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51 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 22, NOVEMBRO 2005 Recebido em 28/3/05, aceito em 26/8/05 Extração de óleo essencial de uma planta da caatinga A caatinga, “mata branca” na língua tupi-guarani, é a vege- tação dominante do semi- árido e abrange cerca de 11% do terri- tório nacional. Sua vegetação é exu- berante, apresentando-se com dife- rentes fisionomias (caatinga arbórea, arbustiva e arbustivo-arbórea) e rela- tiva riqueza biológica, com um núme- ro expressivo de táxons raros e/ou endêmicos, próprios desse ecossis- tema (Giulietti et al., 2002). A irregularidade climática interfere fortemente na vida de cerca de 20 mi- lhões de brasileiros(as) que vivem no semi-árido, exigindo uma interação com a caatinga, sob os mais diferen- tes aspectos (Sampaio et al., 2002). Por isso, vem sendo incentivada a realização de estudos voltados ao desenvolvimento sustentável local. Nesse contexto, a educação exerce uma função importantíssima. Para tanto, é necessário aplicar uma meto- dologia participativa e interativa nas escolas, na qual a temática possa ser desenvolvida a partir de aspectos e conteúdos vinculados à realidade lo- cal, para que o(a) aluno(a) possa en- tender a problemática da caatinga de forma contextualizada. A realização de experimentos com plantas desse Cristiano de Almeida Cardoso Marcelino-Jr., Rejane Martins Novais Barbosa, Angela Fernandes Campos, Aldeci Pereira dos Santos, Cristiana de Castro Lacerda e Carlos Eduardo Gomes da Silva Este trabalho descreve uma atividade experimental com uma planta da caatinga, o alecrim-da-chapada (Lippia gracillis), baseada na extração e análise qualitativa do óleo essencial de suas folhas, a partir de materiais de baixo custo. A atividade permite uma abordagem contextualizada de diferentes conteúdos curriculares do Ensino Médio. experimentação, plantas da caatinga, óleo essencial bioma pode contribuir para a melhoria do processo de ensino-aprendiza- gem e favorecer a educação ambien- tal. Este trabalho traz uma proposta de extração e análise qualitativa do óleo essencial de uma planta da caa- tinga, o alecrim-da-chapada (Lippia gracillis). Visa estimular nos(as) pro- fessores(as) uma prática docente contextualizada, que possa motivar os(as) estudantes, levando-os(as) a perceber a relação da Química com outras ciências e com suas vidas. O experimento permite extrair o óleo es- sencial utilizando materiais baratos e de fácil aquisição e pode ser voltado à abordagem de diferentes conteú- dos curriculares de Química do En- sino Médio, tais como: processos de separação, isomeria e compostos oxi- genados, especialmente fenóis. O alecrim-da-chapada Dentre as plantas do semi-árido nordestino conhecidas como alecrins, estão várias espécies do gênero Lippia (Verbenaceae). O alecrim-de-serrote ou alecrim-da-chapada, a L. gracillis, é uma espécie endêmica da região e distribui-se amplamente dentro da caatinga. Trata-se de um arbusto, com até 2,5 m de altura, pouco ramificado, de folhas pequenas e flores brancas, ambas bastante odoríferas (Figura 1). A planta possui grande resistência à seca e às altas temperaturas, somente perdendo as folhas após um longo período de estiagem. Suas folhas são bastante usadas nas infecções da garganta e da boca, em problemas vaginais e no trata- mento da acne, panos brancos, Figura 1: Alecrim-da-chapada ( Lippia gracillis).

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 22, NOVEMBRO 2005

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Recebido em 28/3/05, aceito em 26/8/05

Extração de óleo essencial de uma planta da caatinga

Acaatinga, “mata branca” nalíngua tupi-guarani, é a vege-tação dominante do semi-

árido e abrange cerca de 11% do terri-tório nacional. Sua vegetação é exu-berante, apresentando-se com dife-rentes fisionomias (caatinga arbórea,arbustiva e arbustivo-arbórea) e rela-tiva riqueza biológica, com um núme-ro expressivo de táxons raros e/ouendêmicos, próprios desse ecossis-tema (Giulietti et al., 2002).

