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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012
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O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO E A
PRÁTICA DOCENTE
NETO, Dinéia Ghizzo (UEM)
DAMBRÓS, Aline Tacon (UEM)
SIERRA, Dayane Buzzelli (UEM)
MORI, Nerli Nonato Ribeiro (UEM)
Agência financiadora: CAPES
INTRODUÇÃO
Baseados numa teoria que potencializa a necessidade da atividade humana, bem
como as relações sociais para o desenvolvimento da atividade consciente do homem, L.
S. Vigotsky e seus seguidores soviéticos trouxeram para a educação, alguns
fundamentos que auxiliaram no entendimento do processo ensino e aprendizagem dos
conceitos científicos na infância, contribuindo dessa forma, para o desenvolvimento
cognitivo e humano dos alunos.
Segundo Bogoyavlensky e Menchinskaya (1991, p. 74), “(...) o desenvolvimento
da criança é inevitavelmente predeterminado por dois factores: a idade, entendida num
sentido puramente biológico, e o ambiente, ou seja, os estímulos externos a que está
sujeita durante o processo educativo”. Os autores ainda contemplam que a criança não é
um sujeito passivo, um objeto apenas, mas sim, parte do desenvolvimento (id).
Dessa forma, compreender a importância cultural e histórica no processo de
formação humana é compreender mudanças necessárias na formação dos professores
quanto na prática de ensino dos mesmos. É observar que a formação desejada, não
ocorre isoladamente, mas se processa pelas relações sociais e pela apropriação dos
conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade.
Porém o que tem ocorrido é a disseminação de uma formação sustentada por
tendências pós-modernas que consequentemente se processam na transmissão de
conceitos isolados, baseados no empirismo, sem consonância entre teoria e prática. Essa
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formação imediatista segue propostas que são articuladas no contexto de uma economia
capitalista, baseada no progresso tecnológico e nas qualificações voltadas para novos
processos de produção, na exigência de competências, na necessidade de saber sobre
vários assuntos, de explorar, conhecer, aprender a viver juntos, entre tantos outros
“aprenderes”, almejados pela nova política educacional.
Diante dessa formação educacional fracionada e aligeirada, o trabalho docente
como propósito de mediação dos conhecimentos científicos, torna-se um desafio.
Desafio maior ainda é desenvolver qualitativamente, um trabalho docente no
atendimento aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação nesta perspectiva, do qual se exige uma formação profissional
adequada, onde os professores consigam promover o desenvolvimento social,
intelectual e humano do alunado.
Sendo assim, concomitante aos estudos das disciplinas, este trabalho direcionará
olhares para o Atendimento Educacional Especializado (AEE), objeto de pesquisa de
mestrado nesta mesma instituição, buscando reconhecer o trabalho docente na
perspectiva histórico-cultural, observando os encaminhamentos necessários para que
ocorra tanto no planejamento de ensino quanto na prática na sala de aula, um trabalho
educativo, onde os conceitos científicos sejam abordados e transformados em conteúdo
de ensino (OLIVEIRA, ALMEIDA & ARNONI, 2007), onde o professor possa
compreender que, “... a aula como um complexo de múltiplas relações que busca
articular, de forma intencional, a teoria e a prática. E, por tratar-se de uma prática
pensada, a aula configura-se como uma das modalidades de práxis, a prática educativa
(ibid, 2007 ,p. 120)”.
Kosik (1989) expõe que é pela práxis que ocorre a transformação do mundo,
pela ação consciente dos sujeitos, e isto é possível pela união entre a teoria e a prática,
ou seja, compreensão da realidade com o trabalho criativo. Portanto, diante dessa busca
processual de transformação por meio do trabalho pedagógico é que o artigo busca
apresentar alguns pontos relevantes na formação e na prática dos professores quanto ao
desenvolvimento humano dos alunos, por meio das relações mediadas pela atividade
humana.
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Como ponto de partida, discute-se o impasse sobre a função da escola,
observando os discursos que preconizam uma formação que basicamente é um logro.
