o amigo da onÇa: uma expressão da alma brasileira

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O AMIGO DA ONÇA uma expressão da alma brasileira Alberto Gawryszewski (org.) Coleção História na Comunidade – volume 1 O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

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Uma publicação do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI), do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina.(Coleção História na Comunidade, v.1 )

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O AMIGO DA ONÇAuma expressão da alma brasileira

Alberto Gawryszewski (org.)

Coleção História na Comunidade – volume 1

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O AMIGO DA ONÇAuma expressão da alma brasileira

Coleção História na Comunidade

volume 1

Page 3: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

ReitorProf. Dr. Wilmar Sachetin Marçal

Vice-ReitorProf. Dr. Cesar Antonio Caggiano Santos

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduaçãoProf. Dr. Alamir Aquino Corrêa

Pró-Reitor de ExtensãoProf. Dr. Paulo Bassani

Pró-Reitora de EnsinoProfa. Dra. Fátima Cristina de Sá

Diretor do Centro de Letras e Ciências HumanasProf. Dr. Ludoviko Carnascialli dos Santos

Chefe do Departamento de HistóriaProf. Dr. Cristiano Gustavo Biazzo Simon

Coordenador do LEDiProf. Dr. Alberto Gawryszewski

Agradecemos aos funcionários:

PROEX / UEL: Marina, Dayse e Edson; CDPH / UEL;Arquivo Público do Estado de São Paulo

Biblioteca Municipal de Londrina

Page 4: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

O AMIGO DA ONÇAuma expressão da alma brasileira

Alberto Gawryszewski (org.)

Universidade Estadual de Londrina

Londrina • 2009

Coleção História na Comunidade

volume 1

Page 5: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

Uma publicação do Laboratório de Estudos dos Domínios da imagem (LEDi), do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina

Copyright© dos autores

Capa e editoração: Humanidades Comunicação Geral

imagem da capa: O Cruzeiro, 1957.

imagem da contracapa: O Cruzeiro, 11/01/1958.

Tiragem: 1000 exemplares

Distribuição gratuita. Venda proibida.

Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CiP)

Toda matéria publicada é de inteira responsabilidade dos autores.

impresso no Brasil / Printed in Brazil

Feito depósito legal na Biblioteca Nacional

A516 O amigo da onça : uma expressão da alma brasileira / organizador Alberto Gawryszewski. Londrina: Universidade Estadual de Londrina / LEDI, 2009. (Coleção História na Comunidade, v.1 ) 90 p. : il.

Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7846-054-9

1. História. 2. Humor gráfico. 3. Imagem – História. I. Gawryszewski, Alberto. ii. Título.

CDU 930.2:77

Page 6: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

Apresentação

O Cruzeiro: uma revista de imagens

Jorge Luiz Romanello

Quem é O Amigo da Onça?

Ana Flávia Dias Zammataro

O Amigo da Onça: da construção do

preconceito à sua contestação

Alberto Gawryszewski

Referências Bibliográficas

Sumário

7

11

37

65

87

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Page 8: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

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Apresentação

A publicação deste livro é o início da realização de

um desejo: dar transparência às atividades científicas

produzidas pelos professores da Universidade Estadual de

Londrina (UEL), em especial do Departamento de História,

que participam do Laboratório de Estudos dos Domínios

da imagem (LEDi). É possibilitar um diálogo entre o saber

científico e a comunidade. Daí, esta coleção se chamar

História na Comunidade.

Em agosto de 2006, foi criado no Departamento de

História da UEL, na forma de projeto integrado (pesquisa/

extensão), o LEDi. Em três anos de existência, este tem

desenvolvido diversas atividades relevantes. Entre elas

podemos apontar: a realização, em maio de 2007, do I

ENEiMAGEM (i Encontro Nacional de Estudos da imagem

– (www2.uel.br/eventos/eneimagem); a publicação da

revista semestral Domínios da Imagem – http://www2.uel.

br/cch/his/dominiosdaimagem/ (em novembro de 2009 será

lançado o número 05); cursos de extensão e a realização, em

maio de 2009, do II ENEIMAGEM (www.uel.br/eventos/

eneimagem).

Em 2008, o LEDI teve aprovado seu projeto junto ao

PROEXT/2008- Programa de Extensão Universitária (ProExt

Cultura), um programa dos Ministérios da Cultura e da

Educação, realizado com a colaboração da Fundação de Apoio

à Universidade Federal de São João Del Rei (FAUF). Para

este projeto partimos da afirmação contida nas Diretrizes

Curriculares para o Ensino da História na Educação Básica,

Page 9: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

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que diz que as imagens, livros, jornais, fotografias, filmes etc.

são documentos que podem ser transformados em materiais

didáticos de grande valia na constituição do saber histórico.

Os documentos possibilitam a reflexão e a construção

de conceitos sobre o passado e permitem a formulação de

questões sobre os conceitos já constituídos. Compreendemos

a imagem como importante instrumento/documento para

a formulação do conhecimento histórico. Na realidade ela

pode ser a mediadora desse conhecimento. Assim, o projeto

proposto atua em duas frentes: primeira, proporcionando

ao aluno um novo olhar sobre as imagens, não como mera

ilustração, mas rica de conceitos e interpretações; segunda,

ajudando o professor a trabalhar com a imagem como

instrumento de ensino, como fruto de uma criação humana

repleta de significados.

Este primeiro livro, que acompanha a exposição com o

mesmo nome, foi concebido como mais um instrumento nas

mãos dos professores na tarefa de dialogar com os alunos.

A produção de Péricles e, depois, Carlos Estevão – O

Amigo da Onça – que estava imbutida na revista de maior

circulação nacional, O Cruzeiro, traz importantes reflexões

sobre o papel da mídia e do humor gráfico como formadora de

opinião ou como reflexo de uma sociedade.

A exposição, composta por cerca de 80 banners (que

podia variar conforme o espaço físico disponível), foi e está

sendo montada em escolas, museus, associações esportivas,

classistas e culturais. Foi dividida em três partes que se

interligam: primeira, uma mostra da revistra O Cruzeiro,

composta por capas, reportagens e entrevistas; segunda,

composta pelas ilustrações O Amigo da Onça (AO), de Péricles.

Page 10: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

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Esta foi subdivida em quatro partes: o preconceito do AO; as

idades diversas do AO; a morte de Péricles e sua criação; e,

por fim, o riso gratuito. A terceira e última parte da exposição

apresenta as criações de Carlos Estevão.

Este livro é formado por três artigos. O primeiro, de

Jorge Luiz Romanello, trata da história da revista O Cruzeiro,

típica “Revista de Variedades”. O autor privilegiou discutir um

pouco sobre as fotos, os desenhos, charges e caricaturas que

compunham a revista, pois era característica desta a ênfase

sobre as imagens.

O segundo artigo foi escrito por Ana Flávia Dias

Zammataro no qual aborda alguns aspectos do personagem O

Amigo da Onça. Escreve sobre a piada que deu origem a este

e apresenta suas várias facetas: egoísta, mulherengo, sagaz;

retratado como jovem e idoso, na forma animal e em vários

empregos. Mas, sempre aparecendo como um amigo da onça.

Faz uma ligeira biografia de Péricles, com seu fim trágico, e

de Carlos Estevão, destacando o brilhante trabalho deste na

continuação da produção do personagem O Amigo da Onça.

O terceiro e último artigo foi escrito pelo autor destas

palavras. Procurei trabalhar com alguns conceitos presentes

em nossa época, tais como o belo, feio, riqueza, pobreza,

velhice, etnia entre outros. Tais conceitos geram preconceitos,

ou seja, uma forma unilateral de análise (ou não) que reforça

valores, desagrega os laços humanos, gera ódios, sobrepõe um

ser sobre outro e outros malefícos. Perícles e Carlos Estevão,

astutos observadores da sociedade brasileira, colocaram seus

traços a serviço da denúncia dos preconceitos existentes em

nossa sociedade.

Page 11: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

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Espero que este livro, que dá início a coleção História

na Comunidade, composta inicialmente por nove livros,

contribua para o debate e o ensino de História, bem como

no resgate de um importante personagem de nosso humor

gráfico, O Amigo da Onça.

Este material pode ser copiado, no todo ou em parte,

devendo ser nomeada sua fonte. O download dos textos, na

versão em cores, poderá ser realizado na página do LEDi

(http://www.uel.br/cch/his/ledi/), bem como dos vídeos

produzidos e das imagens que compõem a exposição O Amigo

da Onça: uma expressão da alma brasileira.

Boa leitura!

Alberto GawryszewskiCoordenador da coleção

Page 12: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

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Introdução

Neste capítulo discutiremos um pouco da história da

revista O Cruzeiro e também de sua importância para o estudo

da história recente do Brasil.

Estamos acostumados a ler revistas e quase nunca nos

perguntamos sobre seu conteúdo, como são feitas, a que grupos

se ligam e quais interesses têm, e muito menos lembramos que

não foram como são hoje.

O simples folhear de uma revista antiga permite-nos

perceber uma série de valiosas informações. Se atentarmos

para isto podemos aprender muitas coisas sobre a sociedade

em que vivemos.

Ao manuseá-las, em geral, o que mais percebemos,

nas fotos e propagandas, são as diferenças nos cortes de

cabelos e nas roupas. Mais do que apenas mostrar mudanças

da moda, mostram também transformações nos costumes.

As mudanças nos modelos dos carros mostram mais que

mudanças de estilos e marcas; nelas transparece, também,

o esforço da indústria automobilística em associar seus

produtos a estilos de vida.

O Cruzeiro uma revista de imagens

Jorge Luiz Romanello

Page 13: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

Notamos algumas permanências, também, como por

exemplo, daqueles produtos que circulam por décadas a fio

com a mesma embalagem ou de alguns assuntos que estão

sempre em debate.

O que em geral não notamos é que os aspectos gráficos

das revistas – a diagramação (a forma de distribuir títulos,

subtítulos e fotos das matérias e reportagens, a quantidade

de texto em relação ao de fotos etc), as seções que as

compõem e uma série de outros aspectos – praticamente,

não mudam de uma edição para outra ou mudam tão devagar

que só percebemos essas mudanças, quando manuseamos

publicações de muitas décadas atrás.

Dessas mudanças e permanências de assuntos e de

estilos gráficos, da forma como são apresentadas, relações

estabelecidas com o público, o tratamento dos temas e outros

aspectos do gênero é que fazem da imprensa (jornais e revistas

principalmente) importante fonte de pesquisa para os estudos

históricos.

Nesse sentido, os estudos das imagens – desenhos,

fotos e outros – têm uma enorme contribuição a oferecer, pois

permitem perceber características que nenhum outro tipo de

fonte permite.

A este respeito, podemos lembrar aqui, rapidamente,

de aspectos específicos dos papéis da mulher e do homem na

sociedade, do desenvolvimento industrial, dos preconceitos

sociais e religiosos e assim por diante.

Nesta perspectiva, O Amigo da Onça, de Péricles, é

um personagem exemplar, e por meio do estudo de seus

comportamentos podemos perceber que ele sintetiza muitos

valores sociais predominantes da época em que foi produzido.

A associação entre O Amigo da Onça e a revista O

Cruzeiro, com sua circulação nacional e grandes tiragens no

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O Cruzeiro uma revista de imagens

período em que Péricles trabalhou lá, foi muito benéfica para

ambos, uma vez que aliou um personagem de grande aceitação

popular com as condições necessárias para que as charges

chegassem aos leitores de todo o Brasil.

Portanto, conhecer um pouco mais sobre a revista O

Cruzeiro é conhecer um pouco mais da história do Brasil e

do veículo de comunicação que levou O Amigo da Onça ao

interior dos lares brasileiros.

O Cruzeiro uma revista de variedades

A revista O Cruzeiro foi fundada em 1928, uma época

em que as técnicas de impressão de imagens estavam bem

desenvolvidas e o público já estava bastante acostumado a ler

revistas ilustradas, tinha circulação semanal e nasceu para

ser a mais moderna do Brasil e a primeira a circular em todas

as regiões do país e pertencia ao conglomerado de mídias

chamado de “Diários Associados”.

Os “Diários Associados” foram um conglomerado de mídia que

começara a ser montado em 1924 com a aquisição do jornal O Jornal. Este

cresceu sem parar por quase quarenta anos, chegando a congregar, em

1959, dezenas de jornais, as principais estações de televisão, 28 estações

de rádio, as duas mais importantes revistas para adultos do país, doze

revistas infantis, agências de propaganda, um castelo na Normandia, nove

fazendas produtivas espalhadas por quatro estados brasileiros, indústrias

químicas e laboratórios farmacêuticos, estes encabeçados pelo poderoso

[laboratório farmacêutico] Schering.

