o aquário

2

Upload: lucas-pasqual

Post on 28-Mar-2016

218 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Atividade da disciplina Edição do curso de Jornalismo da UFSC - Junho 2011

TRANSCRIPT

Page 1: O Aquário
Page 2: O Aquário

Nascido em 1963, Claudio Tognolli já fez reportagens em mais de 30 países, infil-

trando-se entre traficantes de armas e drogas. É dele a expressão “máfia do dendê”, que denuncia o controle da produção de música no Brasil. O jornalista conversou com O Aquário por e-mail.O Aquário: No livro Mídia, Máfias e Rock’n’roll é mencionado o episódio em que Mauro Marcelo, então dire-tor da Agência Brasileira de Inteli-gência (Abin), pediu que você fosse até Bagdá para tentar encontrar o corpo do engenheiro João José de Vasconcellos Jr, da Odebrecht, se-questrado e morto no Iraque. Você não receberia nada, apenas ganha-ria o furo na imprensa brasileira. Até que ponto vale se arriscar por uma investigação?Claudio Tognolli: Até os 30 anos de idade, os hormônios ainda se so-brepõem ao intelecto. E você acaba fazendo qualquer coisa por uma boa história. Passada essa fase, o pensa-mento subsequente é “preciso voltar vivo para contar a história para o meu leitor”. A terceira fase, após os 35 anos, é “preciso voltar vivo para minha família e filhos”. Como eu estava com 41 anos quando ia para Bagdá buscar o corpo, pensei na ter-ceira hipótese e não fui.OA: Você defende que a transpa-rência das cir-c u n s t â n c i a s , como em escân-dalos flagrados por fitas ou câ-meras ocultas, é uma arma da democracia contra a corrupção. Em que situações a gravação oculta de uma conversa é aceitável?CT: O papel que a câmera oculta tem na sociedade é o mesmo do mi-croscópio ou do telescópio de Gali-leu. Ela deve ser empregada em situ-ações de exclusivo interesse público. A câmera oculta foi desenvolvida por um cara que tem um escritó-rio em Miami, John Demeter, para a CNN fazer aquela reportagem na Praça da Paz Celestial, a “Primavera de Pequim”.OA: Uma crítica sua ao jornalismo é a redução da linguagem. Isso é uma tendência da nova geração de jornalistas?

CT: A tendência não é globaliza-ção, mas “blogalização”. Textos cur-tos, mal-feitos. Defendo jornalismo literário contra a “blogalização”. McLuhan está errado: agora o e-mail é a mensagem. Os textos estão sen-do “tuitizados” e o Twitter é porta de banheiro digital.OA: Você define memes como “marcas, selos, para os arquivos de nosso computador biológico, que é o nosso cérebro”, e diz que o rock’n’roll e a moda espalharam os memes da liberdade individual e do questionamento das autori-dades pela América nos anos 60. Quais são os memes do século 21?CT: Os memes do século foram os que geraram a Arabic Spring, a Pri-mavera Árabe: cidadãos assumindo em redes sociais o discurso da con-

tracultura, que não sai nos jornais. A Revolução Fran-cesa decapitou El Rey; as redes so-ciais estão decapi-tando “El patrón”.

OA: Em entrevista à revista Caros Amigos, em 1998, você foi apontado como o jornalista mais processado no Brasil. Como está a situação hoje, mais de uma década depois? O processo é um recurso para calar a liberdade de imprensa?CT: O Márcio Chaer, diretor do site Consultor Jurídico, tem um levanta-mento mostrando que há mais de 1,5 mil processos correndo contra jornalistas no Brasil, e que as ações cíveis indenizatórias contra jornalis-tas aumentaram quase 500% nos úl-timos dois anos. Ao mesmo tempo, 10% dos 380 procuradores da repú-blica estão sendo processados pelos mesmos políticos que processam