Em sequência, o artigo contempla estudos que defendem a importância do
desenvolvimento da consciência para o desenvolvimento humano, tendo como aporte
teórico, além da troika soviética, outros autores que contribuirão significativamente para
as discussões finais sobre a formação docente na modalidade da Educação Especial.
A DUALIDADE DO CONTEXTO ESCOLAR: FORMAÇÃO PARA O
MERCADO DE TRABALHO OU PARA A EMANCIPAÇÃO HUMANA?
A escola tem ofertado nos últimos tempos uma formação básica que tem gerado
inúmeras oposições por parte dos pesquisadores da área educacional. O ponto principal
e difundido neste contexto recaem sob propostas e encaminhamentos de organismos
internacionais que ao financiar o ensino em nosso país, defendem uma formação
contraditória, exigindo uma educação que forme sujeitos preparados para o mercado de
trabalho, ao mesmo tempo em que cobram uma formação cidadã.
Partindo deste posicionamento, a escola tem representado o local onde as
diferenças podem ser superadas pela tolerância e pelo respeito. Porém, essas
“diferenças”, não se referem apenas aos sujeitos com deficiência, ou raças e culturas
diversificadas, mas também e principalmente, as diferenças sociais que o capitalismo
tem produzido historicamente.
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Este propósito é percebido em vários documentos que servem de base para a
organização curricular nas escolas. Entre eles, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), documentos organizados tanto para o ensino fundamental como para o médio,
além do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) que a partir
da década de 90 foram distribuídos a todas as escolas com o objetivo de assegurar uma
base nacional comum em todos os níveis de ensino (GALUCH e SFORNI, 2011).
Observa-se, nestes parâmetros, algumas orientações em que a escola, deve garantir uma
educação onde a solidariedade seja despertada nos alunos, além da capacidade de saber
viver juntos e de respeitar e tolerar as diferenças, ou seja, uma formação que atenda as
necessidades básicas de aprendizagem voltadas para a cidadania.
Além dos PCNs, outro documento que entrou em pauta nas discussões de muitos
estudiosos da área, foi o Relatório Jacques Delors, isso porque, o mesmo defende uma
educação tendo como base quatro pilares do conhecimento:
aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as actividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes (DELORS, 1996, p.77, grifos do autor).
Diante dessas defesas, nota-se que aos poucos, as escolas passam a oferecer um
novo modelo de ensino, em que o foco primordial, não é mais a transmissão dos
conteúdos escolares e o acesso aos conhecimentos científicos, mas sim, uma
qualificação para o processo de produção e para a formação social, ou seja, novas
competências, habilidades, competitividade, ao mesmo tempo em que se deve ser
solidário, tolerante as diferenças sociais objetivas, ou seja, realmente uma política
neoliberal sendo efetivada na prática.
Dessa forma surgem dois extremos, de um lado a escola dos ricos onde
predomina os conhecimentos, as tecnologias e a aprendizagem, do outro, a escola para
pobres, baseada no acolhimento, na integração social (Libâneo, 2010). O autor ainda
complementa, enfatizando que
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a escola para o acolhimento social tem sua origem na Declaração Mundial de Educação para Todos, de 1990, e em outros documentos produzidos sob o patrocínio do Banco Mundial, em que é recorrente o diagnóstico de que a escola tradicional está restrita a espaços e tempos precisos, incapaz de adaptar-se a novos contextos e a diferentes tempos, não oferecendo um conhecimento para toda a vida, operacional e prático. Além disso, o insucesso da escola tradicional decorreria de seu modo de funcionar, pois está organizada em cima de conteúdos livrescos, nos exames e nas provas, na reprovação, em relações autoritárias (LIBÂNEO, 2010, p. 3-4).
Essa visão equivocada de que o modelo tradicional de escola é incapaz de se
adaptar aos novos contextos, é defendida pelos documentos e é observado na obra de
John White (2007). Young (2007), ao citar o autor, o contraria, considerando falho seu
argumento, quando este alega que no século XVIII, a classe média criou o currículo
organizado por matérias com um único objetivo, a promoção dos interesses da
burguesia daquela época e, portanto, na visão do mesmo, seria impossível conceber que
nas origens em que o mesmo foi organizado, este seria base para as escolas do século
XXI.