Foi um império tão grande quanto frágil que sobreviveu poucos anos

após a morte de Chateuabriand (MORAIS, 1994).

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

Com uma tiragem inicial de cinquenta mil exemplares,

estabelecia um verdadeiro record para os padrões da época,

chegando a circular 600.000.000 exemplares, em média,

entre o meio e o final da década de 1950, atingindo um público

estimado entre três e quatro milhões de leitores (devemos

lembrar que cada revista, normalmente, era lida por várias

pessoas).

A revista era propriedade do poderoso advogado e

jornalista Assis Chateaubriand Bandeira de Mello – conhecido

publicamente como Assis Chateaubriand e pelos íntimos

simplesmente como “Chatô”.

Assis Chateaubriand nasceu em 1892, em Umbuzeiro, na Paraíba,

formou-se em direito na Faculdade de Direito do Recife de onde

conseguiu se tornar professor aos 24 anos, após uma intensa batalha

judicial – cargo que nem chegou a assumir. Mudou-se, em seguida,

para o Rio de Janeiro disposto a formar uma cadeia de jornais, o

que efetivamente começaria a acontecer alguns anos depois e que se

personificou no império “Diários Associados”, que dirigiu por cerca

de quatro décadas.

Chateaubriand reunia, na mesma pessoa, personalidades

muito distintas, em que conviviam um perfil conservador e

violento, quase de um antigo coronel do século XiX, com o de

um homem visionário e elegante que amava a cultura, as artes

e os museus.

Com o poder e a influência que conseguiu, graças

aos jornais, revistas, emissoras de rádio, e mais tarde de

televisão, interferia diretamente na vida política brasileira,

apoiando ou destruindo candidatos e pressionando

presidentes, governadores e outras autoridades a atender

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O Cruzeiro uma revista de imagens

suas reivindicações. O castigo para quem não concordava com

ele ou não atendia às suas exigências era, com frequência,

um conjunto de retaliações veiculadas em seus órgãos de

comunicação.

Por conta de seu temperamento e de sua forma de agir,

conseguiu muitos admiradores e muitos inimigos também.

Faleceu em São Paulo, em 1968 (MORAIS, 1994).

Na imagem acima (página à direita), vemos Chateubriand

em uma reportagem sobre as personalidades do ano de 1956.

A própria forma como é diagramada uma reportagem já nos

informa muita coisa; neste caso, são duas página divididas em

três partes. A da esquerda (dividida em duas metades iguais),

na parte superior, destaca as homenagens ao general Lott – um

importante militar e político brasileiro que mais tarde chegou a

disputar uma eleição presidencial. Com o título: “FiANÇA DA

ORDEM” e duas fotos dele recebendo as honrarias da “Espada

“Personalidades do ano de 1956”, 06/01/1957

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

de Ouro” e de “Nossa Senhora”. Na metade inferior, com o

título: “O ANO PASSA – E O TRABALHO CONSTRUTIVO

FiCA”, oito fotos exibem as realizações e grandes eventos que

marcaram o primeiro ano de governo do presidente Juscelino

Kubitschek (1955-1961). A da direita, inteiramente dedicada

ao proprietário dos “Diários associados”, é uma montagem

com cerca de vinte fotos menores impressas em uma cor rosa

escuro formando um mosaico (fotos do próprio Chateaubriand

publicadas anteriormente pela revista) e um grande close em

preto e branco que ocupa quase toda a página.

A revista noticiou a premiação com o título

CHATEUBRiAND: Nacional e internacional e com um

pequeno texto que ressalta suas inúmeras qualidades e títulos,

chegando até mesmo a destacar suas 160 viagens e “592,30”

horas voadas. Ou seja, meia página e duas fotos para o General

Lott, meia página e oito fotos para o presidente JK e uma

página e mais de vinte fotos para o proprietário da revista.

Devido a sua importância no cenário cultural brasileiro

e à beleza das ilustrações e fotografias que ela continha, a

revista transformou-se em objeto de coleção para muitos

leitores que acreditavam guardar em casa reportagens que

eram uma parte da história do Brasil em que viviam, uma vez

que os editores e fotógrafos de O Cruzeiro produziam no leitor

a sensação de contar “A Verdade” dos fatos, e não apenas uma

versão – entre as muitas possíveis – sobre eles.

Desde os primeiros números, sua principal característica

era o uso de um grande número de imagens, recurso que

atraía o público e facilitava a leitura. Também os textos eram

cuidados para que o conteúdo pudesse ser lido com rapidez e

compreendido com uma certa facilidade.

A revista era impressa em papel de alta qualidade, o que a

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17

O Cruzeiro uma revista de imagens

deixava atraente, as charges, em geral, eram usadas para criticar

e divertir, os desenhos eram muito usados nas propagandas

dos produtos anunciados e havia, ainda, diversos tipos de

ilustração que enriqueciam histórias, destacavam as novidades

do mundo da moda, além de várias outras finalidades.

Havia um cuidado para que todos os tipos de assuntos

estivessem presentes em cada edição. Assim, as grandes

discussões internacionais dividiam espaço com as colunas

sobre o cotidiano, a moda, os conselhos para as mulheres,

futebol, automóveis, a política, novelas escritas, carnaval,

tecnologia, acontecimentos no mundo do rádio, teatro,

cinema entre outros A escolha de assuntos pretendia atingir o

maior público possível, dirigindo especial atenção ao público

feminino.

“Factos da Semana”, 22/03/1929

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

Embora tenha se colocado como uma publicação

moderna, no início as fotografias eram estáticas, com os

participantes fotografados parados e fazendo poses. O texto

era o elemento principal e o que gerava sentido às reportagens;

este, quando mais longo era habitualmente intercalado com

propagandas desenhadas.

Tratar de inúmeros assuntos era a sua marca e, em função

disso, estas revistas, passaram a ser chamadas de “Revistas de

Variedades”, pois desde o começo do século XX, já existiam

as “Revistas Especializadas” (aquelas que discutiam cinema,

automobilismo, assuntos femininos etc.).

No decorrer de sua longa história, O Cruzeiro viveu altos

e baixos, esteve inclusive a ponto de ser fechada em meados

da década de 1930. A revista recuperou-se espetacularmente

alguns anos depois, tendo vivido sua melhor fase na década

de 1950.

Desde o lançamento, possuía correspondentes em várias

partes do mundo e, em diversas ocasiões, patrocinou viagens

de seus repórteres e fotógrafos a países como Portugal, França,

inglaterra, Egito, Líbano e diversas outras partes do mundo,

incluindo o quase inexplorado Pólo Norte (meados da década

de 1950).

Os equipamentos gráficos utilizados em sua impressão

muito cedo foram importados da Alemanha (início da década

de 1930), colocando suas oficinas entre as mais modernas do

mundo. Em suas páginas foram publicadas algumas das mais

importantes reportagens da história do jornalismo brasileiro,

por suas redações passaram alguns dos melhores repórteres

brasileiros, como David Nasser, Armando Nogueira, Audálio

Dantas, Luiz Carlos Barreto, e outros.

O principal deles, sem dúvida, foi David Nasser (1917

–1980), que além de repórter foi um de seus principais

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19

O Cruzeiro uma revista de imagens

diretores (a partir de 1959) e também escritor, além de

letrista de sambas famosos. Trabalhou em O Cruzeiro entre

1943 e 1974. A seu respeito, estudiosos e ex-companheiros

de trabalho são quase unânimes em dizer que possuía

uma habilidade sem igual para escrever uma história, mas

também para exagerar na cobertura dos assuntos e mesmo

para inventar reportagens.

O Moderno fotojornalismo

Em 1943, chega às redações da revista o sensacionalista

e hábil fotógrafo francês Jean Manzon. Ele foi o principal

responsável pelas mais importantes mudanças gráficas

ocorridas na história de O Cruzeiro, e mesmo na história

das revistas ilustradas brasileiras. implantou na revista o

“moderno fotojornalismo” e, com isto, as páginas e as fotos

aumentaram de tamanho. A partir de então, passou a ser

comum que uma única foto ocupasse até mesmo duas páginas,

o que as transformava em um único grande espaço.

As fotos passaram a ser editadas predominantemente

sem as tradicionais margens brancas, o que causava a

impressão de que continuavam para fora da página da revista,

fazendo com que parecessem maiores. Começaram também a

ser dispostas de maneira a contar uma história, sem ou com

pouco auxílio dos textos, que encolheram muito de tamanho.

iniciava-se uma era em que a comunicação das revistas

tornava-se mais ágil com o uso de imagens que se sucediam

em um ritmo parecido ao do cinema.

Outras mudanças importantes também ocorreram; uma

das mais significativas foi a formação de duplas de jornalistas

para a produção de matérias e reportagens, em que um

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20

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

produzia o texto e o outro as fotos. Nascia, desta forma, a mais

famosa de todas, a formada pelo experiente David Nasser, que

já trabalhava na revista e o recém chegado Manzon.

O gosto do público pelo trabalho da dupla transformou-

os em estrelas da imprensa brasileira. A fama dos dois ajudava

a vender revistas, seu trabalho passou a ser cercado pelo

sensacionalismo, as reportagens que faziam eram anunciadas

antecipadamente e tratadas como verdadeiras aventuras

marcadas pelo perigo e pela ousadia. O Cruzeiro chegou a

inserir, em diversos momentos, fotos da dupla como parte

das reportagens para reforçar a veracidade daquilo que se

publicava.

Mostrar suas fotos era como certificar de que estiveram

nos locais inóspitos onde se realizavam as reportagens (coisa

que nem sempre aconteceu de fato), em meio aos perigos

e desafios. Agindo dessa maneira, a revista transformava-

os em homens corajosos e aventureiros, uma espécie de

“desbravadores de assuntos”, que faziam de tudo para

“Mostrar o Brasil aos brasileiros” por ângulos nunca antes

vistos na imprensa brasileira.

Temas da cultura, os “tipos brasileiros”, as formas

tradicionais de trabalho e muitos outros, semanalmente,

chegavam às mãos dos leitores que aumentavam mais e mais.

Em “República do Peixe” podemos perceber o resultado

das reformulações gráficas na revista: o título, o subtítulo,

legendas e alguns pequenos boxes estrategicamente colocados

na reportagem, praticamente dispensavam que o público

soubesse ler, pois a comunicação, a partir de então, passou a

ser feita principalmente pelas imagens, que mudaram de estilo,

passaram a expressar a sensação de movimento e a ser tomadas

por ângulos diferentes, o que as tornava mais atraentes.

Page 22: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

21

O Cruzeiro uma revista de imagens

Além de Manzon, O Cruzeiro abrigou fotógrafos de

primeira linha tais como: Flávio Silveira Damm, José Araújo

de Medeiros, indalécio Wanderley, Ed keffel, Henri Ballot

e outros, chegando a manter um elenco de 25 fotógrafos

contratados além dos colaboradores.

“República do Peixe” David Nasser e Jean Manzon, 23/09/1944

A reportagem “Orós”, publicada em 19 de março de 1960,

com texto de Luiz Carlos Barreto e fotos do próprio Barreto

e Alencar Monteiro, é um exemplo das inovações editoriais

implantadas em O Cruzeiro e mostra que, com o passar dos

anos, os padrões se modernizaram ainda mais, superando

inclusive as concepções praticadas por Manzon.

As grandes tiragens aumentaram proporcionalmente

a importância da equipe de fotógrafos e repórteres. Essa

respeitabilidade alcançada acabou por se traduzir no avanço

da própria categoria.

Page 23: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

22

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

O sucesso atingido por O Cruzeiro foi tanto que mudaram

os parâmetros profissionais vigentes. A partir de então,

trabalhar em O Cruzeiro passou a ser o sonho para qualquer

profissional da época, pois a fama, além de trazer dinheiro,

trazia respeitabilidade, o que facilitava a vida de todos.

“Orós”, 19/03/ 1960

Essa trajetória de glórias, proporcionada principalmente

pela implantação do moderno fotojornalismo, começou a ser

interrompida. Primeiramente pelo adoecimento repentino de

Chateubriand, no início de 1960. Depois com as mudanças

nas estruturas da mídia brasileira, provocadas pelo golpe

militar de 1964, fato que Chatô tão ardosamente apoiou e no

fim vitimou suas poderosas e frágeis empresas.