A irregularidade climática interferefortemente na vida de cerca de 20 mi-lhões de brasileiros(as) que vivem nosemi-árido, exigindo uma interaçãocom a caatinga, sob os mais diferen-tes aspectos (Sampaio et al., 2002).Por isso, vem sendo incentivada arealização de estudos voltados aodesenvolvimento sustentável local.Nesse contexto, a educação exerceuma função importantíssima. Paratanto, é necessário aplicar uma meto-dologia participativa e interativa nasescolas, na qual a temática possa serdesenvolvida a partir de aspectos econteúdos vinculados à realidade lo-cal, para que o(a) aluno(a) possa en-tender a problemática da caatinga deforma contextualizada. A realizaçãode experimentos com plantas desse

Cristiano de Almeida Cardoso Marcelino-Jr., Rejane Martins Novais Barbosa, Angela FernandesCampos, Aldeci Pereira dos Santos, Cristiana de Castro Lacerda e Carlos Eduardo Gomes da Silva

Este trabalho descreve uma atividade experimental com uma planta da caatinga, o alecrim-da-chapada (Lippiagracillis), baseada na extração e análise qualitativa do óleo essencial de suas folhas, a partir de materiais de baixocusto. A atividade permite uma abordagem contextualizada de diferentes conteúdos curriculares do Ensino Médio.

experimentação, plantas da caatinga, óleo essencial

bioma pode contribuir para a melhoriado processo de ensino-aprendiza-gem e favorecer a educação ambien-tal.

Este trabalho traz uma propostade extração e análise qualitativa doóleo essencial de uma planta da caa-tinga, o alecrim-da-chapada (Lippiagracillis). Visa estimular nos(as) pro-fessores(as) uma prática docentecontextualizada, que possa motivaros(as) estudantes, levando-os(as) aperceber a relação da Química comoutras ciências e com suas vidas. Oexperimento permite extrair o óleo es-sencial utilizando materiais baratos ede fácil aquisição e pode ser voltadoà abordagem de diferentes conteú-dos curriculares de Química do En-sino Médio, tais como: processos deseparação, isomeria e compostos oxi-genados, especialmente fenóis.

O alecrim-da-chapadaDentre as plantas do semi-árido

nordestino conhecidas como alecrins,estão várias espécies do gênero Lippia(Verbenaceae). O alecrim-de-serroteou alecrim-da-chapada, a L. gracillis,é uma espécie endêmica da região edistribui-se amplamente dentro dacaatinga. Trata-se de um arbusto, com

até 2,5 m de altura, pouco ramificado,de folhas pequenas e flores brancas,ambas bastante odoríferas (Figura 1).A planta possui grande resistência àseca e às altas temperaturas, somenteperdendo as folhas após um longoperíodo de estiagem.

Suas folhas são bastante usadasnas infecções da garganta e da boca,em problemas vaginais e no trata-mento da acne, panos brancos,

Figura 1: Alecrim-da-chapada (Lippiagracillis).

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 22, NOVEMBRO 2005Extração de óleo essencial de uma planta da caatinga

empingens e caspa (Matos, 1999).São ricas em um óleo essencial, queapresenta forte ação antimicrobianacontra fungos e bactérias, devido àpresença dos monoterpenos aromá-ticos isoméricos carvacrol e timol(Figura 2).

Material necessário• Cuscuzeira1 média (Figura 3)• Cola de silicone• Lamparina• 2,5 m de mangueira de PVC

(mangueira para combustívelvendida em armazéns)

• 1 garrafa PET de 2,5 L ou 3 L• Pedaço de cano PVC de 30 cm• Tampa de caneta esferográfica• Água• Folhas secas de alecrim-da-cha-

pada (L. gracillis)• Gelo• Solução de cloreto férrico (1%)• Etanol comercial• Frasco plástico transparente de

500 mL• 2 tubos de ensaio• 1 conta-gotas

Montando o sistema de extraçãoO sistema é montado conforme

apresentado naFigura 4. Corta-se a parte supe-rior da garrafaPET. A 2 cm dabase da garrafa,faz-se dois fu-ros: um parapassagem damangueira decondensação eoutro para o es-coamento daágua do degelo(ladrão), quepode ser veda-do com umatampa de caneta esferográfica oucom uma pequena rolha (cortiça ouborracha). Enrola-se a mangueira nocano de PVC em forma de espiral,prendendo-a com arames, através defuros feitos no cano, fixando-a. Retira-se o pino da tampa da cuscuzeira eadapta-se a mangueira do sistema decondensação. As passagens da man-gueira na cuscuzeira e na garrafadevem ser seladas com cola de sili-cone.

