quão diverso e contraditório era o universo lúdico

delas.

Como primeira medida pedagógica, ampliou novamente os momentos de brincar livre

em suas aulas, apostando na sua potência e começou a se permitir encantar-se com as

situações que surgiam nos encontros com as crianças.

Descobriu a beleza de acompanhar um grupo de meninos que sempre brincava no

parque, imaginando um combate entre cavaleiros com escudos e espadas feitos de elementos

da natureza.

Observava também, as crianças que encontravam na terra, possibilidade de construir

novas moradas. Passou a admirar os gestos manuais no processo de construção e acabamento

estético das casas.

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(FOTOS DA PROFESSORA)

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Ao contar sobre o que observava, Joana dizia: “Algumas sementes desse respiro, desse

brincar livre, dessa re-existência, vão se sustentar, crescer e continuar tensionando e

deflagrando a necessidade de uma escola outra!”. Uma escola outra, construída por

professores outros, que não se permitem acomodar no lugar de controle. Professores que

encontram nos estranhamentos e encantamentos, na incerteza da abertura, possibilidade de

encontro e diálogo com as crianças.

Em outra situação observada, um grupo de crianças sabendo que teriam possibilidade

de brincar na escola, confeccionou uma espécie de massinha em casa. Joana vendo o material,

ficou curiosa e começou a acompanhar a brincadeira:

Colorindo a massinha

Eles começaram a pensar como eles iam fazer para colorir a massinha. Na

discussão, surgiu a ideia de raspar o giz de lousa. Só que foi assim, esse

grupinho pediu o giz e eu tinha pouco, eu tinha pouco giz comigo. Eu

entreguei os que eu tinha e sai para conversar com os outros grupos da

turma. Quando eu olho de volta, já estava a Roseli, que era inspetora,

descendo com as crianças e dizendo: Joana é o seguinte, as crianças foram

lá na sala de aula pedir giz e me falaram que foi você quem deixou! Para

acobertar as crianças, eu falei que sim, que eles estavam precisando mesmo

e que haviam me avisado que iriam. As crianças ficaram até preocupadas

com a possibilidade de bronca, mas quando viram que estava tudo

resolvido, voltaram a brincar. Fiquei contente porque eles meio que tiveram

uma autonomia do tipo: ah, se a gente precisa, a gente vai procurar onde

tem!

(NARRATIVA DA PROFESSORA)

No brincar as crianças se deparam com dúvidas e necessidades que quando não

conseguem resolver sozinhas, buscam ajuda de outros para solucionar. A abertura de Joana,

demonstra capacidade de flexibilidade para com o agir das crianças. Ela não estava mais no

controle, mas tornava-se mediadora de possibilidades. Brincou junto, frente à necessidade de

acobertar as crianças perante o chamado da inspetora. Nas tramas da cultura escolar, aquilo

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que foge à regra, rapidamente é percebido e coibido. É necessário conhecimento para saber

driblar e saltar os obstáculos do caminho. É papel do professor-brincante, mais do que propor

brincadeiras estruturadas, oferecer as condições necessárias de tempo, espaço, materiais, para

que o brincar construído pelas próprias crianças aconteça. Em alguns momentos, torna-se

necessário também, fingir certo posicionamento de controle, para acobertar algumas ações das

crianças e permitir que o brincar continue.

Este brincar espontâneo acontece usualmente quando a criança encontra

tempo, espaço e materiais para tal. É o uso livre e não arbitrário do seu

próprio fazer. Uma escuta interna que propicia expressões genuínas de ser.

(MEIRELLES et al, 2016, p. 6)

Nesse movimento de busca por uma escola outra, Joana percebia as crianças se

espalhando pelos mais diversos cantos. A sombra da árvore se mostrava lugar potente para

pular corda, balançar e brincar de escalar. Na medida em que a professora tentava se recordar

como brincante, permitia que o lugar das crianças também fosse deslocado. Seus corpos, não

mais podados, buscavam desafiar o ar, a terra e outros elementos que encontravam no vasto

espaço escolar.