Os desenhos

Em O Cruzeiro, no período de 1928 a 1940

aproximadamente, as imagens – desenhos, charges e fotos

Page 24: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

23

O Cruzeiro uma revista de imagens

– serviam mais para explicar, demonstrar e acrescentar

informações ao texto escrito, que era o principal conteúdo da

revista. Podemos dizer que as imagens, embora fossem muitas

e importantes, eram usadas para seduzir e atrair a atenção dos

leitores, que deviam fascinar-se pela beleza ou se interessar

pelos assuntos mostrados, enquanto praticamente todas as

informações eram trazidas pelo texto escrito.

Os desenhos imperavam, significativamente, a começar

pelas capas, que eram verdadeiras obras de arte. O fato de

serem geralmente assinadas pelo autor, como uma pintura,

reforçava esta característica. As capas eram limpas, nelas

predominava o título “O Cruzeiro”, em destaque na parte

superior da capa, em um tipo de letra que mais parecia um

desenho do que uma letra produzida por máquinas, logo

abaixo, em letras menores e mais finas o subtítulo “Revista

semanal ilustrada”, em itálico, e o preço um mil réis (a moeda

da época), significado por um “1$” e o desenho que ocupava

cerca de oitenta por cento, espaço disponível nas partes

intermediárias e inferior da capa. Não havia sequer chamadas

para os assuntos que a revista traria naquele número, nem

mesmo a data ou o número da publicação impressos.

Para a pesquisadora Ana Cristina Teodoro da Silva, historiadora

e autora do trabalho “O tempo e as imagens de mídia: capas de

revistas como signo de um olhar contemporâneo” em que pesquisou

o funcionamento das capas de revistas: “A utilização de estereótipos

corporais, de cores em seu sentido mais didático, de tipos e símbolos de

fácil e ágil leitura fazem da capa um atrativo fugaz, de rápida duração.

Com isso é reforçada a busca por sínteses “eficazes”, que digam muito

em pouco espaço e em pouco tempo. O acúmulo de informação seduz,

oferecendo agilidade e síntese”. (SILVA, 2003)

Page 25: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

24

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

A figura de uma bela mulher desenhada imperava

enquanto modelo de capa. É importante notar que na maioria

dos casos a imagem feminina apresentada era a de uma

mulher moderna, arrojada. O apelo à sensualidade (se havia)

deveria ser discreto, tendendo mais para um charme ousado

e misterioso do que para algo mais explícito, que as pessoas

pudessem considerar apelativo; isto certamente chocaria o

público e colocaria em risco o espaço e o respeito da revista.

Capa, 16/08/1930

Page 26: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

25

O Cruzeiro uma revista de imagens

Temos de considerar que a escolha desse modelo “bem

comportado” devia-se ao fato da sociedade ser conservadora

e tradicionalista. Naquele tempo (1930), para entrar nos lares

das famílias brasileiras, uma revista deveria antes de mais

nada ser discreta em suas opiniões e posturas e, ao mesmo

tempo, parecer avançada, inovadora, destemida para agradar

ao público mais liberal.

Neste sentido, nada mais lógico do que mostrar, por

exemplo, a figura de uma mulher piloto de corrida (o que

ocorre na capa da edição de 11/01/1930). É certo que, embora

pouquíssimas, existiam mulheres piloto no mundo e ao

menos uma no Brasil. Mas o que poderia representar uma

imagem dessas publicada em uma capa de revista daquela

época? Principalmente se levarmos em conta que não havia

no interior da revista nenhuma reportagem sobre o assunto.

Podemos facilmente imaginar o quanto uma figura

como essa deve ter causado de polêmicas e críticas em uma

sociedade em que pilotar automóveis de corrida era coisa para

homens – e mesmo assim para homens corajosos – o que

muita gente, inclusive muitas mulheres, não deviam pensar

desta ousadia?

Por outro lado, provavelmente esta imagem deve

ter mexido com a cabeça de muitas mulheres “modernas”,

insatisfeitas por não poder trabalhar fora, disputar eleições e

praticar outras atividades que, na época, eram consideradas

tipicamente masculinas. isto já mostrava um tipo de

direcionamento da publicação ao público feminino, atraindo

simultaneamente a atenção do público masculino.

Um estudo do conjunto das capas mostra que o uso

de desenhos era um estilo, mais uma opção do que apenas

uma limitação técnica. Ocasionalmente publicavam-se

fotos na capa.

Page 27: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

26

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

Com o decorrer do tempo, as capas mantiveram a tradição

de personagens femininas, a diferença é que começaram a

aparecer em fotos retocadas e coloridas à mão, que pareciam

ainda desenhos e, somente mais tarde, em fotografias

(geralmente de alta qualidade, coloridas e produzidas em

estúdios), sem retoques perceptíveis.

As propagandas usavam majoritariamente desenhos

ainda no início da década de 1950. Por meio de desenhos,

oferecia-se ao consumidor uma enorme variedade de serviços

e produtos. Hoje, ao folhearmos estas revistas facilmente

encontramos propagandas desenhadas de produtos

farmacêuticos (que apareciam em grande quantidade),

mobiliários, louças sanitárias, sapatos, bebidas, máquinas de

escrever, vitrolas, discos, rádios, e etc.

Propagandas do “Espumante Único” e “iofoscal”, Contracapa 11/09/1937

Page 28: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

27

O Cruzeiro uma revista de imagens

Destaca-se, entre eles, especialmente os produtos

dirigidos às mulheres, que despontavam enquanto um grande

público consumidor e que por isso merecia atenção especial

de O Cruzeiro.

Propaganda do “Pó de Arroz Lady” - 07 09 1931

Havia uma série de seções especialmente direcionadas

a elas, algumas sob títulos gerais como “Moda” ou “Culinária”,

que permaneceram na revista ao longo de quase toda sua

trajetória, e outras mais específicas como “De Mulher Para

Mulher”, direcionada aos “conselhos femininos” que esteve

presente nas páginas da revista por um período de tempo

menor, mas que mesmo assim foi publicada por algumas

décadas.

Nas propagandas, usavam-se também fotografias, o

que mais uma vez demonstra que havia os recursos técnicos

para isto, e que o uso de desenhos era, também neste caso,

Page 29: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

28

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

uma opção, uma forma de corresponder ao gosto do público,

ainda muito acostumado a esse tipo de comunicação e uma

opção pela qualidade, entre outros motivos, pois os desenhos

permitiam ressaltar detalhes e o farto uso de cores, coisas que

ainda estavam se desenvolvendo na fotografia e nas técnicas

para imprimi-las.

A propaganda do “Purgoleite” (um tipo de remédio),

foi elaborada a partir de uma montagem de imagens. Pode-

se perceber que a fotografia de um ginásio de esportes ocupa

o plano de fundo, sobreposta pelos desenhos de caixas do

“purgativo e laxativo” e de “comprimidos robôs” que disputam

uma corrida.

Propagando do “Purgoleite”, 08/01/1944

Page 30: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

29

O Cruzeiro uma revista de imagens

Seção “Caricaturas no Estrangeiro” e Charge de Belmonte “Hontem e Hoje”, 28/06/1930

Havia, ainda, as propagandas exclusivamente escritas, o

que demonstra a importância do texto escrito e pressupõe um

leitor, no mínimo, alfabetizado, uma vez que os textos eram

longos e escritos em português culto.

As Charges, Caricaturas e Cartoons

As charges, caricaturas e cartoons eram variados e

possuíam, nas primeiras décadas da revista, um perfil diferente

do que ganhariam depois.

Naquele tempo (1930), a seção “A Caricatura no

Estrangeiro”, como o próprio nome diz, reproduzia tiras e

quadros publicados em jornais internacionais como L’ Esquella

de Torratua, de Barcelona na Espanha, o Humoristicke Sisti,

Page 31: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

30

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

de Praga, na Hungria, do The Passing Shaw, de Londres, e

outros que se alternavam de uma publicação para outra. Esta

era uma forma de apresentar ao público brasileiro o traço e

os modelos de desenhos que circulavam o mundo, além de

ajudar a dar um caráter internacional à publicação.

Quando essa seção dividia espaço com as charges do

cartunista brasileiro Belmonte (1896 – 1947), por exemplo,

estabelecia-se quase que naturalmente uma comparação

entre o que se fazia no Brasil e o que circulava pelo mundo.

Aqui, Belmonte observa a mudança dos costumes do século

XiX para o século XX, em charge intitulada: “Hontem e

Hoje”, por Belmonte.

No quadro, representando o ontem (1830), aparecem:

ao lado esquerdo, um casal de jovens vestidos de forma

discreta, adequada à época, com expressão assustada, como

que surpreendidos em atitude inadequada em plena rua;

ao lado direito, um senhor de pistola em punho e guarda

costas negro, um provável escravo, com sorriso sádico. A

legenda informa “1830. Em plena rua, Elle, ella e o pae. Fim

de scena levemente amorosa. O Pae: [acusando o rapaz]

Bandido! Manchaste minha honra, conversando em público

com a minha filha !! Vaes morrer libertino !! Pum. E fazia

uma lavagem em regra da “honra ultrajada’... ”. No quadro,

representando o hoje (1930), ao lado esquerdo também

um jovem casal, só que desta vez confiante e sorridente,

com roupas mais arrojadas, modernas para a época, ela

inclusive usando um vestido curto e o rapaz trajando um

terno despojado e chapéu do tipo paleta, parados defronte

um automóvel (sinônimo da modernidade e um lugar pouco

indicado para garotas de “boa família”, na década de 1930).

À esquerda, um senhor de chapéu côco e bengala, com

expressão sorridente.

Page 32: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

31

O Cruzeiro uma revista de imagens

Dessa vez, a legenda comenta: “‘1930... Em plena rua

Elle, ella e o pae. Fim de scena cinematograficamente amorosa.

ELLA... Papae! quero apresentá-lo a um novo amiguinho meu.

Elle quer levar-me ao cinema mas você precisa emprestar-nos

dez mil réis!...’ ”

No primeiro quadro, “O ontem”, quem determina as

ações é a figura de um pai rigoroso, preocupado com a honra

da família. No segundo, “O hoje”, quem as determina é a filha

liberal, em sintonia com os “tempos modernos”.

Embora uma charge – assim como qualquer imagem

– possa ser lida de diversas maneiras, a comparação de

esteriótipos do namoro e dos comportamentos e suas

mudanças nos cem anos que separam 1830 e 1930 sugere uma

exagerada liberalização dos costumes. Para que ela fizesse

sucesso, ou mesmo fosse compreendida, é importante que

o assunto estivesse em discussão e a sociedade preocupada

com isto.

Em 1943, começou a ser publicada a célebre charge O

Amigo da Onça, de Péricles Maranhão (1924 – 1961). Com

o passar dos anos, tornou-se a mais famosa e importante

série de charges publicada em O Cruzeiro e uma marca que

consagraria definitivamente a revista no gosto do público.

A linguagem de Péricles era objetiva, o autor utilizava-

se pouco de palavras. Em seu trabalho, a comunicação era

mais direta, utilizando-se muito da cor e dos movimentos dos

personagens retratados e dispensando normalmente textos

e legendas – o que o colocava em sincronia com o moderno

fotojornalismo que, como vimos, também se comunicava mais

pelas imagens.

Mais tarde, nasceram outras páginas e seções de

caricaturas, charges e cartoons, os quais se tornaram parte do

rico acervo de desenhos de O Cruzeiro.

Page 33: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

32

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

A página de Borjalo (1925 – 2004), por exemplo, circulou

entre as décadas de 1950 e 1960.

21/01/1961

Na charge, intitulada “Cabo Cañaveral”, aparecem

minúsculos dois militares ao lado de um conjunto de foguetes

enquanto um comenta “– Não há dúvida, sargento. O estilo

é gótico”, uma alusão ao estilo das catedrais medievais

construídas a partir do século Xii em diversas partes da Europa,

e que possuía, como uma de suas principais características, o

uso dos arcos em forma de ogiva, tal qual a ponta dos mísseis

do desenho.

Page 34: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

33

O Cruzeiro uma revista de imagens

Cabo Cañaveral é uma referência direta ao mais famoso

centro de lançamentos de foguetes dos Estados Unidos, de onde

partiram várias missões espaciais e se desenvolveram projetos

de mísseis, durante a chamada “Guerra Fria” (1947 – 1991),

um conflito que opôs países do chamado bloco capitalista ao

chamado bloco comunista ou socialista e que manteve por

décadas o mundo à beira de uma guerra nuclear.