Em uma de suas defesas a contradição declarada, Young argumenta que o autor
“[...] não valoriza a idéia de que as disciplinas podem definir os propósitos da escola
(YOUNG, 2007, p.4)”. E ainda interpela que, apesar do currículo ter sido desenvolvido
nesta época, não é motivo para ser caracterizado como tal.
Essas contradições surgem porque, ao definir que o acesso ao ensino é direito de
todos e dever do estado, a escola do século XXI, tem seu propósito distorcido e se
mantém atrelada a duas concepções, uma defendida pelos estudiosos da área de que ela
pode desenvolver no aluno a emancipação por meio do acesso aos conhecimentos
científicos, e a outra, baseada em ideais governamentais, onde que por meio de
discursos de inclusão social, se perpetuam os interesses de dominação, promovendo
exclusões múltiplas e o esvaziamento dos conhecimentos escolares.
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Tal contradição também gera outro impasse, quantidade em oposição á
qualidade. Libâneo (2010), ao confrontar aspectos pedagógicos e socioculturais, entre
visões de escola do conhecimento e de missões sociais, o autor ainda interpõe os
significados que “qualidade de ensino” tem adquirido.
[...] em um enfoque econômico-social, para o segmento empresarial, qualidade de ensino significaria um ensino que prepara o aluno para adequar-se ao mercado de trabalho, para a competitividade e produtividade, fazendo associação direta entre a escola e o sistema produtivo. Em uma abordagem sociocrítica, a qualidade de ensino é vista numa perspectiva sociopolítica, como a influência da escola na formação do cidadão crítico e participativo. Somente esta polarização já sinaliza as dificuldades de um projeto nacional e público de escola. O próprio meio educacional, nos âmbitos institucional, intelectual e associativo, está longe de obter um consenso mínimo sobre objetivos e funções da escola pública na sociedade atual (LIBÂNEO, 2010, p. 1).
Nesta perspectiva, a escola pública tem desencadeado inúmeras outras funções e
surgem tendências que disseminam novas práticas pedagógicas, remetendo as ideias
pedagógicas escolanovistas que segundo Saviani (2007), o lema atual “aprender a
aprender”, desloca
o eixo do processo educativo do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos para os métodos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade, configurou-se uma teoria pedagógica em que o mais importante não é ensinar e nem mesmo aprender algo, isto é, assimilar determinados conhecimentos (SAVIANI, 2007, p. 429).
O lema defendido pelo Relatório Delors, onde a espontaneidade se torna o ponto
chave do trabalho pedagógico, onde os diferentes saberes e interesses dos alunos são
valorizados e predominam sob os conteúdos escolares, constituem, portanto, parte da
nova tendência pós-moderna, do qual, o ensino de conceitos científicos, fora superados
por uma nova metodologia baseada em narrativas.
Dentre um dos defensores dessa concepção neopragmatista, encontra-se
Ghiraldelli (2006), sendo que o mesmo afirma, “sem narrativas não há inicio nenhum de
processo de ensino-aprendizagem, E as narrativas só são interessantes se trazem um
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problema (GHIRALDELLI, 2006, p.27)”. O autor ainda argumenta que na sua
pedagogia, a conscientização não tem espaço, diferentemente das pedagogias de Paulo
Freire e Saviani, onde que quem aprende passa por essa tomada de consciência e a
intervenção na prática social ou na política vem por meio de um conhecimento superior.
O conhecimento superior definido acima corresponde aos conhecimentos
sistematizados, possibilitando por meio destes, a tomada de consciência, que na
perspectiva histórico-cultural é o processo de desenvolvimento humano. Essa concepção
defendida por Saviani e Freire opõe-se a concepção pragmática que Ghiraldelli (2006) e
dos documentos que priorizam as necessidades básicas de aprendizagem.