(FOTO DA PROFESSORA)

Na abertura para novas expressões, Joana encontrava no repertório das crianças,

diversas manifestações de brincadeiras populares; outras criadas e inventadas a partir de

desenhos e filmes que elas tinham acesso; mas, também, se deparava com brincadeiras

relacionadas ao funk, religião e até mesmo, a questões sexuais. No livre brincar, elementos da

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cultura acessada pelas crianças eram levados para dentro dos muros da escola. Como lidar

com questões tão densas, com crianças tão novas?

Depois de muito pensar, Joana, ao invés de proibir ou dar bronca quando percebia a

ocorrência das práticas, optou pelo diálogo. Tentou aproximação com o ponto de vista das

crianças. Buscou compreender até onde elas tinham acessado aquelas temáticas e se no ato de

brincar o sentido dos gestos era o mesmo do contexto social mais amplo. Nas conversas,

percebeu que apesar da reprodução dos gestos e algumas falas, o imaginário infantil

extrapolava a compreensão adulta e refratava aquelas manifestações com outros sentidos e

outras intencionalidades.

Apesar desta constatação, resolveu conversar com os pais da turma sobre a noção de

infância que as famílias tinham e permitiam as crianças acessar. Para além da escola, era

necessário um trabalho de conscientização com os responsáveis de cada criança.

Na conversa com os pais, procurou provocar reflexão sobre o lugar da criança na

sociedade e como o acesso a determinados elementos da cultura influenciavam na sua

constituição humana. Para além das problematizações, Joana queria aproximação das famílias

com a escola, queria mostrar com o diálogo que uma outra noção de infância era possível de

ser construída e vivenciada.

Na partilha de cenas encontradas nos momentos de brincar das crianças, ela apostava

em uma infância mais potente, criativa, expressiva, participativa. Queria engajar as crianças

em outro lugar de participação no contexto escolar.

O professor-brincante, ao contrário do controlador, percebe na adversidade

possibilidade de agir pedagogicamente. O que poderia ser coibido, apagado, afastado do

contexto escolar, torna-se tema de diálogo. Como parte constituinte da cultura das crianças

daquele grupo social, provocar reflexão e conscientização na comunidade é movimento que

aproxima, acolhe e possibilita reconstrução de novas compreensões.

Esse mesmo movimento aconteceu fora dos momentos de brincar livre. O brincar

transgressor também passou a ser olhado por Joana, a partir de outra perspectiva. Nos

momentos de roda e outras dinâmicas da aula, nem tudo precisa ser brincar, mas também,

nem tudo precisa ser proibido. Descobrimos que ser professor-brincante, está para além da

proposição e permissão do brincar, mas, sobretudo, da capacidade de olhar com maior

sensibilidade o agir das crianças.

Nos momentos em que elas pareciam mais desconcentradas, Joana buscou diálogo.

Em pequenos grupos de conversa, ouviu as crianças, tentou compreender os motivos da

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agitação e depois com fala simples e cuidadosa explicitou suas preocupações pedagógicas

tentando trazer as crianças para perto. Ao invés do embate, percebeu na parceria outras

possibilidades de resolução de conflitos e recriação de regras. Regras provisórias, que

precisavam ser reconstruídas em vários momentos, mas que com a participação das crianças

no diálogo participativo, incluía e não afastava.

Ser professor-brincante, nada tem a ver com ser um sujeito “legal”, permissivo, que

não considera as regras como elemento importante do espaço educativo. Significa, porém,

assumir o brincar como elemento importante de ser respeitado e considerado na escola, na

vida das crianças, assim como, na sua própria prática pedagógica.