jornalistas. Esse número deve estar em 5 mil processos. Tenho saudades da Lei de Imprensa: ela deixava nos processarem até dois anos depois, apenas, da publicação da matéria, com no máximo 200 salários míni-mos de indenização. Agora fazem uso do Código Civil, e podem nos processar até 20 anos após a publica-ção, sem teto de ressarcimento. Ou seja, pedem-se milhões.OA: Como você vê o jornalismo in-vestigativo no Brasil hoje?CT: O jornalismo investigativo virou cópia de fitas e documentos. A Polí-cia Federal dá aos jornalistas provas feitas pelo sistema Guardião. O cus-to é R$ 10 mil mensais por grupo de dez canais, para dez telefones, fora o custo de implantação, de R$ 500 mil a R$ 1 milhão. Uma fortuna incal-culável! A equipe do Departamento de Imprensa e Propaganda de Brasí-lia ganha estadia, carro e uma verba secreta de quase R$ 15 mil mensais para atuarem no grampo. Apenas em São Paulo, há capacidade para grampear 9 mil telefones simultane-amente. O Guardião, que custa em torno de R$ 700 mil, é um software com funções automáticas como a de monitorar qualquer outra linha que se conecte com o telefone inicial-mente visado. A PF possui mais 28 aparelhos semelhantes ao Guardião. Já as polícias civis estaduais têm ou-tros 60. Atualmente, cerca de 20 mil escutas estão em andamento — cin-co mil comandadas pela PF e 15 mil pela Polícia Civil. Investigar virou copiar Guardião. Quando entra em cena a realpolitik da concorrência, tudo que se aprendeu de ética na faculdade vai por água abaixo. A so-ciedade só conhece o neodarwinis-mo do “pega pra capá”.

Claudio Tognolli discute ética no jornalismo e processos contra profissionais

Investigação virou cópia

Para Tognolli, jornalismo investigativo está cada vez mais apoiado em documentos oficiais

Caro

lina

Dan

tas -

Obj

ETH

OS

Ele tem uma coleção de guitarras, estudou composição com o maestro alemão Hans Joachim Koellreuter, que teve entre seus alunos Tom Jobim, e foi o primeiro guitarrista do RPM, pouco antes do sucesso da banda, nos anos 80. Mas não foi com a música que Claudio Júlio Tognolli alcançou o sucesso profissional.

Doutor em Filosofia das Ciências e mestre em Psicanálise da Comunicação, ambos pela Universidade de São Paulo, Tognolli é um dos mais importantes repórteres investigativos do Brasil. Trabalhou nos diários Notícias Populares e Jornal da Tarde, nas rádios CBN, Eldorado e Jovem Pan e na revista Veja. Foi correspondente em Miami, nos Estados Unidos, para a Folha de S. Paulo, e repórter especial da Galileu e do site Consultor Jurídico, além de ter ajudado a fundar a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Realizou, em Los Angeles, a última entrevista com o psicólogo Timothy Leary, papa do LSD e da contracultura, guru de Tognolli e de outras figuras como John Lennon.

Atualmente, Tognolli escreve para Rolling Stone, Joyce Pascowitch e Joyce Poder, e é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e das Faculdades Integradas Alcântara Machado. Também representa o Brasil no International Consortium of Investigative Journalism (Icij).

Com sete livros publicados, o jornalista já recebeu os prêmios Jabuti (1997), Esso (2003) e de Direitos Humanos do Departamento de Estado dos EUA (1996). Seu próximo livro, Golpe abaixo da cintura, tratará dos bastidores da Operação Satiagraha, que levou o banqueiro Daniel Dantas à prisão em 2008.

Profissões: jornalista, professor e músico sem papas na língua

“A contracultura é pendular, nasce no off Broadway, ao rés do chão, nas periferias (...) e depois chega aos grandes centros”

A tendência nãoé a globalização, é a ‘blogalização’“

Florianópolis, 16 de junho de 2011 Ano 1 - Edição 1

1-B

Curso de Jornalismo da UFSCAtividade da disciplina Edição

Professor: Ricardo BarretoEdição, textos, planejamento

e editoração eletrônica:Lucas Pasqual

Serviços editoriais: Consultor Jurídico, The New York Times

Colaboração: Luisa PinheiroImpressão: Postmix

Junho de 2011

Helena Meirelles nasceu em uma fazenda no interior do Mato Grosso do Sul e cresceu em meio aos peões. Analfabeta, aprendeu a tocar viola sozinha, num tempo em que os to-cadores eram predominantemente homens. Helena passou a se apre-sentar em festas e bailes do interior do estado. O reconhecimento só veio em 1993. Com 69 anos, Hele-na foi eleita uma das cem melhores instrumentistas do mundo pela re-vista estadunidense Guitar Player, publicação segmentada voltada para músicos.

O título, com voto de Eric Clap-ton, chamou a atenção do jornalis-ta Claudio Tognolli, que conseguiu o contato de Helena e a colocou na contracapa do caderno Ilustrada, da Folha de S. Paulo.

Helena é um exemplo de seren-dipidade, a sorte em achar ao acaso grandes histórias e valores culturais até então desconhecidos. A palavra é um neologismo cunhado pelo escri-tor Horace Walpole a partir da fábu-la persa dos três reis que foram em busca de Serendip (hoje Sri Lanka) e no caminho encontraram, por acaso, coisas que não estavam procurando.