Essas prioridades são frutos do pensamento hegemônico do Banco Mundial
dominando as políticas educativas no Brasil e o discurso de que o fracasso e insucesso
da escola pública se devem as características tradicionais, baseada nos conteúdos, na
reprovação, na exclusão e discriminação (LIBÂNEO, 2010).
Esse novo modelo de escola tem desencadeado inúmeros problemas e
questionamentos. Baseando-se nesta política neoliberal, a formação básica tem
apresentado um ensino fragmentado, restrito, incapaz de formar sujeitos conscientes,
capazes de transformação social. As formações docentes se apresentam
descontextualizadas, predominando apenas o embasamento teórico, sem uma unificação
entre teoria e prática. Diante dessa realidade, será que é possível desenvolver na escola
atual uma educação que atenda a formação necessária para o desenvolvimento da
consciência humana de nossos alunos?
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A CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL PARA A AÇÃO
DOCENTE: OLHARES SOBRE O ATENDIMENTO EDUCACIONAL
ESPECIALIZADO
Para uma possível resposta à pergunta anterior, caberia analisar dois aspectos
para o qual este texto foi elaborado, ou seja, primeiro observar a prática docente diante
das políticas educativas que vem se efetivando e segundo, atentar para a formação
humana defendida pela escola vigotskyana, buscando compreender essa prática de
formação também no AEE.
A temática tratada referente à formação e a atuação docente, não tem sido
descartada nos trabalhos de muitos estudiosos (Oliveira, Almeida & Arnoni, 2007;
Libanêo, 2002; Silva & Costa, 2007; Vásquez, 1977; Saviani, 1991, 2003; Alves, 1993;
Nóvoa, 1991; Damasceno, 2006; Andrade, 2008; etc), e isto nos possibilita criar um
debate em torno de alguns pontos importantes do processo ensino aprendizagem, onde à
junção entre teoria e prática nos planejamentos de ensino e a valorização dos conteúdos
escolares devem prevalecer no trabalho pedagógico.
Dessa forma, partindo inicialmente do pensamento defendido por Marx, ou seja,
[...] o trabalho realiza a espontaneidade humana e tem o mais alto valor potencial. Na sociedade tal como existe, o trabalho é coercivo não devido à sua natureza, mas devido às condições históricas sob as quais é realizado. Nas condições da economia capitalista, a produção é realizada em circunstâncias tão alienadoras que o trabalho, a atividade criativa do homem, o processo que chamamos de “objetivação”, se torna um processo de desumanização (SARUP, 1986, p.109).
Essa defesa de Marx representa o poder que o trabalho exerce na humanidade,
onde por meio dele, o homem tem a possibilidade de refletir e agir sobre o mundo,
modificando-o (ibid). Porém, ao mesmo tempo, este enfatiza a alienação que o
capitalismo provoca, desumanizando o homem e a sua atividade. Nesta atual
contradição, o trabalho docente ainda se apresenta como uma possibilidade de reverter
às situações de alienação e promover a transformação por meio dos conteúdos escolares,
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onde os conhecimentos sistematizados contribuem significativamente para o
desenvolvimento da consciência humana.
Não existe conhecimento científico sem a relação de produção desenvolvida pela
humanidade no contexto histórico. Para dissolver uma educação baseada na política
neoliberal, necessitamos de armas que “são aquelas fornecidas pela conjuntura, ou seja,
as que inventamos” (SALA, 2010, p.93).
Partindo desta concepção, só é possível o desenvolvimento individual perante a
existência da consciência social e é nesse pressuposto em que a escola de Vigotsky se
fundamenta, sendo assim, “(...) o conhecimento humano mais simples, que se realiza
diretamente numa ação concreta de trabalho com a ajuda de um instrumento, não se
limita à experiência pessoal de um individuo, antes se realiza na base da aquisição por
ele da experiência e da prática social” (LEONTIEV, 2004, p.90).
Nestas condições, a aprendizagem só ocorre no contexto social em que o sujeito
está inserido e a escola neste caso, se apresenta como um referencial, já que esta, “não é
algo dado e acabado e sim o produto das relações sociais, o produto da prática social de
grupos e de classes” (MELLO, 1982, p.7).