Mais uma vez o cotidiano em discussão, agora com uma

crítica política sutil que apresenta militares que parecem

apenas entender sobre os aspectos estéticos, a aparência, o

“estilo” dos poderosos mísseis que possuíam.

Na revista, trabalharam ainda Milton Fernandes, o

Millôr, Hilde Weber Abramo, Antônio Gabriel Nássara, o

Nássara, Amilde Pedrosa o APPE, Ziraldo Alves Pinto, o

Ziraldo, além de muitos outros.

Considerações Finais

Todo este conjunto de excelência formado por gráficas,

pelas grandes tiragens, seus ótimos repórteres, fotógrafos,

chargistas, cartunistas, desenhistas e editores, somados à

opção estética pelo moderno fotojornalismo e à influência

de Chateubriand presentes na revista O Cruzeiro funcionava

articuladamente e cada um deles contribuiu para torná-la uma

publicação única do gênero no Brasil.

Durante os quase cinquenta anos em que O Cruzeiro

circulou (entre 1928 e 1974), lançou modas, reforçou costumes

e influenciou bastante a vida política e cultural do país. Seu

estilo influenciou diretamente a criação da revista Manchete

e indiretamente a de várias outras. Chegou a ser considerada

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34

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

por alguns, – talvez de forma um pouco exagerada – como a

“Rede Globo da década de 1950”.

Podemos dizer, hoje, que a revista ocupa um lugar

importante na história da cultura brasileira. Como vimos, nos

textos, fotos, desenhos, charges, caricaturas e propagandas

de O Cruzeiro, podemos buscar informações sobre inúmeros

aspectos da própria história recente do Brasil.

O estudo de conjuntos das revistas publicadas ajuda

a perceber, ainda, aspectos da evolução da imprensa

brasileira, pois ela foi uma publicação que fundou, no Brasil,

novos modelos de se fazer revistas, mudanças do olhar, na

medida que nos acostumamos a ler certos tipos de imagens,

além de permitir perceber outros importantes aspectos do

funcionamento dos meios de comunicação.

Por meio do seu estudo, podemos também aprender

sobre a história da moda, pois afinal este segmento de

mercado não existiria se não houvesse como divulgar os

novos modelos e tendências, sobre a evolução do cotidiano

e dos comportamentos, pois, como vimos, ao circularem as

propagandas de produtos industrializados e modelos de

comportamento contribuíram para que o público passasse a

consumir estes artigos e mesmo estilos de vida.

Devemos considerar ainda a importância da revista

para o estudo da história política do país, uma vez que era

lida por muitas pessoas que a recebiam como a única fonte

de informações para formar suas opiniões com relação a

candidatos, projetos de governo, etc.

Mas também devemos sempre considerar que a revista

apresentava apenas um lado dos acontecimentos, que ela tinha

um proprietário e um corpo editorial que definiam a linha

da revista (a forma como os assuntos iriam ser publicados,

Page 36: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

35

O Cruzeiro uma revista de imagens

quantas páginas seriam dedicadas para cada assunto, que tipo

de fotos usariam e até mesmo que palavras seriam escolhidas

para compor os títulos e subtbtítulos), que dependia de vender

propagandas para existir e isto acabava dirigindo e limitando

as escolhas dos jornalistas e editores e a forma como seria

apresentado seu conteúdo.

Esses cuidados que o historiador deve ter, por obrigação,

ao estudar este, ou qualquer outro tipo de fonte – pois afinal

toda vez que estudamos um documento, devemos saber quem

o escreveu, a que classe social pertencia, que tipos de interesses

defendia etc – não são a rigor muito diferentes dos que o leitor

deveria ter, por precaução, ao ler uma revista.

Por meio dessa breve discussão, pudemos perceber

que esta ou qualquer outra revista oferece-nos excelentes

oportunidades de aprender um pouco mais sobre o passado e,

consequentemente, sobre o presente.

Page 37: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira
Page 38: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

37

Um pouco sobre o personagem

Baixinho, porém de porte atlético, nariz adunco, olhos

grandes e arredondados, com sua vestimenta inconfundível,

nasce, nos traços de Péricles Maranhão, o personagem O Amigo

da Onça. Nas paginas da revista O Cruzeiro, O Amigo da Onça

dá “o ar de sua graça” em 23 de outubro de 1943 mantendo

sua publicação praticamente regular durante os mais de 30

anos seguintes em que a revista foi publicada. Após a morte de

seu artista criador, em dezembro de 1961, dá continuidade ao

personagem, Carlos Estevão. Este já trabalhava na revista com

desenhos de êxito como Perguntas Inocentes e As aparências

Enganam, ficando até o ano de 1972.

Partindo de uma piada em voga na época, (vide

box), ao artista Péricles Maranhão foi dada a tarefa de

captar a personalidade do carioca típico em seu rótulo de

“malandragem”.

As raízes de O Amigo da Onça, personagem então

caracteristicamente brasileiro, estão, por sua vez, no The

Enemies of man, da revista americana Esquire, que deu origem

ao El enemigo del hombre, da revista argentina Pataruzy.

As piadas de O Amigo da Onça causavam humor e

Quem é O Amigo da Onça?

Ana Flávia Dias Zammataro

Page 39: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

38

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

a essência delas dava

sentido ao nome do

personagem principal –

Amigo da Onça – aquele

que é para desmascarar,

para entregar o próximo

em seus deslizes físicos e

psicológicos, para satirizar

a corrupção política, para

rir da hipocrisia social

daquele momento.

O primeiro O Amigo

da Onça – considerado

charge1, pela sua legenda,

de 23/10/1943 – foi

republicado em 02 de

fevereiro de 1962, logo

após a morte de Péricles

Maranhão (ver página seguinte). Sem hesitar, O Amigo da

Onça entrega o personagem que sai intencionalmente – ou

não – pagando menos: “Foi esse aí mesmo, seu trocador. Só

botou ‘um tostão’”.

1 Notemos a legenda do cartum: “O Cruzeiro inicia nesse número, a reprodução de piadas de ‘O Amigo da onça’, charges do desenhista Péricles, recentemente falecido. Essa foi publicada em 1943, quando a passagem de ônibus, no Rio, custava dois tostões. Era pago com moedas, no caixa, à saída.” A imagem corresponde a uma das primeiras, então feitas, do artista Péricles, e que, após a sua morte, em 1961, foi publicada pela O Cruzeiro retomando a obra do artista.É curiosa, também, a conceituação da imagem feita pela revista como charge, na legenda. Partindo das leituras feitas para esse artigo consideramos, no entanto, a imagem como cartum, ja que é “desenho humorístico que privilegia, geralmente, a crítica de costumes, satirizando comportamentos, valores e o cotidiano” (RIANI, 2002, p. 26)

Dois caçadores conversam em seu acampamento:— O que você faria se estivesse agora na selva e uma onça aparecesse na sua frente?— Ora, dava um tiro nela.— Mas se você não tivesse nenhuma arma de fogo?— Bom, então eu a matava com meu facão. — E se você estivesse sem o facão?— Apanhava um pedaço de pau.— E se não tivesse nenhum pedaço de pau?— Subiria na árvore mais próxima!— E se não tivesse nenhuma árvore?— Sairia correndo.— E se você estivesse paralisado pelo medo?Então, o outro, já irritado, retruca: — Mas, afinal, você é meu amigo ou amigo da onça?

Page 40: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

As vestimentas dos personagens são características da

época, quando mesmo no calor do Rio de Janeiro, vestia-se

roupas “pesadas”: calças compridas, terno, sapatos sociais,

seguindo os padrões da moda. A roupa do personagem

trocador se diferencia dos demais. São mais simples, um

terno que está um pouco fora de suas medidas, pochetinha

remendada e sapatos comuns. Esses elementos indicam que o

seu trabalho é mais humilde e que não lhe provê muitos recursos

materiais. O plano de fundo da imagem mostra, também, um

Rio de Janeiro ainda em fase de crescimento urbano, com um

sombreamento de prédio e, claro, o transporte público.

O Cruzeiro, 02/02/62

Page 41: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

40

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

Consideramos as imagens trabalhadas, como cartuns:

abordagens cotidianas e universais de temas que não

dependem de um espaço e de uma temporalidade específica

para serem compreendidas. Há imagens que, ao contrário, são

temporais, tratando de assuntos da época. São, desse modo,

consideradas charges.

O personagem com seu humor e crítica obteve sucesso

entre os leitores, associando-se isso, também, como um dos

motivos para a grande tiragem da revista. O cartum, a seguir,

pode confirmar isso, nele temos O Amigo da Onça como

personagem único e central na imagem.

O Cruzeiro, 02/12/50

Page 42: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

Sua posição em relação aos objetos do cartum lhe dá um

lugar de destaque. Através de sua fala notamos que o olhar é

dirigido ao público leitor. O Amigo da Onça apresenta-se como

gerente e articula sua fala para justificar o aumento do preço

da revista O Cruzeiro. Em formato de poema, o personagem

busca o convencimento do leitor utilizando o argumento de

que todos os gêneros têm seu preço elevado:

“Levanta os preços a feira

Sobe o bonde sobe o trem,

Até mesmo a lavadeira

Levanta o preço também

Se sobe o preço o teatro

E o preço o sapateiro,

É justo que vá para quatro

Um exemplar d’O Cruzeiro

Sobe o feijão, sobe o milho,

Ja nada vale o dinheiro,

Sobe muito o café, filho,

Tem que subir O Cruzeiro

Ninguém promova levante,

Nem se zanguem pechincheiros,

Que um Cruzeiro assim brilhante,

Vale bem quatro cruzeiros.”

Não há dúvidas de que esse cartum foi encomendado,

dando a Péricles Maranhão seu conteúdo e colocando a própria

imagem da revista como temática central: são os interesses da

Page 43: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

42

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

O Cruzeiro que estão em jogo. O Amigo da Onça se apresenta

com sua vestimenta tradicional, assim como foi criado por

Péricles. O ambiente privado do trabalho em que se encontra

lhe dá a base necessária para atuar como gerente e comunicar

o aumento do valor da revista.

Nos mais diversos temas, O Amigo da Onça satirizava

costumes, a hipocrisia, o jogo de aparências; por vezes, fazia

críticas à política, nesse caso se dirigindo a abordagens muito

específicas de seu momento.

A partir da década de 50, mais particularmente na

segunda metade, os ambientes privados em detrimento dos

públicos passaram a ganhar espaço nos cartuns O Amigo

da Onça. isso se deve ao imaginário em formação no qual

fervilhavam as perspectivas de desenvolvimentismo e

modernidade, associados a ideais de consumo. Dessa forma,

as propagandas, charges e reportagens, invadiram o universo

privado dos indivíduos, relatando o seu cotidiano, fazendo

críticas à instituições como a da familia e demonstrando por

meio da cultura material (conjunto de objetos dos quais

utiliza determinada sociedade) os valores do consumismo

com a presença de televisores, aspiradores de pó, entre outros

elementos que “facilitaria a vida das donas de casa”.

Péricles Maranhão lançou mão desses ideais de

consumo em suas abordagens, utilizando-os como meio

para provocar o riso e para se fazer críticas, satirizando a

ordem então estabelecida. Nessa medida, eletrodomésticos

e eletroeletrônicos poderiam não somente fazer parte da

imagem como objeto para compô-la, mas também como peça-

chave para a sua temática.

Caracterizado de maneiras diversas, O Amigo da Onça já

foi louco e médico, jovem, velho e adulto, pai, filho, pedreiro,

Page 44: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

garçom, engraxate, se vestiu de mulher, foi ele por ele mesmo.

E, assim, por meio de suas piadas, chamava a atenção do

público de todas as idades. Leitores e não leitores assíduos

da revista esperavam ansiosos por mais uma peripécia do

personagem, fosse através da compra de mais uma edição da

O Cruzeiro, fosse por uma olhadela rápida na página do O

Amigo da Onça nas bancas.

O cartum de 1958 tem a televisão como objeto do qual

utiliza O Amigo da Onça para dar o sentido de seu humor,

simbolizando a perspectiva de consumo. A novidade vem

também com O Amigo da Onça jovem, caracterizado como

criança na imagem.