Ao assumir esse posicionamento pedagógico, o professor abre mão de ser o

controlador de tudo o que acontece na aula e passa a construir sua atuação na relação com o

vivido, com a cultura e modos de agir das crianças com quem dialoga. Nem por isso, ele abre

mão das regras e fundamentações pedagógica, mas permite que as compreensões ganhem vida

na relação com o chão da escola. Busca-se a potência da infância, expressividade humana e

liberdade de criação de novas formas de significar e agir no mundo.

Joana, em sua prática pedagógica, se constituía professora, nesse alinhavado de formas

de agir. Em algumas situações recorria ao controle, em outras ao brincar. Nesse vai e vem

reflexivo, responsável, dialógico, tentava a cada dia, a cada ato, tornar-se professora melhor.

Tornar-se professor-brincante, parece ser movimento contínuo, inconcluso, difícil, porém,

cada vez mais necessário para contribuir com a construção de uma escola humanizadora e

libertadora.

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5. ACABAMENTO PROVISÓRIO

O brincar está intimamente ligado com a constituição do ser humano, que se constrói

em cada ato a cada ação no mundo. É sempre um relacionar-se com os outros. Como modo de

utilizar a linguagem, deixa marcas na história. Para poder brincar é necessário aprender, mas,

sobretudo, não deixar restringir sua expressividade e espontaneidade.

A escola se constitui como um importante espaço educativo. É ali que as crianças

tomam contato com diversos conhecimentos produzidos pela humanidade, dentre eles, nosso

trabalho destacou o brincar. Ele não é melhor ou pior do que os outros saberes ali tratados,

mas, como vimos na pesquisa, dentro do contexto escolar, o brincar passa por um processo de

significação que hierarquiza, designa funções dentro do cotidiano e marca a atividade escolar.

Sua relação com a cultura escolar é dialógica e complexa de ser compreendida.

Diante disso, nessa pesquisa tive o objetivo de compreender as diferentes significações

do ato de brincar que permeiam o cotidiano de uma escola, assim como, refletir sobre seus

efeitos na constituição e atuação de uma docente de Educação Física.

Assim, essa pesquisa permitiu tomar contato com grande diversidade de compreensões

e sentidos sobre o brincar, e mesmo sabendo da inesgotável incompletude da interpretação,

durante as conversas e as observações conseguimos acessar vários elementos, que nos

permitiram tecer algumas respostas para as questões levantadas no início da investigação.

A partir das narrativas, destaquei a relação da significação do brincar com o modo de

atuação docente. Busquei refletir e compreender principalmente, como em algumas dinâmicas

de aula, se fazia presente uma tentativa de controle dos corpos e modos de agir das crianças.

Regras, normas e discursos atravessam as práticas pedagógicas e orientam a postura da

professora, que com seus olhares, gestos e atos, com intencionalidades diferentes, deixam

marcas nos corpos das crianças. Contribuem com a educação e constituição humana de cada

um, com quem se relacionam.

Assim, o brincar começa a aparecer nas brechas, nas entrelinhas, na tentativa de

transgredir as regras e normas da escola. Quando a docente assume o lugar de controladora

das expressões no ato de brincar, ela é transformada em oponente, em sujeito a ser enfrentado.

Diante deste contexto de tensão, o ato de brincar surge como possibilidade de reflexão

e refração dos signos da cultura escolar. Ato responsável que, como forma de linguagem, em

funcionamento nas relações eu-outro, aproveita-se do inacabamento da realidade para se

manifestar. Deflagrando a provisoriedade das regras escolares, abre possibilidade de romper

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com o que está posto. O ato de brincar cria novos mundos, novas realidades possíveis e

desloca o brincante como ser ativo, criativo, participante e responsável pelos seus atos.

Todavia, quando a professora busca outras compreensões sobre os gestos brincantes.

Quando busca diálogo com as crianças, acaba por flexibilizar e deslocar sua identidade

docente, assim como, a das crianças. Ao se propor a brincar junto, as tensões antes

encontradas, parecem ganhar outras configurações. A professora passa a ser parceira e não

mais oponente na relação.