Diferentemente da escola defendida nos documentos que prioriza os
conhecimentos espontâneos, o respeito e a tolerância pelas diferenças culturais e sociais,
que enfatiza a competitividade e as competências, nossa defesa será em prol de uma
escola que enalteça o conteúdo escolar possibilitando o acesso ao conhecimento
historicamente acumulado como instrumento de tomada de consciência das relações
sociais e humanização.
Baseando-se nessa perspectiva de educação que valoriza a formação cultural e
científica, Libâneo (2010), destaca que
em relação ao currículo e às práticas de ensino, se a ênfase é posta nas mediações cognitivas como instrumento para o desenvolvimento do pensamento, a preocupação pedagógica estará voltada para a internalização dos conceitos e modos de agir para lidar com a realidade, sem descartar a motivação do aluno, sua subjetividade e contextos de vida (LIBÂNEO, 2010, p.12).
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Essa visão de formação reside numa proposta pedagógica bastante complexa,
pois a realidade escolar atual se apresenta apenas pela defesa de bases práticas, a teoria,
nestas condições se torna desvalorizada. “Realmente, aplicar a teoria em aula é algo
complexo, em especial por tratar da relação de tensão entre pólos distintos, a teoria e a
prática (ação pedagógica do professor com o aluno), envolvendo os processos de ensino
e de aprendizagem (OLIVEIRA, ALMEIDA & ARNONI, 2007, p.120, grifo dos
autores)”.
Essa relação entre professor-aluno é desencadeada nos espaços escolares, o que
dificilmente ocorre em outros contextos. Por isso, Libanêo (2010) caracteriza que as
escolas existem para que os alunos aprendam solidamente os conceitos, desenvolvam o seu pensamento, seus processos de raciocínio e qualidade de ensino, neste caso, é qualidade cognitiva e operativa das aprendizagens escolares. São razões, a meu ver, bastante fortes para postular dos legisladores, dos planejadores e gestores e dos intelectuais uma atenção maior em relação aos aspectos pedagógicos-didáticos da qualidade de ensino e, especificamente, do trabalho dos professores e especialistas em relação às aprendizagens escolares (LIBANÊO, 2010, p.12)
Relacionando assim, a qualidade de ensino e desenvolvimento humano, ambos
configuram o desenvolvimento das funções psíquicas superiores por uma atividade onde
o professor é o mediador. Para compreender esse processo de mediação, onde as
relações entre professores e alunos, entre professores e professores, e entre todos se
baseia o conhecimento, a escola se torna local de estudo e de trabalho, um espaço onde
prevalecem as aprendizagens (MARTINS, 2010).
O desafio, portanto posto ao professor diante das relações que se estabelecem no
contexto da escola, não correspondem apenas aos princípios defendidos pela teoria
histórico-cultural, mas remetem também a sua função enquanto agente ativo do
processo ensino aprendizagem. Uma razão para que ocorra nesse processo uma
mediação dialética, é analisar o homem organizado em sociedade, que por meio das
relações já descritas, geram o sujeito histórico. O ser humano, incompleto diante da
totalidade produzida historicamente ocasiona movimento, oposições e
consequentemente a superação, constituindo assim, o motor do devir histórico por meio
das ações dialéticas por ele engendradas (OLIVEIRA, ALMEIDA & ARNONI, 2007).
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No contexto da sala de aula, a mediação dialética é destacada como ponto de
apoio na formação humana, e a práxis docente molda essa formação. Porém, quando
tratamos “práxis”, está comporta o contexto defendido por Pereira (1882), onde ambas,
a teoria e a prática estão vinculadas. A teoria está constituída na prática, pois se não
fosse elaborada sem as transformações culturais e sociais, não teria tamanha
importância, pois estaria atrelada ao horizonte da abstração somente, não atingiria o
nível da práxis.