O Cruzeiro, 05/04/58

Page 45: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

Notemos que há dois tempos no cartum, divididos

pelo artista em partes “i e ii”. O Amigo da Onça criança

está tipicamente caracterizado: com meias 3/4, sapatinhos e

um pouco mais cabeludo que O Amigo da Onça adulto. Sua

fisionomia parece ser a de quem está distraído, com um ar

despreocupado, lendo o seu livro ao lado da TV. No primeiro

quadro, o indivíduo que a assiste se mostra empolgado com

as cenas exibidas. Ele se curva para frente em sua poltrana,

contorce o corpo, arregala os seus olhos; empolgação essa que

o levou ao ato de babar, recurso que utilizou Péricles como

modo de enfatizar o estado de euforia do personagem, mas

ao mesmo tempo para ridicularizá-lo. Os elementos em volta

de sua cabeça – a espiral, as hastes, e os corações – indicam

um homem embasbacado com o que vê, apaixonando-se pela

imagem da mulher na televisão.

Num segundo momento, O Amigo da Onça criança,

aproveitando-se da posição que ocupa, sente-se à vontade

para se apoiar no botão da tv, des-sintonizando-a. Há aí, uma

quebra de continuidade às reações de euforia do personagem

ao ver a moça na televisão. Ele é surpreendido pela peça

pregada pelo “amiguinho” que “ingenuamente” fez com que

o aparelho ficasse fora de sintonia. O personagem mais uma

vez curva-se para frente, entretanto, indignado e furioso com

a ação do Amigo da Onça, levando a mão à face, curvando

as sobrancelhas e abrindo a boca numa atitude de surpresa e

ódio, confirmados pelas estrelinhas em volta de sua cabeça.

Na particularidade do lar do indivíduo, O Amigo da

Onça adentra com suas armações ironizando elementos que

davam status social. O televisor – tão almejado pelas famílias

brasileiras naquele momento – sinal da modernidade e do

consumo estava na ordem dos paradigmas impostos por

Page 46: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

esses símbolos; tê-lo era sinônimo de bem-estar e de status.

Péricles, entretanto, utilizou desse elementos para levar o

leitor ao riso.

Da mesma maneira que poderia ser criança, O Amigo da

Onça já aparecera também como velhinho.

Muito atual e crítico, O Amigo da Onça velhinho nesse

cartum, dá o sentido necessário para a sua compreensão

pelo leitor. Em um ambiente carcerário O Amigo da Onça

representa o advogado que “finalmente” conseguiu provar

a inocência de seu cliente. O velhinho cliente com sua longa

barba branca indica que ele está ali há tempos, mas também

O Cruzeiro, 22/10/60

Page 47: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

46

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

alguns recursos dos quais Péricles utilizou: a contagem dos

anos na parede feitas pelo próprio velhinho – de 1923 até

a data atual do cartum – os desenhos sobre algum crime

cometido no plano de fundo da imagem e também os objetos

no primeiro plano, a moringa de barro e um livro, que pelo

crucifixo indica ser uma bíblia, já gasta pelo tempo.

A fala do Amigo da Onça simboliza uma justiça lenta,

discussão muito pertinente ainda nos dias de hoje, que

somente depois de passados tantos anos conseguira provar a

inocência de um individuo: “Pronto, rapaz! Consegui afinal,

provar tua inocência. Vais começar vida nova!”. Percebemos

a ironia no tom de sua fala, como se tivesse conseguido provar

a inocência do seu cliente de imediato, fala essa que contrasta

com a fisionomia do cliente com um olhar baixo e desanimado,

denotando a sua tristeza por ter estado ali tantos anos –

elemento esse que leva ao riso. O Amigo da Onça, nesse caso,

representa não somente ele mesmo como “amigo da onça” que

é, mas caracteriza uma justiça insípida e lenta, no Brasil, uma

justiça a favor dos ricos e contra os pobres, uma justiça, afinal,

“amiga da onça”!

Uma característica marcante é seu egoísmo muito

aguçado já que sempre pensa em si mesmo em detrimento do

próximo, visa sempre a própria vitória, o seu bem-estar, não

importando de que maneira. Podemos notar isso nas inúmeras

imagens publicadas, mas há aquelas em que seu egoísmo nato

se torna mais latente. Principalmente se tratando da conquista

de mulheres bonitas, O Amigo da Onça não hesitava em

expressá-lo.

isso se torna claro no cartum a seguir, no qual temos

prováveis náufragos em alto mar deitados sobre um pedaço de

madeira, o que pode ter sobrado da barco. O Amigo da Onça

Page 48: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

não deixa de tirar vantagem sobre a distração do homem:

dormindo que está ao lado de uma linda mulher, O Amigo da

Onça passa o serrote na intenção ficar só, com a mulher e os

mantimentos, que ficaram no seu lado da prancha. A mulher,

é claro, tem um tipo físico dos padrões ditados naquele

momento: cintura fina e quadris largos e arredondados. O

Amigo da Onça não hesita, então, em pôr a vida do outro em

risco para satisfazer as vontades próprias. As intenções do

Amigo da Onça são muito bem caracterizadas nesse cartum,

simbolizando os sentidos de seu próprio nome – O Amigo da

Onça – prejudicando o outro em benefício próprio.

Os diferentes modos pelos quais o personagem se

apresentava na imagem lhes davam base para conseguir aquilo

que queria. O cartum da página seguinte é cotidiano e se passa

num ambiente corriqueiro do trabalho.

O Cruzeiro, 31/07/1954

Page 49: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

48

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

Ao acender seu cigarro, o Amigo da Onça rompeu o ciclo

de trabalho. Distraído deixa de pegar o tijolo, passando por

ele e acertando a cabeça de um indivíduo que passa na rua,

em frente à construção. Sua expressão demonstra a sensação

de dor pelo ocorrido, acompanhado da feição de surpresa

do sujeito que vem logo atrás dele. A ingenuidade irônica do

Amigo da Onça é o risível da imagem, que, juntamente com o

mote de surpresa que a queda do tijolo na cabeça do indivíduo

causa, leva o leitor ao riso imprevisto.

Como imagem do cotidiano ela indica que era muito

comum construção em meio ao trânsito de pessoas, levando

a acidentes de trabalho, talvez não intencionais como o

O Cruzeiro, 02/11/49

Page 50: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

causado pelo Amigo da Onça. Faz parte também do processo

de desenvolvimento das cidades, demolindo o antigo e

inaugurando o novo.

Para atuar como O Amigo da Onça o personagem poderia

ser tudo o que ele quisesse, poderia até mesmo estar ausente na

imagem, mas presente através de suas armações. Dessa maneira,

não seria nada incomum um “amiguinho” caracterizado como

qualquer animal. O interessante da imagem abaixo é justamente

essa caracterização particular do personagem.

Não há seres humanos presentes, mas sim dois ratinhos.

O Amigo da Onça foi zoomorfado ou o ratinho foi humanizado,

para compôr o sentido do cartum. Sua abordagem é muito

universal, e mesmo que não se reconheça em um dos ratinhos

a feição do Amigo da Onça compreende-se o seu sentido. Ora,

O Cruzeiro, 14/02/59

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

ratos são animais que vivem nos lugares escuros das casas, são

atraídos pelo queijo e, como na imagem, são pegos através da

ratoeira – que simboliza que esse objeto é antigo, mas ainda

muito usado.

Péricles Maranhão utilizou o recurso da caricatura, já

que esse é um tipo de imagem que tende a reforçar as partes

mais relevantes da fisionomia de uma pessoa – seu orelhão,

seu barrigão, seu nariz grande, seus labios grossos ou muito

finos – , associando até mesmo a sua imagem a de um animal

revelando aspectos do seu psicológico. No caso do Amigo da

Onça a sua imagem associada a de um ratinho não se liga a

elementos de sua fisionomia, mas sim de sua personalidade:

sempre ágil, habilidoso em escapar de armações e de piada

pronta. O outro ratinho, no entanto, que sai da sua toca, é o

oposto do rato Amigo da Onça, já que vai ser pego por sua

“peça”. Esse ratinho tem um aspecto mais infantilizado, quase

que ingênuo, seu corpinho é mais cheio e o ato de babar feito

pelo traço de Péricles dá a esse um aspecto tolo. O ratinho

Amigo da Onça come o pedaço de queijo, que como indica o

plano de fundo da imagem, pegou da dispensa da casa e diz ao

outro: “Onde eu consegui este queijo?? Foi dali...” apontando

para o pedacinho que está na ratoeira. Sabemos que a ratoeira

é para pegar ratos, então nem mesmo como animalzinho

Amigo da Onça deixa de sê-lo (“amigo da onça”) aprontando

com suas peripécias.

O Amigo da Onça em sua trajetória: de Péricles

Maranhão a Carlos Estevão

Nascido em 14 de agosto de 1924, no Recife, Péricles

Maranhão, já desde muito jovem, quando estudava no Colégio

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

Marista, publicava seus desenhos no jornal do colégio, sendo

quase que autoditada. Foi, no entanto, na década de 40 que

viu a sua carreira como desenhista “deslanchar”. Chegou ao

Rio ainda menor de idade com uma carta de recomendação

de Leão Gondim de Oliveira, então o “manda-chuva” dos

Diários Associados, rede de comunicação pertencente a Assis

Chateaubriand. Estreou em 6 de junho de 1942. No Diário

da Noite emplacou seu primeiro personagem cômico com

As aventuras de Oliveira, o trapalhão. Foi, porém, com o

irreverente O Amigo da Onça, em 1943, que se consolidou

como desenhista. Na tarefa de criar um personagem dinâmico

e que circulava por todos os meios sociais, Péricles deu vida a

fatos reais vividos naquele momento levados a ridicularização

pelo O Amigo da Onça.

Casou-se com Angélica Braga Guimarães, em setembro

de 1949, com quem teve seu único filho, Péricles. Separou-se

6 anos depois. Era um tipo simples, sem grandes inquietações

artísticas, com seu foco mais ligado ao emprego. Era dito

como um boêmio inveterado, pois adorava frequentar alguns

bares do Rio.

O Cruzeiro, 1962

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

O seu personagem obteve tanto sucesso que o criador e

criatura passaram a ser confundidos, por vezes identificados.

Há quem diga que o Amigo da Onça seria o alter-ego de

Péricles, pela aparência muito próxima entre o personagem e

seu artista. O que não fica muito longe para se afirmar. Ambos

– criador e criatura – tinham um rosto fino e anguloso, nariz

adunco, bigodinho, cabelos penteados para trás, à base de

gel. isso, no entanto, perturbava Péricles, que viu seu nome

ligado diretamente ao de seu personagem; era vinculado ao

Amigo da Onça, como se um fosse o outro, um fizesse parte

do outro.

As piadas foram inúmeras, abordando diferentes temas.

Haja imaginação! Péricles, nesse sentido, chegou a participar

de um de seus cartuns, como desenho animado. Talvez fosse

a falta de criatividade que estava, por um momento, pairando

a sua mente. Sua saída foi então, utilizar sua própria falta de

imaginação para compor a anedota da imagem.

O Cruzeiro, 27/10/56

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

Através dela poderíamos compreender as “inquietações”

do artista que viu seu nome ligado ao de seu personagem e

teve, por quase 20 anos, sua vida regida por ele.

De 27 de outubro de 1956, temos um Amigo da Onça

que surge na privacidade do quarto de Péricles, em seu sono,

depois de uma noite, ao que tudo indica, de festa – taça de

bebida, roupas e sapatos espalhados, máscara de baile à

fantasia, etc – e mal dormida. A fisionomia de Péricles ao ser

acordado pelo Amigo da Onça demonstra irritação e as hastes

em volta de sua cabeça podem indicar – por que não? – um

Péricles de ressaca. O Amigo da Onça ao lhe dizer: “Como é

Péricles. Já desenhou a piada de hoje?” fá-lo participar da

anedota. isso indica que nem mesmo o artista de criação,

estava livre das peças que seu personagem pregava.

Notemos por meio dessa imagem que festas de máscaras

como diversão, era costume naquele momento. Com o Péricles

abordado em seu universo particular percebemos a disposição

dos móveis, as cores da imagem que nos revelam a cultura

material de então, saindo de um âmbito público, com anedota

que se passavam principalmente nas ruas, para um âmbito

privado.

Depois de desenhar para a revista por 18 anos

ininterruptos, sua morte foi surpreendente. Dezenas são

os motivos atribuídos ao suicídio do artista que, em 31 de

dezembro de 1961, trancou-se em seu apartamento no Rio de

Janeiro, lacrou todas as janelas e portas, ligou gás e ali ficou

até a morte.