Em Fama e anonimato, Gay Tale-se confessa ser um “serendipitoso”. O escritor eleva personagens se-cundários a níveis de protagonistas e afirma que as culturas e histórias mais interessantes não estão nos grandes centros. É importante pro-curá-los nas periferias das cidades e no interior do país, em lugares obs-curos e pouco conhecidos.

Helena Meirelles, descoberta “serendipitosa”

José

Gue

rra

- Naï

ve F

ilmes

Fred

Con

rad

- The

New

Yor

k Ti

mes

Talese defende que repórter deve ir às ruas

OAquário da Demônia. Esse era o título que o jornalista Xico Sá e a artista plástica Pinky

Wainer defendiam para o quinto livro de Claudio Tognolli antes da publicação. O “aquário” refere-se ao local da redação em que ficam os chefes, responsáveis pela linha edi-torial. Já “demônia” é a versão con-temporânea de daimon. Na Grécia Antiga, daimon era uma forma de nomear a manifestação genérica do divino. Os daimones - ou dêmonios - eram protetores dos mortais, vi-giando suas decisões. Para Tognolli, essa entidade é, hoje, a imprensa. O Aquário da Demônia seria, então, todo o alcance da mídia.

Acabaram fechando com Mídia, Máfias e Rock’n’roll, que engloba toda a prática de Tog-nolli em 30 anos de jornalismo. Segun-do ele, a verdade da profissão é que “coisa boa só nasce em terreno ruim”.

Dividido em oito capítulos, mais uma introdução (o “abre”) e o posfácio (ou “pé da ma-téria”) de José Coelho Sobrinho, o livro é escrito de forma muito pesso-al. Nas 160 páginas, Tognolli propõe “investigar as investigações” jorna-lísticas, usando a si mesmo como

personagem para contar os bastido-res de várias reportagens e relacio-nando, competentemente, mídia e máfias.

Uma dessas histórias, focada na relação com fontes, narra o convite feito por Mauro Marcelo, então di-retor da Agência Brasileira de Inte-ligência (Abin) e amigo de Tognolli, para que o jornalista fosse até Bag-dá negociar o corpo do engenheiro brasileiro João José Vasconcellos Jr, da empresa Odebrecht, desapareci-do no Iraque em 2005.

Vasconcellos foi sequestrado e morto com 29 tiros. O presidente Lula estava disposto a pagar US$ 1 milhão pelo corpo, apenas para “tirar esse cadáver das costas do governo brasileiro”, relata Tognolli. Caberia ao jornalista ir até o Iraque

e comprovar que aquele era o engenheiro. A Abin negociaria com uma ONG chamada Iraq Institute For Pe-ace. Tognolli não receberia nem seguro de vida,

nem carta de reconhecimento caso morresse - sua recompensa seria o furo de reportagem na impren-sa brasileira. Aconselhado por seu amigo Kirk Semple, correspondente do New York Times no Iraque, Tog-

nolli desistiu da missão.A parte mais delicada do livro

trata do papel das empresas de tele-fonia no país. Tognolli chama isso de “telejornalismo” e revela que o go-verno brasileiro foi investigado pela Kroll Associates, maior empresa de investigações privadas no mundo, apesar de esta negar. O processo fi-cou conhecido como Projeto Tokyo, e a ação da Polícia Federal para apu-rar o caso foi chamada de Operação Chacal.

Outro capítulo discute como as fusões de grandes empresas de co-municação podem ter impacto na qualidade da notícia. Tognolli trans-creve uma entrevista com Ana Tere-za Condé Pereira, jornalista carioca que fez sua dissertação de mestrado

sobre as fusões, tomando como estu-do de caso a união entre as empresas AOL e Time Warner. O autor ainda critica uma imperfeição que obser-va em todas as mídias: reportagens copiadas, não originais, ressaltando o uso excessivo de clichês e o conse-quente empobrecimento do texto.

Completando a trinca do nome do livro, Tognolli dedica um capí-tulo inteiro ao rock, na forma de contracultura. De acordo com o jor-nalista, ela nasce nas periferias, e só então migra para os grandes centros urbanos. Tognolli vai do físico Niels Bohr até Timothy Leary, o papa do LSD e guru de John Lennon, apli-cando o Princípio da Incerteza ao exercício do jornalismo. Essa teoria afirma que não existe objetividade - a realidade é uma opinião, uma vez que o simples fato de observarmos um objeto já o modifica.

O livro também aborda o sucesso das revistas de celebridades, chama-das por Tognolli de “os buracos ne-gros da mídia” - nas palavras do au-tor, o ponto mais fundamental desse segmento é a supressão do tempo.