Portanto, para descrever melhor a práxis docente, Oliveira, Almeida & Arnoni
(2007) complementam que
compreender a relação dialética entre a parte e o todo tem implicações para uma aula, ao propiciar ao professor o entendimento de determinadas asserções dialéticas, como: (a) o todo se constitui de totalidades complexas e dinâmicas; (b) as totalidades não se formam pela soma ou justaposição das partes, e sim pela síntese delas; (c) o processo de síntese ocorre pela contradição entre as partes e entre estas e o todo; (d) a práxis é uma totalidade que se relaciona com outras totalidades em um todo, sendo formada pela contradição entre as partes e entre estase e o todo. [...] o sujeito que entende a realidade como um todo articulado, que se desenvolve e se cria, entende, também, que para estudá-lo necessita de um “olhar” dialético, pois conhecer um objeto vem a ser compreendê-lo como totalidade que, simultaneamente, se articula a outras e com o todo (OLIVEIRA, ALMEIDA & ARNONI, 2007, p.130- 131).
Esse entendimento da totalidade por parte do aluno depende de uma ação
docente que estimule esse processo dialético que se estabelece na relação entre ambos.
A ação docente deve, portanto, contribuir para uma formação auto-reflexiva, em que o
aluno tenha a capacidade de tornar-se autônomo nas suas ações e pensamentos diante
das condições históricas e culturais que se impõe na sociedade (SILVA & COSTA,
2008).
Em suma, tratar sobre ação docente nem sempre é possível uma generalização.
Ensinar é um ato em que vários fatores estão agregados, desde condições políticas,
culturais e sociais. Analisar o trabalho docente no AEE na perspectiva vigotskyana é
inevitavelmente dispor de um olhar mais peculiar. Quando definimos esse termo, é
porque o atendimento a esses alunos é diferenciado, ou pelo menos deveria ser.
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Também é necessário destacar que a inclusão provocou muitas mudanças tanto
organizacionais quanto estruturais. De acordo com Jacobsen & Mori (2010), a inclusão
tem ocasionado investimentos de diferentes ordens, como a diminuição de número de
alunos nas salas de aula, ou seja, mudanças estruturais como a capacitação de
professores para um trabalho voltado para a pluralidade e a diversidade,
desenvolvimento de um planejamento, bem como a aplicação dele, onde a
interdisciplinaridade deve ser levada em conta.
O aspecto primordial é evidenciar uma escola inclusiva onde o aluno incluso
tenha seus direitos adquiridos, ou seja, uma educação de qualidade, sendo assim, um
atendimento diferenciado. Neste aspecto, acreditar no potencial do aluno que apresenta
uma limitação seja ela qual for, é permitir a esse aluno, o acesso ao conhecimento
historicamente produzido e substancialmente oportunizar o desenvolvimento cognitivo.
Nesta concepção, Facci, Tuleski & Barroco (2006) destacam que na Psicologia
Histórico-Cultural, muitas pesquisas sobre o assunto, abriram novas possibilidades de
investigação, observando que no contexto escolar, ocorre a aprendizagem do novo, e
nesse aspecto, a zona de desenvolvimento próximo se responsabiliza pelas mudanças
que provocam tanto a aquisição de novos conhecimentos, quanto o desenvolvimento da
criança, e isso, “nos faz acreditar que, em qualquer tipo de educação, inclusive a
especial, o processo de escolarização faz avançar o desenvolvimento dos alunos,
criando novas zonas de desenvolvimento proximal (FACCI, TULESKI & BARROCO,
2006, p. 31)”.
Diante dos encaminhamentos, é na escola e com a mediação do professor que os
conhecimentos são apreendidos e assim, desenvolvem uma formação humana. É
necessário compreender esses aspectos e Libanêo (2010), aponta que
o provimento, em condições iguais para todos, dos meios intelectuais e organizacionais pelos quais os alunos aprendem a pensar teoricamente , a dominar as operações mentais conectadas com os conteúdos, a adquirir instrumentos e procedimentos lógicos pelos quais se chega aos conceitos e ao desenvolvimento cognitivo, e para isso, considerando as características pessoais e culturais dos alunos, sua motivação, e os contextos socioculturais da aprendizagem (LIBANEO, 2010, p.12).