Antes, porém deixou dois bilhetes. Um, apesar do

fato trágico, não deixou de ter seu mote de humor. Deixa

um recado atrás da porta: “Não risquem fósforos” e o outro

dizendo respeito às razões de seu suicídio.

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

As atribuições ao suicídio de Péricles Maranhão,

foram inúmeras e, por isso, não deixaram de ter alguma

associação com as imagens do Amigo da Onça que publicava.

Em um cartum, de 07 de maio de 1960, que podemos ver a

seguir, pouco mais de um ano antes de seu suicídio, a verve

humorística da anedota é justamente o gás ligado, no qual O

Amigo do Onça se protege em detrimento de sua esposa, que

ao sentir um cheiro estranho, desconfia do mesmo.

O humor desse cartum é um humor que, embora

cotidiano, é carregado em seu sentido. Apesar do ambiente

privado familiar abordado, as intenções do Amigo da Onça

transcendem o sentido da ironia, da sátira e da ridicularização,

intenciona a morte da esposa – essa com traços que

intencionalmente se aproximam do feio, do tosco. Ao dizer:

“Querido. Não esqueceste o gás do banheiro aberto??”

desconfia do cheiro exalado no ar, enquanto O Amigo da

Onça já se protege com uma máscara de oxigênio, claro, sem

sua esposa ver. A associação entre o gás ligado e o suicídio de

GUIMARÃES, 1987.

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

O Cruzeiro, 07/05/60

Péricles – da mesma forma – é, portanto, inevitável, embora

seja mera coincidência.

O cotidiano familiar muito comumente tematizado faz

parte do imaginário donde a vestimenta dos personagens e

os objetos presentes revelam os seus costumes. Trabalhando

com esse universo, Péricles trazia por meio do humor de seu

cartum intrigas familiares, sobretudo crises conjugais.

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

Até o ano de 1965 originais dos desenhos de Péricles

continuaram a ser publicados pela revista. Após esse ano,

assume posto de artista da imagem, Carlos Estevão.

Também pernambucano de Recife, Carlos Estevão

nasceu em 16 de setembro de 1921. Nunca teve aulas de

desenho ou pintura, somente quando começou a trabalhar

na Secretaria de Agricultura, industria e Comércio fez seus

primeiros trabalhos como desenhista na área de arquitetura.

Casou-se aos 24 anos de idade com Neusa Torres Correa de

Araújo em 1945, com quem teve três filhos: Carlos Estevão,

Jáder e Dóris. Ficou casado até 1961. “Naquele ano, foi

homologado o desquite (ainda não havia divórcio no Brasil)

e Carlos foi morar em Belo Horizonte (MG) com Helena, sua

nova companheira, com que viveria até o final de sua vida.

Dessa união nasceu Stephanie.”2

2 Fonte: http://www.memoriaviva.com.br/carlosestevao/cemais.htm

www.memoriaviva.com.br/carlosestevao

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

Vai para o Rio de Janeiro em 1946 onde, também,

começa a trabalhar nos Diários Associados, particularmente

na revista Diretrizes e no Diário da Noite, no qual Péricles

também trabalhava. Em 1948 emplacou com a tira cômica

Ignorabus, o contador de histórias e, logo depois, começa a

trabalhar em O Cruzeiro. Com suas ilustrações, na revista,

fazia ataques à vaidade feminina, abordava os martírios da

vida de casado, como em O casamento antes e depois e o Ser

mulher. Foi também, criador do personagem Dr Macarra, que

de uma maneira cômica falava sobre os fracassos da vida.

GUIMARÃES, 1987

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

Ao receber o convite (ou a imposição?) para desenhar

o Amigo da Onça no lugar de Péricles a sua reação foi de

surpresa. Carlos Estevão, porém, deu conta do recado. Manteve

o espírito irreverente, debochado, satírico do Amigo da Onça

de Péricles, tanto no próprio traço do desenho, quanto no

conteúdo. Quando passou a desenhar O Amigo da Onça, a

imagem vinha com a legenda “Criação de Péricles. Original de

Carlos Estevão”.

Com espírito crítico, Carlos Estevão revelou o cotidiano

do seu tempo, fazendo do Amigo da Onça instrumento de

suas abordagens. Na ridicularização da sogra ou na denúncia

ao passado corrupto do político, o artista soube lidar com os

trâmites vividos naquela sociedade cheia de fissuras e em

constante transformação.

O Cruzeiro, 08/12/71

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

Seus cartuns eram por vezes carregados em seu espírito

crítico, ou com o riso desprendido e despreocupado.

No cartum acima, aproxima-se da História em

Quadrinhos, pois há uma temporalidade dividida em três

partes que caminham rumo à conclusão da tira. É um cartum

de costume, que leva ao riso despreocupado intencionando

apenas o humor no leitor. O Amigo da Onça caracterizado de

uma maneira um pouco diferente da de costume, representa

o pastor dos carneiros que “colaboram” para o sono do

rapaz. Ele então, é revelador do antigo costume de se “contar

carneirinhos” para que o sono venha. O personagem que

dorme conta por pensamento os carneirinhos “...1214...

1215...1216...1217...” essas todas rebanhadas pelo pastor

Amigo da Onça, que parece estar vestido para isso. Num

segundo momento temos, a supressão da imagem do rapaz

que dorme para que a ênfase recaia na parada repentina de

sua contagem: “...2816...2817..zzzz”, significando que ele

finalmente conseguiu adormecer.

isso, no entanto, causa uma espécie de indignação no

pastor Amigo da Onça que ao notar que a contagem parou no

“2817”, número de destaque na imagem, emite a sua opinião

rumo à conclusão do terceiro quadrinho. Neste, o personagem

volta a aparecer e é repentinamente acordado pelo Amigo

da Onça que “ingenuamente” lhe avisa que há ainda mais

carneirinhos para serem contados: “Hei! Hei!... 2817, não!...

Ainda faltam 22!” O rapaz se assusta cerrando os dentes,

arregalando os olhos e contraindo pés e mãos; seus cabelos

espetados simbolizam também esse âmbito, fazendo parte

dos elementos de humor da imagem. É o Amigo da Onça,

personagem que representa os trâmites da realidade, mas é

fictício ao estar presente até mesmo na tranqüilidade do sono

das pessoas.

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

A imagem do quarto do personagem denota quanto

se tornava mais comum os temas se dirigirem a universos

privados. O plano de fundo e os objetos da imagem compuseram

a temática do cartum. Através desses últimos podemos fazer

um estudo dos costumes bem como da cultura material de

então: o criado-mudo ao lado da cama, a xícara, o abajur e o

livro indicam o costume da leitura antes de dormir.

O Cruzeiro, 1967

Carlos Estevão também trabalhou muito com imagens

de linguagem fácil e humor direto, às vezes, lançando mão de

cartuns sem falas. No cartum acima, a paisagem compõe o

tema da imagem. Carlos Estevão optou por um desenho sem

bordas definidas nem sombreamento, como se o tivesse feito

à maneira do personagem pintor Amigo da Onça: um quadro

de paisagem feito na tela com aquarela. A paisagem é amena,

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

as cores são leves para contrastar com o elemento que dá à

imagem o sentido de seu humor: as hastes presentes na água

demonstram que algo ou alguém está ali. A revelação vem

justamente pela obra do artista Amigo da Onça que pintando

a paisagem que está a sua frente capta os últimos segundos

do indivíduo que se afoga no rio: a sua mão, que parece pedir

socorro no quadro do Amigo da Onça é a última parte do seu

corpo a afundar. A surpresa vem pela reação do Amigo da

Onça – ou da falta dela – que é alheio àquilo que vê em sua

frente, não prestando socorro ao afogado.

É, pois, um cartum universal e de rápido entendimento,

sem falas, sem onomatopéias, sem elementos que necessitam

ser decifrados para sua compreensão. Pela vestimenta e pelas

ferramentas de trabalho do Amigo da Onça, pincel, aquarela,

maleta que carrega seus instrumentos, revela-se-lhe a sua

profissão: a boina tipicamente caracterizava a profissão de

artista plástico. O riso provocado pela cartum desprendia-se

do sério e do preocupado, buscando somente o humor pelo

humor.

Nessa próxima imagem podemos perceber o tom satírico

do Amigo da Onça fazendo mais uma de suas vítimas. A

abordagem da imagem é muito irreverente e atual. Em uma festa

ao tesoureiro do Banco Legal S/A – o nome do banco é também

uma ironia feita com a sua “legalidade” duvidosa – feita pelos

seus amigos, O Amigo da Onça lhe presenteia com um retrato

que “entrega” o seu passado como um condenado pela lei. As

roupas que está vestindo indicam que é ex-presidiário fator de

relevância negativa para quem tem um cargo de confiança na

tesouraria do banco como ele. Notemos que o Amigo da Onça

ao dizer: “Uma surpresa pra você, Waldyr... Mandei ampliar

aquela foto da nossa juventude!” não poupa nem a reputação

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

de si mesmo, já que como “amigo da onça” que é, intenciona

mesmo denunciar e desmascarar o colega perante os outros

– que apresentam todos, uma fisionomia de surpresa, de

preocupação, assim como a cara de assustado do personagem

Waldyr – mesmo que isso lhe custe à própria imagem.

Dando continuidade às armações do Amigo da Onça, –

e muito bem! – Carlos Estevão desenhou em O Cruzeiro até

o ano de sua morte. Faleceu em 14 de julho de 1972, em Belo

Horizonte.

O Cruzeiro, 15/04/67

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

Considerações Finais

Da multiplicidade de temas de O Amigo da Onça,

podemos perceber que o personagem mantinha a personalidade

então uma vez encomendada por Leão Gondim de Oliveira a

Péricles Maranhão. Seu riso mordaz, seu jeito malandro de

ser, criticando com sua verve humorística revelava aquilo que

se pretendia esconder ou escondendo aquilo que se queria

revelar. Foi, então, confeiteiro, amigo do prefeito, marido,

gerente, e foi sempre.... O Amigo da Onça!!

Seja em Péricles Maranhão ou Carlos Estevão, O Amigo

da Onça esteve nos mais diferentes meios sociais, tratando de

temas cotidianos, aos universais, da crítica privada a crítica

pública.

Através dessa imagem podemos pensar nos valores

daquela sociedade de então, e nos que permanecem até

hoje, já que muitos desses cartuns são atuais e nos fazem rir

justamente porque podemos nos identificar com seus temas.

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira Quem é O Amigo da Onça?

GUIMARÃES, 1987.

“O Amigo da Onça se transformou no tipo mais popular da história do

humor brasileiro. Quando Péricles morreu, 18 anos depois, o Amigo, já

era – sem nenhum exagero retórico – um personagem imortal”.

Millôr Fernandes (idem)

Page 66: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

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O Amigo da Onça: da construção do preconceito à

sua contestação

Alberto Gawryszewski

O homem vive em sociedade; portanto, suas ações,

atitudes, pensamentos, posições políticas e religiosas

resultam dessa interação. O homem é fruto da sociedade e

esta é fruto dos homens. Toda essa confusão pode ser explicada

pela História, Antropologia, entre outras ciências.

O Amigo da Onça, produzido em grande parte por

Péricles e publicado pela revista O Cruzeiro por quase 30

anos, entre 1943 e 1972, não foi sucesso à toa. O que queria

o autor com seus desenhos, o que buscava neles o leitor são

questões difícieis de responder.

Péricles, um homem de sua época, como todos nós, vivia

e pensava como seus contemporâneos. Sua produção artística,

com traços suaves e cores vivas, tinha uma relação direta com

seu público.

Homens, mulheres, adolescentes, crianças, todos

buscavam n´O Amigo da Onça o riso alívio aos seus problemas

diários (no trabalho, na escola, em casa etc.). O riso relaxa,

traz leveza e ânimo para viver. Quem ri seus males espanta!

Quem é feliz aproxima pessoas! Então, O Amigo da Onça era

muito útil no dia-a-dia das pessoas.

Mas, o que é o riso? Por que rimos? De que rimos?

Para o provocar o riso ou ser risível, são necessárias

Page 67: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

duas ou três coisas: a pessoa que ri; o objeto de que se ri

(uma pessoa, por alguma razão em particular, uma piada, um

desenho cômico etc.); e, nestes dois últimos casos, a pessoa

que os produziu. Assim, o riso, embora seja personalíssimo,

pois ninguém pode rir por você, é um ato social, faz parte

de um coletivo. Como a sociedade é composta por vários

grupos (de caráter sexual, econômico, étnico etc.), um destes

pode rir de outro. inclusive, esse riso pode funcionar como

um elemento aglutinador, reforçador identitário. Se ele

reforça identidade, igualmente reforça a diferença, como, por

exemplo, a relação de duas torcidas organizadas de futebol.