Marcado pelo estilo ágil de Tog-nolli, Mídia, Máfias e Rock’n’roll é uma viagem por investigações po-líticas, poder, música e psicodelia, temperada com teorias da comuni-cação, e indicada para estudantes, profissionais e leitores que querem enxergar fora do aquário.

Livro expõe bastidores de investigações sobre máfias, imprensa e indústria culturalEntre a mídia e os demônios

O presidente do Grupo Abril, Roberto Civita, costumava dizer que a última revista que lê à noite é Ca-ras, para “dormir sem nenhum pro-blema na cabeça”. Trata-se da maior revista de celebridades do país e a quarta publicação semanal em nú-mero de vendas.

A razão para o sucesso do jor-nalismo de celebridades é a forma como as pessoas se relacionam. É o que explica Alexandre Bergamo, professor do Departamento de So-ciologia e Ciência Política da UFSC. “Enquanto leem revistas de famosos, as pessoas procuram se espelhar e ter assuntos em comum com outros da mesma camada social”, afirma. “As celebridades, por sua vez, folheiam as revistas para saber a repercussão do seu trabalho, conferir quem está em evidência.”

Para o professor, o alto consumo de revistas de celebridades reflete a importância da televisão em um país de baixa escolaridade como o Brasil.

“Tivemos muitas produções de qua-lidade nos anos 70, e isso ajudou a aumentar o alcance da TV na vida dos brasileiros”

No entanto, o jornalismo de ce-lebridades não deveria ser encarado como uma forma de massificação da sociedade. Bergamo aponta a frag-mentação do público em pequenos grupos com interesses semelhantes. “O marketing pensa em determina-do nicho de pessoas, e não na massa. Esse conceito é equivocado”, esclare-ce.

Bergamo defende ainda que não é correto aliar o sucesso do jornalis-mo de celebridades à ignorância dos leitores. Como exemplo, o profes-sor cita os “medalhões”, que seriam pessoas célebres em meios onde há maior escolaridade. “Em uma facul-dade de jornalismo, por exemplo, existem os profissionais que mais se destacam, são referências e até mo-delos para os estudantes e professo-res”.

Há famosos demais neste país de pouca educação

Na teoria do jornalismo quântico, defendida por Claudio Tognolli, a aplicação do tripé metodológico - positivismo, marxismo e fenomenologia - em todas as etapas de confecção de uma reportagem permite menos visões tendenciosas e uma investigação mais apurada. O primeiro elemento leva em consideração apenas os números e estatísticas; o segundo tenta explicar a notícia com base nas relações de trabalho; e o último apresenta as impressões que o repórter teve no contato com a fonte, descrevendo cenários e sensações.

Seguindo a linha de pensamento de Timothy Leary, Tognolli afirma que a crítica de mídia é uma crítica de opinião, uma vez que tudo que o homem critica é um fenômeno humano.

Aqui se encaixa a figura do editor, definido por Tognolli como crítico de mídia. Para a imprensa, o que importa seria divulgar as próprias impressões, desde que devidamente conceituadas assim. Essa clareza tem o nome de editorialização.

A base do jornalismo quântico é o Princípio da Incerteza, firmado pelo físico Niels Bohr. Ele defendia que todas as características envolvidas num fenômeno deveriam constar em sua análise, buscando a imparcialidade.

Tognolli acredita que o Princípio acaba com a ideia de objetividade. Ele afirma que o repórter não deveria se identificar no momento da apuração, tentando fazer parte do meio em que está entrando. Assim, a relação seria com o tema da reportagem, sem influências na notícia. Em épocas eleitorais, por exemplo, a opinião da mídia estaria apenas nos editoriais. A cobertura diária não seria omissa com nenhum candidato, e a editorialização se aplicaria apenas na ênfase positiva ou negativa da matéria.

“Redramatizando o mundo e desdramatizando o tempo, a mídia prossegue em seus ardis: afinal, the show must go on”

Fran

k D

ezeu

xis -

Edi

tora

do

Bisp

o

Análise quântica da reportagem diminui editorialização

AquarioOAno 1 - Edição 1 Florianópolis, 16 de junho de 2011

Curso de Jornalismo da UFSCAtividade da disciplina EdiçãoProfessor: Ricardo BarretoEdição, textos, planejamentoe editoração eletrônica: Lucas PasqualServiços editoriais: Consultor Jurídico, The New York TimesColaboração: Luisa PinheiroImpressão: PostmixJunho de 2011

1-A

Tognolli cria guia para estudantes com propostade “investigaras investigações”

Lucy

Nic

holso

n - R

eute

rs

História e cultura das periferias concentram melhores personagens

AquarioO

Redes sociais, alcance da TV e baixa escolaridade influenciam sucesso de revistas no Brasil

AquarioO AquarioO