Extraindo o óleo essencialAdiciona-se água à cuscuzeira,

até metade do volume do comparti-mento inferior. Em seguida, transfere-se folhas secas do alecrim-da-chapa-da, até metade do volume do compar-timento superior. Veda-se com cola desilicone a tampa da cuscuzeira eacende-se a lamparina. Coloca-sepedras de gelo na garrafa plástica. Amistura (óleo+água) destilada é con-densada e decantada no frasco de

plástico. Oca-s iona lmente ,devido à pres-são interna, atampa da cus-cuzeira poderáforçar a cola desilicone e sedesconectar; noentanto, isto po-de ser evitadocolocando-seum peso sobrea tampa.

A quantidade de óleo de alecrimobtido com o uso da cuscuzeira ficaem torno de 2% (m/m). Quanto maiorfor o volume da cuscuzeira utilizada,uma maior quantidade de folhaspoderá ser usada e, conseqüente-mente, maior será o volume de óleoessencial obtido.

Verificando a presença decompostos fenólicos

Transfere-se cinco gotas do óleoessencial do alecrim-da-chapadapara um tubo de ensaio contendo5 mL de etanol comercial. Depois,adiciona-se a este uma gota de umasolução de cloreto férrico (1%). Veri-fica-se uma mudança de coloraçãona solução para verde-azulada, umindicativo da presença de compostosfenólicos, devido à formação umcomplexo colorido: Fe(III)-fenol.

Este experimento também podeser realizado com outras plantas. Osmonoterpenos timol e carvacrol sãoamplamente distribuídos no reinovegetal e ocorrem como os principaisconstituintes de essências de outrasplantas aromáticas, principalmentena família Lamiaceae, cujos exem-plos mais conhecidos são o orégano(Origanum vulgaris) e o tomilho (Thy-mus vulgaris).

Nota1. Recipiente utilizado na prepara-

ção do cuscuz, um dos pratos maistípicos da gastronomia nordestina, àbase de uma massa de milho (farinhaou fubá).

Figura 2: Fórmulas estruturais do carvac-rol (1) e do timol (2).

Figura 3: Cuzcuzeiras.

Figura 4: Sistema para extração do óleo essencial.

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 22, NOVEMBRO 2005Extração de óleo essencial de uma planta da caatinga

Abstract: Using a Couscous Maker in the Extraction of Essential Oil from Rosemary (Lippia gracillis), a Plant from the Savanna – This paper describes an experimental activity with a savanna plant,the rosemary (Lippia gracillis), based on the extraction and qualitative analysis of the essential oil from its leaves, using low cost materials. The activity allows a contextualized approach to differenthigh-school curricular contents.Keywords: experimentation, savanna plants, essential oil

Referências bibliográficasGIULIETTII, A.M.; SAMPAIO, E.V.S.;

VIRGINIO, J. e GAMARRA, C. Vegetaçãoe flora da caatinga. Recife: AssociaçãoPlantas do Nordeste, 2002.

MATOS, F.J.A. Plantas da medicina po-pular do Nordeste. Fortaleza: Ed. UFC, 1999.

SAMPAIO, E.V.S.B.; VELLOSO, A.L. ePAREYN, F.G.C. (Eds.) Ecorregiões, Pro-postas para o bioma caatinga. Recife:Associação Plantas do Nordeste, 2002.

Para saber maisDIAS, S.M. e SILVA, R.R. da. Perfumes:

Uma química inesquecível. Química No-va na Escola, n. 4, p. 3-6, 1996.

MACHADO, M.I.L. e CRAVEIRO, A.A..De insetos, aromas e plantas. CiênciaHoje, v. 4, n. 23, p. 54-63, 1986.