O riso, portanto, é um agente político por essência. Ele é tão

importante que por muitas vezes foi e é combatido, em especial

pela forma da censura da liberdade de expressão (imprensa,

programas televisivos e radiofônicos), por desmistificar,

desnudar, reforçar valores e ações da sociedade. Este foi o

caso do cartunista Henfil, no período da ditadura militar no

Brasil (1964-1984): seus desenhos críticos e humorísticos

denunciavam a miséria social e repressão política, daí por que

muitos foram impedidos de serem publicados pela imprensa.

O riso como fruto da sociedade é um fenômeno cultural,

varia no tempo e no espaço. Um fato, uma idéia ou outra coisa

qualquer pode causar riso em um lugar e em uma época e não

em outro lugar ou época. Portanto, para compreendê-lo, faz-

se necessário colocá-lo na sociedade que o gerou.

Muitos estudiosos do riso e do humor costumam

afirmar que o riso desnuda aquilo que se pretende esconder.

Se isso é verdade, O Amigo da Onça faz com maestria tal

empreitada: denuncia um pouco da alma do brasileiro, com

seus preconceitos. A necessidade de levar “vantagem em tudo”,

abusar das fragilidades alheias para ser vitorioso ou apenas

Page 68: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

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O Amigo da Onça: da construção do preconceito à sua contestação

humilhar foi atitude constante do personagem O Amigo da

Onça ao retratar as relações humanas.

Wladimir Propp, um estudioso russo, ao discutir o riso,

afirmou que a sátira levanta e mobiliza a vontade de lutar, cria

ou reforça a reação de condenação, de não compactuação com

os fenômenos representados e, por isso mesmo, contribui para

intensificar a luta para removê-los e erradicá-los (PROPP,

1992, p. 211). Ou seja, a sátira pode ser contestatória aos

hábitos e costumes de seu tempo. Em nossa opinião, nem

sempre o é, ou melhor, nem sempre é contestatória e, muito

pelo contrário, pode reforçar uma situação já existente.

Como fator humano, com suas essências de bondade e

maldade, podemos encontrar, de imediato, dois tipos de riso:

um “bom” e um “mau”. O primeiro seria o riso simplório, o

riso inocente. Vejamos dois exemplos em O Amigo da Onça.

O Cruzeiro, 15/08/1953 O Cruzeiro, 09/10/1954

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

No primeiro caso, vemos que O Amigo da Onça está vestido

com roupa de prisioneiro, mas a sua fala e parte do revólver na

cintura denunciam que ele é um policial. inversamente temos

o prisioneiro vestido de guarda do presídio. Este propõe fuga

ao seu suposto colega, mas O Amigo da Onça denuncia sua

condição de guarda, ou seja, traz o riso ao desvendar uma

situação inesperada. Na outra imagem, O Amigo da Onça

levou ao “pé da letra” o pedido da noiva: arrumou uma mansão

abandonada, cheia de teias, sinistra e isolada para passarem a

lua de mel. Além da beleza plástica, causa um riso gostoso.

Quanto ao riso “mau”, aquele com caráter destruidor/

vexatório em relação ao seu objeto, veremos vários casos

adiante.

Uma questão interessante sobre o riso ou sorriso é

sê-lo uma construção corporal. É por meio da face que ele

se expressa. É claro que uma gargalhada pode mexer com

todo o corpo (ombros, braços, inclinação do corpo, retração

da barriga etc.). Às vezes pode ser uma expressão falsa, um

“sorriso amarelo”, mas, em geral, quando verdadeiro, dá-se

por meio do corpo e a ele proporciona prazer. O riso é uma

demonstração física de prazer, devolve ao corpo relaxamento

e leveza, tranquiliza.

Podemos, utilizando-nos das imagens que compõem

a exposição O Amigo da Onça, uma expressão da alma

brasileira, tratar de um tema atual: preconceito. Preconceito

étnico, de idade, de sexo, entre outros, que vivenciamos

cotidianamente.

Nesse sentido, iniciaremos tratando a questão do

“belo” e do “feio”. Como o riso e o risível variam no tempo e

no espaço, o “belo” ou “feio” também. A história de ambos é

longa e difícil.

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O Amigo da Onça: da construção do preconceito à sua contestação

Na figura acima temos um exemplo do “feio” para esta

época e para este personagem. Repare que todos os juízes são

Amigo(s) da Onça e, como tal, tinham que aprontar alguma.

Em um concurso de beleza, a ironia seria eleger uma mulher

considerada feia para os padrões. A eleita tem as pernas finas

e cabeludas, quadril muito avantajado, cintura grossa, dentes

salientes, assim como seus lábios, além de rugas e pelos no

rosto e, por fim, nariz desproporcional. Neste contraponto,

temos as outras duas candidatas surpresas com o resultado.

Ambas jovens, com um corpo conhecido como “violoncelo”:

cintura fina, quadril largo. Seus narizes são finos, olhos

claros, pele branca, seios em tamanho mediano. Na imagem,

personificam a “beleza”. Se comparamos com a modelo

brasileira Gisele Bündchen, vamos verificar um padrão de

beleza bem diferenciado. Hoje, o conceito de beleza passa

por mulheres magras. Assim, as modelos atuais não teriam a

O Cruzeiro, 26/06/1954

Page 71: O AMIGO DA ONÇA: uma expressão da alma brasileira

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

menor chance de vencer um concurso de beleza na época d´O

Amigo da Onça, se ele fosse “honesto”segundo seu tempo.

Diz o ditado que “quem ama o feio, bonito lhe parece”.

Mas, o que seria do belo se o “feio” não existisse? Um é a

negação do outro: o belo tem a carga do positivo enquanto

o feio o negativo, e cada período estabalece padrões próprios

de beleza e – seu contraponto – de feiúra. O belo e o feio são

elementos importantes para o riso, pois reforçam valores

e modelos. O riso provocado pelo feio é, na maioria das

vezes, preconceituoso, humilhante, depreciativo da pessoa

retratada.

O pensador Nietzsche interpreta a construção do padrão

da beleza-feiúra do corpo a partir dos sinais e sintomas de

sua degenerescência. Como o homem adora a si mesmo, ver

o declínio de seu tipo causaria horror e repulsa. Portanto,

pessoas idosas, possuidoras de características fora da estética

ideal de beleza e juventude (estas, em geral, caminham

juntas) ou deficiência física, com corpo desproporcional em

suas partes etc. são por isto consideradas “feias”. Estas foram

vítimas d´O Amigo da Onça. É bem verdade que a questão

da proporcionalidade é variável, ainda que seja um dos itens

clássicos de identificação do belo, desde a Grécia antiga,

pois é suplantada por modelos de época. Assim, o gosto

pela proporção não se aplica às jovens “bonitas” da imagem

anterior, pois tais desproporcões (modelo “violoncelo”) eram

as que formavam o conceito de beleza.

Dentro desta perspectiva de feiúra e beleza,

desproporção e proporção, podemos enquadrar o (a) obeso

(a), que por seu corpo “desproporcional” foi alvo de gozações

e motivo de piadas. Entretanto, o obeso, em contraponto, é

também possuidor de uma imagem feliz e bem-humorada,

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71

O Amigo da Onça: da construção do preconceito à sua contestação

sendo, portanto, padrão considerado “negativo” e “ positivo”,

dependendo do contexto em que é apresentado: o obeso pode

ser representação do “feio” ou portar um valor positivo, como

expressão de alegria e fartura.

A pessoa idosa, ainda recebedora de maus tratos por

nossa sociedade, também foi retratada por Péricles. Na imagem

seguinte vemos, em uma festa de Ano Novo, O Amigo da Onça,

aparentemente alcoolizado, dirigir-se a uma senhora idosa e a

uma jovem fazendo referências ao Ano Novo e ao Ano Velho.

A senhora seria o Ano Velho, ou seja, o que passou. A senhora,

vestida elegantemente, demonstra sua indignação por meio

de seu olhar e a forma da boca. Reforçando, símbolos foram

colocados sobre a cabeça da personagem (raios, círculos,

estrelas...).

O Cruzeiro, 02/01/1960

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

As mulheres são retratadas n´O Amigo da Onça de duas

formas: belas ou feias. Para estas últimas, um tratamento

humilhante, de repulsa, de rebaixamento. No desenho a seguir

vemos uma senhora entrar em um salão de beleza (“Amigo da

Onça”) e, ao sentar na cadeira, é questionada pelo barbeiro,

o nosso Amigo da Onça, se ela iria fazer barba ou cabelo.

Tal pergunta é a tradicionalmente dirigida aos homens. A

mulher foi retratada de forma caricaturesca, grotesca, ou

seja, com excesso de pelos no rosto e obesa. Tal fato, somado

ao questionamento, transforma-a em um ser passível de

humilhação. Está fora dos padrões desejados de beleza. Não

seria possível corrigir sua “feiúra” no salão de beleza. Também

nesta imagem a personagem demonstra seu descontentamento

com o tratamento recebido.

O Cruzeiro, 18/11/1954

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O Amigo da Onça: da construção do preconceito à sua contestação

Em outra imagem, seguindo a lógica anterior, a radialista

apresenta seu programa de sugestões de tratamento para as

suas ouvintes ficarem mais belas. Trata-se de uma senhora

obesa e com verrugas cabeludas no rosto, ou seja, bem fora dos

padrões de beleza da época e de hoje. Entretanto, apresenta-

se bem vestida, com colar de pérolas e unhas pintadas,

ressaltando aspectos de feminilidade. Em seu característico

sarcasmo, O Amigo da Onça se dirige à mulher perguntado-

lhe quando ela iria iniciar em si as sugestões de beleza que

indica às suas ouvintes. Assim, de forma direta, chama de

“feia” sua colega de trabalho. Esta deixa claro sua opinião

sobre a pergunta d´O Amigo da Onça, dirigindo-lhe um olhar

faiscante e contorcendo sua boca.

O Cruzeiro, 23/01/1954

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

O desprezo ao pobre ou ao trabalho dito inferior é outra

característica d´O Amigo da Onça. Uma experiência feita

recentemente é interessante para vermos como é ainda um

padrão recorrente. Um pesquisador se vestiu de gari e ficou

meses varrendo o chão do campus da Universidade de São Paulo

(USP) e verificou que os passantes o ignoravam totalmente,

como se ele não existisse. Ninguém conversava com ele, nem

“bom dia” davam! O desprezo d’O Amigo da Onça é ressaltado

na próxima imagem. Ao cruzar com os garis, dirige-se a eles e

pergunta: “Muito bem, fazendo sua propagandazinha eleitoral,

hem?!”. Era época de eleição presidencial e um dos candidatos,

Jânio Quadros, usava a vassoura como seu símbolo eleitoral.

Vemos na imagem o caminhão de lixo, como era na época,

aberto e vazando lixo pelas ruas, os garis com roupas rasgadas

e sujas com as barbas por fazer. Todos carregando lixeiras

repletas. As feições dos garis demonstram indignação com a

“brincadeira de mau gosto” do personagem. Qual seu sentido

a não ser humilhar e rebaixar o trabalhador do lixo?

O Cruzeiro, 12/08/1960

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O Amigo da Onça: da construção do preconceito à sua contestação

Da mesma forma o trato com os mendigos. Em um

país onde havia um enorme êxodo rural, falta de emprego,

população analfabeta, existir mendigos, moradores de rua,

era uma contingência econômica e social, não uma opção. Não

percebendo deste modo, o olhar d’O Amigo da Onça para com

o mendigo era de superioridade, considerando-o, portanto,

passível de ser humilhado. A ironia está presente nas imagens

abaixo. O mendigo, retratado com roupas rasgadas, sem sapatos

e meias furadas, chapéu em frangalhos, e barbado, procurando

algo no bolso foi a “deixa” para que O Amigo da Onça saísse

com a frase “O que foi? Perdeu a chave do cadillac?” O mendigo

não gostou de ser humilhado e soltou palavrões, apresentados

na forma de símbolos, para demonstrar sua indignação.