Como mostrado na interpretação, essa relação das significações sobre o brincar com a

prática docente, não são simples de serem observadas e compreendidas. Todavia, considero

que aproximar a pesquisa narrativa do estudo do brincar, ocorreu um avanço importante, pois

possibilitou um modo sensível de acessar essa variedade de sentidos e significados. Nos

enunciados das narrativas, consegui entrar em contato e acessar as diferentes compreensões e

identidades docentes frente ao brincar.

Considero, entretanto, que apesar dos avanços, o trabalho interpretativo nesse modo de

pesquisa necessita de maior cuidado e, talvez, tempo para ampliação do olhar e

aprofundamento das diversas questões possíveis de serem refletidas. Por outro lado, mesmo

sabendo das dificuldades encontradas no processo, considero que a pesquisa deixa

contribuições no destaque do brincar como uma ação fundamental de ser valorizada e

legitimada pelos professores que atuam em escola. Somente nesse esforço, poderemos

desnaturalizar alguns códigos da cultura escolar, que passam despercebidos, no cotidiano, mas

que carregam toda uma história social e ideológica ao longo da sua produção. Ter atenção na

forma com que o brincar aparece nos discursos e nas ações, significa, sobretudo, compreender

como se dá a educação corporal e expressiva que a escola propicia e permite.

Outros trabalhos já realizaram análises importantes levando em consideração escolas

de diferentes níveis de ensino, no entanto, considero que esta pesquisa, torna-se importante

para a área da educação, uma vez que, buscou entender como se dá essa relação do brincar

com a prática pedagógica de uma docente disposta a refletir e problematizar sua própria

atuação.

Longe de tentar impor uma maneira certa e apropriada para o brincar aparecer na

escola e na prática pedagógica dos professores, teci uma reflexão para compreender a

pluralidade de significações deste ato. Assim, encontrei o brincar que não é permitido nas

aulas e no cotidiano escolar mais amplo; o brincar como tema central das aulas; o brincar

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como possibilidade de transgressão; o brincar bagunça; o brincar como possibilidade prática

docente; o brincar livre e espontâneo.

Busquei chamar atenção também, para as possíveis implicações que grande parte das

vezes os professores e a escola, não param para analisar e repensar. Espero que este trabalho

possa contribuir para as discussões, formação e atuação de professores dentro da escola.

O brincar não é bom ou mau em si, não é certo ou errado em si. O ato de brincar

depende das significações presentes no contexto em que está inserido, para assim, ganhar

sentido. Sentidos múltiplos e muitas vezes contraditórios de acordo com quem observa. Ao

entrar em contato com as crianças brincando e, ao mesmo tempo, preocupadas, com medo do

que poderia ser feito pela professora, frente aos seus atos, deixo o questionamento: brincar na

escola é errado porque a professora pode dar bronca, chamar atenção? Ou pode ser errado,

porque dependendo do que for feito no brincar, pode atrapalhar o trabalho pedagógico e o

aprendizado de outras crianças? A distância entre as duas noções de escola que respondem às

questões é muito grande e necessita de mais estudos para continuar a ser refletida com maior

atenção.

O brincar não resolve todos os problemas, não é receita para nada e nem deveria ser

tratado assim, porém, inserido na dinâmica cultural da escola mostra alguns sinais, algumas

marcas, de que, mesmo sendo colocado nas margens das preocupações pedagógicas, pode

estar inscrevendo a constituição de sujeitos, de corpos podados em sua expressividade,

sensibilidade, criatividade e participação social.

Diante desta constatação, ainda sinto necessidade de buscar outras compreensões

sobre as possibilidades, do professor tornar-se brincante!

Sinto que, ao longo da pesquisa consegui aprender e tecer novos sentidos para o

brincar. Percebi o quão importante e potente ele é em nossa existência. Que a possibilidade

que tive de reencontrar o encanto nesse ato tão singular, possa ser partilhado com outros

colegas de atuação, preocupados com a criação de uma escola outra!

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