GUIMARÃES, P.I.C.; OLIVEIRA, R.E.C.e ABREU, R.G. Extraindo óleos essen-ciais de plantas. Química Nova na Es-cola, n. 11, p. 45-46, 2000.

Cristiano de Almeida Cardoso Marcelino-Jr.([email protected]), mestre em Químicapela Universidade Federal de Alagoas, é docente doDepartamento de Química da Universidade FederalRural de Pernambuco (DQ-UFRPE). Rejane MartinsNovais Barbosa ([email protected]), doutora emEducação Química pela Universidade East Anglia, édocente do DQ-UFRPE. Angela Fernandes Campos([email protected]), doutora em Química pelaUniversidade Federal de Pernambuco, é docente doDQ-UFRPE. Aldeci Pereira dos Santos é licenciada emQuímica pela UFRPE e professora no Ensino Médio.Cristiana de Castro Lacerda e Carlos Eduardo Gomes daSilva são licenciados em Química pela UFRPE.

Luiz Roberto de Moraes Pitombonasceu em 18 de abril de 1926, nacidade de São Paulo. Iniciou seus es-tudos na Escola Caetano de Campos(localizada na Praça da República,cujo prédio hoje abriga a Secretariada Educação do Estado de São Pau-lo), a qual freqüentou do jardim dainfância até o curso ginasial. Seu pri-meiro contato com o ensino de Quí-mica foi no ginásio, nas aulas do Prof.Osório de Freitas, de quem se tornoupreparador de aulas.

Em 1945, em um período em queprocurava definir a escolha profissio-nal, foi convidado pelo amigo RemoloCiola (futuro professor do IQ-USP) avisitar o Departamento de Química daFaculdade de Filosofia, Ciências e Le-tras da USP. Pitombo passou a assistiràs aulas, e impressionou-se particu-larmente com as desenvolvidas peloProf. Heinrich Rheinboldt – cujadidática, erudição e visão da Químicao Prof. Pitombo admirou por toda avida. Essa experiência definiu sua es-colha pelo curso de Química, concluí-do em 1949. Durante a graduaçãoiniciou seu envolvimento com a pes-quisa em Química, convidado peloProf. Marcelo de Moura Campos.

Pouco depois de formado, o Prof.Rheinboldt o convidou para ser Auxi-

liar de Ensino no Departamento deQuímica da FFCL-USP, dando inícioaos seus 46 anos de carreira univer-sitária. Realizou o doutorado sob aorientação do Prof. Rheinboldt,concluído em 1954 – último aluno domestre alemão, falecido no ano se-guinte. Para manter-se financeiramen-te durante a pós-graduação, o Prof.Pitombo paralelamente lecionou noEnsino Médio, nos colégios BatistaBrasileiro e São Luiz. Como Auxiliarde Ensino, ministrava o curso práticode Química Analítica, contando nessaatividade com a orientação do Prof.Paschoal Senise – a quem o Prof.Pitombo, com admiração, passou ase referir mais tarde como “o amigode todos os dias e mestre de sem-pre”. Concretizou-se a partir daí suaopção pela pesquisa em QuímicaAnalítica. Seu pós-doutoramento foirealizado entre 1964-1965, na Louisi-ana State University (EUA), sob asupervisão do Prof. Philip West – cujalinha de pesquisa estava então rela-cionada à resolução de problemasanalíticos ligados à contaminaçãoambiental, em particular do ar e daágua. Em seu retorno ao Brasil, o Prof.Pitombo realizou alguns trabalhospioneiros na área de Química AnalíticaAmbiental. Ele se lembrava com

entusiasmo de um trabalho de camporealizado entre 1968-1969, em cola-boração com pesquisadores do Na-tional Center for Atmospheric Re-search (EUA), que visava a determi-nação de gases traços na atmosferada selva amazônica. O Prof. Pitombodesenvolveu também uma linha depesquisa voltada para a investigaçãoda potencialidade do uso analítico decompostos orgânicos de enxofre,selênio e telúrio. Consolidou-se suaconcepção de buscar sempre umaabordagem sistêmica e interdisci-plinar para os problemas, que valori-zava as interações entre os camposdo conhecimento em lugar de seu

Nota

In memoriam: Luiz Roberto de Moraes Pitombo (1926-2005)