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Em concordância com tais requisitos, “a ação intencional e organizada do
professor promove a formação dos conceitos (JACOBSEN & MORI, 2010, p.80)”.
Conhecer o nível de desenvolvimento em que nosso aluno está é necessário para que
ocorra uma mediação de forma efetiva (ibid, 2010).
Em Obras escogidas, Vigotsky descreve muitas de suas descobertas sobre as
crianças com limitações, sejam elas, biológicas ou não. O autor destaca que é nas
relações em coletividade, que a questão de compensação da deficiência se torna
evidente. Para ele, a vida social livre, a adaptação dessas crianças ao meio e o trabalho
pedagógico devem se postos como centro da atenção (VIGOTSKY, 1997a).
Tendo como pauta, o trabalho docente diante da educação inclusiva, o objetivo
deve responder as necessidades de formação humana de nossos alunos.
Na realidade, o professor necessita criar mediadores específicos, utilizar técnicas pedagógicas, recursos e métodos especiais que busquem a superação da deficiência, como é o caso do Braille, por exemplo. Somente o conhecimento científico da técnica pode formar um autêntico professor nesse terreno. Na escola especial os educadores devem ajudar os alunos a desenvolver determinadas técnicas para que possam utilizar suas próprias capacidades. [...] A educação de crianças “especiais” deve partir do pressuposto de que, simultaneamente com a deficiência, também existem possibilidades compensatórias para superar as limitações, e que precisamente são estas possibilidades que devem ser incluídas no processo educativo como sua força orientadora (FACCI, TULESKI & BARROCO, 2006, p.32, grifo dos autores)”.
A ação consciente de um trabalho bem planejado e aplicado, tendo como fonte
de orientação os conhecimentos sistematizados, promove sim, o desenvolvimento da
mente humana. A escola como referência é, portanto,
[...] uma das mais importantes instâncias de democratização social e de promoção da inclusão social, desde que atenda à sua tarefa básica: a atividade de aprendizagem dos alunos. A escola deve estar, em primeiro lugar, comprometida com a aprendizagem dos saberes produzidos historicamente e com desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral (LIBÂNEO, 2010 , p.13).
Dessa forma, a junção de forças positivas em torno de uma escola que atenda a
todos, respeitando as diferenças, porém valorizando a escola dos conteúdos, da
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formação humana em sua completude, desenvolvendo sua função principal, ensinar para
o conhecimento, para o desenvolvimento e para a reflexão critica das circunstâncias
atuais que se destacam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises aqui desenvolvidas foram subsidiadas pelos pressupostos defendidos
na teoria Histórico-Cultural, tendo como seu maior pesquisador L. S. Vigotsky. A teoria
utilizada reitera algumas lacunas deixadas pelas demais tendências, que se baseiam em
argumentos pouco convincentes quanto ao processo de formação desenvolvido nas
políticas atuais de educação.
A atual educação que se propaga quanto as atitudes de respeito à diversidade, de
tolerância à política neoliberal e de aceitação das diferenças sociais, as perspectivas
defendidas nesta análise baseiam-se sob um olhar mais crítico, mais reflexivo, que visa
uma educação de formação humana estruturada nos conhecimentos que são
disseminados na escola.
É mediante o ensino dos conteúdos escolares que a criança apreende os
conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade. O pensamento e a
linguagem são processos desenvolvidos nessas relações que se efetivam no meio social
e promovem o desenvolvimento das funções psíquicas superiores.
Diante desses encaminhamentos, a ação docente deve privilegiar o ensino dos
conceitos científicos e pela prática bem elaborada e planejada, substancialmente surtirá
um ensino mais amplo e com objetivos teoricamente bem definidos.
Tanto na educação dita “normal” quanto no AEE, às limitações existem, mas as
potencialidades individuais superam as barreiras que se apresentam. O professor deve
reconhecer esses desafios e estimular a aquisição dos conhecimentos escolares para a
formação auto-crítica e auto-reflexiva, produto de um processo teórico historicamente
produzido nas relações humanas.
REFERÊNCIAS
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