O Cruzeiro, 18/02/1956

O Cruzeiro, 11/08/1962

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

No outro desenho, O Amigo da Onça compara um

maltrapilho ao personagem fictício “Bicho-Papão”. Ele

ameaçou chamá-lo se o menino não parasse de chorar. O

senhor mal vestido pára, volta-se para a cena e demonstra sua

raiva por meio de sua face (sobrancelha, olhar e boca).

Agora vejamos uma demonstração do preconceito,

da discriminação para com o obeso. O Amigo da Onça é

um ascensorista, e como tal está vestido. Na imagem vêmo-

lo parar um senhor obeso pedindo-lhe que pegasse o outro

elevador – de carga – , já que o pessoal que estava dentro

daquele elevador queria subir. Ou seja, se ele entrasse no

elevador, seu peso iria bloqueá-lo. Os personagens do elevador

tem reações diferentes: o menor demonstra medo, o segundo

repulsa, e a senhora apenas um olhar atento, de surpresa. A

feição do obeso é de extrema raiva pela situação. Ao comparar

este com carga, O Amigo da Onça busca humilhá-lo, rebaixá-

lo, ele que estava em posição hierarquicamente inferior, de

empregado, enquanto o senhor

obeso apresenta-se vestido

nobremente. Assim, mesmo em

situações adversas, O Amigo

da Onça consegue se mostrar

superior com os preconceitos

disponíveis na sociedade.

O Cruzeiro, 21/01/1961

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O Amigo da Onça: da construção do preconceito à sua contestação

Nem o cego escapou de ser

maltratado pel´O Amigo da Onça.

Vemos no desenho que o autor deixou

claro o sentido a ser seguido pelo cego.

O cachorrinho sabe a direção certa

e se surpreende com a informação

prestada pelo nosso personagem. O

Amigo da Onça aponta em sentido

contrário da direção a ser seguida,

ou seja, dá uma informação incorreta

propositalmente. A face do cego é de

tranquilidade e até de felicidade pela

ajuda recebida. Ainda desconhece a

traquinagem d´O Amigo da Onça.

Outra personagem que não poderia ficar de fora seria a

sogra. Motivo de várias piadas pejorativas, discriminatórias

e humilhantes, a sogra também foi retratada, neste caso pelo

substituto de Péricles n’O Cruzeiro, o genial Carlos Estevão.

Neste desenho, na pastelaria “Amigo

da Onça”, o confeiteiro, logo ele,

O Amigo da Onça, apresenta o

bolo encomendado pelo casal. Para

surpresa do futuro genro e alegria de

futura sogra, o confeiteiro escreveu

no bolo a frase “Até que a morte nos

separe”, colocando na parte superior

os nubentes acompanhados pela

sogra, que foi apresentada de forma

bem específica. Carlos Estevão

deixou transparecer o caráter da

O Cruzeiro, 15/02/1958

O Cruzeiro, 23/10/1966

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

sogra pelo seu olhar, seu sorriso, ou seja, demonstrando que

a vida do futuro genro seria bem difícil. Pela expressão deste,

ele concorda com o autor.

Um personagem atual, que sempre está na mídia e que

foi tema d´O Amigo da Onça, é o político. Péricles e Carlos

Estevão denunciaram seus hábitos e história de vida. Assim,

muitas vezes o político foi retratado de forma pejorativa. Na

imagem seguinte vemos O Amigo da Onça aprontar mais

uma, pois, ao escolher uma foto jovem do prefeito para fazer

parte de galeria de retratos, conforme este pediu, denunciou

seu passado inglório, de ex-detento. O prefeito, que nada

sabe, levanta o polegar, em um sentido positivo, pois esperava

que seu amigo deixasse para a posteridade uma foto falsa, que

escondesse sua idade, mas não tão denunciadora como aquela

escolhida. Na outra imagem O Amigo da Onça desmascara

uma prática comum nos políticos, ou seja, a encomenda de

seus discursos a outros.

O Cruzeiro, 20/11/1969

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O Amigo da Onça: da construção do preconceito à sua contestação

Dentro da questão do preconceito n´O Amigo da Onça,

um que retrata bem a nossa sociedade e que está no debate

atual é o etnico, em especial com respeito ao afrodescendente

(negro). Sobre este tema nos centraremos um pouco mais, na

medida em que trata de uma questão específica da cultura e da

história nacional.

Recentemente (agosto de 2009), em um programa

religioso televisivo, o pastor deu a palavra a um presente que

relatou que, depois que passou a ajudar tal igreja, seu pai, um

semi-analfabeto, havia conseguido um emprego de assessor

de vereador. Narrou que isso é muito difícil no Brasil, “um

país preconceituoso para com os negros”, em especial semi-

letrados. O pastor disse, imediatamente, que “isto era raro”,

só alguns “boboquinhos” é que seriam assim. Seria verdade

tal afirmação?

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

Existem muitas “piadas” carregadas de preconceitos

contra os negros passadas de geração a geração neste país. O

autor destas linhas se recusa a citá-las.

Podemos incluir na lista das piadas preconceituosas as

que têm como sujeito ou tema: estrangeiro, gênero, sogra,

obeso, judeu, árabe (muitas vezes confundido com turco),

gago, fanho etc. Todas fazem parte de nosso cotidiano, sempre

há alguém para contá-las, mesmo que não achemos graça ou

não queiramos ouvi-las.

É comum ainda se ouvir que os negros são “inferiores”,

utilizando-se da lógica de que eles só se destacavam em

esportes, ou seja, correr ou saltar. Portanto, assemelhavam-se

aos animais.

Fruto do preconceito das elites brancas coloniais,

imperiais e depois republicanas, dos imigrantes europeus e

asiáticos, o negro foi visto como representante do atraso, do

vício, da malandragem. Enfim, era um agente perigoso.

Um pequeno país do Caribe, o Haiti, colônia francesa, foi

sacudido por revoltas de escravos e pela deposição dos brancos

do poder no início do século XIX (1801 a 1803). Este fato foi

um importante fator de pavor de toda a elite escravocrata

branca brasileira. Em 1835, ocorrera em Salvador o levante

dos escravos Malês e por todo o Brasil assassinatos de brancos

demonstravam a não passividade do negro frente à sua

condição. Tais fatos, provavelmente, levaram a que o Código

de Postura da Corte de 1838 (capital do Império e atual cidade

do Rio de Janeiro) determinasse a prisão de qualquer escravo

que estivesse após as 19 horas na rua sem a permissão por

escrito de seu proprietário. Da mesma forma, recomendava

que os donos das tavernas não permitissem que mais de quatro

escravos ficassem juntos em suas portas. Qualquer negro que

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O Amigo da Onça: da construção do preconceito à sua contestação

estivesse de posse de objetos de valor era imediatamente

considerado suspeito de furto. Vemos, portanto, que passa

a ser construída uma visão de que todo negro é suspeito e

ladrão. Nesse sentido, um lundu (gênero musical e dança do

Brasil de origem angolana com ritmos portugueses) nos traz

informações interessantes do olhar do negro sobre a justiça no

Brasil imperial:

Barranco dize – preto fruta.

Preto fruta co razão:

Sinhô baranco também fruta

Quando panha casião

Nosso preto fruta garinha

Fruta saco de feijão;

Sinhô baranco quando fruta

Fruta prata e patacão

Nosso preto quando fruta

Vai pará na coreção

Sinhô baranco quando fruta

Logo sai sinhô barão.

(Lundu de Pai João, retirado de CHALHOUB, 1988)

Este lundu é muito atual se pensarmos que um pobre

pode ficar oito meses preso na delegacia por furtar uma lata

de óleo no mercado e um banqueiro responder em liberdade o

desvio de milhões de reais.

Muitos pensadores compartilhavam de todo esse

preconceito, inclusive reforçando-o. Oliveira Vianna, por

exemplo, foi um intelectual brasileiro que, com suas idéias

que valorizavam os brancos em detrimento dos negros, obteve

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82

O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

prestígio e importância. Divulgava, entre outras coisas, que a

etnia negra era incapaz de produzir civilização, uma vez que

possuiria um comportamento instável. Afirmou que a solução

do atraso brasileiro seria a vinda de imigrantes europeus

para o Brasil para, assim, embranquecê-lo. Portanto, deu um

caráter “científico” à questão.

Outros importantes intelectuais se equivocaram em

suas observações ao usarem como base para suas pesquisas

os relatos dos viajantes europeus no Brasil do século XiX,

pois foram incapazes de perceber o olhar discriminatório

destes. Ora, brancos europeus, de religião e moral rígidas,

ao transporem para o papel suas observações, faziam-no

com toda carga preconceituosa que possuíam. Além disso,

buscavam atingir um público europeu; portanto, suas

escritas deviam atender aos objetivos de consumo deste. Ao

não perceberem isso acabaram reforçando, por exemplo,

visões distorcidas sobre a constituição familiar dos escravos,

como a de serem incapazes de contituir laços familiares.

Estudos realizados por historiadores nas décadas de 80 e

90 do século passado demonstraram que existiam muitas

famílias escravas com laços fortes, ou seja, relações estáveis

e mantidas por várias gerações, contradizendo os velhos

estudos.

Vejamos agora como o preconceito contra o negro

estava presente n´O Amigo da Onça. Ao vermos a imagem

a seguir, deduzimos que os personagens estão no inverno. O

Amigo da Onça está sem seu clássico terno, pois usa casaco

longo e chapéu. Seu colega veste um pulôver, casaco e porta

chapéu. É uma cena urbana. Ao passar a senhora negra de

casaco de pele (símbolo de status na época), O Amigo da

Onça fala ao seu colega que “A essa altura a patroa deve

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83

O Amigo da Onça: da construção do preconceito à sua contestação

estar viajando”. Seu parceiro, branco, cai na gargalhada. A

senhora negra demonstra sua indignação soltando palavras

impublicáveis para a época, sem se voltar aos provocadores.

Por que uma senhora negra não poderia ter um casaco

de peles? O negro em nossa sociedade sempre esteve ligado

à pobreza, seu local de moradia é a favela ou as periferias

das cidades, seu emprego é de baixa remuneração. Ao não

nos questionar sobre razões históricas para tal fato, pouco

avançaremos para a construção de uma sociedade igualitária

e sem preconceitos étnicos.

O Cruzeiro, 20/08/1960

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O Amigo da Onça: uma expressão da alma brasileira

Em outro desenho em que podemos visualizar

especialmente o desrespeito étnico é o da negra na praia: O

Amigo da Onça dirigi-se a ela e comenta: “Queimadinha,

hein?!...”. O olhar da negra tem um misto de desprezo e raiva.

A praia é um local de descontração, relaxamento, encontro

com colegas, de olhar o céu azul em contraste com o mar verde,

brincar na água e para brincadeiras e o brozeamento. Ao fazer

tal pergunta, O Amigo da Onça buscou ironizar a negra, já

que esta não teria necessidade de pegar sol para se bronzear.

Ao se “esquecer” das outras atividades prazerosas da praia,

O Amigo da Onça deixou claro sua intenção de provocar a

praiana. As feições da mulher demonstram sua indignação e

desprezo pelo personagem.

O Cruzeiro, 10/04/1954

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O Amigo da Onça: da construção do preconceito à sua contestação

Considerações finais: reprodução ou contestação?

O artista sabe dos limites de sua obra. Suas intenções

podem ter um significado, mas o olhar e a interpretação

daquele que a vê pode ser bem distinta. Ao desenhar a forma

preconceituosa e humilhante como era tratado o negro, a

“feia”, a sogra, o portador de necessidades especiais e outros

tantos, o autor procurava reforçar tal forma de tratamento

ou denunciar, desnudar estas ações, nossa forma de pensar

e agir?Um detalhe que está em todas as imagens mostradas

neste trabalho foi a indignação. Todos reagem à provocação

– mendigo, “feia”, idosa, negra, obeso e gari. Não há

passividade. NiNGUÉM ACEiTA SER HUMiLHADO! A

ordem estabelecida é contestada pelos que são ridicularizados.

Talvez esta seja a grande chave para se compreender a proposta

de denúncia feita por Péricles e, depois, por Carlos Estevão.

Nestas imagens, o humor se apresenta como denunciador da

opressão, e desmascara as formas de relacionamento humano

degradantes e humilhantes em que um igual é tratado como

desigual.

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Sobre os autores

Jorge Luiz RomanelloDoutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Assis). Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina. [email protected]

Ana Flávia Dias ZammataroMestranda do Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina. [email protected]

Alberto GawryszewskiDoutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Associado do Departamento de História da Universidade Estadual de [email protected]

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